Livro Homens Da Ilha Versao Digital 10 03 21 1
Livro Homens Da Ilha Versao Digital 10 03 21 1
Livro Homens Da Ilha Versao Digital 10 03 21 1
1ª edição
Ficha Técnica
Organizador:
Wendel Alexsander Dalitesi Costa
Autores:
Wendel Alexsander Dalitesi Costa
Juliana Heloise Rosa Santos Silva
Jordan Goes Paixão Bargas Santos
Revisão:
Adriana Maria Gomes
Juliana Heloise Rosa Santos Silva
Jordan Goes Paixão Bargas Santos
Wendel Alexsander Dalitesi Costa
Bibliografia
ISBN 978-65-00-18487-7
21-58663 CDD-981.612
Índices para catálogo sistemático:
2
A traje tória dos povos que formaram Guarujá
3
Os Homens da Ilha
Agradecimentos:
4
A traje tória dos povos que formaram Guarujá
Prefácio
5
Os Homens da Ilha
6
A traje tória dos povos que formaram Guarujá
Sumário
Introdução..................................................................................................................9
Capítulo 1: Guardada sob as conchas.....................................................................11
Capítulo 2: A passagem estreita..............................................................................17
Capítulo 3: Para o nosso mar...................................................................................22
Capítulo 4: África retumbante.................................................................................29
Capítulo 5: Ao meu Guarujá Caiçara......................................................................35
Capítulo 6: A Ilha Dragão.........................................................................................44
Capítulo 7: As Mulheres da Ilha..............................................................................48
Capítulo 8: A pérola revelada...................................................................................53
Capítulo 9: Caminho em cordéis.............................................................................59
Capítulo 10: Educação e transformação feminina.................................................64
Capítulo 11: A explosão da cidade...........................................................................70
Capítulo 12: O nativo invisível.................................................................................75
Epílogo ao caiçara atual............................................................................................80
Capítulo 13: Novos olhares sobre Guarujá.............................................................81
Referências.................................................................................................................85
Entrevistados:............................................................................................................94
Fontes primárias:.......................................................................................................95
7
Os Homens da Ilha
8
A traje tória dos povos que formaram Guarujá
Introdução
Pode parecer irônico um livro intitulado “Os Homens da Ilha”, ser introduzido por
uma mulher, mas de antemão já gostaria de chamar a atenção que Homens, no título, signi-
fica seres humanos, e não deve ser tomado como uma questão de gênero ou voltado unica-
mente para o ambiente masculino, até porque nesta obra também serão relatadas histórias
de mulheres que venceram e tiveram de alguma forma o seu diferencial, e mesmo que não
tenham se tornado personagens tão renomadas ao ponto de terem seus nomes espalhados
pela cidade, possuem narrativas de vidas que merecem ser valorizadas, e é justamente essa
a proposta desta obra: revelar as pessoas que estão no anonimato.
Durante muito tempo a história de Guarujá tem sido retratada privilegiando a
figura de personagens ilustres, famosos e ligados à elite econômica da época, e que
obviamente tiveram algum tipo de contribuição para o desenvolvimento da cidade. O
grande problema deste único ponto de vista é que ele acaba escondendo, tirando a im-
portância e diminuindo a visão com relação a outros agentes históricos que também ti-
veram papel fundamental na formação do município. Sendo assim, a aposta deste livro
é justamente trazer uma reviravolta na abordagem, dando o devido lugar de destaque a
pessoas muitas vezes desconhecidas.
A construção deste livro também é, na verdade, um compilado do resultado de
pesquisa documental, história oral e do desenvolvimento de artigos científicos feitos
por nós nos últimos anos, tendo em vista que o grupo de autores aqui reunidos na ela-
boração desta obra se formou no ano de 2018 dentro do projeto EDUCAFRO, que em
Guarujá é desenvolvido no Núcleo de Estudos Indígena e Afro Brasileiro da Universi-
dade de Ribeirão Preto, onde todos são voluntários e trabalham em prol da transforma-
ção de vidas, na medida em que o projeto social prepara alunos afrodescendentes e de
comunidades carentes para o ambiente universitário.
No entanto, longe de querer esgotar os temas da história da Cidade, este mate-
rial pretende dar uma contribuição singela, fornecendo ao menos condições para que
outros autores possam se inspirar no modelo e dar continuidade aos temas. Ao longo
da leitura serão abordadas questões de gênero e desigualdade social e racial, além de
outras contradições que o meio urbano traz consigo. Mas também serão mostradas as
tradições do povo caiçara e o desenvolvimento de Guarujá no decorrer dos séculos,
9
Os Homens da Ilha
10
A traje tória dos povos que formaram Guarujá
Capítulo 1:
ona Odete1 acorda às 5h. O tempo é curto. Antes que o sol nasça, precisa par-
D
tir para mais um dia de luta. Junto ao seu grupo, formado por alguns familia-
res e vizinhos, segue mangue afora. Botas calçadas e pés na gamboa2. É ali que
os mariscos se escondem.
Caiçara nascida do outro lado do canal de Bertioga, desde os oito anos aprendeu
a viver dos moluscos. É da natureza que extrai seu ganha-pão, e dele continuará a viver
até que Deus a leve, afinal, precisa levar o fruto de seu trabalho aos clientes, donos dos
restaurantes, antes que os turistas desçam a serra atrás dos famosos pratos tradicionais.
Hoje o barco é a motor, mas os recursos são mais escassos, já que algum tempo atrás
uma empresa local despejou produtos químicos que contribuíram para poluir a água e de-
teriorar a fauna local. Mas dona Odete é valente, persistente, do tempo que a canoa era a
remo e suas braçadas a levavam de um canto ao outro. Sua família sempre viveu do lambe
-lambe3, da ostra, das dádivas que a natureza dá. E é certo que, se tudo o que nossa ilustre
personagem coletou, em seus sessenta e quatro anos de vida, fosse empilhado, as conchas
talvez competissem em tamanho com os morros do Guararu4, ali vizinhos.
Do outro lado da serra e do tempo outra mulher. Poucos passos e muitos anos
separam seus mundos, embora um mesmo ambiente as aproxime. Esta outra também
vive cercada das conchas, da cabeça aos pés. Seu grupo ali chegou cerca de milênios an-
tes do grupo de dona Odete. Viviam da caça, da pesca, da extração. Talvez até mesmo
já dominassem técnicas agrícolas.
Não se sabe qual foi o primeiro ser humano a colocar os pés na ilha de Santo
Amaro. Sabe-se, contudo, que os primeiros hominídeos teriam chegado ao litoral bra-
sileiro há milhares de anos. E pela datação de seus achados nas faixas litorâneas, foi
possível constatar que os montes artificiais começaram a ser erguidos por eles há apro-
ximadamente oito mil anos (ALONSO, 2017, p. 222)5.
6 Sabe-se que a cultura sambaquieira deixou edificações bem maiores, como o sambaqui Garo-
paba do Sul, em Santa Catarina, com 30 metros de altura. No entanto, o intuito deste trabalho é dar
uma atenção mais específica à exploração arqueológica desenvolvida no município de Guarujá.
7 Dados quanto à altura referentes ao sambaqui Maratuá. Dados quanto ao tempo total de
construção são referentes ao sambaqui Buracão. Ver em: GONZÁLEZ, Érika M. Robrahn. DEBLA-
SIS, Paulo Antonio Dantas. Sambaquis da Baixada Santista: descobrindo a história pelos vestígios.
2017, p. 104,115.
8 DE BLASIS, Paulo Antonio Dantas. PIEDADE, Silvia C. M. As pesquisas do Instituto de Pré
-História e seu acervo: balanço preliminar e bibliografia comentada. Revista do Museu de Arqueolo-
gia e etnografia. 1991. ´p. 168.
9 SILVA, Mauricio Cândido da. Miss Sambaqui: Gênero, representação nos museus e patrimô-
nio cultural. IN: Maria Elisabete Arruda de Assis; Taís Valente dos Santos (org). Memória feminina:
mulheres na história, história de mulheres. 2017. p. 172-173. Disponível em: https://www.museus.
gov.br/wp-content/uploads/2017/03/Mem%C3%B3ria-feminina-mulheres-na-hist%C3%B3ria-hist%-
C3%B3ria-de-mulheres.pdf
10 GONZÁLEZ e DEBLASIS, ibidem. p. 14
11 idem.
12
A traje tória dos povos que formaram Guarujá
12 Ver ALVES, Maria Daniela. A indústria lítica do sambaqui Mar Casado e outros sítios do
litoral do estado de São Paulo. 2010.
13 Idem. p. 63-64.
De Blasis e Piedade trabalham com a quantidade de 18 ossadas encontradas no sambaqui em questão.
Ver em DE BLASIS e PIEDADE, ibidem. p. 169.
14 ALVES. Ibidem. p. 63-64.
15 Idem p. 13.
16 Idem. p. 56.
13
Os Homens da Ilha
Muito além de conjuntos nômades que se locomoviam apenas para satisfazer suas
necessidades básicas, os homens e mulheres dos sambaquis deixaram marcas de sua
vocação artística em colares, pulseiras e nos ornamentos que envolviam as pessoas se-
pultadas. Mostravam também certo grau de refinamento pelas flechas que usavam para
caçar, ou nos arpões e anzóis utilizados para a pesca17.
Também é importante deixar claro que existia uma forte ligação entre a cultura samba-
quieira e a região dos rios. Por serem ambientes férteis e viveiros naturais, as áreas alagadiças
atraíram a atenção do ser humano, que delas passaram a extrair os recursos necessários à sua
sobrevivência e a erigir neles os seus montículos18. Apesar de ainda hoje se saber pouco sobre o
modo de vida dos nossos primeiros habitantes, o fato é que dona Odete não aparece só na missão
de retirar dos manguezais o seu sustento. Muitos outros fizeram isto antes dela.
Os sambaquis não passaram despercebidos dos grupos indígenas tupis quando
estes chegaram à baixada santista cerca de mil anos atrás. Foram eles que deram nome
às edificações feitas pelos primeiros humanos a se fixarem aqui. Quando a nossa mente
nos leva aos primeiros monumentos arquitetônicos feitos pelos colonizadores europeus
na região, como a Fortaleza da Barra Grande, ou a indústria da Armação das Baleias
no extremo leste da ilha, é importante se levar em conta que estas e outras edifica-
ções, infelizmente, se utilizaram do produto dos sambaquis como matéria prima para
as construções portuguesas ainda no período colonial, o que contribuiu em muito para
a destruição de seus vestígios19.
O que se sabe hoje sobre os únicos três sambaquis explorados sistematicamente em
Guarujá até o momento, é que marcas de ocupação mais antigas da Ilha-Dragão vem do
sambaqui Mar Casado, com datação estimada em mais de 5300 aos atrás, tendo chegado ao
seu tamanho máximo cerca de 750 anos depois20. Não se tratava, portanto, de uma cultura
imediatista, pois entre a base e o topo da obra, havia não apenas um número incontável de
cascas de moluscos e outros elementos, mas também o trabalho de dezenas de gerações.
Em termos de cronologia, após o Mar Casado vinha o Sambaqui Maratuá, cons-
truído num intervalo de cerca de 500 anos, de 3865 e 3350 anos atrás. E por fim o Bura-
cão, mais recente de todos, porém de maior longevidade em tempo de construção, cuja
obra teria sido iniciada há 2000 anos, tendo se estendido por 800 anos, podendo haver
durado um milênio, período que coincide com o das primeiras incursões tupiniquins
na baixada santista21.
Com relação aos homens e mulheres dos sambaquis, fica a pergunta: O que nos
separa deles além do tempo? Nossa Miss Sambaqui carregava consigo algo de dona
Odete, buscando alimento à beira do canal de Bertioga.E neste sentido, passado e pre-
sente dialogam um com o outro, e está é a razão de ser da História.
Assim a cidade vai fazendo jus ao seu nome de pérola do Atlântico, com os pri-
meiros indícios da vida guardados sob as conchas. E apesar desta primeira trajetória
humana ter tido um fim, para a saga dos homens na ilha, esta seria apenas mais uma
entre tantas outras páginas que se seguiriam.
16
A traje tória dos povos que formaram Guarujá
Capítulo 2:
A passagem estreita
ona Margarida25 serve o café. A mesa é posta. Sua vivacidade bem esconde
D
os noventa e um anos de idade que carrega consigo. Tão agradável quanto
sua hospitalidade são as memórias que tem a partilhar. Moradora há muitos
anos no bairro Helena Maria 26, teve sua vida inteira vinculada à ilha de Guaibê27,
bem como a de seus ancestrais.
O nome que lhe foi dado ao nascer não veio do acaso. Homenageava uma de suas bisa-
vós, de nome Margarida Rosa de Oliveira28. Segundo uma das versões da história oral, esta
teria sido uma índia tupiniquim, moradora da região do Tortuga, na praia da Enseada, e lá
conheceria Manoel Benedito dos Santos, que mais tarde seria faroleiro na ilha da Moela29.
Além do vínculo com o passado que carrega em seu nome, dona Margarida tem
em sua veia o sangue dos Jorge, sobrenome cujas histórias compartilhadas por famílias
antigas em Guarujá sempre remetem a um grupo de origem indígena, cujas raízes se
perdem no tempo. Para nossa personagem, seu avô João Batista Jorge, casado em 1878
na Fortaleza da Barra Grande30, era bugre31 nome comumente dado aos filhos mestiços
de nativos com pessoas de origem europeia.
O que nossa entrevistada não sabia, mas a pesquisa documental ajudou a re-
velar, é que suas raízes familiares, duzentos anos atrás, remontavam um único
lugar: Praia da Enseada, nas proximidades do lugar conhecido em língua nativa
como Tejereba32. No ano da independência do Brasil, cercado por diversas famílias
de origem branca, estava a unidade familiar de Francisco Jorge e Maria Marcelina,
clã de pessoas referidas no censo como pardas, casal ancestral comum de todos os Jorge que
33 Segundo resultado de pesquisa por nós realizada, Margarida Neta é trineta de Francisco
Jorge e Maria Marcelina, família de agregados que vivia na praia da Enseada no início do século XIX.
