Reflexoes Sobre o Sínodo 2021-2023
Reflexoes Sobre o Sínodo 2021-2023
Reflexoes Sobre o Sínodo 2021-2023
Em coletiva de imprensa, bispo Dom José Gislon falou sobre a atividade que é
uma das maiores já realizadas pela Igreja Católica, com espaços de reflexão e
debate abertos a fiéis do mundo inteiro.
Pela primeira vez, o processo sinodal será realizado de forma ampla, com
espaços de reflexão e debate abertos a toda a comunidade católica a partir de
atividades que começam em cada diocese. Na Diocese de Caxias do Sul, que
engloba 73 paróquias e quase mil comunidades, o Sínodo será aberto
oficialmente neste domingo (17), com uma missa celebrada às 15h, no
Santuário de Caravaggio, em Farroupilha.
— Creio que esta fase diocesana vai ser um momento muito bonito. Queremos
ouvir as pastorais, os movimentos, os vários segmentos que fazem parte da
nossa sociedade. Acho que só assim estaremos colaborando com aquilo que o
Sínodo nos pede. Todos terão o direito de se manifestar — afirmou o bispo, que
também explicou as etapas do processo local, que resultará em uma síntese
entregue à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil no dia 25 de março de
2022.
A síntese, segundo ele, deverá ser escrita em, no máximo, 10 páginas, e será
elaborada a partir das questões que vão ser discutidas pelo Conselho Diocesano
de Pastoral sobre o Sínodo, marcado para o dia 4 de dezembro de 2021.
É interessante, porque desde o Tempo Pascal, ao meditar no livro dos Atos dos
Apóstolos, na minha oração pessoal e também na Basílica dos Congregados
(Braga), a linha de reflexão foi muito o Espírito Santo como protagonista da
Igreja. No meio disto tudo, quando chega esta notícia, este convite, foi quase
como a confirmação de um caminho que eu próprio iniciei.
Sim, a equipa é bastante alargada, ainda não está completa, é uma equipa
internacional. Passa por tentar abranger a presença da Igreja em todo mundo,
com o objetivo fundamental de que o Sínodo real seja o Sínodo mediático.
Vamos pensar só em dois dos últimos Sínodos, que para mim são
paradigmáticos – mas isso aconteceu também com o Concílio Vaticano II -, o
Sínodo sobre a Família (2014-2015) e o Sínodo sobre a Amazónia (2019).
Tivemos muito ruído, mas sobretudo – e essa é que é a grande questão – a
receção feita pelas pessoas, pelos católicos, e não só, é feita a partir dos órgãos
de comunicação social, aquilo que leem, que ouvem, aquilo que veem. Há falta
de profundidade, às vezes a informação não é a melhor…
Os próprios párocos, todos nós, sentimos isso nas nossas comunidades. Ainda
há pouco tempo uma senhora me disse: “Então, o Papa Francisco não disse que
os divorciados recasados podiam comungar?”. Não, não disse isso. Foi o que
ouviu, mas ele não disse isso.
É importante ajudar a aprofundar o que vai ser dito, para que chegue às pessoas
e se crie aqui um processo sério, no sentido espiritual, de reflexão.
É fundamental.
E também para a forma como a Igreja comunica, a própria linguagem que usa?
Porque também se tem a ideia, por parte dos órgãos de comunicação que
recebem a informação, de que a Igreja ainda comunica de forma demasiado
fechada?
Não quero culpar órgãos de comunicação social, mas é preciso ter gente
especializada nas nossas redações que percebam o fenómeno religioso, com
profundidade. Portanto, creio que aqui há uma responsabilidade, de parte a
parte: da Igreja, em comunicar bem, ter uma maior proximidade, diálogo, e
promover até encontros para falar sobre o que está a acontecer, quais são os
grandes temas, descodificar toda a linguagem, porque esta linguagem técnica
faz parte de todos os saberes; e, ao mesmo tempo, da parte dos órgãos de
comunicação social, termos pessoas especializadas em religião.
Sim, e cada país, como acontece em Portugal, tem um secretariado. Creio que
proximamente acontecerá esse encontro, para criar uma sintonia e fazer passar
essa mensagem, a partir já de uma estrutura existente.
É, não tenho dúvida, pelo desejo de mudança e também por aquilo que
presenciei. Haverá resistências? Há e haverá. Isto não é muito simpático de
dizer, mas ninguém está disposto a perder poder sem dar luta, quando
entendemos que a nossa missão é de poder e não de serviço. Há também
medos, mas o medo é também falta de fé.
