Trecho Perspecitvas
Trecho Perspecitvas
Trecho Perspecitvas
“O livro de missões mais utilizado no século XX.” Essa é a descrição dada à obra Perspectives
on the World Christian Movement. A versão em inglês desse texto já foi usada por cerca
de 100 mil participantes do curso Perspectivas, além de ser leitura obrigatória em centenas de
seminários, igrejas e outras instituições de treinamento. A obra em inglês já se encontra em sua
quarta edição, tendo se tornado conhecida por conter tanto artigos clássicos quanto inovadores,
relacionados à teoria e à prática da evangelização mundial.
A ideia de oferecer em português um material tão amplo encontra motivação em desejos se-
melhantes. A expectativa é que seja útil não apenas para missionários em atividade e em treina-
mento, mas também para pastores, líderes eclesiásticos e cristãos em geral que desejem promover
os propósitos do Reino de Deus.
De certa forma, Perspectivas é uma biblioteca num único volume, contendo artigos de mais de
cem autores. Os editores desejam expressar sua admiração e reconhecimento a cada um deles. Em
muitos casos, um artigo representa a sabedoria depurada ao longo de décadas de experiência.
Ralph Winter é o principal responsável por Perspectivas (tanto o livro quanto o curso). Durante
dez anos, ele trabalhou entre os maias na Guatemala. Na época, fazia parte de uma pequena equipe
que lançou o projeto de educação teológica por extensão, que utilizava um método hoje utiliza-
do no treinamento de pastores em todo o mundo, o qual se baseia no deslocamento do professor
até o contexto em que vive o aluno. Em 1966, Winter recebeu o convite de Donald McGavran
para se unir à School of World Mission, do Fuller Theological Seminary. Enquanto atuava ali,
fundou o Instituto de Verão para Estudos Internacionais, a fim de atender às centenas de alunos
que decidiram se dedicar a servir a Deus no congresso nacional de missões realizado em Urbana.
Mais adiante, naquele mesmo ano (1974), ele lançou o conceito de “povos ocultos” (povos não
alcançados) no Congresso Internacional de Evangelização Mundial, em Lausanne, na Suíça (veja
o artigo 44, “Nova Macedônia”, extraído daquela mensagem). O projeto Perspectivas surgiu dessas
experiências, e em 1982 foi lançada a primeira edição da coletânea em inglês.
Steven Hawthorne trabalhou como coeditor em todas as edições da obra Perspectivas. Ao lon-
go da década de 1980, trabalhou como editor executivo da World Christian Magazine e auxiliou
no lançamento do Projeto Josué, cujo foco é pesquisar grupos de povos e mobilizar igrejas locais.
Atualmente, é diretor de WayMakers, um ministério de mobilização que promove a intercessão
por povos não alcançados.
Além dos editores e diversos autores, uma grande equipe de irmãos e irmãs em Cristo dedicou
seu tempo e habilidades a fim de levar a cabo a conclusão deste livro em português. Apesar de
ser impossível citar todos os que estiveram envolvidos, os editores desejam reconhecer a valiosa
contribuição das seguintes pessoas e lhes oferecer nossa sincera gratidão.
A principal iniciativa em conduzir esse projeto surgiu de entusiastas em missões que hoje
compõem grande parte da equipe de Perspectivas no Brasil: Kevin Boot, Jason Gardner, Edson
Rodrigues e Willem Zuidema. Em especial, desejamos agradecer a Eduardo Bernardes por sua
inestimável assistência nos detalhes administrativos, além de sua paciência e dedicação no processo
de revisão. Micheli Lopes também integrou a equipe posteriormente, mas seu encorajamento e
auxílio não foram menos preciosos.
Um segundo grupo que merece menção especial é a equipe de Edições Vida Nova. O dire-
tor, Ken Davis, é digno de nota por dar um considerável passo de fé, ao assumir e promover um
projeto de tão grande porte como esse. Seu encorajamento ao longo do processo foi inabalável.
Semelhantemente, Marisa Lopes merece gratidão especial por sua prontidão em se dedicar com
profissionalismo a mais detalhes do que se possa imaginar. Não fosse sua dedicação, esse livro teria
uma qualidade perceptivelmente inferior. Muitos outros na Vida Nova os editores ainda não co-
nhecem pessoalmente, mas sua contribuição ao projeto deve ser reconhecida. Em especial, nossos
agradecimentos a Sérgio Moura, Valdo Sampaio, Mauro Nogueira e Curtis Kregness. Valeu!
Os artigos desta coletânea incluem as “perspectivas” de autores nacionais e estrangeiros. A
tarefa de tradução e revisão de artigos mais recentes recaiu sobre os ombros de outro grande gru-
po. Artigos traduzidos especialmente para esta obra resultaram do trabalho de uma ou mais das
seguintes pessoas: Débora Andrade, Maira Bonini, Eduardo Chaves, Cláudia Kriger, Cláudio
Lingerfelt, Denise Metzler, Andrea Meznar, João Ricardo Morais, Abimael Pereira, Tirzah Pin-
to e Karen Zambelli.
A equipe de Perspectivas nos Estados Unidos também forneceu assistência estratégica de
diversas formas, até mesmo com sugestões para novos artigos, a generosa concessão de análises
estatísticas e imagens gráficas, bem como sábios conselhos e encorajamento. Bruce Koch, líder
do departamento internacional, Sarah Hawthorne, Christy Graham e David Flynn merecem
menção especial.
Por fim, ao longo dos mais de dois anos desde o início do projeto, o Senhor suscitou ainda ou-
tros para ajudar em momentos cruciais. Menção especial deve ser feita aos membros do comitê de
referência de Perspectivas Brasil, bem como aos líderes da Associação de Professores de Missões
do Brasil (APMB), grupo com o qual temos afinidade no tocante à visão e à paixão. Gostaríamos,
ainda, de citar missões que são nossas parceiras neste projeto, especialmente o Seminário Bíblico
Palavra da Vida (Atibaia) e a equipe da agência missionária Comunicando Cristo Internacional-
mente — CCI–Brasil (Curitiba). Finalmente, somos gratos aos irmãos e irmãs de nossas igrejas,
bem como às nossas famílias, por partilharem do compromisso de exaltar o nome de Cristo.
Que Deus suscite mais glória ao seu nome entre as nações como resultado dos esforços de
tantos irmãos e irmãs. Vocês são muito prezados e amados.
Gostaríamos de registrar aqui uma última palavra a respeito da proposta desta obra. Os artigos
desta coletânea incluem as “perspectivas” de autores nacionais e estrangeiros. Com isso, a proposta
é levar o leitor a ouvir vozes de diferentes perspectivas, refletir sobre todas elas e, por fim, chegar
à sua própria conclusão a respeito dos temas abordados. Portanto, gostaríamos de ressaltar que,
embora nem todas as perspectivas apresentadas reflitam necessariamente a posição de Edições
Vida Nova ou dos integrantes do grupo Perspectivas Brasil, elas são trazidas ao leitor para ajudar
na reflexão acerca das diversas facetas apresentadas em torno dos temas discutidos.