No censo de 1822 a família aparece como parda, em provável alusão à sua etnia indígena.
34 PEIXOTO, Fábio. Disponível em https://super.abril.com.br/historia/empilhadores-de-conchas/
35 PREFEITURA MUNICIPAL DE SANTOS. 2005. Disponível em: https://silo.tips/download/
prefeitura-municipal-de-santos-estancia-balnearia-secretaria-de-educaao-departam-3
36 A origem do nome Guaibê suscita debate. Há, inclusive, uma teoria de que a palavra seria
de origem semita, conforme https://www.novomilenio.inf.br/guaruja/gh003.htm. No entanto, opta-
remos pela visão tradicional de origem tupi, que, ao nosso ver, parece se ajustar melhor aos estudos já
consolidados quanto à e timologia da palavra em questão.
37 Ver em https://www.itapemapraia.com.br/significado-da-palavra-itapema.php
38 Ver em https://www.dicionarioetimologico.com.br/pernambuco/
39 Ver em https://www.novomilenio.inf.br/guaruja/gh031b.htm
40 Para etimologia referente ao nome da cidade, consultar citação ao trabalho de Francisco
Martins dos Santos em http://unidon.edu.br/museu/historia/historia_historiaguaruja.html
41 PEIXOTO, Fabio. Ibidem.
42 PREFEITURA MUNICIPAL DE SANTOS. Ibidem.
43 PEIXOTO, Fabio. Ibidem. Ver também SCHADEN, Egon. Os primitivos habitantes do ter-
18
A traje tória dos povos que formaram Guarujá
Morro dos Macacos, o convento da Paciência e o sítio Conceiçãozinha, pertencente aos je-
suítas, onde se ministravam os ritos e sacramentos. Importante também ressaltar a ação dos
conhecidos padres José de Anchieta e Manoel da Nóbrega nesta empreitada48.
Se aos tupiniquins, grupos com os quais os portugueses estabeleceram aliança, cabia
certa cooperação, contanto que aqueles fossem incorporados ao ideal de civilização luso e
lhes dessem as filhas da terra em casamento, aos grupos hostis à dominação portuguesa,
como tupinambás e carijós, cabia a perseguição, a escravização e o extermínio.
Um exemplo disso pode ser citado no caso de Hans Staden, alemão que serviu
como artilheiro do forte de São Filipe49, na porção norte da ilha, e que tinha a seu
dispor um escravo carijó para auxiliá-lo na caça50. E Pascoal Fernandes, um povoador
genovês, declara, em confirmação de sua carta de sesmaria, que tinha alguns “índios
principais da terra”, responsáveis pelo trabalho de roça51.
As pretensões portuguesas em Guaibê, no entanto, não ocorreram sem represália.
Em 1548, Luis de Góes, membro de uma família de povoadores que provavelmente deu
nome à praia do Góes, escreveu uma carta ao rei de Portugal, pedindo reforços contra
as ofensivas indígenas no litoral brasileiro52.
Por fim, a resistência indígena e o protesto contra o acordo entre portugueses e tupi-
niquins puderam ser mais sentidos no episódio que ficou sagrado na história como confe-
deração dos tamoios. O forte de São Filipe, construção portuguesa para defesa do canal de
Bertioga, foi devastado, o alemão Hans Staden aprisionado, o projeto que faria da ilha de
Guaibê uma vila e cabeça da capitania de Santo Amaro, foi comprometido, e o capitão Jorge
Ferreira, um dos principais idealizadores da primeira autonomia administrativa da ilha,
teria seu filho devorado num ritual antropofágico pelos tupinambás durante o conflito53.
Em 1562, oito anos após o início da ofensiva, o já citado Pascoal Fernandes decla-
rou que ele e sua família tinham se tornado os únicos moradores da ilha54. E mesmo
José de Anchieta, três décadas após o embate, declarou que Guaibê havia sido a prin-
cípio povoada pelos portugueses, mas pelos constantes ataques dos índios, aliados dos
tupinambás vindos do Rio de Janeiro, a ilha, naquele momento específico, havia se
despovoado55. Era o resultado da resistência indígena mostrando suas marcas contra a
1989. p. 38.
56 SCHADEN, Egon. Ibiden. p. 394.
57 No tombamento dos bens rústicos de Santos de 1817, pertencente ao acervo do Arquivo do
Estado de São Paulo, Francisco Jorge e sua esposa sequer são mencionados entre os proprietários ru-
rais locais, apesar de neste momento já viverem na região da praia da Enseada
58 .Iporanga corresponde à praia homônima na parte leste do Guarujá, onde hoje existe um
condomínio de alto padrão.
59 Conforme https://www.dicionarioinformal.com.br/iporanga/.
21
Os Homens da Ilha
Capítulo 3:
M
velho sítio Cachoeira61 para relembrar das histórias que ali viveram na in-
fância. Numa saudosa conversa, mostram as bases de pedras sobrepostas
que sobrou da casa vizinha.
Ali, na referida propriedade, seus pais haviam se casado e seus irmãos nascido.
Ali também a avó deles havia passado o resto de seus dias, cujos pratos de camarão
com chuchu ainda permaneceriam na memória dos netos. Ali, ainda, o avô de ambos,
professor municipal, havia arrebanhado a numerosa família e outras crianças das re-
dondezas para dar-lhes as primeiras letras62. Ali também, pouco mais à frente, ainda
permanecem de pé as ruínas do antigo alambique que pertenceu ao capitão Gabriel
Bento de Oliveira, o patriarca daquela família, homem que no passado havia adquirido
aquele sítio de outros parentes, que ali já moravam muito tempo antes dele63.
O início da saga do clã de Gabriel Bento em Guarujá se perde no tempo, em um
passado onde as ricas histórias não puderam mais ser transmitidas de pai para filho.
Em um tempo tão perdido e distante de tudo como João Ramalho64, misterioso portu-
guês que pisou nestes trópicos pela primeira vez ainda no início do século XVI, homem
cuja origem em Portugal ainda é cercada de incertezas.
Era o início da colonização europeia nas Américas e na baixada santista, e tal
momento histórico, ainda que distante, deixaria suas marcas no DNA e no estilo de
vida de milhões de brasileiros, a exemplo de Jairo e Mirinha, que mesmo sem saber,
carregam em seu sangue a herança de Ramalho, décimo sexto avô do casal de irmãos65.
Ele era apenas um dentre tantos outros lusitanos que rumaram por mares nunca antes
navegados para explorar o Novo Mundo, cujas marcas seriam deixadas nas veias de
muitos outros guarujaenes, assim como foi deixado nos irmãos aqui citados.
O primeiro contato entre a Europa e a ilha de Guaibê provavelmente tenha se dado
em janeiro de 1502, quando a armada de Américo Vespúcio, responsável pelo reconhe-
cimento do novo continente a mando de Portugal, esteve nas proximidades do local que
seria um dos primeiros povoados pelos ibéricos
naquele início da Idade Moderna66. E não tardaria
para que uma expedição colonizadora, chefiada
por Martim Afonso de Souza, ali fincasse os pés,
em 21 de janeiro de 1532, numa faixa de areia na
porção norte da chamada Ilha do Sol67.
Não se sabe ao certo como, mas nessa época
João Ramalho já vivia em São Paulo e estava bem
relacionado com os tupiniquins, fato que foi fun-
damental para que Portugal tivesse seu primeiro
contato com os nativos e também se apossasse do
território onde hoje é a cidade de Guarujá.
No projeto de expansão ultramarina do do-
mínio português, não demoraria para que a Co-
roa lusa se apropriasse das terras que formavam
a ilha de Guaibê e aqui distribuísse sesmarias aos
nobres que acompanharam a expedição de Mar-
tim Afonso. Este fato comprometeria profun-
damente a antiga relação da etnia tupi com seu
espaço de caça, pesca e banhos de mar. Era Por-
tugal chegando ao litoral brasileiro com suas ins-
68 PRO MARE NOSTRUM, que em latim significa “para o nosso mar”, era uma referência usa-
da pelos romanos na antiguidade para se referir ao Mar Mediterrâneo, termo este que Guarujá tomou
por símbolo na concepção de sua bandeira oficial.
69 MADRE DE DEUS, Frei Gaspar da. Memórias para a história da Capitania de São Vicente
hoje chamada de São Paulo. 3 ed. 1920. p. 125.
70 Mapa do litoral Sudeste – Cerca de 1600. Parte do Códice da Biblioteca da Ajuda. Disponível
em: http://www.novomilenio.inf.br/santos/mapasnm.htm
71 MADRE DE DEUS, Frei Gaspar da. Ibidem. p. 158.
72 Idem. p. 280-182.
24
A traje tória dos povos que formaram Guarujá
niquim Tibiriçá, o maioral daquelas regiões. Era uma das maneiras que os portugueses en-
contravam de criar alianças com os grupos nativos, estabelecendo relações de parentesco ao
tomar as filhas dos maiorais da terra como esposas, e assim garantir sucesso em sua emprei-
tada de domínio e ocupação da faixa litorânea. Além de Jorge, outros familiares seus, com
o seu sogro João Ramalho e seus cunhados, filhos de Ramalho, estariam entre os primeiros
possuidores de faixas de terras na ilha de Santo Amaro73.
Não tardaria também para que as primeiras edificações portuguesas passassem a
ser erguidas ali. Em 1552 era a vez da construção do Fortim de São Filipe, crucial para
evitar que os tupinambás e outros grupos hostis adentrassem o canal de Bertioga e
atingissem as vilas incipientes74. Oito anos depois, era a vez da ermida de Santo Antô-
nio do Guaibê ser estabelecida no leste da ilha75. Uma vez moídos, os milenares sam-
baquis passaram a ser misturados a óleo de baleia e serviriam de argamassa às pedras
sobrepostas na extremidade leste da ilha, e o espaço passaria a ser utilizado por jesuítas,
como o padre José de Anchieta, para catequização dos grupos tupis que ali restavam.
Conchas trituradas, indígenas suprimidos, e a Europa lançando as bases da “civilização”
nas Américas. E assim os três primeiros capítulos de Guarujá colidiam, à semelhança dos mate-
riais mesclados que passariam a dar origem a capelas e fortificações na nova Santo Amaro.
No entanto, a resistência tupinambá foi fundamental para alterar os rumos que
a colonização portuguesa pretendida na ilha. Se antes da ofensiva existia um engenho
de cana de açúcar, fazendas e um sonho desbravador, tal projeto se viu postergado pela
resistência dos naturais da terra. Era a Confederação dos Tamoios76 dizendo não à ocu-
pação lusitana, e apesar da derrota tupinambá depois de mais de uma década de luta,
os efeitos colaterais do plano ambicioso de Jorge Ferreira, também ancestral dos nossos
dois personagens, ainda seriam sentidos por muito tempo.
Sem administração própria em seu território, os moradores da ilha de Guaibê
passariam a recorrer às instituições administrativas da capitania vizinha. Nas palavras
do jesuíta sobre a capitania de Santo Amaro: “foi a princípio povoada com seu capitão
e moradores e um engenho de açúcar, mas com a perseguição contínua dos tamoios,
índios do Rio de Janeiro, se despovoou, nem tem justiça particular, tudo se reputa por
São Vicente.77”
No entanto, no último quartel do primeiro século de colonização, Anchieta também
revelava em suas cartas que a ilha de Santo Amaro passara a ter papel decisivo na defesa das
73 Idem. p. 281.
74 Disponível em: https://www.novomilenio.inf.br/guaruja/gfoto015.htm
75 Disponível em: https://www.novomilenio.inf.br/guaruja/gfoto009.htm
76 Para Confederação dos Tamoios, revolta nativista ocorrida entre 1554 e 1567, ver breve in-
trodução em BRITO, Karine Ferreira. 2016. Disponível em: https://www.infoescola.com/historia-do
-brasil/confederacao-dos-tamoios/
77 ANCHIETA, José de. Obras completas do padre José de Anchieta. Monumenta Anchieta.
1989. p. 38.
25
Os Homens da Ilha
vilas de Santos e São Vicente78. A fortaleza da Barra Grande, nas terras do velho Estevão da
Costa, primeiro sesmeiro, foi construída por Diogo Valdez em 1584, e o forte de São Filipe
foi reforçado por Jorge Ferreira em 1557 após o ataque tupinambá que dizimou um de seus
filhos. Tais medidas seriam fundamentais para garantir a prosperidade da capitania vizi-
nha, uma vez que a guarnecia as vilas de Santos dos ataques indígenas e franceses79.
Apesar de seu insucesso enquanto cabeça de capitania, ao fim do século XVI a ilha de
Santo Amaro contava com fazendas para o fabrico de cana de açúcar, entre eles o engenhos
de Estevão Raposo, de Bartolomeu Antunes, de Manoel de Oliveira Gago, chamado Apre-
sentação e o de Manoel Fernandes, chamado de Santo Antonio. Isto evidencia que, além de
sua função ser meramente de proteção, a ilha de Santo Amaro ainda estava bem articulada
ao sistema colonial português, apesar do ônus que obteve no início80.
No século seguinte, a imprecisão das fronteiras ainda faria com que a ilha de
Santo Amaro, bem como as vilas de Santos e de São Vicente, fossem objeto de disputa
entre os herdeiros de Martim Afonso de Souza e os de seu irmão, Pero Lopes de Souza.
Com isto, o território concernente à ilha de Guaibê, que naquele momento se via ad-
ministrado pela capitania vicentina desde o fim da revolta nativista, passaria a estar
sob o domínio do conde de Monsanto, herdeiro da capitania de Pero Lopes, a partir de
162181. E entre a disputa de tupinambás e aliados dos portugueses, e entre os conflitos
dos pretensos donos das capitanias irmãs, a ilha de Santo Amaro seguia incorporada ao
projeto português de domínio do território, ainda que de forma tímida.
As fontes documentais que contribuem para uma maior compreensão do modo de vida
na ilha no século XVI são escassas. Sabe-se, no entanto, que apesar dos ataques indígenas, do
insucesso dos engenhos de açúcar após as décadas iniciais, ou dos pleitos judiciais entre os des-
cendentes dos primeiros donatários, o espaço foi continuamente ocupado no período colonial.
