Apostila - Tradição Judaica No Novo Testamento
Apostila - Tradição Judaica No Novo Testamento
Apostila - Tradição Judaica No Novo Testamento
APOSTILA:
TRADIÇÃO JUDAICA
NO NOVO TESTAMENTO
Professora: Ira. Judite Paulina Mayer, NDS
SÃO PAULO
MAIO DE 2016
INDICE
Ementa .......................................................................................................................................................................................................................................... 03
Unidade III: anexo: os elos da tradição oral; a importância de uma tradição oral ............................ 23
CULTURA JUDAICO-CRISTÃ,
HISTÓRIA E TEOLOGIA
1) Ementa
Análise de textos de passagens das Escrituras e do Novo Testamento a partir da tradição rabínica.
2) Objetivo
3) Conteúdo Programático
4) Metodologia
UNIDADE I
VOCABULÁRIO JUDAICO
E O ESTUDO E A LEITURA DA TORÁ
1. Amida – Significa “estar de pé” oração das Dezoito bênçãos – Shemone Esserê, conhecida simplesmente
como Tefilá – oração, a oração por excelência.
2. Amora, amoraim – singular e plural – nome dado à geração dos sábios após os tanaim.
3. Baraita, baraitot: singular e plural, palavra de origem aramaica ‘bar’ que significa ‘externo’. É uma tradição
da época dos tannaím que ficou fora da Mishná. Elas se encontram tanto na Tosefta ou nas coleções de
midrashim.
4. Darash: darash que significa buscar, investigar, escrutar. O darash das Escrituras leva à compreensão e
interpretação das Escrituras.
5. Darshan: Aquele que busca nas escrituras seu significado profundo das Escrituras, através da dérashá, torna-
se um grande pregador, um darshan.
6. Derashá: homilia que nasce do resultado da busca de darash.
7. Guemara: palavra de origem aramaica, o verbo gamar significa estudar ou aprender uma tradição. São
comentários e analises rabínicas da Mishná.
8. Hagadah: haggid - que significa falar e contar, sinônimo do verbo hebraico - sapper que significa relatar ou
contar uma história.
9. Halakhá: halakh - significar caminhar. No sentido figurativo é o ensinamento que alguém segue e por ele é
guiado. Halakha é o caminho da vida judaica de acordo com a Torá escrita e oral, fundamentada na experiência
do dia a dia.
10. Hanucá: festa das luzes, nas Escrituras conhecida como “festa da dedicação do Templo”, iniciada coma
vitória dos Macabeus.
11. Midrash: da raiz hebraica darash significa a busca amorosa de Deus através da Palavra de Deus.
12. Mashal: termo hebraico mashal, traduzido comumente por “parábola” provém da raiz hebraica que abarca
uma polissemia muito grande e pode significar: comparação, contar uma parábola, fábula, provérbio.
Exemplo: enigma, discurso profético, etc.
13. Meggilah: significa rolo.
14. Mishná: Compilação da tradição de Israel realizada nos finais do segundo século e meados do terceiro século
da era cristã.
15. Nimshal: Resposta dada ao mashal através de uma comparação ou do seu significado.
16. Parábola: palavra de origem grega, parábola significa comparação, alegoria Pessach: Pascoa judaica, a
grande festa da libertação do Egito.
17. Purim: significa ‘sorteio’. Festa que comemora a salvação dos judeus na época persa. Encontra-se narrada
na Meguilah de Ester, onde pela primeira vez se fala dos judeus como denominação do povo de Israel, fora
da terra de Israel.
18. Rosh há-shana: Cabeça do ano, Ano novo judaico.
19. Shavua, shavuot: Semana, semanas – Festa das semanas – em grego Pentecostes
20. Seder: Significa ordem. Nome da ceia pascal.
21. Shema: profissão de fé, oração recitada pelo menos duas vezes ao dia.
22. Suca, sucot: Cabana, cabanas – Festa das cabanas, nas Escrituras conhecida como festa dos tabernáculos. Na
época de Jesus era uma festa tão importante que se denominava simplesmente a Festa.
23. Tana, tanaim: singular e plural. Tana significa repetir. Nome dado aos mestres doa dois primeiros séculos
da era cristã responsáveis pela colocação por escrito da tradição oral das gerações anteriores, ou seja, dos
‘zugot’.
24. Tanu rabanan: expressão muito utilizada ‘nossos mestres ensinaram’.
A partir do exílio da Babilônia (± 587 a.C.) a vida do povo de Israel se organiza em torno da Torá.
A Torá escrita, ponto de coesão do povo é também base da sua diversidade. O Judaísmo dos séculos que precedem
o Cristianismo se caracteriza pelo florescimento de uma grande atividade literária e cultural resultado da grande
criatividade do povo de Israel veiculada pela Tradição oral. Assim sendo, a vida judaica neste período é bastante
complexa. Grande parte das informações que conhecemos sobre os diferentes grupos ou tendências repousa nas
informações recebidas através das obras de Flávio Josefo que escreveu para um público greco-latino.
Flávio Josefo, com o objetivo de facilitar a compreensão de seu público, por vezes, não se privou de
simplificar sua descrição assimilando os saduceus aos epicureus, os fariseus aos estoicos e os essênios aos
pitagóricos. Atualmente os estudos sociológicos e as descobertas arqueológicas sugerem diferentes hipóteses
procurando uma aproximação mais adequada na tentativa de discernir as diferentes tendências que existiam.
O estudo da relação entre a Torá Escrita = Torá she-bikhtav e a Torá oral = Tora shebe-al-pe revela
a dinâmica da vida do povo de Israel que se realiza pela busca constante de viver a Aliança, de colocar em prática
a vontade de Deus para seu povo através das mitzvot. Essa dinâmica se encontra no interior do próprio texto
bíblico que atualiza, adapta, transforma e inova o texto revelado em função da nova situação histórica.
A Torá escrita e a Torá oral são dois modos de exprimir a única Palavra de Deus, revelada ao povo
de Israel no Sinai, para que ele se torne seu povo. Através delas, Deus continua a falar em todas as épocas. A vida
O desenvolvimento da tradição oral no I século da e.C. nos permite dizer que o ponto central da
educação judaica, já nessa época, é o estudo da Torá. Segundo os Sábios5, “o estudo da Torá é um dos pilares do
mundo” e a Shekhina, a “presença de Deus” no meio do povo, depende do estudo da Torá. O estudo da Torá e
seus comentários renovam diariamente o dom da Torá no Sinai. O comentário dos Sábios investe a Torá oral de
uma autoridade específica que se iguala à Torá escrita e por vezes deve ser preferida. O acontecimento da
Revelação no Sinai garante não somente a Torá escrita e a Torá oral, mas também o dom da autoridade de
interpretá-la.
O estudo da Torá não é somente um meio de aprender a se conduzir e a maior parte da literatura
deste período manifesta também o seu objetivo religioso6. Ele é um dever sagrado que aproxima o discípulo de
Deus. O cumprimento desse dever sagrado se torna uma experiência religiosa, que nesse período é incentivado
através da: liturgia pública nas sinagogas; leitura pública da Torá e seus comentários 7 ; durante as festas de
peregrinação no Templo; pelo estudo individual e em grupos, tidos como momentos privilegiados de estudo da
Torá.
A partir de Esdras e Neemias as crianças, objetos de uma atenção particular, vão receber todas as
etapas de sua educação em torno da Torá. A regra geral era que toda criança deveria ir para a escola, aprender os
livros das Escrituras e adquirir o conhecimento básico que lhe permitisse participar da vida judaica. Em relação
ao estudo não havia diferença entre rico (filho do haver) e o pobre (filho do am ha-haretz). Sem dúvida havia
crianças que não estudavam, pois vemos o exemplo de R. Akiba, um dos maiores mestres do início do segundo
século e que foi martirizado em 135, que segundo a tradição, começou a estudar com 40 anos.
No entanto, o estudo da Torá não era reservado aos especialistas e sacerdotes, ao contrário era, e
continua sendo, uma questão de toda a comunidade. Todo aquele que recebia algum conhecimento da Torá tinha
obrigação de ensinar os outros. Se não o fizesse era como se houvesse “desprezado a Palavra do Senhor”8. Embora
3 A Torá oral não tem o caráter de um grupo ideológico fechado, antes, é corpo de ensinamentos criado e apoiado por uma adesão
diversificada entre as diferentes camadas da sociedade. Justamente por ser oral é que tem como consequências variedade na intensidade
da adesão, fato que permite diversidade e flexibilidade dentro de um quadro de conceitos e atitudes geralmente aceitos cf. M. Fishbane,
“Torá et Tradition” in: A. Knight, Tradition et Théologie. Paris: Cerf, 1977, p. 285-311.
4 S. Safrai, The Literature of the Sages. Philadélfia: Fortpress, 1987, p.36. 5 cf. id. p. 37.
remonta a este período. A leitura na sinagoga era feita por qualquer membro da comunidade que fosse convidado a fazê-lo. Aos sábados,
pelo menos sete membros da comunidade liam a Torá, um dos profetas e outro traduzia as leituras cf. S. Safrai, The Jewish People...,1976,
p. 949. É o que nos relata o evangelho de Lc 4,16ss. A partir do século X de nossa era, a leitura continua da Torá é feita em um ano,
dividida em 54 perícopes sabáticas chamadas Parasha.
8 cf. Tb Sanhedrin 99a, Nm 15,31.
Siknin na Galiléia e mulher de R. Meir. A tradição conserva halakhot feita por ela e que foram aceitas pelos sábios. cf. M. Kellim Baba
Kamma 4,17; M.Kelim Baba Metzia 1,6; Tb. Pesahim 62b.
13 Talvez por ser a relação mestre-discípulo eixo central na transmissão oral, as fontes escritas sobre a questão são escassas. O trabalho
mais significativo do qual dependemos basicamente para os possíveis desdobramentos apresentados sobre a questão é de autoria de P.
Lenhardt, “Voix de la continuité juive” in: R.S.R, 1978, T 66, n°4, pp. 489 – 516. Falando sobre os escritos rabínicos e qumrânicos, Nodet
comenta a diferença destes dois conjuntos de literatura que em muitos aspectos chamam a atenção, pois no caso de Qumrã trata-se de um
grupo reformador cujo acesso é estritamente controlado enquanto que na literatura rabínica a insistência é feita sobre a tradição oral e a
relação mestre e discípulo. Constata-se com facilidade que para um leitor desprevenido, mesmo que tenha boa vontade, a literatura é de
difícil compreensão, pois supõe o ensinamento oral. cf. E. Nodet e J. Taylor, Essai sur les origines du Christianisme.Paris: Cerf,1998.
14 Os sábios provinham de diferentes meios da comunidade de Israel. Havia entre eles sábios originários da nobreza sacerdotal, filhos de
famílias ilustres, artesãos, agricultores, diaristas, filhos de prosélitos, etc. cf. E.E. Urbach, Les Sages...1996, p. 581 - 620.
15 P. Lenhardt, “Voies de la continuité juive” in: R.S.R. 1978, T.66, n°4, p. 494. A questão da cessação da profecia é bastante complexa.
Há aspectos do modo de falar e agir dos profetas que se assemelham ao modo de falar e agir dos sábios. Cf. também E.E. Urbach, Les
Sages...1996 especialmente p. 581-584.
16 cf. Pierre LENHARDT. “Le renouvellement (hiddush) de l’alliance dans le judaïsme rabbinique” in: Cahiers Ratisbonne, nº 3, 1997, p.
126-176
17 Em Yavné a bat qol (filha da voz) assim falou: umas e outras são palavras de Deus (Hillel e Shamai), mas a halakha é segundo as
1.2.3 - Considerações
O entrelaçamento e convivência entre judeus e judeu-cristãos continuou por mais de quatro ou cinco
séculos antes da ruptura final. O que se pode comprovar historicamente é que a partir do primeiro século, em
diferentes lugares, de diferentes maneiras, se estabelece um clima de tensão e se inicia um processo de
distanciamento entre os judeus que acreditaram em Jesus como Messias e Filho de Deus e os judeus que não o
reconheceram como Messias. Ambos continuaram fiéis à Torá de Moisés.
Este processo de distanciamento nos dois primeiros séculos se desenvolve num clima de busca de
identidade, de auto definição. Para o Judaísmo trata-se de redefinir e reestruturar sua identidade diante da
catástrofe de 70 e para o Cristianismo nascente, balbuciante de encontrar sua identidade. Assim, de forma
diferente, os dois grupos religiosos buscam sua identidade. Esta busca se fará parcialmente um contra o outro. É
preciso abordar o final do primeiro século como inauguração da reestruturação da identidade judaica e construção
da identidade cristã.
Marguerat 18 chama atenção para a necessidade de sobrevivência que enfrentam os dois grupos
religiosos. Por um lado, os discípulos de Jesus, após a execução do mestre, foram obrigados a lutar pela
sobrevivência de sua fé. Eles encontraram incompreensão das populações do império romano e hostilidade de
seus correligionários judeus. O Judaísmo, por seu lado, após a tomada de Jerusalém e o incêndio do Templo, foi
obrigado a lutar para sobreviver a uma catástrofe que o privava da proximidade de Deus significada pelo ritual
sacrificial do Templo e pela proibição de falar hebraico, praticar a circuncisão, estudar a Torá e entrar em
Jerusalém.
Hoje podemos perceber que esse processo se fez buscando justificativas que fundamentassem suas
posições e por isso mesmo num clima de exclusão mútua. Havia na época certa flexibilidade sobre diferentes
posições, mas ainda não se tinha consciência de que é preciso ir além da flexibilidade para se respeitar o outro
como ele se define e aceitá-lo em sua diferença, ou seja, assumir uma atitude de reverência, uma atitude dialógica.
Na Igreja Católica Romana, o Concílio Vaticano II inaugurou uma nova atitude face ao povo judeu
e ao judaísmo com a Declaração conciliar Nostra Aetate.
“Perscrutando o Mistério da Igreja, o concílio recorda o vínculo que une espiritualmente o povo do Novo
Testamento a descendência de Abraão...Sendo pois tão grande o patrimônio espiritual comum aos Cristãos e
aos Judeus, o concílio deseja estimular e recomendar, a ambas as partes, o conhecimento e a estima
mútua.”(NA nº4).
Em seu discurso a Pontifícia Comissão Bíblica em 11 de abril de 1997, João Paulo II se expressa
dizendo:
“Na realidade não podemos expressar plenamente o mistério de Cristo sem recorrer ao Antigo Testamento. A
identidade humana de Jesus se define a partir de sua relação com o povo de Israel, com a dinastia de Davi e a
descendência de Abraão. Não se trata somente de uma aparência física. Frequentando a sinagoga onde eram
lidos os textos do Antigo Testamento, Jesus tomava também humanamente consciência destes textos. Ele
nutria seu espírito e seu coração destes textos. Em seguida, servindo-se deles em sua oração, neles inspirava
seu comportamento. Ele se tornou assim um autêntico filho de Israel, profundamente enraizado na longa
história de seu povo... Privar o Cristo de sua relação ao Antigo Testamento é desligá-lo de suas raízes e esvaziar
seu mistério de todo significado. Com efeito, para ser significativa, a encarnação tinha necessidade de se
enraizar em séculos de preparação. Se não fosse assim, Cristo teria sido como um meteoro caído
acidentalmente sobre a terra e privado de qualquer ligação com a história da humanidade... Sois chamados a
ajudar os cristãos a bem compreender sua identidade. Uma identidade que se define antes de tudo pela fé em
Cristo, Filho de Deus. Mas esta fé é inseparável de sua relação com o Antigo Testamento a partir do momento
18 cf. D. Marguerat, Le déchirement: juifs et chrétiens au premier siècle. Bruxelas: Labor et Fides,1996, p. 9-10.
Tradição Judaica no Novo Testamento
Cultura Judaica, História e Teologia 9
em que esta fé é uma fé em Cristo “morto por nossos pecados segundo as Escrituras” e “ressuscitado ...segundo
as Escrituras” (1Cor 15, 3-4)”19.
A partir de Vaticano II e, sobretudo no pontificado de João Paulo II, a documentação que fundamenta
esta nova atitude é bastante significativa. As orientações dadas podem ser resumidas em quatro aspectos:
1) As raízes do Cristianismo se encontram no Judaísmo. A árvore que não cuida de suas raízes acaba
morrendo. Aprofundar a relação entre as Escrituras judaicas e as Escrituras cristãs, a continuidade da
Revelação e o Judaísmo nos primeiros séculos são a condição necessária para que o Cristianismo aprofunde
sua própria identidade.
2) A importância do Diálogo: “Se você é diferente você me enriquece”20. O encontro face a face com o outro
diferente. Descobrir o outro como ele se define, permite ao interlocutor a descoberta de si mesmo e ajuda a
aprofundar sua própria identidade.
