Descarte Ensaio

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A partir de onde temos capacidade para conhecer?

Esta foi mais uma das dúvidas que


dividiu Descartes e Hume que tomaram posições diferentes: o racionalismo e o empirismo,
respectivamente.
Descartes acredita que a razão é a verdadeira fonte do conhecimento universal, pois é ela
que nos fornece as ideias e os princípios pelo meio dos quais conhecemos.
Ele distingue vários tipos de ideias: as inatas, as adventícias e as factícias. As ideias
adventícias são as que nos chegam pelas experiências sensoriais. Já as factícias são as
que provêm da combinação das imagens dadas pelos sentidos e retidas na nossa
memória, cuja combinação torna possível imaginar algo a que nunca tivemos acesso.
No entanto, este tipo de ideias não pode responder por exemplo à questão da ideia de
Deus, pois se o Homem é um ser finito e imperfeito, como poderia ter a ideia de um ser
infinito e absolutamente bom e perfeito.
Para responder a essa questão, Descartes distingue outro tipo de ideias: as ideias inatas.
Essas ideias são a marca do Criador e estão em nós desde que nascemos.
Além de inatas, são ideias claras, distintas e objectivas, que não inventamos, mas que são
produzidas pelo entendimento lógico sem recurso à experiência. Escreve Descartes sobre
elas:
“(...) quando começo a descobri-las, não me parece aprender nada de novo, mas recordar
o que já sabia. Quero dizer: apercebo-me de coisas que estavam já no meu espírito, ainda
que não tivesse pensado nelas. E, o que é mais notável, é que eu encontro em mim uma
infinidade de ideias de certas coisas que não podem ser consideradas um puro nada.
Ainda que não tenham talvez existência fora do meu pensamento elas não são inventadas
por mim. Embora tenha liberdade de as pensar ou não, elas têm uma natureza verdadeira
e imutável.”
Méditations Métaphysiques, “Méditation cinquième”, p. 97-99.
Quais são então as ideias inatas que temos e que são desenvolvidas por Descartes?
Afirma Descartes na quarta parte do seu Discurso do Método, a sua obra mais popular:
“Assim, porque os nossos sentidos nos enganam algumas vezes, eu quis supor que nada
há que seja tal como eles o fazem imaginar. (…) Mas, logo em seguida, notei que,
enquanto assim queria pensar que tudo era falso, eu, que assim o pensava,
necessariamente era alguma coisa. E notando que esta verdade: eu penso, logo existo,
era tão firme e tão certa que todas as extravagantes suposições dos cépticos seriam
impotentes para a abalar, julguei que a podia aceitar, sem escrúpulo, para primeiro
princípio da filosofia que procurava."
Descartes, dá aqui o ponto de partida não só do seu próprio trajecto intelectual com aquilo
a que se chama o cogito, como de toda a filosofia contemporânea através de uma
constatação difícil de refutar: enquanto pensamos e tentamos desenvolver um raciocínio,
todos nós estamos envolvidos num dilema ou numa dúvida. Se tal não fosse assim não
era necessário pensar: acção ou a intenção que pretenderíamos tomar seria imediata.
Logo, o argumento de Descartes baseia-se em que todo o raciocínio engloba a dúvida e o
pensamento. Dessa forma o raciocínio processa-se da seguinte forma: há algo que nos
suscita a dúvida, entramos numa escolha para decidir qual é a opção verdadeira através
do pensamento. Pensamento esse que é único e característica inata da mente de um
sujeito, o que é prova de existência.
A partir daí, Descartes chega depois à prova da existência de Deus mediante três passos.
O primeiro passo é um passo feito a priori. Segundo Descartes só é possível imaginar
aquilo que realmente existe. Se Deus é a imagem máxima de perfeição como se crê, é
porque ele tem mesmo que existir. Vejamos um pequeno excerto dele:
“Dado que, no nosso conceito de Deus, está contida a existência, é correctamente que se
conclui que Deus existe.
(…). E, da mesma forma que, por exemplo, percebemos que na ideia de triângulo está
necessariamente contido que os seus três ângulos iguais são iguais a dois ângulos rectos,
assim, pela simples percepção de que a existência necessária e eterna está contida na
ideia do ser sumamente perfeito, devemos concluir sem ambiguidade que o ente
sumamente perfeito existe.”
Descartes, Princípios da Filosofia, I Parte, p. 61-62.
Vemos que o primeiro argumento de Descartes é bastante simples. Se em nós existe uma
ideia de algo, esse algo tem que existir. Se em nós existe uma ideia de perfeição, então
essa ideia está personificada na existência de Deus.
O segundo passo, um passo  a posteriori. Descartes conclui que se temos uma ideia de
perfeição, sendo nós seres imperfeitos, é porque Deus existe como causa dessa perfeição,
visto todas as ideias terem uma causa. Voltando a dar a palavra ao filósofo francês:
“Com efeito, pela luz natural é evidente não só que do nada, nada se faz, mas também
que não se produz o que é mais perfeito pelo que é menos perfeito, como causa eficiente
e total; e, ainda, que não pode haver em nós a ideia ou imagem de alguma coisa da qual
não exista algures, seja em nós, seja fora de nós, algum arquétipo que contenha a coisa e
todas as suas perfeições. E porque de modo nenhum encontramos em nós aquelas