De imediato o mais difícil vai ser implementar este processo, vamos precisar de
tempo. Eu não me admiraria que este processo de auscultação das igrejas locais
fosse prolongado, isto é, fosse para além de abril. Não me admiraria mesmo.
É o que o Papa Francisco não quer. Até porque o cardeal Mario Grech
(secretário do Sínodo dos Bispos), ao encerrar no dia 9 os trabalhos na ala
sinodal apresentou sugestões. Os teólogos que pensem e que trabalhem, é
preciso aprofundar a eclesiologia da ‘Lumen Gentium’ (‘Luz dos Povos’, Concílio
Vaticano II), aprofundar a dimensão pneumatológica da Igreja. Perceber se se
consulta o povo de Deus, ou se estamos a fazer a consulta dentro do povo de
Deus, porque bispos, padres e o Papa, também são povo de Deus. São questões
que precisam de ser aprofundadas e os teólogos têm um momento
extraordinário, sobretudo os eclesiólogos, de fazer este trabalho. Mas, a
primeira grande dificuldade vai ser implementar este processo, que é
profundamente espiritual, e aqui precisamos dos nossos irmãos da Companhia
de Jesus. Há outras tradições no discernimento, mas esta está profundamente
enraizada naquilo que é a espiritualidade inaciana, nos exercícios espirituais.
Que nos expliquem o que é isso de realizar o discernimento.
Este Sínodo prossegue a partir deste domingo nas várias dioceses do mundo.
Em Portugal a maioria assinala o arranque do processo sinodal com eucaristias,
presididas pelos respetivos bispos. Há quem diga que este é um arranque de
alguma forma tímido e demasiado formal para o que se quer deste Sínodo.
Concorda?
Concordo, e aí está: se calhar é este modo que temos de ser Igreja que ainda
não está em saída, com novas expressões, está ainda muito formatado.
Eu não sei se isto é inconfidência….
A ideia de estar na ala sinodal era tão simples como isto, era não haver ali
lugares exclusivos para esta ou aquela pessoa. Houve cardeais que o fizeram,
não estiveram na primeira fila, mas misturados entre todos.
O que é que o Logo do Sínodo escolhido nos diz, para expressar a vontade do
Santo Padre e do Espírito Santo, que é ser uma Igreja que caminha junta? É que
não vai o bispo à frente nem atrás, vai lá no meio, vão pessoas, vão os mais
frágeis. E aproveito para dizer isto: é preciso ouvir as margens, e ainda temos
muito a caminhar.
Uma pergunta a fazer na Igreja é: quem são os leprosos de hoje? Pessoas que
não queremos tocar, queremo-las afastadas, não lhes damos oportunidade ou
espaço de se integrarem, mas que desejam, e esperam da nossa parte o maior
acolhimento.
Não estou a querer desculpar, mas há aqui a questão do tempo. Este processo
inicia-se depois das férias, embora os bispos tivessem recebido indicações desde
maio, as equipas levam algum tempo a ser constituídas, ainda não temos as
pessoas de contacto conhecidas. Ainda há aqui muito trabalho para fazer, e tem
de haver um grande empenho também da comunicação social. Também
acreditamos no poder comunicativo do Papa Francisco, que faça as pessoas
interrogarem-se, nas comunidades ou paróquias perguntarem ao padre ‘mas,
não está a decorrer qualquer coisa? Uma auscultação do povo de Deus? Aqui na
paróquia quando é que vamos iniciar?’. Eu acho que não fica mal, fica muito
bem e é necessário.