3) A liturgia é um ponto de encontro das raízes que unem judeus e cristãos. A própria estrutura da
proclamação da Palavra encontra sua origem no Judaísmo.
4) A história do povo judeu ano não terminou no ano 70 com a destruição do Templo. Sua permanência é
um fato histórico e um sinal a ser interpretado no plano de Deus. A presença histórica do povo judeu nos
convoca e nos questiona. Sua presença nos desafia. Seu modo de viver a tradição oral e escrita é para nós
cristãos e cristãs um grande apelo. Ela nos sensibiliza e nos convida a lutar contra toda forma de racismo e
discriminação que no mundo de hoje exclui a grande maioria da população. Somos chamados (as) a ser
parceiros (as) na história apressando a chegada do Reinado de Deus, na justiça paz e amor.
19 P C. B., Discurso de abertura, 11 de abril de 1997 cf.La Documentation Catholique, 4 mai. 1997, n°2159, pp. 406 – 407. A tradução
do texto é da responsabilidade da autora do artigo.
20 D. Helder Câmara.
Este quadro pode nos ajudar a perceber a grandeza da Tradição oral em relação à Escritura.
SINAI
TRADIÇAO TRADIÇAO
ESCRITA ESCRITA
(Torá-she-bicktav) (Torá-she-be –al- pe)
T = TORÁ
MESTRES DA GRANDE
N = NEVIIM ASSEMBLÉIA
K = KETUVIM
BARAITOT
TOSEFTA ( Tanaíta )
MIDRASH MISHNA
s
Midrash Midrash
haggadá halacka GUEMARA – (Amoraim)
TALMUDE
Saboraim
Balilônia/Jerusalém
Babilônia / Jerusalém
UNIDADE II
TARGUM: UMA LEITURA
POPULAR DAS ESCRITURAS
O termo targum vem da raiz תרגםque significa tradução. Targum num primeiro momento se refere
à tradução aramaica das Escrituras, feita oralmente, segundo a tradição judaica, a partir da volta do exílio, por
volta de 537/39 a.C. O Targum nasceu da necessidade concreta de levar ao conhecimento do povo a Torá numa
linguagem que fosse compreensível, pois a maioria dos judeus não falava mais o hebraico que havia sido
substituído pela língua do dominador, o aramaico.
Não sabemos exatamente qual foi o momento em que o aramaico se tornou a língua popular de todo
o império persa, incluindo a Terra de Israel. Por isso também é difícil dar uma data precisa para a generalização
desta prática e situar a partir de quando o targum se tornou a primeira etapa de uma educação que tinha como
fundamento único a Escritura, ficando mais unido à liturgia do que à beit-midrash - casa de estudo. Ele testemunha
a cultura popular da massa do povo judeu que forneceu os primeiros discípulos de Jesus.
Algumas vezes a palavra Targum designa de fato uma tradução como é o caso de Onqelos. Targum
designa também as obras que trazem paráfrases completas do Pentateuco como é o caso do Pseudo Yonathan
atribuído a Yonatham ben Uziel.
Em 1958, Diez-Macho, fazendo pesquisas sobre o Pseudo Yonatahn, encontrou na Biblioteca do
Vaticano um outro Targum que havia sido classificado como Pseudo Yonathan, mas na realidade tratava-se de
um outro Targum. Ele recebeu o nome de Neofiti, data do século sexto e nos dá uma ideia completa do modo de
fazer Targum no período do Segundo Templo, ou seja, o modo como as Escrituras eram apresentadas na sinagoga.
Pela Megilla (Megilla significa rolo. Quando se usa esse termo sem outra referência significa o rolo
de Ester, lido na festa de Purim. A Megilla se encontra na segunda ordem do Talmud - Mo’ed, é o décimo tratado)
podemos saber que a leitura na sinagoga seguia certos princípios. Em geral lia-se um versículo e em seguida
procedia-se a tradução. Podia também se ler três versículos.
Atualmente temos acesso a estes textos graças ao trabalho do padre espiritano Roger Le Déaut que
traduziu para o francês o Targum Pseudo Yonathan e o Neofiti. É imprescindível ler o prefácio e a apresentação
desta obra para entender o que significou o Targum no período do II Templo. Gerza Vermés diz que o Targum
foi a forma de tornar o texto inteligível e ao mesmo tempo teologicamente aceitável. E, Le Déaut vai dizer que o
Targum incorpora as notas que existem, no interior do texto.
Hoje quando falamos de Targum parece que é algo de intelectuais ou de academias. Na realidade
estamos diante de uma catequese popular, para as pessoas simples, pastores, ferreiros e outros tipos de tarefas e
que vem à sinagoga para escutar as Escrituras. O texto por si só fala a estas pessoas e por isso mesmo levanta
questões a partir desta escuta. O meturgeman devia encontrar as respostas e explicações para as questões
levantadas pelo texto, a partir da realidade da vida das pessoas que escutam as Escrituras.
Um exemplo: Gn 9, 20-21 fala que Noé plantou a vinha, fez vinho e ficou embriagado. Quando
relemos o texto do dilúvio vamos perceber que em nenhum lugar do texto diz que Deus mandou Noé guardar uma
muda de vinha na arca. Como explicar de onde veio a vinha que Noé plantou? O Targum dará uma explicação no
momento de fazer a tradução dizendo que uma raiz de vinha foi levada pelas águas do dilúvio e quando Noé a
plantou ela cresceu imediatamente dando frutos. Assim é possível explicar a passagem rápida dos versículos 20 e
21 com esta paráfrase.
Outra característica é a necessidade de se fazer entender através de imagens o que diz as Escrituras
como no caso de Dt 30,12-13, o mandamento que não está fora do alcance. Os exemplos serão tirados da vida da
própria vida do povo. A Escritura é ao mesmo tempo história, enciclopédia, geografia, etc. Todos os exemplos
para clarificar uma situação serão retirados das Escrituras. Assim ao falar acima dos céus, acrescenta-se para que
não digas é preciso que Moisés nos explique (lembrar que no Sinai Moisés se aproximou do céu) e também nas
profundezas do grande mar (grande mar é o Mediterrâneo) para esperar por Jonas que foi até as profundezas do
mar para nos explicar. E assim por diante.
Targum e Midrash21 são dois tipos de literatura vizinhas em seu método e em seus resultados. A
atividade midráshica da busca do sentido profundo do texto está presente em todas as etapas da formação do
targum. O aspecto essencial que o distingue do Midrash é que ele se apresenta como uma tradução que segue de
perto o texto bíblico, não é um comentário. Sua paráfrase subordinada ao texto bíblico lhe impõe limites pelo
texto original dentro do quadro litúrgico sinagogal. Entretanto as relações entre targum e Midrash são contínuos.
Muitas tradições midráxicas remontam ao targum oral ou a uma mesma fonte de tradições interpretativas.
O targum tem a preocupação de tornar o texto compreensível ao povo e para isso ele acrescenta notas
ou modifica a sintaxe, recorrendo a um estilo direto na segunda pessoa ou suprindo um sujeito, um complemento
ou mesmo todo um contexto que falta. Ele interpreta as palavras obscuras, antigas ou equívocas, introduz glosas
que dão números e datas precisas e nomes para as pessoas anônimas. O targum não se detém diante de
anacronismo, aproxima fatos e explica o presente tanto pelo passado como pelo futuro pois para aquele que faz
targum ( מתרגמם- o metugermem) não existe “nem antes nem depois”22 nas Escrituras. Assim o targum gosta das
alusões históricas, da aproximação de paralelos e de traços moralizantes23.
Targum e Midrash não se opõem enquanto método de interpretação antiga judaica. O targum procura
dar o sentido פשט- peshat - simples da Escritura e o Midrash o resultado de suas técnicas de interpretação. Ambos
devem dar um sentido aceito tanto na sinagoga como na casa de estudo. O targum exige que o Midrash seja
subordinado e limitado à “tradução”.
O targum está ligado à liturgia sinagogal com a preocupação de adaptação diante de um auditório
concreto. O texto bíblico deve se tornar compreensível e teologicamente aceitável. É o lugar privilegiado para se
passar o ensinamento da Tora em sua dupla forma halakhica e aggádica 24. A pregação e o targum não eram
nitidamente separados e havia uma interação entre a leitura da Torá e a leitura dos Profetas.
Antes de mais nada o targum era destinado às pessoas simples sem por isso excluir outras pessoas.
O caráter popular é evidente e reconhecido pelo gosto popular ao exagero, narrativas legendárias e pitorescas, uso
de parábolas, valor numérico dos números e também de dar nome aos personagens anônimos da Escritura. Assim
a interpretação tradicional popular será enriquecida com a criação de ‘tipos’ no sentido literário do termo. O
exemplo de ‘bons’ e ‘maus’ como Caim e Abel, Datan e Coré, etc. O targum acolhe com mais facilidade a aggada
que vem ao encontro do gosto popular e mais adaptado a uma assembleia litúrgica popular.
Nos targumim escritos que chegaram até nós, é difícil discernir o que provem de uma tradição oral.
Somente levando em conta a tradição oral é possível apreciar a propensão de glosar, explicitar e clarificar
enunciando o sentido do texto original. O targum utilizará uma linguagem mais simples do que a linguagem
hebraica procurando uma linguagem concreta. Torna claro as comparações, as metáforas ou parábolas.25
A Escritura considerada como Palavra inspirada por Deus não pode conter nenhum erro, nem
contradição e tudo deve ter um significado. Esta convicção leva a tentar solução para as dificuldades textuais por
menores que sejam; um sentido profundo de palavras e expressões que em si não tem nenhuma significado;
interpretação das passagens mais obscuras do hebraico estabelecendo rapidamente uma tradição interpretativa que
se nota pelo acordo das versões; harmoniazação dos textos que parecem se contradizer; resposta imediata às
perguntar que um leitor comum da Bíblia pode se colocar; resposta às dificuldades de todo tipo que pode
apresentar o enunciado bíblico.
A Escritura é compreendida antes de tudo à luz da própria Escritura. O targum não é uma criação
inesperada. Ele dá o resultado de uma interpretação anterior, atestada pela aproximação de versículos paralelos
muitas vezes feita a partir da analogia. A Escritura como um todo é colocada para contribuir na ilustração e
clarificação de um texto. O sentido da unidade da Escritura apresenta visões sintéticas e reagrupamento de textos
sem preocupações de ordem cronológica.
A Escritura deve não somente ter um sentido. Ela deve ter um sentido para o fiel de hoje. A Revelação
tendo sido dada uma vez por todas e nela deve-se encontrar tudo o que é preciso para se conduzir na vida. Esse
processo de adaptação já se manifesta dentro da própria Escritura. Há uma dialética que permite à Escritura de
continuar viva pelo contato com a própria vida do povo: Pode-se descrever como a projeção espontânea da
problemática atual sobre os fatos do passado, e do sentido profundo do passado sobre os problemas presentes. Há
vários níveis de atualização. Ela pode ser histórica, geográfica, cultural e religiosa. Ela levará em conta as
concepções sobre Deus, as ideias correntes sobre a questão da vida futura, dos anjos, expiação, messianismo, etc.
Há um sentido aguçado para distinguir o sagrado do profano com uma atitude de profundo respeito à Deus. Ao
mesmo tempo há um desejo profundo de falar somente bem dos ancestrais, o que será uma preocupação
fundamental da aggadá.26
25 Um exemplo “terra onde corre leite e mel” de Nm 14, 8 se torna “um país que produz frutos excelentes, puros como leite e doces como
mel” no Targum Neofiti I.
26 LE DÉAUT chama atenção para o fato de que estas características se encontram nos escritos neotestamentários, na utilização da
Escritura, na transmissão das logia de Jesus. Voltaremos ao assunto em outro momento de nosso trabalho.
27 J. Heinemann, Aggadah and its developement 1974, p.62.
UNIDADE III
O MIDRASH
3.1 – O MIDRASH
A palavra Midrash vem da raiz hebraica darash ( )דראque significa buscar, investigar, escrutar.
Urbach comenta a palavra midrash como termo equivalente à palavra grega história significa literalmente
investigação. O termo midrash derivado desta raiz é utilizado duas vezes no livro de Crônicas com o significado
de relato da investigação histórica.
Na literatura dos sábios o verbo darash assumirá o significado de explicar ou interpretar a Torá em
geral ou um texto em particular. É a exegese da busca de sentido do texto que caminha ao lado da hermenêutica
com técnicas e procedimentos determinados. O uso do termo midrash como busca do sentido bíblico remonta a
Neemias. Como vimos, é possível constatar que o primeiro desenvolvimento do midrash se encontra na própria
Escritura.
O termo midrash é abrangente e extensivo, não pode ser limitado a um gênero literário. Ele designa
ao mesmo tempo um tipo de literatura e uma atividade. Podemos então falar do midrash de duas maneiras que
estão relacionadas, a primeira, como uma atividade e processo de interpretação e a segunda como corpo literário
que nasceu da compilação dos comentários e diversas interpretações dos sábios de Israel.
A partir de seu conteúdo, podemos agrupar a literatura midráshica de três modos:
1) Comentários de um grupo de livros, como acontece com o Midrash Rabba que compila o comentário do
Pentateuco;
2) Comentário sobre um livro bíblico, como por exemplo Midrash Threni sobre Lamentações;
3) Agrupamento de comentários por temas ou ocasiões especiais, Pesiqta Rabbati que faz a compilação de
homilias para as festas e certos shabbats.
A partir da estrutura bíblica, os midrashim se apresentam sob duas formas: midrash halakha e
midrash aggadá. Ainda no que se refere à forma, a apresentação é diferente durante a época dos Tannaim e dos
Amoraim.
Os midrashim da época dos Tannaim se apresentam como comentários cursivos que seguem o texto
bíblico e se ocupam da exegese dos livros bíblicos do Êxodo ao Deuteronômio. Da escola de R. Ismael chegaram
até nós a Meckilta de Rabi Ishmael sobre o Êxodo e Sifré sobre Números. Da escola de R. Akiba, Meckilta de R.
Simeon b. Yohai conhecido também como Meckilta de Rashbi sobre o Êxodo, Sifra ou Torat Cohanim sobre o
Levítico, Sifra Zuta sobre Números e Sifré Devarim sobre Deuteronômio.
Os midrashim da época dos Amoraim se apresentam sob duas formas:
1) Os midrashim exegéticos que seguindo passo a passo o texto bíblico, reúnem sobre um mesmo versículo e
as vezes sobre uma mesma palavra, todos os comentários de diversas épocas, tanto da sinagoga como da beit
midrash. O exemplo típico desta forma midráshica é o Bereshit Rabba, comentário sobre o livro do gênesis;
2) Os midrashim homiléticos, reunindo homilias elaboradas a partir de seções da Torá ou leituras litúrgicas das
festas e shabbats. A Pesiqta de Rav Kahana é exemplo desta forma de midrash.
O midrash significa investigação, buscar todas as possibilidades possíveis de um texto. O midrash
segue passo a passo o texto bíblico.
Na literatura de Israel, os sábios vão usar o verbo darash para interpretar a Torah e usar as regras
midda (middot)
O midrash só pode ser feito a partir de uma citação bíblica, pois é um hagadáh. Ele sempre tem um
pé na escritura. Já o Halahah que é norma de conduta, nem sempre tem respaldo bíblico.
Sendo que o midrash é busca do sentido das Escrituras seu primeiro principal objetivo é libertar o
seu sentido profundo e a sua aplicação prática. É o processo da própria vida judaica que escuta, perscruta, estuda
e interpreta a Palavra de Deus. A autoridade da interpretação repousa na manifestação da responsabilidade da
pessoa e da comunidade diante da revelação de Deus dada uma vez por todas. Ela é única e contém todas as
respostas necessárias se forem procuradas. Por isso o midrash procura responder às questões e dificuldades que
As origens da halakha, sua fonte de interpretação das Escrituras e sua confirmação, se encontram a
partir da época de Esdras e Neemias, ou seja, com a volta do exílio da Babilônia. Halakha, da raiz hebraica halakh
( )חלכque significar caminhar. No sentido figurativo é o ensinamento que alguém segue e por ele é guiado.
Halakha é, pois, o caminho da vida judaica de acordo com a Torá escrita e oral. Fundamentada na
experiência do dia a dia, ela está ligada ao real e não é uma justaposição de conclusões longínquas. Através de
sua orientação a halakha insere um dinamismo nas situações e ações da realidade contemporânea que obriga a
rever, reformular e atualizar as regras e normas com novos exemplos que nascem do novo contexto. “O midrash
combinado com halakha cria aliança entre a história e a lei”.
