CNLF XX 08
CNLF XX 08
CNLF XX 08
REITOR
Arlindo Viana
DIRETOR ACADÊMICO
Eduardo Maluf
PRÓ-REITORA DE GRADUAÇÃO
Katia Cristina Montenegro Passos
PRÓ-REITORA DE PÓS-GRADUAÇÃO,
PESQUISA E EXTENSÃO
Maria Beatriz Balena Duarte
DIRETOR DO CAMPUS TIJUCA
José Luiz Meletti de Oliveira
COORDENADORA DO CURSO DE LETRAS
Flávia Maria Farias da Cunha
COORDENADORA LOCAL DO XX CNLF
Graziela Borguignon Mota
DIRETOR-PRESIDENTE
José Pereira da Silva
VICE-DIRETOR
José Mario Botelho
PRIMEIRA SECRETÁRIA
Regina Céli Alves da Silva
SEGUNDA SECRETÁRIA
Eliana da Cunha Lopes
DIRETOR DE PUBLICAÇÕES
Anne Caroline de Morais Santos
VICE-DIRETOR DE PUBLICAÇÕES
Naira de Almeida Velozo.
DIRETORA CULTURAL
Adriano de Souza Dias
VICE-DIRETOR CULTURAL
Agatha Nascimento dos Santos Dias
DIRETOR DE RELAÇÕES PÚBLICAS
José Enildo Elias Bezerra
VICE-DIRETOR DE RELAÇÕES PÚBLICAS
Dayhane Alves Escobar Ribeiro Paes
DIRETORA FINANCEIRA
Marilene Meira da Costa
VICE-DIRETORA FINANCEIRA
Maria Lúcia Mexias-Simon
COORDENAÇÃO GERAL
José Pereira da Silva
José Mario Botelho
Adriano de Souza Dias
Agatha Nascimento dos Santos Dias
COMISSÃO ORGANIZADORA E EXECUTIVA
Anne Caroline de Morais Santos
Eliana da Cunha Lopes
Regina Céli Alves da Silva
Maria Lúcia Mexias-Simon
Marilene Meira da Costa
Naira de Almeida Velozo
COORDENAÇÃO DA COMISSÃO DE APOIO
Anne Caroline de Morais Santos
Eliana da Cunha Lopes
COMISSÃO DE APOIO ESTRATÉGICO
Marilene Meira da Costa
José Mario Botelho
COORDENAÇÃO LOCAL
Anne Caroline de Morais Santos
SECRETARIA GERAL
Silvia Avelar Silva
APRESENTAÇÃO
SUMÁRIO1
0. Apresentação – ........................................................................... 5
José Pereira da Silva
1. A (re)construção da identidade do sujeito em trânsito ............. 9
Ana Cristina dos Santos e Viviane de Medeiros Macedo
2. A representação do índio na obra Iracema, de José de Alencar 25
Acsa Oliveira Fernandes, Lídia Maria Nazaré Alves, Vanessa Fer-
nandes Dias, Tailane da Silva Santos e Ivete Monteiro de Azevedo
3. A representação do índio na obra O Guarani, de José de Alen-
car ............................................................................................. 40
Vanessa Fernandes Dias, Acsa Oliveira Fernandes, Lídia Maria
Nazaré Alves, Tailane da Silva Santos e Ivete Monteiro de Azevedo
4. A representação do índio na obra O Uraguai, de Basílio da Ga-
ma ............................................................................................. 53
Tailane da Silva Santos, Acsa Oliveira Fernandes, Lídia Maria Na-
zaré Alves, Vanessa Fernandes Dias e Ivete Monteiro de Azevedo
5. As relações afetivas mediadas pelo monstro do ciúme no univer-
so ficcional de Dom Casmurro e São Bernardo ........................ 66
Patrícia Peres Ferreira Nicolini e Analice de Oliveira Martins
6. As relações literário-comerciais de Machado de Assis e sua con-
tribuição para a formação do campo literário no Brasil do sécu-
lo XIX ....................................................................................... 76
Thamires Gonçalves
7. Cruz e Sousa, o poeta “maldito” e “decadente”: analisando o
poeta a partir das obras de Bosi (2012) e Merquior (1979) .... 93
Thaís Nascimento Cunha da Soledade
1 Este sumário será repetido ao final do volume, onde será incluído o sumário completo da segunda
edição, em que serão acrescentados os trabalhos que não foram publicados na primeira.
RESUMO
Desde as últimas décadas do século XX, os deslocamentos espaciais, individuais ou
coletivos são temas cada vez mais frequentes na literatura de autoria feminina con-
temporânea. O conto autobiográfico "Travesías", da escritora argentina Aileen El-
Kadi – da obra Sam no Es mi Tío: Veintidós Crónicas Migrantes y un Sueño Americano
(2012), organizada por Aileen El-Kadi e Diego Fonseca – expõe os vários deslocamen-
tos territoriais pelos quais a autora passou em sua vida e o constante processo de
(re)construção da sua identidade para tentar adaptar-se a cada local de chegada. A
partir do conto de Aileen El-Kadi, este trabalho tem como objetivo analisar e discutir
as causas e as consequências desses constantes deslocamentos para a identidade do su-
jeito feminino. Para tanto, utilizam-se os textos teóricos de Stuart Hall (2005), María
Luisa Femenías (2013), Sandra Regina Goulart de Almeida (2013) e Marc Augé (2007)
para discutir a mulher no espaço social atual e sua representação na literatura de au-
toria feminina, a cultura do hegemônico, o multiculturalismo e as questões de identi-
dade e de gênero.