Um indício disto são as representações cartográficas da época, que ilustram cons-
truções amontoadas em pontos específicos da ínsula82, ou ainda uma solicitação de
sesmarias feita por Duarte de Barros Araújo em 1640, que era “casado com filha e neta
de povoadores” do local, e desta forma requeria terras na ilha para retirar lenha para o
seu engenho. No processo, ele também citava ao menos mais três vizinhos com sítios
nas proximidades, o que evidencia que Guaibê nunca deixou de ser povoada apesar das
78 Durante todo o século XVI, as vilas de São Vicente (1532) e de Santos (1546) faziam parte da
capitania de São Vicente.
79 ANCHIETA, José de. Obras. Ibidem.
80 NUNES, Urbain G. Ilha de Santo Amaro. 2011. Disponível em: http://almanarkitapema.
blogspot.com/2011/05/ilha-de-santo-amaro.html.
81 FILHO, Amilcar Torrão. A marinha destronada: ou a famigerada São Vicente derrotada pela
Rochela paulista. A afirmação de São Paulo como cabeça de capitania (1681-1766). História (São Pau-
lo), vol. 30 nº1. 2011. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/his/v30n1/v30n1a07.pdf
82 Pode-se citar o mapa da Ilha de São Vicente por Philip Ziegler de 1617, o mapa da Baixada
Santista de 1698, o Costa Sul Sudeste de 1719 e outros, disponíveis em: http://www.novomilenio.inf.
br/santos/mapasnm.htm.
26
A traje tória dos povos que formaram Guarujá
83 Pedido de sesmaria de Duarte de Barros Araujo, de 1640. Referência disponível em: http://
www.projetocompartilhar.org/sesmarias.htm.
84 COELHO, H. V. C. Povoadores de São Paulo: Mestre Bartolomeu Gonçalves: Adendas às
primeiras gerações. Revista da ASBRAP nº 17. P. 121-122. Disponível em: http://www.asbrap.org.br/
documentos/revistas/rev17_art7.pdf
85 Apesar das medidas antigas por vezes parecerem imprecisas, por vezes exageradas, dão di-
mensões do quanto o latifúndio era uma realidade presente na ilha. As terras em questão, grosso
modo, mediriam cerca de 19,8 quilômetros, e isto contando apenas a parte frontal da propriedade.
Referem-se a parte considerável do atual distrito de Vicente de Carvalho.
86 MARQUES, Elizabeth Gonçalves. História e Arte Sacra do conjunto carmelita de Santos.
Dissertação de Mestrado. São Paulo, 2007. p. 54.
87 NUNES, Urbain G, Censo e ocupação itapemense. 2013. Disponível em: http://almanarkita-
pema.blogspot.com/2013/04/censo-e-ocupacao-itapemense.html.
88 MONT SERRATH, Pablo Oller. Governadores de um novo tempo: o império português, a
capitania de São Paulo e a administração do Morgado de Mateus.sd. p. 5.Disponível em: http://www.
arquivoestado.sp.gov.br/revista_do_arquivo/01/artigo_05.php.
89 Tombamento dos bens rústicos da Vila de Santos de 1817. Arquivo do Estado de São Paulo.
90 Lista nominativa de população de Santos de 1817. Arquivo do Estado de São Paulo.
27
Os Homens da Ilha
91 Registro nº73. Registro Paroquial de Terras de Santos. Em 1856, ocasião do registro, João
Antonio de Paula e Oliveira já era falecido, cabendo a sua esposa e filhos a posse do sítio Cachoeira,
que duas décadas depois, seriam vendidos à Gabriel Bento de Oliveira.
28
A traje tória dos povos que formaram Guarujá
Capítulo 4:
África retumbante
riscila92 se emociona ao falar da mãe, mulher que foi persistente até ter dado o seu úl-
P timo suspiro. Lembra das lutas da infância. De ter perdido o pai ainda pequena, e da
árvore que caiu e destruiu a casa da família ao pé do morro, e das dificuldades vividas
nos tempos da escola junto aos irmãos. Os poucos recursos alimentares incluíam água da ca-
choeira para beber, além de chá de vinagre, farinha, e a comida escassa feita em fogão à lenha.
Muitas vezes o que a mãe, dona Clarioudeth Machado, conseguia para sustentar os
pequenos, era apenas cabeça de espada, que conseguia em troca de um duro dia de traba-
lho enfrentado nos manguezais. Afinal, era do mangue que vinham as ostras e mariscos
que lhe rendiam algum trocado, para evitar que os filhos dormissem sem ter o que comer.
Moravam no sítio Buracão, localizado no quilômetro 16 da Rodovia Arioval-
do de Almeida Viana, lugar habitado há várias décadas por uma geração de mulheres
guerreiras. A luta para permanecer ali foi árdua. Priscila recorda também da ocasião
em que o Departamento de Estradas e Rodagens de São Paulo tentou remover as casas à
beira da estrada, tentando tirar-lhes o pouco que a vida lhes poupara. Recorda também
da epopéia que teve que enfrentar para buscar um teto entre os parentes e amigos. Em
suas próprias palavras, uma trajetória de muito suor e choro.
Mas apesar dos dissabores, a alegria de viver. O som de música começa a tocar,
atrai a vizinhança. O samba se ouve a distância. Tradição familiar. Desde que a preta
Maria Camilo, naquele mesmo lugar, convidava a cercania para dançar. E esta não ne-
gava o folguedo herdado de outro continente. Era a África retumbante, que em Guarujá
se fazia ecoar. Parteira, mulher festeira, a dita Maria, bisavó de Priscila, era senhora vi-
vida, que em seu andar encurvado, e no seu falar pouco habituado, chamava a pequena
menina carinhosamente de “presilha”, como daquelas de amarrar cabelo.
A mãe de Priscila, antes de falecer, teve a chance de comprovar, através de um
exame de DNA, o que a tradição familiar persistia em dizer, mas o processo histórico
insistia em apagar. A família de Maria Camilo, no século XIX, havia atravessado o
Atlântico nos porões de um navio. Ela mesmo, segundo contam seus descendentes,
passou por condições análogas a da escravidão. E a imensa prole da velha matriarca,
numerosa no sopé da serra do Guararu, configurava um expressivo grupo de remanes-
centes quilombolas, mostrando que Guarujá, a joia do Atlântico, também reluz como
pérola negra, com um importante brilho em nossa história local, que ainda resiste para
não ser ofuscado.
1825 e 1828, a concentração de mão de obra compulsória era tão grande que chegava
a praticamente um negro para cada pessoa livre na vila98. O ápice da escravidão foi o
ano de 1854, até onde conseguimos apurar pelos dados demográficos, quando a cidade
santista quase chegou à marca de 3.200 cativos99.
Desde escravos domésticos,
responsáveis pelas tarefas do lar,
em especial as mulheres na cozi-
nha, até pretos inseridos em traba-
lhos voltados à pesca e à lavoura.
Em sítios esparsos, o trabalho com
a extração de curtume, cuja casca
era extraída de árvores do man-
gue para a fabricação de couro.
Mas a função das mais exaustivas,
das que mais exigiam o trabalho
braçal, sem dúvidas era a ligada à
indústria extrativista do Real Con-
trato de Armação das Baleias100.
A empresa, pertencente à Coroa portuguesa, foi instalada no extremo leste da ilha
em 1699, nas terras que haviam pertencido ao português Pascoal Fernandes no início
da colonização, próxima ao forte onde Hans Staden foi aprisionado pelos tupinam-
bás101. Responsável pela fabricação do óleo usado na iluminação das vilas paulistas,
bem como pela utilização de outros componentes do corpo das baleias, cabia à funesta
organização utilizar embarcações para fisgar os filhotes destes mamíferos à entrada do
canal de Bertioga, à medida que as mães também eram atraídas ao abate.
Apenas levando em conta o ano de 1801, e a Real Fazenda foi responsável pelo abati-
mento de 14 mamíferos na armação de Bertioga102. E naquele lagamar banhado em sangue,
também cabia aos africanos mover os caldeirões para extrair o óleo purificado, e isto sob o
calor escaldante das toras de madeira derrubadas do sítio São Pedro, pouco mais a oeste.
A empreitada ali duraria um século e três décadas, até ser definitivamente de-
98 Lista nominativa de habitantes da vila de Santos de 1825 e 1828. Arquivo do Estado de São
Paulo.
99 Número oficial de 3.183 escravizados. Ver em SANTOS, Francisco Martins dos. Ibidem.
100 As atividades desenvolvidas pelos cativos africanos podem ser inferidas a partir do cruza-
mento de dados entre as listas nominativas de habitantes da vila de Santos ou no tombamento dos
bens rústicos da vila de Santos de 1817, mantidas no acervo do Arquivo do Estado de São Paulo. Para
mais sobre o tema, ver em COSTA, Wendel AlexsanderDalitesi. SILVA, Juliana Heloise Rosa Santos.
Proprietários da Ilha de Santo Amaro no século XIX: da Elite Agrária ao Morador da Terra. In: Sim-
pósio Internacional de Ciências Integradas, 16., 2019. Artigo. Guarujá: UNAERP, 2019.
101 Ver cronologia em: http://unidon.edu.br/museu/historia/historia_cronologia.html
102 ELLIS, Myriam. Aspectos da pesca da baleia no Brasil Colonial (III). 1958. p. 381.
31
Os Homens da Ilha
sativada em 1830103. Treze anos antes de seu fim, ainda contava com 54 escravizados,
em sua maioria homens, em média com pouco mais de 40 anos de idade. Tinham por
nome Domingos, Antonio, Caetano, uma nova identidade, já desafricanizados. Um
deles foi ironicamente batizado como Feliz, apesar de sua triste realidade. E com uma
quantidade tão grande de seres humanos forçados ao trabalho exaustivo, a figura do
feitor era indispensável no local104.
Em 1817, já com quase trezentos anos de ocupação daqueles sítios por Portugal,
a ilha de Santo Amaro contava com quase 450 cativos, dispersos por entre dezenas
de propriedades rurais105. A que mais absorvia mão de obra escravizada era a gleba
pertencente a João Teixeira Chaves, futuro avô de Elias Chaves, que viria a ser um dos
sócios fundadores da Vila Balneária de Guarujá na virada do século. A propriedade da
família, que ocupava boa parte da praia da Enseada, contava com 63 escravos, e sozinha
foi responsável por 1/10 de toda a produção agrícola da vila de Santos naquele ano106.
Em uma ilha onde 90% dos donos de terras eram brancos herdeiros, em boa parte dos
casos, da velha elite agrária instalada na ilha desde a chegada de Martim Afonso, poucos
eram os casos onde negros e pardos tinham direito a terras para sobreviver junto às suas
famílias. Na grande maioria dos casos, estavam rebaixados à condição de escravos ou agre-
gados nos sítios existentes no entorno107. Até Maria Bárbara da Silva, mãe de José Bonifácio,
considerado o patriarca da independência brasileira, e também Antonio Botelho, avô do
poeta Vicente de Carvalho, que hoje dá nome a distrito em Guarujá, estavam entre os escra-
vocratas que tinham terras em Santo Amaro108.
Também as instituições religiosas, como a Ordem dos Carmelitas, era detentora
de trabalho compulsório na região. O sítio Acaray, hoje cortado pela Rodovia Piaçague-
ra, no norte da ilha, contava com cinco cativos que davam rendimento ao convento109.
Como exceção à regra de posse, aparece Joaquim Mexedo, o único senhor negro
que possuía o sítio Campinas, na região onde hoje se encontra instalado o mirante
da Campina, no morro do Maluf. Vivendo em companhia de sua esposa e de alguns
agregados, Mexedo ainda mantinha em seu sítio, que havia recebido através de doação,
alguma produção de arroz e farinha de mandioca. Em nossa busca, encontramos a
menção de certo Joaquim entre os escravos de Ignácio Mexedo em 1779, na época era
um garoto com apenas nove anos de idade. Se ambos se tratarem da mesma pessoa, é
provável que Joaquim tivesse passado a usar o sobrenome de seu antigo senhor e em
algum momento de sua vida, tenha recebido dele a liberdade, bem como um quinhão
de terra próximo à praia das Pitangueiras110.
João Batista da Silva Passos, capitão-mor da vila de Santos, que em 1822 aqui re-
cebera Dom Pedro I às vésperas da proclamação da Independência no Ipiranga, tendo,
inclusive, ocupado o cargo de deputado de São Paulo no governo provisório111, era um
dos maiores detentores de cativos na ilha, sendo dono da Fazenda Perequê112. E nas
senzalas do antigo casarão, cujas cenas ainda são vivas na memória de muitos mora-
dores antigos do bairro homônimo, muitas história de crueldade seriam vivenciadas.
Com a morte de João, a fazenda ainda passaria por alguns donos, até que em 5 de
setembro de 1848 chegaria, finalmente, às mãos do português Valêncio Augusto Tei-
xeira Leomil113, conhecido em Guarujá por dar nome a uma das principais avenidas
da cidade, mas também por aparecer em dezenas de jornais do século XIX como um
grande traficante de escravos.
Com a forte pressão britânica e a proibição do tráfico atlântico no Brasil, Leomil
seria acusado de utilizar suas terras, que nesse período incluíam Pernambuco e Pere-
quê, para receber navios clandestinos vindos da África e abrigar nelas os recém chega-
dos, para que depois fossem levados serra acima e comercializados na província paulis-
ta. E em maio de 1850, notícias sobre ele circulariam no Grito Nacional, no Correio da
Tarde, no Jornal do Comércio, no Publicador Maranhense, no Diário do Pernambuco
e em várias outras manchetes.
Acusado de envolvimento na morte de um marinheiro inglês como forma de dar
continuidade ao sujo esquema do tráfico atlântico, posteriormente ainda seriam encon-
trados vestígios de manutenção do comércio ilegal na fazenda Perequê. Convidado a se
retirar do território nacional, o português Leomil retornaria quatro anos depois à ilha,
onde arrendaria suas terras ao governo para a construção de um lazareto, e mais tarde
ainda se tornaria um dos principais financiadores do empreendimento que atrairia o
turismo ao Guarujá no início do século XIX114.