“E este evangelho do reino será pregado pelo mundo inteiro, para testemunho a todas as
nações, e então virá o fim” (Mt 24.14, versão Almeida Século 21).
Kevin D. Bradford
Atibaia, São Paulo.
O ano de 1987 ficou marcado na história das missões na América Latina por um rito de pas-
sagem. No dia 23 de novembro, milhares de participantes enviados de todas as partes do
continente, bem como de vários países estrangeiros, reuniram-se para o primeiro encontro do
COMIBAM em São Paulo, a fim de celebrarem a transição desta região de “Campo Missioná-
rio” para “Força Missionária”!
Como acontece com a maioria dos ritos de passagem, muitos fatores significativos antecede-
ram ao evento em si, conferindo maior credibilidade às suas reivindicações. A título de exemplo,
poderíamos citar as conferências regionais prévias, as dezenas de agências missionárias recém-
estabelecidas e, o mais importante de tudo, a presença atuante das centenas de missionários bra-
sileiros e latino-americanos em várias partes do mundo.
O COMIBAM foi, portanto, um passo fundamental. Neste congresso, para usar uma metáfora
esportiva, a América Latina e o Brasil em especial se apresentaram para entrar no jogo. Dessa data
em diante, o país teria um papel cada vez mais importante no avanço missionário mundial.
O ano de 1987 também foi marcante por um segundo motivo: o lançamento de uma nova
publicação dedicada à causa missionária. De fato, tratava-se de publicação composta de quatro
títulos relacionados entre si, publicados na época pela Editora Mundo Cristão: Missões trans-
culturais: uma perspectiva bíblica; uma perspectiva histórica; uma perspectiva cultural; uma
perspectiva estratégica.
Os quatro livros em conjunto apresentavam várias posições clássicas sobre o tema “Missões
Transculturais” e, para a glória de Deus, foram utilizados no treinamento de centenas ou quem
sabe milhares de missionários brasileiros, promovendo a mobilização de, no mínimo, a mesma
quantidade de igrejas.
A realização de um congresso e a publicação de um livro: à primeira vista, dois eventos muito dis-
tintos. Na realidade, porém, dois eventos que se mostraram completamente interdependentes.
O congresso missionário significa que pessoas foram ganhas para Cristo, igrejas foram
plantadas, e culturas foram alcançadas. O livro, porém, nos recorda quão árduo é o treinamento
efetuado, antes que um atleta esteja preparado para a competição. A preparação é fundamental.
Voltando à nossa analogia, marcar gols em um jogo, o que nem sempre acontece, nunca é algo
fácil de conseguir.
Portanto, resta claro que missões transculturais se constituem num campo bastante complexo
e difícil. A fim de viver de modo agradável a Deus e ser eficaz em seu ministério, os cristãos pre-
cisam enfrentar um adversário que se dedica a impedir cada um dos seus movimentos. Para que
o Brasil continue a desempenhar um papel relevante no avanço do reino de Deus, é preciso que
a mobilização das igrejas locais seja continuamente renovada e que cada nova geração de missio-
nários seja preparada com muita dedicação e oração.
Assim, apresentamos os artigos do atual volume da obra Perspectivas no movimento cristão
mundial com a convicção de que, em curto espaço de tempo, o Brasil, bem como a América Latina
em geral, deverão ocupar um espaço cada vez mais relevante no avanço do reino de Deus em todo
o mundo. As estatísticas atuais confirmam que nosso país é responsável por um número superior
a 3 mil missionários transculturais, que atuam em mais de 100 juntas e agências missionárias.
Na prática, tais cifras representam a metade do contingente enviado pela América Latina. Po-
demos louvar a Deus pelo resultado exitoso dos últimos vinte anos.
Porém, muito mais pode e deve ser feito. À medida que a igreja brasileira cresce, mais im-
prescindíveis se tornam a identificação e o encorajamento de novos candidatos a missões. E con-
forme vão sendo reconhecidas as barreiras políticas e linguísticas, bem como os demais possíveis
obstáculos, os candidatos precisam receber o melhor treinamento disponível. Simultaneamente,
torna-se indispensável aprimorar a organização das igrejas locais e das agências de modo a propi-
ciar a alocação tanto de pessoal competente como de recursos adequados, a fim de que possamos
cumprir essa tarefa prioritária.
O papel da força leiga é fundamental. Deus confiou uma missão a cada cristão. Sendo assim,
num certo sentido, todos somos “missionários”. Em lugares onde a igreja ainda não está estabele-
cida, a presença de missionários transculturais é essencial. Estes, porém, não podem realizar seu
trabalho sem a ajuda dos leigos. Para que o Brasil chegue a desenvolver plenamente o seu potencial
como “força missionária”, as dezenas de milhares de cristãos locais precisarão assumir seu papel de
enviar. As implicações diretas da compreensão daquilo que Deus deseja realizar por meio de seu
corpo serão a intercessão adequada, o encorajamento e a contribuição financeira. A obra Perspec-
tivas no movimento cristão mundial tem em vista justamente promover tal compreensão.
Cada uma das quatro seções do livro têm início com um ou mais artigos que transmitem um
panorama geral do assunto. A seguir, vêm os demais artigos, os quais desenvolvem de forma mais
específica temas relevantes que compõem a seção. O leitor atento perceberá que frequente-
mente um mesmo tema é abordado de forma complementar, sendo esclarecido a partir de dife-
rentes perspectivas.
Em termos gerais, a seção inicial, que trata da perspectiva bíblica, pretende chamar a atenção
do cristão para a sua responsabilidade à luz da eternidade. A Bíblia nos mostra que Deus tem
um projeto para redimir a humanidade e reinar sobre ela: Missões. Os princípios que governam
o conceito de missões não se encontram em uns poucos versículos do Novo Testamento; ao con-
trário, eles permeiam todas as Escrituras.
A perspectiva histórica nos leva a refletir sobre a nossa época à luz do passado. O desenrolar do
plano de Deus ao longo dos séculos deve nos encorajar à perseverança nos dias de hoje. Os êxitos
das gerações passadas, bem como seus fracassos, podem nos servir como guia para uma utilização
eficaz de recursos nesta geração.
A perspectiva cultural contempla os desafios que se apresentam à Igreja em face da realidade
contemporânea. Jamais devemos subestimar a complexidade da tarefa. Contudo, pela graça de
Deus, é possível comunicar o evangelho de forma eficaz em qualquer cultura.
Por fim, a perspectiva estratégica procura edificar sobre os fundamentos previamente estabele-
cidos, a fim de obter metas e metodologias definidas que ajudem a modelar o futuro. A dimensão
da evangelização mundial é algo de tal grandeza que um único modelo estratégico não é suficiente.
Precisamos utilizar com eficácia a diversidade de talentos de inúmeros cristãos, se quisermos ter
a possibilidade de afirmar com honestidade que estamos cumprindo o último mandamento
do Senhor.
Esta edição difere da anterior por ser parte de um novo movimento. Um curso inédito, que
recebe o mesmo nome, Perspectivas no movimento cristão mundial, está em fase de lançamento e
será colocado à disposição de organizações como igrejas locais, agências missionárias e seminários,
bem como dos cristãos, individualmente. Com base num total de doze lições, diversos professores
levarão seus alunos a refletirem sobre várias das ideias previamente apresentadas neste livro.