Palavras-chave: Construção da identidade. Sujeito em trânsito. Gênero.
1. Introdução
Desde o século passado, grandes mudanças vêm ocorrendo nas
sociedades causadas, principalmente, pelos meios de transportes e pela
passagem do mundo analógico para o digital. As distâncias ficaram me-
nores. Algumas das fronteiras que conhecíamos foram redesenhadas e
redefinidas. Uma das que se tornou mais tênue foi a geográfica, devido às
mobilidades causadas pelo turismo, pelas guerras, ou pelas crises econô-
micas, políticas ou sociais – presentes na maioria dos continentes. Os
constantes contatos interculturais provocados por esses deslocamentos
tornam o espaço cada vez mais híbrido, ou seja, marcado pela mistura de
raças, etnias e línguas que contribuem para debilitar as noções de pureza
e homogeneidade cultural.
Como consequência, tais espaços híbridos provocam no migrante
um questionamento sobre os conceitos que remetem à ideia de pertença
única – território, língua e costumes. Conceitos esses, que antes de sua
6. Conclusão
Os constantes deslocamentos, sejam reais ou virtuais, estão mu-
dando o pensamento e o comportamento humano, pois favorecem o pro-
cesso de hibridização e tal fato, tem se refletido nas artes contemporâ-
neas. Estas, de uma maneira geral, acabam sendo o caminho adotado para
uma prática política e social. Desestabilizam as noções de poder e mos-
tram as histórias dos indivíduos deslocados e marginalizados do mundo
atual. Tiram esses seres – inclusive a mulher – da invisibilidade e dão
voz a eles, ressaltando as contradições do mundo cosmopolita e globali-
zado na figura feminina desterritorializada. Essas contradições deslocam
a narrativa – e muitas outras de autoria feminina – do espaço privado pa-
ra o público, ou seja, do lar para os espaços urbanos cosmopolitas e per-
mitem compreender as divergências do sujeito feminino.
A narrativa de Aileen El-Kadi, “Travesías”, aborda essas ques-
tões. O sujeito feminino da narrativa está tangenciado pelas relações di-
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AUGÉ, Marc. Dos lugares aos não-lugares. In: ___. Não-lugares: intro-
dução a uma antropologia da supermodernidade. Trad.: Maria Lucia Pe-
reira. 7. ed. Campinas: Papirus, 2007, p. 71-105.
BAUMAN, Zygmunt. Espacio/Tiempo. In: ___. Modernidad líquida.
Trad.: Mirta Rosemberg. 5 reimpr. Argentina: Fondo de Cultura Econó-
mica, 2006, p. 99-138.
BERND, Zilá. Colocando em xeque o conceito de literatura nacional. In:
CARRIZO, Silvina Liliana; NORONHA, Jovita M. Gerheim. (Orgs.).
RESUMO
O assunto deste artigo está desenvolvido em torno da temática "Poéticas da mo-
dernidade: um olhar para a diferença", projeto de pesquisa em desenvolvimento neste
ano de 2016, na UEMG (Carangola), sob a orientação da professora Lídia Maria Na-
zaré Alves e coordenação do professor Alexandre H. C. Bittencourt. Nas pesquisas re-
alizadas entendeu-se por diferença àqueles que tiveram seus direitos à voz e à vez re-
chaçados, transformando-se, em consequência disso, num grupo marginalizado. No
projeto de pesquisa em questão, volta-se o olhar para a representação de grupos mi-
noritários, quaisquer que sejam. Como o índio está inserido neste grupo, mas não só,
por ser muito pouco estudado no âmbito das letras, elegeu-se sua representação na
obra de José de Alencar, como objeto de análise, porque, acredita-se que o retorno a
este romance de fundação, será muito esclarecedor, para que se entenda alguns meca-
nismos de formação, representativa e real, de grupos minoritários, no que se refere ao
direito à voz e à vez na ficção e na realidade brasileiras. Com a finalidade de analisar
com maior confiança a obra em questão, adentrou-se com maior interesse nos estudos
realizados por Antonio Candido (2009) e Afrânio Coutinho (1968), pois ambos reali-
zam discursos esclarecedores sobre a relação história e ficção no Brasil. No que tange
à formação do sistema literário brasileiro, o primeiro afirma que inicialmente houve
um processo de imposição cultural da matriz colonizadora ibérica e, posteriormente,
uma adaptação desta para a cultura local. Para o segundo, o referido sistema, foi cons-
tituído mais a partir de um processo de adaptação do que de um processo de imposi-
ção da referida matriz. Objetivou-se, neste artigo, verificar se “Iracema” foi construí-
da a partir de uma ideologia que prima pela imposição ou a partir de uma ideologia
que prima pela adaptação da matriz colonizadora ibérica ou, ainda, se houve um diá-
logo desses dois processos.
Palavras-chave: Afrânio Coutinho. Antonio Candido. Adaptação. Imposição. Iracema.
