Voluspa, A Profecia Vedica
Voluspa, A Profecia Vedica
Voluspa, A Profecia Vedica
Resumo: Tradução direta do nórdico antigo para português e anotações do poema nórdico
antigo Vǫluspá. O poema em questão tem o seu registro escrito mais antigo em um manuscrito
do século XIII, Codex Regius, GKS 2365 4to, que se configura como uma das fontes poéticas
mais importantes para o estudo de religião, mitologia e literatura nórdico antiga, onde os
acontecimentos cosmogônicos e escatológicos são narrados por uma profetisa através de um
monólogo ouvido pelo deus Óðinn.
Abstract: Direct translation from Old Norse to Portuguese with notes of the Old Norse poem
Vǫluspá. The poem in question have its oldest registry in a manuscript from 13th century, Codex
Regius, GKS 2365 4to, which is one of the most important poetic source for the study of old
norse religion, mythology and literature, where the cosmogonic and eschatological events are
narrated by a prophetess through a monologue heard by the god Óðinn.
Key-Words: Old Norse Literature; Old Norse Mythology; Poetic Edda; Vǫluspá
Introdução
A Profecia da Vidente, ou Vǫluspá, é um poema encontrado em dois famosos
manuscritos escandinavos: no anônimo Codex Regius (GKS 2365 4to, também chamado de
1Doutorando em Ciências das Religiões pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências das Religiões da
Universidade Federal da Paraíba (PPGCR-UFPB), no qual desenvolve a tese Mito e Rito na Europa
Setentrional Pré-Cristã: investigando a Caçada Selvagem na poesia e prosa escandinava dos séculos e XII – XIV
sob a orientação do prof. Dr. Johnni Langer. Pesquisador do NEVE – Núcleo de Estudos Viking e
Escandinavos, grupo de pesquisa certificado pelo CNPq e vinculado ao PPGCR-UFPB. E-mail:
pgdemiranda@gmail.com
Konungasbók), datado de cerca de 1270 e, também, corpo central da obra que hoje é denominada
de Edda Poética, uma das maiores fontes da mitologia nórdica; e em duas folhas do Hauksbók,
compilação da pena de Haukr Erlendsson, sendo o códice datado do início do século XIV.
Adicionalmente, boa parte do seu conteúdo é citado em forma poética nos escritos que
compõem a narrativa do Gylfaginning, narrativa que é parte da chamada de Edda em Prosa,
disponível em quatro manuscritos: novamente no Codex Regius, Codex Upsaliensis (DG 11, início
do século XIV), no Codex Wormianus (AM 242 fol, metade do século XIV) e no Codex Trajectinus
(MSS 1374, geralmente datado do século XVII).
Suas meias linhas, qualificadas como versos, seguem o Fornyrdislag (Métrica da Antiga
Narrativa), uma métrica comum também à poética do repertório em Althochdeutsch e em
Ænglisc (Alto Alemão Antigo e Inglês Antigo, respectivamente), bem como de algumas estelas
rúnicas. Uma poesia essencialmente aliterativa, na qual quatro sílabas tônicas são distribuídas
igualmente em dois versos: a primeira sílaba tônica do segundo verso alitera com uma ou mais
sílabas tônicas do primeiro verso e, por via de regra, a última sílaba tônica dessa fórmula,
portanto no segundo verso, não alitera. Um padrão cuja rima e a assonância, contribuem para
o efeito sonoro no momento de sua declamação2. Se cabem algumas palavras sobre a
importância e a beleza do poema, seguem as palavras de John Lindow: “a Völuspá é um dos
monumentos mais poderosos e eloquentes da Mitologia Escandinava, com uma beleza de
expressão que é dificilmente equiparada e de uma visão abrangente da mitologia que também
é inigualável3” (Lindow, 2001, p. 319).