Documento preparatório Sínodo 2023
6. Esta situação que, não obstante as grandes diferenças, irmana toda a família
humana, desafia a capacidade da Igreja de acompanhar as pessoas e as
comunidades a reler experiências de luto e sofrimento, que desmascararam
muitas falsas certezas, e a cultivar a esperança e a fé na bondade do Criador e
da sua criação. No entanto, não podemos negar que a própria Igreja deve
enfrentar a falta de fé e a corrupção, inclusive no seu interior. Em particular,
não podemos esquecer o sofrimento vivido por menores e pessoas vulneráveis
«por causa de abusos sexuais, de poder e de consciência cometidos por um
número notável de clérigos e pessoas consagradas».[4] Somos continuamente
interpelados, «como Povo de Deus, a assumir a dor de nossos irmãos feridos na
sua carne e no seu espírito».[5] Durante demasiado tempo, o grito das vítimas
foi um clamor que a Igreja não soube ouvir suficientemente. Trata-se de feridas
profundas, que dificilmente se cicatrizam, pelas quais nunca se pedirá perdão
suficiente, e que constituem obstáculos, às vezes imponentes, para prosseguir
na direção do “caminhar juntos”. A Igreja inteira é chamada a confrontar-se
com o peso de uma cultura impregnada de clericalismo, que ela herdou da sua
história, e de formas de exercício da autoridade nas quais se insinuam os vários
tipos de abuso (de poder, económico, de consciência, sexual). É impensável
«uma conversão do agir eclesial sem a participação ativa de todos os membros
do Povo de Deus»:[6] juntos, peçamos ao Senhor «a graça da conversão e da
unção interior para poder expressar, diante desses crimes de abuso, a nossa
compunção e a nossa decisão de lutar com coragem».[7]
7. A despeito das nossas infidelidades, o Espírito continua a agir na história e a
manifestar o seu poder vivificante. É precisamente nos sulcos cavados pelos
sofrimentos de todos os tipos, suportados pela família humana e pelo Povo de
Deus, que florescem novas linguagens da fé e renovados percursos, capazes não
apenas de interpretar os acontecimentos de um ponto de vista teologal, mas de
encontrar na provação as razões para voltar a fundar o caminho da vida cristã e
eclesial. É motivo de grande esperança que não poucas Igrejas já tenham
iniciado encontros e processos de consulta do Povo de Deus, mais ou menos
estruturados. Onde eles se distinguiram por um estilo sinodal, o sentido de
Igreja voltou a florescer e a participação de todos deu renovado impulso à vida
eclesial. Também encontram confirmação o desejo de protagonismo no seio da
Igreja por parte dos jovens, e o pedido de uma maior valorização das mulheres
e de espaços de participação na missão da Igreja, já apontados pelas
Assembleias sinodais de 2018 e de 2019. Nesta linha vão também a recente
instituição do ministério laical do catequista e a abertura às mulheres do acesso
aos ministérios do leitorado e do acolitado.
10. «Aquilo que o Senhor nos pede, de certo modo está já tudo contido na
palavra “Sínodo”»,[8] que «é palavra antiga e veneranda na Tradição da Igreja,
cujo significado recorda os conteúdos mais profundos da Revelação».[9] É o
«Senhor Jesus que se apresenta a si mesmo como “o caminho, a verdade e a
vida” (Jo 14, 6)», e «os cristãos, na sua sequela, são originariamente chamados
“os discípulos do caminho” (cf. At 9, 2; 19, 9.23; 22, 4; 24, 14.22)».[10] Nesta
perspetiva, a sinodalidade é muito mais do que a celebração de encontros
eclesiais e assembleias de Bispos, ou uma questão de simples administração
interna da Igreja; ela «indica o específico modus vivendi et operandi da Igreja, o
Povo de Deus, que manifesta e realiza concretamente o ser comunhão no
caminhar juntos, no reunir-se em assembleia e no participar ativamente de
todos os seus membros na sua missão evangelizadora».[11] Entrelaçam-se
assim aqueles que o título do Sínodo propõe como eixos fundamentais de uma
Igreja sinodal: comunhão, participação e missão. Neste capítulo explicamos
sumariamente algumas referências teológicas essenciais em que esta perspetiva
se fundamenta.
11. No primeiro milénio, “caminhar juntos”, ou seja, praticar a sinodalidade, era
a maneira habitual de proceder da Igreja, entendida como «Povo reunido pela
unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo».[12] Àqueles que dividiam o corpo
eclesial, os Padres da Igreja opuseram a comunhão das Igrejas espalhadas pelo
mundo, que Santo Agostinho descrevia como «concordissima fidei conspiratio»,
[13] isto é, o acordo na fé entre todos os Batizados. É aqui que se arraiga o
amplo desenvolvimento de uma prática sinodal a todos os níveis da vida da
Igreja – local, provincial, universal – que encontrou a sua mais excelsa
manifestação no concílio ecuménico. Foi neste horizonte eclesial, inspirado no
princípio da participação de todos na vida da Igreja, que São João Crisóstomo
pôde dizer: «Igreja e Sínodo são sinónimos».[14] Este modo de proceder não
esmoreceu nem sequer no segundo milénio, quando a Igreja evidenciou em
maior medida a função hierárquica: se na idade média e na época moderna é
bem atestada a celebração dos sínodos diocesanos e provinciais, assim como a
dos concílios ecuménicos, quando se tratava de definir verdades dogmáticas, os
Papas queriam consultar os Bispos, para conhecer a fé de toda a Igreja,
recorrendo à autoridade do sensus fidei de todo o Povo de Deus, que é
«infalível “in credendo”» (EG, n. 119).
