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Filosofia da Religião

 A religião e o sentido da existência


 As dimensões pessoal e social da religião

É do confronto com a grandiosidade do universo e incapacidade de abarcar essa grandiosidade (bem


como de entendê-la e explicá-la) que surge a consciência da finitude do ser humano e é dessa consciência
das nossas limitações (temporais e gnosiológicas) que nasce ou terá nascido a nossa ligação ao
transcendente, ou mais concretamente, ao ser divino. Do nosso plano inferior, concebemos ou supomos um
plano superior. Imperfeitos e finitos, pensamos o perfeito infinito – Deus.

A religião e o sentido da existência

Esta pode ser a explicação para o facto de Homens de todos os tempos e culturas manifestarem uma
ligação a Deus(es), ou, pelo menos, prestarem culto a certas crenças ou figuras superiores. Parece
consensual esta justificação: o medo, a insegurança e a ignorância deram origem ao sagrado e ao divino.
Conferir sentido à existência humana é um dos significados atribuídos à religião, perante a evidência da
nossa fragilidade, suporta-se a nossa existência e o seu sentido numa existência superior, perfeita. Assim,
pode entender-se a religião (do original religare) como a ligação da frágil existência humana a uma existência
divina e que, assim, ganha sentido como relação com “algo maior”. Esta é, pois, a conceção presente na
generalidade das religiões, que funcionam, para os crentes, como uma forma de aproximar o homem a Deus
e, assim, justificar e “salvar” a sua existência.

As dimensões pessoal e social da religião

A religião é um fenómeno tão antigo quanto a existência humana. Desde as sociedades mais
primitivas até às sociedades industrializadas, as pessoas manifestam crenças, seguem rituais e revelam
sentimentos religiosos – esta ideia atesta o carácter universal do fenómeno religioso. Para além disso, mais
do que uma religião, devemos falar em religiões – umas assentes no monoteísmo, outras no politeísmo,
umas com rituais mais indefinidos, outras com preceitos mais marcados…
Em todas elas existe, no entanto, a dimensão pessoal: a modo como o indivíduo se relaciona com a
sua religião e o seu culto, as suas crenças, a sua vivência pessoal, interior. Ou seja, o seu sentimento e a sua
fé. Por outro lado, há em todas elas uma dimensão social: a forma oficial como cada religião se expressa, os
seus mandamentos ou preceitos, como a sociedade a manifesta. Ou seja, os rituais e comportamentos
visíveis na sociedade.

Conclusão: a religião pode ser entendida como necessidade ou desejo, mais ou menos expressa em rituais
mais ou menos instituídos, mas é, sem dúvida, um elemento agregador e regulador das atitudes e
comportamentos. Tem, portanto, uma função organizadora e prescritiva – religião e moral são dimensões
indissociáveis e a primeira exerce influência óbvia na segunda – as gerações educam com base nos preceitos
morais e estes não são independentes dos preceitos religiosos.

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(Grupo disciplinar de filosofia)
O problema da existência de Deus (conceções, argumentos a favor e respetivas críticas)

Teísmo: definição que compreende Deus com os seguintes predicados/características: omnipotente,


omnisciente, sumamente bom (moralmente perfeito), criador e pessoa (ex.: cristianismo, islamismo,
judaísmo)1. Opõe-se esta definição ao deísmo (Deus é criador, mas não intervém nem se importa com o que
cria) ou ao panteísmo (Deus e mundo/natureza confundem-se).

Argumentos sobre a existência de Deus (teísmo)

Argumento cosmológico (São Tomás de Aquino) – argumento causal ou da causa primeira (a posteriori). No
mundo, as coisas são causadas por outras. Dentro desta lógica, tem de haver uma primeira causa, isto é,
Deus, admitindo que é absurdo defender uma regressão infinita de causas (elimina a possibilidade da cadeia
causal ter sequer começado)

Críticas:
- podem existir várias primeiras causas, em vez de existir só uma (falso dilema);
- o próprio conceito de regressão infinita parte precisamente do pressuposto que não existe uma causa
primeira, ou seja, a sua não existência não interfere com a possibilidade da infinitude da regressão;
- mesmo admitindo o argumento como verdadeiro, nada nos garante que essa causa tenha as propriedades
do deus teísta.