Apesar da escrita ser datada do século XIII, representando um momento em que a
Escandinávia já havia sido cristianizada, a Profecia da Vidente é um poema que consideramos
ter sido composto por volta do ano 10004, momento em que as religiosidades nórdicas pré-
com uma estrutura similar ao que encontramos no manuscrito 2365 4to, o Codex Regius, surgindo
variações escritas séculos depois (R I e R II), e ocasionalmente se configurando no texto que conhecemos
do Hauksbók com algumas variações, até que surja no Gylfaginning com consideráveis diferenças em
relação ao texto encontrado no Codex Regius (Dronke, 1997, p. 63). Estou simplificando um esquema
outrora já feito por Ursula Dronke, que entende haver ainda diferenças entre as folhas do Hauksbók (HI
e H II) e a sua relação com o Codex Wormianus, mas destrinchar toda a discussão filológica e codicológica
em torno da transmissão escrita relativa a datação desse poema pede uma publicação à parte, onde o
escrutínio ao método utilizado também deve ser levado em consideração. Entretanto deixamos um
cristãs produziram novos conceitos, baseados no seu contato com o cristianismo que circulava
nas Ilhas Britânicas, na Europa e Ásia, lembrando que muitos escandinavos tentaram a vida
em Bizâncio. Não obstante, o poema Vǫluspá pode ser analisado mediante a perspectiva da
interpretativo norrœna, na qual os poetas escandinavos interpretam o conjunto de ideias cristãs,
que transformam seus cultos e mitos5.
Um exemplo dessa dinâmica, são os versos sobre o deus Baldr, cuja a morte aparece
apenas no Codex Regius e motiva diretamente o Ragnarök, evento que após acontecido terá
como resultado o retorno desse deus e a paz com Hǫðr, o seu algoz. A ausência de sua morte
no Hauksbók, é particularmente interessante, pois evidencia a chegada de uma misteriosa
figura após a morte dos antigos deuses: inominável, poderosa e que governa sobre todos. Tal
figura evidencia características cristãs que são latentes ao poema, provavelmente,
influenciadas por ideias milenaristas da Europa continental, segundo John Lindow (Lindow,
2001, p. 335).
A narrativa se dá, na forma de um monólogo, feito por uma Vidente (Vǫlva) que é
conjurada dos mortos pelo deus Óðinn, que lhe pede para contar os fatos do passado e os
acontecimentos escatológicos, que resultarão na morte e renascimento dos seres vivos,
ponto em aberto, mais a título de provocação que de conclusão: a datação do corpo éddico é assaz
complicado e envolve muitas vezes uma minuciosa investigação linguística (a exemplo dos estudos
sobre partículas expletivas, a detecção de iniciais –v ou –vr ou o emprego de expressões do ramo
germânico fora do corpo linguístico nórdico), o fato do poema estar em Fornyrdislag não garante a sua
antiguidade, mas levanta questionamentos sobre a) um arcaísmo consciente dos escribas que nos
legaram a Profecia da Vidente, b) construções de um repositório mítico-religioso pertencente à
Escandinávia central, perpetuada enquanto uma tradição do imaginário islandês medieval. Bernt
Thorvaldsen, discutindo em torno das influências textuais e dessa tradição, nos estimula a procurar não
um texto original do qual a transmissão textual bastaria, mas um cenário onde ambas as aproximações
metodológicas nos possibilitem a tratar cada texto como um material de investigação contido em si
mesmo, onde ganharemos mais perguntando o que uma sociedade questiona como antigo e em que
perspectivas eram tratados como tal (Thorvaldsen, 2014, pp. 80-87 e 90).