14. Por isso, os Pastores, constituídos por Deus «como autênticos guardiões,
intérpretes e testemunhas da fé de toda a Igreja»,[16] não tenham medo de se
colocar à escuta da Grei que lhes for confiada: a consulta do Povo de Deus não
exige a assunção, no seio da Igreja, dos dinamismos da democracia centrados
no princípio de maioria, uma vez que na base da participação em qualquer
processo sinodal está a paixão partilhada pela missão comum de evangelização,
e não a representação de interesses em conflito. Por outras palavras, trata-se de
um processo eclesial, que só pode realizar-se «no seio de uma comunidade
hierarquicamente estruturada».[17] É na fecunda ligação entre o sensus fidei do
Povo de Deus e a função magisterial dos Pastores que se realiza o consenso
unânime de toda a Igreja na mesma fé. Cada processo sinodal, em que os Bispos
são chamados a discernir aquilo que o Espírito diz à Igreja, não sozinhos, mas
ouvindo o Povo de Deus, que «participa também da função profética de Cristo»
(LG, n. 12), constitui uma forma evidente daquele «caminhar juntos» que faz
crescer a Igreja. São Bento salienta que «muitas vezes o Senhor revela a melhor
decisão»[18] a quem não ocupa posições relevantes na comunidade (neste
caso, o mais jovem); assim, os Bispos tenham o cuidado de alcançar todos, a fim
de que no desenrolar ordenado do caminho sinodal se realize aquilo que o
apóstolo Paulo recomenda às comunidades: «Não extingais o Espírito. Não
desprezeis as profecias. Examinai tudo: abraçai o que é bom» (1 Ts 5, 19-21).
15. O sentido do caminho ao qual todos somos chamados consiste, antes de
mais nada, em descobrir o rosto e a forma de uma Igreja sinodal, em que «cada
um tem algo a aprender. Povo fiel, Colégio episcopal, Bispo de Roma: cada um à
escuta dos outros; e todos à escuta do Espírito Santo, o “Espírito da verdade”
(Jo 14, 17), para conhecer aquilo que Ele “diz às Igrejas” (Ap 2, 7)».[19] O Bispo
de Roma, como princípio e fundamento de unidade da Igreja, pede que todos os
Bispos e todas as Igrejas particulares, nas quais e a partir das quais existe a
Igreja católica una e única (cf. LG, n. 23), entrem com confiança e coragem no
caminho da sinodalidade. Neste “caminhar juntos”, peçamos ao Espírito que
nos leve a descobrir como a comunhão, que compõe na unidade a variedade
dos dons, dos carismas e dos ministérios, tem em vista a missão: uma Igreja
sinodal é uma Igreja “em saída”, uma Igreja missionária, «com as portas
abertas» (EG, n. 46). Isto inclui a chamada a aprofundar as relações com as
outras Igrejas e comunidades cristãs, com as quais estamos unidos mediante o
único Batismo. Além disso, a perspetiva de “caminhar juntos” é ainda mais
ampla e abrange toda a humanidade, da qual compartilhamos «as alegrias e as
esperanças, as tristezas e as angústias» (GS, n. 1). Uma Igreja sinodal é um sinal
profético sobretudo para uma comunidade de nações incapaz de propor um
projeto partilhado, através do qual perseguir o bem de todos: praticar a
sinodalidade é, hoje para a Igreja, a maneira mais evidente de ser «sacramento
universal da salvação» (LG, n. 48), «sinal e instrumento da íntima união com
Deus e da unidade de todo o género humano» (LG, n. 1).