Argumento teleológico/desígnio – provém do aparente funcionamento inteligente da natureza, levando a


suspeitar que só um criador inteligente poderia ter gerado um universo ordenado e com sentido.

1ª versão: Analogia do relógio/relojoeiro


A existência de um relógio encontrado na rua pode ser explicada de duas formas, a saber, foi concebido por
um relojoeiro ou formou-se por acaso. É mais surpreendente admitir que um relógio se formou por acaso do
que admitir que esse objeto foi criado por um relojoeiro.
Observando as maravilhas da natureza, como os seres vivos e os seus órgãos (o olho), verifica-se que
estamos perante estruturas complexas e organizadas, que desempenham funções complexas (como a visão).
Assim, é mais surpreendente admitir que a natureza é obra do acaso e não obra de um criador inteligente,
Deus.

Crítica:
- o Darwinismo dá-nos uma terceira hipótese às duas que foram apresentadas, isto é, os seres vivos são o
resultado de um processo de evolução por seleção natural.

2ª versão: o rigor da natureza com parâmetros definidos de modo preciso


Se a força da explosão do big bang tivesse sido ligeiramente diferente, o universo poderia ter colapsado
sobre si mesmo ou ter-se-ia expandido muito rapidamente, impedindo a formação de estrelas. Além disso, se
a força nuclear forte (liga protões e neutrões num átomo) ou a gravidade e força eletromagnética fossem
mais fortes ou mais fracas, a vida seria impossível.
Assim, as constantes físicas estão minuciosamente afinadas para a existência da vida, o que leva a acreditar
na existência de um designer sobrenatural com os atributos do Deus teísta (partindo do pressuposto de que
a vida é algo de bom).

1
“[…] pessoa sem um corpo [espírito] que é eterno, livre, capaz de fazer qualquer coisa, conhecer tudo, é perfeitamente
bom (…), o criador e sustento do universo.”
Richard Swinburne, The Coerence of Theism
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(Grupo disciplinar de filosofia)
Críticas:
- existe uma terceira hipótese, o multiverso. Esta possibilidade admite a existência de múltiplos universos,
com leis e modos de funcionamento próprios. Assim, a vida pode ter-se gerado por acaso num desses
universos;
-o Deus teísta continua a não estar garantido, mesmo com a crença nesta afinação minuciosa. Como
estabelecer uma relação com esse Deus ou que Deus é esse (ex.: oração)?

Argumento ontológico (Santo Anselmo) – parte do conceito de Deus, sendo um argumento a priori. Deus é o
“ser maior do que o qual nada pode ser pensado”. Se Deus existisse apenas no pensamento, mas não na
realidade, não seria aquele “ser maior do que o qual nada pode ser pensado”.
É certo que Deus existe no pensamento, quer se afirme, quer se negue a sua existência. Se só existe no
pensamento, é possível conceber um ser ainda mais perfeito, isto é, que exista no pensamento e na
realidade (tendemos a considerar mais perfeito o que tem existência na realidade).
Assim, afirmar que Deus é o “ser maior do que o qual nada pode ser pensado” equivale a dizer que Deus é o
ser maximamente perfeito, isto é, possui todas as perfeições, incluindo a própria existência.

Críticas:
- Gaunilo propõe que há coisas que não existem que podem ser provadas, como por exemplo, uma “ilha
perfeita”, isto é, uma ilha maior do que a qual nada pode ser pensado;
- a existência não é um verdadeiro predicado porque não acrescenta nada ao conceito que se pretende
definir, só serve para exemplificar. Assim, se a existência deixa de ser predicado, então um ser maximamente
perfeito não é maior por existir ou não existir;
- petição de princípio – parte-se do pressuposto de Deus como ser com todas as perfeições, incluindo a
existência. Assim, a ideia de Deus no pensamento já compreende implicitamente a ideia de perfeição,
tornando-se num raciocínio circular.