3. Conclusão
Em vista das informações elencadas, dos pontos de vista diver-
gentes dos teóricos citados e das análises feitas referentes ao livro “Ira-
cema”, de José de Alencar, pode-se concluir que nessa obra é possível
encontrar as duas linhas de pensamento, imposição e adaptação cultural.
Afrânio Coutinho (1968) afirma que a literatura brasileira nasceu
com o Barroco e que, apesar de ter sofrido influências da literatura ibéri-
ca, apenas se adaptou às formas estéticas literárias portuguesas.
Antonio Candido (2009), por sua vez alega que a literatura portu-
guesa foi imposta e que só depois, com a Independência, é que os escrito-
res brasileiros começaram a se voltar para as características do país e fo-
ram rompendo pouco a pouco com Portugal até amadurecerem e produzi-
rem obras genuinamente brasileiras.
Apesar do distanciamento entre os pensamentos dos teóricos, no
livro analisado é possível encontrar os dois conceitos. Os pontos de vista
se divergem ao mesmo tempo em que convergem na obra de José de
Alencar.
RESUMO
O assunto deste artigo está desenvolvido em torno da temática: Poéticas da mo-
dernidade: um olhar para a diferença, projeto de pesquisa em desenvolvimento neste
ano de 2016, na UEMG (Unidade de Carangola), sob a orientação da professora Dra.
Lídia Maria Nazaré Alves e coordenação do professor Msc. Alexandre H. C. Bitten-
court. Agência de financiamento: PAPq. Nas pesquisas realizadas entendeu-se por di-
ferença àqueles que tiveram seus direitos à voz e à vez rechaçados, transformando-se,
em consequência disso, num grupo marginalizado. No projeto de pesquisa em questão,
volta-se o olhar para a representação de grupos minoritários, quaisquer que sejam.
Como o índio está inserido neste grupo, mas não só, por ser muito pouco estudado no
âmbito das letras, elegeu-se sua representação na obra de José de Alencar, O Guarani,
como objeto de análise, porque, acredita-se que o retorno a este romance de fundação,
será muito esclarecedor, para que se entenda alguns mecanismos de formação, repre-
sentativa e real, de grupos minoritários, no que se refere ao direito à voz e à vez, na
ficção e na realidade brasileiras. Com a finalidade de analisar com maior confiança a
obra em questão, adentrou-se com maior interesse nos estudos realizados por Antonio
Candido (2009) e Afrânio Coutinho (1968), pois ambos realizam uma crítica literária
esclarecedoras sobre a relação entre história e ficção no Brasil. No que tange à forma-
ção do sistema literário brasileiro, o primeiro afirma que inicialmente houve um pro-
cesso de imposição cultural da matriz colonizadora ibérica e, posteriormente, uma
adaptação desta para a cultura local. Para o segundo, o referido sistema, foi constituí-
do mais a partir de um processo de adaptação do que de um processo de imposição da
referida matriz. Objetivou-se neste artigo verificar se a personagem Peri de O Guarani
foi construída a partir de uma ideologia que prima pela imposição ou a partir de uma
ideologia que prima pela adaptação da matriz colonizadora ibérica.
Palavras chave:
Afrânio Coutinho. Antonio Candido. Adaptação. Imposição. O Guarani.
2. Referencial teórico
Afrânio Coutinho (1968), em seu livro intitulado A Tradição
Afortunada, defende a ideia de que a literatura brasileira surgiu com o
barroco e desenvolveu-se em três etapas. Isso se comprova no trecho:
“Origem e formação sobre a égide do barroco, nos três primeiros séculos;
autonomia no período arcádico-romântico; maturidade na época moder-
nista” (COUTINHO, 1968, p. 159). O autor trata de um relevante pro-
blema da historiografia literária brasileira, o de que houve dois processos
pelos quais a literatura se desenvolveu. Ele combate essa ideia, quando
afirma: "Na evolução da literatura brasileira não houve duas etapas, uma
correspondente à fase colonial, outra ao período nacional da história polí-
tica" (COUTINHO, 1968, p. 160). Para Afrânio Coutinho, a literatura
brasileira só teve um período real.
O articulista prossegue em seu texto defendendo a todo momento
a existência de uma só literatura brasileira, e que esta, dia após dia, pro-
gredia, diferenciando-se da literatura portuguesa. Em contraposição ao
3. Conclusão
Partindo da busca de expressar o modo como os grupos minoritá-
rios são representados na sociedade e, sobretudo na obra analisada, pon-
dera-se que José de Alencar trabalhou com o sentimento de nacionalida-
de, sendo considerado o fundador da literatura brasileira. No entanto,
mesmo em defesa do índio na obra, o que sobressaiu e ganhou poder fo-
ram as ideologias d a matriz colonizadora. No princípio mostra a adapta-
ção cultural ocorrente, mas no final a matriz consegue seu intuito de ade-
quar o indígena a seus padrões religiosos.
Sendo assim, considerando a realidade da época em que a obra foi
produzida, conclui-se que mesmo com a luta pela nacionalidade e o sen-
timento por essa busca nacionalista, a matriz, ganha espaço e conquista o
colono, europeizando-o. Em contrapartida, o processo apresentado na
obra de José de Alencar contraria o que Antonio Candido diz. O segundo
afirma que primeiramente há um processo de imposição cultural e poste-
riormente uma adaptação da matriz referida. Já na obra analisada o que
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CANDIDO, Antonio. Literatura de dois gumes. In: ___. Literatura brasi-
leira, n. 3, 2009.