Assim como o livro, o curso Perspectivas no movimento cristão mundial divide-se em quatro
seções:
1. Perspectiva bíblica:
• Deus é um Deus missionário.
• A história de sua glória.
• O Messias para o mundo.
• Uma igreja para todos os povos.
2. Perspectiva histórica:
• A expansão do movimento cristão.
• Missões modernas e o Brasil.
• A tarefa remanescente.
3. Perspectiva cultural:
• Como ouvirão? A comunicação transcultural.
• Construindo pontes de amor: a vida transcultural.
4. Perspectiva estratégica:
• Desenvolvimento comunitário cristão.
• Alcançando os não alcançados.
• A vida do cristão mundial.
Concluindo, podemos observar que o nome “Perspectivas” é apropriado por mais uma razão.
Este trabalho representa o pensamento de mais de cem líderes missionários e eclesiásticos. Mais
de cinquenta artigos são de autoria brasileira, latino-americana ou de estrangeiros que atuam nes-
se contexto. Por outro lado, há também a colaboração de autores que representam mais de uma
dúzia de países não latinos. Esperamos que o leitor se beneficie com a diversidade de pontos de
vista aqui apresentados.
Um livro desse porte pode parecer intimidador para alguns. A fim de que absorva seu conteúdo
a contento, sugerimos que o leitor escolha alguns artigos, começando pelos que lhe despertem mais
interesse e depois se dirija aos temas a eles relacionados. A maioria dos capítulos inclui perguntas
que visam promover uma reflexão mais profunda sobre o assunto.
Contudo, o maior propósito do livro não é a teoria em si. Nosso desejo é que os leitores colo-
quem a maior parte dos princípios aqui apresentados em prática, construindo pontes para alcançar
os perdidos, onde quer que se encontrem, levando assim adiante o reino de Deus. Ao fazê-lo, não
somente o amadurecimento do movimento missionário brasileiro se fará evidente, mas os cristãos
de todo o mundo serão agraciados com muitos motivos para celebrar a bondade de Deus.
não apenas abençoá-lo, mas também abençoar, Nosso mandato para a evangelização do
por meio da posteridade do patriarca, todas as mundo, portanto, é a Bíblia inteira. Deve ser
famílias da terra (Gn 12. l-4). Esse texto bíblico encontrado na criação de Deus, porque todos
é uma das pedras fundamentais da missão cris- os seres humanos são responsáveis diante dele;
tã, pois os descendentes de Abraão (por meio no caráter de Deus, transcendente, amoroso,
de quem todas as nações estão sendo abenço- compassivo, não desejando que ninguém pereça,
adas) são Cristo e o povo de Cristo. Se pela fé mas que todos venham ao arrependimento; nas
pertencemos a Cristo, somos filhos espirituais promessas de Deus, que todas as nações sejam
de Abraão e temos uma responsabilidade para benditas por meio da semente de Abraão e ve-
com a raça humana. Assim, também os profetas nham a ser a herança do Messias; no Cristo de
do Antigo Testamento profetizaram que Deus Deus, agora exaltado com autoridade universal,
faria desse Cristo o herdeiro e a luz das nações para receber aclamação universal; no Espírito de
(Sl 2.8; Is 42.6; 49.6). Deus, que convence do pecado, dá testemunho
Quando Jesus veio, ele endossou essas pro- de Cristo e impele a Igreja a evangelizar; na
messas. É verdade que durante seu ministério Igreja de Deus, que é uma comunidade missio-
terreno ele ficou restrito “às ovelhas perdidas da nária multinacional, com ordens de evangelizar
casa de Israel” (Mt 10.6; 15.24), contudo, ele até que Cristo volte.
profetizou que “muitos virão do Oriente e do A dimensão global da missão cristã é irre-
Ocidente e tomarão lugares à mesa com Abraão, sistível. O cristão individual e as igrejas locais
Isaque e Jacó no reino dos céus” (Mt 8.11; que não se comprometem com a evangelização
Lc 13.29). Mais ainda, prevendo sua ressurrei- do mundo estão contradizendo, por cegueira ou
ção e ascensão, ele deu este fantástico testemu- por desobediência, uma parte essencial de sua
nho acerca de si mesmo: “Toda a autoridade me identidade, a qual provém de Deus. O manda-
foi dada no céu e na terra” (Mt 28.18). Foi em to bíblico para a evangelização do mundo não
consequência de sua autoridade universal que pode ser ignorado.
ele ordenou aos seus seguidores que fizessem
discípulos de todas as nações, batizando-os na A mensagem da evangelização mundial
nova comunidade e ensinando a todos sua dou- Em segundo lugar, a Bíblia nos disponibiliza a
trina (Mt 28.19). mensagem para a evangelização do mundo. O
Isso os cristãos primitivos começaram a Pacto de Lausanne define o evangelismo em
fazer quando o Espírito Santo da verdade e termos de evangelho. O parágrafo 4 declara:
do poder desceu sobre eles. Eles se tornaram “Evangelizar é difundir as boas novas de que
testemunhas de Jesus até os confins da terra Jesus Cristo morreu por nossos pecados e res-
(At 1.8), e o faziam “por amor do seu nome” suscitou segundo as Escrituras, e de que, como
(Rm 1.5; 3Jo 7). Eles sabiam que Deus havia su- Senhor e Rei, ele agora oferece o perdão dos
perexaltado a Jesus, entronizando-o à sua direita pecados e o dom libertador do Espírito a todos
e concedendo-lhe a mais alta posição, a fim de os que se arrependem e creem”.
que toda língua confessasse seu senhorio. Eles Nossa mensagem vem da Bíblia, mas quan-
queriam que Jesus recebesse a honra devida ao do a buscamos nas Escrituras, imediatamente
seu nome. Além disso, um dia ele retornará em deparamos com um dilema. De um lado, a men-
glória, para salvar, julgar e reinar. Portanto, o que sagem nos é outorgada. Não temos permissão
deveria preencher o espaço entre as duas vindas? de inventá-la. Ela nos foi confiada como um
A missão mundial da Igreja! O fim da História “depósito” precioso, que nós, como servos fiéis,
só viria depois que o evangelho alcançasse os devemos guardar e distribuir na Casa de Deus
confins da terra (comp. Mt 24.14 com 28.20; (1Tm 6.20; 2Tm 1.12-14; 2Co 4.1,2). Por ou-
At 1.8). Os dois fins iriam coincidir. tro lado, não nos foi dada como uma fórmula
matemática simples e exata, e sim numa rica a mencionar a toda hora “o sangue de Cristo”,
diversidade de formulações nas quais foram usa- “a justificação pela fé”, “o Reino de Deus” ou
das imagens ou metáforas diferentes. qualquer outra imagem.
