Lei Anticorrupção (2969)

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ISBN: 978-85-61990-85-5

CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

lei anticorrupção
Coordenação:
LILIAN ROSE LEMOS ROCHA
LARISSA MELO
GABRIEL R. ROZENDO PINTO

Aplicação Horizontal:
Lilian Rose Lemos Rocha
Larissa Melo
Gabriel R. Rozendo Pinto

CADERNOS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

LEI
ANTICORRUPÇÃO
Organizadores:

Davi Beltrão de Rossiter Corrêa


Maria Fernanda Campos Rossiter
Ricardo Victor Ferreira Bastos

Brasília
2018
CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BRASÍLIA - UniCEUB

Reitor
Getúlio Américo Moreira Lopes

INSTITUTO CEUB DE PESQUISA E DESENVOLVIMENTO - ICPD


Diretor
João Herculino de Souza Lopes Filho
Diretor Técnico
Rafael Aragão Souza Lopes

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO


Coordenadora
Lilian Rose Lemos Rocha

Projeto Gráfico
André Luís César Ramos

Diagramação
Biblioteca Reitor João Herculino

Capa
UniCEUB/ACC

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Caderno de pós-graduação em direito: Lei anticorrupção / coordenadores,


Lilian Rose Lemos Rocha ; Larissa Melo ; Gabriel R.Rozendo Pinto ;
organizadores, Davi Beltrão de Rossiter Corrêa ; Maria Fernanda Campos
Rossiter ; Ricardo Victor Ferreira Bastos – Brasília : UniCEUB : ICPD, 2018.
80 p.

ISBN 978-85-61990-85-5

1. Legislação Anticorrupção. I. Centro Universitário de Brasília. II. Título.

CDU 343.35

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Reitor João Herculino

Centro Universitário de Brasília – UniCEUB


SEPN 707/709 Campus do CEUB
Tel. (61) 3966-1335 / 3966-1336
CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ..................................................................................................... 04

DA CLÁUSULA ANTICORRUPÇÃO: BREVE ANÁLISE DE SUA SISTEMÁTICA COM A FOREIGN


CORRUPT PRACTICES ACT (FCPA) EM CONTRATOS EMPRESARIAIS ................................. 07
RENAN EMANUEL ROCHA MELO

ANÁLISE DA RESPONSABILIDADE DAS PESSOAS JURÍDICAS NA LEI 12.846/2013 SOB A


PERSPECTIVA DA DEFESA EMPRESARIAL ................................................................... 20
ANA REGINA MARQUES BRANDÃO

AS RELAÇÕES ENTRE COMPLIANCE E O PROGRAMA PROFIP .......................................... 33


VICTOR LIMA DUQUE ESTRADA

ACORDOS DE LENIÊNCIA E DE COLABORAÇÃO PREMIADA: UM ESTUDO SOBRE AS


SEMELHANÇAS ENTRE OS INSTITUTOS E A IMPORTÂNCIA DA ATUAÇÃO CONJUNTA DESTES
PARA O COMBATE À CORRUPÇÃO .............................................................................. 53
LUIZ AUGUSTO CURADO JÚNIOR
CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

APRESENTAÇÃO

É com grande satisfação que apresento quatro trabalhos que foram


desenvolvidos como requisito de aprovação na matéria “Lei Anticorrupção” no curso
de pós-graduação lato sensu sobre “Novas Tendências do Direito Público e Gestão
das Políticas Públicas”. A orientação desses trabalhos foi direcionada sobre a
temática do sistema anticorrupção brasileiro, tanto no seu aspecto preventivo quanto
repressivo. Considero uma honra a possibilidade de apresentar esses trabalhos tanto
pelo elevado nível de comprometimento acadêmico, quanto pela importante soma
de conteúdo que trazem ao campo jurídico.

O primeiro artigo, “Da Cláusula Anticorrupção: breve análise de sua


sistemática com a Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) em contratos empresariais”,
da autoria de Renan Emanuel Rocha Melo, dialoga com problemas práticos do atual
sistema anticorrupção brasileiro. O artigo aborda o impacto da cláusula contratual
anticorrupção tanto em contratos com a Administração Pública, como entre
particulares. O texto traz uma importante análise, portanto, sobre a imposição de
uma ética empresarial tanto pela regulação nacional apresentada pela Lei n.º 12.846
de 2013, quanto por legislações estrangeiras, dentre as quais o autor destaca o
Foreign Corrupt Practices Act de 1977 (FCPA).

A problemática exposta pelo autor busca informar o leitor sobre as exigências


contratuais de criação de programas de integridade no âmago das empresas para
atender ao requisito da cláusula anticorrupção, bem como sobre a exigibilidade, no
Brasil, dessas normativas sejam elas nacionais ou internacionais. A análise proposta
pelo autor é relevante e inovadora, na medida em que demonstra a exigibilidade de
cláusulas baseadas em legislação estrangeira, mesmo que ambas as pessoas jurídicas
contratantes não possuam sede ou base no exterior, desde que esteja estipulado no
contrato a obrigatoriedade de atender aos parâmetros de integridade empresarial
estipulados pela legislação estrangeira.

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CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

O segundo artigo, “Uma Análise da responsabilidade das pessoas jurídicas na


Lei n.º 12.846/2013 sob a perspectiva da defesa empresarial”, de autoria de Ana
Regina Marques Brandão, articula importantes conceitos da Lei Anticorrupção com
o direito empresarial. O leitor vai encontrar nesse artigo uma apresentação, sob a
ótica dos limites constitucionais impostos ao direito administrativo sancionador, das
falhas do procedimento atual de responsabilidade e de como elas podem gerar danos
consideráveis. A análise crítica realizada pela autora é especialmente importante por
explicitar a função social das empresas e enfatizar os impactos da criminalização da
atividade empresarial. O texto aborda a complexidade do problema quando
demonstra como se impõe à atividade empresarial uma responsabilidade objetiva,
quando as condutas descritas como corruptas pela Lei n.º 12.846 de 2013 não
possuem uma definição clara.

O terceiro artigo, intitulado de “As relações entre o Compliance e o programa


PROFIP”, de autoria de Victor Lima Duque Estrada, possui igual importância por
demonstrar o espelhamento das exigências de integridade nas relações contratuais
entre as empresas e a própria Administração Pública. O leitor encontrará nesse texto
uma apresentação sobre o Programa de Fomento a Integridade Pública (PROFIP)
como um plano de integridade, que se baseia em diretrizes de ética estipulados às
empresas. O texto aborda, portanto, a formação da necessidade de regulações e de
práticas de compliance no âmbito da Administração Pública brasileira, assim como
demonstra o paralelismo das condutas preventivas e repressivas exigidas nos
programas estatais e privados de integridade.

Sem menos importância, o último artigo apresentado nessa revista, de autoria


de Luiz Augusto Curado Júnior, é intitulado de “Acordos de leniência e de
colaboração premiada: um estudo sobre as semelhanças entre os institutos e a
importância da atuação conjunta destes para o combate à corrupção”. O artigo
aborda a relação entre o acordo de leniência ofertado pela Lei n.º 12.846 de 2013,
para as empresas que tenha envolvimento com práticas de corrupção, e o instituto da
colaboração premiada da Lei n.º 12.850 de 2013. O enfoque trazido pelo autor é feito
sob o prisma da correlação entre os institutos e da possibilidade de complementação

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CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

na aplicação prática dos acordos. O texto possui conteúdo igualmente relevante sob a
perspectiva de apontar os benefícios que podem surgir da conjunção dos acordos e
por destacar, criticamente, as falhas no sistema de negociação das punições
atualmente estipulado por essas normativas.

Os quatro artigos, por conseguinte, expõem questões intrigantes sobre a


prática de compliance no Brasil e debatem pontos desafiantes sobre o atual sistema
de anticorrupção brasileiro. A difusão do conhecimento e o exercício da análise
crítica sobre os problemas enfrentados pela Administração Pública são essenciais
para o desenvolvimento de novas formas de gestão pública que sejam mais eficazes.
Os presentes artigos trazem ao leitor uma contribuição para refletir sobre as
problemáticas relativas à aplicação da Lei Anticorrupção. Espero, nesse interim, que
a leitura lhe seja tão estimulante quanto é interessante.

Abraços,

Larissa Maria Melo Ambrozio de Assis


Professora da pós-graduação em Direito do UNICEUB

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CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

DA CLÁUSULA ANTICORRUPÇÃO: BREVE ANÁLISE DE SUA SISTEMÁTICA


COM A FOREIGN CORRUPT PRACTICES ACT (FCPA) EM CONTRATOS
EMPRESARIAIS

Renan Emanuel Rocha Melo 1

Resumo

O presente artigo é uma breve análise a respeito da cláusula anticorrupção


que passou a ser adotada cada vez mais nos contratos firmados entre pessoas
jurídicas empresariais, não apenas no trato direto com a Administração Pública
(como em contratos administrativos), mas também nas relações particulares,
principalmente com o advento da Lei n. 12.846/13 (Lei Anticorrupção – LAC), que
implicou em sanções sociais e financeiras pesadas caso inobservada. O teor da
cláusula anticorrupção, entretanto, além de incluir os preceitos dessa norma pátria,
passou a vigorar como uma de suas exigências a observância do Foreign Corrupt
Practices Act de 1977 (FCPA), como meio de adequação das empresas às vicissitudes
do mercado internacional. É nesse ponto que se questiona a validade de se incluir a
norma estrangeira na cláusula anticorrupção.
Palavras-chave: Cláusula anticorrupção. Compliance. Lei n. 12.846/13. FCPA.

Abstract

This article is a brief analysis of the anticorruption clause that has been
increasingly adopted in contracts signed by business entities, not only in direct
dealings with the Public Administration (as in administrative contracts), but also in
private relations, especially with the advent of Lei n. 12.846/13 (Lei Anticorrupção -
LAC), which entailed heavy social and financial sanctions if not observed. The
content of the anti-corruption clause, however, in addition to including the precepts
of that national norm, calls as one of its requirements the observance of the Foreign
Corrupt Practices Act of 1977 (FCPA) as a mean of adapting the companies to the
vicissitudes of the international market. It is at this point that the validity of
including the foreign norm in the anti-corruption clause is questioned.
Keywords: Anti-corruption clause. Compliance. Lei n. 12.846/13. FCP.

1
Renan Emanuel Rocha Melo é advogado e sociólogo formado pela Universidade de Brasília – UnB,
atualmente faz pós-graduação em Direito Público pelo Centro Universitário de Brasília –
UniCEUB/ICPD, e-mail: advoc.renan.rocha@gmail.com

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CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

1 INTRODUÇÃO

Com o advento da Lei n. 12.846/13, as empresas brasileiras passaram a ter


uma preocupação maior em estabelecer critérios mais eficientes para prevenir e
coibir a prática de atos ilícitos entre seus funcionários e agentes públicos, sobretudo
naquele conjunto de atos que se classifica como corrupção, até para se adequarem a
uma nova prerrogativa do comércio internacional, uma agenda que, como afirma
ASSIS (2017, p. 49-75), influencia os Estados a regulamentarem e padronizarem a
sua governabilidade, mais exatamente a interação entre seus respectivos Poderes
Públicos e o funcionamento das atividades empresariais, seja em âmbito local ou no
estrangeiro, no sentido de se afastar relações pessoais entre autoridades públicas e
empresários que possam desequilibrar a concorrência e gerar distorções no mercado
global.

Nesse viés, indo na mesma direção de outras nações como os Estados Unidos
e seu Foreign Corrupt Practices Act de 1977 (FCPA) e o Reino Unido com o seu
Bribery Act de 2010 (UKBA), eis que o Estado brasileiro editou a Lei n. 12.846/13,
também denominada de Lei Anticorrupção (LAC), que trata especificamente da
responsabilidade objetiva civil e administrativa das empresas brasileiras, ou
estrangeiras que atuem no território nacional, por atos que tenham praticado em
contrariedade aos princípios éticos e de probidade da Administração Pública,
mormente sob a forma de corrupção de agentes públicos para obtenção de vantagens
empresariais indevidas. Essa responsabilidade, por ser objetiva, não perquire a
culpabilidade da empresa, bastando apenas o ato lesivo ter sido praticado com ou
sem sua anuência, mas a seu favor. Inclusive os indivíduos que atuarem em seu
nome também serão responsabilizados, de forma subjetiva, na medida de sua
culpabilidade.

Em suma, essa norma veio estabelecer no país um introito aos princípios


empresariais éticos relativos a um programa de integridade, denominado de
compliance, ainda que através de uma recalcitrante ameaça de sanções estatais, tais
como multas e exposição pública perniciosa à imagem, às pessoas jurídicas
empresariais. É, pois, o risco de entrar nesse turbilhão de pesadas sanções que se lhes

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CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

implica a adoção de uma gestão interna corporis que se adeque a um padrão ético já
existente entre empresas situadas em países mais desenvolvidos, como os acima
mencionados, com o fito de se evitar tais problemas, e isso tem consequências
inclusive no trato negocial não apenas para com um Estado, mas entre as próprias
sociedades empresariais. É por isso que se vê no Brasil a adoção cada vez mais
comum da chamada cláusula anticorrupção nos acordos e tratativas avençadas entre
elas.

Delineia-se, portanto, como objetivo deste pequeno artigo, tratar um pouco


do que vem a ser tal cláusula anticorrupção dentro da negociação formal entre
sociedades empresariais pátrias e como se adequa à realidade jurídica proveniente de
normas como a FCPA, esta última, embora estadunidense, por vezes é incluída no
bojo contratual por ser espécie de parâmetro ético internacional, até em razão de
uma das partes possivelmente ter amplitude internacional (ex. empresa
multinacional).

2 DA CLÁUSULA ANTICORRUPÇÃO E DO PROGRAMA DE


INTEGRIDADE (COMPLIANCE)

Acordos contratuais celebrados entre sociedades empresárias, notadamente as


que atuam não apenas em âmbito nacional, mas também no estrangeiro,
principalmente as que adotam procedimentos de compliance (integridade segundo
normas de “boa governança”) para se adequarem ao novel cenário do comércio
internacional, geralmente incluem uma cláusula denominada de anticorrupção, ou
seja, uma disposição especial e condicional que estabelece para as partes um
compromisso ético de não se envolverem, quaisquer delas, em atividades ilícitas
relacionadas a obtenção de favores indevidos de autoridades públicas nos países em
que exercem seu mister empresarial.

Isso se deve ao fato de que eventuais problemas detectados seja pelo próprio
Estado, cujos agentes públicos tiveram relações ilícitas com uma das empresas para a
obtenção de benefícios recíprocos, ou ainda por investigação de organismos
internacionais a exemplo da OCDE (Organização para a Cooperação e

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CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

Desenvolvimento Econômico), possam prejudicar tanto o negócio jurídico avençado


no acordo contratual, tornando-o inexequível, quanto a própria imagem da outra
empresa inocente, no âmbito do mercado interno e no internacional, como, a título
de exemplo, evitar a queda do valor de suas ações emitidas nas Bolsas de Valores, ou
evitar de ela mesma que passar pelo crivo de investigações por conexão, etc.

O teor, portanto, das cláusulas anticorrupção geralmente remonta ao


conteúdo normativo proveniente de regulamentações estatais, ou limitações
conforme propugna ASSIS (2017, p. 49-75), que impliquem em responsabilização da
pessoa jurídica e de aplicação de sanções específicas, no sentido de gerar um
compromisso de abstenção entre os contratantes de praticar o rol de condutas
consideradas como corrupção no país em que atuam, como, por exemplo, aquelas
mencionadas no art. 5º da Lei n. 12.846/13, ou ainda, como se disse na introdução
deste artigo, ao FCPA estadunidense, por ser uma espécie de norma padrão
internacional, até porque os Estados Unidos ainda assumem hodiernamente a
posição central da economia mundial, notadamente no mercado de negociação de
valores mobiliários (ex. NASDAQ), além de exigir de suas empresas locais e das
estrangeiras que atuem em seu território (ou que possuem ações em suas Bolsas de
Valores) o compromisso àquela sua norma anticorrupção.

Em termos mais tangíveis, pode-se citar como exemplos de cláusula


anticorrupção aquela cujo teor expressa:

Para a execução deste contrato, nenhuma das partes poderá


oferecer, dar ou se comprometer a dar a quem quer que seja,
ou aceitar ou se comprometer a aceitar de quem quer que seja,
tanto por conta própria quanto por intermédio de outrem,
qualquer pagamento, doação, compensação, vantagens
financeiras ou não financeiras ou benefícios de qualquer
espécie que constituam prática ilegal ou de corrupção, seja de
forma direta ou indireta quanto ao objeto deste contrato, ou de
outra forma a ele não relacionada, devendo garantir, ainda,
que seus prepostos e colaboradores ajam da mesma forma.
Modelo esse extraído do Decreto n. 56.633/15 do Estado de São Paulo
consoante disposição de contratos administrativos locais, ou ainda:

As partes declaram que não realizaram, prometeram ou


autorizaram, direta ou indiretamente, inclusive por seus

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CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

diretores, gerentes, funcionários, representantes e agentes,


pagamento de vantagem indevida a autoridades públicas que
possa violar a legislação anticorrupção aplicável, incluindo,
mas não se limitando, a Lei n. 12.846/13 e o Foreign Corrupt
Practices Act de 1977. (SÃO PAULO, 2015)
Em ambos os casos exemplares acima, pode-se conter ainda cláusula auxiliar
que determine que a inobservância da cláusula anticorrupção ensejar-se-á a rescisão
contratual pela parte inocente, podendo ou não se incluir aí cláusula de antecipação
de vencimentos (caso seja, por exemplo, contrato de mútuo), de reparação por
perdas e danos emergentes ou lucros cessantes, e/ou ainda de cláusula penal (multas
contratuais pelo descumprimento do acordo no tocante à postura ética exigida).

Como lembra Hagen (2016, p. 19) é importante, no entanto, que a cláusula


anticorrupção seja realista, no sentido de que seu teor expresse uma possibilidade
tangível de que quaisquer das partes contratantes, em particular sociedades
empresárias, possam fiscalizar efetivamente o seu cumprimento pela outra parte, do
contrário, estar-se-á diante de uma cláusula inócua e inexequível. Logo, é importante
que as empresas que assim estipularem uma conduta ética específica de
anticorrupção, além de apresentarem um animus de boa-fé recíproca, possuam
programas de integridade (compliance) que forneçam certo grau de transparência
para a parceira negocial, ou como chama aquele autor pela expressão “Know your
client". O ponto fundamental é que se mantenha a confiança entre as partes
(HAGEN, 2016, p. 20), assim, é possível chegar a esse desiderato através de franquear
as partes entre si o acesso a seus livros contábeis empresariais, Código de Ética, e
demais informações.

A questão ganha contornos pertinentes quando se adentra no quesito do


programa de integridade, que segundo as diretrizes propostas pela Controladoria-
Geral da União (CGU, atual Ministério da Transparência), às sociedades empresárias
pátrias, representa justamente as medidas anticorrupções por elas adotadas, servindo
de fator atenuante em eventuais processos de responsabilização, que é, como se
dissera, umas de suas principais preocupações, o que motiva a existência de
parâmetros de controle interno tal como a cláusula anticorrupção em contratos
avençados. (BRASIL, 2015, p. 5)

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CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

Nesse sentido, as diretrizes e políticas internas destinadas à prevenção,


detecção e remediação de atos lesivos, consubstanciados na corrupção, contra a
administração pública, nacional ou estrangeira, implicam em cinco pilares que
fomentam e informam o programa de integridade (compliance): a)
comprometimento e apoio da alta direção; b) instância responsável; c) análise de
perfil e riscos; d) estruturação das regras e instrumentos; e) e estratégias de
monitoramento contínuo (BRASIL, 2015, p. 6-7).