COUTINHO, Afrânio. A tradição afortunada. Rio de Janeiro: Academia
Brasileira de Letras, 1984.
ALENCAR, José de. O guarani. 11. ed. São Paulo: Ática, 1984.
RESUMO
Este estudo tem como premissa o projeto de pesquisa: "Poéticas da modernidade:
um olhar para a diferença", em desenvolvimento neste ano de 2016, na UEMG (Uni-
dade de Carangola), sob a orientação da professora Dra. Lídia Maria Nazaré Alves e
coordenação do professor Msc. Alexandre H. C. Bittencourt. Antônio Cândido (2006)
acredita que a história da literatura brasileira atravessou dois grandes momentos: um
de imposição e outro de adaptação da matriz cultural Ibérica. Afrânio Coutinho
(1968) acredita que a adaptação foi mais considerável que a imposição. Opiniões dessa
natureza contribuem para que se compreenda mecanismos de construção de identida-
des, tais como a imposição cultural a grupos indefesos, como ocorreu no Brasil, na re-
lação colonizador/colonizado. Como aluno de letras faz-se necessário debruçar-se so-
bre práticas discursivas hegemônicas, que deixam minar a diferença, resultando na
relação centro versus margem. A partir de tal entendimento teórico, escolheu-se para
objeto de estudo a obra de Basílio da Gama, O Uraguai, objetivando-se verificar a re-
lação entre o momento histórico e o modo como tal momento foi representado na fic-
ção. Se, por exemplo, o autor confirmou ou se levantou questionamentos sobre possí-
veis ideologias de construção/negação do índio. Este estudo justifica-se, considerando-
se os objetivos do projeto em questão que é o de levar à comunidade de letras e a ou-
tras reflexões em torno da relação história/literatura e construção da diferença. A
compreensão de tais elementos viabilizará um olhar mais acurado sobre a função so-
cial do escritor em diferentes períodos representados.
Palavras-chave:
Afrânio Coutinho. Antonio Candido. Adaptação. Imposição. O Uraguai.
1. Introdução
O estudo do presente artigo está voltado à temática sobre a impo-
sição e adaptação cultural que a literatura brasileira enfrentou nos primei-
ros séculos de colonização e a representação do índio neste período. Para
4. Conclusão
No princípio deste artigo, propôs-se o estudo da imposição e
adaptação cultural na literatura brasileira em seus anos iniciais, a partir
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANJOS, Augusto dos. Os doentes. In: ___. Eu e outras poesias. 42. ed.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998, p. 41.
CANDIDO, Antonio. Literatura de dois gumes. In: ___. A educação pela
noite & outros ensaios. São Paulo: Ática, 2006, p. 163-180.
RESUMO
O ciúme é um sentimento comum em todos os tipos de relacionamentos humanos.
No entanto, quando ultrapassa os parâmetros do bom senso, essa emoção tão comum
pode se tornar nociva e até considerada uma patologia. Diante disso, este artigo tem
por objetivo analisar e comparar as obras Dom Casmurro, de Machado de Assis, e São
Bernardo, de Graciliano Ramos, discutindo como essas relações afetivas mediadas pelo
monstro do ciúme são recriadas pela literatura. Nesse universo ficcional, o tema é ex-
plorado em sondagens psicológicas das personagens que remetem a uma reflexão da
condição humana. São Bernardo, um memorial de autoacusação. Dom Casmurro, um
memorial de acusação à esposa. Ambas as obras representam os atos, pensamentos e
sentimentos humanos, quando transtornados pelas dores da alma e devorados pelo
monstro do ciúme. A análise fundamenta-se teoricamente em Antônio Mourão Caval-
cante, Antonio Candido, Beatriz Jaguaribe e Karl Erik Schøllhammer, entre outros.
Palavras-chaves: Universo ficcional. Literatura. Ciúme patológico.
1. Introdução
Conforme o senso comum, o ciúme é um sentimento humano que
está relacionado a quem ama e cuida, logo, é considerado em nossa soci-
edade um sentimento natural, uma vez que a maioria das pessoas, em al-
gum momento da vida, já sentiu ciúmes. Geralmente, esse sentimento
envolve três pessoas: o ciumento, o objeto do ciúme e o agente que o
provoca. Com essa configuração, o ciúme é desencadeado pelas sensa-
ções de perda e de ameaça que atormentam o ciumento, fazendo-o não
controlar muito bem os seus impulsos, abalando a confiança no ser ama-
do e a segurança da relação.
Quando o ciúme é em excesso e começa a interferir na dinâmica
do relacionamento amoroso causando no casal angústia, raiva, desconfi-
ança, baixa autoestima, insegurança, mal-estar no relacionamento e che-
gando ao extremo de agressões verbais e físicas, pode se estar diante de
uma patologia. Esse tipo de relacionamento doentio, já foi recriado mui-
4. Considerações finais
A literatura pode (re)criar os desejos, as angústias, as frustrações,
os devaneios, a raiva, a culpa e todos os sentimentos humanos que eclo-
dem da alma de uma pessoa que sofre do ciúme patológico, proporcio-
nando novas visões de mundo que remetem o leitor a uma reflexão da
condição humana.