O argumento do mal como uma objeção à existência de Deus

O mal – moral, praticado pelos seres humanos e natural, fora das ações humanas, como os terramotos,
doenças, etc. – provoca sofrimento em seres humanos e animais, sem aparentemente servir nenhum
propósito vantajoso (William Rowe) – mal gratuito. Parece muito improvável que o Deus teísta admitisse
certos acontecimentos:

“Suponha que um veado fica horrivelmente queimado durante um incêndio provocado pela descarga
de um raio, sofrendo terrivelmente durante cinco dias antes de morrer. (…) não se atribui livre-arbítrio aos
veados [não sendo culpa deles o seu sofrimento]. Porque permitiria Deus que isto acontecesse quando, se
existe, poderia tê-lo impedido com tanta facilidade?”
William Rowe, The problema of evil and some varieties of atheism

Este argumento não prejudica a ideia de um criador sobrenatural que simplesmente não intervém na sua
criação ou que, apesar de moralmente bom e omnisciente, não seja omnipotente.

Objeção – teísmo cético:


- o facto de aparentemente haver mal gratuito, não significa que ele exista mesmo, isto é, o
desconhecimento das razões de Deus não é garantia da não existência dessas razões (analogia com insetos
na garagem). A nossa perceção subjetiva do mal (aparentemente) gratuito não significa que esse mal gratuito
existe objetivamente (Michael Bergmann):

“O facto de os seres humanos não conseguirem pensar em qualquer razão que justifique a Deus
permitir um mal não torna provável que não existam tais razões (…) se Deus existe, a [sua] mente (…) será

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muito maior do que as nossas, (…) não será surpreendente se Deus tiver razões que não somos capazes de
pensar.”
Michael Bergmann, Commonsense skeptical theism

Objeção – teodiceia2 de Leibniz:


- segundo Leibniz, o melhor de todos os mundos possíveis, criado por Deus (conceção teísta), tem
componentes indesejáveis. O autor refere que, se este não fosse o melhor dos mundos possíveis, não haveria
uma razão suficiente para a sua criação. O mal existe porque este é necessário para a existência de coisas
boas e mais valiosas (ex.: o ato de perdoar só existe porque existem ofensas; sacrifício de alguns soldados
para alcançar uma vitória). As partes indesejáveis ajudam a que o todo seja o melhor possível. Não podemos
saber se o mundo seria melhor sem esses males (confrontar com o exemplo do “veado queimado”
apresentado por William Rowe).

O fideísmo3 de Pascal

Segundo Pascal, apesar da ausência de justificação para a existência de Deus, tal não significa que
racionalmente deixe de ser prudente acreditar em Deus, tendo em conta os benefícios práticos dessa crença.
Perante a proposição ou Deus existe ou Deus não existe, podemos apostar entre duas opções: acreditar na
sua existência ou não sua não existência.
Se Deus existir, apostando na primeira opção – a existência – a recompensa pode ser maximamente
positiva, o paraíso. Se Deus existir, apostando na segunda opção – a não existência – a recompensa pode ser
maximamente negativa, o inferno. Se Deus não existir, não faz diferença a escolha previamente feita. Assim,
é mais sensato apostar na existência de Deus (possibilidade de máximo benefício e nenhum malefício) do
que na sua não existência (possibilidade de máximo malefício).

Críticas:
- recompensará Deus quem decidir apostar na sua existência por interesse próprio?;
- há uma possibilidade de Deus ser malévolo e recompensar os maus e os descrentes (o fideísmo de Pascal só
se aplica ao Deus teísta);
- a fé baseada num cálculo é moralmente repugnante (William James):

“[Perante] uma fé adotada voluntariamente depois de um cálculo (…) mecânico; (…) se estivéssemos
nós próprios no lugar da divindade; provavelmente teríamos um prazer especial em impedir a crentes deste
calibre o acesso à recompensa infinita.”
William James, A vontade de acreditar

- a crença em Deus não é voluntária (William Alston):

“Poderá (…) acreditar que o Império Romano ainda está sob controlo da Europa Ocidental, apenas
por tomar a decisão de fazê-lo? (…) suponha que alguém lhe oferece 500 milhões de dólares para acreditar
nisso, e que está muito mais interessado no dinheiro do que em acreditar na verdade. Poderia fazer o que é
preciso para obter essa recompensa? [Isto é] acreditar por vontade. (…) Parece-me claro que não tenho tal
poder.”
William Alston, Beyond «justification»: dimensions of epistemic evaluation

2
Tentativa de resposta ao problema “por que razão Deus permite a existência do mal?”, mostrando que todo o mal tem
uma justificação (contrariando a ideia do mal gratuito).
3
É racionalmente legítimo acreditar em Deus, ainda que não se tenha uma prova que justifique epistemologicamente
essa crença.
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