Em apertada síntese, esses pilares significam que a sociedade empresarial deve


apresentar um corpo diretivo que zele pela postura ética, influenciando na conduta
dos demais funcionários; que estabeleça um departamento responsável por assegurar
o atendimento ao programa de integridade, apurando as irregularidades internas e
tomando as devidas decisões a respeito das mesmas; capacidade de antever situações
de riscos que poderiam desembarcar em atos ilícitos de corrupção (ex. doações a
institutos particulares pertencentes a agentes públicos políticos, etc.); também a
presença de um código de ética e de conduta que estabeleça os valores da empresa e a
postura esperada de seus funcionários, como eles devem reagir a determinadas
situações; e o monitoramento contínuo da própria efetividade do programa de
integridade, detectando falhas e possibilidades de aprimoramento. (BRASIL, 2015, p.
8-23).

Esse conjunto de fatores explica, nos termos alicerçados por Hagen (2016), a
maior ou menor capacidade de atender uma sociedade empresária aos postulados de
uma cláusula anticorrupção nos negócios jurídicos que firma, no sentido de ser
capaz de coibir preventivamente ilicitudes que possam ser praticadas por seus
funcionários, ainda que sem autorização do corpo diretivo, em conluio com agentes
públicos. É a robustez do programa de integridade, a seriedade de sua consecução,
que se correlaciona positivamente com a eficiência da cláusula anticorrupção.

Nesse toar, ressalta-se que Clayton (2013, p. 149-150), especialista na área de


compliance, aponta ser normal que eventualmente a empresa precise se relacionar
com uma autoridade pública, e dependendo do setor de suas atividades econômicas,
essa dependência relacional fica mais evidente. No entanto, adotando essa empresa

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CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

um programa anticorrupção eficiente que detecte os riscos desse contato e que possa
garantir a conformidade dos atos empresariais por ela adotados com as
regulamentações e legislação vigente no país de sua atuação, bem como pelos
costumes internacionais éticos na esfera negocial, isso preservaria sua imagem e
reputação, não apenas para terceiros, mas para os próprios parceiros negociais.

Como aponta a autora, essa conduta e consequente cautela se fazem notórias


e necessárias em países emergentes, como o Brasil, que figuram na posição de alto
risco de corrupção na interação: empresa e autoridades públicas. Fato esse que
demanda do programa de integridade (compliance) uma maior robustez e
transparência possível, para que certas condutas empresariais tradicionais, como
presentes, convites de entretenimento, financiamento de palestras, etc., não sejam
mal interpretadas como o pagamento de propinas/suborno e evite-se aí um mal-estar
entre dada empresa e seus parceiros negociais, afastando decisões precipitadas e
temerárias que estes poderiam acabar tomando para enjeitar acordos firmados e
desvencilharem-se suas imagens da imagem daquela. (CLAYTON, 2013, p. 152-155).

3 DA INTERAÇÃO DA CLÁUSULA ANTICORRUPÇÃO COM A FCPA

Ainda sob o contexto da cláusula anticorrupção, como se expusera através


dos exemplos de teor, é possível que seja avençado entre as sociedades empresárias o
compromisso ético de se observar a Foreign Corruption Practices Act de 1977
(FCPA), ou seja, norma estrangeira, ainda que o acordo contratual seja para o
cumprimento de obrigações em solo brasileiro ou ainda entre pessoas jurídicas que
não possuem quaisquer vínculos com os Estados Unidos. É, pois, como se afirmara, a
FCPA serve de norma padrão para uma gestão de compliance entre empresas e entre
estas e um Estado.

Nossa posição é que caso a cláusula anticorrupção faça uso de norma


estrangeira, dever-se-á tutelar o referido negócio jurídico entre empresas nacionais
através de normas do Direito Internacional Privado, por se tratar hodiernamente de
parte do rol dos “bons costumes internacionais” nas questões comerciais, ainda que a
eficácia daquela norma (FCPA) esteja claramente contida, visto que suas respectivas

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CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

sanções não teriam qualquer aplicabilidade fática no Brasil. Em outras palavras, se


ambas as sociedades empresárias não possuem qualquer vínculo com os Estados
Unidos, nem que fosse apenas negociando valores mobiliários em suas Bolsas de
Valores, é por obviedade que o Departamento de Justiça ou a Comissão de Valores
Mobiliários estadunidenses não teriam competência para impor qualquer
determinação sobre o funcionamento delas.

Tendo isso em mente, postula-se que no ordenamento jurídico brasileiro, a


aplicação do Direito Internacional Privado quanto às relações obrigacionais
envolvendo empresas nacionais encontra-se respaldada na Lei de Introdução às
Normas do Direito Brasileiro – LINDB (Decreto-Lei n. 4.657/42), mais exatamente
no art. 9º, in verbis:

Art. 9º Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei


do país em que se constituírem. § 1º. Destinando-se a
obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma
essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da
lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato. § 2º.
A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no
lugar em que residir o proponente (grifo nosso). (BRASIL,
1942).

As normas contratuais a serem observadas, portanto, são a do lugar da


celebração do negócio jurídico, com a possibilidade de se adotar normas mistas, isto
é, tanto brasileiras quanto estrangeiras, com algumas ressalvas. Nesse sentido, nota-
se que se a cláusula condicional atinente à qualificação das empresas exige delas
atenção a um compliance de anticorrupção, de não se envolverem tampouco terem se
envolvido com práticas de corrupção, pode-se interpretar se tratar de requisito
extrínseco do ato negocial que se coaduna com a necessidade de observância à
FCPA, muito embora as obrigações assumidas pelas sociedades empresárias sejam
possivelmente executadas em solo brasileiro (§ 1º do art. 9º).

Por essa ótica jurídica, a cláusula anticorrupção teria suas exigências


plenamente válidas, a ponto de ser possível e justificável uma das empresas, a
inocente, acioná-la em desfavor da outra que embora atenda plenamente as normas
pátrias como a Lei n. 12.846/13, deixe de atender as exigências particulares da FCPA,
sobretudo as de conteúdo ético, quanto ao trato com agentes públicos. Pois, em

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CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

suma, a própria cláusula anticorrupção estaria estabelecendo as normas da FCPA


como conditio sine qua non do contrato firmado, ainda que o dispositivo contratual
só lhes faça menções genéricas. É aí que entra o programa de integridade das
empresas, da capacidade de se adaptarem não apenas às normas locais brasileiras,
mas também às normas estrangeiras, sejam elas a FCPA ou ainda a UKBA.

Ora, conforme expõem Greco Filho e Rassi (2015, p. 45-47), o FCPA proíbe a
prática de qualquer ato consistente em oferecer, pagar, prometer o pagamento, ou
autorizar o pagamento de qualquer dinheiro, ou oferta, presente, promessa de dar,
ou autorizar a doação de qualquer coisa de valor a qualquer funcionário público
estrangeiro, com o propósito de: influenciar qualquer ato ou decisão de atribuição
deste; induzi-lo a descumprir seu dever legal; assegurar qualquer vantagem indevida;
ou induzi-lo a influenciar decisão do governo ou de ramo da administração pública,
de modo a ajudar a pessoa física ou jurídica a obter ou manter contrato/negócio para
si ou consigo, ou direcioná-lo a qualquer pessoa (15 U.S.C. § 78dd-1, (a), (1)).
Hipóteses que se aproximam muito daquelas instituídas no art. 5º da Lei n.
12.846/13, embora se destinem ao servidor público estrangeiro, mas o que vale,
prontamente, é como se disse: o conteúdo ético de tais normas como requisito
extrínseco do ato negocial.

Importa ressaltar que, conforme o Guia ao FCPA (2012, cap. 2., p. 10-35),
promovido pelo Departamento de Justiça (DOJ) e pela Comissão de Valores
Mobiliários (SEC) estadunidenses, em geral, a conduta das empresas em relação à
corrupção é tratada de duas formas: 1) veda-se a prática dolosa de a empresa ou
alguém em seu nome tentar subornar ou de fato pagar propinas, direta ou
indiretamente, a agentes públicos ou ainda prometer ou efetuar pagamentos
indevidos para partidos políticos, com a intenção de obter vantagens negociais
injustamente, sejam estas bem sucedidas ou não; 2) necessário que a empresa seja
transparente, mantendo livros de registros empresariais claros e fidedignos, além de
um controle interno robusto. A não observância desses dois fatores ocorre a violação
da FCPA pela empresa, acarretando, para o caso norte-americano, a sua
responsabilização civil e penal.

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CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

Isso se deve, porque o FCPA se aplica, em tese, apenas às empresas com sede
nos Estados Unidos ou que atuam no território americano ou ainda que emitem
valores mobiliários no mercado local. Apenas por exceção, como se postulou para
cláusula anticorrupção, é que se poderia exigir a sua observância, ao menos quanto
ao seu conteúdo ético, para as empresas que não são e nem atuam nos Estados
Unidos. Isso significa que embora não sejam perseguidas civil e criminalmente nos
Estados Unidos, a conduta da empresa brasileira que violar os preceitos do FCPA
pode ensejar a rescisão contratual através da funcionalidade e objetivos esperados de
se apor uma cláusula anticorrupção com a norma estrangeira.

Esmiuçando um pouco mais o pensamento de Clayton (2013, p. 149-150)


retratado anteriormente, bem como o Guia promovido pelo Departamento de
Justiça estadunidense, importa explanar que o FCPA não proíbe a empresa de doar
presentes, fazer convites a eventos, palestras, viagens e entretenimentos por ela
patrocinados, etc. a agentes públicos, desde que não sejam atos proibidos pela
legislação local e que não se afigurem como formas mascaradas de pagamentos de
propinas, ou seja, que não sejam habituais e tampouco em elevada monta, devendo
tudo ser devidamente registrado nos livros contábeis da empresa, sem quaisquer
omissões.

Nessas diretrizes, algumas exceções são portanto admitidas pelo FCPA: 1) a


legislação local fazer previsão permitindo o pagamento e concessão de benefícios e
presentes pela empresa a agentes públicos, desde que em quaisquer casos sejam
realizados de forma razoável; 2) doações à caridade, ainda que de elevada monta,
mas que não interfiram na atividade de agentes públicos; 3) e “pagamentos
facilitadores”, que são aqueles legais e rotineiros, necessários para a atividade de
agentes públicos, como taxas de serviço público, contas de energia e telefone, etc.,
exceto se forem destinados a influenciar decisões discricionárias aptas a concederem
vantagens negociais à empresa.

Todas essas exceções, no entanto, estão limitadas ao propósito do pagamento,


que jamais poderá ser o de subornar para obter vantagens indevidas. Assim, verifica-
se, de forma resumida, as restrições inerentes do FCPA quanto o alcance de sua

17

CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

inclusão, por exigência ética, a uma cláusula anticorrupção nas tratativas envolvendo
sociedades empresárias nacionais.

Entretanto, ante a existência de questionamentos, é importante frisar que o


negócio jurídico firmado entre as empresas no Brasil deve promover-se pelo
primado da boa-fé, principalmente na situação de haver dúvidas quanto a
inobservância ética de uma das partes da norma estrangeira inclusa na cláusula
anticorrupção. Em certo sentido, seria mais adequado a parte inocente aguardar uma
apuração oficial preliminar (do Estado) que ateste a responsabilidade objetiva ou não
da parte sob suspeita, principalmente se esta adotar um programa de integridade
(compliance) eficiente e transparente, que permite àquela tomar medidas
investigativas próprias (auditorias externas) antes de providenciar qualquer ato de
rescisão contratual.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A corrupção, como é consabido, gera distorções que impactam na atividade


empresarial, favorecendo a concorrência desleal, superfaturamento e oportunidades
restritas de negócio. Esses são uns dos motivos, além é claro das influências
internacionais específicas como lembra Assis (2017), que impulsionam os Estados
modernos a criarem mecanismos que coíbam tais práticas, não sendo diferente o
caso brasileiro. Assim, ante esse contexto, veio a lume a Lei n. 12.846/13, também
denominada Lei Anticorrupção ou Lei da Empresa Limpa, prevendo a
responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas (empresas) que
venham cometer atos lesivos em proveito próprio em detrimento da Administração
Pública, seja ela nacional ou estrangeira. É justamente o receio das empresas que
operam no país perpassarem pelas sanções pesadas previstas nessa norma que
passaram a formular e adotar, paulatinamente, programas de integridade
(compliance) e exigir de seus parceiros negociais a mesma postura, sobretudo por
obrigação contratual através de cláusula anticorrupção.

É a aceitação desse compromisso que passa a indicar a seriedade ética e a


capacidade técnica interna (como, por exemplo, a elaboração de códigos de ética e de

18

CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

conduta, e de canais internos de apuração) de uma empresa diante do novo contexto


que se apresenta, não apenas em âmbito local, mas também pelo próprio contexto
internacional, evidenciando a mentalidade por trás de sua direção e dos negócios
jurídicos que já avençou ou que pretende acertar. É a forma mais direta de se
verificar como a empresa vem se comportando em seus negócios, se ela possui ou
não vulnerabilidades que poderiam acarretar riscos a sua integridade negocial.

Indagações acerca das políticas empresariais costumeiras passaram a ser o


meio comum: até que ponto o oferecimento de hospitalidade, brindes e presentes a
agentes públicos é lícito e/ou moral? Bastaria apenas atenção às leis locais ou a
empresa, para demonstrar toda sua seriedade, deve ao contrário construir um
projeto de valores, de princípios éticos, que padronize sua conduta em todos os
países em que venha possivelmente atuar? É por tais questionamentos que se enfatiza
uma norma centralizadora, que possa servir de base exemplar para o que vem a ser
considerado uma conduta conforme os “bons costumes” de probidade, que é a
própria FCPA, considerada um modelo delineador de transparência a nível
transnacional.

É nesse sentido que se verifica empresas nacionais exigirem em suas tratativas


não apenas a observância de seus parceiros negociais das normas locais, como a Lei
n. 12.846/13, mas também da FCPA, ainda que não tenham relações com os Estados
Unidos (de onde se vislumbra a real aplicabilidade e reforço a essa norma). Seria
uma espécie de adaptação ao novo cenário internacional construído em torno de um
fetichismo às normas, e até, quiçá de forma exagerada, à cultura norte-americanas.
Entretanto a explicação e a motivação tornam-se mais evidentes e simples quando se
percebe a importância da economia estadunidense para o cenário mundial, o que,
por obviedade, justifica o interesse de se incluir aquela norma nos acordos avençados
exequíveis apenas localmente.

Existe, nesse contexto, a possibilidade de se exigir uma conduta das partes


empresárias que se amolde à FCPA, ainda que sob a regência clara e quase que
exclusiva de uma norma interna? Acreditamos que sim, com efeitos claros sob as
negociatas que venham a ser realizadas, no sentido de que sua inobservância, desde

19

CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

que constituída em uma cláusula anticorrupção, tem tanto efeito jurídico quanto o
descumprimento de qualquer outra cláusula avençada. É basicamente esse o cerne
deste pequeno artigo introdutório, em que se procurou postular e esmiuçar um
pouco mais a sistemática da cláusula anticorrupção cada vez mais adotada nos
contratos firmados não apenas entre uma empresa e o Poder Público, mas também
entre particulares.

20

CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

REFERÊNCIAS

ASSIS, Larissa Maria Melo Ambrozio de. Corrupção, governança e governabilidade:


um estudo dos julgamentos do Collorgate e do mensalão no Supremo Tribunal
Federal. 2017. 224 f. Tese (Doutorado em Direito) - Universidade de Brasília,
Brasília, 2017.

BRASIL. Controladoria-Geral da União. Programa de integridade: diretrizes para


empresas privadas. Brasília: CGU, 2015.

CLAYTON, Mona. Temas de Anticorrupção e compliance: entendendo os desafios de


compliance no Brasil: um olhar estrangeiro sobre a evolução do compliance
anticorrupção em um país emergente. Rio de Janeiro: Campus Jurídico, 2013.

ESTADOS UNIDOS. Criminal Division of the U.S. Department Of Justice. U.S.


Department of Justice. FCPA: a resource guide to the U.S. Foreign Corrupt
Practices Act. 2012. Disponível em: <https://www.justice.gov/sites/default/files/crimi
nal-fraud/legacy/2015/01/16/guide.pdf>. Acesso em: 20 set. 2017.

GRECO FILHO, Vicente; RASSI, Daniel Rossi. O combate à corrupção e comentários


à Lei de Responsabilidade de pessoas jurídicas: normas e organizações internacionais
de combate à corrupção. São Paulo: Saraiva, 2015.

HAGEN, Andres. Cláusulas anticorrupção: a necessidade de limitação e a eficiência


para mitigar riscos. 2016. 26 f. Monografia (Especialização em Direito Empresarial) -
Insper, São Paulo, 2016.

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CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

ANÁLISE DA RESPONSABILIDADE DAS PESSOAS JURÍDICAS NA


LEI 12.846/2013 SOB A PERSPECTIVA DA DEFESA
EMPRESARIAL

Ana Regina Marques Brandão1

Resumo

O artigo trata da responsabilidade das pessoas jurídicas na Lei 12.846/2013 –


Lei Anticorrupção sob a perspectiva da defesa empresarial. Realiza análise crítica da
responsabilização objetiva da pessoa jurídica, da tipologia dos ilicitos
administrativos, do subjetivismo dos limites sancionatórios e das garantias do devido
processo legal e dos impactos das sanções aplicadas na manutenção e
restabelecimento da atividade produtiva da empresa infratora tendo por base os
princípios do direito administrativo sacionador e a função social da empresa.
Palavras-chave: Lei Anticorrupção. Responsabilidade da Pessoa Jurídica. Função
Social da empresa.

Abstract

The article deals with the responsibility of legal entities in Law 12.846 / 2013,
Anti-Corruption Law with the perspective of corporate defense. It carries out a
critical analysis of the objective legal responsibility of the legal entity, the typology of
administrative illegals, the subjectivism of the sanctioning limits and the guarantees
of due legal process and of the impacts of the sanctions applied in the maintenance
and reestablishment of the productive activity of the infringing company based on
the principles of administrative law and the social function of the company.
Keywords: Anti-Corruption Law. Liability of the Legal Entity. Social function of the
company.


1
Renan Emanuel Rocha Melo é advogado e sociólogo formado pela Universidade de Brasília – UnB,
atualmente faz pós-graduação em Direito Público pelo Centro Universitário de Brasília –
UniCEUB/ICPD, e-mail: advoc.renan.rocha@gmail.com.

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CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

1 INTRODUÇÃO

A Lei 12.846/20132, intitulada Lei Anticorrupção, ingressou no ordenamento


jurídico pátrio introduzindo, de forma inovadora, a responsabilidade das pessoas
jurídicas por ilícitos praticados contra Administração Pública, com ênfase nos atos
que visem fraudar licitações e contratos administrativos prevendo, inclusive,
proteção contra os atos lesivos que alcancem Administração Pública estrangeira.

A análise do processo legislativo que culminou com o texto final da Lei


Anticorrupção revela que foi dada ênfase ao aspecto punitivo como meio eficiente
para se combater a corrupção, no intuito de facilitar a recuperação de valores obtidos
ilicitamente e evitar a reincidência.