5 Em um verbete sobre o poema, o pesquisador Johnni Langer, sintetizou os debates acerca da sua
transmissão: “Algumas das principais discussões recentes sobre o poema Völuspá: a sistematização de
estudos em língua inglesa realizada por Judy Quinn em 1994; os debates entre a oralidade e a natureza
dos textos manuscritos, entre eles, a comparação do poema éddico com textos oraculares gregos e
latinos, proposta por Ursula Dronke em 1999; a comparação entre os mitos da criação da Völuspá com
outros poemas éddicos e a Edda de Snorri, feita por John Stanley Martin em 1981; a análise das imagens
femininas na Völuspá em 1989 por Jenny Jochens, considerando improvável que a autoria deste poema
seja de uma mulher, como sugeriram outros pesquisadores; Lotte Motz em 1993 apresentou a concepção
de que tanto Gullveig como Heiðr representam a primeira fabricação de hidromel. Mais recentemente,
Christopher Abram considera que o poema Völuspá é um produto cultural de uma época de
instabilidade, da coexistência entre o paganismo e o cristianismo – que influenciaram simultaneamente
o sincretismo cultural dos poetas e audiência da época” (Langer, 2015a, p.557)
habitantes dos cosmos escandinavos: homens, deuses, anões e gigantes. A Vidente, ela mesma
um ser antiquíssimo, foi educada pelos gigantes, seres de conhecimento ctônicos e com
poderes sempre ambicionados por Óðinn. Seus conhecimentos são ainda maiores, pois a
Vidente estava morta quando foi interrogada, possuindo assim acesso a um corpo de
sabedorias distante dos mortais. Isso também explica o caráter gnômico do poema, no qual
vários mistérios são revelados através de metáforas.
Sendo um poema de sessenta e três versos, segundo a transcrição consultada e baseada
no Codex Regius, o texto pode ser dividido na seguinte sequência: nos dois primeiros versos, a
Vidente criada pelos gigantes apresenta-se; dos versos três ao vinte o processo cosmogônico é
explicado: o mundo criado no verso três, o tempo nos versos cinco e seis, e o tempo de
abundância finalizado por três gigantas, no verso oito; dos versos vinte e um ao cinquenta, lê-
se o encaminhamento para a escatologia cósmica, e dos versos cinquenta e um ao sessenta e
três, a batalha entre as forças ordeiras e caóticas, além dos acontecimentos que virão após o
fim de tudo (pois sempre há um recomeço)6.
Notadamente, os anões foram criados por Mótsognir, aconselhados pelos deuses e, a
interpolação que se costuma chamar de Dvergatál ou A Lista dos Anões, consta entre os versos
dez ao dezesseis, integrados à criação dos homens, que aqui, estão representados por Askr e
Embla, nos versos dezessete e dezoito. O processo antropogônico é deixado à interpretação do
leitor e, envolve um debate ainda profícuo entre os mitólogos, mas tanto os homens quanto os
anões foram inicialmente matéria inacabada, os primeiros foram troncos de árvores
encontrados no solo, (tradicionalmente entendido como praia, mas a expressão á landi é
ampla), os segundos enquanto manequins (manlíkon), sendo necessária a combinação das
forças conjuntas entre deuses e gigantas para a criação desses seres. Ainda mais, é possível que
a deusa Sól também tenha influenciado diretamente, quando no verso quarto o seu calor e luz
criou não apenas as primeiras plantas, mas também projetou os homens na terra7.
6 A título de comparação, seguindo a tradução de Ursula Dronke que é baseada no Hauksbók, o texto
pode ser acompanhado na seguinte sequência: a Autoridade da Vidente, versos um e dois; o
Estabelecimento do Cosmos, versos três a vinte; Progresso ao Ragnarök e a Dissolução do Mundo,
versos vinte e um ao cinquenta e três; após o Ragnarök: o fim e a renovação do mundo, versos cinquenta
e quatro a sessenta e dois (Dronke, 1997, pp. 30-59). Se torna salutar observar que seguimos a sugestão
da tradutora em relação à sequência dos eventos narrados.
7 Essa é a ideia de Anders Hultgård, ao refletir comparativamente os mitos antropogônicos de tradições
frígias e iranianas. Para uma exposição dos debates em torno do lugar dos homens e do mito
antropogônico na Vǫluspá, consultar Hultgård, 2004.
8 the first major move in the dissemination of eddic poetry was the 1665 edition of Snorri’s Edda, together
with the eddic poems Vǫluspá and Hávamál – key mythological texts – by Peder Hansen Resen. Tradução
nossa.