Os livros do cemitério de Paquetá, em Santos, ajudam a revelar a dureza da vida
de muitos homens e mulheres que estavam sujeitos ao senhorio dos grandes proprietá-
rios da ilha de Santo Amaro. Caetano foi um que morreu asfixiado por submersão aos
35 anos de idade, e Maria, em dezembro de 1871, perdia a vida sufocada, assim como
Helena, de apenas 18 anos de idade, que morreria em trabalho de parto. Todos estavam
sob a posse de Madalena Ricardo Bueno, dona do sítio Outeiro, nas proximidades da
praia do Tombo115.
Se, por um lado, a futura Pérola do Atlântico foi marcada por cenas que tiraram
seu esplendor, por outro lado, contava com pessoas que contribuíram para fazer relu-
zir seu brilho negro, marcado por resistência e resiliência. E um desses nomes foi o de
Geraldo Leite da Fonseca, abolicionista, que utilizava seu sítio Icanhema, na porção
ocidental da ilha, para esconder e cuidar dos negros e negras que conseguiam escapar
dos grilhões da dor116.
Foram mães solteiras que suportaram os abusos sexuais vindos da casa grande. Os
livros paroquiais de Santos, que também registravam os moradores da ilha de Santo Amaro,
não economizam em assentos de crianças que já nasceram cativas e foram batizadas sem
nomes de pai117. Foram bebês que, abandonados aos míseros recursos da senzala, mal che-
gavam aos primeiros anos de vida. E os efeitos disso atravessariam o tempo.
Um mapa produzido pelo IBGE em 2010 constatou, ao relacionar os espaços de
moradias dos cidadãos guarujaenses com sua autodeclaração racial, mostrou o resul-
tado da desigualdade racial ainda existente, uma vez que áreas centrais do município
de Guarujá eram locais de residência de pessoas predominantemente brancas, ao passo
que os ditos pretos e pardos ocupavam, em sua maioria, regiões periféricas, como en-
costas de morros e bairros menos favorecidos em termos de estruturas básicas118.
Oficialmente, a escravidão havia acabado em 1888, mas os efeitos da indiferença
alimentada nos porões dos navios, ainda passariam das Marias Camilos para as Cla-
rioudeth, das Clarioudeth para as Priscilas, que aqui representam muitos outros que
ainda seguem na busca por seu lugar ao sol, sem a devida reparação.
115 CHIAPETTA, Ana Paula. COSTA, Bruno Garcia da. PEREIRA, Odair José. Repertório de
documentos para o estudo da escravidão em Santos: 1865-1888. Santos. 2015.
116 Ver em: Os novos abolicionistas de 1880/81. Disponível em: https://www.novomilenio.inf.
br/santos/h0222e.htm.
117 Coleção Costa e Silva Sobrinho. Fundação Arquivo e Memória de Santos.
118 Ver mapa em artigo de COSTA, Wendel Alexsander Dalitesi Costa. O mirante do passado.
Disponível em: https://legado436249340.wordpress.com/2020/11/20/o-mirante-do-passado/
34
A traje tória dos povos que formaram Guarujá
Capítulo 5:
35
Os Homens da Ilha
119 O título deste capítulo foi escolhido em homenagem à poetisa guarujaense Márcia Guedes,
por também ser o nome de uma de suas poesias mais marcantes, que inicia a narrativa deste trecho do
livro e que expressa de forma profunda a temática que será abordada nas próximas páginas. Márcia
também é escritora, professora, contadora de histórias e idealizadora de vários projetos voltados à
leitura, acumulando premiações como reconhecimento de sua importante atividade artística.
120 Entrevista concedida por Venicio Xavier dos Santos em 31 de agosto e em 18 de setembro
de 2020.
121 Fontes documentais sobre os antepassados de Venicio foram obtidas com pesquisa nossa.
Foram feitas buscas em registros civis dos cartórios de Bertioga e Guarujá, bem como em cópias dos
assentos paroquiais através da Coleção Costa e Silva, pesquisados na Fundação Arquivo e Memória
de Santos.
36
A traje tória dos povos que formaram Guarujá
lar naquela região por sua família ser pioneira ali, e que a pesquisa nos sugere ter sido herda-
do de um homem de origem parda, que vivia dois séculos atrás na praia da Barra do Sahy,
pouco mais adiante, em São Sebastião122.
Nosso personagem vive na praia do Perequê, cujo nome, em língua tupi, significa
entrada de peixe123, em referência ao rio que corta o início daquele bairro, e que desde
os tempos remotos era um viveiro natural de espécies importantes à dieta dos indíge-
nas que ali também pescavam.
Segundo nos conta Venicio, sua vó Marcelina era índia, o que faz com que sua
origem familiar, naquelas terras, siga para períodos onde a documentação mal pode
chegar sozinha. No entanto, pelo que pudemos verificar, esta era uma das muitas Jor-
ge que carregava em seu sangue, nome e sobrenome o que restou de Francisco Jorge e
Marcelina Maria124, seus bisavós, a família indígena que vivia na praia da Enseada no
início do século XIX, já relatada no segundo capítulo.
Venicio e sua esposa ainda nos contam que após casados descobriram ser aparen-
tados125.Estavam ligados pelo clã dos Pantaleão, família que, segundo eles, era origi-
nária de Portugal e que viveu na Ilha do Montão de Trigo, não muito distante dali, e
segundo contam, um dos membros dessa família teria sido encontrado no ventre de um
tubarão após uma experiência mal sucedida no mar.
Fomos, por conta própria, atrás dos indícios desse fato. E longe de ser só conversa
de pescador, o jornal A Gazeta, em edição de 1912, confirma a narrativa sobre Guilherme
Pantaleão, homem cujos restos mortais foram encontrados no interior de um peixe. His-
tória contada de pai para filho, que a tradição preservou por mais de um século126.
Formado por europeus, africanos e nativos das Américas, Venicio é uma espécie
de simbiose da cultura caiçara, parte de um bem vivo e imaterial, herança tradicional
que bem representa a trajetória dos povos que formaram Guarujá.
Seu pai nasceu no sítio Cachoeira, nas terras dos Bento de Oliveira, citados no
capítulo 3, e só foi registrado aos 11 anos de idade, contando com a benevolência de
122 Venicio é bisneto de Antonio Francisco Xavier, homem que aparece na lista nominativa de ha-
bitantes da Vila de Santos em 1846. No período já vivia a ilha de Santo Amaro, e a documentação da
Coleção Costa e Silva Sobrinho nos sugere que tinha vínculo de parentesco com João Xavier, família
de pardos que ocupava a Barra do Sahy segundo o censo de 1817.
123 Para significado do nome Perequê, ver: https://www.dicionariotupiguarani.com.br/dicio-
nario/pereque/
124 Marcelina Jorge de Oliveira, avó de Venicio, era bisneta de Francisco Jorge e Maria Marce-
lina, família indígena a qual já foi abordada no capítulo 2.
125 Ainda que neste caso em específico Venicio só tenha descoberto a ligação de parentesco
com a esposa após o casamento, a pesquisa nos reforçou o quanto a prática de casamentos endogâmi-
cos era comum entre a comunidade caiçara centenária em Guarujá.
126 Para o fato em questão ver notícia intitulada “Encontrou-se um homem no estômago de
um peixe”. Jornal A Gazeta. Nº 2802. Edição de 19 de junho de 1915. Disponível em: http://memoria.
bn.br/DocReader/763900/3575.
37
Os Homens da Ilha
Gabriel Bento de Oliveira Filho, provavelmente seu professor, que figurou como de-
clarante da certidão. O educador também foi responsável pelo registro dos tios de Ve-
nicio, incluindo a única mulher que havia entre eles, que mais tarde fez família entre
os pescadores da praia do Guaiuba. Outro dos seus irmãos registrados ainda manteria
algum pedaço de terra na praia vizinha do São Pedro antes da chegada do condomínio.
E o marido da avó de Venicio, por fim, era originário de uma família de açorianos que
viveu na região do Tejereba e na Praia do Pernambuco no século XIX127.
A família caiçara é assim, sempre extensiva, abrangente, ramificando-se como as
artérias de um coração que bombeia sangue por todo o corpo. Ela incorpora, abraça,
agrega e reinventa. Hospitaleira como as gerações passadas, com seus braços estendi-
dos por toda a cidade.
A primeira junção que se tem notícias, resultante do encontro de dois mundos
distintos sobre estas faixas de areia, talvez tenha sido quando João Ramalho, europeu
já mencionado anteriormente, se uniu à índia M’Bicy, ou Bartira, filha do cacique Tibi-
riçá. Da combinação entre as duas etnias, viriam muitos frutos, dentre eles Antonio de
Macedo, um dos filhos do casal, o primeiro miscigenado que se tem notícias a possuir
uma sesmaria nas terras de Guaibê128.
Eis os indícios primeiros de uma gênese caiçara em Guarujá, que entre alianças e
estupros, acordos e conflitos armados, chegadas e partidas, incorporou elementos étni-
cos e culturais distintos, modificados ou mantidos ao longo dos séculos, que alcança a
contemporaneidade em suas mais variadas formas129.
No início, para os chefes indígenas locais, oferecer suas filhas aos povos aliados
era uma forma de demonstrar hospitalidade, e para os primeiros colonizadores portu-
gueses aqui chegados, criar vínculos entre os principais da terra era estratégia indis-
pensável à sua sobrevivência e permanência aqui, o que pode ter dado uma posição de
prestígio entre os primeiros grupos miscigenados130.
Mas ao se levar em conta muitas das primeiras relações entre nativos e estran-
geiros, que também incluem aprisionamentos em combates, copulações forçadas e
127 Em muitas das narrativas, a história oral precisou ser complementada com a pesquisa docu-
mental. O segundo marido da avó de Venicio, de nome Pedro Teixeira, estava ligado à família Teixeira
da Silveira, abordada em LOPES, Albertina Fernandes. Vida e lutas de três gerações. 1977. São Paulo.
128 MADRE DE DEUS, Frei Gaspar da. Memórias para a história da Capitania de São Vicente
hoje chamada de São Paulo. 3 ed. 1920. p. 280-281.
129 Ainda que a política de alianças tenha tido certo sucesso entre o grupo de Tibiricá e os por-
tugueses no século XVI, é importante ressaltar que muitos outros grupos indígenas não foram poupa-
dos como os tupiniquins, o próprio episódio referido como Confederação dos Tamoios, já menciona-
do nesta obra, deixa isso evidente. Há relatos, por exemplo, como os de Pero de Magalhães Gândavo
em 1576, que mencionam uma índia escravizada pelo capitão de São Vicente no período. Ver relato
em: Monstros do Novo Mundo – a bagagem dos navegadores em: https://historiahoje.com/monstros-
do-novo-mundo-a-bagagem-dos-navegadores/
130 Para política de alianças, ver MADRE DE DEUS, Frei Gaspar da. Memórias para a história
da Capitania de São Vicente hoje chamada de São Paulo. 3 ed. 1920. p. 134-135.
38
A traje tória dos povos que formaram Guarujá
131 Sobre formação de mamelucos nas quatro primeiras décadas de colonização, ver: ADAMS, Cris-
tina. As populações caiçaras e o mito do bom selvagem. Revista de Antropologia, São Paulo, USP, 2000, v.
43 nº1. p. 146
132 Apesar de haver certa escassez de fontes documentais acerca da presença africana na ilha
nos dois primeiros séculos de colonização, o que não significa a sua inexistência, a documentação do
século XVIII, em especial as listas nominativas de habitantes da vila de Santos, já deixa evidente a sua
presença no local.
133 COSTA, Wendel Alexsander Dalitesi. SANTOS, Jordan Góes Paixão Bargas. O caiçara e
sua trajetória em Guarujá. In: Simpósio Internacional de Ciências Integradas, 17., 2020. Artigo. Gua-
rujá: UNAERP, 2020.
134 Outro nome atribuído no século XVI à ilha de Santo Amaro.
135 Para os apontamentos a seguir, foram consideradas as listas nominativas de habitantes da
vila de Santos de 1667, 1777, 1817 e 1846. Arquivo do Estado de São Paulo.
39
Os Homens da Ilha
136 Ver NUNES, Urbain G. Ilha de Santo Amaro. 2011. Disponível em: http://almanarkitape-
ma.blogspot.com/2011/05/ilha-de-santo-amaro.html.
137 Sítio denominado Pinheiro ou Buracão, pertencente ao padre mestre Francisco Xavier dos
Passos. Para referências de proprietários e trabalhadores dos próximos sítios mencionados, conside-
rar Tombamento dos bens rústicos da vila de Santos de 1817. Arquivo do Estado de São Paulo.
40
A traje tória dos povos que formaram Guarujá
este capítulo, pescador assim como Venicio seria duzentos anos depois138. Bastaria que
cinco anos se passassem para que Justo fosse encontrado listado, desta vez no sítio da
praia do Pernambuco, uma epopéia sem fim. Além da pescaria, estava ligado ao plantio
de gêneros básicos, pois na vida caiçara, roça e pesca se complementavam. Em 1825
havia produzido 27 alqueires de farinha, e em 1836, uma produção de 60 mil réis, que
foi o suficiente apenas para o sustento de sua casa, cultivando sempre em terras que
sequer eram suas.
No censo de 1846, que foi o último existente, seu nome não mais aparece listado.
Apenas constava sua esposa e filhos. Provavelmente o patriarca já houvesse falecido.
Mas a saga da família segue com os descendentes, mais uma vez instalados na região do
rabo do dragão, onde já se encontrava o velho clã indígena dos Jorge-Marcelino.
Vale lembrar que este era o período em que a Companhia de Pesca das Baleias
havia acabado de falir, fator que pode ter contribuído para que famílias desprovidas de
posses passassem a viver nas terras pertencentes à Fazenda Nacional, que incluíam os
sítios da Armação, do Iporanga e da praia do Góes, onde eram desenvolvidas atividades
relacionadas à captura dos mamíferos.