Seguindo o raciocínio da rigidez punitiva, inova a Lei 12.846/2013 ao


estabelecer que a responsabilidade da pessoa jurídica seja objetiva, bastando para a
configuração a prova do fato, o resultado e o nexo causal com a atividade da
empresarial, e opta o diploma legislativo em estudo por tipificar as condutas ilícitas
por meio de termos abertos tais como prometer, oferecer ou dar vantagem indevida
(Art.5º, I), subvencionar de qualquer modo (Art. 5º, II), impedir, perturbar ou
fraudar a realização de qualquer ato e procedimento licitatório (art. 5º, IV, b).

Não se descuida da importância do combate à corrupção e da necessidade de


se instituir mecanismos legais que possibilitem a punição dos infratores, aperfeiçoe a
recuperação dos valores desviados e possibilite um desestímulo à reincidência da
prática delitiva. Entretanto, os objetivos não serão atingidos se não forem
preservadas as bases jurídicas que lastreiam os sistemas políticos e econômicos cuja
higidez de funcionamento se pretende preservar.

A partir desse contexto, o estudo tem por objetivo analisar a


responsabilização da pessoa jurídica na Lei 12.846/2013 sob a perspectiva da defesa
empresarial por meio da análise do projeto na Câmara dos Deputados, das distinções


2
BRASIL. Lei nº 12.846/2013, de 1º de agosto de 2013. Disponível em:
<http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2013/lei-12846-1-agosto-2013-776664-norma-pl.html>.
Acesso em: 14 out. 2017.

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CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

com a legislação sobre o tema de outros países e do diálogo dos institutos da


legislação administrativa sancionadora com os princípios norteadores do direito
administrativo, empresarial, processual e constitucional.

A abordagem será desenvolvida nos tópicos: a responsabilidade objetiva da


pessoa jurídica, os conceitos indeterminados da tipificação dos atos ilicitos e das
sanções administrativas previstas na Lei Anticorrupção, as violações ao contraditório
de ampla defesa e os impactos para a preservação da empresa.

2 A RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA PESSOA JURÍDICA

A lei 12.846/20133 inova ao introduzir no ordenamento juridico a


responsabilidade objetiva da pessoa jurídica por atos ilícitos praticados contra a
administração pública nacional e estrangeira.

Essa opção do legislador teve por motivação4 conferir agilidade ao


procedimento tendo em vista a dificuldade de provar elementos subjetivos como o
dolo ou a culpa verificada na responsabilização de pessoas naturais.

O estatuto civil no artigo 475 dispõe que a vontade da pessoa jurídica se


manifesta por seus representantes em conformidade com a lei e o definido nos atos
constitutivos, e prevê no parágrafo único do artigo 9276 do Código Civil a
responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas restringindo- a aos casos de reparação
de danos.

A Constituição Federal de 1988 no § 3º, do artigo 225 dispõe sobre a


responsabilidade penal da pessoa jurídica. Entretanto, a lei 9.605/1988 ao disciplinar
o dispositivo constitucional limitou a responsabilização à seara administrativa e civil


3
Art. 2º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas objetivamente, nos âmbitos administrativo e civil,
pelos atos lesivos previstos nesta Lei praticados em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não.
4
BRASIL. Projeto de Lei nº 6.826-A, de 2010. p. 8. Disponível em:
<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=466400>. Acesso em 14
out. 2017.
5
Art. 47 Obrigam a pessoa jurídica os atos dos administradores, exercidos nos limites de seus poderes
definidos no ato constitutivo.
6
Art. 927 Aquele que, por ato ilícito (artigos 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos
especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar,
por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

24

CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

e nos casos em que a infração for cometida por representante legal da empresa, no
seu interesse e benefício.

Nesses termos a responsabilidade da pessoa jurídica por atos ilícitos


restringe-se aos atos praticados em seu beneficio e por aqueles que legalmente a
represente.

Segundo Osório7 no direito administrativo sancionador vigora o princípio da


tipicidade estrita, correlata ao devido processo legal e ao princípio de interdição à
arbitrariedade dos poderes públicos e ao tratar da interpretação assevera:

A teoria da tipicidade evoluiu no sentido de albergar a teoria


do bem jurídico ou da proteção de valores inerentes à vigência
da norma. E está submetida à lógica dos direitos fundamentais,
inclusive daqueles que são vítimas dos ilícitos. A norma nasce
vocacionada à proteção de direitos fundamentais e por isso
mesmo está legitimada a incidir sobre outros direitos
fundamentais (dos investigados, acusados, condenados). Deve
fazê-lo numa perspectiva proporcional e razoável.
É necessário interpretar as normas sancionadoras à luz dos
princípios da razoabilidade e proporcionalidade, da segurança
jurídica e dos direitos fundamentais, aquilatando os valores
que lhes são imanentes, os fins a que se destinam as opções
hermenêuticas disponíveis e suas consequências.

O legislador justificou a opção pela responsabilidade objetiva da pessoa


jurídica na dificuldade de se comprovar o dolo ou culpa e, nesse contexto, conflita
com garantias e direitos de assento constitucional. Sobre as repercussões da
constitucionalização do direito, no âmbito administrativo assevera Barroso8:

A ideia de constitucionalização do direito aqui explorada está


associada a um efeito expansivo das normas constitucionais,
cujo conteúdo material e axiológico se irradia, com força
normativa, por todo o sistema jurídico. Os valores, os fins
públicos e os comportamentos contemplados nos princípios e
regras da Constituição passam a condicionar a validade e o
sentido de todas as normas do direito infraconstitucional.


7
OSÓRIO, Fábio Medina. O problema não está na Lei Seca, mas na sua interpretação. Disponível em:
<https://www.conjur.com.br/2012-jun-10/fabio-osorio-problema-nao-lei-seca-interpretacao>. Acesso
em: 14 out. 2017.
8
BARROSO, Luís Roberto. A constitucionalização do direito e suas repercussões no âmbito
administrativo: direito administrativo e seus novos paradigmas. In: ARAGÃO, Alexandre Santos de;
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo (Coord.). Direito administrativo e novos paradigmas. Belo
Horizonte: Fórum, 2012. p. 31-63.

25

CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

A celeridade e agilidade da persecução e punibilidade administrativas foram


alçadas a um grau de importância superior aos direitos fundamentais ao
contraditório, ampla defesa e devido processo legal, sem demonstração da
essencialidade da medida para alcançar os fins perseguidos na lei, especialmente
porque há sistemas comprovadamente eficientes de combate à corrupção, como o
FCPA, que não adota a responsabilidade objetiva na lei ou na interpretação dos
Tribunais.

A rigidez da legislação deve ser justificada a partir da eficiência para o


atingimento de determinados fins sem renegar os direitos fundamentais das vítimas
e dos acusados, o que não se revela no contexto em análise.

A Lei Anticorrupção contém sanções de inidoneidade e de restrição à


atividade empresarial que não se compatibilizam com outras hipóteses de
responsabilidade objetiva previstas no ordenamento jurídico brasileiro, tampouco
cuidou de efetuar distinção de responsabilização a partir das espécies de sanção,
reparação ou de inidoneidade, conceito atrelado à atuação de má fé do agente.

Há que se ponderar, ainda, que a defesa empresarial se dará no âmbito das


comissões formadas perante os orgãos competentes para apuração, instaurados na
estutura do poder executivo nas esferas Federal, Estadual e Municipal e o julgador é a
autoridade máxima do órgão, invariavelmente detentor de cargo comissionado, que
não está vinculado aos pareceres das comissões de apuração e tampouco há previsão
na LAC de recurso administrativo dessa decisão.

Esse cenário é agravado quando se trata de comissão formada no âmbito dos


pequenos municípios que detêm estruturas funcionais limitadas, nos quais a
responsabilidade objetiva aferida de forma automática pode redundar em
arbitrariedade e abuso de poder ao servir como proteção ou punição de empresas,
com sério comprometimento da economia local.

Outro aspecto a considerar é que a LAC impõe à pessoa jurídica a obrigação


de fiscalizar os atos de seus prepostos e das empresas com quem mantem relações, e
o mais grave, responsabiliza igualmente o administrador improbo e o gestor

26

CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

ineficiente pela ausência de efetivadade da fiscalizadora o que resulta em


apenamento a quem não deu causa e desestímulo à melhoria dos sistemas de
integridade em prejuízo ao caráter pedagógico ressaltado pelos autores do projeto de
Lei do diploma legislativo.

Alertam Igor Sant’Anna Taamasauskas e Pierpaolo Cruz Bottini9

A organização empresarial deve possuir standards de


comportamento e de estruturas, inclusive após a constatação
do ilícito, que permitam concluir que o ato lesivo decorreu de
um ato individual e isolado de determinado colaborador.
Assim, não apenas como pre venção ao ilícito – com
treinamentos, estruturas de whistle-blowing, regras e códigos
de conduta – mas também no momento de colaboração para
apuração dos fatos, é que se poderá afirmar se a organização
empresarial compactuou ou não com o ilícito verificado. Sua
culpabilidade, se é que pode utilizar o termo nessa situação,
passará pelo exercício de verificar referidas situações. Fora
dessa realidade, estar-se-á admitindo o apenamento contrário
ao direito, porque a própria punição não terá referência a um
comportamento nega tivo de quem suportará, seja porque a
entidade não merece punição, seja porque esta punição não
trará qualquer exemplo para a sociedade, porque sinaliza
arbítrio. (...) Assim, resta passível de punição ou a empresa que
deliberadamente envolveu-se no ato ilícito ou aquela que seus
controles são tênues, campo fértil para o desenvolvimento de
práticas contrárias à ética. Fora dessas hipóteses, repita-se,
entendemos inviável a punição, a responsabilidade-sanção.

A responsabilidade objetiva ganha maior relevo no contexto da LAC por


prever sanções de inidoneidade sem haver persecução aprofundada do dolo ou, ao
menos, da culpa do agente. O poder punitivo estatal só é exercido legal e
legitimamente quando assegurados ao acusado o devido processo legal, o
contraditório e ampla defesa, em uma concepção que compreenda a oportunidade de
defender-se e de influir no julgamento.

Como dito, a manifestação da vontade da pessoa jurídica se dá por


representantes que por força de lei ou por designação nos instrumentos constitutivos
da sociedade vinculam a pessoa jurídica representada.


9
BOTTINI, Pierpaolo Cruz; TAMASAUSKAS, Igor Sant’Anna. A interpretação constitucional possível da
responsabilidade objetiva na Lei Anticorrupção. Revista dos Tribunais, v. 947, ano 103, p. 133-155, set.
2014.

27

CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

E nesse ponto reside a incompatibilidade a disciplina dada pela Lei


12.846/2013 no tocante a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica sem se
perquirir acerca do dolo ou culpa das pessoas naturais que a representam, efetivando
uma transcendência da sanção rechaçada no inciso XLV, do art. 5º, da Constituição
Federal.

3 A TIPIFICAÇÃO DAS CONDUTAS ILÍCITAS NA LEI


ANTICORRUPÇÃO: OS CONCEITOS INDETERMINADOS E A
SUBJETIVIDADE ADMINISTRATIVA

A Lei 12.846/2013 ao tratar da responsabilidade administrativa e civil da


pessoa jurídica pela prática de ato ilicitos contra a administração pública e
estrangeira adotou um sistema que se aproxima do direito penal, o que se constata
nas condutas previstas no art. 5º, dos parâmetros e limites mimino e máximo das
penas no art. 6º, e do que se poderia chamar atenuantes e agravantes elencadas no
art. 7º

O elemento que distancia os ilícitos e sanções previstas na Lei Anticorrupção


é a responsabilização objetiva da jurídica e a extrapolação dos limites da atuação dos
seus representantes para alcançar os atos praticados por terceiros.

Segundo Osório10 determinados conceitos embutidos no que se pode chamar


tipologia da infração administrativa, exigem robusta visão jurisprudencial para uma
escorreita delimitação de alcance e sentido.

Demonstra o autor a problemática da multiplicidade de sentidos contida na


descrição dos atos lesivos a partir do inciso I, do artigo 5º11, da LAC, e afirma:

O legislador considera corrupção o ato de prometer, oferecer


ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente


10
OSÓRIO, Fábio Medina. Lei anticorrupção dá margem a conceitos perigosos. Disponível em:
<https://www.conjur.com.br/2013-set-20/lei-anticorrupcao-observar-regime-direito-administrativo-
sancionador>. Acesso em: 14 out. 2017.
11
Art. 5o Constituem atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, para os fins desta Lei,
todos aqueles praticados pelas pessoas jurídicas mencionadas no parágrafo único do art. 1o, que
atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração
pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, assim definidos: I -
prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira
pessoa a ele relacionada;

28

CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

público, ou a terceira pessoa a ele relacionada. O principal


problema aqui pode ser o conceito jurídico indeterminado
"vantagem indevida". Muitos podem entender que o
pagamento de uma viagem por uma empresa a um funcionário
público, para estudar um projeto implantado em determinado
local, configura vantagem indevida, quando em realidade seria
apenas parte de um acordo entre setores público e privado.
Idêntica dificuldade é apontada na delimitação do que seja agente público ou
terceira pessoa a ele relacionada referida na parte final do inciso I, do art. 5º12, da
LAC. Quais vínculos são considerados ilicitos para fins da norma sancionadora?

13
Aponta Osório que “não é possível uma lei sancionadora delegar, em sua
totalidade, a função tipificadora à autoridade administrativa, pois isso equivaleria
uma insurportável deteriorização da normatividade legal sancionadora.”

Sucumbe à indeterminação dos conceitos a previsão contida item b, inciso IV,


do art. 5º, que considera ato iíicito passível de sanção “impedir, perturbar ou fraudar
a realização de qualquer ato de procedimento licitatório público”. A literalidade do
comando atrela o enquadramento do ilícito ao animus do agente incompativel com a
responsabilidade objetiva prevista no art. 2º.

É de difícil compreensão a descrição de ilícito administrativo contida no


inciso V, do artigo 5º, consistente em:

V - dificultar atividade de investigação ou fiscalização de


órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua
atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e dos
órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional.

Como conciliar compromissos de confidencialidade assumidos com terceiros


próprios dos negócios empresariais privados a partir do pressuposto administrativo
de que todo sigilo empresarial acoberta um ilíicito?

Aponta Ferraz14 que a configuração dessa conduta como ilicito


imprescinde da prova da utilização de subterfúgios fraudulentos não se configurando


12
OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2005. p. 218.
13
OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2005. p. 218.
14
FERRAZ, Luciano. Reflexões sobre a Lei nº 12.846/2013 e seus impactos nas relações público-privadas:
lei de improbidade empresarial e não lei Anticorrupção. Revista Brasileira de Direito Público, Belo

29

CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

pela falta de colaboração em si mesma, diante da garantia assentada


constitucionalmente e ratificada na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
(HC nº 77.135, HC nº 939.916 e HC nº 78.708), de não se produzir prova contra si
mesmo.

4 DAS SANÇÕES ADMINISTRATIVAS PREVISTAS NA LEI


12.846/2013 E DA CRIMINALIZAÇÃO DA ATIVIDADE
EMPRESARIAL

A despeito da LAC não abordar a responsabilidade da pessoa juridica sob o


aspecto penal a análise da descrição das condutas classificadas como ilícitos
administrativos evidencia uma semelhança com a lógica do direito penal.

A oscilação dos limites máximo e mínimo das sanções abre um espaço


discricionário para o legislador a exigir exauriente fundamentação para não se
configurar arbitrio, assina Osório15:

A natureza jurídica do “apenado” na seara administrativa e as sanções


previstas na Lei Anticorrupção não dialogam com o princípio da preservação da
empresa e o escopo da norma declinado na exposição de motivos16 nos seguintes
termos:

Importante destacar que a proposta leva em consideração os


princípios da conservação da empresa e da manutenção das
relações trabalhistas ao estabelecer as sanções administrativas e
civis, princípios de extrema importância especialmente no
quadro atual de crise econômica mundial. No âmbito
administrativo, por exemplo, o anteprojeto estabe1ece
parâmetros claros para a aplicação da sanção de multa,
instituindo limites mínimos e máximos para o seu valor, de
forma a contemplar a realidade de faturamento tanto de
pequenas e médias empresas, como de grandes empresas,
inclusive, exportadoras. Na esfera judicial, são previstas

Horizonte, ano 12, n. 47, p. 33-43, out./dez. 2014. Disponível em:
<http://cadernosdedereitoactual.es/ojs/index.php/cadernos/article/viewFile/221/137>. Acesso em: 14
out. 2017.
15
OSÓRIO, Fábio Medina. Lei anticorrupção dá margem a conceitos perigosos. Disponível em:
<https://www.conjur.com.br/2013-set-20/lei-anticorrupcao-observar-regime-direito-administrativo-
sancionador>. Acesso em: 14 out. 2017.
16
BRASIL. Projeto de Lei nº 6.826-A, de 2010. p. 12. Disponível em:
<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=466400>. Acesso em:
14 out. 2017.

30

CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

hipóteses específicas cuja gravidade justifica amplamente a


sanção de dissolução compulsória da empresa.
A implementação de políticas de combate à corrupção em âmbito
internacional tem como principio norteador promover a segurança das relações
comerciais e evitar a evasão de investimentos permitindo aos atores econômicos
exercerem suas atividades empresariais em ambiente concorrencial hígido.

O sistema sancionador incutido da Lei Anticorrupção introduz no


ordenamento jurídico brasileiro níveis de criminalização da atividade empresarial
que destoa do padrão internacional a exemplo do adotado no âmbito do FCPA e vai
de encontro ao intuito de preservação da empresa manifestado na exposição de
motivos.

A incompatibilidade do rigor punitivo com o princípio da preservação da


empresa destaca-se pontualmente, a fixação da multa do inciso I com base no
faturamento bruto do exercício anterior a instauração do processo administrativo, a
obrigação de reparação integral do dano, a inscrição no cadastro de empresas
punidas e os danos à imagem da empresa advindos dessas sanções, com repercussão
direta no resultado econômico da atividade empresarial.

Jorge Silveira e Saad Diniz17 criticam o caráter moralista administrativo das


sanções:

Esta restrição de direitos, acentuadamente marcada pelo


moralismo administrativo, é reforçada pelo registro no
Cadastro Nacional de Empresas inidôneas e Suspensas e do
Cadastro Nacional de Empresas Punidas (Capitulo V), que
pode vulnerar ainda mais o já estável mercado brasileiro. Bem
ao contrário, seria precisamente a empresa envolvida em
contexto de corrupção a merecer maior cuidado na
intervenção do Estado. Seria como se estivesse propondo que
justamente em contextos mal estruturados deveria o Estado
intervir para capacitá-lo e oferecer alternativas inovadoras às
infrações econômicas.
Há de se perquirir da efetividade pedagógica da divulgação da penalidade e da
manutenção da empresa em cadastros de empresas punidas para a não reincidência


17
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge; SAAD-DINIZ, Eduardo. Compliance, Direito Penal e Lei
Anticorrupção. São Paulo: Saraiva, 2015. p 326.

31

CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

das infrações, bem como da razoabilidade da imposição das intituladas sanções de


vergonha que dificultam a retomada da atividade produtiva.

Diogo de Figueiredo e Flávio Amaral18 destacam que a norma sancionatória


deve ser aplicada com observância da razão, de maneira moderada, equilibrada e
harmônica.

Impõe-se ainda refletir se a opção legislativa pela sistemática do controle que


amplia os tipos penais e enrijece a capacidade punitiva do Estado é mecanismo
eficiente para limpeza ética do sistema e promoção do desenvolvimento econômico
sustentável.


18
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. A principiologia no direito administrativo sancionador.
Revista Eletrônica de Direito do Estado, Salvador, n. 37, jan./fev./mar. 2014. Disponível em:
<http://www.direitodoestado.com.br/rede/edicao/37>. Acesso em: 22 out. 2017.