Portanto, existe apenas um evangelho, no Entre esses dois extremos, há um terceiro e
que todos os apóstolos concordam (1Co 15.1), melhor caminho. Ele combina o compromisso
e Paulo podia invocar a maldição de Deus sobre com o fato da revelação e com a tarefa da con-
qualquer um, inclusive ele próprio, que pregasse textualização. Aceita como permanentemen-
um evangelho “diferente” do evangelho apos- te normativas apenas as formulações bíblicas
tólico original da graça de Deus (Gl 1.6-8). do evangelho e entende que cada tentativa de
No entanto, os apóstolos expressaram esse proclamar o evangelho na linguagem moderna
evangelho único de diversos modos: sacrifical deve justificar-se como expressão autêntica do
(o derramamento e a aspersão do sangue de evangelho bíblico.
Cristo); messiânico (o surgimento do gover- Contudo, se ele se recusa a se desfazer das
no prometido por Deus); legal (o juiz pronun- formulações bíblicas, também recusará recitá-
ciando a justificação do injusto); pessoal (o Pai las de maneira inexpressiva e sem imaginação.
reconciliando seus filhos desviados); salvífico Em vez disso, temos de nos ocupar da luta con-
(o Libertador celestial que veio para resgatar tínua, por meio da oração, do estudo e da dis-
os desamparados); cósmico (o Senhor universal cussão, para relacionar o evangelho recebido
reivindicando domínio universal) — e esses são com determinada situação. Uma vez que ele
apenas alguns exemplos. vem de Deus, devemos preservá-lo; uma vez
O evangelho é assim visto como único e, ao que se destina aos homens e mulheres dos tem-
mesmo tempo, como diversificado. Ele é “dado” pos modernos, temos de interpretá-lo. Temos
e, ao mesmo tempo, é culturalmente adaptado de combinar fidelidade (pelo estudo constante
à sua audiência. Uma vez que percebamos isso, do texto bíblico) com sensibilidade (pela ob-
seremos poupados de cometer dois erros opostos. servação constante do cenário contemporâneo).
Ao primeiro chamarei “fluidez total”. Certa vez, Só então teremos condições de relacionar, com
ouvi um líder de igreja inglês declarar que não fidelidade e relevância, a Palavra com o mun-
existe coisa tal como o evangelho até que esteja- do, o evangelho com o contexto, as Escrituras
mos na situação de dar nosso testemunho. Não com a cultura.
levamos nada conosco nessa situação, ele disse.
Descobrimos o evangelho apenas quando chega- O modelo para a evangelização mundial
mos lá. Concordo plenamente com a necessidade Em terceiro lugar, a Bíblia nos fornece o mo-
de ser sensível em cada situação, mas, se esse era delo para a evangelização do mundo. Além da
o ponto que o líder em questão desejava defen- mensagem (o que temos de dizer), precisamos
der, ele o exagerou grosseiramente. Existe uma de um modelo (como dizer). A Bíblia supre isto
coisa tal como o evangelho revelado, ou dado, também. Ela não apenas contém o evangelho:
que não temos liberdade para falsificar. ela é o evangelho. Por meio da Bíblia o próprio
Ao erro oposto chamarei “rigidez total”. Deus está evangelizando, isto é, comunicando
Nesse caso, o evangelista se comporta como se as boas novas ao mundo. Você deve estar lem-
Deus tivesse outorgado algumas fórmulas preci- brado da declaração de Paulo acerca de Gênesis
sas, que temos de repetir mais ou menos palavra 12.3, segundo a qual “a Escritura [...] preanun-
por palavra, e certas imagens, que devemos em- ciou o evangelho a Abraão” (Gl 3.8). Toda a
pregar invariavelmente. Isso nos torna escravos Escritura prega o evangelho. Deus evangeliza
de palavras ou de imagens, ou de ambas. Alguns por meio dela.
evangelistas fracassam por usar uma linguagem Se, portanto, as Escrituras são a evangeliza-
antiquada, enquanto outros se sentem obrigados ção divina, é evidente que podemos aprender a
Todos nós precisamos sujeitar nosso evangelho a fim de tornar mais plausível o ridículo da
a um escrutínio mais crítico, e, numa situação própria condição delas. No entanto, os cris-
transcultural, os evangelistas visitantes preci- tãos evangélicos são simples o bastante para
sam, com humildade, buscar ajuda dos cristãos crer no que Jesus e seus apóstolos ensinaram.
locais para discernir as distorções culturais de Para nós, é fato inegável que, na expressão
sua mensagem. de João, “o mundo inteiro jaz no Maligno”
Outros rejeitam o evangelho porque perce- (1Jo 5.19). Até que sejam libertados por Jesus
bem que é uma ameaça à sua cultura. É claro Cristo e transportados para seu Reino, todos os
que Cristo desafia cada cultura. Sempre que seres humanos são escravos de Satanás. Além
apresentamos o evangelho aos hindus, budis- disso, percebemos o poder maligno no mundo
tas, judeus, muçulmanos, secularistas ou mar- contemporâneo — nas trevas da idolatria e no
xistas, Jesus Cristo os desafia com a exigência medo dos espíritos; na superstição e no fatalismo;
de abandonarem tudo a que se dedicaram até o na devoção aos deuses que não são deuses; no
momento e de os substituírem por ele mesmo. materialismo egoísta do Ocidente; na propa-
Jesus é o Senhor de cada pessoa e de cada cul- gação do comunismo ateu; na proliferação de
tura. Essa ameaça, essa confrontação não pode sistemas religiosos irracionais; na violência e na
ser evitada. Mas não estará o evangelho que agressão; na deterioração generalizada dos pa-
proclamamos apresentando às pessoas outras drões absolutos de bondade e verdade. Tudo isso
ameaças desnecessárias, ao exigir o abandono é resultado da obra daquele que nas Escrituras é
de costumes inofensivos ou porque parece des- chamado “mentiroso”, “enganador”, “caluniador”
truir a arte, a arquitetura, a música e as festas e “homicida”.
nacionais, ou porque nós, que o apresentamos, Portanto, a conversão e a regeneração cristãs
somos orgulhosos de nossa cultura e cegos para continuam sendo milagres da graça de Deus.
a cultura dos outros? Representam o auge de uma luta poderosa en-
Resumindo, quando Deus nos falou nas tre Cristo e Satanás ou, na marcante figura de
Escrituras ele usou linguagem humana e quan- linguagem apocalíptica, entre o Cordeiro e o
do nos falou em Cristo assumiu carne humana. Dragão. O assalto ao palácio do homem forte só
A fim de revelar-se, ele se esvaziou e se hu- é possível porque ele foi amarrado por Alguém
milhou. Esse é o modelo de evangelismo que que é ainda mais forte e que por sua morte e
a Bíblia apresenta. Existe autoesvaziamento e ressurreição desarmou os principados e potes-
auto-humilhação em todo evangelismo autên- tades do mal e deles se desfez (Mt 12.27-29;
tico. Sem eles, contradizemos o evangelho e Lc 11.20-22; Cl 2.15).
deturpamos o Cristo que proclamamos. Como então participaremos da vitória de
Cristo e derrotaremos o poder do Diabo? Dei-
O poder para a evangelização mundial xemos que Lutero responda à nossa pergunta:
Em quarto lugar, a Bíblia nos concede o poder Ein wörtlein will ihn fällen. “Vencido cairá por
para a evangelização do mundo. É quase des- uma só palavra.” Há poder na Palavra de Deus
necessário enfatizar nossa necessidade de poder, e na pregação do evangelho. Talvez a expres-
pois sabemos quanto nossos recursos humanos são mais dramática dessa realidade no Novo
são fracos em comparação com a magnitude da Testamento esteja em 2Coríntios 4. Paulo faz
tarefa. Também sabemos quão blindadas são menção do “deus deste século”, que “cegou o
as defesas do coração humano. Pior ainda, co- entendimento dos incrédulos, para que lhes
nhecemos a realidade, a maldade e o poder do não resplandeça a luz do evangelho da glória
Diabo e dos demônios sob seu comando. de Cristo” (v. 4).