A essência da Torá oral é a halakha e ocupa lugar de primeira importância na literatura judaica, na
vida e pensamento no período do II° Templo. Por definição, halakha é uma tradição normativa que apoia seu
ensinamento nas Escrituras e por isso se reveste de autoridade divina. Disto decorre a impressão que temos de
que ao tratar da halakha se olha a essência da Torá oral.
Segundo Safrai, “uma compreensão adequada da literatura da halakha não pode ser derivada
simplesmente da literatura na qual ela foi fixada e preservada, mas, necessita uma compreensão que entre na
natureza e história do desenvolvimento da halakha”. O termo halakha recobre uma série de significados:
1) Lei, menor unidade da coleção de halakhot, como por exemplo na Tosefta;
2) Diante de opiniões diferentes halakha é a lei aceita pela maioria;
3) Halakha ou halakhot é o objeto de estudo da literatura do gênero oposto à aggadá;
4) Do ponto de vista legal da vida judaica, e da tradição legal do Judaísmo, a halakha dos sábios, por exemplo,
é distinta da halakha de Qumrã.
No período que chamamos nos meios cristãos de ‘inter-testamentário’ e que na tradição judaica
recobre o período do II° Templo, vamos encontrar o desenvolvimento que se dá em termos de halakha sobretudo
nos escritos a partir da época de Antíoco Epífanes e no período dos Asmoneus.
Encontramos dois tipos de halakha. As que derivam, pelo menos formalmente, dos versículos
bíblicos e são transmitidas em forma midráshica e as que foram transmitidas sem referência às Escrituras, também
chamadas halakhot independentes.
As halakhot de forma midráshica se encontram, sobretudo nas coleções de midrashim haláquicos da
época dos Tannaim. Grande parte da halakha originariamente independente, mais tarde foi apoiada pelo midrash.
Em seu trabalho sobre a literatura tannaítica, Epsteinafirma que o midrash apoia a halakha, mas não cria halakha.
Ele é da opinião que os sábios trazem confirmação bíblica à halakha mas não inventam halakha tendo como base
o midrash.
Na corrente da tradição, no período que recobre os zugot, até Hillel e Shammai, raramente as halakhot
são transmitidas com atribuição de nomes. A partir de Hillel e Shammai, juntamente com a tendência do
desenvolvimento do sistema midráshico, crescerá o hábito de transmitir a halakha com atribuição de quem a
pronunciou.
Ao falar de aggadá o primeiro problema que encontramos é como defini-la. Isto porque o universo
que recobre o termo ‘aggadá’ é tão vasto que dificilmente pode ser contido em uma simples “definição”. No
entanto é possível descrever a realidade que o termo recobre possibilitando uma aproximação da realidade e da
grande riqueza que esta forma de tradição oral significa na vida do povo judeu.
Na realidade a palavra ‘aggadá’ tem um sentido muito amplo. Por um lado, está ligado à interpretação
de textos bíblicos de natureza estritamente exegética e outros tentam clarificar as partes não narrativas dos textos
bíblicos. Por outro lado, está ligado a legendas, estórias, provérbios que prolongam a narrativa bíblica de uma
maneira criativa. Dos dois modos o objetivo seguido pela ‘aggadá’ é de cunho didático. “O conjunto da ‘aggadá’
não é midrash e o conjunto do midrash não é ‘aggadá’”. Ela é instrumento de educação do povo, meio para
fortificar sua fé e aumentar a esperança a partir da Torá. Ela representa também a capacidade de desenvolver
novos métodos exegéticos destinados a dar uma nova compreensão das Escrituras em um tempo de crise e de
conflito externo sob a pressão que se verifica em meio a culturas estrangeiras, e interno quando se desenvolve um
espírito sectário no meio do povo judeu. O período mais florescente da aggadá coincide com as grandes catástrofes
históricas, especialmente após 70 da e.C. Portanto um dos principais objetivos da aggadá é ensinar à pessoa viver
os caminhos de Deus e de ajudá-la a compreender como Deus se revela na nova situação.
O Midrash Rabba do Cântico dos Cânticos narra a palavra de R. Levi que diz: “Outrora quando o
dinheiro era abundante, o ser humano pedia para escutar Mishna, halakha e discussões talmúdicas. Mas agora
em que a situação é de pouco dinheiro, sobretudo que [o ser humano está esgotado pela dominação das nações,
ele pede para escutar palavras de benção e consolação”. Ou seja, em tempo de dificuldade o povo deseja escutar
aggadá mais do que halakha.
As aggadot se tornaram parte do discurso sinagogal e o pregador as utilizava segundo a ocasião para
dar voz ao seu auditório, para ler os acontecimentos de seu tempo, para fazer uma crítica à situação. Mas tudo o
UNIDADE III
ANEXO
QUATRO MORTES SEGUNDO O MIDRASH
☞ 17/11/2002 Benjamin Mandelbaum
Disse o Rabi Abbahu: Vinde ver como foi dura a hora de Moisés, quando nosso libertador partiu do
mundo. Pois quando Deus lhe disse: Chegou a tua hora de deixar o mundo, Moisés começou a chorar e a gritar,
e perguntou a Deus: Senhor do Universo, tudo que fiz foi por nada? Foi para nada que trabalhei como um cavalo
para Teus filhos? Terei agora, como final, o túmulo?
Terminarei em pó? Se Vós pudésseis vê-lo da minha maneira, Vós me afligiríeis com sofrimento,
mas não me mandaríeis às dores da morte (Davi falou disso) Senhor me castigue com sofrimento, mas não me
entregue à morte (Salmos 118,18).
E Deus disse a ele: Moisés, Eu jurei que um reinado não pode sobrepor o outro nem por um fio de
cabelo. Assim, foste rei de Israel, mas chegou agora o tempo em que Josué deverá reinar sobre eles.
Moisés respondeu a Deus: Mestre do Universo, no passado fui mestre, e Josué meu discípulo.
Deixa-me agora ser seu discípulo e ele meu mestre, mas não me deixe morrer.
E Deus disse: Se tu o podes fazer, siga adiante.
Moisés foi imediatamente até a porta de Josué, onde se postou a serviço deste, com o corpo curvado
e os braços cruzados. Não percebeu Josué que ali estava seu mestre Moisés colocado a seu serviço.
Os israelitas, como era de seu costume, levantaram-se cedo para levar o seu respeito à porta de
Moisés, mas não o encontraram. E perguntaram: Onde poderá estar Moisés? E então lhes disseram: Ele se
levantou cedo para levar seus respeitos à porta de Josué.
Então os israelitas foram ver o que se passava e viram Josué sentado e Moisés, nosso mestre, em pé
a seu serviço. E perguntaram: Josué, Josué, o que fizeste? Moisés, o teu mestre, fica a teu serviço, com o corpo
curvado e as mãos cruzadas?
Os olhos de Josué se abriram e ele então notou que era Moisés quem estava diante dele e a seu
serviço. Josué prostou-se imediatamente diante de Moisés e implorou: Meu pai! Meu pai! Meu Mestre! Meu
Mestre! Pai, que me criou desde a infância, Mestre, que me ensinou sabedoria. Os filhos de Arão se postaram à
direita de Moisés e Josué ficou à sua esquerda. E lhe perguntaram: Moisés, nosso mestre, por que o fizeste? E ele
respondeu: Deixem-me ficar, pois Deus me ordenou: Faze isso para Josué para não morreres.
O Rabi Shmuel bar Nehmani citou então Rabi Yohanan: Nesse momento todo Israel teria apedrejado
Josué até a morte, se não fosse a coluna de nuvens que veio protegê-lo. Então disseram a Moisés: Conclui a
Torah para nós! Mas as tradições tinham sido esquecidas por Moisés e ele não soube o que responder. Então
Moisés se prostrou e orou: Senhor do Universo, minha morte é melhor do que minha vida (Jonas, 4,3) Quando
Deus viu que Moisés tinha se reconciliado com a morte, então Deus o elogiou: está escrito, Quem se levantará a
Meu favor, nesta nação de fracos? Quem estará Comigo contra os que praticam a iniqüidade? (Salmos 94,16)
Quem se levantará a Meu favor nas guerras dos Meus filhos quando pecarem diante de Mim?
Veio então o anjo Miguel e curvou-se diante do Todo-Poderoso. E disse diante de Deus: Senhor do
Universo, Moisés foi Teu em vida, e assim é Teu na morte. E Deus respondeu: Eu não lamento por Moisés, mas
por Israel, pois muitas vezes eles pecaram e ele se levantou e pregou e venceu. Minha ira é assim como está
escrito, Deus tê-los-ia exterminado se Moisés, o eleito de Deus, não se houvesse interposto, impedindo que a Sua
cólera os destruísse (Salmos 106,23).
E eles vieram a Moisés e lhe disseram: Chegou o momento da tua partida deste mundo. E ele disse
a eles: Israel, meus filhos, perdoai-me por todas as vezes que eu vos tenha afligido. E eles responderam: Moisés,
nosso Mestre, estás perdoado, estás perdoado. E então disseram a ele: Moisés, perdoa-nos por todas as vezes que
te enfurecemos. E ele lhes disse: Meus filhos, estais perdoados, estais perdoados.
Eles vieram e lhe disseram: Não resta mais do que a metade de um momento para que partas do
mundo. Ele tomou suas duas mãos e colocou-as dobradas sobre o seu coração, e então chorou e disse: Agora, as
minhas mãos, que receberam a Torah da boca do Todo-Poderoso, certamente descerão ao túmulo.
Conta-se que quando o Rabi Akiva estava encarcerado na prisão, Josué de Gerasa o servia. E certa
feita, na véspera de uma festividade, ele deixou o serviço do Rabi Akiva para ir até a sua casa. Elias, o sacerdote,
veio até a casa de Josué e, diante da porta, chamou-o: “Apareça, Josué! Apareça Josué!” E Josué perguntou:
“Quem és tu?” E ele respondeu: “Eu sou Elias, o sacerdote, que veio te dizer que o teu mestre, o Rabi Akiva
morreu na prisão.”.
Os dois se dirigiram imediatamente para lá e encontraram a porta da prisão aberta e o guarda
dormindo. Na realidade, todos estavam dormindo, enquanto o Rabi Akiva descansava em seu catre. Elias correu
para ele, e colocou-o nos seus ombros.
Josué de Gerasa lhe observou: “Tu não me disseste que és Elias, o sacerdote? Contem-te, é proibido
para um sacerdote tornar-se ritualmente impuro pelo contato com um cadáver!”! E ele respondeu: “Basta, Josué,
meu filho. Deus proíbe que haja impureza para o ritual quando se trata de um justo ou mesmo dos seus
discípulos.”.
Eles saíram da prisão e caminharam a noite inteira, até chegar ao monumento de quatro arcos de
Cesaréia. Chegando lá, desceram alguns degraus e então subiram três lances de escadas. Lá encontraram um
esquife aberto (em um compartimento que tinha) um banco, uma mesa e uma lâmpada. Eles puseram o Rabi
Akiva no esquife e imediatamente a lâmpada se acendeu e a mesa foi posta!
E então eles exclamaram: “Abençoados sejam os que labutam na Torah! Abençoados sejam os
tementes a Deus! Abençoados sejas, Rabi Akiva, que se encontrou para ti um bom lugar de descanso na hora da
tua morte”. (Midrash Mishie, capitulo 9).
O Rabi Meir perguntou a seu mestre Elisha ben Avuya: “Rabi, qual é o significado deste versículo,
A adúltera anda à caça da alma preciosa (Provérbios 6,26)?”
E ele respondeu: “Meu filho, se alguém for apenas uma pessoa comum, e for pego em pecado, não
haverá desgraça para tal pessoa. Por que? Porque essa pessoa pode dizer “Eu sou apenas uma pessoa comum e
não sei qual é a punição que a Torah prescreve (para esse pecado)”. Mas se um que guarda a lei é pego pecando,
então aí se tem uma desgraça. Por que? Porque ele mistura coisas puras com as impuras. A própria Torah, que
era preciosa para ele, fica conspurcada. Pois o ignorante dirá “Venha ver como esse judeu cumpridor da lei foi
pego pecando e conspurcou a Torah!” Eis porque o livro dos Provérbios diz A adultera anda à caça da alma
preciosa!
E o Rabi Meir perguntou: “Rabi, (vendo que a Torah prescreve sentença de morte para o adúltero e
para a adúltera) qual será a punição para o pecado do adultério no Futuro (ou seja, eles podem se arrepender, ou
a morte poderá ser a sua expiação)?”
E o Rabi Elisha respondeu:”Meu filho, já que tu me fizeste essa pergunta, vem ver o que está escrito
logo após esse versículo dos Provérbios: Assim ser com o que se chegar à mulher do seu próximo; n o ficar sem
castigo todo aquele que a tocar (Provérbios 6,29).”
E o Rabi Meir perguntou: “Não há recuperação?” E o Rabi Elisha respondeu: “Meu filho, certa vez
estava eu estudando esse capítulo com o meu colega ben Azzai. Quando chegamos a esse versículo, ele me disse
que uma pessoa poderia criar um órfão e ensinar-lhe a Torah e obedecer com ele a todos os Mandamentos, e dessa
forma ganharia a reconciliação no Mundo Futuro, visto que teria mudado sua vida e se arrependido. Perguntei a
ben Azzai que texto comprovava essa afirmação, e ele citou: Se voltares, ó Israel, diz o Senhor, volta para Mim
Mulher virtuosa, quem a achará? (Provérbio, 31:10). Conta-se uma história sobre o Rabi Meir, que
estava sentado, ensinando na sinagoga numa tarde de Shabat, quando seus dois filhos morreram. E o que fez a
mãe deles? Colocou-os na cama e cobriu-os com um lençol. Ao final do Shabat o Rabi Meir voltou para casa, e
perguntou à sua mulher: “Onde estão meus dois meninos”?
E ela respondeu, “Eles foram à sinagoga”.
Ele retrucou: “Eu procurei por eles na sinagoga, mas não os vi”.
Ela lhe passou uma taça de vinho para a cerimônia do Havdala e ele encerrou o Shabat. E perguntou
de novo a ela, “Onde estão meus dois filhos”? E ela respondeu “Às vezes eles vão a algum lugar, e agora estão a
caminho”. Ela serviu o jantar e ele comeu.
Depois de ter recitado ele a benção de após a refeição, ela lhe disse: “Rabi, eu tenho uma pergunta
para te fazer”.
E ele disse: “Faz a tua pergunta”.
Ela disse: “Rabi, há algum tempo determinada pessoa veio a mim e me deixou um certo depósito
(para que eu tomasse conta). Agora essa pessoa veio pegar de volta o depósito; devemos devolver-lhe ou não”?
Ele respondeu: “Minha filha, quando alguém tem um depósito a seu cargo, não está obrigado a
devolve-lo ao seu dono”?
E ela disse: “Eu não faria a devolução sem seu consentimento”.
E o que fez ela? Tomou-o pela mão, levou-o até aquele quarto, trouxe-o para perto da cama, e tirou
o lençol de cima dos dois para que ele os visse mortos, deitados na cama.
Ele começou a gritar e a lamentar “Meus filhos, meus filhos, meus mestres, meus mestres. Meus
filhos pelo nascimento, meus mestres porque iluminaram (meirin) a minha expressão com a sua Torah.
E nesse momento, ela disse ao Rabi Meir: “Rabi. Não me disseste que devemos devolver o depósito
a seu Dono”? E então ele disse: “O Senhor me deu, o Senhor me tirou, bendito seja o Nome do Senhor” (Jô,
1,21). E Rabi Hanina disse: “Assim fazendo, ela o confortou e aquietou a sua mente”. E então ele disse, Mulher
virtuosa, quem a achara”? (Midrash Mishle, capítulo 31).
UNIDADE III
ANEXO
UM MIDRASH Gn 2,23
Adão ao ver diante de si a auxiliar que Deus lhe apresentou exclamou: “Esta sim, é osso dos meus
ossos e carne da minha carne!”
Compreendeu que para obter semelhante companhia qualquer filho dos dois nascido haveria de
deixar pai e mãe sem saudades nem reclamações.
E entendeu isso com amor. Compreendeu também o alcance dos conceitos masculino e feminino, e
por amor cunhou as palavras homem ( )אישe mulher ()אשה.
Poderiam ser escritas de maneira diferente? Absolutamente não, basta olhar para entender o motivo disso as
palavras אישe אשה. Onde temos duas letras iguais e duas diferentes.
As duas letras diferente yod ( )יe he ( )הsão as primeiras letras do Senhor, o Eterno que criou o
mundo. Elas estão ali para demonstrar que a união entre diferentes é que dá frutos suculentos.