32

CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

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out. 2017.

34

CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

AS RELAÇÕES ENTRE COMPLIANCE E O PROGRAMA PROFIP

Victor Lima Duque Estrada1

Resumo

Estudo com o objetivo de demonstrar as relações conceituais e práticas entre


os programas de compliance e do recém-criado PROFIP (Programa de Fomento a
Integridade Pública), por meio de seus princípios, sistemas e instituições comuns.
Explanação das origens, fundamentos, aplicações, mecanismos e termos de ambos os
programas. Uma análise comparativa de seus pressupostos e pacotes de medidas,
objetivando encontrar suas semelhanças, diferenças e vínculos. Exploração das
diferentes definições de “programas de compliance”, por diferentes autores, fontes,
estudos, instituições e legislações. Apresentação do PROFIP, seus objetivos e
métodos programados pela CGU (Ministério da Transparência e Controladoria-
Geral da União), juntamente com uma detalhada explicação de seus eixos
fundamentais, princípios, mecanismos e regras. Demonstração de casos concretos de
órgãos e entidades que resolveram pela adesão ao PROFIP, seus objetivos, vantagens,
encargos e implementações necessárias para a devida assinatura ao programa.
Observação pela importância dos dois institutos na presente realidade sócio cultural
de combate à corrupção e crimes contra o patrimônio público. Contemplação pela
inevitabilidade da criação dos programas, uma vez observados o clamor público e a
necessidade de uma resposta eficiente e incisiva à problemática dos crimes de
corrupção. Breve exposição dos métodos e embasamentos utilizados pela CGU para
a criação do PROFIP, ilustrando seus pacotes de medidas, princípios e mecanismos
aplicados na criação do programa. Alcançando a conclusão que é cristalina a
inspiração e embasamento dos princípios e fundamentos do PROFIP pelos
programas de compliance.Há uma clara visão administrativo e civil nos institutos do
PROFIP, buscando eficácia, efetividade, integridade e ética dos órgãos e entidades do
Poder Executivo.
Palavras-chave: Compliance. Integridade. PROFIP.


1
Renan Emanuel Rocha Melo é advogado e sociólogo formado pela Universidade de Brasília – UnB,
atualmente faz pós-graduação em Direito Público pelo Centro Universitário de Brasília –
UniCEUB/ICPD, e-mail: advoc.renan.rocha@gmail.com

35

CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

Abstract

Study with the objective of demonstrating the conceptual relations and


practices between the Compliance programs and the newly created PROFIP (Public
Integrity and Promotion Program), by the means of its principles, systems and
institutions are common between the two programs. Explanation of program’s
origins, foundations, applications, mechanisms and terms. A comparative analysis of
its assumptions and packages of measures, with the objective of finding similarities,
differences and links. Exploration of the different definitions of “compliance
programs”, by different authors, sources, studies, institutions and legislations.
PROFIP’s presentation, its objectives and methods programed by the CGU
(Brazilian Ministry of Transparency, Supervision and Control), with a detailed
explanation of its fundamental axis, principles, mechanisms and rules.
Demonstration of concrete cases where public agencies and entities agreed with
POFIP’s terms of accession, its objectives, vantages, charges and necessary
implementations for the program’s proper signature. Observation for the
importance of the two institutes in the present social and cultural reality of a battle
against corruption and crimes that involve public money. Contemplation about the
inevitable creation of these two programs, once observed the public outcry and the
necessity of an efficient and incisive answer against the corruption crimes
problematic. A brief exposition of the methods and technical foundations utilized by
the CGU to create the PROFIP, illustrating its action packages, principles and
mechanisms applied in its creation. Reaching the conclusion that it’s crystalline the
inspiration and foothold that PROFIP’s principles and foundations took from the
compliance programs. There is a clear administrative and civil vision in PROFIP’s
institutes, searching for efficiency, effectiveness, integrity and ethics of the Executive
Power’s public agencies and entities.
Keywords: Compliance. Integrity. PROFIP.

1 INTRODUÇÃO AO CONCEITO DE COMPLIANCE

No contexto histórico brasileiro, o debate pela responsabilização civil,


administrativa e criminal de pessoas jurídicas foi iniciado pela promulgação da
Constituição Federal em 1988, quando a Carta Magna fez duas remissões à esta
espécie de responsabilidade, especificamente em relação aos crimes ambientais e de
ordem econômica. O assunto foi reaberto, mesmo que de forma ínfima, somente em
1998 quando aprovado a lei que tratava sobre a lavagem de dinheiro, Lei nº 9.613, e
mesmo com sua reforma em 2012, a responsabilização de pessoas jurídicas não foi
tema muito explorado pela legislação brasileira. Foi então em 2013, com a aprovação

36

CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

da Lei Anticorrupção, que a responsabilização civil de empresas cujos funcionários


tenham praticado crimes contra a Administração Pública finalmente se tornou
viável. Nos termos destas considerações temporais, Silveira pondera que a influência
internacional teve papel decisivo na evolução e avanço conceitual sobre a
responsabilização de pessoas jurídicas no Brasil, abrindo as portas para a entrada do
importantíssimo conceito de compliance:2

Finalmente em 2013, aprovou-se uma lei, alcunhada de Lei


Anticorrupção, acerca da responsabilidade civil de empresas
cujos funcionários tenham praticado crimes contra a
Administração pública. Aqui sim, são postas previsões acerca
de programas de compliance. Considerando-se toda a
evolução do conceito de criminal compliance em âmbito
europeu e espanhol, com as significativas mudanças
legislativas em 2003 e depois em 2010, o quadro comparativo
se explica por completo. Ao que parece, a opção brasileira foi
sim, voluntária.

Os programas de compliance representaram um mecanismo que enriquece e


torna mais efetiva a possibilidade de celebração de acordos de leniência, protegendo
e reduzindo riscos das pessoas jurídicas que ddiligentemente aderem aos programas,
pois, assim como nas palavras de Carlos Henrique e Bruno Carneiro3:

[...]pessoas jurídicas diligentes e que se preocupam em atuar de


forma ética - tendo, por exemplo, um programa de complíancé
robusto -, mas que ainda assim estão suscetíveis de serem
sancionadas por atos lesivos cometidos por seus funcionários
(ainda que contrários às determinações da pessoa jurídica),
possam ter suas sanções reduzidas caso optem por celebrar um
acordo de leniência.
Nesta perspectiva, o compliance se demonstra como uma das mais
importantes ferramentas de um acordo de leniência, pois seus pressupostos estão
altamente ligados ao combate e repressão de práticas ilegais de crimes e corrupção
no âmbito das responsabilizações de pessoas jurídicas, uma vez que os acordos de
leniência são um dos meios mais eficazes utilizados modernamente para esse


2
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Compliance, direito penal e lei anticorrupção. São Paulo: Saraiva,
2015.
3
SOUZA, Jorge Munhós de; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro. Lei Anticorrupção e temas de compliance.
Bahia: JusPodvm. 2015.

37

CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

combate, em outras palavras, a prática de compliance se demonstra como mecanismo


eficaz de reforço e garantia de um acordo de leniência4:

[...]a razão de existir do acordo de leniência o faz convergente


com a adoção obrigatória de programas de compliance, não
para extirpar do mercado as sociedades empresárias que se
deixaram enredar em más práticas, mas para destas livrá-las e
habilita-las a honrar, com a seriedade devida, os compromissos
com a sua função social, outro dos princípios norteadores da
ordem econômica proposta pela Carta Fundamental, sob
inspiração do máximo e essencial valor da dignidade da pessoa
humana.
Em seu artigo 7, inciso VIII, a lei Anticorrupção, Lei n° 12.846/2013, prevê
que procedimentos e mecanismos internos de integridade poderão ser adotados, no
procedimento de sanção das partes condenadas com embasamento nesta Lei, assim
como auditorias, incentivos à denúncias de irregularidades e aplicações efetivas de
códigos de ética, ou seja, uma vez que a lei condena ela também concede o benefício
da atenuação, isto é, para as empresas que efetivamente inserirem procedimentos de
repressão à corrupção, procedimentos estes que incluem canais de ouvidoria,
aplicação de códigos de ética, entre outras mediadas.5

Em 2014, em entrevista à Carta Capital, o ministro-chefe da CGU, Jorge


Hage, proferiu as seguintes palavras que elucidam sobre as utilidades e importância
dos programas de compliance para a Lei Anticorrupção no contexto brasileiro6:

A lei vai contribuir com a mudança de atitude e mentalidade


do empresariado brasileiro. E já temos os primeiros sinais
disso, antes da mesmo da lei entrar em vigor. Percebemos o
interesse das empresas em se preparar, em instaurar
mecanismos de compliance [integridade] e códigos de
conduta. Os empresários estão ansiosos para saber qual vai ser
a exigência de administração pública. [...]os dirigentes da
empresa vão ser os maiores vigilantes interessados em cuidar
para que não aconteça a prática de nenhum desses atos
previstos na lei.


4
PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres; MARÇAL, Thaís Boia. Compliance e Acordo de Leniência são
convergência necessária para Brasil crescer. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2017-jan-
28/compliance-acordo-leniencia-sao-convergencia-necessaria>. Acesso em: 11 set. 2017.
5
BRASIL. Lei n° 12.846, de 1 de agosto de 2013. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.brccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm>. Acesso em: 11 set. 2017.
6
LOCATELLI, Piero. Lei Anticorrupção vai mudar a atitude do empresariado brasileiro. Disponível
em: <https://www.cartacapital.com.br/politica/lei-anticorrupcao-vai-mudar-atitude-e-mentalidade-
doempresariado-brasileiro201d-2906.html>. Acesso em: 12 set. 2017.

38

CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

Entretanto, foi a aplicação de leis rigorosas em legislações anticorrupção no


cenário mundial que se apresentou como um dos grandes propulsores do instituto
do compliance no cenário internacional, onde, consequentemente, essa influência
seria fator determinante na conceptualização deste instituto no Brasil. Fatos estes
que ocorreram particularmente em decorrência da aplicação agressiva dos Estados
Unidos com o ForeingCorruptPracticesAct(FCPA) pela U.S Securities& Exchange
Comission(SEC) e pelo Departmentof Justice (DOJ), bem como pela disseminação de
importantes convenções internacionais de combate à corrupção, com manifestações
em diversos países na forma de novas legislações com a especifica finalidade de
represália aos atos de corrupção, por exemplo a Lei Anticorrupção UK Bribery Act de
2010 do Reino Unido, uma das mais fortes legislações nesse sentido do mundo por
ser aplicável aos agentes funcionários públicos e do setor privado.7

O conceito de complience programs teve sua origem e evolução expressiva nos


EUA, contudo, uma vez incorporados pela comunidade mundial através de sua
aplicação em diversos países, seus objetivos e forma foram de fato expandidos por
documentos e regras formatados por diversos órgãos interacionais, incluindo a
Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, a Convenção Interamericana
contra a Corrupção e a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários
Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, entre outros8.

Logo, por definição, em um contexto mundial, compliance programs são


“programas e políticas internas de decisões feitas por uma companhia para atender
os padrões estabelecidos pela regulação e leis de um governo”9. Em outras
palavras,complienceprograms possuem razão na prevenção de delitos econômicos
empresariais através de uma co-regulação estatal e privada.


7
DEBBIO, Alessandra Del; MAEDA, Bruno Carneiro; AYRES, Carlos Henrique da Silva. Temas de
Anticorrupção e Compliance. São Paulo: Campus Elsevier, 2013.
8
RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Compliance e Lei Anticorrupção nas Empresas. Disponível em:
<https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/52/205/ril_v52_n205_p87.pdf>. Acesso em: 15 set. 2017.
9
INVESOPEDIA. Compliance Program. Disponível em: <http://www.investopedia.com/terms/c
/compliance-program.asp.>. Acesso em: 07 set. 2017.

39

CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

Não obstante, o “FCPAméricas Blog”, no contexto de aplicação das


prerrogativas da FCPA (ForeignCorruptPracticesAct), classifica compliance como10:

[...]é um programa de compliance anticorrupção, ou seja, um


sistema corporativo de controles, proibições e procedimentos
internos para garantir que a empresa cumpra as leis de
combate à corrupção. Esses programas são direcionados para
prevenir, detectar e lidar com eventuais desvios ou falhas de
conformidade que possam ocorrer.
Para o Direito Penal brasileiro, as práticas de compliance dizem respeito às
medidas que exigem um comportamento consoante com suas regras e proibições,
estabelecendo entendimento, parâmetros e medidas adotadas consoantes pelo
próprio ramo do direito brasileiro:11

[..] de maneira geral, refletem uma ideia de auto regulação


regulada de pessoa jurídicas vistas como empresas com o
propósito básico de se evitar o cometimento de ilícitos.
Em matéria de anticorrupção, as práticas de compliance tem figurado como
uma das mais importantes medidas para a repressão de práticas criminosas, onde
grande parte das empresas, particularmente as que possuem operações
multinacionais, têm realizado seus negócios no permear de estruturas e programas
de compliance voltados à prevenção e a detecção de desvios de conduta, bem como
na remediação de eventuais problemas identificados.12

Sob uma análise mais extensa dos seus conceitos e utilidades, para Silveira, o
compliance configura-se em verdadeiro dever da parte, uma vez no programa a
responsabilidade de comprimento dos seus parâmetros está apoiado por
mecanismos penais, ou seja, “tomaram-se as eventuais não correspondências aos
pro- gramas de compliance como sendo verdadeira infração de dever, o que tornaria


10
FCPAMÉRICA. Compliance. Disponível em: <http://fcpamericas.com/languages/portugues/complianc
e/#>. Acesso em: 12 set. 2017.
11
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Compliance, direito penal e lei anticorrupção. São Paulo: Saraiva,
2015
12
DEBBIO, Alessandra Del; MAEDA, Bruno Carneiro; AYRES, Carlos Henrique da Silva. Temas de
Anticorrupção e Compliance. São Paulo: Campus Elsevier, 2013.

40

CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

possível, mais claramente, a estipulação de responsabilidades penais a vários


acusados.”13.

Kuhlen entende compliance como sendo as medidas pelas quais as empresas


pretendem assegurar-se que sejam cumpridas as regras vigentes para elas e para seu
pessoal, e que, por igual, se descubram e se sancionam as eventuais infrações a tais
regras.14

Já Bernardo José Feijoo classifica compliance como protocolos específicos


através dos quais os governos corporativos estabelecem o marco e os meios para um
comportamento generalizado da empresa, tudo em respeito ao estabelecimento em
normas penais.15

Os conceitos de “ser compliance” e “estar em compliance” são diferentes para


o Comitê de Compliance (ABBI) e a Comissão de Compliance (FEBRABAN) por
uma questão:16

“Ser compliance” é conhecer as normas da organização, seguir


os procedimentos recomendados, agir em conformidade e
sentir quanto é fundamental a ética e a idoneidade em todas as
nossas atitudes. “Estar em compliance” é estar em
conformidade com leis e regulamentos internos e externos.
“Ser e estar compliance” é, acima de tudo, uma obrigação
individual de cada colaborador dentro da instituição.

Silveira aponta que os objetivos de um compliance estão ligados


intrinsicamente aos seus pressupostos e mecanismos, de maneira que a empresa ou
empresário que concorda em cumprir suas regulações tem total responsabilidade por
seu devido comprometimento:17

A meta de um complianceprogram mostra-se, claramente, que


de- vê-se individualizar a complexidade da empresa,

13
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Compliance, Direito Penal e Lei Anticorrupção. São Paulo: Saraiva,
2015
14
STRATENWERTH, Günter; Kuhlen. Lothar. Strafrecht, Allgemeiner Teil. Berlin: HeymannsVerlag,
2004.
15
FEIJOO SÁNCHEZ, Bernardo José. La persona jurídica como sujeto de imputación jurídico-penal. In:
BAJO FERNÁNDEZ, Miguel; FEIJOO SÁNCHEZ, Bernardo José; Gómez-Jara Díez, Carlos. Tratado
de responsabilidad penal de las personas jurídicas. Espanha: Civitas Aranzadi, 2012. p. 49-64.
16
FEBRABAN. Função de Compliance. Disponível em: <http://www.abbi.com.br/download/funcaode
compliance_09.pdf>. Acesso em: 10 set. 2017.
17
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Compliance, Direito Penal e Lei Anticorrupção. São Paulo: Saraiva,
2015.

41

CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

verificando-se as bases normativas solicitadas pelo Estado


conforme seja o campo de atuação a sofrer uma
autorregulação regulada. A partir de então, passa-se à
pretensão do sopesamento das questões de responsabilidade
pelo eventual non compliance, ou seja, pelo não cumprimento
dos deveres de vigilância.
Todavia, existem problemáticas e empecilhos na aplicação do instituto do
compliance no contexto brasileiro. Os mecanismos de administração no interior de
uma empresa, de atos criminosos que acontecem dentro da mesma, se demonstram
como uma possível barreira para a devida aplicação e comprometimento com o
compliance. Mas a configuração de inconvenientes em momento algum retira a sua
importância e imperatividade para o combate à corrupção, uma vez que, por
exemplo, o próprio descobrimento de fatos delituosos já demonstra dificuldade,
visto a cifra negra da criminologia (a expressão “cifras negras” refere-se à todos os
crimes que não chegam ao conhecimento policial, crimes estes praticados por
criminosos comuns ou pelo alto-escalão, crimes contra meio ambiente ou até crimes
que apesar de chegarem ao conhecimento das autoridades, são registrados massão
convertidos em processo ou ação penal)18, a importância do compliance se
demonstra ainda mais relevante então na perspectiva da detecção de ilícitos dentro
das empresas.

Ademais, a apuração de responsabilidades individuais é igualmente difícil de


se detectar: “Um bom exemplo, trazido por Kuhlen, é o caso Siemens, na Alemanha.
Maior empresa da área tecnológica daquele país, provou-se que durante décadas
mantinha contas em paralelo para pagamento.”19.

Neste sentido, a condenação de pessoas jurídicas, agentes de crimes de


corrupção por exemplo, no brasil ainda se mostra como uma problemática a ser
superada.


18
PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Manual Esquemático de Criminologia. São Paulo: Saraiva, 2015.
19
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Compliance, Direito Penal e Lei Anticorrupção. São Paulo: Saraiva,
2015.

42

CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

A responsabilização de pessoa jurídica é então imperativa frente a necessidade


do devido combate a corrupção e implementação de práticas de compliace efetivas20:

O que é fundamental se perceber é que, dada a lógica do


compliance program, somente se deveria imaginar uma
responsabilidade individual se houvesse – ainda que em tese –
a possibilidade de uma responsabilidade (penal ou
administrativa) da pessoa jurídica.

Em especial, entre outros problemas que podem impedir a devida aplicação


de um programa e compliance, o Brasil possui uma peculiaridade como obstáculo
para a efetivação do instituto, Paula Steiner, em artigo escrito para o Compliance
Review, explica essa problemática da seguinte forma:21

O cenário brasileiro reserva uma das maiores – senão a maior


– dificuldades para a implantação de um adequado e efetivo
programa de Compliance devido ao “jeitinho brasileiro”,
muito conhecido dentro do mundo corporativo, isto é, o
modus operandi de um indivíduo para improvisar eventuais
soluções a um problema, independentemente de diretrizes
legais ou morais.Com o “jeitinho”, as atividades das empresas
continuam a caminhar, mesmo que não estejam seguindo as
normas e os procedimentos instituídos e as justificativas que
nos deparamos são das mais variadas: (i) “todo mundo faz”;
(ii) “se eu não fizer perderei mercado”; (iii) “mas não é tão
grave assim”, dentre outras tantas.
Contudo, mesmo presentes essas barreiras acima descritas, a comunidade
internacional continuou a desenvolver seus programas de compliance. Foram então
desenvolvidas diferentes teorias e sistemas de programas que buscavam uma maior
factual efetividade e adimplência das empresas para com seus programas. Como os
programas de compliance são em sua natureza sistemas complexos e organizados,
compostos por diversos componentes, que para sua devida implementação devem
interagir com os componentes das empresas, esses componentes nos programas são
denominados pilares, verdadeiras bases de mecanismos e pressupostos asseguradores
de uma aplicação bem-sucedida de compliance nas empresas.