No registro paroquial de terras, feito em meados do século XIX, Francisco Go-
mes foi um homem que figurava entre os posseiros que vivia na antiga propriedade
pertencente à indústria de extração, já que declarou que tinha uma porção de terras
“por posse mansa e pacífica que há muitos anos” desfrutava139. Algumas famílias sem
chão próprio, desprivilegiadas desde a distribuição da ilha em sesmarias, subjugadas
ao longo do processo histórico, na medida em que encontravam uma porção de terras
desocupada, ou quando reuniam algum capital proveniente de seus esforços em fazen-
das das redondezas, podiam passar da condição de agregados para a de possuidores de
áreas cultiváveis.
O sítio Enseadinha é um exemplo disto, espaço equivalente hoje ao bairro do Jar-
dim Virgínia. A terra, outrora pertencente a um homem que rumara para Minas Gerais
e não mais retornara, terminou sendo cultivada por um “pobre Manoel da Graça com
sua família”140. Talvez tenha sido dentro de condições semelhantes que famílias como
as de Justo da Mota e de Francisco Jorge, antepassados de Venicio, tenham adquirido
algum solo para o sustento de suas respectivas casas.
Um antigo jornal santista certa vez publicou as memórias de Vicente de Carvalho,
conhecido como o poeta do mar141. Na história contada, o ano era 1893, no contexto
138 Justo da Motta, aqui referido, nascido ao fim do século XVIII, é um dos pentavôs de Ve-
nício, constatado através de busca documental nossa em registros civis dos cartórios de Bertioga e
Guarujá, bem como em cópias dos assentos paroquiais através da Coleção Costa e Silva, pesquisados
na Fundação Arquivo e Memória de Santos.
139 Registro Paroquial de Terras de Santos. Arquivo do Estado de São Paulo.
140 Tombamento dos bens rústicos de 1817. Arquivo do Estado de São Paulo.
141 Para narrativa sobre a estadia de Vicente de Carvalho no sítio Iporanga em 1893, ver ma-
41
Os Homens da Ilha
téria intitulada: O poeta e o marechal de ferro. A Tribuna. 22 de setembro de 1966. Disponível em:
http://memoria.bn.br/DocReader/153931_01/63298
142 A revolução. Correio Paulistano. 22 de setembro de 1893. Disponível em: http://memoria.
bn.br/DocReader/090972_05/4545
143 A ligação entre Antonio Jorge de Oliveira, anfitrião do poeta Vicente de Carvalho, e Fran-
cisco Jorge, já explorado neste e em outro capítulo, foi feita por nós, através de pesquisa documental,
conforme os critérios já mencionados.
144 Mudanças no crescimento populacional. Novo Milênio. Disponível em: http://www.novo-
milenio.inf.br/santos/h0296a14.htm
145 TURATTI, M. C. M. Laudo Antropológico. Estudo Socioambiental Ponta da Armação
(Guarujá-SP). Usp. 2012, p. 14. Neste importante trabalho sobre as famílias caiçaras da Prainha
Branca, apontou para a personagem Bárbara Engrácia como primeira moradora referencial do local,
mencionada como bugre, sem contudo identificar seu sobrenome local de origem. Segundo pesquisa
nossa, a personagem em questão se trata de Bárbara Engrácia da Motta, neta de Justo da Motta, cuja
trajetória já foi referida neste capítulo. Bárbara, que pode ser considerada uma das fundadoras da
comunidade da Prainha Branca, é filha de José da Motta, filho de Justo.
146 Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. Recenseamento do Brasil realizado em 1
de setembro de 1920. Vol III.
147 Para festas do folclore caiçara em Guarujá, consultar ROMANI, Carlo. O discurso cultural
42
A traje tória dos povos que formaram Guarujá
e ambientalista das comunidades de pescadores caiçaras na luta pela terra: uma análise histórica do
conflito ambiental no canal de Bertioga, na Baixada Santista. Revista História Oral, v. 2, n. 14, p. 31-
62, jul.-dez. 2011. p. 43.
148 Alguns conflitos fundiários envolvendo moradores das antigas comunidades pesqueiras
também são mencionados em ROMANI, ibidem, p. 36.
43
Os Homens da Ilha
Capítulo 6:
A Ilha Dragão
152 Um canal que faz divisa com a cidade de Bertioga e escoavam a maior parte dos produtos
agrícolas da Ilha de Santo Amaro para a região urbana de Santos
153 Longa de Sérgio Ricardo, premiado em Primeiro lugar no Festival de Cinema de Guarujá,
Santos, SP, em 1969
154 Entrevista concedida por João Natalício Feliciano em 23 de agosto de 2020
45
Os Homens da Ilha
das que eram plantadas por todas as orlas das outras praias do Guarujá, o que pro-
porcionava para a cidade um local próprio de cultivo e arborização, entretanto, após
a promulgação da mencionada lei, o Parque Chico Mendes estava esquecido pela ad-
ministração e deixado para que os moradores mais engajados do bairro do Perequê
zelassem deste com seus próprios recursos. Este foi o caso de Diego155, descendente de
caiçaras e um dos fundadores do grupo Anjos do Perequê156, um grupo cuja motivação
foi a de realizar a limpeza e revitalização da cachoeira e do parque Chico Mendes.
Em contrapartida ao movimento iniciado por Diego para limpeza do parque, que
visava o restabelecimento do local para população e turistas gozarem de passeios de
lazer e piqueniques, as autoridades embargaram o trabalho de limpeza e restauração
realizado pelos moradores, mas não contiveram avanços de construções irregulares
dentro do parque, que em 2019 se intensificou e desfigurou o local.
Agora falemos de Newton, que também não fugiu deste destino. Morador do Sítio
Conceiçãozinha157, nascido pelas mãos de uma parteira que era conhecida como Maria
Pinguita158, seu trabalho quando criança era se encantar com o mar. Filho de caiçaras
circenses, teve a oportunidade diferenciada de presenciar uma atividade pouco comum
entre as famílias tradicionais. Conceiçãozinha fica localizada no lombo do Dragão e faz
divisa com o estuário de Santos, e quando criança Newton costumava pescar e nadar
no local, e por vezes se banhar no rio que cruza o bairro em que mora.
Em frente à sua casa haviam plantações desenvolvidas pela cultura familiar, e
alguns poucos metros para direita de sua rua surgia a capela da Nossa Senhora da Con-
ceição, capela esta que foi derrubada pela atividade portuária e soterrada.
Atualmente, Newton é um dos poucos caiçaras engajados na política, tendo sido,
presidente do Partido dos Trabalhadores na cidade do Guarujá, mas continuando ain-
da assim seu ofício de pescador. Entretanto, os braços de água da bacia de Santos que
adentram a cidade de Guarujá e no passado transportaram seus navegadores para a
busca de alimentos no mar, hoje não atraem tantos pescadores, pois, além de poluídos
pela falta de saneamento básico, são destruídos por meio dos produtos químicos vaza-
dos das mais variadas fontes, como indústrias portuárias e barcos a motor.
Até o início do século XX, o ambiente da cultura caiçara estava bem conservado,
pois deste provinha o sustento para seus nativos, ademais, estes tinham o costume de
nunca permanecer no mesmo local extraindo de forma exaustiva os recursos, já que
possuíam a livre circulação entre praias e espaços litorâneos para plantar e pescar de
Capítulo 7:
As Mulheres da Ilha
Silva, que por sua vez era Militar e sua mãe a senhora Maria Rosa da Anunciação165. Ela
se casou com o Capitão João Antônio de Paula e Oliveira ainda bem jovem, no entanto
11 anos depois Candida se torna viúva, assinando a posse do sitio Cachoeira por ser
letrada. Um privilégio que poucas tinham.
Continuando na identificação do ambiente de subordinação e pouca voz que a
mulher tinha, apresentamos a família de Antônio Martins de Aguiar com base no cen-
so de 1765. Dono do sítio Outeiro Grande166, na ilha de Santo Amaro, sua casta era de
11 filhos - dez mulheres e apenas um homem. De todo o núcleo familiar apenas três
delas se casaram, segundo os registros que conseguimos levantar. A grande maioria
delas passou a vida solteira, provavelmente como estratégia para evitar que o patrimô-
nio herdado passasse a possíveis cônjuges e saísse do núcleo familiar. Neste contexto
o patriarca tinha que dar um dote à família do noivo. Apesar da vasta prole feminina,
quarenta anos depois, era um homem, Hygino Botelho de Carvalho, pai do poeta san-
tista Vicente de Carvalho e bisneto de Martins por linha materna, quem constava como
seu herdeiro a declarar suas terras em Santo Amaro167. Mesmo com uma casa repleta
por mulheres, a propriedade acabou sendo herdada por um homem, isso mostra como
a figura feminina não possuía autonomia neste tempo, tendo uma posição secundaria
diante da sociedade.
Um traço muito presente no período colonial era o casamento consanguíneo168
ou endogâmico169, em famílias da elite da época, essa prática era adotada para evitar a
fragmentação do patrimônio da família, desta forma as riquezas eram mantidas den-
tro do mesmo núcleo e a linhagem se perpetuava. Um exemplo dessa prática é a família
de Maria Bárbara da Silva, que também tinha a posse de terras em seu nome na ilha
de Santo Amaro, mãe dos Andradas que foram figuras marcantes no processo de inde-
pendência do Brasil. Possuidora do sítio Porto de Santo Amaro em 1817, onde plantava
arroz, mandioca e café com o trabalho de 10 escravos, eis que em algum momento após
sua morte as terras foram transferidas à sua neta, Gabriela Frederica Ribeiro de Andra-
da, filha de José Bonifácio, casada com seu tio Martim Francisco, outro filho de Maria.
Em 1856 constava que Gabriela possuía o sítio Santo Amaro, uma vez que seu pai e
170 COSTA, Wendel AlexsanderDalitesi. SILVA ,Juliana Heloise Rosa Santos. p.9 2019 Ibidem
171 COSTA, Wendel Alexsander Dalitesi.Vidas Caiçaras: Madalena Neves de Oliveira ,2020.
Disponível em:<https://legado436249340.wordpress.com/> acessado em 15/01/2021
172 Idem.
50
A traje tória dos povos que formaram Guarujá
Ela contou que quando moça sempre trabalhou, primeiro como doméstica, depois
como babá, cozinheira de um restaurante na capital e também em uma fábrica de sar-
dinha. Catarina casou-se apenas uma vez, e seus frutos são uma prole de 10 filhos, dos
quais, pela alteração da sua voz e seu olhar, percebemos que possuia muito orgulho deles,
já que fez de tudo para dar uma boa educação aos seus. Perguntamos a ela se havia ido
à escola, ela relatou que os tempos eram difíceis e que estudou apenas as séries iniciais.
Catarina, como tantas outras que estão nas raízes de nossa cidade, é uma mulher
de garra, sempre foi a luta para ajudar a todos à sua volta, e essa força feminina caiçara
é de grande valor para nossa história, pois são essas mulheres reais que fortalecem uma
geração e que se tornam o maior exemplo da família. Com os poucos recursos que tive-
ram devido ao contexto que limitava a ação feminina, ainda assim deixaram sua marca
na história da cidade.
52
A traje tória dos povos que formaram Guarujá
Capítulo 8:
A pérola revelada
Celso é motorista177. Sua profissão exige que conheça as ruas de Guarujá como
ninguém. De Vicente de Carvalho a Pedreira, do Ferry Boat ao Perequê178. Cada para-
da, uma memória. Ele mesmo já morou no Santo Antonio, morro da Cachoeira, Morri-
nhos. Respira a cidade, vive a cidade. Sabe que cada espaço da ilha é marcado por parte
de sua história de vida, que se junta a tantas outras trajetórias pelos pontos em que para.
Ele não apenas tem sua própria jornada, mas ao cumprir seu trajeto, cruza com outras
narrativas, de povos que cedo saltam da cama à espera de um ônibus para enfrentar a
batalha. E é Celso quem transporta essas vivências, essas mil e uma experiências.
Ao voltar no tempo, quando as estradas mal sonhavam em cortar a ilha toda de
ponta a ponta, quando o município ainda não havia explodido em prédios e becos, era o
avô de Celso quem carregava os operários pelos trilhos da extinta estrada de ferro. Sua
mãe ainda criança corria na saída da aula da Escola Vicente de Carvalho, antigo Grupo
Escolar do Guarujá,e se pendurava na Maria Fumaça enquanto o pai dela passava. Em
troca recebia as broncas devidas do velho maquinista, que não suportava que a filha
sujasse os vestidos e chegasse em casa cheirando a carvão e fuligem179. Gerações de
transportadores de histórias.
Sebastião Teixeira, guarujaense nato, saudoso avô de Celso, não apenas conduzia
vidas alheias pela ferrovia, mas também teve sua própria vida a guiar. Antes de dirigir
o trem era carpinteiro, tendo feito a cruz de madeira que enfeitava a velha igreja no cen-
tro da cidade. Viu seu trabalho consumido entre as chamas quando a capela de Santo
Amaro foi tomada pelo fogo180. Também estava às vésperas de seu casamento quando
precisou trocar toras de pau pelas armas na Revolução de 32, época em que Guarujá
precisou convocar seus jovens para lutar contra as tropas de Vargas181. Sebastião, ho-
mem já nascido num meio urbano em ebulição.
Não havia opção. A vila estendida em balneário, com tão pouco tempo de proje-
177 Entrevista concedida por Celso Eurípedes Chaves da Silva em 31 de janeiro de 2021.
178 Bairros localizados em Guarujpa/SP.
179 O trajeto da locomotiva a vapor funcionou em Guarujá até 13 de julho de 1956, quando foi
definitivamente desativado, época em que a mãe de Celso, Dercy Chaves dos Santos, tinha 13 anos de
idade. Sobre a locomotiva, ver: Novo Milênio. No tempo da Maria Fumaça. Disponível em: https://
www.novomilenio.inf.br/guaruja/gh007a.htm
180 Sobre o incêndio com a capela de Santo Amaro em Guarujá, consultar: Novo Milênio. O padro-
eiro caminhou sobre as águas. Disponível em: https://www.novomilenio.inf.br/guaruja/gh024.htm
181 Para envolvimento de moradores da baixada santista, inclusive de Guarujá, com a Revolu-
ção Constitucionalista de 1932, consultar: Novo Milênio. Os veteranos da revolução. Disponível em:
https://www.novomilenio.inf.br/santos/h0186n.htm.