As pessoas intelectualizadas podem ridi- Se a mente humana está cega, como poderá
cularizar nossas crenças, e até caricaturizá-las, enxergar? Somente por meio da Palavra criadora
de Deus. Pois foi Deus quem disse que “de tre- em nossa fraqueza que a força de Cristo se faz
vas resplandecerá luz” que brilhou em nosso perfeita, e são as palavras marcadas pela fraque-
coração “para iluminação do conhecimento da za humana que o Espírito reveste com poder.
glória de Deus, na face de Cristo” (v. 6). Assim, Portanto, é quando somos fracos que somos
o apóstolo compara o coração não regenerado fortes (1Co 2.1-5; 2Co 12.9-10).
ao negro caos inicial e atribui a regeneração ao
divino fiat: “Haja luz”. Vamos proclamar a Palavra no mundo!
Se Satanás cega as mentes das pessoas e Não vamos consumir todas as nossas energias
Deus ilumina o coração delas, em que podere- discutindo sobre a Palavra de Deus. Em vez
mos contribuir para esse encontro? Não seria disso, vamos começar a usá-la. Ela comprovará
mais humilde de nossa parte nos retirarmos do sua origem divina por meio do poder divino. Va-
campo de batalha e deixar que lutem? Não, essa mos proclamá-la no mundo! Quem dera todos
não é a conclusão a que Paulo chega. os missionários cristãos e evangelistas procla-
Pelo contrário, entre os versículos 4 e 6, que massem o evangelho bíblico com fidelidade e
descrevem as atividades de Deus e Satanás, o sensibilidade e cada pregador cristão fosse um
versículo 5 diz qual é a obra do evangelista: expositor fiel da Palavra de Deus! Então Deus
“Pregamos [...] a Cristo Jesus como Senhor”. demonstraria seu poder salvador.
Considerando que a luz que o Diabo deseja evi- Sem a Bíblia, a evangelização do mundo
tar que as pessoas vejam e que Deus faz brilhar é impossível, pois sem ela não temos nenhum
nelas é o evangelho, o melhor a fazer é pregar. evangelho para levar às nações, nenhuma ga-
Pregar o evangelho, longe de ser desnecessário, rantia para oferecer, nenhuma ideia de como
é indispensável. É o meio estabelecido por Deus fazer a tarefa e nenhuma esperança de sucesso.
para que o príncipe das trevas seja derrotado e a É a Bíblia que nos dá o mandato, a mensagem,
luz jorre no coração do ser humano. Há poder o modelo e o poder de que precisamos para
no evangelho de Deus — poder de Deus para a evangelização do mundo. Portanto, vamos
a salvação (Rm 1.16). nos apoderar dela outra vez, por intermédio
Podemos ser muito fracos. Às vezes, desejo do estudo e da meditação diligentes. Vamos
que fôssemos ainda mais fracos. Diante das for- dar atenção aos seus mandamentos, captar sua
ças do mal, somos tentados a exibir certa força mensagem, seguir sua orientação e confiar em
cristã e a nos envolver em pequenas escaramuças seu poder. Vamos levantar nossa voz e tornar a
verbais em nome do evangelho. Entretanto, é Palavra conhecida.
2. Um missionário, depois de enfrentar muitas críticas quanto ao seu trabalho, começou a pro-
curar uma explicação para ter dado esse passo: “Por que estou fazendo este trabalho?”. Com
base no conteúdo deste artigo, o que você diria a ele?
Primeiro motivo da criação e tem relação direta com o motivo de Deus ter
O primeiro motivo da criação foi o desejo de criado a humanidade.
Deus de ter pessoas com quem pudesse desfru-
tar comunhão. Deus é social. Ele ama pessoas Terceiro motivo da criação
como nós — gente. Gente que conversa com Deus nos criou para mostrar seu amor. Ele
ele. Ele queria alguém com quem pudesse con- já amava o Filho, e o Filho amava o Pai, mas
versar e de quem recebesse adoração. Por isso, queriam um povo para demonstrar seu amor.
criou-nos à sua imagem, para ter um relacio- Ele multiplicou a população da terra para re-
namento amoroso conosco. Isso se encaixa es- velar seu infinito amor. Ele derramou seu amor
treitamente na tarefa missionária. O propósito em nosso coração para que possamos também
das missões tem seu fundamento nesse desejo amar aqueles que Deus ama. Se você não é
de Deus. Cada pessoa que se converte hoje terá missionário, no sentido mais lato da palavra,
comunhão com ele eternamente. talvez o amor de Deus tenha sido sufocado
em sua vida. Não entrou na sua veia nem nas
Segundo motivo da Criação suas artérias, por isso não circula em seu co-
Deus é um Deus feliz. Deduzimos isso de ração o desejo de alcançar os perdidos. Deus
uma frase de 1Timóteo 1.11, “o evangelho da criou homens e mulheres para compartilhar
glória do Deus bendito”. A palavra “bendito” sua felicidade e demonstrar seu amor. Devemos
(makârios, no grego) quer dizer “feliz” (compare responder e corresponder ao seu amor com
com as bem-aventuranças). Ele queria compar- grata obediência.
tilhar sua felicidade com o ser humano.
As pessoas mais felizes da terra devem ser Quarto motivo da criação
os missionários. Com certeza, divulgar as boas Deus criou o mundo para ser glorificado por
novas, obedecer à última ordem de Cristo, levar meio dele. Ele criou o ser humano à sua ima-
pessoas a conhecê-lo e, por conseguinte, poder gem para que este pudesse glorificá-lo por cau-
entrar no gozo do Senhor é um trabalho glorioso sa de sua graça. Efésios 1.6 é uma passagem
Êxodo 19.4-6
Aos judeus destinatários da dádiva da libertação, o texto de Êxodo propositadamente diz: “Agora, pois...”.
Essas palavras deixam implícita uma consequência natural que deveria ser resultado do auxílio miraculoso
de Deus na fuga do Egito.
Êxodo 19.5,6 prossegue: “Se diligentemente ouvirdes a minha voz e guardardes a minha aliança, então,
sereis a minha propriedade peculiar dentre todos os povos; porque toda a terra é minha; vós me sereis
reino de sacerdotes e nação santa. São estas as palavras que falarás aos filhos de Israel”. Deus especifica
três ministérios para os descendentes de Abraão.
Em primeiro lugar, deveriam ser a propriedade peculiar de Deus, ou, como também poderia ser tra-
duzido, sua possessão especial. A palavra “peculiar” vem de uma palavra latina que significa “objetos de
valor” ou quaisquer tipos de bens transportáveis que, em contraste com bens imóveis, não estão presos à
Walter C. Kaiser Jr. é presidente emérito do Gordon-Conwell Theological Seminary e professor de Antigo Testamento.