Relações afetivas mediadas pelo monstro dos olhos verdes são
construídas no universo ficcional na constituição da psique de suas per-
sonagens. Paulo Honório e Bento Santiago apresentam atos e pensamen-
tos transtornados pelas dores de uma alma devorada pelo ciúme.
Paulo Honório reconhece sua culpa e aceita seu sofrimento. Ben-
tinho insiste em transferir a culpa para sua esposa, uma vez que não tem
coragem de reconhecer os seus erros. Logo, São Bernardo é um memori-
al de autoacusação, Dom Casmurro é memorial de acusação à esposa.
Ambas as obras representam com excelência a construção do ciúme lite-
rário na ficção.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ASSIS, Joaquim Maria Machado de. Dom Casmurro. São Paulo: Cia. Ed.
Nacional, 2007.
CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: ___. Vários escritos. 3.
ed. São Paulo: Duas Cidades, 1995.
CAVALCANTE, Antônio Mourão. O ciúme patológico. Rio de Janeiro:
Record/Rosa dos Tempos, 1997.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.
RESUMO
É de conhecimento geral que Machado de Assis transformou-se em cânone da li-
teratura brasileira ainda em vida, ganhando o reconhecimento de seus pares, prova
disso foi sua eleição como presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL), onde
permaneceu até sua morte, em 1908. No entanto, sua carreira não começou com Dom
Casmurro, ela teve início muito antes na década de 1850, quando Machado de Assis
publicou seus primeiros textos no jornal Marmota Fluminense, ainda com 15 anos. O
prestígio como crítico respeitado na década de 1860, com a ajuda de Alencar. Sua fru-
tífera relação com B. L. Garnier, é o que lhe confere reconhecimento como escritor de
poemas, contos e romances (em sua conhecida primeira fase). E por fim, sua trans-
formação em eixo gravitacional do campo literário brasileiro na década de 1880, com
a publicação de seu segundo bloco de romances, a famosa segunda fase, culminando,
na década de 1890, com a criação e a presidência da ABL. O presente texto pretende
mostrar, através dos pontos mais marcantes da carreira do autor, sua trajetória desde
as primeiras publicações até o efetivo sucesso alcançado, na tentativa de dimensionar
como Machado de Assis alcançou posição de destaque no cenário literário do século
XIX.
Palavras-chave: Machado de Assis. Campo literário. Literatura brasileira.
4 Essa parte do jornal era dedicada a publicar textos escritos pelos leitores, que pagavam por esse
espaço. Os textos continham temas variados, desde o elogio a mortos, versos, anúncios até calúnias
e difamações. É o que sustentava o jornal e, no século XIX, ocupava a maior parte dos periódicos.
6 Machado começou a trabalhar como revisor de provas no Correio Mercantil em 1858, apenas três
anos depois de ingressar no Marmota Fluminense. Interessante notar que o Correio Mercantil era um
jornal de oposição (diferente do Marmota, que era defensor de Pedro II); além disso, era um
periódico de vocação basicamente política, que disputava o primeiro lugar com o Jornal do
Comércio. Machado, portanto, não estava interessado unicamente em manter-se no centro cultural
do período, pois dedicava-se a outras frentes.
7Vale lembrar que esta não será a última vez que Machado defende Alencar e o coloca como princi-
pal romancista do período, haja vista o texto crítico que escreve sobre Iracema.
8Referência a nomenclatura utilizada por João Cezar de Castro Rocha em seu livro Machado de
Assis: por uma poética da emulação.
9 Com o advento do navio a vapor, a viagem entre Brasil e Portugal durava apenas 15 dias.
10 No Romance Quincas Borba, há uma mordaz crítica ao Naturalismo e ao Positivismo, que ocorre
através da invenção do Humanitismo por parte do personagem que dá nome ao livro. Segundo essa
filosofia, o universo estaria reduzido a enunciados e leis científicas.
6. Crítica póstuma
Mário de Andrade em seu Aspectos da Literatura Brasileira es-
creveu um texto intitulado Machado de Assis em que tece comentários
sobre a obra do autor e alguns aspectos de sua personalidade. O mais in-
teressante desse texto se deve ao fato de não ser apenas elogioso, ao con-
trário, Mário de Andrade inicia o texto dizendo:
Talvez eu não devesse escrever sobre Machado de Assis nestas celebra-
ções de centenário... Tenho pelo gênio dele enorme admiração, pela obra dele
um fervoroso culto, mas. Eu pergunto, leitor, pra que respondas ao segredo da
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
ANDRADE, Mário de. Aspectos da literatura brasileira. 6. ed. Belo Ho-
rizonte: Itatiaia, [s/d.].
ASSIS, Machado de. Obra completa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Aguiar,
2008, 4 vols.
BERGAMINI, Atilio. “Instinto de nacionalidade” na imprensa liberal. In:
Machado de Assis em linha, vol. 6, n. 12, p. 15-31. Disponível em:
<http://machadodeassis.net/download/numero12/artigo02.pdf>.
BORBA, Maria Antonieta Jordão de O. Considerações sobre a recepção
de Machado de Assis. Matraga: Revista do Programa de Pós-graduação
em Letras/ Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro:
Casa Doze, ano 15, n. 23, p.107-121, 2008.