53
Os Homens da Ilha
tada, atrairia outras sagas de longe e lhes pediria seus filhos, para que seu suor e sangue
engrossassem o caldo necessário para que a pérola finalmente amadurecesse e se reve-
lasse, virando cidade. Os velhos sítios da ilha precisariam abrir mão de suas roças de
mandioca, de suas plantações de feijão e de suas casas de pau a pique, e veriam passar
sobre o seu humilde chão batido, primeiro as estradas de ferro de Sebastião, que no
futuro dariam lugar às vias de asfalto de Celso.
Outubro de 1886. Uma notícia publicada no Correio Paulistano182 relata um
evento ocorrido na praia das Laranjeiras, atual Pitangueiras, no centro do Guarujá. No
anúncio, duas garotas, cuja família se hospedara ali no sítio de Valêncio Leomil, quase
morreram afogadas enquanto se banhavam, lutando por mais de uma hora contra a
força da correnteza defronte à ilhota chamada Pompeba183, até que finalmente pudes-
sem ser salvas pela canoa conduzida por um grupo de pescadores.
Embora não fosse o foco do noticiário, é possível notar que a manchete não faz
qualquer referência à urbanização na ilha de Santo Amaro, apesar de se referir a um lo-
cal que na atualidade está cercado por prédios e recebe turistas de todos os lugares. Nas
redondezas do sítio ainda havia homens que trabalhavam com pesca e embarcações
rústicas depositadas sobre a areia. No entanto, mal passariam sete anos, e aquele espaço
já experimentaria profundas alterações, em atendimento ao projeto de concepção da
Vila Balneária que se estenderia por aquele terreno.
No último quartel do século XIX, Leomil, que havia lucrado com o tráfico
atlântico décadas antes184, agora já tinha vendido suas terras em Perequê e Per-
nambuco185 e adquirido nova propriedade no centro da ilha, além de usar parte
de seu tino comercial para a exploração de armazéns em locais estratégicos186. Os
herdeiros de João Teixeira Chaves, outro antigo escravocrata da ilha, agora possu-
íam o sítio Glória, vizinho ao sítio de Leomil, além de fazendas de café no interior
de São Paulo187. Eram necessárias novas estratégias, em atendimento às mudanças
que o chamado progresso traria à pequena ilha, e o capital acumulado pela elite da
época não tardaria em buscar destino certo.
As terras citadas e outros espaços rurais, que atravessaram séculos como extensões
Em seguida, como segundo bairro mais populoso, vinha a vila Balneária de Gua-
rujá, com mais de 1100 habitantes. Resultado da vida que se dinamizava, de um espaço
que se urbanizava, e de uma sociedade que, à medida que ganhava nova roupagem de
luxo, também fazia multiplicar suas mazelas e conflitos sociais198.
Apesar do crescimento demográfico quase que como um vulto, práticas urbanas
e rurais ainda disputavam um mesmo espaço. As décadas seguintes ainda tornariam a
região conhecida pela exportação de banana e outros gêneros básicos199, e sítios como
o Cachoeira, com sua produção de aguardente, merecem destaque neste cenário.
No censo, pouco afastados da badalada Guarujá, antigos sítios, como Iporanga,
Enseada, Pernambuco, Prainha Branca e outros, ainda contavam com uma crescente
população nativa, que entre suas roças familiares e festas populares, procuravam resis-
tir em seus espaços, cada vez mais cobiçados pelo turismo emergente200.
O censo rural de 1920201 ainda traria dezenas de proprietários que possuíam pe-
quenas glebas de terra para plantio e sobrevivência de suas famílias, entre eles seriam
citados os ancestrais de Margarida, Jairo, Mirinha, Venicio e Catarina, já narrados nos
capítulos anteriores, todas famílias já centenárias na Ilha Dragão202.
A lista mencionada, no entanto, também trazia a Companhia Guarujá como de-
tentora das terras onde se ergueram os chalés e o cassino, e também uma porção de
acionistas da linha férrea, além dos Mocchi que haviam comprado a fazenda Perequê
e levariam a estrada de rodagem à porção oriental da ilha203. Era um novo e um velho
mundo colidindo cada vez mais.
Apesar das disparidades sociais do período, que se arrastariam em Guarujá até a
atualidade, um fato é que todo o dinamismo econômico e inchaço populacional foram
passos consideráveis para que, em 26 de outubro de 1922 uma lei estadual elevasse o
Guarujá à condição de distrito. Ainda estaria subordinada a Santos por mais 12 anos,
mas já prestes a seguir rumo próprio, resultado da força de braços que abriram mão de
sua terra natal rumo ao desconhecido, e de outros que aqui já estavam e permaneceram
em seus esforços pela vida204.
Uma análise de 600 certidões de casamento dos livros de ata do cartório sede de
Guarujá nos cinco anos que antecedem sua emancipação político-administrativa, por
exemplo, fornecem uma compreensão mais apurada acerca das famílias que ajudaram
na construção da cidade. Dos nubentes registrados, apenas pouco mais de ¼ deles eram
naturais de Santos e região, o que evidencia que a virada do século XX foi um período
de grande migração e imigração para a região205.
Entre os principais grupos analisados nos registros, encontram-se provenientes
de fora do país (cerca de 22%), entre os quais se destacam portugueses e espanhóis.
Também vieram nordestinos (cerca de 12%) e provenientes do litoral norte, conterrâ-
neos e contemporâneos do bisavô de Celso (cerca de 11%). Entre os noivos, no que tange
ao seu local de origem, também foram encontradas pessoas do interior do estado, da
capital do Brasil206, de outras regiões litorâneas e do país como um todo. Na certidão
de número 262, chama atenção uma moça de Campinas que se unia a um jovem car-
pinteiro de Guarujá. Eram os avós de Celso. E na conta geral, uma grande diversidade
de povos que se somariam, dando sua contribuição laboral e cultural para que Guarujá
tivesse força suficiente para se emancipar de Santos e se tornar independente a partir
de 30 de junho de 1934207.
Entre as profissões declaradas, haviam operários, portuários, marítimos, mas
também comerciantes e funcionários da administração pública. Haviam motoristas
como Celso, e ferroviários como seu avô. E apesar de alguns relatos, poucos eram os
lavradores e pescadores que compareceram aos registros civis, fosse porque o caiçara,
que ali já vivia antes dos ditames formais se instalarem, tinha vida própria, menos
atrelada às convenções e instituições que adentraram seu espaço, ou fosse porque seu
espaço de lavoura se via cada vez mais limitado frente à malha urbana que passava a
requerer o pouco território do qual ele dispunha208.
Quatro décadas após a criação da vila pelo grupo pertencente à Companhia Prado
Chaves, e Guarujá, com uma população de 7.810 habitantes209, já estaria madura para en-
trar no rol das estâncias balneárias paulistas. O 30 de junho passaria a ser então feriado
municipal, comemorando o dia em que a cidade, fortalecida pelas milhares de histórias que
se sobrepuseram e a construíram, passaria a ser autônoma, e que apesar dos ciscos nocivos
que penetraram sua casca e se revolveram em seu âmago, tem feito como a ostra, que de um
grão que lhe causa dor tem revelado uma pérola, a pérola do Atlântico.
205 Em trabalho anterior, fizemos uma cuidadosa análise das 600 primeiras certidões de matrimônio con-
tidas nas atas dos livros de cartório de Guarujá. Ver metodologia e resultados em : COSTA, Ibidem. p. 5-7, 12
206 No período em questão, a capital do Brasil ainda se encontrava no Rio de Janeiro.
207 COSTA. Ibidem. p. 12.
208 Conforme tabela de profissões em COSTA, Wendel AlesanderDalitesi. Ibidem. p. 12.
209 Recenseamento demographico, escolar e agricola - zootéchnico do Estado de São Paulo (20
de setembro de 1934) - publicação: 1936.
58
A traje tória dos povos que formaram Guarujá
Capítulo 9:
Caminho em cordéis
Se achegue moça Joana,
Tu é mais uma sergipana
Que vai ter que largar teu chão,
A vida é dura, mas ensina.
Tenha a garra nordestina
Pra ganhar esse mundão.
É lá pras bandas do mar,
Que tu vai ter que pelejar,
Pra conquistar teu ganha-pão210.
vem Joana211, moça nova, com seu cabra. Foi num dia de missa que achou um
E baiano para se casar. Mais uma família a deixar suas raízes para trás, e num
pau de arara212 atravessar o sertão pra tentar a vida em São Paulo, no litoral. A
mãe dela vem depois. O primeiro destino são os morros de Santos. Uns anos depois,
cinco filhas meninas. A sexta nasceria em Guarujá. Primeiro foram viver num barraco
emprestado, no sítio Paecará. Os bananais completavam a paisagem, da época que o
antigo sítio dos Backeuser ainda mantinha seus traços rurais213.
As terras da dona Áurea Gonzalez Conde, antiga fazenda da Vargem Grande, por
sua vez, também conservavam algo do esplendor da plantação de bananas que ali se
multiplicara nas últimas décadas. Era uma das bases econômicas do momento vivido.
No entanto, seria na pesca que a nossa guerreira continuaria sua jornada até que conse-
guisse um terreno que pudesse chamar de seu.
Orgulhosa, a nossa personagem ainda guarda o documento que lhe garantiu
a posse de um lote em 1964, no novo local onde passaria a maior parte dos seus dias.
Tratava-se do sítio Itapema, destino de muitos nordestinos, que à semelhança da famí-
210Poesia autoral.
211 Entrevista concedida por Joana Luciana Santos Ribeiro em 24 de janeiro de 2021.
212 Transporte irregular adaptado para condução de passageiros em maior quantidade.
213 Referencia a Guilherme Backeuser, que possuía o sítio Paecará, ainda não loteado, na meta-
de do século XIX. Registro Paroquial de Terras de Santos. Arquivo do Estado de São Paulo.
59
Os Homens da Ilha
lia de dona Joana, seriam atraídos pelas oportunidades de emprego, incluindo o setor
industrial que se ampliava, além do preço mais acessível dos terrenos naquela parte do
Guarujá214.
Embora haja alguma divergência com relação à origem do nome Itapema, de raiz
tupi, a que melhor parece se adequar à geografia local lhe atribui o significado de pedra
partida, em referência ao aspecto de alguns morros quebrados existentes no local215.
E já nos primeiros anos de colonização na ilha de Santo Amaro, esta porção norte da
ilha teria sido concedida ao português Jorge Ferreira, já comentado, e no local os seus
descendentes, provavelmente, ergueram o primitivo forte de Vera Cruz, no local onde
hoje se instala o farol do Itapema216.
Solo de várzeas e manguezais, cortado pelo rio Acaraú, contava com sítios pró-
ximos como o Paecará, o Pai Elesbão, o sítio Conceição, a Vargem Grande217. Sítios
estes que, na década de 50, se uniriam para formar o distrito de Vicente de Carvalho,
homenagem ao poeta parnasiano, cujos familiares também possuíam áreas cultiváveis
nas terras de Guaibê218.
Por muitos séculos, a parte setentrional da ilha permaneceu com esparsas ocu-
pações. Também havia o trabalho dos jesuítas onde hoje é o sítio Conceiçãozinha, o
chão cultivado por cativos pertencentes à ordem dos carmelitas no espaço hoje cortado
pela Rodovia Piaçaguera219, e o forte do Itapema, que junto aos fortes de São Filipe/São
Luiz e à fortaleza da Barra, garantiam a proteção da vila de Santos contra as ofensivas
inimigas no período colonial 220.
Com poucas unidades de produção agrícola, esta porção de chão, que no mapa cor-
responde à asa de um dragão, ainda contava com alguns africanos e famílias de agregados
pobres que lá se punham a cultivar ou pescar. Eram apenas os primeiros de milhares de
pessoas que pelos séculos seguintes ali também passariam suas vidas221.
Contudo, o aumento da população de Santos no final do século XIX, bem como
a chegada dos trilhos do Tramway do Guarujá que uniria o norte ao coração da ilha,
logo fariam com que os velhos latifúndios conseguissem autorização para ser loteados,
214 Para fatores condicionantes ao povoamento do distrito de Vicente de Carvalho, ver: VAZ,
Angela Omati Aguiar. Guarujá: Três momentos de uma mesma história. 2010. p. 148.
215 Ver em https://www.itapemapraia.com.br/significado-da-palavra-itapema.php
216 Ver em Novo Milênio. O forte do Itapema. 2005. Disponível em: https://www.novomilenio.
inf.br/guaruja/gh028.htm
217 Os sítios mencionados consta na relações de terras do século XIX, seja no Tombamento dos
bens rústicos da Vila de Santos de 1817, seja no registro paroquial de terras de Santos de 1854. Acervo
do Arquivo do Estado de São Paulo.
218 NUNES, Urbain N. Almanark Itapema. Itapema – SP. 2011. Disponível em: http://alma-
narkitapema.blogspot.com/2011/01/itapema-sp.html
219 Sobre ocupação dos sítios Acaray, Itapema e Conceição, ver Tombamento dos bens rústicos
da Vila de Santos em 1817. Arquivo do Estado de São Paulo.
220 NUNES, idem.
221 Tombamento dos bens rústicos da Vila de Santos de 1817. Arquivo do Estado de São Paulo.
60
A traje tória dos povos que formaram Guarujá
atraindo famílias em busca de espaços de moradia mais acessíveis e próximos aos seus
locais de trabalho. Desde 1893, o Itapema passaria a sediar a estação que conduziria os
turistas até a vila balneária de Guarujá, poucos quilômetros à frente. No futuro distrito
passariam a viver muitos trabalhadores navais, estivadores, marítimos e agricultores
dos sítios cultivadores de bananas. Em um aumento populacional desenfreado, a ci-
dade de Santos começaria a transbordar para o outro lado do estuário, fazendo com
que o número das pessoas aumentasse de forma considerável, em especial no bairro da
Bocaina, antiga vila de pescadores222.