Há duas palavras que podem ser formadas com estas quatro letras e simbolizam dois tipos de relação
que se estabelecem entre um homem e uma mulher amor humano: ishá ( )אשהe ish ()איש.
☞ O amor de um homem e uma mulher sem Deus é esh ()אש, o fogo que tudo devora.
☞ O amor de um homem e uma mulher com Deus ( )יהé uma aliança eterna.
UNIDADE III
ANEXO
OS ELOS DA TRADIÇÃO ORAL:
A IMPORTÂNCIA
DE UMA TRADIÇÃO ORAL (SLIDES)
Porque tradição oral? Tradição é memória que permite um enriquecimento da experiência e de certo
modo significa uma prioridade da transmissão oral sobre a Escritura e mesmo uma certa dependência do escrito
em relação à transmissão oral, à conservação da fé nos corações (Yves Congar).
2) Os Pares - Zugot
UNIDADE IV
PARÁBOLA
4.1 – AS PARÁBOLAS
UNIDADE V
AS NARRATIVAS DA INFÂNCIA DE JESUS
Quando vamos falar do nascimento e da infância de Jesus devemos começar por um fato muito
importante que está no coração da história humana: sua morte e ressurreição. Todo mundo conhece como se deu
a sua morte, qual o sofrimento pelo qual Jesus passou e principalmente o que aconteceu depois de sua morte: a
ressurreição.
Com o evangelho de Mateus, a história de Jesus foi passada pela tradição oral e a medida que a Boa
Notícia se alastra longe de Jerusalém, é preciso falar, escrever, contar sobre Jesus e sua origem, pois a maioria
das pessoas que vão segui-lo não o conheceram pessoalmente. Nasce nas comunidades a curiosidade e a
necessidade de falar sobre a origem e o nascimento de Jesus, sua infância e juventude. É desta necessidade que
encontramos em Mt e Lc as narrativas da infância.
As dificuldades sobre os evangelhos de infância são comuns a Mateus e Lucas. As dificuldades que
se apresentam podem ser de nível literário, histórico ou teológico28.
Dificuldades de nível literário:
1) As narrativas em questão nascem mais ou menos 80 anos após os acontecimentos, numa época em que
as comunicações eram muito mais precárias;
2) A documentação utilizada é tardia e de qualidade diferente; as narrativas da infância que temos são
diferentes e não são comuns na tradição dos sinóticos;
3) O gênero literário utilizado é diferente do resto do relato evangélico, tem em sua base uma reflexão
teológica de origem posterior aos acontecimentos.
Dificuldades de nível histórico:
1) Podemos descobrir por trás dos relatos de Lc e Mt, elementos trazidos pela tradição oral anterior aos
evangelistas, mas até que ponto há um aproveitamento das tradições e até onde há criação?
2) Há discordância das narrativas: enquanto em Mt José é obrigado a ir para Nazaré em Lucas isto é um fato
normal pois tudo já acontece em Nazaré; o nascimento em Belém: enquanto em Lucas se dá casualmente por
causa do recenseamento, em Mt, a família é natural de Belém, portanto o nascimento em Belém é normal,
etc.;
3) Nas narrativas da infância entramos no mundo do “maravilhoso”, luz de anjos, estrela que orienta magos
e a própria concepção milagrosa de Jesus nos aproxima de relatos paralelos no mundo fora do judaísmo;
4) Dificuldades quanto aos dados históricos, um exemplo é o caso do recenseamento em Lc 2,2 “ foi o primeiro
enquanto Quirino era governador da Síria”. Em Flávio Josefo o recenseamento de Quirino foi no ano 6 da
nossa era. Como conciliar este dado com o nascimento de Jesus sob Herodes, o grande, que morreu no ano 4
a.C. que corresponde à matança dos inocentes em Mt.?
Quanto às questões de nível teológico: Elas nascem exatamente do modo como lemos os evangelhos
da infância com incidência direta na prática cristã. Caso exemplar é o lugar de Maria nas diversas tradições
eclesiais. No catolicismo, por vezes, a meditação sobre Maria se distancia do que nos é apresentado por Lc 1-2 e
em outras tradições cristãs não é dado o lugar à pessoa de Maria nem mesmo no que encontramos nas Escrituras.
Vamos tenta abordar as narrativas dentro da realidade em que surgiram, isto é, dentro da tradição
oral, enraizada na tradição judaica, acostumada a contar a história de sua fé através de narrativas como as da
infância de Jesus. No mundo judaico do I século, as narrativas da infância dos patriarcas, de Moisés e outros
personagens ilustres da tradição, recebiam um tratamento muito especial e eram muito usadas. Este fato, por si
só, traz profundas consequências para o nosso tema. Ao falar das origens de Jesus, os evangelistas não inventaram
a linguagem utilizada no seu meio ambiente. A Encarnação do Filho de Deus se fez dentro de uma cultura, com
suas tradições e modos de expressar o mistério. Para os judeus os textos da Escritura são vivos, graças ao Espírito
de vida que os anima, e porque ela é Palavra do Deus vivo, deve responder vitalmente a cada nova situação
histórica Uma maneira de fazer isto acontecer, no I século, era através do midrash.
29 No livro de Judite encontramos a questão de conversão de Aquior (Jt 14,10) e que supõe uma grande evolução da halakha assumida no
tempo de Esdras e Neemias a respeito dos estrangeiros e também a nova realidade histórica do helenismo. Fala-se também do jejum na
viuvez e na época das festas (Jt 8,6) da imersão após o jejum (10,1 –3). No livro dos Jubileus encontramos uma abordagem mais restrita
do que a halakha dos fariseus sobre a questão da páscoa. O autor do livro de Jubileus segue a tradição mais antiga (Jubileus
7,36;19,17;32,10-14; 49, 10-12.16-20). Nele também se encontra a menção do calendário de 364 dias (Jubileus 6, 32 – 38). Em 1Mc 2, 39
– 41 encontramos a halakha sobre a autodefesa em caso de ataque de guerra em dia de Sábado.
30 cf. C. Perrot, op. cit. p.18.
Quando entramos num edifício ou numa igreja, ou qualquer construção arquitetônica, temos primeiro
uma visão de conjunto e depois podemos nos deter nos detalhes. Mateus construiu seu evangelho como um
arquiteto que faz sua obra prima. No interior desta arquitetura encontramos a dinâmica da caminhada de fé
proposta por Mateus.
Em Mt 1-2, vamos ver que ele nos apresenta o Messias esperado. Sendo coletor de impostos Mateus
é judeu e sua comunidade é uma comunidade judia. Um judeu que escreve a boa nova para judeus cristãos. Mateus
é o evangelista que mais cita as Escrituras judaicas: 108 versículos, e outras vezes toma como modelo o que há
nas Escrituras judaicas como já tivemos ocasião de falar sobre o modo literário, seu vocabulário, etc.
Tanto no evangelho de Mateus, como também no evangelho de Lucas devemos estar sempre atentos
a dois níveis:
1) Palavras e atos do tempo de Jesus;
2) Palavras e atos após a ressurreição.
Não podemos esquecer que o entrelaçamento da tradição escrita e da tradição oral é vital e
característica do judaísmo, assim como será nas comunidades nascidas desta realidade: por exemplo em 28,19
temos uma igreja que batiza após a ressurreição.
Mateus vai nos falar do projeto de Deus. Quando falamos de projeto devemos nos colocar na
perspectiva judaica: esse começa com a criação que saiu das mãos de Deus. Deus vai se revelar, manifestar e
mostrar seu amor.
Quando queremos falar do amor é preciso mostrar com algumas pessoas como nós amamos. É
preciso concretizar esta ação. Deus fez assim - escolheu um povo pequeno para mostrar através destes poucos
como ama todos os povos e todas as pessoas, homens e mulheres. O amor não tem razões, é gratuito - Deus vai
31
M. da Glória Ladislao. As mulheres na Bíblia, Paulinas, 1995, p.87
32
O livro de Rute critica a reforma de Esdras e Neemias sobre o casamento com mulheres estrangeiras e tenta mostrar que a fé no Deus
UM é suficiente para se tornar parte do povo de Israel.
Tradição Judaica no Novo Testamento
Cultura Judaica, História e Teologia 33
importância de lembrar na vida cotidiana o lugar do pobre:“Não endurecerás teu coração e nem fecharás tua mão
para teu irmão pobre...” Dt l5,7-11).
As pesquisas atuais sobre a composição do livro o colocam na época da volta do exílio e exalta a
inclusão da mulher estrangeira na vida judaica. Em nosso cancioneiro popular lembramos constantemente a
descendência de Rute, pois cantamos que “de Jessé nasceu a vara, da vara nasceu a flor e da flor nasceu Maria e
de Maria o Salvador...” e muitas vezes nem nos damos conta de todo o passado que relembramos na canção
popular!
A quarta mulher aparece em Mateus como - a mulher de Urias. Mencionada sem que seu nome
apareça. Trata-se de Bersabéia, mãe de Salomão. Encontramos sua história no 2Sm 11-12 e 1Rs 1,11-40, quando
junto com o profeta Natã pede a Davi o trono para seu filho Salomão. Bersabéia foi uma mulher vítima das
circunstâncias. O rei que tinha direito de vida e morte sobre as pessoas e exige sua presença. Torna-se mãe,
assegura a linhagem davídica através de seu filho Salomão, luta pela sucessão do trono para seu filho, e assim
aparece na genealogia de Mateus.
Estas quatro mulheres são geradoras de vida e estão a serviço da vida na linhagem da promessa de
Deus. É fácil constatar que a maternidade destas quatro mulheres passa por irregularidades. Isto nos mostra que o
plano de Deus foge dos nossos planos e é feito de surpresas. Diríamos que obedecendo a vida elas se submetem
espontaneamente à ação do Espírito Santo. A vocação destas mulheres anuncia a vocação de Maria, a última
mulher nomeada na genealogia, que também aparece com uma irregularidade. Até então na genealogia são
nomeados os pais e no versículo 16 Maria toma o lugar do pai e é dito se: “Maria de quem nasceu Jesus”. Maria
toma o lugar do pai, ela gera a vida e Mateus vai explicar porque isto acontece no texto que segue de 1,18-25, o
anúncio feito a José de que Maria está grávida do Espírito Santo.
A presença das mulheres na genealogia de Mateus manifesta que o caminho do Messias (O Cristo)
passa pela autêntica linhagem Davídica que inclui todos, entre elas encontramos estrangeiras que aderiram ao
Deus de Israel e por sua fidelidade contribuíram para a chegada do Messias. Assim a genealogia passa a ser a
história concreta de que em Jesus se encontram todos aqueles e aquelas que abraçam o projeto do Deus da vida,
que viveram e vivem na esperança da realização das promessas de Deus.
Na genealogia de Mateus encontramos a exclusão de uma mulher - Atalia (2Rs 8-14; 2Cr 22-25) e
com ela a supressão dos reis Ocozias, Joas e Amasias, reis que morreram pela “Mão de Deus” (cf. 2Cr 22,9;
24,25; 25,27). Atalia (2Rs 11; 2Cr 22-23) extermina a descendência real, é excluída com seu filho, neto e bisneto,
encurta a maldição do decálogo (Ex 20,5; Dt 5,9) contra os idólatras, até 3ª e 4ª geração (Ex 34,7).
33 Sobre esta perícope, dois artigos interessantes: Pedro Lima VASCONCELOS, “Uma gravidez suspeita, O messianismo e a hermenêutica
– anotações sobre Mt 1,18-25”. In: Ribla, n° 27, Vozes, 1997, pp.29-47; Jane SCHABERG, “As antepassadas e a mãe de Jesus”. Concilium,
n° 226, 1989, pp. 117-125. Anne Catherine AVRIL In Ribla nº 40...
34 cf. sobre a questão de a anunciação ver nesta apostila.
Em 2,13-18 a fuga para o Egito em Mt vai mostrar Jesus como filho de Israel em seu sentido pleno.
Em Os 11,1, Deus faz sair do Egito seu filho Israel. É muito importante ler este episódio iluminado pelo êxodo
do Egito bem como da infância de Moisés. Mateus vê, aponta com este episódio um primeiro traço que faz da
infância de Jesus, um cumprimento “tipológico” do destino doloroso de Israel.
Jesus, como Moisés (Ex 1,7-2,15) e o povo é perseguido, massacrado e salvo. É o que encontramos
em Ex 4,22-23; Jr 31,9: um chamado do país do cativeiro e junto com ele Deus chama todo um povo messiânico
que Jesus traz em si (1,1-7). Sua volta é a garantia messiânica da libertação (cf. Is 10,25-27;11,11-16; Mq 7,14-
15; Jr 16,14-15).
O massacre está também ligado ao exílio e a Moisés. A perseguição sempre foi a arma utilizada
quando os grandes sentem o seu poder ameaçado. Moisés foi perseguido pelo faraó (Ex 2,15) e a literatura rabínica
deu ao fato muita importância o que sem dúvida influenciou a piedade cristã sobre a infância de Jesus como novo
Moisés, tal como encontramos em Mt. O texto base para o massacre se encontra em Jr 31,15 (cf. Gn 33,9; 48,7),
túmulo de Raquel em Belém, em Gn 30,22.24; 41,52 o túmulo se encontra em Ramá. Ramá é o lugar dos efraimitas
e benjaminitas em Gn 35,16-18.
Em Jeremias esse choro é alusão ao exílio da Babilônia das tribos do norte, sobretudo de Efraim (Jr
31,6.9.18.20). Ramá foi o lugar donde partiram os comboios dos deportados (Jr 40,1). Esta dupla vertente permite
a Mt evocar ao mesmo tempo o massacre das crianças em Belém e a deportação do exílio da Babilônia. Portanto
a grande provação da história de Israel se reflete na existência da criança Jesus e a sua volta à terra Prometida: o
No capítulo 2,19-23 temos a volta de Jesus à Terra de Israel. Aqui a semelhança com Moisés é
evidente, pois o versículo 20 retoma literalmente Ex 4,19; como Moisés, Jesus pode voltar porque os que queriam
matá-lo já morreram, texto plural como no êxodo.
Sobre a palavra “nazareno”. Primitivamente poderia ser o nome de uma “seita”. Em Mc e Lc a relação
é feita com Nazaré/Nazareno. Mt encontra uma etmologia fundamentada na Escritura: Nazir - Nm 6 e Jz 13,5;
Nezer: Is 11,1 morfologicamente diferente e que, no entanto, leva a pensar em natzur (particípio de natzur)
“guardado”, “ conservado” fazendo alusão ao servo de Is 42,6 e ao resto messiânico em Is 49,6, os “guardados “
de Israel.35
Assim em Mt, Jesus obrigado a se refugiar na obscuridade de Nazaré seria o “resto” humilhado que
volta do exílio, mas um “resto” preservado por Deus para que de seu seio jorre a salvação messiânica.
A seu modo, de maneira profundamente teológica, Mateus toca o pensamento de Lc sobre Maria a
filha de Sion em Sf 3,14ss (cf também Zac 9,9; Ez 14,17.21-23; 5,1-3; 6,3.8;12,14-16; 17,21; 23,10.25 ).
Podemos assim seguir a estrutura de Mateus que faz penetrar nas Escrituras através dos episódios da
infância de Jesus. Os textos básicos são conforme quadro abaixo:
Lucas tem profunda consciência de estar escrevendo uma “revelação”. Ele vai buscar suas expressões
na língua sagrada da LXX imitando o estilo bíblico das comunidades da diáspora. Usa expressões da Escritura a
fim de dar a sua narrativa uma apresentação mais arcaica, o que a seus olhos, lhe concede uma apresentação mais
autorizada. Esta maneira lucana de empregar a Escritura o diferencia de Mt. Mateus cita a Escritura usando a
argumentação própria da tradição oral judaica enquanto Lucas usa o fundo da Escritura, assumida pela
35
A raiz natzar significa ‘observar, guardar’, e o substantivo netzer que significa ‘rebento’, broto ou ramo. A raiz nezer significa
consagrar. Assim ‘nazoreu’ pode ser visto como um topônimo geográfico, de rmb - Natzarat, modo como se escrevia Nazaré em hebraico,
atestado por uma inscrição descobertta em 1962 nas escavações de Cesaréia de Filipe. A partir da raiz natzar a interpretação midráshica
sugere várias possibilidades: - pode ser compreendido como ‘resto de Israel’ segundo a raiz natzar; - o ‘rebento ou broto de Deus’ segundo
o substantivo netzer; - ou ainda ‘consagrado de Deus’ a partir da raiz nazar.cf. Mimouni, S.C., Les nazoréens. Recherche étymologique et
historique in: REVUE BIBLIQUE, n° 2, avril - 1998 p.222
5.2.1.1 – Exercício
2) Ao ler estes dois capítulos salta aos olhos e efusão do Espírito Santo que aparece:
1,15 João repleto do E.S.;
1,35 O E.S. virá sobre Maria;
1,41 Isabel está repleta do E.S.;
1,67 Zacarias está repleto do E.S.;
2,25-27 Simeão também cheio do E.S.