9 “… although Vǫluspá and Hávamál were the earliest mythological poems to be made available outside
Scandinavia, this early prominence ironically resulted in neglect of both poems, since they were not
included in later eddic collections – such as the first volume of the Copenhagen Edda – precisely because
they were already available. Furthermore, Vǫluspá, with its allusive, oblique style, is not an immediately
Sobre a tradução
Algumas considerações sobre a tradução precisam ser feitas, antes que se possa
apresentar este trabalho: a tradução aqui apresentada, foi feita diretamente sobre o material
em nórdico antigo. Ao acessar as transcrições, amplamente utilizadas em trabalhos
acadêmicos de mesmo propósito, optou-se preferencialmente pelo primeiro volume,
Goðakvæði, da Edda Poética, transcrita e com notas de Jónas Kristjánsson e Vésteinn Ólason, da
coleção Íslenzk Fornrit, que por sua vez, é organizada por Þórður Ingi Guðjónsson
(Kristjánsson; Ólason, 2014).
Outrora, foi realizado um estudo sobre o Grímnismǫl10 utilizando-se a produção de
Finnur Jónsson, na qual obteve-se tanto a paleografia dos manuscritos medievais, como seus
apontamentos, postos nos dois volumes do Lexicon Poeticum, em parceria com S. Egilsson
(Egilsson, 1913 – 1916; Egilsson; Jónsson, 1931). Esta predileção, justifica-se pela crítica e boas
notas realizadas por Kristjánsson e Ólason, contudo foi mantida a consulta ao Lexicon Poeticum.
Para maior contribuição com o Dvergatál, foi utilizado um artigo de Chester Nathan
Gould chamado “Dwarf-Names: a Study in Old Icelandic Religion” (Gould, 1929). Apesar de
bastante datado, é ainda um estudo relevante, por oferecer diversas concepções filológicas em
torno dos anões da Mitologia Nórdica, porém o debate do tema, que também envolve os
accessible poem even in translation. Hávamál, with its down-to-earth wisdom, never met the taste for
the sublime, and neither one became part of the small group of often translated poems. For a number
of reasons, then, the influence of eddic mythological poetry was eclipsed by the conception of the heroic
viking warrior, and, more especially, his prototype: Odin the Asiatic chieftain whose Gothic warriors
routed the Romans. Tradução nossa.
10 Apontado em Miranda, 2014.
nomes de outros seres (gigantes e deuses, inclusos), está longe de ser resolvido. Ainda há
muito o que ser feito e adicionado, como por exemplo, a consulta aos artigos de Lotte Motz
sobre o tema, em especial “New Thoughts on Dwarf-Names in Old Icelandic” e “The Host of
Dvalinn: Thoughts on Some Dwarf-Names in Old Icelandic”, porém não foi possível o acesso
a esses trabalhos, ficam os votos, para que escritos futuros, de outros pesquisadores possam
utilizar tais referências.
Dúvidas sobre os termos na língua original, foram sanadas utilizando uma versão
digital do dicionário em inglês An Icelandic-English Dictionary (Cleasby; Vigfusson, 1874) e uma
cópia física do A Concise Dictionary of Old Icelandic (Zoëga, 2004). Não existe qualquer obra
desse porte em português, o que em alguns momentos provou dificultar esta produção, já que
se fez necessário estabelecer uma ponte linguística entre uma língua germânica antiga, uma
língua neogermânica e uma língua neolatina.
No que se refere à posição das palavras, tempo verbal ou mesmo quando a construção
das ideias ficou prejudicada por essa ponte, maior sorte se obteve, ao consultar em momentos
de dificuldades, a tradução Edda Mayor de Luís Lerate (2009), o que permitiu dispor da
perspectiva entre uma língua germânica antiga e uma língua neo-latina, possibilidade essa
também apresentada pelos estudos de Régis Boyer e L’Edda Poétique (Boyer, 1992).