16. O Espírito de Deus, que ilumina e vivifica este “caminhar juntos” das Igrejas,
é o mesmo que atua na missão de Jesus, prometido aos Apóstolos e às gerações
de discípulos que ouvirem a Palavra de Deus e que a puserem em prática. Em
conformidade com a promessa do Senhor, o Espírito não se limita a confirmar a
continuidade do Evangelho de Jesus, mas iluminará as profundidades sempre
novas da sua Revelação e inspirará as decisões necessárias para sustentar o
caminho da Igreja (cf. Jo 14, 25-26; 15, 26-27; 16, 12-15). Por este motivo, é
oportuno que o nosso caminho de construção de uma Igreja sinodal se deixe
inspirar por duas “imagens” da Escritura. Uma sobressai na representação da
“cena comunitária” que acompanha constantemente o caminho da
evangelização; a outra refere-se à experiência do Espírito, em que Pedro e a
comunidade primitiva reconhecem o risco de colocar limites injustificados à
partilha da fé. A experiência sinodal do caminhar juntos, no seguimento do
Senhor e em obediência ao Espírito, poderá receber uma inspiração decisiva da
meditação a respeito destes dois momentos da Revelação.
17. Na sua estrutura fundamental, uma cena original aparece como a constante
do modo como Jesus se revela ao longo de todo o Evangelho, anunciando o
advento do Reino de Deus. Os atores em jogo são essencialmente três (mais
um). Naturalmente, o primeiro é Jesus, o protagonista absoluto que toma a
iniciativa, semeando as palavras e os sinais da vinda do Reino, sem «preferência
de pessoas» (cf. At 10, 34). De várias maneiras, Jesus presta especial atenção
aos “separados” de Deus e aos “abandonados” pela comunidade (na linguagem
evangélica, os pecadores e os pobres). Com as suas palavras e as suas ações,
oferece a libertação do mal e a conversão à esperança, em nome de Deus Pai e
na força do Espírito Santo. Não obstante a diversidade das chamadas e das
respostas de acolhimento do Senhor, a caraterística comum é que a fé emerge
sempre como valorização da pessoa: a sua súplica é ouvida, à sua dificuldade
presta-se ajuda, a sua disponibilidade é apreciada, a sua dignidade é confirmada
pelo olhar de Deus e restituída ao reconhecimento da comunidade.
21. Além disso, há o ator “extra”, o antagonista, que traz à cena a separação
diabólica dos outros três. Diante da perspetiva inquietadora da cruz, há
discípulos que vão embora e multidões que mudam de humor. A ameaça que
divide e, por conseguinte, impede um caminho comum, manifesta-se
indiferentemente sob as formas do rigor religioso, da injunção moral, que se
revela mais exigente que a de Jesus, e da sedução de uma sabedoria política
mundana, que se julga mais eficaz que um discernimento dos espíritos. Para
evitar os enganos do “quarto ator”, é necessária uma conversão contínua. A
este propósito, é emblemático o episódio do centurião Cornélio (cf. At 10),
precedente ao “concílio” de Jerusalém (cf. At 15), que constitui um ponto de
referência crucial para uma Igreja sinodal.
22. O episódio narra antes de mais nada a conversão de Cornélio, que chega a
receber uma espécie de anunciação. Cornélio é pagão, presumivelmente
romano, centurião (oficial de baixa patente) do exército de ocupação, que
exerce uma profissão baseada na violência e no abuso. No entanto, dedica-se à
oração e à esmola, ou seja, cultiva a relação com Deus e cuida do próximo. De
modo surpreendente, o anjo entra precisamente nele, chama-o pelo nome e
exorta-o a enviar – o verbo da missão! – os seus servos a Jafa para chamar – o
verbo da vocação! – Pedro. Então, a narração torna-se a da conversão deste
último, que naquele mesmo dia recebeu uma visão em que uma voz lhe ordena
que mate e coma animais, alguns dos quais impuros. A sua resposta é decisiva:
«De modo algum, Senhor!» (At 10, 14). Reconhece que é o Senhor quem fala
com ele, mas opõe-se-lhe com uma clara rejeição, dado que aquela ordem
destrói preceitos da Torá que são irrenunciáveis para a sua identidade religiosa,
e que exprimem um modo de entender a eleição como diferença que implica
separação e exclusão em relação aos outros povos.