O nome de Jesus - Deus salva, será designado Filho do Altíssimo, descendente de Davi = Messias reinará
para sempre - 1,32;
Filho de Deus - 1,35;
Luz para a revelação dos pagãos e glória de Israel - 2,32;
Sinal de contradição 1,34;
Revelará a contradição de muitos corações 1,35.
5.2.1.2 – Exercício
a) Jz 13,8-25; I Rs 17,1ss;
b) Anúncios de nascimento: Gn 17,15-22; 18,9-15; 21,1-7 (Isaac); Jz 6,11-17 (Gedeão); Jz 13,2-25 (Sansão);
1Sm 1,9-20 (Samuel).
c) Reler as narrativas dos nascimentos de João e Jesus no evangelho de Lucas
d) Analisar uma das narrativas de Lucas buscando os elementos comuns às narrativas de anunciação que
encontramos nas Escrituras.
a) Situação dos personagens, são pessoas santas, ressalta uma dificuldade que muitas vezes parece insuperável:
esterilidade, idade avançada, etc.;
Tradição Judaica no Novo Testamento
Cultura Judaica, História e Teologia 38
b) Aparição do anjo de Senhor;
c) Susto provocado e a expressão “ não temas” (cf. Lc 1,13.30);
d) Anúncio da vinda, menção do nome e missão - uma expressão técnica que muitas vezes encontramos é EIS
(Lc 1,20.31);
e) Uma pergunta que levanta uma dificuldade;
f) Um sinal dado pelo mensageiro;
g) Execução do sinal e realização do anúncio.
Lucas usa um processo literário bastante conhecido na época, principalmente no mundo helenístico,
o paralelismo, processo utilizado especialmente para biografias de homens ilustres. Este método se introduziu
inclusive em Israel onde temos a história dos antigos mestres como Hillel e Shammai agrupados aos pares. Lucas
vai utilizar este procedimento para nos apresentar João Batista e Jesus.
Para falar da infância e adolescência de Jesus como nos apresenta Lucas, devemos situá-lo dentro
do cotidiano da vida de uma família judia do primeiro século, na Galiléia, em Nazaré, um pequeno povoado que
nem figurava nos mapas da época, pois não produzia nada de importante para o comércio romano!
O fato de estar situado na Galiléia deve nos lembrar que o Templo fica longe de Nazaré - periferia.
Ele está situado em Jerusalém - centro. No entanto, Lucas nos diz que Maria e José foram obrigados a ir até
Jerusalém por causa do recenseamento, assim o início da vida do judeu galileu Jesus se dá na Judéia, em Belém,
não muito longe da cidade de Jerusalém.
Para os judeus um dos nomes mais frequentes para se falar da Palestina é Eretz - a Terra. A Terra
de Israel é a Terra por excelência e desde o tempo do rei Davi, Jerusalém tornou-se o coração da terra de Israel.
Por isso Eretz tem uma importância muito grande em toda a espiritualidade e a vida do povo judeu. Nesta “Terra”
tudo fica impregnado do divino, tudo é modelado pela história santa. O judeu não conhece teologia em forma de
dogmas para as verdades de sua fé. No entanto a ausência deste tipo de teologia não significa ausência de verdades
da fé. É na oração, no serviço a Deus que o judeu exprime estas verdades de fé, verdades tiradas da Revelação e
das Escrituras. Ele as exprime e as aprofunda dado que a liturgia, toda a liturgia é uma catequese.
1) A oração e a bênção
O judeu não apenas crê em Deus, como entendemos esta palavra atualmente. Ele constata a
presença de Deus na história e por isso crê, ou se é incrédulo, constata-se a não presença de Deus. No hebraico
O casamento de Maria e José foi celebrado segundo o rito judaico da época reforçou a pertença à
Torá de Israel. Ele era realizado em dois tempos: o noivado e o casamento propriamente dito. O noivado já era
um compromisso religioso, pois somente o divórcio poderia dar liberdade aos noivos. Ao aceitar Maria como sua
noiva, José havia tomado o compromisso de nutri-la, vesti-la e assegurar-lhe um teto. Um ano mais tarde, será
celebrado o casamento, com uma cerimônia que praticada no tempo de Jesus é evocada no Talmud e certos
elementos fazem parte ainda hoje do casamento judaico.
No momento da benção nupcial, o oficiante segurava uma taça cheia de vinho e pronunciava a
seguinte benção: “Bendito seja o Eterno, nosso Deus, Rei do universo, que criou o fruto da vinha. Bendito seja
o Eterno, nosso Deus, Rei do universo, que nos santificou pelos seus mandamentos e que nos ordenou à castidade,
que nos proibiu nossas noivas, mas que nos permitiu que nos sejamos unidos pelos laços do casamento precedidos
do noivado. ”
Em seguida os noivos bebiam um pouco do vinho consagrado pelo oficiante e que, em Nazaré,
poderia ser um habitante da aldeia, que conhecia o serviço divino. No momento em que o noivo passava o anel
nupcial no dedo de sua mulher, em presença de dois testemunhos ele dizia: “Vede, por este anel, você me é
consagrada segundo a lei de Moisés e de Israel.” Em seguida o oficiante pronunciava sete bênçãos relativas à
criação do ser humano imagem e semelhança de Deus, graça da fecundidade e dos filhos que nascerão e um desejo
pelo bem estar de todo o povo de Israel.
A cerimônia se terminava e até hoje se termina com o oficiante e os noivos bebendo algumas gotas
do vinho, derramando o resto e quebrando a taça e para o qual existem várias explicações: no tempo de Jesus
seria sinal de alegria enquanto hoje relembra a queda do Templo de Jerusalém. Também pode ser visto como
alegoria da indissolubilidade do casamento, pois os cacos de uma taça quebrada dificilmente podem voltar à forma
Tradição Judaica no Novo Testamento
Cultura Judaica, História e Teologia 40
primitiva. A cerimônia terminava com a recitação do salmo 45, que é interpretado como o canto de núpcias do
Rei Messias com Israel tanto na tradição judaica e que continua a ser assim interpretado na tradição cristã.
Com este casamento nasce o fundamento da família onde deveria nascer Jesus. Através do casamento
se prepara a atmosfera sagrada na qual ele irá viver e onde ele mesmo, no momento do nascimento, receberá o
sinal da aliança, antes de ser purificado em companhia de sua mãe.
Lc precisa bem o rito da circuncisão Lc 2,21 “No oitavo dia, quando chegou o momento da
circuncisão do menino, deram-lhe o nome de Yeshua (Jesus)”. Nome que havia sido indicado pelo anjo no
momento de sua concepção. Em seguida vem a descrição do rito de purificação Lc 2,22-24 (cf. Lv 12,1-8).
O texto lucano que acabamos de lembrar é marcado pelo duplo cumprimento da Lei, como vimos
pela citação de Lv 12,1-8, circuncisão e purificação. Em seguida, temos mais duas cenas que se passam no Templo
durante a apresentação do menino e a purificação da mãe:
De 2,25-35 temos a entrada em cena de Simeão, com a dupla benção sobre o menino e sobre a mãe;
2,36-38 trata-se da intervenção de Ana.
Na narrativa de Lucas, os ritos de purificação e resgate estão misturados. Segundo a Lei somente a
mãe é purificada e aqui nós temos que os dois foram purificados. Por outro lado, ele centraliza a cerimônia sobre
a apresentação e resgate do primogênito (pedyon haben). O pano de fundo parece ser o episódio da consagração
de Samuel “apresentado” por sua mãe Ana no templo de Silo (1Sm 1,22-28. O episódio do encontro de Jesus no
Templo de Jerusalém mostrará que, mesmo se Jesus não ficou no Templo de Jerusalém após a apresentação, como
Samuel ficou em Silo, no entanto ele está irrevogavelmente devotado “ a seu Pai ”.
Segundo a tradição, sem dúvida palestina, seguida por Lucas, nós estamos chegando no final das 70
semanas de que nos fala a profecia do livro de Daniel, Dn 9,20-27. De fato, se contarmos a primeira semana no
momento da aparição do anjo Gabriel no santuário, a Zacarias (1,11) no momento da oferenda da tarde, teremos
o início do cumprimento desta profecia, com a chegada do Messias e a unção de “um Santo dos Santos” no
momento da apresentação de Jesus no Templo. Desta maneira a apresentação de Jesus em Jerusalém aparece
como a entrada do Senhor no Templo, predita por Ml 3,1 - “...ele entrará no Templo, o Senhor que vós
procurais...” e a “unção do Santo dos Santos” da qual fala o anjo Gabriel em Dn 9,24. Trata-se da última etapa
onde a criança é declarada santa para o Senhor (2,23), consagrada ao Senhor como o anjo havia anunciado (1,35)
“o que nascer de ti será santo”.
Para reconhecer nesta criança de pobres a “consolação de Israel” aparece o duplo testemunho
profético de Simeão e Ana. Com Simeão e a profetisa Ana, Lucas assegura o testemunho duplo exigido pela Lei
(Dt 19,15). Homem e mulher estão associados no reconhecimento da salvação, cada um à sua maneira. Todo
Israel vê se realizar sua esperança.
Esta revelação messiânica não se desenrola mais no campo, como no nascimento, em que os pastores
são os primeiros a receber a Boa Notícia. Aqui a cena vai se desenrolar no centro da Aliança, lá onde bate o
coração de Israel, diante da presença de seu Deus. Os destinatários não são mais os nômades pastores, mas os
círculos piedosos dos “pobres de YHWH” que esperam, no segredo da oração e do jejum, a “salvação preparada”
por Deus para o seu povo.
Em 2,9-15 a glória do Senhor irrompeu com o canto dos anjos. Aqui, ao contrário, vemos mais a
continuidade da caminhada histórica da salvação. Acolhendo o pequeno em seus braços, Simeão, herdeiro dos
profetas da Promessa, recebe a Palavra do cumprimento e Lucas sublinha que este reconhecimento é obra do
Espírito Santo (vv. 25.26.27).
Simeão surge como o porta voz daqueles que aspiram do mais profundo do seu ser os dias do Messias,
invocado como consolador. O tema da consolação havia sido repetido pelos profetas do pós-exílio para significar
a esperança de Israel. (cf. Is 40,1-2; 49,10.13; 57,18; 66,12.13) Descobrindo em Jesus o “Ungido do Senhor”
Simeão reconhece o herdeiro da dinastia real (cf. 1Sm 24,7; Sl 2,2; 18,50; 20,6; 84,9;132,10). É o Messias de
Deus, ungido para testemunhar o Reino de Deus sobre o povo e para salvar Israel (cf. Ex 34,23-24).
O nome de Simeão significa “aquele que escuta, aquele que obedece” e atesta a salvação que ele
reconhece na criança que está sendo apresentada. Seu cântico composto no estilo de hinos bíblicos, com o recado
que dá à Maria se desenrola num conjunto de luz e sombra. Ele se inscreve na linha da grande tradição de Isaias
5) A circuncisão do menino
A circuncisão (Berit Mila ou Berit Abraham) é realizada no oitavo dia após o nascimento. Como
outros costumes judaicos, a circuncisão tem sua origem antes do monoteísmo. É um rito com conotação social,
rito de iniciação à vida adulta ou à vida do clã. Em geral a coragem demonstrada pelo adolescente durante a
operação é importante para sua aceitação no clã.
A partir de Abraão em Gn 17,10-13, a circuncisão se transforma em sinal que lembra a Deus sua
Aliança e ao mesmo tempo ao homem sua pertença ao povo escolhido por Deus e as responsabilidade que
decorrem desta pertença. Portanto, a partir do momento que Abraão circuncidou Isaac, a circuncisão se torna um
fato essencial na tradição de Israel.
Desde a sua origem é um rito estabelecido para o 8º dia do nascimento. Parece que no início a
circuncisão era efetuada pela própria mãe (cf. Ex 4,24-26) e mais tarde pelo próprio pai. No tempo de Jesus já
não era mais assim. Há um homem especializado na prática da circuncisão, o mohel, que a faz na presença dos
pais e na presença imaginária do profeta Elias. O profeta Elias na circuncisão e em outros momentos, como na
refeição pascal, é lembrado e esperado como o anunciador do Messias. Atualmente no ritual da circuncisão, há
uma cadeira para o profeta Elias e a criança é colocada nesta cadeira antes de ser entregue ao mohel, para ser
circuncidada. Se Elias, precursor do Messias, preside em espírito cada circuncisão, é porque todo menino que
nasce é um Messias possível.
Bênçãos que provavelmente remontam ao 2º Templo e, portanto, podem ter sido pronunciadas na
circuncisão de Jesus.
Antes da operação: “Bendito seja, Eterno nosso Deus, Rei do universo, que nos santificou pelos teus
mandamentos e nos ordenou de praticar a circuncisão”.
6) A Purificação de Maria
7) O Shabbat
Podemos imaginar nos bairros judeus das cidades da Galiléia, das ruelas da cidade de Nazaré, entre
as quais está situada uma sinagoga, a agitação que toma conta da pequena cidade no momento em que irá se iniciar
o sábado - as casas se enchem de cantos e orações - é o santuário em que se transforma cada casa e cada pequena
sinagoga, e na casa de Maria e José, o menino Jesus penetra nesta atmosfera de alegria, de repouso, de santificação
e louvor pela Criação, pela libertação do Egito, entra na intimidade de seu Pai, na pequena casa de Nazaré:
adoração do Criador, conhecimento da Torá e vocação de Israel, preenchem os dias do crescimento de Jesus em
Nazaré. E sua chegada foi preparada há muito pelo povo de Deus, mas também pelo próprio casal Maria e José.
Na época de Jesus a idade de doze anos era o momento tanto para o menino como para a menina de
ingressarem na vida adulta. Até os quatro anos de idade, tanto os meninos como as meninas ficavam aos cuidados
da mãe. A partir da idade de 4 anos, o menino começava a prender o ofício com o pai e a menina com a mãe. Isto
não significa que a mãe não continuasse a ter contato com os filhos homens. Vemos que no momento em que pela
primeira vez o menino Jesus vai ao Templo, tanto Maria como José saem à procura do menino e é Maria que lhe
chama a atenção por não ter avisado onde tinha ficado.
A tradição judaica diz o seguinte: “Até os treze anos é dever do pai educar seu filho. Mas depois
disso ele deve dizer: “Abençoado seja Aquele que tirou de mim a responsabilidade por este rapaz”. Deste
momento em diante o rapaz de treze anos será responsável por suas atitudes e pela prática da Torá.
Na antigüidade o rapaz era levado pelo seu pai até a presença do sacerdote no Templo ou perante os
anciãos a fim de receber uma benção que lhe garantisse uma porção na Torá e no cumprimento das boas ações.
8) A Páscoa em Jerusalém
Provavelmente a subida à Jerusalém quando Jesus tinha doze anos foi a primeira vez que Jesus
participou da peregrinação da páscoa. Chegara enfim o momento de subir até Jerusalém para receber a benção
que lhe garantia a porção da Torá. Podemos imaginar o deslumbramento do menino da província que faz sua
primeira viagem para a capital. Não é de admirar que o menino acabou ficando na cidade grande e sobretudo no
Templo, sem dúvida em discussão na sinagoga que existia dentro do Templo, com os doutores da lei,
provavelmente fariseus.
A viagem de Nazaré até Jerusalém era feita em quatro etapas, durante quatro dias, percorrendo
cento e quarenta e um quilômetros. Esta viagem era toda intercalada por bênçãos, orações e canções que refletiam
sobre o destino de Israel. Podemos imaginar que sem dúvida, durante estas reflexões a questão quente do
momento: e o Messias? Será que está próximo o tempo de sua vinda? E discutia-se assim a opinião de Daniel
sobre as 70 semanas ou então os discípulos de Hillel diriam que o Messias já tinha vindo no tempo do rei Ezequias.
Estas discussões permitiam aos peregrinos trocar suas opiniões sobre a realização das promessas.
A peregrinação era também o momento para se tomar conhecimento da ocupação romana e das
novas dificuldades que estavam existindo em outras partes da Terra, fora de Nazaré. Na última etapa, antes de
UNIDADE VI
EXEGESE JUDAÍCA NA ÉPOCA DOS
ESCRITOS NEO-TESTAMENTÁRIOS
Um dos princípios fundamentais da halakhá é a crença de que Moisés recebeu ao mesmo tempo a
Torá escrita e Torá oral. Entretanto os mestres sempre distinguiram a tradição oral transmitida de geração em
geração e outras partes da Torá oral criada e desenvolvida pelos mestres da halakhá.