20
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Compliance, Direito Penal e Lei Anticorrupção. São Paulo: Saraiva,
2015.
21
COMPLIANCE REVIEW. A Fragilidade de Programas de Compliance no Brasil. Disponível em:
<http://compliancereview.com.br/fragilidade-programas-compliance/>. Acesso em: 11 set. 2017.

43

CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

Um dos programas que bem representa seus desses pilares necessários para
um compliance bem sucedido, ressaltando-se novamente a existência de outros
sistemas com outros componentes de compliance, é o apresentado pela LEC (Legal
Ethics Compliance), baseada nos requerimentos mínimos de um programa de
compliance de acordo com o §8b2.1 do Federal SentencingGuidelines(parâmetros e
regras utilizados pelo sistema judicial norte-americano para avaliar se uma
organização condenada, por sérios delitos e crimes no sistema de corte federal dos
Estados Unidos, possui programas de ética e compliance efetivos). Os pilares
garantidores de um programa de compliance efetivo de acordo com a LEC resumem
bem o que é adotar medidas e mecanismos em uma empresa com a finalidade de ser
compliance:22

1- Suporte da alta administração, onde os líderes da


organização devem incorporar os princípios desse programa e
praticá-los sempre, não só como exemplo, mas também para
transformar, de fato, sua empresa em um agente ético e
íntegro.
2- Avaliação dos riscos, pois o código de conduta, as políticas e
os esforços de monitoramento deverão ser construídos com
base nos riscos que forem identificados como relevantes
durante esta fase de análise.
3- Código de conduta e políticas de compliance, uma
documentação que vai servir como formalização inicial
daquilo que é a postura da empresa em relação aos diversos
assuntos relacionados a suas práticas de negócios, e servira
como bússola que guiará- em conjunto com as ações e
exemplos da alta administração- seus funcionários para o
caminho de práticas éticas e legais (“compliant”) na condução
de suas atividades.
4- Controles internos, que são mecanismos, que, além de
minimizar riscos operacionais e de compliance, asseguram que
os livros e registros contábeis e financeiros reflitam completa e
precisamente os negócios e operações da empresa, conforme
requerido por diversos instrumentos, como FCPA e a Lei
Sarabannes-Oxley.
5- Treinamento e Comunicação, cada funcionário da empresa,
do chão de fábrica ao CEO, deverá entender os objetivos do
Programa de Compliance, as regras e, talvez o mais
importante, seu papel para garantir o sucesso do programa.
6- Canais de denúncias, onde esses canais forneçam aos
funcionários e parceiros comerciais uma forma de alertar a


22
SERPA, Alexandre; SIBILLE, Daniel. Os pilares do programa de compliance. Disponível em:
<http://conteudo.lecnews.com/ebook-pilares-do-programa-de-compliance>. Acesso em: 19 set. 2017.

44

CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

empresa para potenciais violações ao Código de Conduta, a


outras políticas ou mesmo a respeito de condutas inadequadas
de funcionários ou terceiros que agem em nome da empresa.
7- Investigações internas, pois as empresas devem possuir
processos internos que permitam investigações para atender
prontamente às denúncias de comportamentos ilícitos ou
antiéticos, garantindo que os fatos sejam verificados,
responsabilidades identificadas e, em sendo necessário, definir
as sanções e ações mais apropriadas e consistentes a serem
aplicadas, não importando o nível do agente que as causou.
8- Duediligence, ou seja, a necessidade da empresa ter um
sério compromisso com o cumprimento da lei e com a
integridade corporativa, é o ser empenhado em implementar
um programa de compliance efetivo e fazer a coisa certa, seja
em relação aos seus agentes ou terceiros com os quais se
relaciona.
9- Auditoria e monitoramento, é necessário implementar um
processo de avaliação constante, chamando monitoramento,
bem como auditorias regulares, que visem identificar se os
diversos pilares do programa de compliance estão
funcionando conforme planejado, se os efeitos esperados da
conscientização dos funcionários estão se materializando na
companhia e se os riscos identificados previamente estão
sendo controlados como previsto
Silveira conclui que é de suma importância a aplicação dos programas de
compliance por livre e consciente iniciativa pelas próprias empresas, mas em
contraponto, de acordo com o autor, a responsabilidade por essa implementação, ou
eventual quebra do programa, deve recair toda sobre as pessoas físicas pelas quais
são responsáveis pela empresa, configurando assim a necessidade de
responsabilização pessoal pelo cumprimento do programa de compliance:

As empresas, por sua parte, assumem essa delegação mediante


a adoção de medidas de autorregulação (regulada),
genericamente tidas como programas de cumprimento.
Compliance – frisa o Catedrático de Barcelona – significa,
assim, autovigilância. Nessa medida, e entendendo que o
compliance vai além das medidas de simples vigilância, a sua
cultura se finca em uma variante da prevenção geral positiva,
recordando Welzel e o fomento aos valores ético-sociais como
via de proteção de bens jurídicos.298

2 CONCEITUALIZAÇÃO E PRESSUPOSTOS DO PROFIP

45

CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

Instituído pela Portaria n° 784, de 28 de abril de 2016, o Programa de


Fomento a Integridade Pública (PROFIP) é uma manifestação do objetivo da
Controladoria Geral da União em orientar e capacitar órgãos, autarquias e fundações
do Poder Executivo (administração direta, autárquica e fundacional) a implementar
programas de integridade23.

Conforme o parágrafo único do artigo 1° da Portaria, a inscrição ao PROFIP


se trata de ação voluntária por parte do participante, sendo realizada mediante a
adesão por autoridade máxima do ente público, ou seja, os próprios órgãos e
entidades ao aderirem voluntariamente ao programa são incumbidos com o dever de
adequarem seus quadros de integridade aos riscos específicos da organização,
principalmente no relacionamento com o setor privado, objetivando o combate e
prevenção da corrupção por meio da construção de planos de integridade.24

Os conjuntos de mecanismos, procedimentos, termos e pressupostos para a


adesão do PROFIP, concretizando o devido controle, prevenção, detecção e
remediação de fraudes, irregularidades e desvios de conduta, deveres estes dos
inscritos, são colocados, pelo artigo 2° da Portaria, da seguinte forma:

I – comprometimento e apoio da alta direção; II - definição e


fortalecimento de instâncias de integridade; III - análise e
gestão de riscos; IV - estratégias de monitoramento contínuo.

Neste sentido, o órgão ou entidade desenvolvera, juntamente com a CGU, o


seu plano de integridade, da mesma forma que o gerenciamento dos padrões de ética
adotados, estratégias de capitação e treinamento para remediação e combate aos
desvios. Estas medidas serão construídas e tomadas sistematicamente em união entre
o signatário e o órgão de controle, na forma de plano de integridade, implementado
e avaliado por meio de metas e aprimoramentos de forma continua25.


23
BRASIL. Controladoria-Geral da União. Portaria n. 784, de 28 de abril de 2016. Disponível em:
<http://www.cgu.gov.br/sobre/legislacao/arquivos/portarias/portaria_cgu_784_2016.pdf>. Acesso em:
10 set. 2017.
24
BRASIL. Controladoria-Geral da União. Programa de Fomento à Integridade Pública (Profip).
Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/assuntos/etica-e-integridade/profip>. Acesso em: 10 set. 2017.
25
BRASIL. Controladoria-Geral da União. Manual para Implementação de Programas de Integridade
Orientações para o setor público. Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/etica-e-
integridade/arquivos/manual_profip.pdf>. Acesso em: 11 set. 2017.

46

CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

A CGU toma então papel de capacitor e orientador aos órgãos e entidades


que, por meios oficiais, vão manter em constante aplicação, monitoramento e
renovação seus programas de integridade, determinados pelas seguintes ações e
medidas elencadas no artigo 3°:

I - Criação e aprimoramento de padrões de ética e de conduta,


além de demais políticas, normas e procedimentos que forem
necessários;
II - Ações de comunicação, cursos e treinamentos efetivos para
disseminação das normas e conteúdos de que trata o item
anterior;
III - Aprimoramento e institucionalização de canais de
denúncias e de fluxos e processos para seu tratamento;
IV - Aprimoramento e institucionalização dos procedimentos
e instâncias responsáveis pelas ações de responsabilização
disciplinar;
V - Implementação de outras ações de remediação necessárias,
que contemplem o constante aprimoramento de processos de
trabalho.
Ademais, o termo de adesão ao programa de fomento à integridade pública se
encontra na Portaria n° 784, onde mais de 27 órgãos e entidades já aderiram ao
PROFIP, por exemplo o Ministérios do Transportes e o DNIT.26

Ao assinar ao termo de adesão do PROFIP, na data de 4 de maio de 2017, o


Ministério dos Transportes aderiu ao programa com o compromisso e objetivo de
incentivar e capacitar seus quadros de pessoal a implementarem programas de
integridade, buscando melhorias das normas e procedimentos adotados na gestão do
órgão. Os órgãos vinculados ao Ministério do Transporte também deverão adotar as
medidas do programa no futuro, a implementação deve ser feita de maneira gradual
para seus inferiores hierárquicos, pois, assim como o assessor de controle Interno
admite, o Ministério só tomou a decisão de aderir ao programa uma vez que
confirmou possuir meios para cumprir o termo juntamente com o importante
auxílio da CGU:27


26
BRASIL. Controladoria-Geral da União. Adesões ao PROFIP. Disponível em:
<http://www.cgu.gov.br/noticias/2017/07/programa-de-fomento-a-integridade-recebe-adesao-da-
secretaria-de-agricultura-familiar/adesoes-ao-profip.pdf/view>. Acesso em: 11 set. 2017.
27
BRASIL. Ministério dos Transportes. Ministério dos Transportes adere ao Programa de Fomento à
Integridade Pública. Disponível em: <http://www.transportes.gov.br/ultimas-noticias/3635-
minist%C3%A9rio-dos-transportes-adere-ao-programa-de-fomento-%C3%A0-integridade-
p%C3%BAblica.html>. Acesso em: 19 set. 2017.

47

CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

[...]segurança e maturidade para enfrentar o desafio que deverá


contar com o esforço individual e coletivo de servidores e
gestores, para que a Pasta cumpra suas atribuições de forma
adequada, imparcial e eficiente, com entregas de resultado
esperados pela sociedade. Para auxiliar em nosso escopo, já
contamos com as atividades desenvolvidas pela Corregedoria,
pela Comissão de Ética, além do diálogo permanente com
gestores. O Ministério dos Transportes tem avançado neste
processo e agora consolidará, em um programa próprio, estas
iniciativas, absorvendo o que já foi implantado. [...] para a
mudança comportamental e cultural definitiva, será preciso
tempo, paciência e participação transversal e bidirecional,
entre servidores e gestores. A CGU, por meio do Profip, dará
as coordenadas de forma macro, para que os órgãos possam
então adequar as regras a sua própria realidade, público e
peculiaridades. Estamos adiantados neste processo. Mas é será
necessária a participação de todos, de forma continuada para o
êxito do programa.
No caso do DNIT, com termo assinado em 12 de maio de 2017, a entidade
aponta pela importância deste incentivo à integridade criado pela CGU, orientando e
capacitando órgãos e entidades a implementarem programas de integridade,
aplicáveis aos órgãos e entidades da administração pública. Por meio da adesão ao
programa, o DNIT se comprometeu em criar novos planos de integridade efetivos e
eficazes na prevenção da corrupção, incluindo medidas aplicáveis, cronogramas de
aplicação e implementação, avaliação de metas por indicadores e aprimoramento
contínuos, dessa forma identificando riscos de integridade existentes no órgão,
verificando as medidas existentes e integrando as áreas que atuam no combate a
corrupção, fortalecendo a integridade da entidade de modo amplo e efetivo. Na data
da assinatura do termo de adesão, o diretor-geral do DNIT afirmou em
manifestação:

Ao aderir ao PROFIP, o DNIT mostra claramente sua intenção


de fortalecer o controle dos processos de trabalho. Esta é uma
das maneiras de garantir à sociedade que o dinheiro público
está sendo usado de forma coerente. O DNIT lida com grande
volume de recursos, e temos todo o interesse de mostrar a
preocupação com a legalidade.

3 COMPARAÇÕES ENTRE OS PROGRAMAS

É incontestável a importância dos programas de compliance, principalmente


em matéria de anticorrupção, o assunto se configura de forma prioritária e

48

CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

imperativa no Brasil, consequência da crescente conscientização e pressão da


sociedade pela a tomada de ações belicosas em relação à corrupção por parte do
governo e agentes públicos. A tolerância da população para com crimes onde o
objeto tutelado seja o dinheiro público tem sido cada vez menor, o foco de atenção
da opinião pública está nas empresas com as quais o Estado mantenha relações e
negócios, demonstrando a necessidade por ações e programas governamentais
efetivos. Foi na procura pela solução destas problemáticas que as próprias leis e
programas internacionais que se apresentaram como medidas efetivas nesta
matéria:28

[...]muitas empresas brasileiras com atuação internacional e


muitas empresas constituídas no brasil e que integram grupos
multinacionais já se encontram sujeitas a rígidas legislações
estrangeiras que têm alcance extraterritorial, como é o caso do
FCPA e o UK BriberyAct.
Nesse cenário, em que o arcabouço jurídico de combate à
corrupção se torna mais rigoroso e as possíveis consequências
pela violação alcançam patamares bastante elevados, a
implementação de programas de Compliance se torna uma
necessidade praticamente inevitável.
Não obstante, o programa PROFIP trabalha com a prevenção e o combate de
corrupção em órgãos e entidades ligados ao Poder Executivo, promovendo-se como
um programa de anticorrupção eficaz, possuindo o ideal de garantir que seus
assinantes tenham assistência em estabelecer estratégias de capacitação e
treinamento, de atuação disciplinar e de remediação em casos de ocorrência de
desvios, medidas estas que consolidam o Plano de Integridade, devendo ainda
ajudar os signatários a implementarem mecanismos de fixação e de avaliação das
ações, por meio de indicadores objetivos. A própria CGU foi o primeiro órgão da
administração direta a aderir ao programa na forma de projeto piloto, assinado pelo
próprio ministro Luís Navarro, na data de 29 de abril de 2016, ocasião em que
afirmou:29


28
DEBBIO, Alessandra Del; MAEDA, Bruno Carneiro; AYRES, Carlos Henrique da Silva. Temas de
Anticorrupção e Compliance. São Paulo: Campus Elsevier, 2013.
29
BRASIL. Controladoria-Geral da União. CGU lança programa de incentivo à integridade para
ministérios. Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/noticias/2016/04/cgu-lanca-programa-de-
incentivo-a-integridade-para-ministerios>. Acesso em: 20 set. 2017.

49

CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

A CGU completa, com o Profip, o ciclo de iniciativas voltadas


à promoção da ética e da integridade nos setores público e
privado. Nessa linha, já havíamos adotado ações destinadas às
empresas privadas, inclusive as de pequeno e médio porte, em
parceria com o Sebrae, e para as empresas estatais. Agora,
estamos estendendo essas ações para a administração direta.
[...]escolhemos a própria CGU para dar início ao programa
para servir de exemplo e estímulo aos demais órgãos.
De acordo com Bruno Carneiro,em uma interpretação ligada ao contexto das
leis e programas brasileiros, os elementos essenciais de um programa de compliance,
ou seja, os pilares necessários para que um programa possua eficácia em matéria de
anticorrupção no Brasil, são configurados em cinco principais aspectos:

1- Suporte da Administração e Liderança. Conhecido também


como “top levelcommitment”, é o comprometimento e suporte
da alta administração da empresa;
2- Mapeamento e Análise de Riscos. Sendo fundamental que a
empresa conheça e entenda as principais áreas de risco a que
está exposta em suas atividades e nos mercados em que atua;
3- Políticas, Controles e Procedimentos. Configurando-se no
desenvolvimento de regras, controles e procedimentos
objetivando minimizar a possiblidade de práticas de condutas
ilícitas;
4- Comunicação e Treinamento. Onde através de programas
de treinamento efetivos da disseminação de informações
relevantes cada empregado estará mais preparado;
5- Monitoramento, Auditoria e Remediação. Pois é necessário
verificar se todos os funcionários e empregados estão
cumprindo as regras e códigos.

Em contraparte, são quatro os eixos do PROFIP, colocados pela CGU para


serem os elementos-chave do programa que desenvolverão as ações e medidas que
darão conteúdo ao mesmo, necessários para dar suporte às ações e medidas que irão
constituir o seu conteúdo:30

1- Comprometimento e apoio da alta Direção. Significa o


completo e estrito comprometimento e apoio da alta direção
do órgão público [...] para o fomento de uma cultura ética, de
respeito às leis e de implementação das políticas de
integridade, é condição indispensável para criação e
funcionamento de um programa de integridade.
2- Instância Responsável. Configura-se em uma instância
designada com autonomia, independência, imparcialidade,

30
BRASIL. Controladoria-Geral da União. Manual para Implementação de Programas de Integridade:
orientações para o setor público. Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/etica-e-
integridade/arquivos/manual_profip.pdf>. Acesso em: 11 set. 2017.

50

CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

recursos materiais, financeiros e humanos necessários ao


desempenho de suas atribuições funcionais, incumbida pelo
acompanhamento, monitoramento e gestão das ações e
medidas de integridade a serem implementadas.
3- Análise de Riscos. Traduz-se na imperativa e contínua
identificação, análise e avaliação dos riscos aos quais os órgãos
e entidades públicas estejam vulneráveis, entendendo-se como
“risco” toda possibilidade de ocorrência de um evento que
venha a ter impacto no cumprimento dos objetivos de uma
organização.
4- Monitoramento contínuo. A política de acompanhamento e
monitoramento no programa de integridade é vital para o
objetivo de dar dinamismo e promover constante atualização
de suas iniciativas, ajustando-as conforme novas necessidades,
riscos e processos da instituição no decorrer do tempo, onde a
reavaliação ininterrupta é importante para que tais ajustes
ocorram.
Por meio do PROFIP, a CGU espera que os órgãos e entidades melhorem a
compreensão sobre o tema da integridade, bem como iniciar um processo de gestão
com base nos quatro eixos juntamente com a e orientação da própria Controladoria.

4 CONCLUSÃO

É notória a presente e sedimentada problemática da corrupção na nação


brasileira, a percepção de suas consequências e mazelas cresceu exponencialmente
após processo de redemocratização do país, nunca antes a sociedade clamou tanto
por esforços e ações que pratiquem seu combatam ou ao menos minimizem essas
práticas criminosas. Todavia, como já observado, o Brasil, apesar de ter avançado na
temática de anticorrupção, não tratou aprofundou o assunto sob a óptica da
responsabilidade penal da pessoa jurídica, preferindo um embasamento sob a luz da
esfera administrativa e civil. Os programas de compliance aplicados no Brasil são
expressão desta espécie de visão, onde os programas de integridade das empresas
apresentam uma programação mais ligada aos mercados e seus riscos, ao invés de
buscar uma formatação jurídica assumindo postura de criminal compliance que
objetive a responsabilidade empresarial31.