24. Tanto Cornélio como Pedro envolvem outras pessoas no seu percurso de
conversão, fazendo delas companheiros de caminho. A ação apostólica cumpre
a vontade de Deus, criando comunidade, derrubando barreiras e promovendo o
encontro. A palavra desempenha um papel central no encontro entre os dois
protagonistas. Cornélio começa a compartilhar a experiência que viveu. Pedro
ouve-o e em seguida toma a palavra, comunicando por sua vez o que lhe
aconteceu e testemunhando a proximidade do Senhor, que vai ao encontro de
cada pessoa para a libertar daquilo que a torna prisioneira do mal e mortifica a
sua humanidade (cf. At 10, 38). Esta maneira de comunicar é semelhante àquela
que Pedro adotará quando, em Jerusalém, os fiéis circuncidados o
repreenderão, acusando-o de ter transgredido as normas tradicionais, nas quais
toda a atenção deles parece estar concentrada, menosprezando a efusão do
Espírito: «Por que entraste na casa de incircuncisos e comeste com eles?» (At
11, 3). Naquele momento de conflito, Pedro descreve o que lhe aconteceu,
assim como as suas reações de consternação, incompreensão e resistência. É
exatamente isto que ajudará os seus interlocutores, inicialmente agressivos e
refratários, a ouvir e a aceitar o que aconteceu. A Escritura contribuirá para
interpretar o sentido disto, como sucessivamente acontecerá no “concílio” de
Jerusalém, num processo de discernimento que é uma escuta em comum do
Espírito.
A questão fundamental
Embora sejam distintos de um ponto de vista lógico, estes três planos referem-
se uns aos outros e devem manter-se unidos de maneira coerente, caso
contrário transmite-se um contratestemunho, minando a credibilidade da
Igreja. Com efeito, se não se encarnar em estruturas e processos, o estilo da
sinodalidade degrada-se facilmente do nível das intenções e dos desejos para
aquele da retórica: enquanto processos e eventos, se não forem animados por
um estilo adequado, não passam de formalidades vazias.
I. OS COMPANHEIROS DE VIAGEM
II. OUVIR
IV. CELEBRAR
V. CORRESPONSÁVEIS NA MISSÃO
A sinodalidade está ao serviço da missão da Igreja, na qual todos os seus
membros são chamados a participar. Dado que somos todos discípulos
missionários, de que maneira cada um dos Batizados é convocado para ser
protagonista da missão? Como é que a comunidade apoia os seus membros
comprometidos num serviço na sociedade (na responsabilidade social e política
na investigação científica e no ensino, na promoção da justiça social, na
salvaguarda dos direitos humanos e no cuidado da Casa comum, etc.)? Como os
ajuda a viver estes compromissos, numa lógica de missão? Como se verifica o
discernimento a respeito das escolhas relativas à missão e quem participa?
Como foram integradas e adaptadas as diferentes tradições em matéria de
estilo sinodal, que constituem a herança de muitas Igrejas, especialmente as
orientais, em vista de um testemunho cristão eficaz? Como funciona a
colaboração nos territórios onde estão presentes diferentes Igrejas sui iuris?
Num estilo sinodal, decide-se por discernimento, com base num consenso que
dimana da obediência comum ao Espírito. Com que procedimentos e com que
métodos discernimos em conjunto e tomamos decisões? Como podem eles ser
melhorados? Como promovemos a participação na tomada de decisões, no seio
de comunidades hierarquicamente estruturadas? Como articulamos a fase
consultiva com a deliberativa, o processo do decision-making com o momento
do decision-taking? De que maneira e com que instrumentos promovemos a
transparência e a accountability?
X. FORMAR-SE NA SINODALIDADE
32. A síntese que cada Igreja particular elaborar na conclusão deste trabalho de
escuta e discernimento constituirá a sua contribuição para o percurso da Igreja
universal. Para tornar mais fáceis e sustentáveis as fases sucessivas do caminho,
é importante conseguir condensar os frutos da oração e da reflexão, no
máximo, em dez páginas. Se for necessário, para as contextualizar e explicar
melhor, poderão ser anexados outros textos como apoio ou integração.
Recordamos que o objetivo do Sínodo, e por conseguinte desta consulta, não
consiste em produzir documentos, mas em «fazer germinar sonhos, suscitar
profecias e visões, fazer florescer a esperança, estimular confiança, faixar
feridas, entrançar relações, ressuscitar uma aurora de esperança, aprender uns
dos outros e criar um imaginário positivo que ilumine as mentes, aqueça os
corações, restitua força às mãos».[23]
Índice
I. Apelo a caminhar juntos
II. Uma Igreja constitutivamente sinodal
III. À escuta das Escrituras
Jesus, a multidão, os apóstolos
Uma dupla dinâmica de conversão: Pedro e Cornélio (At 10)
https://www.vaticannews.va/pt/vaticano/news/2021-09/texto-lido-em-
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