Anteriormente, lecionou na Trinity Evangelical Divinity School e na Wheaton College. Também atuou como pastor.
Dentre seus numerosos escritos, destacam-se Toward an Old Testament Theology e The Promise-Plan of God.
Extraído de Missões transculturais: uma perspectiva bíblica (São Paulo: Mundo Cristão, 1996), v. 1, p. 333-4.
Publicado com permissão.
fundamental das Escrituras porque explica o inseridos em sua Igreja, eles serão marcados
motivo pelo qual Deus nos criou. Considere pela santidade do “Pai” celestial.
seriamente que, tanto a eleição antes da fundação
do mundo quanto a predestinação para sermos O coração missionário de Deus revelado
filhos adotivos, aconteceu, segundo esse texto, no Antigo Testamento
“para louvor da glória de sua graça, que ele nos Examinemos alguns textos-chave da Bíblia para
concedeu gratuitamente no Amado”. Não é pos- buscar as bases para missões e o propósito di-
sível negar, à luz dessa passagem, que o propó- vino para a humanidade.
sito original no plano da criação foi que pessoas
inteligentes e dotadas de emoção louvassem a Gênesis 12.1-3
graça gloriosa de Deus. Esse é o principal mo- Esta passagem central no Antigo Testamento
tivo das missões. Paulo escreveu aos coríntios: apresenta a chamada de Abraão, nosso pai na
“Todas as coisas [os sofrimentos] existem por fé e tem importantes implicações para a obra
amor de vós, para que a graça, multiplicando-se, missionária:
torne abundantes as ações de graças por meio de
muitos, para glória de Deus” (2Co 4.15). Disse o Senhor a Abrão: Sai da tua terra, da
tua parentela e da casa de teu pai e vai para a
Quinto motivo da criação terra que te mostrarei; de ti farei uma grande
Deus criou o homem para compartilhar com nação, e te abençoarei, e te engrandecerei
ele sua santidade. “Sereis santos, porque eu sou o nome. Sê tu uma bênção! Abençoarei os
santo” (Lv 11.44). Ele não admitirá pecadores que te abençoarem e amaldiçoarei os que te
rebeldes no lar celestial. Por isso, nos manda amaldiçoarem; em ti serão benditas todas as
aumentar a santidade no mundo e multiplicar famílias da terra.
o número de “santos” na terra. Um dos títulos
do povo de Deus é “nação santa” (Êx 19.6), Nesta passagem, que Jesus deve ter men-
confirmando que, se Deus tem filhos na terra cionado aos seus discípulos, temos uma dupla
terra. É o caso de joias, rebanhos e ações. O ponto central é que Israel devia ser o filho de Deus, seu povo,
seu primogênito (Êx 4.22) e, agora, seu tesouro especial. A ênfase aqui recai sobre a transportabilidade da
mensagem e sobre o fato de que Deus atribuiu um valor tão elevado a pessoas.
Outro papel que Israel devia desempenhar era o de reis e sacerdotes para Deus. A forma possessiva
(ou o construto hebraico) “reino de sacerdotes” é mais bem traduzida (com base em seis ocorrências em
textos de prosa) por “reis e sacerdotes” ou “sacerdotes reais”. Se alguma dúvida ainda existia, é aqui que o
papel missionário de Israel se torna explícito. Como representante do Reino de Deus, a nação toda devia agir
num papel mediador em relação às demais nações. De fato, foi essa passagem que se tornou a base para a
famosa doutrina do Novo Testamento a respeito do sacerdócio dos crentes (v. 1Pe 2.9; Ap 1.6; 5.10).
Israel devia realizar uma terceira tarefa: a de “nação santa”. Na Bíblia, a santidade não é uma espécie
de anestésico que atinge os participantes de um culto dominical e os torna um tanto desligados e passivos.
Santidade é integridade. Ser “santo” é pertencer inteiramente ao Senhor.
Assim como os sacerdotes deviam representar a Deus e mediar sua palavra às nações, da mesma forma
Israel, como nação santa, devia assumir dois relacionamentos: o primeiro com Deus, seu Rei, e o outro com
as nações. Devia ser uma nação separada por todas as eras e em relação a todos os povos. Israel, porém,
começou a se comportar de maneira egoísta, como costumamos fazer, agindo como um clube de piedo-
sos, em vez de se lembrar de que haviam sido chamados para compartilhar com as nações as bênçãos, a
verdade, as dádivas e a “Semente”.
ordem: “Sai da tua terra” e “Sê tu uma bênção”. de cima, implica a responsabilidade de ser uma
Abraão deveria sair para ser uma bênção e ser bênção, de compartilhar essa salvação com os
abençoado. Nele o mundo inteiro — todos que não têm acesso ao evangelho.
os lugares, tribos, povos e nações — seriam
abençoados. Gênesis 50.15-21
Cremos na Palavra de Deus e que essa pro- A história de José, em Gênesis 50, revela o
messa, ainda não concretizada inteiramente, irá mesmo princípio. Seus irmãos estavam preo-
se cumprir. cupados com o fato de que José, agora exalta-
Existe algo mais interessante nesse texto. do com plenos poderes no Egito, retribuísse o
Qualquer contador, ou pessoa que trabalha com mal que sofreu.
números, sabe que a soma de todas aquelas fi-
leiras de cifras depende dos números que estão Vendo os irmãos de José que seu pai já era
em cima. Ele sabe que se houver um erro em morto, disseram: É o caso de José nos per-
alguma dessas cifras, haverá um resultado errado seguir e nos retribuir certamente o mal todo
na última linha. Esse princípio da matemática que lhe fizemos. Portanto, mandaram di-
pode ilustrar e explicar por que o compromisso zer a José: Teu pai ordenou, antes da sua
das igrejas com as missões é tão fraco. morte, dizendo: Assim direis a José: Per-
O Brasil evangélico, até agora, enviou um doa, pois, a transgressão de teus irmãos e o
número quase inexpressivo de missionários. seu pecado, porque te fizeram mal; agora,
Há menos de um missionário para cada 10 mil pois, te rogamos que perdoes a transgressão
crentes. Estou convencido de que essa despro- dos servos do Deus de teu pai. José chorou
porção tem uma explicação razoável. Vejamos enquanto lhe falavam. Depois, vieram tam-
como se aplica à tarefa missionária. Como já bém seus irmãos, prostraram-se diante dele
vimos, se escrevemos números errados nas li- e disseram: Eis-nos aqui por teus servos.
nhas de cima, a soma estará errada. Respondeu-lhes José: Não temais; acaso,
A passagem de Gênesis contém a promessa estou eu em lugar de Deus? Vós, na verdade,
de que Deus há de abençoar a Abraão. Todos intentastes o mal contra mim; porém Deus
querem as bênçãos de Deus. Corresponde à li- o tornou em bem, para fazer, como vedes
nha de cima o “abençoarei”, mas se entendemos agora, que se conserve muita gente em vida.