Quantoa estrutura textual, buscou-se similaridade, o que nem sempre foi possível
devido às diferenças linguísticas entre o texto original e a tradução feita neste estudo.
Infelizmente, regra geral, os tradutores não prezam por tal estilo, tornando o texto prolixo,
com a finalidade de que sejam mais agradáveis ao público. Contrariando tal expectativa, o
leitor encontrará aqui, no texto traduzido, repetições, frases intricadas e um conteúdo críptico.
Todas essas são características da poesia nórdica, na qual os ouvintes deveriam ter, como
contrapartida, um conhecimento prévio do conteúdo e das metáforas poéticas, as Kenningar,
ali inseridas.
Ademais, toda a crítica documental e sinalizações de incongruências entre os
manuscritos, foram acompanhadas também pelas observações de Ursula Dronke (1997).
Indiscutivelmente os melhores trabalhos acadêmicos sobre os poemas da Edda Poética se
encontram na sua coleção em três volumes, devidamente consultados, um em particular no
qual, a autora realiza a tradução da Vǫluspá, a mais profunda disponível em inglês, em razão
da comparação entre os manuscritos originais, crítica documental e análise de conteúdo.
Por último, mas não mesmo importante, a profa. Dra. Patrícia Pires Boulhosa realizou
uma tradução da Vǫluspá, esforço pelo qual o Instituto Árni Magnússon de Estudos Islandeses
concedeu o “Snorri Sturluson Icelandic Fellowship” em 2007. Esse estudo ainda não foi
publicado em português, mas ficam os nossos votos para que possamos vê-la disponível nas
estantes de livrarias e bibliotecas brasileiras11.
Tradução e Notas
Nórdico Antigo Português
1. Hljóðs bið ek allar 1. Eu peço a atenção de toda
helgar kindir, a sagrada descendência,
meiri ok minni nobres e modestos
mǫgu Heimdalar; filhos de Heimdall12;
vildu at ek, Valfǫðr, eu fui requisitada, Pai dos Mortos13,
vel fram telja para bem narrar
forn spjǫll fira, os antigos acontecimentos do mundo,
þau er fremst um man. como lembrar dos tempos longínquos.
2. Ek man jǫtna 2. Eu me lembro dos gigantes
ár um borna, nascidos no primórdio,
þá er forðum mik aqueles que outrora a mim
fœdda hǫfðu; criaram14;
níu man ek heima,
11
Informações retiradas da página da autora na Universidade de Cambridge
http://www.asnc.cam.ac.uk/people/academic/boulhosa.htm e do site
http://www.arnastofnun.is/page/styrkir_snorra_sturlusonar_en ambos com acesso em 01 de agosto
de 2018.
12 Segundo o poema Rígsþula, encontrado no Codex Wormianus, Heimdall (sob alcunha de Ríg) deu
origem a uma diferenciação social e identitária aos homens, divididos entre Jarlar, Karlar e Þrælar, que
seriam respectivamente os aristocratas, os homens-livres e os escravos. Desse modo, a Vidente pede
atenção a todos os homens, independentemente de sua condição social.
13 Um dos muitos nomes do deus Óðinn.
14 Essa foi uma passagem sensível para a tradução. Nos rascunhos para concepção deste trabalho,
traduzidas como “educaram e nutriram”, pois não está claro se a vidente viveu entre os gigantes e
recebera deles o seu conhecimento ou se foi gerada ela mesma, uma giganta. De qualquer maneira nas
linhas abaixo há de se ler “níu íviðjur”, traduzidos aqui, como nove ogras de madeira, uma clara
referência ao conhecimento mágico que tanto é procurado por Óðinn, e que parece ser impossível
desassociar a figura da vidente desses gigantes, de modo que a esta tradução se tornou propositalmente
dúbia, a vidente ou foi recebida e criada por esses gigantes, ou é ela mesma uma giganta.
15 O número nove é um número central não só na mitologia, mas também, nos processos mágico-
religiosos encontrados em diversos contextos materiais e imateriais do mundo escandinavo, quase
sempre relacionado ao deus Óðinn.