31
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Compliance, direito penal e lei anticorrupção. São Paulo: Saraiva,
2015.

51

CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

O diálogo trazido pelo PROFIP é claramente inspirado nesta óptica,


apresentando-se como uma ferramenta administrativa que melhora a eficiência e
integridade de órgãos e entidades. As influências dos sistemas de compliance são
cristalinas quando observados os quatro eixos nos quais o PROFIP se fundamenta,
eixos estes baseados nos mesmos princípios e fundamentos de compliance, como o
suporte administrativo, a previsão e controle de riscos, as políticas de aplicação e
controle das regras internas e externas, a comunicação e treinamento de pessoal e
monitoramento e a correção de ações. As adoções de programas de integridade
possuem exatamente essa natureza, atribuindo uma identidade própria aos
instrumentos, controles e atividades ligados à gestão de riscos de fraude e corrupção,
criando um comprometimento formal das instituições com a integridade trazendo
uma espécie de “[...]objetivo de criação de uma cultura corporativa baseada na ética,
que paute tanto as atitudes dos colaboradores, como aquela esperada de terceiros
com que se relacione”.32

Logo, por meio do PROFIP, a CGU traz ao âmbito da Administração Pública


Federal padrões e mecanismos típicos de compliance, capacitando, orientando e
auxiliando a implementação e adoção de ações planejada voltadas à promoção da
ética e da integridade no serviço público. No processo de adesão ao PROFIP, uma
exemplificação de um mecanismo típico de compliance adotado pela CGU é a
exigência, antes mesmo da assinatura do termo de adesão, de padrões mínimos de
ética e de conduta, comunicação e treinamento de funcionários, canais de denúncias
e ações de controle e ações de remediação e aprimoramento dos processos de
trabalho.33

Conclui-se que a adoção de ambos os programas abordados neste estudo, em


uma análise contextual contemporânea, possui suas razões na necessidade social e
administrativa por procedimentos e mecanismos eficazes destinados ao combate e


32
BRASIL. Controladoria-Geral da União. Guia de implantação de programas de integridade nas empresas
estatais. Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/etica-e-
integridade/arquivos/guia_estatais_final.pdf>. Acesso em: 21 set. 2017.
33
BRASIL. Controladoria-Geral da União. CGU lança programa de incentivo à integridade para
ministérios. Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/noticias/2016/04/cgu-lanca-programa-de-
incentivo-a-integridade-para-ministerios>. Acesso em: 20 set. 2017.

52

CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

prevenção de condutas ilícitas. Consequentemente, observada a natureza de seus


pressupostos e sistemas pelos quais cada um se fundamenta, quando realizados de
modo efetivo, a adoção de compliance e a adesão ao PROFIP contribuem
significativa para o processo de mudança cultural, comportamental e ética, seja em
uma empresa, órgão ou entidade. Ambos os programas caminham para a direção a
não tolerância à corrupção.34


34
DEBBIO, Alessandra Del; MAEDA, Bruno Carneiro; AYRES, Carlos Henrique da Silva. Temas de
Anticorrupção e Compliance. São Paulo: Campus Elsevier, 2013.

53

CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

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56

CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

ACORDOS DE LENIÊNCIA E DE COLABORAÇÃO PREMIADA: UM


ESTUDO SOBRE AS SEMELHANÇAS ENTRE OS INSTITUTOS E A
IMPORTÂNCIA DA ATUAÇÃO CONJUNTA DESTES PARA O COMBATE À
CORRUPÇÃO

Luiz Augusto Curado Júnior1

Resumo

O presente artigo aborda os institutos jurídicos do acordo de leniência,


previsto na Lei n. 12.846/2013, e da colaboração premiada, previsto na Lei n.
12.850/2013. Ambos os acordos são apresentados por intermédio de sua definição,
natureza jurídica e características principais, oportunidade onde se explica em qual
ramo do Direito cada acordo pertence. É traçada uma linha de evolução legislativa
pela qual se passa a conhecer as legislações nacionais que inspiraram a criação desses
institutos. São tecidas considerações acerca dos procedimentos a serem seguidos
pelos colaboradores, os órgãos estatais competentes para celebrar os acordos, os
requisitos a serem preenchidos pelas propostas, os efeitos do ajuste e os benefícios
legais que os pactuantes fazem jus, no caso do cumprimento integral do trato
firmado. Após, é apresentada uma série de críticas favoráveis e contrárias ao uso dos
dois institutos, dentre as quais está a discussão acerca da ética da iniciativa do Estado
de barganhar com infratores a redução de penalidades a serem impostas em troca de
informações e documentos que possam auxiliá-lo no combate à corrupção.
Palavras-chave: Acordo de Leniência. Colaboração premiada. Combate à corrupção.

Abstract

This article consider the legal institutes of the Leniency Agreement, according
to Law No. 12,846/2013, and the plea-bargaining agreement, established in Law No.
12,850/2013. The study consider both institutes definitions, legal nature and main
characteristics, in order to develop about which branch of Law each agreement
belongs. This study describes the legislative development, for the purpose of
understanding the national legislations that inspired the creation of these institutes.
This paper also make some considerations about the legal proceedings that
collaborators and State’s legal staff must follow in these agreements, as well the
agreement effects and the legal benefits that both side hold due to the fulfillment of
the agreement. Afterwards, this paper critically analyzes the pros and cons of these


1
Aluno do curso de pós-graduação lato sensu de Direito Penal e Controle Social do Centro Universitário
de Brasília – UniCEUB/ICPD.

57

CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

two institutes, between them is the discussion about the ethical conflict for the State
purpose these agreements with law-breakers, that provides them a penalty reduction,
in exchange for information and documents that may help fight corruption.
Keywords: Leniency Agreement. Plea-bargaining Agreement. Fight against
corruption.

1 INTRODUÇÃO

Acordo de leniência e acordo de colaboração premiada são dois institutos


jurídicos que, como se verá, podem ser considerados irmãos, uma vez que ambos se
consubstanciam em ajustes celebrados entre pessoas infratoras - jurídicas ou físicas,
conforme o caso – e o Poder Público com o intuito de terem suas penalidades
reduzidas em troca de auxílio na investigação dos delitos em que estiveram
envolvidas.

O acordo de leniência de que trata este artigo é o previsto na Lei


Anticorrupção (LAC - Lei n. 12.846/2013) e o acordo de colaboração premiada tem
fundamento da Lei do Crime Organizado (LCO - Lei n. 12.850/2013).

Enquanto a Lei Anticorrupção (LAC) versa sobre a responsabilização


administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Administração
Pública nacional ou estrangeira, a Lei do Crime Organizado (LCO) delimita o
conceito da referida organização e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de
obtenção de prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal.

A iniciativa legislativa da LAC surgiu de compromissos internacionais


firmados entre diversos países para reprimir a conduta de empresas que atuam de
forma antiética em contratos com a administração pública. Dentre esses pactos estão
a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros
em Transações Comerciais Internacionais, de 1997 (promovida pela Organização
para a Cooperação Econômica e o Desenvolvimento – OCDE); a Convenção
Internacional contra a Corrupção, de 2002; e a Convenção das Nações Unidas contra
a Corrupção, de 20062.


2
SIMÃO, Valdir Moysés; VIANNA, Marcelo Pontes. O Acordo de Leniência na Lei Anticorrupção:
histórico, desafios e perspectivas. São Paulo: Trevisan Editora, 2017. p. 23.

58

CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

Visando seguir a tendência mundial, o Poder Executivo federal encaminhou,


em 2010, mensagem ao Congresso Nacional, propondo projeto de lei que passou a
tramitar na Câmara dos Deputados, sob o número de PL n. 6.826/2010 e que, após
uma série de emendas, resultou na Lei n. 12.843/2013, ora estudada.

A Lei do Crime Organizado (também conhecida como Lei da Colaboração


Premiada), n. 12.850/2013, revogou a Lei n. 9.034/1995, trazendo novos conceitos
em relação ao o que se deve ser considerada organização criminosa. A LCO
especifica, de forma bem completa, o procedimento a ser seguido para se obter
provas por meio da investigação.

A título de curiosidade, ambas as leis analisadas neste trabalho integraram o


Pacote Anticorrupção aprovado pelo Congresso Nacional em resposta aos protestos
populares que ocorreram no mês de junho de 2013 e ficaram conhecidos como
Manifestações de Junho ou Jornadas de Junho3. O incremento da velocidade na
aprovação desses projetos de leis é apontado por parte da doutrina como a causa de
algumas de suas imperfeições4.

Tecidas essas considerações, passa-se a analisar os institutos do acordo de


leniência e o da colaboração premiada, observando suas semelhanças e diferenças,
além do indubitável sucesso das investigações quando se obtém êxito na condução
em paralelo dessas duas figuras jurídicas.

2 ACORDO DE LENIÊNCIA DA LEI ANTICORRUPÇÃO (LEI N.


12.846/2013)

Tratar-se-á, inicialmente, de definir acordo de leniência, explicitando sua


natureza jurídica e características intrínsecas do instituto, conforme previsto nos
arts. 16 e 17 da Lei n. 12.846/2013.


3
GODOY, Marcelo; BRAMATTI, Daniel. Prisões por corrupção crescem. Disponível:
<http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,desde-2013-prisoes-por-corrupcao-crescem-
288,70001861023>. Acesso em: 1 nov.2017.
4
SIMÃO, Valdir Moysés; VIANNA, Marcelo Pontes. O Acordo de Leniência na Lei Anticorrupção:
histórico, desafios e perspectivas. São Paulo: Trevisan Editora, 2017. p. 28.

59

CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

O objetivo dessa análise inicial é melhor delimitar o conceito do acordo de


leniência no âmbito da legislação que o introduziu no mundo jurídico, de forma a
permitir sua melhor compreensão e tornar mais evidente a identificação de suas
semelhanças com o acordo de colaboração premiada.

2.1 Definição, natureza jurídica e características do Acordo de


Leniência

Leniência significa lenidade, abrandamento, suavidade, complacência. Vê-se,


com base nesse conceito, que acordo de leniência representa um pacto de
colaboração firmado entre o Estado e a pessoa jurídica que cometeu algum (ou
alguns) dos atos lesivos à Administração Pública nacional ou estrangeira, previstos
5
no art. 5º da LAC .

Tal ajuste pretende atrair para a pessoa jurídica infratora a redução das
penalidades previstas na LAC, em troca do oferecimento de informações e
documentos que permitam ao Estado, de forma célere, comprovar o ilícito sob
apuração e a identificar os demais envolvidos na infração.

Pode-se afirmar que o acordo de leniência tem a natureza jurídica de meio de


obtenção de provas, formalizado em um documento escrito, onde constam

5
Art. 5º: “Constituem atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, para os fins desta Lei,
todos aqueles praticados pelas pessoas jurídicas mencionadas no parágrafo único do art. 1o, que
atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração
pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, assim definidos: I - prometer,
oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele
relacionada; II - comprovadamente, financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a
prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei; III - comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa
física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos
atos praticados; IV - no tocante a licitações e contratos: a) frustrar ou fraudar, mediante ajuste,
combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público;
b) impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório público; c)
afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo;
d) fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente; e) criar, de modo fraudulento ou irregular,
pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo; f) obter
vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de modificações ou prorrogações de contratos
celebrados com a administração pública, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação
pública ou nos respectivos instrumentos contratuais; ou g) manipular ou fraudar o equilíbrio
econômico-financeiro dos contratos celebrados com a administração pública; V - dificultar atividade de
investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua atuação,
inclusive no âmbito das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro
nacional.” BRASIL. Lei n. 12.846, de 1 de agosto de 2013. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm>. Acesso em: 20 set. 2017.

60

CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

condições a serem cumpridas pela pessoa jurídica pactuante mediante uma


recompensa legal consubstanciada na atenuação das sanções administrativas que lhe
seriam aplicadas.

6
Marrara sintetiza bem as características inerentes ao acordo de leniência no
âmbito da LAC:

(i) constitui acordo de direito administrativo, diferentemente


da delação premiada, regida pelo direito penal; (ii) integra um
processo administrativo punitivo, convivendo com a via
unilateral de decisão estatal, ao contrário dos acordos de
cessação de prática ou de ajustamento de conduta que,
frequentemente, deflagram efeito substitutivo do processo; (iii)
pressupõe um comportamento pretensamente ilícito, ainda em
curso ou já cessado, e sempre desenvolvido em coautoria e (iv)
que a Administração Pública não detém condições de, por si
só, desenvolver com sucesso as atividades instrutórias no curso
do processo administrativo sancionador.

2.2 Inspiração legislativa do Acordo de Leniência da LAC

O acordo de leniência previsto na LAC é claramente inspirado no acordo


homônimo criado pela Lei n. 10.149/2000, que introduziu o art. 35-B na Lei n.
8.884/1994, que, por sua vez, dispunha sobre a transformação do Conselho
Administrativo de Defesa Econômica – Cade em autarquia e sobre a prevenção e
repressão às infrações contra a ordem econômica.

Esse novo dispositivo da Lei 8.884/1994, possibilitava que a União, por meio
da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça (SDE) celebrasse acordo
de leniência com a extinção da ação punitiva ou a redução de 1/3 a 2/3 da penalidade
aplicável, com pessoas físicas e jurídicas que tivessem praticado infração (ou
infrações) à ordem econômica, com a condição de que auxiliassem nas investigações
e no processo administrativo, atendessem aos termos do ajuste e que dessa
colaboração resultasse: a identificação dos demais coautores da infração e a obtenção


6
MARRARA, Thiago. Comentários ao art. 16. In: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella; MARRARA, Thiago
(Coord.). Lei Anticorrupção comentada. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 197.

61

CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

de informações e documentos que comprovassem a infração noticiada ou sob


investigação7.

A Lei n. 12.529/2011 (também conhecida como Lei Antitruste ou


Concorrencial), que revogou a Lei n. 8.884/1994, reestruturando o Sistema Brasileiro
de Defesa da Concorrência e dispondo sobre outras matérias, passou a estabelecer a
Superintendência-Geral do Cade como a responsável pela celebração do acordo de
leniência.

Vale registrar que o acordo de leniência da Lei Antitruste, instituído para


combater a prática de condutas anticoncorrenciais, restabelecendo a moralidade do
mercado, foi transposto, literalmente, para a LAC, que tem o intuito de desmantelar
os focos de corrupção no âmbito do setor público, restaurando a moralidade do
Estado8.

Mas, apesar de terem sido copiados os termos do acordo de leniência da Lei


Antitruste para a LAC, é importante se observar que o cumprimento do pactuado
pelo acordante lhe confere imunidade penal, o que não ocorre no âmbito da lei ora
estudada. Isso porque a LAC considera, isoladamente, a pessoa jurídica como sujeito
ativo do delito corruptivo, separando-a da pessoa de seus dirigentes, não cabendo,
assim, dispor sobre imunidade penal decorrente do pacto de leniência9.

2.3 Procedimentos para celebrar o Acordo de Leniência:


competência, requisitos, efeitos e benefícios

A LAC conferiu a capacidade para celebrar acordos de leniência, com as


pessoas jurídicas praticantes de atos lesivos contra a Administração Pública, à
autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública, desde que atendidas algumas
condições que serão analisadas no tópico seguinte.


7
PESTANA, Marcio. Lei Anticorrupção. Barueri: Manole, 2016, p. 152.
8
CARVALHOSA, Modesto. Considerações sobre a Lei Anticorrupção das Pessoas Jurídicas. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2015, p 373.
9
CARVALHOSA, Modesto. Considerações sobre a Lei Anticorrupção das Pessoas Jurídicas. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2015, p. 374.

62

CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

Como se trata de uma Lei Nacional, vale destacar que esse diploma legal é
aplicável aos 3 Poderes Públicos das 3 esferas de governo. Assim, deve ser observada,
por exemplo, pelo Poder Executivo de um Estado específico ou pela Câmara de
Vereadores de determinado Município, podendo, estes entes, vir celebrar acordos de
leniência.

No âmbito do Poder Executivo federal e no caso de crimes cometidos contra a


Administração Pública estrangeira, no entanto, a regra é que a competência para a
celebração dos acordos de leniência é da Controladoria-Geral da União (CGU).

10
Simão e Vianna acreditam que o legislador acertou ao estabelecer a CGU
como competente para a celebração do acordo de leniência quando se trata de crimes
cometidos contra a Poder Executivo federal e contra a Administração Pública
estrangeira. Isso se dá porque, segundo esses autores, a CGU é um órgão que reúne,
além da expertise, o conjunto de atribuições legais para melhor promover a
negociação de acordos e teria melhores condições de conduzir o processo, seja
promovendo a responsabilização administrativa das pessoas jurídicas ou agentes
públicos que viessem a ser descobertos em razão da colaboração, seja pela
interlocução com a Polícia Federal e o Ministério Público Federal, no casos em que
se encontre indícios de cometimento de infração penal.

11
Alguns doutrinadores, como Fidalgo e Canetti , comungam dessa mesma
opinião e entendem que a competência para celebrar acordos de leniência quando se
tratar dos Poderes Executivos estadual e municipal deve ser centralizada em órgãos
que, assim como a CGU, na esfera federal, sejam aqueles próprios de controle
interno já existentes ou a serem criados com o objetivo específico de aplicação da
12
LAC .


10
SIMÃO, Valdir Moysés; VIANNA, Marcelo Pontes. O Acordo de Leniência na Lei Anticorrupção:
histórico, desafios e perspectivas. São Paulo: Trevisan Editora, 2017, p. 103.
11
FIDALGO, Carolina Barros; CANETTI, Rafaela Coutinho. Os acordos de leniência na Lei de Combate à
Corrupção. In: SOUZA, Jorge Munhós; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro (Org.). Lei Anticorrupção.
Salvador: Juspodivm, 2015.
12
SIMÃO, Valdir Moysés; VIANNA, Marcelo Pontes. O Acordo de Leniência na Lei Anticorrupção:
histórico, desafios e perspectivas. São Paulo: Trevisan Editora, 2017. p. 270.

63

CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

13
Carvalhosa , por sua vez, entende que a CGU deveria ser a responsável pela
celebração de todos os acordos de leniência nos planos estadual e municipal, bem
como nos demais Poderes, pois acredita que as autoridades máximas desses
(Prefeitos, Governadores, Ministros, Secretários de Estado, Presidentes dos
Tribunais, Presidentes da Câmara e do Senado, dentre outros) são susceptíveis – para
não dizer naturalmente vocacionadas – a serem atingidas pelos delitos corruptivos
praticados pela pessoa jurídica. Assim, essa autoridade máxima não seria imparcial o
suficiente para ser considerada competente para instaurar, julgar e muito menos
negociar e firmar pactos de leniência.

No âmbito dos Poderes Judiciário federal e estadual e Legislativo federal,


estadual, distrital e municipal, a LAC é lacunosa acerca de quem seria o órgão
responsável por celebrar acordos de leniência. Em razão disso, devem ser observadas
as competências constitucionais de auto-organização de cada ente para definir o
14
encarregado de tal tarefa .