mal a linha de cima, a linha de baixo — “Sê tu Não temais, pois; eu vos sustentarei a vós
uma bênção” para todas as nações (famílias) da outros e a vossos filhos. Assim, os consolou
terra — sairá errada. A bênção da promessa está e lhes falou ao coração.
diretamente ligada à obediência à ordem de ser
uma bênção. Não dá certo buscar a bênção sem Está bem claro no texto que a bênção na
querer ser uma bênção. vida de José, depois de muitas maldições, não
Todas as nações receberão as bênçãos prome- deveria ser limitada a ele próprio. A grande
tidas a Abraão. A Palavra de Deus não pode fa- bênção que recebeu (a linha de cima) teria de
lhar, mas primeiro é essencial que Abraão e seus implicar a bênção de sua família e muitos milha-
descendentes pela fé sejam uma bênção. É inútil res de vidas salvas. A revelação que José recebeu
reivindicar bênçãos se não estamos abençoando sobre os anos de prosperidade e sobre a fome
os perdidos com a oferta do evangelho. no Egito mostrou que Deus tinha um propósito
Receber benefícios da parte de Deus cor- central para sua vida. Deus o abençoou para que
responde à linha de cima. Transmitir esses be- ele pudesse abençoar outras pessoas. A linha
nefícios para os que não têm acesso à bênção de cima — os benefícios recebidos — implica
abraâmica está diretamente vinculado às bên- a linha de baixo — a concessão de benefícios
çãos recebidas. A bênção da salvação, a linha aos que não os possuem.
Deus nos revelou algo muito mais precio- dinheiro com o Exército e nem com policiais.
so, uma revelação mais importante que a rece- Leis falhas e interesseiras, feitas por homens,
bida por José. A questão é: por que Deus tem seriam substituídas por leis divinas e perfeitas.
abençoado a sua vida? A razão bíblica é a pre- Beneficiado por essas leis e pela proteção divina
servação de vidas para a eternidade na gloriosa nas crises, em resposta às orações do povo de
presença de Deus. Se nos interessamos apenas Deus, o Brasil seria um país invejável. Foram
em receber a bênção da salvação, sem passá-la essas bênçãos, segundo o texto de Deuteronô-
adiante, estamos contrariando o propósito de mio, que Deus ofereceu a Israel.
Deus. Desprezamos a prioridade divina. Qual seria o efeito dessas bênçãos (a linha
de cima) sobre os países vizinhos? O próprio
Deuteronômio 4.5-8 texto responde. Seria um forte efeito missio-
Aqui Moisés mostra também as duas linhas, as nário com seus benefícios. As nações vizinhas
bênçãos decorrentes de ser o povo escolhido e a buscariam ao Senhor e seguiriam suas leis (a
responsabilidade de abençoar as nações: linha de baixo). Aprenderiam a viver bem imi-
tando o Brasil e obedecendo às leis criadas no
Eis que vos tenho ensinado estatutos e juí- céu. Buscariam ao Deus único e ao seu Reino
zos, como me mandou o Senhor, meu Deus, para obter as bênçãos desfrutadas pelo Brasil.
para que assim façais no meio da terra que Vejo um país que tem grande interesse em
passais a possuir. Guardai-os, pois, e cum- ser um país evangélico. Existem até previsões
pri-os, porque isto será a vossa sabedoria e de que em poucos anos o Brasil será do Senhor,
o vosso entendimento perante os olhos dos mesmo antes de sua vinda. Não sei se podemos
povos que, ouvindo todos estes estatutos, di- realmente esperar uma bênção tão grandiosa,
rão: Certamente, este grande povo é gente mas se acontecer não será surpresa se os países
sábia e inteligente. Pois que grande nação vizinhos vierem buscar a mesma bênção (a li-
há que tenha deuses tão chegados a si como nha de baixo).
o Senhor, nosso Deus, todas as vezes que o Houve uma época em que um país foi ex-
invocamos? E que grande nação há que te- traordinariamente abençoado. Esse país foi fun-
nha estatutos e juízos tão justos como toda dado no século XVII. Os fundadores fugiram
esta lei que eu hoje vos proponho? da Inglaterra para estabelecer uma nação em
que Deus seria honrado e haveria liberdade de
Imagine se o Brasil estivesse na posição de consciência. As bênçãos de Deus caíram sobre
Israel prevista nesse momento histórico. Se as os Estados Unidos. Houve um tempo em que
leis escritas e assinadas pelo presidente fos- as crianças podiam sair de casa sem perigo. Não
sem leis criadas na mente de Deus e passadas havia meninos de rua. As chaves ficavam dentro
diretamente aos deputados em Brasília, como do carro, sem que fosse preciso trancar as portas.
o país estaria bem! Imagine se o Brasil, como o As casas ficavam abertas sem muros ou sistemas
Israel antigo, em vez de pensar em problemas e de alarme. Não se pensava em violência nem se
dívidas internacionais, pudesse dobrar os joelhos falava em drogas. Homicídio era uma raridade.
e usufruir a bênção notável de empregos para to- Hoje não é mais assim. Esse país mudou, de-
dos, de estarem os meninos de rua recebendo o pois que abandonou a maioria dos princípios
devido cuidado. Imagine a bênção de saber que que garantem a bênção. A preocupação com a
os órfãos estão sendo nutridos com as verdades evangelização de todos os povos diminuiu.
de Deus. Imagine um Brasil que não precisasse Quando Jimmy Carter estava na presidên-
cuidar de suas fronteiras nem combater o trá- cia, um amigo foi convidado para falar num
fico de drogas. Pense em ter Deus tão próxi- congresso de missões nos Estados Unidos da
mo a proteger a nação: não seria preciso gastar América. Cerca de 4 mil pessoas esperavam
atentas a palavra do pastor Greg Livingstone Animou-me bastante notar que em Salmos
(hoje diretor de uma missão no norte da África). 67.1,2, Deus não condena a prática de pedir
Concederam-lhe um minuto para falar. Ele foi bênçãos. Esse salmo fala de bênçãos, mas não
à frente e fez a seguinte pergunta: “Quantos exatamente de prosperidade:
de vocês estão orando pela libertação dos 52
americanos sequestrados no Irã?”. Os mais ve- Seja Deus gracioso para conosco, e nos aben-
lhos lembram-se da grande preocupação causa- çoe, e faça resplandecer sobre nós o rosto;
da pelo sequestro daqueles americanos. Quase para que se conheça na terra o teu caminho
todas as mãos se levantaram no auditório, indi- e, em todas as nações, a tua salvação.
cando a preocupação generalizada. Em segui-
da, fez outra pergunta: “Quantos estão orando Meditando, perguntei para mim mesmo o
pela libertação de 52 milhões de iranianos das que teria acontecido se a nação israelita, recep-
algemas de Satanás?”. Os braços foram abai- tora original dessas palavras inspiradas, tivesse
xando até não restar mais que um ou dois em dado prioridade a esse texto. Como seria dife-
toda aquela multidão. Meu amigo sentou-se, rente a história da humanidade se Israel tivesse
sem utilizar todo o seu minuto, dizendo: “Per- dado valor à linha de baixo e estabelecido como
cebo que vocês são mais americanos que cris- o mais importante alvo de sua existência aben-
tãos!”. Ficou claro que ele falava das duas linhas. çoar a todos os árabes! O mundo tem mais de
um bilhão de muçulmanos. Israel é apenas uma
Aqueles milhares de pessoas preocupavam-se
pequena ilha num oceano inimigo de muçul-
apenas com a linha de cima. Sabiam de quem
manos. Se, em vez de se preocupar com a pró-
e em que nome podiam pedir a libertação dos
pria segurança, Israel tivesse pedido a bênção
sequestrados, mas não tiveram a preocupação
de Deus para os muçulmanos, a fim de que co-
de pedir a libertação de 52 milhões de seres
nhecessem os caminhos do Senhor, como seria
humanos algemados espiritualmente.
diferente a história atual! Provavelmente, milha-
Quero deixar assentado, primeiramente em
res de pessoas estariam vivas, e famílias inteiras,
meu coração, depois no do leitor, que a linha de
ainda unidas. As torres gêmeas não teriam caído
baixo depende de entendermos a razão pela qual
em Nova York, soterrando quase 3 mil pessoas.