Marcolino é um desses, sergipano, que antes da década de 30, já havia rumado
para a Bocaina com sua família, aqui se casando com uma moça da baixada. Operário
como tantos outros que deixavam sua terra natal para viver na cidade, filho de Maria
como tantos outros que vieram em busca de um sonho223.
Em 1914, em visita realizada pelo então prefeito de Santos, o bairro onde ele pas-
saria a viver já contava com 400 casas. Na época, foi constatado que ali existiam pro-
blemas com abastecimento de água, falta de limpeza das vias públicas e escassez nos
lampiões que iluminavam as ruas, além de limitações no transporte da população, nor-
malmente feito por barcas. Era abrir mão das labutas da roça para enfrentar a privação
dos bairros improvisados com o crescimento repentino. A própria Bocaina, quando ali
se instalou a Base Aérea de Santos em 1930, fez com que muitas famílias fossem desa-
propriadas de suas casas e seguissem para bairros próximos224. Luta que não para.
A inauguração da Vila Balneária, com todo o seu aparato voltado ao turismo,
ainda teria um impacto tímido na geografia da ilha perto de tudo o que estaria por vir.
Seriam estradas e estradas, cada vez a encurtar a distância entre a serra e a praia, e cada
vez mais operários, vindos de longe a somar forças. A construção da rodovia Anchieta
em 1947 teria papel decisivo na região, já que atrairia não apenas mão de obra, mas
também cada vez mais turistas paulistanos, ampliando a necessidade de prestação de
serviços na cidade225. Foi nessa época que a cidade recebeu, entre tantas famílias per-
nambucanas, a de Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente do Brasil226.
Em 30 de dezembro de 1953, mesmo ano da conclusão da pista sul da Rodovia
Anchieta, pela Lei Estadual n.º 2.456, estava criado o distrito de Vicente de Carvalho,
que passaria receber gente de todo canto, em especial nordestinos, que teriam papel
ma, que infelizmente, permanece atual, haja vista a tragédia mais recente, que levando
em conta apenas o município Guarujá, ceifou 34 vidas em março de 2020231. A velha
questão da vulnerabilidade social na baixada santista.
Na medida em que o distrito crescia, cresciam também as suas contradições com
relação ao restante da cidade. Chegada a década de 1960, e o trabalho de Luiz Melo Ro-
drigues anunciava as disparidades existentes entre Vicente de Carvalho e Guarujá, não
apenas físicas, mas também sociais232. Por sobre as águas escuras e várzea alagadiça,
a denúncia do abandono das ruas e a condição de marginalização dos bairros ali exis-
tentes. Entre um lado e o outro do Rio Santo Amaro, composições bem distintas, o que
pode justificar várias tentativas de emancipação que o velho Itapema experimentou até
os dias atuais.
Terminada a década de 60, e o cartório de Vicente de Carvalho já contava, sozi-
nho, com quase 18 mil assentos de nascimento desde a data de sua criação. As folhas,
em sua maioria esmagadora, traziam o nome de filhos de famílias que vieram do sertão
nordestino. Desde os primeiros aos últimos registros, muitos são os herdeiros de sergi-
panos, cearenses, paraibanos, que passaram a servir a cidade como carpinteiros, me-
cânicos, comerciantes, operários. Muitos partos ainda eram feitos em casa, ignorando
o costume das pessoas da cidade de recorrerem ao Hospital Santo Amaro ou à Santa
Casa de Santos para que as crianças pudessem nascer. Mães davam seus filhos à luz em
residências sobre a Avenida Thiago Ferreira, ou localizadas na rua Cunhambebe, ou
ainda sob a Linha das Torres233.
No registro 8.918, por exemplo, vinha ao mundo mais um Severino, mais um filho
de Maria, nordestina234. Homens e mulheres que, embora não tenham sido homenage-
ados com nomes de praças, ruas ou escolas, que embora não figurassem entre o nomes
dos ilustres, cujos bustos esculpidos são vistos na cidade, ainda assim se fazem memo-
ráveis entre os antigos, que num dominó de domingo se juntam na 14 Bis235.
231 Prefeitura Municipal de Guarujá. Encerada buscas por vítimas em Guarujá. 18 de março
de 2020. Disponível em: https://www.guaruja.sp.gov.br/encerradas-buscas-por-vitimas-em-guaruja/
232 RODRIGUES, Luiz Melo. Vicente de Carvalho. A Baixada Santista – aspectos geográficos.
Vol III. In VAZ, op. cit., p. 149.
233 Ver em: Brazil, São Paulo, Guarujá, registros civis, 1929-1975. Disponível em: https://www.
familysearch.org/search/catalog/2656429?availability=Family%20History%20Library.
234 Trocadilho com a obra Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto.
235 Principal praça do distrito de Vicente de Carvalho.
63
Os Homens da Ilha
Capítulo 10:
s mulheres sempre foram em busca do seu espaço diante da sociedade, fora dos
A moldes da cultura patriarcal, ainda que por muito tempo tivessem sido repri-
midas e silenciadas por estereótipos ultrapassados.
Ao nos debruçarmos sobre histórias de mulheres que se tornaram parte da cida-
de e que fizeram do Guarujá seu lar, nos deparamos com a necessidade de verificar as
certidões de casamento dos livros de ata do cartório de registro civil entre 1929 e 1934,
logo após o período em que a ilha recebeu diversas pessoas de todas as partes, e que
desde então criaram vínculos nesta terra. Atrás de informações mais claras quanto ao
papel feminino na época, notamos que o trabalho fora do ambiente do lar era quase
que escasso. Dos 600 registros de casamentos de mulheres no período, 590 delas se de-
claram domésticas. Do restante, havia uma enfermeira e uma auxiliar, duas modistas,
uma operária, uma violinista, uma comerciante, uma circense e duas que não informa-
ram ocupação. Além do mais, as poucas que ainda exerciam alguma profissão fora de
casa, na maioria dos casos, eram estrangeiras236.
Uma destas até então senhoritas foi Rosa Palhares Lopes Miguel, que foi uma ita-
liana de origem em Nápoles. Tendo se casado em Guarujá em agosto de 1933 com um
funcionário público nascido em Campinas, teve seus filhos nascidos no litoral paulista.
Antes de se casar os registros revelaram que Rosa era uma exceção à regra, pois tinha
como profissão modista, situação atípica para os padrões da época237. No entanto, após
alguns anos vivendo no Brasil, na época em que conseguiu a permanência definitiva
em território brasileiro em 1944, seus registros já lhe imputavam como mais uma do-
méstica.
Vale dizer que as mulheres só começaram a ter alguma autonomia depois que
conquistaram o direito ao voto, o que lhe foi assegurado em 1932, sabendo-se que esse
empenho vinha desde 1891238. No entanto, haviam poucas que conseguiam realizar
236 COSTA, Wendel Alexsander Dalitesi. De ilha agrária à cidade balneária: povo-
amento e transformações no processo de formação do município de Guarujá (1893-1934)
“XVII SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE CIÊNCIAS INTEGRADAS DA UNAERP - CAMPUS
GUARUJÁ. 2020 p. 10-11.
237 Idem. p.17.
238 SILVA, Juliana Heloise Rosa Santos. A gestão feminina em cargos de liderança. il. color. Mo-
nografia (graduação em Administração de empresas) - Universidade de Ribeirão Preto - UNAERP,
64
A traje tória dos povos que formaram Guarujá
básico, Mercedes teve sua formação no colégio Tiradentes, onde fez o curso Normal244
com duração de três anos. Sempre que surgia alguma oportunidade de se atualizar lá
estava ela, onde tinha aulas de português, matemática, latim, francês, geografia, histó-
ria, canto e piano. E ao longo de toda a sua jornada sempre teve o apoio da família.
Mercedes Damin da Silva foi uma das professoras mais antigas da cidade, e sua
trajetória começa no ano de 1945, quando foi convidada a lecionar na escola Municipal
Rural localizada na praia do Perequê, que na época era administrada pelo grupo esco-
lar Vicente de Carvalho. Mercedes foi uma das primeiras a dar aulas nesta região. Ela ia
até a escola com uma charrete que era oferecida pela prefeitura.Também trabalhou nos
bairros Conceiçãozinha, Cachoeira e na entrada da cidade245.
Mercedes, além professora foi poetisa, pin-
tora, pianista e historiadora246.Ela lecionou até
1995, mas mesmo aposentava ainda dava aulas
particulares. Foi um exemplo de amor à sua pro-
fissão, além de fonte de inspiração para diversas
mulheres. Deixamos aqui o seu pensamento:
251 MENEZES, Ebenezer Takuno de. Verbete Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetiza-
ção). Dicionário Interativo da Educação Brasileira – EducaBrasil. São Paulo: Midiamix Editora, 2001.
Disponível em <https://www.educabrasil.com.br/mobral-movimento-brasileiro-de-alfabetizacao/>.
Acessado em 25/01/2021.
252 EJA é um programa do governo que visa oferecer o Ensino Fundamental e Médio para
pessoas que já passaram da idade escolar e que não tiveram oportunidade de estudar. Disponível
em <https://mundoeducacao.uol.com.br/educacao/educacao-para-jovens-adultoseja.htm#:~:text=E-
JA%20%C3%A9%20um%20programa%20do,n%C3%A3o%20tiveram%20oportunidade%20de%20
estudar>. Acessado em: 25/01/2021.
68
A traje tória dos povos que formaram Guarujá
ve é a filha da senhora Maurita, à qual sou grata, pois se hoje tenho uma formação
acadêmica foi graças a ela, que mesmo sem possuir um amplo currículo, me pas-
sou os maiores e melhores de todos os ensinamentos, que são os valores de uma vida
honesta, batalhando e sendo digna constantemente. Ela também me fez acreditar que
é possível realizar sonhos, afinal foi através dela que, como mulher, realizei os meus.
69
Os Homens da Ilha
Capítulo 11:
A explosão da cidade
ourdes253 havia conhecido um moreno alto dos olhos verdes na região serrana
Era a beleza da juventude brotando no coração dos dois, porém uma proposta
para que a moça de Juiz de Fora rumasse para a baixada santista poderia colocar em
risco aquele romance ainda nascente. No novo estado ela poderia trabalhar, melhorar
de vida, conquistar novas oportunidades. Era necessário partir. E enquanto titubeava
em deixar para trás o rapaz galante, uma vizinha lhe aconselhou: “Vá sem medo! Pois
se ele gostar mesmo de você, atravessa faca, fogo e água para ficar junto”.
A aventura que Lourdes então decidiu viver a carregou para a estrada de Santos,
que até então só conhecia da canção de Roberto Carlos254 que ouvia quando menina.
Guarujá seria o seu destino, já que lá morava uma de suas irmãs. Lá passaria a limpar
os apartamentos do centro da cidade. Rua Mário Ribeiro, Avenida Leomil255.
Era o ano de 1980, período do boom imobiliário na região. Faziam apenas dez anos
que havia sido inaugurada a Rodovia Piaçaguera que tornaria o município menos ilha, já
que a estrada foi responsável por ligar a ínsula ao continente. Logo depois também have-
ria a estreia da pista norte da Rodovia dos Imigrantes, servindo para encurtar a distância
entre a capital paulista e o litoral. E só no intervalo de seis anos entre a criação das duas
vias de acesso, a Prefeitura Municipal de Guarujá autorizaria a liberação de mais de dois
milhões de metros quadrados em construção civil256.
Edifícios se erguendo à beira-mar e modificando de forma irreversível as ve-
lhas praias caiçaras. As construtoras lucrando rios de dinheiro. Trabalhadores sen-
do atraídos de todos os lugares do Brasil. E a cidade, por sua vez, sem a infraestru-
253 História retratada com base nas memórias relatadas por Lourdes da Conceição Dalitesi
Costa e por seu esposo Manoel José da Costa, hoje falecido. Homenagem do autor aos seus pais.
254 Referência à canção “As curvas da estrada de Santos”, do artista Roberto Carlos.
255 Vias do centro de Guarujá/SP.
256 Valor obtido com base na soma dos metros quadrados aprovados pela Prefeitura do Gua-
rujá/SP entre 1971 e o início de 1976, conforme dados fornecidos em: VAZ, AngelaOmati Aguiar.
Guarujá: Três momentos de uma mesma história. 2010. p. 155.
70
A traje tória dos povos que formaram Guarujá
tura adequada para lidar com tamanha demanda. Não tardaria para que Manoel,
futuro marido de nossa personagem, deixasse o mundo das cartas românticas e
viesse atrás de sua amada naquela cidade em explosão. A predição que a amiga dera
a Lourdes ainda em Minas se cumpria. Manoel enfrentou não apenas a faca e o
fogo, mas também as águas que cerceavam a ilha em forma de dragão, assim como
também o fizeram tantos outros trabalhadores na busca de um novo lugar ao sol.
Era o início dos anos 80. Os anún-
cios do jornal A tribuna convocavam
duzentos pedreiros, e isto apenas para
a construção do Novo Terminal Rodo-
viário que seria inaugurado na Aveni-
da Santos Dumont 257. Só no primeiro
ano daquele decênio a cidade de Gua-
rujá já havia atingido uma população
de mais de 150 mil habitantes258, um
crescimento de 62% com relação à dé-
cada anterior259. E com a multiplicação
das mansões, das casas de veraneio, dos
apartamentos com vista privilegiada,
também se multiplicavam as ocupações
irregulares, as moradias nas palafitas
dos manguezais, nas encostas do morro
e nas áreas alagadiças.
Conforme bem definiram com relação
ao momento que a cidade experimentava:
257 Jornal A Tribuna. 29 de maio de 1980. Civilia Engenharia S.A. admite 200 pedreiros. Dis-
ponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/153931_03/1833
258 IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.Censo demográfico: 1980 - dados distritais.
259 Idem. Censo demográfico: 1970.
260 PSOL Guarujá. Programa de Governo 2020. p. 10
71
Os Homens da Ilha
Ainda seguindo a linha das palavras acima, ações mais eficazes teriam sido
importantes para congelar as invasões se tivesse havido maior critério na liberação
de obras e uma atuação mais efetiva com o orçamento público para a construção
de moradias populares e o reordenamento da ocupação da periferia261. Não foi o
que ocorreu.