15
De acordo com Marrara , o Ministério Público Federal e o Estadual possuem
competência subsidiária para celebrar acordos de leniência. Segundo esse
doutrinador, o caput do art. 20, parte final, da LAC, prevê que na ação civil pública
movida pelo MP por ato de corrupção, pode-se solicitar tanto as sanções civis,
quanto a aplicação das administrativas, desde que constatada a omissão das
autoridades competentes para promover a responsabilização administrativa:

Nessa situação especial, surge a dúvida: de quem será a


competência para a celebração do acordo de leniência? A
ausência de norma legal significa que, nesse caso especial, o
programa de leniência foi suprimido? Parece-nos que não.
O fato de se deslocar a responsabilização administrativa para o
processo judicial movido pelo Ministério Público também
deve deslocar para esta entidade a competência de negociar e
eventualmente celebrar o acordo de leniência, que, nesse


13
CARVALHOSA, Modesto. Considerações sobre a Lei Anticorrupção das pessoas jurídicas. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2015.
14
MARRARA, Thiago. Comentários ao art. 16. In: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella; MARRARA, Thiago
(Coord.). Lei Anticorrupção comentada. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 207.
15
MARRARA, Thiago. Comentários ao art. 16. In: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella; MARRARA, Thiago
(Coord.). Lei Anticorrupção comentada. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 208.

64

CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

contexto, excepcional, será acoplado ao processo civil, e não ao


processo administrativo.
A LAC prevê requisitos a serem preenchidos de forma cumulativa para que
tenha validade o acordo de leniência. Estão estes quesitos estipulados em seu art. 16,
§ 1º: I - a pessoa jurídica seja a primeira a se manifestar sobre seu interesse em
cooperar para a apuração do ato ilícito; II - a pessoa jurídica cesse completamente
seu envolvimento na infração investigada a partir da data de propositura do acordo;
e III - a pessoa jurídica admita sua participação no ilícito e coopere plena e
permanentemente com as investigações e o processo administrativo, comparecendo,
sob suas expensas, sempre que solicitada, a todos os atos processuais, até seu
encerramento.

O primeiro requisito – a exigência de que a pessoa jurídica seja a primeira a se


manifestar sobre seu interesse em cooperar para a apuração do ato ilícito – é alvo de
uma série de críticas de alguns doutrinadores que o consideram um grande equívoco
do legislador que o copiou da Lei Antitruste sem sequer fazer qualquer juízo de valor
acerca de sua aplicabilidade nesta legislação.

Simão e Vianna16, por exemplo, explicam que na Lei Antitruste, essa exigência
tem sentido pois o acordo de leniência tem como objetivo principal a repressão à
prática de cartel, infração exclusivamente plurissubjetiva, ou seja, sempre existirá
mais de um agente infrator. Essa lógica, no entanto, não é aplicável na LAC, uma vez
que existem ilícitos que podem ser praticados de forma unilateral. Ayres e Maeda17
compartilham da mesma crítica, enquanto Fidalgo e Canetti18, ressaltam que a
norma não prevê a extensão de benefício algum para aqueles que se propuserem a
colaborar após a primeira denúncia.

Quanto ao segundo requisito – cessação da conduta ilícita a partir da data da


propositura do acordo –, verifica-se que nada mais é do que uma consequência


16
SIMÃO, Valdir Moysés; VIANNA, Marcelo Pontes. O Acordo de Leniência na Lei Anticorrupção:
histórico, desafios e perspectivas. São Paulo: Trevisan Editora, 2017. p. 119.
17
SIMÃO, Valdir Moysés; VIANNA, Marcelo Pontes. O Acordo de Leniência na Lei Anticorrupção:
histórico, desafios e perspectivas. São Paulo: Trevisan Editora, 2017. p. 245.
18
SIMÃO, Valdir Moysés; VIANNA, Marcelo Pontes. O Acordo de Leniência na Lei Anticorrupção:
histórico, desafios e perspectivas. São Paulo: Trevisan Editora, 2017. p. 271.

65

CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

lógica da proposta do acordo de leniência, e, sendo assim, a exigência legal é


coerente.

Pestana19 questiona se a execução dos contratos em curso, decorrentes de atos


de corrupção, deveriam ou não serem interrompidos com base nessa exigência. O
próprio responde que não, uma vez que a conduta de corrupção é instantânea, logo,
encerrou-se no passado, não será imprescindível, para atendimento do requisito
constante do preceptivo, que o ajuste seja rescindido e a relação jurídica totalmente
encerrada.

No concernente ao último requisito, o reconhecimento da prática lesiva, há


de se considerar que a celebração de acordo de leniência, por si só, já exige que a
pessoa jurídica pactuante seja responsável pela prática de atos lesivos contra a
Administração Pública. Destarte, esse requisito perde um pouco sua eficácia, pois
não há que se falar em celebração de acordo com a empresa que entende ser isenta de
responsabilidade por conduta ilícita20.

No tocante aos benefícios a serem concedidos à pessoa jurídica, pactuante e


cumpridora do acordo firmado, estão elencados nos arts. 16, § 2º, e 17, ambos da
LAC, e, como já registrado no tópico anterior, condicionados à eficácia de sua
colaboração. São eles: a) isenção da publicação extraordinária da decisão
condenatória; b) afastamento da proibição de receber incentivos, subsídios,
subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de
instituições financeiras públicas ou controladas pelo Poder Público, por até 5 anos; c)
redução, em até 2/3, do valor da multa a ser aplicada; e d) isenção ou diminuição das
sanções relativas a licitação e contratos administrativos.

A publicação extraordinária da decisão condenatória, conforme prevê o § 5º


do art. 6º da LAC, deverá ser realizada às expensas da pessoa jurídica, em meios de
comunicação de grande circulação na área da prática da infração e de atuação da
pessoa jurídica ou, na sua falta, em publicação de circulação nacional; também na


19
PESTANA, Marcio. Lei Anticorrupção. Barueri: Manole, 2016. p. 166.
20
SIMÃO, Valdir Moysés; VIANNA, Marcelo Pontes. O Acordo de Leniência na Lei Anticorrupção:
histórico, desafios e perspectivas. São Paulo: Trevisan Editora, 2017. p. 125.

66

CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

forma de edital a ser afixado no próprio estabelecimento, em local visível ao público,


pelo prazo mínimo de 30 dias; e, por último, no sítio eletrônico da empresa.

Vê-se que a isenção da publicação extraordinária da decisão condenatória é


um grande negócio para a pessoa jurídica pactuante, uma vez que diminui bastante o
impacto negativo desfavorável à sua imagem junto ao público, permitindo que, após
os percalços dos atos lesivos praticados contra a Administração Pública, a empresa
consiga seguir adiante em sua atividade.

Quanto ao afastamento da proibição de receber incentivos, subsídios,


subvenções, doações ou empréstimos de origem pública, trata-se de uma grande
vantagem para a pessoa jurídica pactuante. Isso porque, após o desgaste de imagem
decorrente da descoberta da prática dos ilícitos, por vezes a infratora padecerá da
desconfiança do mercado bancário e financeiro e, consequentemente, terá estreitada
sua linha de crédito, o que, invariavelmente impactará na sua tentativa de
soerguimento.

No tocante à multa administrativa imposta, vale destacar que o art. 6, I, da


LAC, dispõe que essa penalidade variará de 0,1% a 20% do faturamento bruto do
último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os
tributos, sendo que esse valor nunca será inferior à vantagem auferida. A pessoa
jurídica, no entanto, poderá ter sua sanção minorada pelo patamar de até 2/3 desse
valor, desde que sua colaboração seja considerada satisfatória pela autoridade
competente.

Por último, mas não menos benéfica para a pessoa jurídica pactuante, está
isenção ou diminuição das sanções relativas a licitação e contratos administrativos,
que são: a) advertência; b) multa; c) suspensão temporária de participação em
licitação e impedimento de contratar com a Administração Pública por prazo não
superior a 2 anos; e d) declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a
Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição
ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a
penalidade.

67

CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

A vantagem deste último benefício é patente, pois a Administração Pública


costuma ser considerada uma cliente de grande demanda e boa pagadora, o que
permitiria novo fôlego à pessoa jurídica pactuante voltar a explorar seu negócio após
sua condenação.

Simão e Vianna21 sugerem que a LAC poderia ter previsto um benefício maior
à pessoa jurídica pactuante, qual seja, a isenção total das sanções administrativas.
Para tanto, a infratora deveria possuir um sistema interno de integridade eficiente,
capaz de identificar de forma antecipada a ocorrência de um ilícito, investigá-lo
minuciosamente, e comunicar tempestivamente às autoridades. Vê-se que, mesmo
agindo com toda a cautela, em razão responsabilidade objetiva que é prevista na lei, a
pessoa jurídica lesadora será penalizada, tendo, apenas, suavizadas as sanções que lhe
serão aplicadas.

Como fonte enriquecedora de sua argumentação, Simão e Vianna22 lembram


que o acordo de leniência da Lei do CADE admite a extinção da ação punitiva da
administração pública e isenta a pessoa jurídica de qualquer sanção administrativa, e
o instituto da colaboração premiada do Direito Penal permite o perdão judicial. No
mesmo sentido, lecionam os autores, estão o FCPA, o UK Bribery Act e o Código
Penal espanhol, legislações que admitem a isenção total das sanções se restar
cabalmente demonstrado que a pessoa jurídica adotou todas as medidas cabíveis
para evitar a ocorrência do ato lesivo.

Mas as pessoas jurídicas pactuantes, além de direitos, têm, também,


obrigações, que nascem com a assinatura do acordo. Já os deveres do Poder Público,
que se referem à atenuação das penalidades, se concretizam, apenas, se a colaboração
da pessoa jurídica se traduzir em efeitos práticos, ou seja, se, de fato, auxiliar na
obtenção de provas.

Destarte, a simples conduta cooperativa da pessoa jurídica, por si só, não


determina o compromisso do Estado de amenizar as sanções a ela aplicáveis. O dever

21
SIMÃO, Valdir Moysés; VIANNA, Marcelo Pontes. O Acordo de Leniência na Lei Anticorrupção:
histórico, desafios e perspectivas. São Paulo: Trevisan Editora, 2017. p. 132-133.
22
SIMÃO, Valdir Moysés; VIANNA, Marcelo Pontes. O Acordo de Leniência na Lei Anticorrupção:
histórico, desafios e perspectivas. São Paulo: Trevisan Editora, 2017. p. 133-134.

68

CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

estatal surge, apenas, com a efetiva identificação de outras pessoas, eventualmente,


envolvidas na infração e com a efetiva entrega de informações e documentos que
produzam provas, conforme prescrevem os incisos I e II do art. 16 da LAC.

Vale trazer à tona que a reparação integral do dano causado à Administração


Pública não tem o condão de qualificar positivamente a pessoa jurídica pactuante,
uma vez que o § 3º, do art. 16 da LAC, prevê que esse ressarcimento é sua obrigação
de forma acertada, pois trata-se de uma infração que repercute em toda a
coletividade.

Outro efeito importante do compromisso de leniência é a sua repercussão nas


pessoas jurídicas que integram o mesmo grupo econômico, de fato e de direito.
Estas, desde que firmem o acordo em conjunto e respeitem as condições nele
estabelecidas, serão beneficiadas pelo acordo, conforme previsão do § 5º, do art. 16,
da LAC.

Vale destacar que no caso de a pessoa jurídica pactuante descumprir as


cláusulas do compromisso firmado (recusa do fornecimento de documentos e
confissões prometidas, ou não comparecimento em audiências para elucidar
situações, dentre outros), esta ficará impedida de celebrar novo acordo pelo prazo de
3 anos contados do conhecimento pela administração pública da condição
descumprida (LAC, art. 16, § 8º). Além disso, perderá os benefícios que poderia
desfrutar, caso cumprisse estritamente os termos do acordo, sendo-lhe exigido, por
exemplo, o pagamento do valor correspondente à redução da multa da qual havia se
favorecido.

É relevante registrar que a LAC prevê, em seu art. 22, que a pessoa jurídica
infratora deve ser incluída no Cadastro Nacional de Empresas Punidas (CNEP), rol
público que reúne e dá publicidade às sanções aplicadas pelos órgãos ou entidades
dos Poderes Legislativo, Executivo ou Judiciário de todas as esferas de governo.
Nesse cadastro deve constar, dentre outros dados, a sanção e a data de validade da
penalidade. Em caso de descumprimento do acordo de leniência, a LAC determina
que essa informação conste no CNEP.

69

CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

Após essa explanação sintética acerca do acordo de leniência no âmbito da Lei


Anticorrupção, direciona-se a análise para um sucinto estudo da colaboração
premiada, prevista na Lei n. 12.850/2013, no intento de, ao final, se estabelecer um
paralelo entre esses dois institutos.

3 COLABORAÇÃO PREMIADA PREVISTA NA LEI DO CRIME


ORGANIZADO (LCO –LEI N. 12.850/2013)

A Lei n. 12.850/2013, em seus arts. 4 a 7, trata do acordo de colaboração


premiada e é considerada o diploma legal mais completo sobre o tema. A
colaboração premiada prevista nessa Lei e abordada nesse artigo é regulada na LCO
como um meio de obtenção de prova.

A LCO, entretanto, regula os requisitos para concessão do acordo de


colaboração premiada somente para o crime de organização criminosa. E possui
regras de processamento do acordo de colaboração premiada que formam a primeira
previsão sobre o tema no País.

Vale ressaltar que organização criminosa, de acordo com a Lei n. 12.850/2013,


ora estudada, consiste em associação de 4 ou mais pessoas estruturalmente ordenada
e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de
obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática
de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que
sejam de caráter transnacional.

Serão apresentados, adiante, algumas peculiaridades do acordo de


colaboração premiada que servirão de eixo para possibilitar um cotejo entre este
instituto e o do acordo de leniência tratado no tópico anterior.

3.1 Definição, natureza jurídica e características da colaboração


premiada

A colaboração premiada é um ajuste entre um acusado de prática(s)


criminosa(s) ou seu advogado, e o Ministério Público, ou o Delegado de Polícia, com
manifestação do Ministério Público, com a finalidade de amenizar as sanções penais

70

CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

que lhe serão aplicadas em razão do cometimento de delitos em comum com uma
organização criminosa, sendo que em troca desse benefício auxilie a desbaratar o
grupo criminoso que integrava.

Mendroni23 afirma que a colaboração premiada não pode ser considerada, de


fato, um acordo de vontade entre as partes acima referenciadas porque exige a
participação de uma terceira figura, qual seja, o Juiz. Este não se envolve na
negociação do ajuste, mas a ele compete a decisão final de conceder ou não algum
benefício como recompensa pelo repasse de informações realizado pelo acusado.

A natureza jurídica deste instituto é a de meio de obtenção de provas,


instrumentalizado por intermédio de um documento escrito, no qual constará,
conforme o art. 6 da LCO: a) o relato da colaboração e seus possíveis resultados; b) as
condições da proposta do Ministério Público ou do delegado de polícia; c) a
declaração de aceitação do colaborador e de seu defensor; d) as assinaturas do
representante do Ministério Público ou do delegado de polícia, do colaborador e de
seu defensor; e e) as especificações das medidas de proteção ao colaborador e o seu
objeto.

Maciel24 ensina que a colaboração ou delação premiada ajuda a romper a “lei


do silêncio” imposta aos membros das organizações criminosas na medida em que se
oferece benefícios ao corréu, como perdão judicial, redução da pena privativa de
liberdade ou a substituição dela por restritiva de direitos, desde que preenchidos os
requisitos legais para a sua concessão.

A colaboração premiada costuma ocorrer durante a investigação criminal, no


entanto, nada impede que ela aconteça no decorrer da instrução processual, e até
mesmo depois da sentença ou mesmo na fase de sua execução. A inexistência de
limite proibitivo é salutar pois possibilita que, a qualquer tempo, se possa identificar
membros da organização criminosa, prendê-los e evitar que novos delitos sejam
cometidos.

23
MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime organizado: aspectos gerais e mecanismos legais. São Paulo:
Altas, 2015. p. 131.
24
MACIEL, Alexandre Rorato. Crime organizado: persecução penal e política criminal. Curitiba: Juruá,
2015. p. 186-187.

71

CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

3.2 Inspiração legislativa da colaboração premiada

A colaboração premiada não é exclusividade da LCO. Na verdade, ela é


prevista em várias outras leis penais nacionais. A colaboração premiada surgiu no
ordenamento jurídico brasileiro com a edição da Lei n. 8.072/1990 (Lei dos Crimes
Hediondos) que, por meio de seu art. 7º, alterou o Código Penal, incluindo o § 4º no
art. 159, que trata do delito de extorsão mediante sequestro, prevendo que se o crime
é cometido por quadrilha ou bando, o co-autor que denunciá-lo à autoridade,
facilitando a libertação do seqüestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços25.

Em seguida, o instituto foi incluído no parágrafo único, do art. 16, da Lei n.


8.137/1990 (Lei de Crimes contra a Ordem Tributária, Econômica e Relações de
Consumo), versando que nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou
co-autoria, o co-autor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à
autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de um
a dois terços26.

Em maio de 1990, a foi editada a Lei n. 9.034/1995, a antiga Lei do Crime


Organizado, revogada pelo diploma ora estudado Le n. 13.850/2013, que trazia, em
seu art. 6º, a previsão de que nos crimes praticados em organização criminosa, a pena
será reduzida de um a dois terços, quando a colaboração espontânea do agente levar
ao esclarecimento de infrações penais e sua autoria27.

Dois meses depois, o mesmo instituto jurídico foi incluído também no art. 25
da Lei n. 7.492/1986 (Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional), por
meio da Lei n. 9.080/1995, o § 2º que invocava que nos crimes previstos nesta Lei,
cometidos em quadrilha ou co-autoria, o co-autor ou partícipe que através de


25
BRASIL. Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8072.htm>. Acesso em: 15 out. 2017.
26
BRASIL. Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8137.htm>. Acesso em: 15 out. 2017.
27
BRASIL. Lei n. 9.034, de 3 de maio de 1995. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9034.htm>. Acesso em: 15 out. 2017.

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CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa


terá a sua pena reduzida de um a dois terços28.

Em 1998, a Lei n. 9.613 (Lei dos Crimes de Lavagem de Bens, Dinheiro e


Valores)29, apropriou-se desse recurso do direito penal premial, inserindo-o no § 5º,
do art. 1º, permitindo: a) redução de pena de 1/3 a 2/3; b) ser cumprida em regime
aberto ou semiaberto; c) a não aplicação da pena; ou d) substituição, a qualquer
tempo, por pena restritiva de direitos – desde que o autor, coautor ou partícipe
colabore espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que
conduzam à apuração das infrações penais, à identificação dos autores, coautores e
partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime.

A Lei n. 9.807/1999 (Lei de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas e


de Proteção de Acusados ou Condenados que tenham voluntariamente prestado
efetiva colaboração), introduziu a colaboração premiada, prevendo a possibilidade
de concessão do perdão judicial ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado
efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa
colaboração tenha resultado: a identificação dos demais co-autores ou partícipes da
ação criminosa; a localização da vítima com a sua integridade física preservada; e a
recuperação total ou parcial do produto do crime.

A mesma lei prevê, ainda, a redução de pena de 1/3 a 2/3 ao indiciado ou


acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo
criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime, na localização
da vítima com vida e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de
condenação.

Por fim, a Lei de Drogas, n. 11.343/2006, também trouxe o instituto ora


estudado no art. 41. Esse dispositivo dispõe sobre a possibilidade de o indiciado ou
acusado, colaborando voluntariamente com a investigação policial e com o processo
criminal na identificação dos demais coautores ou partícipes do crime e na

28
BRASIL. Lei n. 7.492, de 16 de junho de 1986. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7492.htm>. Acesso em: 15 out. 2017.
29
BRASIL. Lei n. 9.613, de 3 de março de 1998. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9613.htm>. Acesso em: 15 out. 2017.