supremas perfeições cuja ideia possuímos, disso concluímos correctamente que elas
existem, ou certamente existiram alguma vez, em algum ser diferente de nós, a saber, em
Deus; do que se segue com total evidência que elas ainda existem.”
Descartes, Princípios da Filosofia, I Parte, p. 64.
Nesta citação, vemos que para Descartes, mais perfeita que a ideia de perfeição, só
mesmo a própria perfeição.
Finalmente o terceiro passo, tal como o segundo é um passo  a posteriori. Descartes afirma
que se o Homem se tivesse criado a si mesmo, ele seria perfeito, não teria dúvidas nem
limitações. Assim, ele afirma Deus como o ser criador do ser finito e imperfeito e de toda a
realidade:
“Se tivesse poder para me conservar a mim mesmo, tanto mais poder teria para me dar as
perfeições que me faltam; pois elas são apenas atributos da substância, e eu sou
substância. Mas não tenho poder para dar a mim mesmo estas perfeições; se o tivesse, já
as possuiria. Por conseguinte, não tenho poder para me conservar a mim mesmo.
Além disso, aquele pelo qual sou conservado possui formal e eminentemente tudo aquilo
que em mim existe. Mas em mim existe a percepção de muitas perfeições que me faltam,
ao mesmo tempo que tenho a percepção da ideia de Deus. Logo, também nele, que me
conserva, existe percepção das mesmas perfeições”.
Descartes, Oeuvres, VII, pp. 166-169
Por fim, Descartes chega a mais uma conclusão: a do conhecimento do mundo, após
comprovar a existência de Deus. Descartes afirma, que se Deus é um ser infinitamente
bondoso, nunca criaria o ser humano de forma a viver enganado. Então o mundo existe, e
Deus é a garantia de que aquilo que conhecemos com razão corresponde a algo
realmente existente. No entanto, face ao problema da existência de outras coisas, o
próprio admite que possam existir desde que se baseiam no seu método racional, que
considera ser infalível.
Todas estas verdades provêm da profunda confiança que Descartes tem na razão inata,
fonte de todo o conhecimento seguro, universal e verdadeira.
Para ele, é isto que distingue o Homem dos restantes seres vivos.
Descartes recorreu a argumentos cépticos como um instrumento para chegar ao
conhecimento seguro. Apesar de o fazer, Descartes não é um céptico. Vejamos, por
exemplo, o argumento do sonho e o argumento do génio maligno. No primeiro,
Descartes defende que não é possível fazer a distinção entre estar acordado e estar a
sonhar, porque podes sonhar que estás a fazer um teste para te certificares de que estás
acordado. No segundo, a suposição de um génio maligno bastante poderoso que se
empenha em enganar-te mesmo quando acreditas que 2 + 2 = 4, leva-te a suspender o
juízo em relação às verdades lógicas e matemáticas, por mais simples que sejam. Mas
por mais que tentes duvidar da tua existência, supondo que estás apenas a sonhar ou a
ser enganado por um génio maligno que te leva a pensar que existes, terás nesse
momento a certeza de que alguma coisa existe para que ocorra a actividade de duvidar.
Terá de haver um sonhador para sonhar a sua própria existência e um enganado para
ser enganado. Descartes conclui que, enquanto pensar que está a ser enganado por um
génio maligno, terá de existir como ser pensante. Trata-se do famoso cogito ergo
sum (penso; logo, existo).
Através de argumentação a priori, Descartes obteve conhecimento acerca de algo
que realmente existe: ele próprio como ser pensante. Para compreenderes melhor o que
garante este conhecimento teremos de analisar a certeza implicada pelas crenças
“Estou a pensar” e “Existo”. Em primeiro lugar, ambas são incorrigíveis, o que se define
do seguinte modo: se alguém acredita que está a pensar ou que existe, então não pode
estar errado. Em segundo lugar, têm a propriedade de ser autoverificáveis, a qual
contribui para a incorrigibilidade e se define do seguinte modo: se alguém afirma estas
proposições, então essa afirmação é verdadeira.
Vejamos melhor o que isto quer dizer. Considera a proposição expressa pela frase P:
“Estou a pensar”. Se pensares que P é falsa, exprimes nesse momento uma contradição.
Mas não se trata de uma contradição lógica porque “Eu não estou a pensar” e “Eu não
existo” não são falsas em todas as circunstâncias possíveis devido à sua forma lógica,
como acontece com a proposição expressa pela frase “O mar tem peixes e o mar não
tem peixes”; como é óbvio, em estados do mundo em que eu não existisse, aquelas
proposições seriam verdadeiras. As negações de “Estou a pensar” e de “Existo”
derrotam-se a si próprias do ponto de vista pragmático, autofalsificam-se no preciso
momento em que são ditas, e não devido à sua forma lógica; podemos compará-las à
proposição expressa pela frase “Estou ausente” dita por ti quando o teu professor de
filosofia faz a chamada. Assim, sempre que alguém diz ou mentalmente concebe “Estou
a pensar” e “Existo”, as proposições expressas por estas frases terão de ser verdadeiras.
Mas estas não são verdades lógicas como “Chove ou não chove” ou verdades analíticas
como “Nenhum solteiro é casado”; são verdades pragmáticas, as quais se definem por
se autofalsificarem quando alguém afirma a sua negação.