No entanto, seria em um desses lugarejos improvisados, morando de favor em
um casebre na extinta Vila Sônia, que Manoel e Lourdes começariam sua jornada
em terras caiçaras, à medida em que também deixavam sua própria marca à beira
mar, mas à custa de muitas provações.
E sobre a vida em áreas irregulares, o risco constante. As chuvas no início de
1973 já haviam provocado um deslizamento no Morro da Glória, levando à evacu-
ação de seus moradores e provocando a criação do bairro da Vila Zilda. Em 1978,
outro deslizamento ocorreu no Morro da Cachoeira. E em 1983, seria a vez dos
moradores da Vila Sônia enfrentarem a calamidade, ocasionando a transferência
das famílias para o atual bairro da Vila Edna262. Uma verdadeira luta pela vida.
Manoel não esperaria para ver o caos. Não ficaria naquela cidade que parecia
lhe tragar. Embora tentasse, a todo custo, se adaptar ao novo cenário, conseguindo
uma oportunidade de emprego fora de sua área de especialização, uma vaga en-
tre as tantas disputadas por uma legião de marginalizados, não foi bem sucedido.
Convenceria Lourdes a voltar para o lugar onde haviam se conhecido. E no fim da-
quele mesmo ano de 1980, arrumariam suas malas e voltariam pela serra de onde
desceram. Na solenidade de estreia do novo terminal rodoviário do município,
enquanto muitos outros passariam a chegar à cidade das praias, nosso moreno alto,
petropolitano dos olhos verdes, tentava remar contra a correnteza, jurando partir
daquela selva de pedra para nunca mais retornar. O destino não lhe ouviria.
Enquanto isto, os conflitos sociais se intensificavam na região. A chegada da
eletricidade e do asfalto em postos distantes da cidade, como a parte leste da ilha,
região do rabo do dragão, não demoraria a atrair olhares cobiçosos sobre as cente-
nárias terras caiçaras, cujas famílias de pescadores ainda lutavam para se manter
frente ao crescimento desordenado e a ameaça dos especuladores imobiliários e
grileiros263. Desde 1975, os moradores do Perequê passaram a enfrentar a intimi-
dação de capangas armados, a mando de pretensos donos, que procuravam remo-
vê-los das terras distantes em que habitavam264.
261 Ibidem.
262 Folha de São Paulo. Bairro atingido por tragédia na Baixada Santista foi formado após desli-
zamento. 4 de março de 2020. Disponível em: https://agora.folha.uol.com.br/sao-paulo/2020/03/bair-
ro-atingido-por-tragedia-na-baixada-santista-foi-formado-apos-deslizamento.shtml
263 ARAÚJO, João Mauro. Sesc São Paulo. Praias proibidas. 2006. Disponível em: https://www.
sescsp.org.br/online/artigo/compartilhar/3558_PRAIAS+PROIBIDAS
264 Correio Braziliense. Apelo de Posseiros. 27 de março de 1979. Disponível em: http://memo-
ria.bn.br/DocReader/028274_02/119122
72
A traje tória dos povos que formaram Guarujá
265 COSTA, Wendel Alexsander Dalitesi. De ilha agrária à cidade balneária: povoamento e
transformações no processo de formação do município de Guarujá (1893-1934). XVII Simpósio Inter-
nacional de Ciências Integradas – Campus Guarujá. 2020. p.14-16.
266 Jornal do Brasil. Guarujá, o verão louco da ex-praia exclusiva. 25 de janeiro de 1987. Dispo-
nível em: http://memoria.bn.br/docreader/DocReader.aspx?bib=030015_10&pagfis=131340.
267 IBGE. Censo demográfico: 1991 - resultados do universo relativos às características da po-
pulação e dos domicílios.
73
Os Homens da Ilha
268 Diário do Litoral. Baixada precisa de mais de 85 mil moradias para superar defasagem. 25
de agosto de 2019. Disponível em: https://www.diariodolitoral.com.br/cotidiano/baixada-precisa-
de-mais-de-85-mil-moradias-para-superar-defasagem/128285/
74
A traje tória dos povos que formaram Guarujá
Capítulo 12:
O nativo invisível
A é tão simples quanto descrever um cenário estático, pois entendê-los como fru-
to de uma dinâmica social em contínua mudança tem lá seus pormenores, já
que o ambiente no qual eles estão inseridos promove modificações comportamentais
que contribuem para sua adaptação, assim como ocorre com outros povos.
Nas palavras de Turatti: “Um mesmo grupo identitário exibirá traços cultu-
rais diferentes ao longo de sua história, conforme a situação ecológica e social em
que se encontra269”. Assim sendo, o caiçara também tem as ondas de sua vida for-
temente influenciadas pelas correntes das marés do progresso, mas mesmo em face
às mudanças ocorridas em seu ambiente de subsistência, ainda demonstra resiliên-
cia ao absorver elementos externos, além de no mínimo despertar a curiosidade de
outras comunidades com relação aos seus aspectos peculiares.
Descrever o cenário caiçara então passa a ser mais do que uma imagem con-
gelada no tempo em algum período histórico ou nostálgico aos seus atores. Ao
invés disso, adquire certa variação, onde as gerações se encontram em um ponto
de partida e desenrolam um modelo de adaptação próprio ao longo do tempo, res-
significado pela sociedade adjacente. Por isto, deve-se ter cautela quando se aborda
um tema como este, pois como diz Cristina Adams, é preciso superar a visão dico-
tômica do debate que opõe Homem e Natureza, onde uma visão antropocêntrica
está em constante disputa com uma visão mais conservadora270. A primeira con-
sidera o caiçara como parte do ambiente e da natureza que o cerca, por meio da
priorização do humano e de sua cultura. A segunda, por sua vez, o exclui de seu
ambiente em detrimento da conservação da natureza intocada.
Um exemplo dinâmico de cultura é o que ocorreu com o filho de um caiçara
comerciante que vivia de seu rancho na beira da praia, aproveitando o movimento de
turistas vindos da Grande São Paulo, que vinham espiar curiosos as festas e comemo-
rações dos moradores locais. Daniel sempre pescou desde que se conhece por gente.
Seus avós não pescavam para realizar vendas, pois apenas utilizavam seus alimentos
adquiridos na natureza para o consumo próprio. Os ranchos haviam ali surgido pela
agregação de turistas às festividades que eram realizadas na própria família.
O objetivo inicial dos caiçaras era alegrar as festas com a presença de pessoas
de fora de suas vilas e ter plateia para suas apresentações musicais, mas ao agradar
o público, recebiam dinheiro em troca, o que viabilizou sua sobrevivência com
renda extra, junto à venda de peixes e frutos do mar.
Incontáveis foram às vezes em que Daniel e sua família tiveram que salvar
turistas desavisados do afogamento no mar, inclusive um de seus parentes mor-
reu exercendo o salvamento. Tio Vicente, por ironia do destino, morreu em São
Vicente, quando o espírito de herói o levou a salvar uma criança em uma grande
enchente que inundou os canais da cidade, entretanto, após retirar a criança da
água, ficou ele mesmo preso em um galho e por uma troca equivalente, deu sua
vida para salvar outra.
Símbolo da última geração que deixa ainda um legado caiçara, Daniel e seus 11
irmãos (sendo 4 adotados), já não vivem mais da pesca para seu próprio sustento como
seu avô, ou do rancho comercial como seu pai, mas sim como garçom. Seu trabalho
aparentemente não oferece muitas possibilidades de galgar cargos maiores, porém,
sempre agradeceu por ser parte de um dos poucos setores que permitiam (e ainda per-
mitem)o fluxo econômico da cidade que progredia: o turismo; um turismo muitas ve-
zes predatório, sinônimo de progresso, um progresso degradante, entretanto.
No início da década de 1890, quando foi fundada a Companhia Balneária em
Santo Amaro, a Pérola do Atlântico começou a ser mais valorizada do que nunca,
pois devido ao charme de suas belas praias e matas, olhares de todo o mundo se
voltavam para a ilha como símbolo de status e diversão, atraindo assim importan-
tes nomes da ciência, política e artes. Não muito tempo depois, o local adquiriu o
direito de agregar o título de estância balneária ao nome, termo que proporciona
maior repasse de verba do estado, por possuir características e infraestrutura tu-
rísticas bem desenvolvidas. Esqueceu-se, entretanto, da figura caiçara provedora
da farinha de mandioca e de peixes para abastecer o fluxo de turismo que estava
sendo atraído à região.
Documentos levantados em pesquisa anterior nossa, intitulada “De Ilha
Agrária a Cidade Balneária271”, indicam que no início do século XX, por vezes as
atividades comerciais de moradores da ilha estiveram atreladas ao porto de San-
tos, profissões correlatas com o mar e transporte de produtos em embarcações.
Entretanto, o trabalho com destilados, produção de farinha de mandioca e pesca
271 COSTA, Wendel Alexsander Dalitesi. De ilha agrária à cidade balneária: povoamento e
transformações no processo de formação do município de Guarujá (1893-1934). XVII Simpósio Inter-
nacional de Ciências Integradas – Campus Guarujá. 2020.
76
A traje tória dos povos que formaram Guarujá
276 Ilha hoje pertencente ao município de São Sebastião. Local de origem de muitas das primei-
ras famílias caiçaras que se espalharam pelo Guarujá, em especial na Prainha Branca.
277 Jornal “A Tribuna, 27 de abril de 1979,pg. 07”. Disponível em<http://memoria.bn.br/Do-
cReader/DocReaderMobile.aspx?bib=153931_02&pesq=%22fazenda%20perequ%C3%AA%22&pag-
fis=38521> acesso em 05/02/2021.
78
A traje tória dos povos que formaram Guarujá
Grande parte dos caiçaras não foi corretamente alfabetizado ou passou por alguma
profissionalização dentro dos novos ditames da vida na cidade, razão que lhes serve como
barreira de entrada ou até mesmo de tentativa para alcançar posições de destaque em
meio ao contexto urbano. Diferente de outros grupos cujas ações afirmativas são ampla-
mente divulgadas e defendidas, o caso dos caiçaras parece não ser palco de grande rele-
vância para os discursos de proteção identitária, haja vista, a falta de garantia de espaços
que antes serviam para suas roças e que hoje servem de antro para marginalização social,
o que inevitavelmente atinge os seus descendentes.
Os caiçaras continuavam vivendo na orla da praia, porém atualmente seus fi-
lhos já sofreram grande influência de outros grupos. E na tentativa de transmitir sua
cultura, passaram a não ser tão bem vistos pela sociedade do centro urbano. Uma
vez estigmatizado o perfil do caiçara como preguiçoso, tais discursos contribuíram
para sua desapropriação e posição periférica em seu contexto. Ademais, nem sempre
seus descendentes desejam prosseguir com os caminhos trilhados pelos pais e avós,
entretanto a valorização e comprometimento com as ações em prol do meio ambiente
e da valorização cultural precisam estar em pauta nos dias de hoje.
79
Os Homens da Ilha
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A traje tória dos povos que formaram Guarujá
Capítulo 13:
reprodução. A pesca em geral é feita de vara ou rede. E ele também sabe o proce-
dimento para que a culinária caiçara chegue até às mesas: de peixes grelhados na
churrasqueira com uso de papel alumínio até os mantidos crus, também o passo a
passo entre temperar e assar o pescado.
Nosso personagem mirim ama o mar e a vivência adquirida nele, sabe nadar e
mesmo novo não tem medo da água, pois desde cedo criou gosto e bem conhece o
trabalho de sua família em atendimento aos serviços de frete marítimo. Para ele ser
caiçara é nascer na praia, e mesmo que resuma com poucas palavras o significado deste
termo, dá uma verdadeira aula com sua bagagem cultural. Seu pai é nascido na cidade.
Sua mãe veio de fora. E como tantos outros meninos e meninas de uma nova geração na
baixada santista, ele traz consigo uma junção de contextos étnicos e culturais distintos,
mas que se somam e se agregam mutuamente na construção de uma nova identidade
local. Eis os novos olhares que se projetam sobre o Guarujá.
Segundo estimativa do IBGE, no ano de 2020, o município atingiria a marca de
322.750 habitantes281, distribuídos ao longo dos 142 km² da ilha em forma de dragão282.
Uma urbe de porte relevante, a 52ª maior receita entre as cidades brasileiras segundo
ranking de 2017, mas que ainda possui seus velhos dilemas a superar283. O passado,
por mais distante que pareça ser, permanece com suas teias invisíveis que atravessam
o tempo e tocam a contemporaneidade onde Lucas vive, e o desafio atual é identificar
as estruturas nocivas que tem se arrastado ao longo do tempo para se romper com elas,
mas também ter ciência das boas raízes para mantê-las.
As pesquisas envolvendo os sambaquis, retratos de uma ocupação milenar, enfrenta-
ram um q eclínio nas últimas décadas, e o efeito negativo é que a cidade se recria sem
uma consciência sobre os primeiros homens que aqui viveram. O não se apropriar também
significa a falta de atuação de forma transformadora. Ainda falta investimento em pesquisa
e políticas que garantam à população o acesso à sua arqueologia.
O que sobrou da cultura indígena permanece sendo apagado todos os dias, e isto
inclui até mesmo a mudança de logradouros das cidades. Quando os decretos oficiais
não consideram os nomes historicamente atribuídos, como a substituição da região
conhecida como Itapema pelo distrito de Vicente de Carvalho, e fazem com que Planos
Diretores suprimam as antigas apropriações sobre a ilha, de alguma forma isto também
contribui para que a memória ancestral se extingua. Deve-se lembrar, contudo, que não
apenas os nomes originais devem ser preservados, mas as próprias oralidades e saberes
nativos. Assim será possível garantir que os povos da atualidade tenham acesso a um
precioso patrimônio imaterial.
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A traje tória dos povos que formaram Guarujá
Referências
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A traje tória dos povos que formaram Guarujá
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