As regras de interpretação midráshica tem por objetivo alargar a Torá e aplicá-la às novas situações.
Esta interpretação da Escritura provocou a ruptura entre saduceus e fariseu. Os saduceus consideravam somente
a autoridade da Torá escrita. O livro de Decretos por eles escrito e ‘depositado no Templo’ não estava ligado à
Torá Escrita. Os essênios não reconheciam a autoridade temporal por isso só aceitavam a halakhá deduzida pelo
midrash diretamente do texto sagrado.
Os sábios deviam explicar certos textos contraditórios da Escritura e ao mesmo tempo resolver certos
problemas que nasceram as grandes mudanças que o judaísmo enfrentou nesse período, sobretudo no decorrer do
I século da era comum37.
O objetivo é preencher as lacunas dos textos dando detalhes que o texto bíblico não relata. Um
exemplo, em Gn 4, 8 lemos: Caim falou a seu irmão e, quando foram ao campo, Caim atacou seu irmão Abel e
o matou. Há um problema neste versículo: O que disse Caim a seu irmão? Para o midrash aí se encontra uma
oportunidade de transmitir um diálogo no qual aparece um profundo ensinamento. Porque Caim matou Abel?
Encontramos em Gênesis Rabba 22, 7 o seguinte comentário.
- Caim falou ( ויאמר- discutiu) a seu irmão Abel, e quando foram ao campo, Caim atacou seu irmão Abel e
o matou. Qual foi o assunto da discussão? Eles haviam decidido: Vamos nós dividir o mundo. Um (Caim)
ficou com as terras e outro com as propriedades. Então Caim disse: A terra em que está é minha! E Abel
disse: as roupas que vestes são minhas! Tire-as imediatamente! Saia daqui, respondeu o outro. Então Caim
atacou seu irmão Abel e o matou....
O midrash continua a discussão e no final do ensinamento transmitido pode-se deduzir que há três
coisas que podem causar disputa, violência e morte entre irmãos: posse de bens, o poder e prestígio, e o ciúme
que nasce no relacionamento entre as pessoas.
Tradicionalmente Torá oral (Halakha) é uma dedução midráshica da Torá escrita. Outros sustentam
que a Torá oral deriva dos costumes e decisões do sumo sacerdote ou da beit din ou do sinédrio.
A partir do 1°século a.e.c. os sábios começam a deduzir halakha das Escrituras. A partir de Hillel38
com as middot (7 regras hermenêuticas que lhe são atribuídas, teriam sido transmitidas pelos seus mestres
Shemaya e Abtalion).
A Torá oral de origem midráshica será então desenvolvida e integrada na Torá de Moisés pelos
mestres fariseus.
A apresentação mais antiga das regras de interpretação se encontram na Tosefta Sinhedrim fazendo
remontar a Hillel sua enumeração por vezes é apresentada de modo diferente. A apresentação abaixo foi tirada da
obra de Bonsirven39. As regras apresentadas são as seguintes.
1. Qal vahomer: do maior para o menor – a fortiori.
2. Gezerá shavá: por assimilação ou analogia.
3. Binyan av mikatuv hehad: a partir de uma citação das Escrituras.
4. Binyan av mishene Ketuvim: a partir de duas citações das Escrituras.
5. Kelal ufehrat uferat vkelal: do geral para o particular do particular para o geral.
6. Kyosé bo mimmaqon aher: Existe algo similar em outra citação.
37 Para aprofundar a temática sugerimos a obra de Frederic MANNS Pour lire la Mishna. Jerusalém: Franciscan Printing Press, 1984.
38 Tos. Sanhedrin 7,11 com o título “As sete coisas que Hillel ensinou diante dos Bené Betyra...
39 Joseph BONSIRVEN. Exégèse rabbinique et exégèse paulinienne. Paris: Beauchesne et ses fils, 1938.
6.1.1.1 - Qal vahomer: do maior para o menor ou do menor ao maior (raciocínio a fortiori)
Descrito como do maior para o menor, de algo menos importante para algo mais importante ou vice-
versa. Pouco importa qual é o tipo de articulação que se faz ao raciocínio.
Apresenta-se uma situação A e compara-se com a situação B, situação mais recente e se conclui
dizendo: com mais forte razão... Exemplos:
1) O Senhor disse a Moisés e Aarão na terra do Egito (Ex 12,1):
Fora da cidade. Talvez você diga: foi fora da cidade ou no interior da cidade? Pois ele disse: E Moisés
lhe disse: Depois que eu tiver saído da cidade estenderei as mãos para o Senhor... (Ex 9,29) ... não se pode
raciocinar qal vahomer? Se para a oração, que é algo menos importante, Moisés rezou fora da cidade, para o
encontro, que é mais importante, não é justo que ele se encontre (com o Senhor) fora da cidade?40
2) Uma forma condensada de raciocínio.
Após uma discussão casuísta bastante complicada entre o mestre e os alunos, eles chegam à mesma
opinião: estávamos dizendo: se o silêncio é muito bom para os sábios, com mais forte razão (qal vahomer) ele
será para os estúpidos assim como está dito: Mesmo o insensato, quando se cala, passa por sábio: e nem há
necessidade de dizer: por inteligente quando fecha os lábios. (Prov. 17,28)41.
3) Nas Escrituras Cristãs:
Mt 6,30: Ora, se Deus veste assim a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada no forno, quanto
mais a vós outros, homens de pequena fé?
Mt 7,11: Ora, se vós, que sois maus, sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos, quanto mais vosso Pai, que
está nos céus, dará boas coisas aos que lhe pedirem?
Jo 7,23: E, se o homem pode ser circuncidado em dia de sábado, para que a lei de Moisés não seja violada,
por que vos indignais contra mim, pelo fato de eu ter curado, num sábado, ao todo, um homem?
Jo 10,34: Replicou-lhes Jesus: Não está escrito na vossa lei: Eu disse: sois deuses?
Rm 5,12.17: 12 Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte,
assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram... 17 Se, pela ofensa de um e por
meio de um só, reinou a morte, muito mais os que recebem a abundância da graça e o dom da justiça reinarão
em vida por meio de um só, a saber, Jesus Cristo.
2Cor 3,7-11: 7E, se o ministério da morte, gravado com letras em pedras, se revestiu de glória, a ponto de
os filhos de Israel não poderem fitar a face de Moisés, por causa da glória do seu rosto, ainda que
desvanecesse, 8como não será de maior glória o ministério do Espírito! 9Porque, se o ministério da
condenação foi glória, em muito maior proporção será glorioso o ministério da justiça. 10Porquanto, na
verdade, o que, outrora, foi glorificado, neste respeito, já não resplandece, diante da atual sobre excelente
glória. 11Porque, se o que se desvanecia teve sua glória, muito mais glória tem o que é permanente.
É a aproximação de dois versículos ou palavras idênticas em textos diferentes. Estes detalhes que
favorecem a interpretação midráshica se perdem com a tradução. É o raciocínio por analogia. Esta aproximação
da Escritura faz por si mesma surgir um novo significado. A partir do momento que se encontra uma expressão
idêntica é um dever aproximá-las, pois nascerá um novo sentido.
A analogia ou assimilação é o argumento mais empregado na beit ha-midrash e na beit din. Todas as
vezes que um determinado texto não expressa o modo de agir em determinada situação, procuram-se os casos
análogos ou já resolvidos para responder ao momento atual. O raciocínio por analogia terá um lugar importante
na literatura rabínica.
40 Mekhilta Ex 12,1.
41 Tos. Pesahim, 32
Tradição Judaica no Novo Testamento
Cultura Judaica, História e Teologia 47
Por assimilação – heqques, da raiz aramaica que significa aproximar, fazer par de dois objetos,
assimilar duas idéias. É uma analogia mais completa. Trata-se de fazer uma aproximação da Escritura, uma
justaposição, seja porque tem diversos pontos em comum. Como em toda analogia, a assimilação será legitima na
medida em que os pontos comuns sejam numerosos ou essências. Exemplo:
1) O Senhor disse a Moisés e Aarão... (Ex 12, 1).
Penso que só Moisés foi juiz do Faraó, de onde Aarão? Do que foi ensinado nestes termos: a Moisés
e Aarão. Ele assimila Moisés à Aarão e Aarão à Moisés. Assim como Moisés foi juiz do Faraó, assim também
Aarão foi juiz do Faraó. Assim como Moisés dizia suas palavras sem ter medo, assim também Aarão dizia suas
palavras sem ter medo42.
2) Por vezes a própria Escritura faz a assimilação. A carne (dos primogênitos) será tua, como o peito que será
apresentado e a coxa direita (Nm 18,18).
A Escritura assimila os primogênitos ao peito à coxa direita dos sacrifícios pacíficos: do mesmo
modo que eles devem ser consumidos em dois dias.
Nestes casos o ponto de partida é inteiramente escriturário. A exegese ajuda a compreender o texto,
complementando-o em vista de sua exploração jurídica.
3) As vezes a aproximação não é assim tão concreta e a assimilação, baseada em uma palavra, é mais
artificial.
Rabbi dizia: honrar eu pai e sua mãe é agradável diante daquele que disse e o mundo foi feito, pois
ele disse equivalente: a honra deles e sua honra; o temor deles temor e seu temor; injuria deles e sua injuria. Está
escrito: Honrarás teu pai e tua mãe (Ex 20,12); e está escrito de maneira correspondente: Honra o Senhor com
tua riqueza (Prov 3,9). Ele assimila a honra dada ao pai e à mãe à honra devida ao Lugar (Deus). Está escrito: que
cada um de vós tema sua mãe e seu pai (Lv 19,3); corresponde ao que está escrito Tu temerás o Senhor teu Deus
(Dt 6,13) Ele assimila temer seu pai e sua mãe ao temor ao Lugar (Deus). Está escrito: Aquele que maldirá seu
pai e sua mãe (Ex 21,17); ele corresponde ao que está escrito Todo homem que maldiz Deus (Lv 24, 15). Ele
assimila maldizer seu pai e sua mãe a maldizer a Deus.
Em Gn 1, na narrativa da criação fala-se do dia um e em seguida segundo dia, terceiro dia e assim
por diante. Em Zc 14,7 ele vai falar do dia um (BJ único), logo o dia UM passa a ter um significado, por que ao
falar dos dias da criação somente o dia Um é numeral enquanto os outros são cardinais? A reflexão verá nesse dia
UM o dia que contém todos os outros e em Zacarias é o dia escatológico, portanto o dia UM é ao mesmo tempo
o primeiro e o último.
4) Nas Escrituras Cristãs
Mt 12,1-443 Por aquele tempo, em dia de sábado, passou Jesus pelas searas. Ora, estando os seus discípulos
com fome, entraram a colher espigas e a comer. 2Os fariseus, porém, vendo isso, disseram-lhe: Eis que os
teus discípulos fazem o que não é lícito fazer em dia de sábado. 3Mas Jesus lhes disse: Não lestes o que fez
Davi quando ele e seus companheiros tiveram fome? 4Como entrou na Casa de Deus, e comeram os pães da
proposição, os quais não lhes era lícito comer, nem a ele nem aos que com ele estavam, mas exclusivamente
aos sacerdotes?
At 2,25-28: Porque a respeito dele diz Davi: Diante de mim via sempre o Senhor, porque está à minha direita,
para que eu não seja abalado. 26Por isso, se alegrou o meu coração, e a minha língua exultou; além disto,
também a minha própria carne repousará em esperança, 27porque não deixarás a minha alma na morte, nem
permitirás que o teu Santo veja corrupção. 28Fizeste-me conhecer os caminhos da vida, encher-me-ás de
alegria na tua presença.
Rm 4,1-12: 9Porque Deus, a quem sirvo em meu espírito, no evangelho de seu Filho, é minha testemunha de
como incessantemente faço menção de vós 10em todas as minhas orações, suplicando que, nalgum tempo,
pela vontade de Deus, se me ofereça boa ocasião de visitar-vos. 11Porque muito desejo ver-vos, a fim de
42Idem Meckilta...
43Paulo, servo de Jesus Cristo, chamado para ser apóstolo, separado para o evangelho de Deus, 2 o qual foi por Deus, outrora, prometido
por intermédio dos seus profetas nas Sagradas Escrituras, 3 com respeito a seu Filho, o qual, segundo a carne, veio da descendência de
Davi 4 e foi designado Filho de Deus com poder, segundo o espírito de santidade pela ressurreição dos mortos, a saber, Jesus Cristo,
nosso Senhor, 5 por intermédio de quem viemos a receber graça e apostolado por amor do seu nome, para a obediência por fé, entre todos
os gentios, 6 de cujo número sois também vós, chamados para serdes de Jesus Cristo. 7 A todos os amados de Deus, que estais em Roma,
chamados para serdes santos, graça a vós outros e paz, da parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo. 8 Primeiramente, dou
graças a meu Deus, mediante Jesus Cristo, no tocante a todos vós, porque, em todo o mundo, é proclamada a vossa fé. 9
Tradição Judaica no Novo Testamento
Cultura Judaica, História e Teologia 48
repartir convosco algum dom espiritual, para que sejais confirmados, 12isto é, para que, em vossa companhia,
reciprocamente nos confortemos por intermédio da fé mútua, vossa e minha.
Gl 3,10-14 10Todos quantos, pois, são das obras da lei estão debaixo de maldição; porque está escrito:
Maldito todo aquele que não permanece em todas as coisas escritas no Livro da lei, para praticá-las. 11E é
evidente que, pela lei, ninguém é justificado diante de Deus, porque o justo viverá pela fé. 12Ora, a lei não
procede de fé, mas: Aquele que observar os seus preceitos por eles viverá. 13Cristo nos resgatou da maldição
da lei, fazendo-se ele próprio maldição em nosso lugar (porque está escrito: Maldito todo aquele que for
pendurado em madeiro), 14 para que a bênção de Abraão chegasse aos gentios, em Jesus Cristo, a fim de que
recebêssemos, pela fé, o Espírito prometido.
Não há muita necessidade de distinguir as analogias aggádicas das halaquicas pois as duas se
fundamentam em termos bíblicos e tem o mesmo objetivo. Um exemplo de gezerá shavá haláquico: Trata-se a
separação entre homens e mulheres preparando-se para o encontro com Deus.
E ele (Moisés) lhes disse: estai preparados para o terceiro dia (Ex 19,15). Mas nós não ouvimos que
o Lugar tenha dito de se separar das mulheres, ele disse somente (estai preparados). Estai preparados segundo (o
julgamento) gezerá shavá: do mesmo modo que o “estai preparados” dito aqui (Ex 19,15) é para a separação das
mulheres, do mesmo modo “estai preparados” dito lá (Ex 19,11) é para a separação das mulheres.
Um exemplo de gezerá shavá aggádico: de onde podemos dizer que aquele que volta os olhos da
esmola é como se praticasse a idolatria? Do que está dito: Fica atento a ti mesmo para que não surja um
pensamento vil (um pensamento de Belial)... para com teu irmão pobre( Dt 15, 19). Está dito ... homens malignos
(gente de Belial) saíram do meio de ti seduzindo seus habitantes dizendo: Vamos e sirvamos a outros deuses...
(Dt 13,14) do mesmo modo o Belial que se fala lá (Dt 15,19) designa idolatria.
Os raciocínios por analogia são inúmeros: por equivalência que aproximam personagens ou
acontecimentos; textos que tem ideias análogas, argumento tirado de uma espécie análoga, conclusões a partir de
analogias reais etc. Há uma grande criatividade para interpretar e tornar a Torá encarnada no dia a dia.
A Binyan av mikatuv hehad se dá a partir de uma citação das Escrituras: Dois exemplos:
1) Exemplo Haláquico
“E se encontrar” (Dt 17,2): isto se refere aos testemunhos a partir do princípio, pois é dito aqui
(Dt17,6): pela palavra de duas ou de três testemunhas poderá ser condenado (Dt 19,15).
Este é o caso de Binyan av mikatuv hehad: Para todos os lugares em que aparecer “E se encontrar”
(immase) a Escritura fala de duas ou três testemunhas. Casos semelhantes se encontram em Dt 18,10; 22,22; 24,7.
Faltas que só podem ser julgadas diante de duas ou três testemunhas.
2) Exemplo Aggádico
Tu mostrastes tua grandeza e a tua poderosa mão; porque que deus há, nos céus ou na terra, que
possa fazer segundo as tuas obras, segundo os teus poderosos feitos? (Dt 3,24): eis aqui um bynian av para toda
grandeza que se encontra na Torá.
Um exemplo complicado, mas interessante porque mostra em que condições pode-se mostrar em que
condições deve-se responder uma analogia para poder fundamentar um raciocínio exegético ou jurídico.