BOURDIEU, Pierre. As regras da arte: gênese e estrutura do campo lite-
rário. Trad.: Maria Lucia Machado. São Paulo: Cia. das Letras, 2010.
BUENO, Luís. Influência estrangeira: Augusto Meyer e os casos de Ma-
chado e Eça. In: CORDEIRO, Rogério et al. (Org.). A crítica literária
brasileira em perspectiva. Cotia (SP): Ateliê, 2013.
RESUMO
Neste trabalho, analisamos, a partir das obras História Concisa da Literatura Bra-
sileira (BOSI, 2012) e De Anchieta a Euclides: Breve História da Literatura Brasileira
(MERQUIOR, 1979), como é observada a obra do autor simbolista João de Cruz e
Sousa (1861-1898). Tal análise também terá como ponto de discussão a sua história e
como esta influencia sua poética, no percurso da formação de seu legado "no qual oito
anos haviam bastado (...) para a construção de uma das mais fulgurantes obras poéti-
cas das literaturas latinas". (MERQUIOR, 1979). Justifica-se tal análise pela necessi-
dade de se observar a imagem de Cruz e Sousa além das "lendas" e estereótipos a ele
atribuídos, como um autor "obcecado pelo branco" e "alienado às lutas abolicionis-
tas".
Palavras-chave:
Cruz e Souza. Literatura brasileira. Análise crítica. Simbolismo. Historiografia.
1. Introdução
Neste trabalho, analisamos a partir das obras História Concisa da
Literatura Brasileira (BOSI, 2012) e De Anchieta a Euclides: Breve His-
tória da Literatura Brasileira (MERQUIOR, 1979), como é caracteriza-
da a obra do autor simbolista João de Cruz e Sousa (1861-1898). Tal aná-
lise também terá como ponto de discussão a sua biografia e como esta se
articula a sua poética, no percurso da formação de seu legado – no qual
“oito anos haviam bastado [...] para a construção de uma das mais fulgu-
rantes obras poéticas das literaturas latinas”. (MERQUIOR, 1979)
Justifica-se tal análise pela necessidade de observarmos a imagem
de Cruz e Sousa além das “lendas” e estereótipos a ele atribuídos, como
um autor “obcecado pelo branco” e “alienado às lutas abolicionistas”. A
isso, vale o estudo de diversos críticos, conforme dito por Capobianco
(2014), que abriram esclarecimentos acerca destas visões:
Desde os primórdios da crítica, encabeçada no século XIX pela truculên-
cia de José Veríssimo ou pela rejeição de Araripe Jr., equívocos de leitura e o
estigma do descrédito permaneceram arraigados. Em 1900, Alberto de Olivei-
ra atribuía à “comiseração” diante dos infortúnios do autor de Broquéis o elo-
gio de Sílvio Romero – que considerara Cruz e Sousa o maior poeta que o país
2. Desenvolvimento
2.1. A história de vida de Cruz e Sousa
Bosi (2012) e Merquior (1979) apresentam uma biografia de Cruz
e Sousa a partir do seu nascimento, tendo como seus pais escravos alfor-
riados pelo Marechal Guilherme de Sousa, que se torna seu tutor e lhe
fornece uma educação excepcional, aprendendo também as línguas ingle-
sa e francesa; a peregrinação pelo país, junto a uma companhia teatral
itinerante; o retorno a Desterro, em Santa Catarina, onde é nomeado (e
Ou seja, ainda que o poeta simbolista fosse beneficiado por ser li-
vre de nascença (e mais ainda por, 27 anos depois, testemunhar a liber-
dade, na forma da Lei Áurea, de seus “irmãos de cor”), bem-educado e
com uma vasta cultura exposta em sua poesia, lhe era vedado o direito de
participar da sociedade, sendo humilhado a cada momento em que ousas-
se “transgredir a regra”.
No entanto, Cruz e Sousa não fica totalmente indiferente à sua
condição de cor. Bosi, ao expor a sua biografia, nos apresenta a sua parti-
cipação, tanto dentro da imprensa, como na sua poesia Pré-Simbolista:
3. Considerações finais
A partir dos pontos analisados, podemos concluir que a vida e
obra de Cruz e Sousa, ainda que vista de forma convergente por Bosi e
Merquior, a forma com que os historiadores da literatura trabalham acer-
ca do simbolista é distinta.
Enquanto Bosi busca dar maior atenção à análise da obra como
parte maior de seu estudo acerca do poeta, colocando as informações re-
ferentes à biografia como um texto suplementar; Merquior procura juntar
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 48. ed. São
Paulo: Cultrix, 2012.
CAPOBIANCO, Juan Marcello. As múltiplas dimensões de Cruz e Sou-
sa: uma leitura crítico-biográfica interdisciplinar e fragmentada. 2014.
Dissertação (de mestrado). – Universidade Federal Fluminense, Instituto
de Letras, Niterói.
MERQUIOR, José Guilherme. De Anchieta a Euclides: breve história da
literatura brasileira, 2. ed. Rio de Janeiro: J. Olímpio, 1979.