Deus abençoa nossa vida. Se não recebi bênção Quase todos os dias morrem vítimas do ódio em
alguma, tudo bem. Se não ganhei nada de Deus, Israel. Parece que Israel formou sua nação para
ele não cobrará nada de mim. No entanto, se buscar a própria segurança, em vez de abençoar
Deus tem nos abençoado de alguma maneira os povos vizinhos. Não é meu propósito lançar
especial e se ele nos tem dado conhecimento críticas contra ninguém, mas esse salmo não
da verdade de sua Palavra, com o resultado de deixa dúvidas quanto ao propósito de Deus.
que podemos viver e morrer felizes, temos de Paremos um instante para refletir. Qual é
levar a sério a linha de baixo. minha preocupação maior na vida? A resposta
de todos nós é a mesma. Ser abençoado por
Salmo 67.1,2 Deus. Quero que ele abençoe minha família, os
Mais um texto confirma a tese desta mensagem. filhos, os netos, a esposa, o trabalho, a situação
O salmo 67 mostra as duas linhas de maneira financeira. É isso o que mais importa. E Deus
notável. não despreza tais petições, porém não estare-
Quantos se esqueceram de orar hoje? Quan- mos glorificando a Deus se dermos prioridade
tos têm coragem de admitir isso? Provavelmente, à linha de cima e ignorarmos a linha de baixo.
a maioria orou. E quem não pediu qualquer Jesus, pouco antes de sua exaltação, declarou
bênção? Sabemos que é raríssimo orar sem pedir aos discípulos que a bênção de os povos gentios
pelo menos uma bênção. conhecerem os caminhos do Senhor deve ser o
foco de seu ministério. Em Jerusalém, na Judeia, Deus. Há também quase nenhum interesse pela
em Samaria e até os confins da terra, eles seriam exegese, pela hermenêutica, pelo discipulado e
testemunhas da graça de Deus que salva. pelo estudo da Palavra. Busca-se a experiência,
Quero encerrar afirmando algo sobre nossa e não o Senhor das experiências. Parece uma
nação. Os irmãos sabem que a teologia predo- diferença sutil, mas é importante. O Espírito
minante no Brasil é a chamada “teologia da Santo é apresentado mais como fonte de poder
prosperidade”. É quase certo que o pregador que que como pessoa divina que glorifica ao Senhor
conseguir convencer brasileiros — evangélicos, Jesus ( Jo 14.13). A ênfase exagerada sobre o in-
católicos, espíritas e mesmo pessoas sem religião divíduo desvia nossa atenção da comunhão e da
— de que possui poder para liberar bênçãos responsabilidade mútua da igreja (1Pe 2.9,10).
como saúde, emprego, salário maior e paz na Não é certo omitir a ênfase sobre a obri-
família será “bem-sucedido”. Quem promete gação e destacar apenas a motivação do amor
abençoar o povo material e socialmente está que produz a alegria no Senhor (1Co 13.1,4,5).
fadado ao “sucesso”. Contudo, quero enfatizar É muito comum omitir-se a proclamação da
que é uma distorção do evangelho, pois não teologia bíblica acerca do sofrimento. Nesse
há interesse prioritário na linha de baixo. As caso, onde se encaixaria a cruz de Cristo ou as
promessas da antiga aliança, que abençoaram condições do discipulado? “Se alguém quer vir
Israel materialmente, tinham o propósito de após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz
persuadir os povos a adorar e obedecer a Deus [diariamente] e siga-me” são palavras pouco
na totalidade de sua existência. ouvidas, mas foram pronunciadas por Jesus.
Quais são as promessas da nova aliança? Buscar os dons e manifestações do poder
Cristo voltará quando todas as nações tiverem de Deus em benefício próprio, e não em bene-
ouvido que Cristo é o único caminho para Deus. fício do Corpo de Cristo é mais um desvio do
Ele é o único Salvador. O descaso para com a propósito bíblico revelado na Palavra.
obrigação missionária, em razão do interesse Todas essas aberrações e distorções, até o
voltado para esta vida, demonstra pouco com- ponto em que caracterizem a igreja brasileira,
promisso com a vida vindoura. Não se fala mui- mostram preocupação com a linha de cima, e
to sobre o investimento no destino final. não com a de baixo.
A busca pelo poder do Espírito como forma Para o Brasil se tornar um verdadeiro celeiro
de obter alívio, conforto e bem-estar, em vez de de missões, é necessário que haja uma mudan-
testemunho e proclamação, está em desacordo ça de paradigma. Como Israel, no período do
com o propósito central de Deus. A teologia Antigo Testamento, teve a oportunidade de in-
da prosperidade destaca o ter, e não o ser. A fluenciar o mundo ao seu redor em prol do Deus
lei da nova aliança deve ser interna. “Esta é a único, cumprindo suas leis e demonstrando um
aliança que firmarei com a casa de Israel, depois amor profundo pelo Senhor, temos o desafio de
daqueles dias, diz o Senhor: Na mente, lhes realinhar nossas prioridades. Se genuinamente
imprimirei as minhas leis, também no coração nos preocuparmos com a linha de baixo, isto
lhas inscreverei; eu serei o seu Deus, e eles se- é, que o evangelho seja proclamado e vivido
rão o meu povo” ( Jr 31.33). Não é a vontade de entre todos os povos, a bênção gloriosa cairá
Deus que busquemos os benefícios do Reino de sobre nós. Paulo assim se refere a esse futuro:
Deus sem dar prioridade ao próprio Reino. Os “Para mim tenho por certo que os sofrimentos
benefícios ilimitados de Deus virão no Milênio, do tempo presente não podem ser comparados
mas poucos querem esperar um futuro distante com a glória a ser revelada em nós. A ardente
e pouco almejado. expectativa da criação aguarda a revelação dos
O resultado dessa distorção pode ser perce- filhos de Deus [...] para a liberdade da glória
bido no desinteresse em conhecer a Palavra de dos filhos de Deus” (Rm 8.18,19,21).
2. Além dos textos bíblicos destacados, que outras passagens do Antigo Testamento enfatizam
o plano de Deus para as nações?