Se fizer cair um dente do seu escravo ou da sua escrava...(Ex 21,27). Compreendo um dente de leite
também; foi ensinado nestes termos ou um olho: do mesmo modo que um olho não pode renascer, do mesmo
modo o dente estipulado não pode renascer. Vejo somente o dente e o olho, a extremidade de outros membros de
onde? Eis que tu dizes raciocinando (julgando) um binyan av a partir de dois: a condição do dente e a do olho são
diferentes.
O lado igual dos dois é a mutilação de um e outro que causa um defeito irreparável e a mutilação da
extremidade dos membros que não podem renascer, feito com a intenção e abertamente, providencie a libertação
da vítima: do mesmo modo a mutilação dos membros que não podem renascer providencie a libertação da vítima.44
44 Mekhilta Ex
Tradição Judaica no Novo Testamento
Cultura Judaica, História e Teologia 49
6.1.1.5 - Kelal uferat vferat ukelal: do geral para o particular do particular para o geral
Kelal, vem da raiz que significa abraçar, completar, designa, pois, a totalidade, o conjunto, o geral, a
soma de casos particulares. Significa também princípio como na sentença de Akiba: Eis o maior princípio da
Torá; amar o próximo como a si mesmo45. Para poder entender melhor esta regra é bom olharmos um pouco as
raízes hebraicas. Kelal ( )כללse precisa a partir da palavra seguinte ferat ( )פרטao qual se opõe. Ferat da raiz
hebraica que designa o particular, singular. A tradução pode ser do geral e do singular, contudo o verdadeiro valor
das duas palavras na linguagem rabínica que terá suas nuances.
Um exemplo de que não há nada no geral que não esteja no particular. (Oferecereis) uma cesta de
pães sem fermento, geral, bolos de flor de farinha amassados com azeite, e tortas sem fermento untadas com
azeite...(Nm 6,15), particular. Geral e particular, não está no geral senão o que está no particular. Pois poderíamos
raciocinar o seguinte: já que o sacrifício de ação de graças inclui pão e que ao bode do nazir deve-se acrescentar
o pão, se aprende que no sacrifício de ação de graças inclui quatro espécies é preciso que o bode do nazir comporte
as quatro espécies, mas é ensinado nestes termos: uma cesta de pães sem fermento, geral, farinha ...particular; não
está no geral senão o que está no particular. Nesse caso o que é chamado de geral não é feito por um corte da
frase, nem segue uma análise lógica da proposição, nem uma operação lógica que descobre o geral. Se o cesto de
pães sem fermento é o geral, sua extensão é determinada pela menção dos particulares que seguem: bolos e tortas.
Logo o kelal uferat no caso não são duas categorias lógicas do geral e particular. A relação não é lógica, mas
permite concluir do geral ao particular pela indução e o particular ao geral.
Na Escritura não é prevista a mutilação de outros membros, a dedução foi feita a partir das duas
mutilações tipos. O procedimento consiste em enfatizar o que é essencial em duas espécies jurídicas análogas que
se apresentam com diferenças essenciais a ampliar a lei determinada por um ponto comum.
UNIDADE VI
ANEXO
QUADRO COMPARATIVO
UNIDADE VII
HILLEL E JESUS
☞ Mirelle HADAS-LEBEL. Hillel - Un sage au temps de Jésus, Albin Michel, 1999.
Há um pouco mais de um século que os dois nomes, Hillel e Jesus, se encontravam um ao lado do
outro e estabeleceram paralelos entre os proprios atributos de ambos. A história desta comparação, efetuada as
vezes por judeus, as vezes por cristãos, merece ser feita porque através deste trabalho se reflete a evolução das
relações entre judaismo e cristianismo.
A idéia mesma de uma comparação entre os dois personagens era impensável por muito tempo, tanto
do lado judeu como do lado cristão. Na verdade, a literatura rabínica, que constitutui ao longo dos séculos todo o
horizonte intelectual dos judeus, dá um lugar ínfimo a Jesus nas passagens tanto legendárias como obscuras às
quais várias foram suprimidas pela censura eclesiástica46. Para a maioria dos Judeus da Europa, o nome de Jesus
era associado à cruz que brandiam seus perseguidores, da península Ibérica até a Ucrânia, fato que não os
encorajava à leitura do Novo Testamento. Por sua parte, os eruditos cristãos que aprendiam o hebraico a partir do
Renascentismo não era senão para ter acesso à Bíblia, e aqueles que se esforçaram para adquirir noções do
hebraico ou do aramaico talmúdico, estavam preocupados sobretudo para ridicularizar as <frivolidades47> dos
rabinos. No século XVIII, na famosa escola teológica de Halle, como no século XIX entre os maiores especialistas
do judaismo antigo, quem dava o tom para o resto da Europa, o objetivo principal era mostrar a superioridade do
cristianismo48.
Um rabino célebre do século XVIII, Jacob Emden (1697-1776), foi quem conduzido por sua
polémica contra os frankistas (membros da seita do falso Messias Sabbatai Tsvi), se interessou pelo inicio do
cristianismo. A leitura dos Evangelhos, dos Atos dos Apóstolos e das cartas paulinas o convenceu que eram
escritos autenticamente judaicos. Jesus e Paulo pareciam-lhe de pleno acordo com os textos rabínicos, porque eles
propunham aos gentios uma religião fundada nos sete mandamentos de Noé (proibição da idolatria, blasfêmia,
assassinato, roubo, infração sexual, crueldade contra os animais e o estabelecimento de tribunal de justiça), graça
aos quais estes poderiam ser considerados como justos das nações e ter parte no mundo a vir, paralelamente eles
sustentavam que os judeus de nascimento deveriam observar toda a Tora. Desta forma <o Nazareno> trouxe um
duplo bem ao mundo: de uma parte, ele reforçou majestosamente a Tora de Moises porque nenhum de nossos
sábios insistiu tanto sobre a infabilidade da Tora; de outra parte, ele fez bem aos gentios distanciando-os da
idolatria e lhes impondo os sete mandamentos para que não vivam como os animais49. Essas considerações não
deixam de suscitar vivas críticas da parte do rabino Altona - acusado de pactuar com os frankistas, mas foi apenas
um elemento na polemica aguçada entre os dois antagonistas.
No fo final do século XVIII, um judeu de Dessau se estabeleceu em Berlin, Moisés Mendelssohn
(1729-1786), é reconhecido como um dos mais brilhantes pensadores de seu tempo. Este filosofo é também o
iniciador da Aufklärung judaica, a haskala (iluminismo). No grande afã de otimismo que caracteriza a aurora da
emancipação dos judeus, Mendelssohn é seguro que as portas dos guetos se abrirão definitivamente e que seus
correligionários são destinados a se integrar na sociedade ambiental, sem no entanto renunciar à sua religião. Eles
devem se esforçar para conhecer seu próximo cristão, sua língua, sua literatura, suas crenças, fato que deveria
levar a uma abertura paralela junto aos seus interlectores e o fim dos esteriótipos caluniosos. Ele mesmo se
interessa ao Novo Testamento e sua leitura dos Evangelhos o convence de que Jesus não quis criar uma nova
46
Cf G.F. Moore, Christian Writers on Judaism, Harvard Theological Review 14 (1921), p 197-254. O pamfleto anti-cristão Toldot Yeshu
é datado do século XIII.
47 Assim, J. Buxtorf na sua Synagoga Judaica, Bâle, 1604.
48 Cf G.F. Moore, op.cit; J. Blenkinsopp, Prophecy and Canon, University of Notre Dame Press, 1977, p 19-20; P. Sanders, Paul and
50 Espinoza havia já exprimido uma opinião em latin. Cf M. Graetz, “Lectures juives de Jésus au XIX siècle”, Jésus de Nazareth. Nouvelle
approche d’une religion (éd D. Marguerat, E. Norelli, J. M. Poffet), Labor et Fides, Genève, 1990.
51 Cf M. Graetz, Les juifs en France au XIX siècle, Seuil, Paris, 1989, p 157.
52 Jésus-Christ et sa doctrine, t. II, p 502.
53 Para a pequena história, Salvador, que não sabia hebraico, citava em latin algumas máximas de Hillel encontradas nos famosos ecritos
antijudaicos de Wagenseil, Tela ignea Satanae (As flechas enflamadas de Satan), 1681.
54 Judentum und seine Geschichte, Breslau, 1862, vol. I, p 99-107.
55 Cf H. Graetz, Sinaï et Golgotha ou les origines du judaïsme et du christianisme, Paris, 1867, p 296-301 (obra publicada diretamente em
frances).
56 Origines du christianisme, t. VI, L’Eglise chrétienne, éd originale, p 245.
57 Vie de Jésus, éd 1867, p 85. Outras menções sobre Hillel p 37, 93, 95, 96.
58 Ibid, p 86
59
Autor judeu do livro conhecido na Igreja como Eclesiástico, escrito por volta do ano -190, hoje é designado pelos especialistas com o
nome de Ben Sirac.
60 Ibid. p 38.
61 Ibid. p 95.
62 Ibid. p 77.
63 Ibid. p 65.
64 Ibid. p 67.
65 O que não o impede de escrever, em uma obra posterior, que <Jésus é mais um grande Judeu que um grande homem>, ou que o
cristianismo começa no século VIII com o proféta Isaias e que <Jesus não faz senão dizer, em uma linguagem popular e charmante, o que
se tinha dito ha sete séculos antes dele em hebraico clássico>, Les origines du christianisme, t. VII, Marc Aurèle (1882), p 634. Ele
acrescenta: <Seus discipulos fizeram d’Ele o que há de mais anti-judeu, um homem-Deus.>
66 ela teve várias edições: 1866, 1875, 1879 e foi traduzida em ingles.
67 System der altsynagogalen palästinischen Theologie 1880, retomado em 1886 com o sub-título Die Lehren des Talmuds. Como sublinha
G.F. Moore que lhe consagra um longo espaço no seu artigo (citado sopra, nota 1), p 228-239, seria ai, segundo Webwe, uma reação à
cristologia, mas seus leitores aplicaram sua teorias egualmente ao judaismo pré-cristão.
68 Moore, ibid, p 228.
O paralelo entre Hillel e Jesus começou portanto a partir da apologética tanto do lado judaico como
do lado cristão. Com o tempo, viu-se desenvolver entre os sábios judeus formados nas Universidades ocidentais
o que um pastor evangélico contemporaneo, D.A. Hagner, chama <the Jewish Raclamation of Jesus 72 >. Na
Inglaterra, G. Friedländer estudava as fontes judaicas do Sermão da Montanha (1911), enquanto que Claude
Montefiore se consagrava ao estudo dos Evangelhos sinóticos de onde deveria surgir sua importante obra, The
Synoptic Gospels (2 vol., Londres, 1927) 73 . Na segunda metade do século XX, este movimento de
<reapropriação> de Jesus pelo judaismo se acelerou e ultrapassou o quadro da corrente reformada onde ele parecia
estar confinado74.
O grande precursor foi Joseph Klausner na sua obra Jesus de Nazaré escrito em hebraico e
imediatamente traduzido em frances (Payot, 1933). Nesta biografia, em que o autor se esforça dar uma noção
exata do Jesus hostórico <que não seja nem o da teologia cristã e nem tampouco o da teologia judaica>, mostra
que Jesus sempre viveu como um judeu. Se sua mensagem não pode ser aceita tal qual aos seus irmãos, é que Ele
se limitou à moral e deixou de lado partes inteiras importantes do judaismo. Como conclusão intervem um
interessante paralelo entre Jesus e Hillel: Jesus foi sobretudo um pregador de moral - e porisso combativo; Hillel
não foi inferior sobre o plano moral, mas ele não se desinteressou dos outros aspectos da vida de seus irmãos.
Hillel não foi somente um <mestre e um rabino, mas também um juiz, um legislador e um chefe 75> que havia
como preocupação a manutenção da paz social. Esta conclusão, seguindo a um estudo erudito, sublinhava
paradoxalmente, através da comparação entre Hillel e Jesus, a oposição do ortodoxo e da corrente reformada. Para
este último, Hillel prefigurava Jesus pois ele enfocava sobretudo a moral: para o judaismo ortodoxo, a esféra do
religioso englobava todos os aspectos da vida, o que Hillel eceitava e que Jesus recusava.
69 Jesu Predigt in ihrem Gegensatz zun Judentum. Ein religionsgeschichtlicher Vergleich (1892), trad. ingles, New York, 1911. Moore
nota p 24 que ele e outros especialistas do Novo Testamento - Scürer, Baldensperger, Weiss - tinham então menos de trinta anos e que
Scürer era o único que possuia algumm conhecimento das fontes rabínicas.
70 Cf a crítica de Bousset por P. Sanders na introdução de sua obra Paul and Palestinian Judaism.
71 Cf Moore, ibid, p 252. A única obra alemã do final do século XIX que Moore nota a ciência e a objetividade é a de Gustav Dalman,
Die Worte Jesus, mit Berücksichtigung des nachkanonischen jüdischen Schriftums und des aramäischen Sprache (1898], trad. ingles,
Edimbourg, 1909. Delman faz uma recensão (p 77-78) das obras cristãs ou judaicas que fizeram paralelo entre o Novo Testamento e a
literatura rabínica, geralmente de uma parte ou de outra com objetivos apologéticos.
72 É o título de sua obra publicada em Grand RApids, Michigan, em 1984, sub-titulada <An Analysis and Critique of the modern Jewish
Study of Jesus>. A partir de um tom moderado, o autor critica esta <reapropriação> do Jesus da história onde ele não reconhece o Cristo.
73 Ver os pontos de vista desses dois autores resumidos por B. Lindeskog em Die Jesusfrage in neuzeitlichen Judentum, Uppsala, 1938, p
250.
74 Cf P. Lapide, Israli Jews and Jesus, New York, 1979. Este autor nota que de 1948 a 1975 se publicou em hebraico 187 livros sobre
Jesus, bem mais que os dezoito séculos precedentes. Ver também Sh. Malka, Jésus rendu aux siens, Albin Michel, Paris, 1999.
75 Jésus de Nazareth, Payot, Paris 1933, p 561.
76 Este personagem é mencionado sob o nome helenizado de Onias por Flávio José, AJ XIV, 22-24.
77 Martin Buber, Two Types of Faith (London, 1955), p 137; P. Winter, On the Trial of Jesus, Berlin-New York 1974, p 186; D. Flusser,
Jésus, Seuil, Paris, 1970, p 81; H. Macoby, Revolution in Judaea, London, 1973, p 106.
78 Ver por exemplo o artigo de um sábio protestante, W. Phipps, “Jesus the Prophetic Pharisee” in Journal of Ecumenical Studies 14
(1977), p 17-31.
79 A Marginal Jew. Rethinking the Historical Jesus, dois volumes aparecidos, Doubleday, New York, 1991 e 1994; o terceiro volume está
por aparecer. (n.t. esta obra está traduzida em portugues pela Imago).
80 Por exemplo o “Jésus méditerranéen” de André Paul, novas desaventuras de Jesus ariano do século XIX (Foi et Vie, vol. 92 nº 5, sept.
1993, p 101-111). Ver as vivas reações contra este artigo: M.R. Mecina, “Hérode-Messie ou l’apologie du ‘Renard’ de A. Paul: Réponse
à une désinformation historico-théologique” Ad Veritatem, Bruxelles, 1994, p 19-43, e “Jésus ‘le juif’ ou Jésus ‘l’Hérodien’. A propos
d’une thèse d’ A. Paul”, Foi et Vie vol. 93 nº3, juillet 1994, p 87-104.
81 Publicados sob a direção de J.H. Chalesworth e L. Johns, Fortress Press, Mineapolis, 1997.
3 - A regra de ouro
Na primeira lista das palavras de Hillel e Jesus entre a mais comum posta em paralelo, encontra-se a
famosa <regra de ouro> enunciada por Hillel sob a forma negativa: <Não faz a outro o que não queres que te
faça> (Shabbat 31a) e enunciada por Jesus sob a forma positiva: <fazei a outros o que quereis que eles vos façam>
(Lc 6,31; Mt 7,12). Este preceito é suposto resumir toda a Tora (Hillel) ou <a lei de Moisés e os livros proféticos>
(essas palavras de Jesus se encontram unicamente em Mt 7,12).
Nas polémicas do século XIX, quase todos os teólogos cristãos puseram no primeiro plano a fórmula
evangélica para sublinhar a superioridade82: o cristianismo ensinaria uma moral positiva e o judaismo uma moral
negativa. A esta posição alguns sábios judeus contestavam dizendo que não havia diferença entre as duas
formulações 83 ; outros lembravam que Agostinho nas Confissões (I, 18) não hesitou parafrasear a fórmula
evangélica por <não faça a outro...> Sublinhando que as duas versões derivam de preceitos positivos bíblicos, tais
como: <Tu amarás teu próximo como a ti mesmo> (Lv 19,18) e <amarás o estrangeiro> (Dt 10,19), I. Abrahams
observa que a fórmula negativa é mais fundamental e resume melhor a moral social84.