RESUMO
Nos cinquenta anos do romance Dona Flor e Seus Dois Maridos (1966-2016), de
Jorge Amado, com publicação pela Livraria Martins Editora, homenagearemos o au-
tor, mostrando parte das pesquisas em periódicos sobre sua obra. Amado se serve des-
sa narrativa para se mostrar um escritor localizado na Cidade da Bahia, com época de
acontecimentos datáveis, nos fins da ditadura de Getúlio Vargas. Os fatos apresenta-
dos ajudam a interpretar as perspectivas marcantes na compreensão da realidade, in-
diciando cinco campos de leitura: no performático, antenando as influências de Dona
Flor na criação de imagens do escritor, focalizo o emblemático da colocação em cena
dessa ficção, em Salvador, avaliando o emprego dos recursos ritualístico-
performáticos e comerciais necessários à permanência do envolvimento público-
leitor/ficção; no literário, preocupo-me com o instante do aparecimento do romance e
suas repercussões iniciais, mostro as peripécias de Vadinho, primeiro marido e aman-
te desejado, sua figura é trabalhada também como símbolo de rebeldia e afronta às
normas estabelecidas; no cinematográfico, mostro as possibilidades de transposição do
literário para a mídia do cinema: os entraves da censura ditatorial, o pioneirismo da
Dona Flor de Bruno Barreto enquanto produtor cultural, a repercussão pelo mundo
afora; na memória, vejo o quadro das manifestações artísticas no momento da chega-
da de Dona Flor, suas ligações com o mercado cultural, os principais acontecimentos,
o papel de Amado como articulador e promotor de incentivos, discuto a censura mili-
tarista; no turismo, considero o interesse governamental na instalação de um polo tu-
rístico em Salvador, a apropriação de traços da cultura negra para se criar represen-
tações da baianidade, as visitas de estrangeiros à Bahia com suas leituras pré-
conceituadas: a Dona Flor de Barreto é coetânea da implantação do turismo no Brasil.
Palavras-chave: Dona Flor e seus dois maridos. Jorge Amado. Crítica literária.
*
A construção da persona de Amado, tomada esta na concepção de
Carl Gustav Jung, como escreve Glauco Ulson, em O Método Junguiano
– “algo acessório à nossa essência individual”; como aquilo que à “medi-
da que o processo de individuação avança, vai tornando mais nítida a dis-
tinção entre o que somos para os outros e aquilo que somos para nós
mesmos” (ULSON, 1988, p. 63; p. 64), ou seja, o preparo de sua amos-
tragem, enquanto indivíduo e enquanto artista, tem início desde sua es-
treia como escritor, com a publicação de Lenita, em 1930, por A. Coelho
Branco Filho, uma novela feita a seis mãos, por Amado, Edison Carneiro
e Dias da Costa, todos os três membros da Academia dos Rebeldes, de
existência na Bahia, “nos anos de 1928 a 1930”, como assinala o autor de
Dona Flor, em seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras
(AMADO, 1972, p. 4), publicada no Rio de Janeiro e considerada por
Amado como “livro ruim de três adolescentes influenciados pelos manei-
rismos modernistas” (RUBIM; CARNEIRO, 1992, p. 33); ou ainda, co-
mo oficialmente registram os biógrafos amadianos, com a publicação de
O País do Carnaval, em 1931, pela Editora Schmidt (AMADO, 1999).
No presente ensaio, delimito minhas observações quando os periódicos
cobrem “a chegada de Dona Flor” (VEIGA, 2000), no ano de seu lan-
çamento, em 1966, e o cenário é Salvador.
Os caminhos dessa empreitada se desdobram e se reforçam mutu-
amente em duas vertentes, insistentemente usadas pelo escritor: a afirma-
ção continuada da terra e da gente baianas e de suas peculiaridades no
viver e no sentir, e o emprego dos recursos ritualístico-performáticos no
preparo e nos lançamentos de suas produções literárias.
O elemento fundamental de toda essa tarefa arquitetônica se cen-
tra na pessoa de Amado, um baiano, também cidadão do mundo, que não
desconhece as polaridades de sua proposta, que se entrecruzam e termi-
nam por atingir o universal, vincado no viver e no sentir da baianidade,
11Dona Flor & seus dois maridos: forma costumeira de Sylvio Lamenha denominar o romance
amadiano, em sua coluna social.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALAOR [Giovanni Guimarães]. Ronda dos fatos. A Tarde, Salvador, p.
2, 7 jan. 1966 e p. 2, 4 jun. 1966.
AMADO, Jorge. O país do carnaval. 49. ed. Rio de Janeiro: Record,
1999.
RESUMO
O artigo em pauta visa discutir a relação da disciplina história com a literatura,
de forma que ambas evidenciem aspectos interdisciplinares, neste contexto traremos a
tona um período em que só eram aceitos como fontes históricas documentos como: de-
cretos, atas públicas, relatórios e correspondências diplomáticas. Abordaremos tam-
bém sobre o movimento francês de renovação histórica tradicional, bem como o mar-
co da revista dos Annales que buscou expandir os horizontes da historiografia. Versa-
remos ainda sobre a visão contemporânea acerca da disciplina história, suas mudan-
ças e inovações ao decorrer dos séculos. Ademais, finalizaremos o artigo abordando
acerca de aspectos que descrevem a afinidade entre história e literatura, e suas verten-
tes contemporâneas que abarcam discursos distintos que ambicionam representar os
conhecimentos dos homens no tempo.