16 O termo Íviði é de tradução complicada. Carolyne Larrington, traduzindo a partir do Codex Regius,
menciona Nove Donzelas Gigantas. Úrsula Dronke, ao traduzir, a partir do Hauksbók, escreve Nove
Ogras da madeira (talvez em referência a uma floresta). No Lexicon Poeticum, Finnur Jónsson menciona
que o a palavra não faz sentido, estando incorreto no Hauksbók, porém admite a possibilidade ligação
com a madeira contido no termo Íviðja.
17 Segundo Cleasby-Vigfússon, a “Árvore da Medida”, Mjötvið, pode ser uma corruptela de Mjötuðr,
“medida do destino”. Como há uma clara alusão a Árvore Cósmica, Yggdrasill, ainda por brotar (abaixo
do chão) é possível uma tradução como Árvore do Destino.
18 Ymir é o gigante (ou protogigante) primordial e das partes de seu corpo é formado Miðgarðr, a Terra-
Média, mas também a progênie de todos os gigantes e da maldade que faz parte desses seres. Em relação
ao sânscrito Yama, hermafrodita, e ao védico Yima, Ymir pode significar gêmeo ou duplo, ou ainda ao
indo-germânico Iemo (gêmeo, hermafrodita), como argumentam Régis Boyer e Rudolf Simek. Na Edda
em Prosa, Ymir nasce do encontro do frio de Nílfheimr e do calor de Múspelheimr, ambos no buraco
cósmico Ginnugagap, se alimentando do leite da vaca Auðumla, Veremos na tradução que dele também
descendem os anões, aqui de seu sangue e ossos. Entre seus nomes, veremos neste poema que também
será chamado de Brimir e Bláinn.
19 Burr, filho de Búri, marido de Bestla e pai dos três deuses que dão forma ao universo: Óðinn, Vili e
Vé. Esse personagem é citado apenas de maneira passageira nesse poema e no Gylfaginning. Os gigantes
são seres primordiais e dotados de poderes ctônicos, ao invoca-los aqui, a Vidente estaria indicando um
momento anterior à própria ordenação de Miðgarðr, a Terra-Média. Ainda com informações dos
poemas Grímnismál e Vafþrúðnismál, Óðinn, Vili e Vé fazem do corpo de Ymir: a terra com a carne, as
rochas com os ossos, as árvores com os cabelos (portanto os humanos também seriam descendentes
desse gigante, assim como os anões), o céu com o crânio, o mar com o sangue a Terra-Média com as
pestanas e as nuvens de tempestade com os seus miolos. Para maiores discussões, consultar o verbete
Ymir em LANGER, 2015b.
20 Costas do mar, no caso, referente ao processo de criação cosmogônico citado na nota anterior.
21 A Terra-Média.
22 Estamos diante da descrição do que seria o primeiro amanhecer. Curiosamente, a divindade que
representa o sol, Sól, é uma mulher, enquanto a lua, um homem, seu irmão, Máni. Na quinta estrofe
traduzido como Máni, como companheira de Sól, mas não se pode dizer ao certo, se as fontes indicam
qualquer tipo de relação carnal, como no trio divino Freyr, Freyja e Njǫrðr. Nesse poema, Máni
representa a Lua, enquanto contraparte masculina.
23 Como escrito na nota anterior, Lua.
29 Bebedor de Hidromel, mas Bebedor de Encontro ou do Debate também é uma tradução aceitável.
30 Porteiro. Caso haja uma relação entre os nomes de Mótsognir e Durinn, o segundo mais estimados
entre os anões, pode-se vislumbrar uma relação onde o primeiro recebe os convidados (talvez os anões)
e Durinn controla o trânsito dessa recepção, expresso na lista que segue.
31 Mannlíkun foi uma expressão particularmente difícil de traduzir, a ideia geral é a de que os anões
formaram da terra várias imagens, no sentido de manequim, boneco, ídolo, com semblantes humanos.