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CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

recuperação total ou parcial do produto do crime, de ter sua pena reduzida de 1/3 a
2/3.

Todos os diplomas supracitados, exceto a revogada Lei n. 9.034/1995,


continuam em vigor. Muitas vezes tais diplomas se referem à colaboração premiada
com termos sinônimos, mas o objetivo é o mesmo: recompensar o autor, coautor ou
partícipe de delito que colaborou com a autoridade policial ou judicial ou com o
órgão do Ministério Público e possibilitou que fossem apuradas de forma eficaz a
infração penal e sua autoria.

É importante também trazer a forma pela qual a LCO trata a matéria em


análise. Aqui, se permite a concessão do perdão judicial, a redução em até 2/3 da
pena privativa de liberdade ou sua substituição por restritiva de direitos daquele que
colabore efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal,
desde que com seu auxílio, se obtenha, nos termos do art. 4º da LCO: I - a
identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das
infrações penais por eles praticadas; II - a revelação da estrutura hierárquica e da
divisão de tarefas da organização criminosa; III - a prevenção de infrações penais
decorrentes das atividades da organização criminosa; IV - a recuperação total ou
parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização
criminosa; V - a localização de eventual vítima com a sua integridade física
preservada.

3.3 Procedimentos para celebrar o acordo de colaboração


premiada: competência, requisitos, efeitos e benefícios

A LCO pode ser considerada a legislação mais completa sobre colaboração


premiada no âmbito nacional, pois é a única que delineou uma espécie de
“procedimentos” a serem seguidos, facilitando a implementação do acordo de
colaboração premiada e suprindo uma lacuna legislativa30.


30
COSTA, Leonardo Dantas. Delação Premiada: a atuação do Estado e a relevância da voluntariedade do
colaborador com a Justiça. Curitiba: Juruá, 2017. p. 101.

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CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

A celebração do acordo de colaboração premiada depende, a teor do art. 4º, §


6º, da LCO, das negociações a serem realizadas entre o Delegado de Polícia, o
investigado e seu defensor, com manifestação obrigatória do Ministério Público, ou,
conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu
defensor.

Na fase pré-processual (investigativa), Leonardo Dantas Costa31 ensina que o


Ministério Público tem legitimidade concorrente com a Autoridade Policial e, ainda
que não seja parte na elaboração do termo de colaboração, deve ratificá-lo. Mas na
fase processual da persecução, o Ministério Público tem legitimidade exclusiva para a
proposição do acordo de colaboração.

Em razão da obrigatoriedade legal de atuação conjunta entre a Autoridade


Policial e do Ministério Público, sobretudo na fase pré-processual, mostra-se
imprescindível a cooperação e integração entre esses órgãos. É comum a formação
das chamadas forças-tarefas compostas por integrantes da Polícia e por membros do
Ministério Público.

O Juiz, de acordo com o art. 4º, §§ 6º e 7º, não participa das negociações,
preservando-se imparcial no processo. O papel do magistrado restringe-se, apenas, a
homologar ou não o pacto firmado entre as partes, desde que verificadas sua
regularidade, legalidade e voluntariedade do investigado ou acusado.

A regularidade da colaboração consubstancia-se no dever de dar ciência ao


investigado ou acusado das consequências penais e processuais penais a que estará
sujeito, assim como as garantias de sua segurança e de seus familiares. Cumpridas
essas formalidades legais, o indivíduo não poderá alegar violação ao direito de não se
autoincriminar, uma vez que estaria, conscientemente e voluntariamente, abrindo
mão de uma prerrogativa para alcançar benefícios.

Após a homologação do acordo pelo magistrado, o investigado ou acusado


passa a ser considerado colaborador e a fazer jus aos direitos previstos no art. 5º: I -


31
COSTA, Leonardo Dantas. Delação Premiada: a atuação do Estado e a relevância da voluntariedade do
colaborador com a Justiça. Curitiba: Juruá, 2017. p. 119.

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CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

usufruir das medidas de proteção previstas na legislação específica; II - ter nome,


qualificação, imagem e demais informações pessoais preservados; III - ser
conduzido, em juízo, separadamente dos demais coautores e partícipes; IV -
participar das audiências sem contato visual com os outros acusados; V - não ter sua
identidade revelada pelos meios de comunicação, nem ser fotografado ou filmado,
sem sua prévia autorização por escrito; e VI - cumprir pena em estabelecimento
penal diverso dos demais corréus ou condenados.

Além disso, começam os chamados atos de colaboração previstos no art. 4º, §


9º, quando, sempre que necessário, o colaborador será ouvido pelo membro do
Ministério Público ou pelo Delegado de Polícia responsável pelas investigações.

De acordo com o § 10 do art. 4º, tanto o Ministério Público quanto o


colaborador podem retratar-se da proposta de colaboração em função, por exemplo
de o investigado entender que a delação lhe trará mais prejuízo do que vantagens, ou
o Ministério Público considerar que o colaborador não cumpriu as promessas
realizadas. Havendo retratação, as provas autoincriminatórias produzidas pelo
colaborador só não poderão ser utilizadas contra ele, mas valerão para contra os
outros investigados ou corréus. Caso seja o Ministério Público a se retratar, a
colaboração do delator poderá servir contra os outros envolvidos, mas o colaborador
não recebe benefício algum, a não ser pela impossibilidade de as provas produzidas
por ele próprio não poderem se voltar contra sua pessoa32.

Quanto aos benefícios que podem ser concedidos ao colaborador, estes estão
previstos no caput do art. 4º, que são: perdão judicial, redução da pena privativa de
liberdade em até 2/3 ou a substituição dela por pena restritiva de direitos. Aqui, vale
a crítica de Maciel33 de que teria sido mais adequado que lei trouxesse o mínimo legal
de redução da pena, pois, da forma como está redigida, em tese, seria possível a
redução em apenas um dia.


32
MACIEL, Alexandre Rorato. Crime organizado: persecução penal e política criminal. Curitiba: Juruá,
2015. p. 201.
33
MACIEL, Alexandre Rorato. Crime organizado: persecução penal e política criminal. Curitiba: Juruá,
2015. p. 196.

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CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

Sendo firmada a colaboração após a sentença, a teor do § 5º do art. 4º, a pena


fixada poderá ser reduzida até a metade ou será admitida a progressão de regime
ainda que ausentes os requisitos objetivos. Há de se observar que neste momento, já
não há possibilidade de perdão judicial e que a redução máxima é menor que a do
caput do artigo que diz que será de até 2/3 da pena.

O último benefício para o colaborador é que é admissível que o Ministério


Público, verificando que o pactuante não é o líder da organização criminosa e tiver
sido o primeiro a prestar efetiva contribuição, deixe de oferecer denúncia.

Masson e Marçal34 lecionam que a proposta de colaboração homologada pelo


juiz nada mais é do que uma simples promessa judicial quanto à aplicação dos
benefícios oriundos do acordo formalizado. A eficácia do acordo está condicionada à
sentença final condenatória, título no qual restará consignada a redução ou
substituição da pena, ou mesmo o perdão judicial.

Após esses esclarecimentos básicos acerca do acordo de colaboração


premiada previsto na Lei n. 12.850/2013, é fundamental realizar uma análise
conjunta deste com o acordo de leniência já tratado no artigo, apresentando as
principais críticas aos dois institutos e a importância de se firmar ambos os ajustes
com fito a obter maior efetividade no combate à corrupção.

4 ACORDOS DE LENIÊNCIA (LAC) E DE COLABORAÇÃO


PREMIADA (LCO): CRÍTICAS E NECESSIDADE DA CONJUGAÇÃO
DOS DOIS INSTITUTOS

Como se pode perceber da sucinta apresentação dos acordos de leniência e de


colaboração premiada, é que são institutos jurídicos muito similares. Ambos visam
recompensar, respectivamente, pessoa jurídica responsável pelo cometimento de atos
lesivos à Administração Pública e pessoa física integrante de organização criminosa,
que, em troca do abrandamento de sanções administrativas ou penais (conforme o
caso), por parte do Estado, oferecem ajuda, de forma voluntária, nas investigações e


34
MASSON, Cleber; MARÇAL, Vinícius. Crime organizado. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 130.

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CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

no processo administrativo ou penal (conforme o caso), a desbaratar o esquema


ilícito.

São institutos tão semelhantes, um no âmbito do Direito Administrativo


Sancionador e outro no do Direito Penal, que Márcio Pestana35 e Simão e Vianna36,
por exemplo, quando se debruçam no esforço de traçar uma evolução histórico-
legislativa do acordo de leniência no Brasil, acabam por inserir em suas explicações
as espécies de acordo de colaboração premiada da legislação penal, inclusive a
prevista na LCO.

Com base nessa identidade dos dois institutos, vale trazer algumas críticas
favoráveis e contrárias que podem aplicadas a ambos.

Parte respeitável da doutrina é contrária à concessão de prêmios ao


colaborador processual, pois consideram que o fundamento desses institutos é a
falência do Estado para combater a criminalidade organizada que seria mais produto
da omissão dos governantes ao longo dos anos do que propriamente alguma
“organização” ou “sofisticação” operacional da delinquência massificada37.

Segundo esses doutrinadores, a positivação de regras sobre uma política de


recompensas a infratores que delatem seus comparsas, nada mais é do que a
confissão do Estado sobre sua incapacidade de exercício do controle social do
intolerável e convoca em auxílio o próprio criminoso.

Bittencourt e Busato38 chamam atenção para o fato de que, ainda que seja
possível afirmar ser mais positivo moralmente estar ao lado da apuração do delito do
que de seu acobertamento, é arriscado apostar que tais informações, oriundas de
uma traição, não possam ser elas mesmas traiçoeiras em seu conteúdo.


35
PESTANA, Marcio. Lei Anticorrupção. Barueri: Manole, 2016. p. 150-152.
36
SIMÃO, Valdir Moysés; VIANNA, Marcelo Pontes. O Acordo de Leniência na Lei Anticorrupção:
histórico, desafios e perspectivas. São Paulo: Trevisan Editora, 2017. p. 93-96.
37
BITENCOURT, Cezar Roberto; BUSATO, Paulo César. Comentários à Lei de Organização Criminosa:
Lei n. 12.850/2013. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 116-117.
38
BITENCOURT, Cezar Roberto; BUSATO, Paulo César. Comentários à Lei de Organização Criminosa:
Lei n. 12.850/2013. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 117-118.

78

CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

Com o auxílio de Guilherme de Souza Nucci39, é possível trazer ao lume uma


série de argumentos e contra-argumentos acerca da legitimidade dos acordos
premiados:

1) Se de um lado, oficializa-se, por lei, a traição, forma antiética de comportamento


social; de outro, não se pode nem se deve falar em ética ou em valores no universo
criminoso, dada a própria natureza da prática de condutas que rompem as normas
vigentes, ferindo bens jurídicos protegidos pelo Estado. Ademais, a ética é juízo de
valor variável, conforme a época e os bens em conflito, razão pela qual não pode ser
empecilho para a delação premiada, cujo fim é combater, em primeiro plano, a
criminalidade organizada.

2) Ao mesmo tempo em que se defende que o uso dos acordos premiados pode ferir
a proporcionalidade na aplicação da pena, pois o delator recebe pena menor que os
delatados (autores de condutas tão graves quanto as dele), não se pode considerar
eventual desproporcionalidade ou desarmonia na aplicação da pena, pois esta é
regida, basicamente, pela culpabilidade (juízo de reprovação social), que é flexível.
Réus mais culpáveis devem receber penas mais severas. O delator, ao colaborar com
o Estado, demonstra menos culpabilidade, portanto, pode receber sanção menos
grave;

3) Sustenta-se que a traição, como regra, serve para agravar ou qualificar a prática de
crimes, motivo pelo qual não deveria ser útil para reduzir a pena; no entanto, o crime
praticado por traição é grave, justamente porque o objetivo almejado é a lesão a um
bem jurídico protegido; a delação seria a traição com bons propósitos, agindo contra
o delito e em favor do Estado Democrático de Direito;

4) Não se pode trabalhar com a ideia de que os fins justificam os meios, na medida
em que estes podem ser imorais ou antiéticos, todavia, pode-se considerar que esses
mesmos fins podem ser justificados pelos meios, quando estes forem legalizados e
inseridos, portanto, no universo jurídico;


39
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. v. 2. p. 728-
729.

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CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

5) A delação premiada, do jeito como delineada, não serviu até o presente momento
para incentivar a criminalidade organizada a quebrar a lei do silêncio, mas a
ineficiência atual do acordo de colaboração condiz com o elevado índice de
impunidade reinante no mundo do crime, bem como ocorre em face da falta de
agilidade do Estado em dar efetiva proteção ao réu colaborador;

6) Aduz-se que o Estado não pode aquiescer em barganhar com a criminalidade,


contudo o Poder Público já está barganhando com o autor de infração penal, como
se pode constatar pela transação, prevista na Lei n. 9.099/95. O acordo de
colaboração é, apenas, mais uma forma de transação;

7) Alega-se que os acordos consubstanciam-se um estímulo a delações falsas e um


incentivo a vinganças pessoais, mas, ao mesmo tempo, o benefício concedido ao
delator também pode servir de incentivo ao arrependimento sincero, com forte
tendência à regeneração interior, um dos fundamentos da própria aplicação da pena.
Ademais, quando detectada a falsa delação, esta deve ser severamente punida.

Cumpre ressalvar que a última crítica contrária aos acordos ora estudados,
destacada acima, – possibilidade de o Estado premiando o acordante, incentivaria a
propagação de delações falsas – não procede de forma alguma. Isso porque, como já
se viu, a natureza jurídica dos pactos analisados neste trabalho é de “meio de
obtenção de provas” e não de provas finais e completas. Tratam-se de formas de se
obter documentos e informações relevantes à investigação que permitam alcançar
evidências materiais para atingir o objetivo legal, que são: a) no caso da LAC, a
identificação dos demais infratores envolvidos, quando houver, e obtenção de
documentos e informações que comprovem o ilícito em apuração; e b) no caso da
LCO, a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e
das infrações penais cometidas; revelação da estrutura hierárquica e divisão de
tarefas; prevenção contra novas infrações penais; recuperação total ou parcial do
produto ou proveito do crime; e localização de eventual vítima com sua integridade
física protegida.

Frederico Valdez Pereira, desenvolve raciocínio correlato ao defender que


não se deve confundir a colaboração premiada (o mesmo vale para o acordo de

80

CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

leniência) com a simples incriminação de terceiros, pois o pacto firmado revela


elementos importantes que permitem às autoridades desbaratar esquemas delituosos
ou esclarecer o cometimento de infrações graves.

Outro problema que os acordos de leniência e de colaboração premiada


ajudam a enfrentar é a dificuldade de se obter provas em esquemas de corrupção que
envolvam ou não organizações criminosas, devido, sobretudo, ao informal acordo
tácito entre os infratores, também conhecido como “lei do silêncio”. Assim, sem
qualquer incentivo estatal, seria muito mais árduo, demorado e custoso o trabalho de
investigação para desbaratar estruturas formadas para lesar os cofres públicos.

Mendroni reforça a corrente favorável às colaborações assentindo que


mesmo que a delação premiada seja uma prática antiética, ela está prevista em lei e
objetiva tornar mais eficiente a aplicação da justiça em relação aos crimes mais
graves e que abalam de forma mais profunda a ordem pública, sendo que a ética seria
um valor moral de menor agressividade do que a prática de um ilícito e assim, na
hipótese de choque entre ambos, é mais coerente sacrificar tópicos de ética em troca
da restauração da ordem pública estremecida pela prática de infração grave.

Ademais, no que tange aos princípios da proporcionalidade e da igualdade,


continua Mendroni, estes não são afrontados quando são aplicadas punições
diferenciadas contra pessoas que praticaram exatamente a mesma conduta ilegal,
uma vez que a dosimetria das sanções deve ser realizada de acordo com o princípio
da individualização da pena, atendendo as peculiaridades de cada um dos acusados.

Em que pese toda a polêmica em torno dos acordos de leniência e de


colaboração premiada, entende-se que esses institutos são um “mal necessário” pois
facilitam o trabalho estatal no combate à corrupção. Por vezes, podem representar a
única solução ao Estado para lidar com esse tipo de delito, que costuma se
desenvolver por meio de tramas muito bem engendradas.

Assim, no enfrentamento da corrupção, em casos que se detecte a


participação de uma organização criminosa, torna-se essencial o trabalho conjunto
dos órgãos estatais competentes. No cenário federal, por exemplo, a Polícia Federal

81

CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

e/ou o Ministério Público Federal ao descobrirem a existência de uma organização


criminosa que pratique algum dos atos considerados lesivos à Administração Pública
(previstos no art. 5º da LAC), devem participar a Controladoria-Geral da União
(CGU) nas investigações. O mesmo vale para a situação contrária em que a CGU seja
a primeira a detectar uma pessoa jurídica corruptora e que se observe a possibilidade
de se estar diante de uma organização criminosa.

A utilização desses dois institutos, de forma conjunta, pelos órgãos


competentes pode ser um excelente instrumento no combate à corrupção, uma vez
que todo o processo de investigação e punição, seja na esfera administrativa ou
judicial, seria muito mais célere e barato ao Estado.

Há de se ter sempre em mente que o bem maior a ser protegido quando se


enfrenta a corrupção é o bem-estar da coletividade que reflete diretamente na
segurança do Estado Democrático de Direito. Logo, não se deve abrir mão do uso de
ferramentas tão eficazes quanto as ora estudadas com o fito de manter a ordem
pública e social.

5 CONCLUSÃO

Como visto no desenrolar deste artigo, o acordo de leniência e o de


colaboração premiada se mostram instrumentos bem eficazes no combate aos ilícitos
que se propõem enfrentar, quais sejam, atos lesivos à Administração Pública e crimes
cometidos por organizações criminosas, respectivamente.

Mas na oportunidade em que se detectar a participação de pessoa jurídica


corruptora envolvida ou integrante de uma organização criminosa, a atuação
conjunta dos órgãos estatais competentes para realizar a investigação é imperiosa,
sobretudo na tentativa de celebrar os acordos ora debatidos.

A resistência de alguns doutrinadores nacionais na aplicação dos acordos de


colaboração pode ser explicada pelo fato de o ordenamento jurídico brasileiro ter
nascido pautado na experiência do civil law, o que significa que o Direito brasileiro
não tem a vivência em negociações no âmbito do Direito Penal e Processual Penal e
sua sociedade está habituada a um outro sistema de persecução e punição, tendo

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CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

dificuldades, inclusive, de assimilar a implementação de institutos previstos na


legislação desde 1995, como: proposta de conciliação, de reparação de danos,
transação e suspensão condicional do processo, todas essas trazidas pela Lei n.
9.09940.

No entanto, essa reação contrária pode e deve ser vencida, a partir do


momento em que se começar a observar os frutos positivos que se colherá do uso
responsável dos acordos de leniência e de colaboração premiada no combate à
corrupção e o efetivo declínio do número de delitos dessa espécie no país.


40
FERNANDES, Fernando Andrade; GOMES, Ana Cristina. Acerca da experiência brasileira com o
instituto da delação premiada. Expectativas político-criminais transmudadas em políticas públicas
criminais. Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal, São Paulo, n. 76, fev-mar, 2017. p. 47.

83

CADERNO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: LEI ANTICORRUPÇÃO

REFERÊNCIAS

BITENCOURT, Cezar Roberto; BUSATO, Paulo César. Comentários à Lei de


Organização Criminosa: Lei n. 12.850/2013. São Paulo: Saraiva, 2014.

BRASIL. Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm>. Acesso
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