Chegado aqui, Descartes pode dizer que tem certezas na primeira pessoa acerca de si
próprio como eu pensante. Mas isto é pouco. Subsiste a questão de saber se o mundo
exterior existe. Daí que Descartes precise de uma ligação ou “ponte” que lhe permita
vencer a distância entre este eu pensante e o mundo. A premissa “Deus existe e não é
enganador” irá desempenhar esse papel. Ora, a existência deste Deus que não é
enganador precisa, por sua vez, de ser provada. Sem essa prova não há maneira de
refutar o cepticismo. Descartes teria nesse caso apenas umas quantas verdades acerca
de si próprio e nada mais seria seguro. Destruindo a hipótese do génio maligno ao
estabelecer a existência de um Deus sumamente bom e sábio, Descartes obtém a
garantia absoluta de que o mundo é como pensamos que é, na condição de usarmos
correctamente as faculdades com que Deus equipou o homem.

Para o fazer, Descartes apresenta argumentos a priori a favor da existência de Deus


que supõe conclusivos. Esses argumentos são a priori porque se baseiam na ideia de
Deus que Descartes descobre em si apenas com a ajuda da razão. O facto de Descartes
não ter optado por argumentos a posteriori a favor da existência de Deus quando os
tinha à sua disposição, poderá mais uma vez indicar a importância que depositava no
uso da razão. Neste contexto, esses argumentos não serão analisados. O que é
importante saberes é que, segundo Descartes, também este conhecimento de Deus
resulta do raciocínio, e não da experiência; Deus, tal como o Cogito, não pode ser
provado recorrendo à observação. Nenhum indício sensorial ou experimental pode
mostrar que as proposições “Existo como ser pensante quando estou a pensar” e “Deus
existe” são verdadeiras, ou justificar que acredites nelas.

O que somos e o que temos perante nós e como o conhecemos? Temos


um eu pensante que funciona sobretudo de maneira dedutiva, um mundo
cuja essência é extensão e um Deus que é a garantia do bom uso das nossas
capacidades racionais. Nas suas propriedades essenciais, o eu e o mundo
são conhecidos a priori. Mas muito conhecimento físico exige o concurso
da experiência e foi isso o que o próprio Descartes fez nas suas obras
científicas. Descartes vence assim o cepticismo.
Exemplo de um ensaio:

Introdução

Ao longo da história da filosofia são várias as concepções que nos chegam sobre o
conhecimento. Vários filósofos tentaram responder a diversas perguntas
epistemológicas: ‘’O que é o conhecimento? É este possível? Como o alcançar?’’.

Dois dos principais filósofos que envergaram pelo caminho da epistemologia foram
René Descartes e David Hume. Apesar de ambos se debruçarem sobre as mesmas
questões, dão respostas bastantes diferentes e é sobre elas que vou reflectir neste
ensaio.

Descartes é um racionalista, defende que o conhecimento é alcançável apenas pelo


uso da razão e, por consequência, defende que o conhecimento é a priori. Por sua vez,
David Hume é empirista acredita que o conhecimento é atingível através da
experiência, ou seja, o conhecimento é a posteriori.

Porém, apesar de ambos acreditarem que o conhecimento é possível, existe quem lhe
chame de cépticos. Mas o cepticismo praticado por Descartes e Hume não é o mesmo
que era praticado pelos cépticos clássicos, e é sobre isto que irei trabalhar primeiro.

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Problema e Tese

O problema que destacamos é: será possível conhecer a realidade/mundo, sem


acreditar na existência de Deus?

A tese que defendemos é: sim, é possível.

Argumentação

Os racionalistas defendem o conhecimento a priori (como as ciências exatas -


Matemática) e os empiristas defendem o a posteriori (como as ciências naturais), mas
acreditamos que a priori e a posteriori podem coexistir.
Para Descartes, a dúvida é universal (deve ser sempre aplicada à teoria), mas exclui a
dúvida sobre a existência de Deus, tornando esta sua ideia pouco consistent

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