32 Lua Nova, Lua Minguante, Norte, Sul, Leste, Oeste, Ladrão de Todos, Preguiçoso, Castor, Bávǫrr,
34 Lima, Cunha, Encontrado, Eixo, Cabo, Habilidoso, Entorpecedor, Ligeiro, Chifre Perfurador, Famoso,
Preguiçoso, Lamaçal, Guerreiro e Escudo de Carvalho.
35 Plural de Aurvangr, pode ser entendido como Lamaçais.
36 Planícies de Batalha.
37 Gotejante, Ansioso Pela Batalha, Grisalho, Pisa Montículo, Planície Coberta, Brilho, Tecedor, Tingidor,
Boa Árvore, Bisavô, Elfo, Yngvi, Escudo de Carvalho, Serralheiro, Gelado, Finnr e Enganador.
38 Traduzidos como homens pelo significado poético, Ǫld também pode ser entendido como tempo,
Dronke e Larrington traduziram como Mundo. A preferência aqui manifestada, vem da estrofe quatorze
na qual a lista dos anões descendentes de Lofarr é narrada para os homens e seus descendentes.
39 Freixo e Videira. Askr e Embla é o primeiro casal de humanos animados pelo trio de deuses
pertencentes aos Æsir: Óðinn, Hænir e Lóðurr. É possível que esses sejam também o trio de deuses
ordenadores do cosmo (Óðinn, Vili e Vé), mas a discussão linguística sobre o tema é extensa e ainda não
se chegou a qualquer consenso. Askr e Embla seriam troncos encontrados no chão, e enquanto o
primeiro facilmente refere-se a Freixo, o segundo é de difícil tradução, já que não existem paralelos no
nórdico antigo, sendo traduzidos como Videira ou como Olmo. Lá não necessariamente se refere a
“pele” e de certa forma Ask e Embla já possuíam pele, a casca dessas árvores, mas o termo também é
difícil de se traduzir. A palavra significa a espuma entre a onda e as areias da praia, de modo que uma
tradução literal não faria sentido, provavelmente na composição, remete-se a maciez do corpo humano
que não existe no tronco da árvore, nesse sentido como é usado para se referir a algo que envolve e
separa, portanto, mesmo sabendo das dificuldades, adotou-se o referido termo.
traçar uma ligação entre Gullveig/Heiðr e a deusa Freyja, tendo em vista que tal conflito, a troca de
deuses reféns e a prática de Seiðr, que também envolve a vidência, gravita em torno de Freyja na
Ynglinga saga.
43 Alto, um dos nomes de Óðinn.
44 Brilhante ou Honra, é um nome comum dado as feiticeiras nas sagas islandesas, aqui o nome é dado
a Gullveig após ela começar a praticar Seiðr.
45 Vígspá traz a ideia de feitiçaria, o prefixo Spá- está associado ao conhecimento da previsão, do
46 A tradução de Larrington Enganação (Treachery), enquanto Dronke preferiu Ruína (Ruin). Optou-se
portanto, pelo termo Veneno pela sua pluralidade de sentidos na língua portuguesa, seguindo a
indicação do dicionário Zoëga (venom, bane; blanda lopt lævi, to poison the air).
47 Nome críptico mas associado a Óðinn, variação de Yggr, Terrível. Segundo as observações de
Kristjánsson e Ólason (Kristjánsson; Ólason, 2014, p. 298) o nome está pode ser compreendido com o
deus Óðinn, velho e temeroso, preocupado com o destino dos Ӕsir. Yggr ou Uggr, também pode ser
entendido como preocupação ou ansioso, então é possível traduzir como Preocupado ou como Jovem,
aqui, tomou-se por melhor, preterir a tradição que, entre os nomes de Óðinn, Yggr seja traduzido como
Terrível.
48Larrington e Dronke traduzem como Espíritos Divinatórios (Spirits of Prophecy), mas Spágandr pode
se referir também aos bastões utilizados nos rituais de Seiðr e portados pelas feiticeiras, como parece
ser o caso da narrativa: em troca dos presentes o deus Óðinn teve acesso a todo o arsenal mágico da
adivinha.