O ensaista Asher Ginzberg, melhor conhecido sob o pseudônimo hebraico Ahad HaAm, coloca o
debate na dialética do autruismo e do egoismo. Segundo ele, a concepção judaica da justiça exclui as duas atitudes:
<Assim como eu não posso arriscar a vida do outro para o meu próprio interesse, eu não posso riscar a minha vida
para o interesse do outro. Somos todos os dois homens e nossas duas vidas têm o mesmo valor diante do trono da
justiça85>.
Entre as posições tomadas as mais apaixonadas ignoram geralmente as questões colocadas pela
crítica textual. Elas supõem implicitamente que as afirmações citadas são sustentadas por personagens históricos
enquanto que se trata de tradições concernentes a estes personagens. Como mostra P. Alexander86, a citação da
regra de ouro de Hillel não se encontra senão em uma baraita do Talmud da Babilonia e é ausente nas duas
versões de Avot de Rabbi Nathan A15 e B29 (século III) enquanto que as outras anedotas que se opõem à
paciência de Hillel à irracibilidade de Shamai são citadas87. Estas anedotas parecem pertencer a um periodo onde
os esteriótipos de Hillel et de Shamai foram constituidos privilegiando o primeiro, e a parte relativa à regra de
ouro, ausente em Avot de Rabbi Nathan, poderia ser uma adição posterior.
A crítica neo-testamentaria não atribui a Jesus o Sermão da Montanha como o ensinamento que
segue, em que a regra de ouro <positiva> é posta em Sua boca, embora sabendo que a redação dos Evangelhos é
cronologicamente mais próxima dos episódios evocados. Aplicando à logia de Jesus, - isto é, às suas sentenças
de sabedoria - ao método da história da forma, Rodolf Bultmann incluia desde 1921 a regra de ouro de Mt 7,12 e
Lc 6,31 na categoria dos meshalim ou máximas profanas <transformadas em palavra de Jesus pela tradição88>.
Segundo ele, <todas estas palavras são pouco ou nada caracteristicas de uma piedade nova que ultrapasse o
judaismo. São observações sobre a existência, de regras de bom senso e de moral popular89>. Mais precisamente,
tratando-se da regra de ouro, ele considera como uma <ilusão acreditar que a formulação positiva seria
caractiristica de Jesus, diferenciando da formulação negativa atestada entre os rabinos. Isto é puro acidente, pois,
que ela seja positivamente ou negativamente formulada, esta palavra considerada por ele mesma exprime a moral
de um inocente egoismo90>.
De fato, a regra de ouro parece surgir de um fundo de sabedoria comum, bem anterior à Hillel e
Jesus. A. Dihle 91 evidenciou ocorrências na literatura grega após Thales ou Heródoto. Ela está igualmente
presente entre os contemporâneos chineses, Confúcio (-551 a -479)92, ou no Mahabharata (XII, 259, 20). Na parte
judaica, ela é atestada no livro de Tobias (4,15) datada seja no periodo persa (-350), seja no periodo helenista (-
200), assim como na Carta de Aristeo a Filocrata (aproximadamente -150) contando as circunstâncias da tradução
do Pentateuco em grego na Alexandria.
82 Cf P.S. Alexander, “Jesus and the Golden Rule”, in Hillel and Jesus, p 379.
83 Cf Hamburger citado por I. Abrahams, Studies in Pharisaism and the Gospels, Cambridge, 1917, reimpresso, New York, 1967, p 22.
84 Ibid, p 22-20. Sua interpretação é retomada por Cl. Montefiore in The Sinoptic Gospels II, p 119-120 e in Rabbinic Literature and
4 - As máximas paralelas
Faz já um século que os eruditos começaram a evidenciar os paralelos entre o ensinamento de Jesus
e o dos rabinos. É <a deliciosa estrannheza> da narração semítica, isto é, da palavra que, segundo Renan, fez o
sucesso dos Evangelhos e conquistou as <raças difíceis96> da Europa. As parábolas do Novo Testamento e os
escritos rabínicos forneceram portanto a parte a mais importante destas comparações97. Sobre dois mil parábolas
rabínicas 325 são dataveis entre os dois primeiros séculos e destas apareceram em torno de trinta que são paralelos
com os Evangelhos98 e em torno quarenta se assemelham muito. A proximidade das metéforas - por exemplo do
rei ou o mestre para designar Deus - é muito grande. A parábola representa certamente um gênero muito vivo no
tempo de Jesus, mas as fontes rabínicas anteriores ao II século são tão raras que as que sebreviveram não contem
quase parábolas. São portanto os Evangelhos que, no I século, ilustram a existência de um gênero muito familiar
no interior do judaismo.
As parábolas atribuidas a Hillel, como aquela da estátua, se reencontram em textos muito posteriores
o que dificulta afirmar sua autencidade. Restam as máximas ou logia. Estas fórmulas incisivas parecem ter sido
o gosto de Hillel, mas existe muito pouco em comparação às que os Evangelhos atribuem à Jesus. Eis aqui algumas
que parecem fazer eco:
Pois nada há de oculto que não venha a Não diga alguma coisa que não possa ser
ser manifesto, e nada de segredo que não ouvida, pois no final ela terminará por ser
venha à luz do dia. (Mc 4,22; Lc 8,17). escutada. (Pirkei Avot II,5).
Quem não ajunta comigo, dispersa. (Mt Quando se ajunta, dispersa, quando se
12,30; Lc 11,23). dispersa, ajunta. (Tos. Berakhot VI, 24; tj Ber.
IX, 5; tb Ber.63a).
Pois todo aquele que se exalta será Hillel dizia: minha humilhação é minha
humilhado, e quem se humilhia será exaltado. exaltação e minha exaltação é minha
(Lc 14,11; Mt 23,12). humilhação. (Lv Raba I,5/ sobre Lv 1,1: tb
Eruvin 13b; Sanh. 17b).
93 Cf W.H.P. Hatch, “A Syriac Parallel to the Golden Rule”, Harvard Theological Review 14 (1921), p 194, e P. Alexander, art. citado.
94 Cf Alexander, artigo citado, p 382-388.
95 T.W. Manson, The TEaching of Jesus, Cambridge, 19552, p 305, faz uso destas palavras para fazer apologia da mensagem evangélica
sublinhando que para Hillel o comentario “is in every whit as essential as the Golden Rule”.
96 E. Renan, Origines du christianisme, t. V, Les Evangiles, éd. originale, p 101.
97 Cf bibliografia dada por C. Evans, Jesus and his contemporaries. Comparative Studies, Brill. Leyde-New York, Cologne, 1955, p 251.
98 Ibid, p 252.
Mas Jesus lhe disse: guarda a tua Porque tu afogaste, foste afogado e
espada no seu lugar, pois todos os que pegam aqueles que te afogaram serão afogados. (Pirkei
na espada, pela espada perecerão. (Mt 26,52). Avot II,7).
Não julgueis e não sereis julgados. (Mt Não julgues a teu próximo antes de estar
7,1; Lc 6,37) no seu lugar. (Pirkei Avot II,5)
No total a colheita é magra quando se compara os textos precisos. No entanto se pode ter a impressão
geral de uma proximidade entre os dois mestres tão vizinhos cronologicamente que prescreviam uma sabedoria
universal <de maneira cínica ou estoica99> correspondendo ao espírito do tempo.
5 - Semelhanças e diferenças
Evidentemente que é o amor pela paz e o amor pelas criaturas100 que mais justificam a proximidade
entre Hillel e Jesus. Poderiamos também acrescentar o amor pela Tora mesmo que cada um, a sua maneira, tenha
trazido às leis bíblicas algumas modificações101. Jesus não disse: <Eu não vim para abolir, mas cumprir> (Mt
5,17)? A confiança em Deus deste dois mestres se exprime nas suas maneiras de se comportarem: Hillel não faz
reserva e bendiz Deus: <dia após dia> (Beitza 16a). Jesus, por sua vez, aconselha de não se preocupar com o dia
de amanhã: <A cada dia basta a sua pena> (Mt 6,34). Segundo o que podemos jugar pelos textos sobreviventes,
Hillel espera o <mundo futuro> como Jesus o <reino dos céus> ou <o mundo a vir102>.
As diferenças não são menos evidentes. O babilônico Hillel veio a Jerusalém para adquirir toda a sua
ciência hermenêutica dos mestres da Judeia. Jesus aparece como um produto espontâneo de uma Galiléia simples
e interiorana. Um adquire respeito por seu saber e suas arbitragens jurídicas, o outro ganha as multidões por sua
pregação e seus milagres. Um morre de sua bela morte após uma longa carreira e deixa uma descendência, o outro
passa como um meteoro e padece crucificado na flor da idade. E sobretudo, na memória dos homens, um
permanece homem, simplesmente homem, o outro se torna o Cristo.
No entanto há um fato que fora raramente mencionado. De todas as correntes que agitaram o
judaismo no primeiro século, as únicas que sobreviveram são as originadas de Hillel e de Jesus. Enquanto que os
discípulos de Jesus fundam o cristianismo, a corrente farisaica, que sobreviveu à catástrofe de 70, afirma com
insistência que ela perpetua o ensinamento de Hillel.
99 Ch. Perrot a propósito de Jesus em “Pluralité théologique du judaïsme au I er siècle”, Jésus de Nazareth. Nouvelles approches d’une
énigme (éd D. Marguerat, E. Novelli, J.M. Paffet) Labor et Fides, Genève, 1998, p 173. Se encontra muitos paralelos com outores gregos
e latinos no artigo de A. Kaminka, “Hillel’s Life and Work”, Jewish Quartely Review 30 (1939-1940), 118-119.
100 Cf por exemplo Piekei Avot I, 12 citado supra e Mt 5,9.
101 Ver supra as taqqanot de Hillel e, para Jesus, a valorização das leis bíblicas em Mt 5, 21-47.
102 A expressão rabínica haolam haba, ‘o mundo a vir’ se encontra frequentemente sob a forma grega ο΄ μελλω ou ερχο΄μενος, no Novo
UNIDADE VIII
QUEM É UM JUDEU?
Questão difícil. Nem mesmo o Estado de Israel, o Estado judeu, não deu resposta satisfatória para
todos. Seguramente, não se trata de uma particularidade natural, biológica: já foi provado cientificamente que o
povo judeu não constituía uma raça, mas que era proveniente de uma mistura de raças.
Não é, principalmente, o lugar de origem: há judeus instalados na França há muito tempo, outros
provenientes da Rússia, no fim do século XIX, ou da Polônia, da România, da Bulgária... (atual Europa do Este)
antes da Segunda Guerra Mundial, ou, mais recentemente, da África do Norte.
Não é a língua: cada um fala a língua do país onde se encontra.
Não é a religião: se alguns judeus são observantes, outros se afastaram da sinagoga, enquanto outros aderiram
à fé da Igreja. Esses últimos, porém, não são mais considerados como judeus no grupo a que pertencem.
Não é tão pouco o fato de possuir leis próprias, espécie de estado no Estado. Exceção feita aos crentes
no que concerne ao domínio religioso, eles seguem a legislação do país do qual são cidadãos.
Então... quem é judeu?
De acordo com a Halakah, tradição oral que indica as normas de vida, é judeu quem nasceu de mãe
judia. No entanto, sem ser de mãe judia, muitos, que não podem justificar uma longínqua ascendência judaica, se
reconhecem e se dizem, portanto, judeus. Talvez não freqüentem habitualmente a sinagoga, talvez não observem
as leis alimentares nem o repouso do sábado; eles se consideram, porém, judeus sem sentir sempre a necessidade
de dizer isso.
O fato de ser judeu não significa, pois, em primeiro lugar, a adesão a uma confissão religiosa, mas
o fato de pertencer a um povo. Praticantes ou não, leigos de alguma forma, mesmo “ateus”103, os judeus se
reconhecem em comunhão de destino com seu povo.
Mais próximo da realidade, portanto, sem dúvida, mais próximo da verdade, é aceitar, com a grande
maioria dos judeus hoje, além de quem nasceu de mãe judia, que judeu seja aquele que se reconhece como tal e
afirma sua pertença a esse povo.
Vocabulário: Antes de entrar de falar sobre judaísmo é necessário precisar o sentido de algumas
palavras: judaísmo, Israel, Israeli, Israelita, judeu, judaicidade, hebreu...
Antes de qualquer coisa, que se compreende pelo “judaísmo” que constitui o objeto e o título deste
trabalho? Como todas as palavras em “ismo”, indicam um termo geral que abrange tanto a religião como a cultura
e o pensamento judeus. Depois da reforma de Esdras na volta do exílio de Babilônia, por ocasião da construção
do Segundo Templo (± 530 a.C.), até hoje, há o costume de chamar judaísmo tudo que constitui a vida judaica,
tanto do ponto de vista intelectual como do prático ou litúrgico.
“Israel” é um termo profundamente ambíguo. No Primeiro Testamento, não se trata do “povo de
Israel”, dos “filhos de Israel”, segundo o nome dado a Jacó no final da luta que teve com Deus104. Após a separação
em dois reinos (± a.C. 930), será chamado reino de Judá o reino do sul e reino de Israel, o do norte, até sua
conquista pelos Assírios (± a.C. 721).
Desde o 2o século da era cristã, o termo “Israel”, caído em desuso, será retomado pela Igreja nascente
que vai chamar a si mesma de “novo Israel”, crendo poder substituir o povo do Primeiro Testamento.
Hoje em dia, Israel considera-se uma realidade geopolítica e humana ao Estado, nascido em 1948.
Nós lhe reservamos essa significação. Em conseqüência, é “Israeli” todo cidadão do Estado de Israel,
independente de sua religião - judia cristã ou muçulmana - sua indiferença religiosa ou, eventualmente, sua
declaração de ateísmo.
Israeli não deve ser confundido com “israelita”. Até o final da Segunda Guerra mundial, israelita
designava um judeu, religioso ou não. Mas com o desenvolvimento da assimilação, esse termo evocava um
judaísmo sem cultura judaica, logo, antes negligente no plano da prática, usado principalmente nas siglas ou
expressões estereotipadas.
Após a volta do exílio da Babilônia, aparece o termo “judeu” dado do exterior àqueles que voltaram
à província de origem, a Judéia, sendo, por esse motivo, denominados Judeus (da mesma maneira, encontra-se
103O ateísmo judeu é bastante único em seu gênero: talvez seja antes recusa de contar com Deus que simples negação de Deus.
Por tudo que se refere à história bíblica, consultar: G. Sindi, Le peuple de la Bible, n. 10. Coll. Tout Simplement, Editions del’Atelier,
104
1994.
Tradição Judaica no Novo Testamento
Cultura Judaica, História e Teologia 60
em grego: judaísmo; em latim: judaei; em alemão: juden; em espanhol: judios; em polonês: jidku...). Dado
exteriormente, o termo “judeu” traduz certa distância da parte daquele que fala, ganhando muito depressa uma
conotação pejorativa que se encontra no quarto evangelho. Aí o autor designa “os judeus” como um grupo ao
qual não pertence! Seguindo Jesus, ele tomou distância em relação àqueles de seu povo que não o reconheceram
e que ele consideraria, desde então, como seus adversários. Eis porque, no evangelho de João, a expressão “os
judeus” não designa o povo judeu em geral, mas os inimigos de Jesus.
No que diz respeito a um judeu, falar de sua “judaicidade” é evocar o motivo por que ele é judeu,
sua pertença a esse povo. A judaicidade, o fato de ser judeu, não deve ser confundida com o judaísmo que designa
principalmente o que o judeu deve observar: sua tarefa, sua missão para viver em conformidade com sua
judaicidade.
Quanto ao termo “hebreu”, após ter no Primeiro Testamento designado os membros do povo, os
Hebreus, só é aplicado, hoje em dia, no que concerne ao Estado de Israel e principalmente à língua que aí se fala.
O hebreu é, antes de tudo, a língua da Revelação no Primeiro Testamento.
Se muitos judeus se tornaram cidadãos do Estado de Israel, mais numerosos são eles na Diáspora.
De uma raiz grega que significa “dispersão”, a Diáspora é o termo utilizado para designar os Judeus disseminados
no mundo inteiro; hoje ele é empregado mais precisamente por oposição ao povo judeu reunido no país de Israel.
UNIDADE IX
BIBLIOGRAFIA
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L’homme biblique: anthropologie et ethique dans le Premier Testament. Paris: Cerf, 1995.