49 Referência ao assassinato de Baldr por Hóðr um deus cego que foi enganado por Loki. Segundo o
poema Baldurs Draumar, Loki será morto, mas vingado pelo seu irmão Váli, que matará o deus cego em
vingança. No Gylfaginning maiores detalhes são dados: Loki fabrica uma flecha usando o visco e entrega
ao deus Hóðr para que atire em um jogo. Todas as coisas no universo haviam prometido não machucar
Baldr, mas o Visco por ser ainda muito jovem foi liberado dessa promessa. Enganado, o deus cego é
pego em uma das artimanhas do trapaceiro. Ainda no Gylfaginning Váli e Nari são apresentados como
filhos de Loki, mas geralmente a isso é atribuído um erro de transcrição. O episódio da morte de Baldr
e Hóðr pode ser encontrado em várias fontes em nórdico antigo e latim.
50 Temível.
51 Campos Escuros.
52 Nunca Frio.
53 Como os salões não possuíam janelas, essas aberturas serviam para a entrada natural da luz, bem
Taipa de Mão, que consiste no entrelaçamento de feixes de madeira que resulta na criação de uma tela
que, depois de ter os buracos cobertos com barro, servirá como parede. Em inglês a técnica se chama
Wattle and Daub, em francês Torchis e em espanhol Bahareque.
pelos mortos, e onde Sót-, é empregado no sentido de um vermelho enegrecido pela fuligem, portanto
um vermelho escuro, sem vida.
59 O sentido aqui é amplo, o dicionário Zoëga ainda traz os significados de conhecimento, poemas,
encantamentos, feitiços.
60 Também pode ser entendido como sig-Týr, ou o Týr da Batalha, uma clara alusão ao deus Óðinn.
61 Cometer adultério.
Surtr é caracterizado como um gigante do fogo, a ruína dos galhos seria uma referência
62
Himinn, ainda que traduzido como céu, é tradicionalmente entendido enquanto paraíso (em inglês
63
Heaven).
64 Loki.
undrsamligar as maravilhosas
gullnar tǫflur peças douradas67
í grasi finnask, serem achadas na grama,
þærs í árdaga aquelas que outrora
áttar hǫfðu. eles68 possuíram.
60. Munu ósánir 60. Sem planteio vai
akrar vaxa, o lavrado crescer,
bǫls mun alls batna, toda a desgraça vai sarar
Baldr mun koma; Baldr vai retornar;
búa þeir Hǫðr ok Baldr Hǫðr e Baldr, aqueles residirão
Hropts sigtóptir, nos lares da vitória de Hroptr,
vel valtívar. os deuses dos mortos estão bem.
Vituð ér enn – eða hvat? Queres saber mais – e o que?
61. Þá kná Hœnir 61. Então Hœnir poderá
hlautvið kjósa, escolher ramos de adivinhação,
ok burir byggja e habitarão os filhos
brœðra tveggja dos dois irmãos
vindheim víðan. no extenso Vindheimr69.
Vituð ér enn – eða hvat? Queres saber mais – e o que?
62. Sal sér hon standa 62. Ela vê um salão que é
sólu fegra mais belo que o sol
gulli þakðan, coberto de ouro,
á Gimlé; em Gimlé70;
þar skulu dyggvar lá irão habitar
dróttir byggja as valorosas pessoas71
ok um aldrdaga e em eternidade
ynðis njóta. desfrutarão da felicidade.
63. Þá kømr inn dimmi 63. Assim veio o sombrio
dreki fljúgandi, dragão voando,
naðr fránn, neðan a serpente cintilante, de baixo
frá Niðafjǫllum; desde Niðafjǫll72;
berr sér í fjǫðrum em suas escamas carrega
- flýgr vǫll yfir - - sobre o campo voa -
Níðhǫggr nái. Níðhǫggr, corpos.
Nú mun hon søkkvask. Agora ela irá afundar.
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