Palavras-chave: História. Literatura. História cultural
1. Introdução
O presente artigo busca descrever a relação entre história e litera-
tura, a partir da perspectiva da narração em que a história nos seus pri-
mórdios se posicionava como uma disciplina de verdade absoluta. Neste
contexto os autores Fábio Luiz Arruda (2013), Gabriela de Lima Grecco
(2014) e Patrícia Martins Alves do Prado (2012) vão abordar feitios que
versam sobre a influência da História dos Annales acerca de novas inter-
pretações e leituras dos fatos históricos. Além de evidenciarem os olhares
que se tinham frente à disciplina de história, e seus documentos compro-
batórios dos adventos que envolvem a história do homem no universo.
Traremos em evidência, às novas formações de historiadores que
abriram um novo leque na disciplina de forma eleva lá aos estudos cultu-
rais, fato que leva a disciplina a dialogar com a cultura e outras ciências
como: literatura, a linguística, a sociologia, a antropologia e a psicologia.
Além de descrevermos os movimentos historiográficos, conhecidos co-
mo a nova história e a história cultural, e suas particularidades no sentido
5. Considerações finais
Considerando que a história se apresentou como detentora da ver-
dade sobre o desenvolvimento humano, quiçá do universo, observou que
a história e suas correntes com o passar do tempo buscaram informações
em outras fontes das ciências. Desta forma o ganho que a disciplina teve
foi imensurável, uma vez que o dialogo com outras disciplinas, somaram
e trouxeram mais informações para o leitor das narrativas históricas. Nes-
te contexto, o dialogo da disciplina história com a literatura é de um en-
riquecimento significativo, uma vez que o texto literário, pode muitas
vezes amparar o contexto histórico de um dado período ou advento de
uma sociedade.
Este modelo de história contemporânea faz da disciplina um ins-
trumento de conhecimento cultural, que veem na atualidade auxiliando
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARRUDA, Fábio Luiz. Duas formas de narrar: a representação histórica
e literária. Fronteiras: Revista de História, Dourados, vol. 15, n. 26,
p.95-108, 2013. Disponível em:
<http://ojs.ws.ufgd.edu.br/index.php?journal=FRONTEIRAS&page=arti
cle&op=view&path%5B%5D=2685&path%5B%5D=1871>.
GRECCO, Gabriela de Lima. História e literatura: entre narrativas literá-
rias e históricas, uma análise através do conceito de representação. Revis-
ta Brasileira de História & Ciências Sociais, Belo Horizonte, vol. 6, n.
11, p. 39-53, jul. 2014. Disponível em:
<https://www.rbhcs.com/rbhcs/article/viewFile/201/195>.
PRADO, Patrícia Martins Alves do. História e literatura: um diálogo
possível. Territorial: Caderno Eletrônico de Textos, Goiás (GO): UEG,
vol. 2, n. 2, jan./jun.2012. Disponível em:
<http://www.cadernoterritorial.com/news/historia-e-literatura-um-
dialogo-possivel-patricia-martins-alves-do-prado>.
RESUMO
O conto “O Espelho” de Machado de Assis foi publicado pela primeira vez, em 8
de setembro de 1882, na Gazeta de Notícias. No mesmo ano, o conto foi editado no vo-
lume Papéis Avulsos. Assim, após um século de canonização literária do autor, suas
obras passam a ser adaptadas para a linguagem quadrinhística. Em uma primeira
análise: o periódico, o livro e a história em quadrinhos (HQ), como produtos culturais
de suas respectivas épocas, trazem consigo seus próprios códigos simbólicos, inerentes
à sociedade e as suas práticas de leitura. Daí, interpor tais produtos, frutos do relacio-
namento humano com o mundo, como objetos de significação. Nos quais se imprimi-
ram o conto “O Espelho”, tornando suas perspectivas de leituras diferentes, mesmo
que se trate da mesma obra.
Palavras-chave: Conto. Machado de Assis. Jornal. Livro. Histórias em quadrinhos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ASSIS, Machado de. Papéis avulsos. Rio de Janeiro: Lombaerts &C.,
1882.
______. A cartomante. Contos de Machado de Assis. Roteiro, desenhos e
arte final de Jo Fevereiro. Cores de Jo e Ciça Sperl. São Paulo: Escala
Educacional, 2006. [HQ]
RESUMO
A literatura escrita para crianças evoluiu bastante desde a década de 70 e a pro-
dução para os pequenos leitores está, a cada dia, mais voltada para a realidade da cri-
ança, mas isto não significa que o lado mágico e lúdico está perdido. Muito ao contrá-
rio, muitos livros conseguem fundir uma boa dose do mundo real, com o mundo mági-
co e o mundo ideal. Por exemplificarem bem o papel da literatura é que as obras O
Reizinho Mandão, O Que os Olhos Não Veem e Sapo Vira Rei Vira Sapo da escritora
Ruth Rocha foram escolhidas para contextualizarem os objetivos deste trabalho, que
são: provar que a literatura tem papel importante na formação social da criança;
examinar como e por quem o discurso do poder é construído e desconstruído; mostrar
que as obras literárias feitas para crianças têm o mesmo engajamento social e político
que as obras feitas para adultos. Confirmou-se que as obras analisadas tratam de te-
mas com enfoque social e político, falando de democracia e autoritarismo. É claro que
as narrativas se dirigem o tempo todo, às crianças, mas tratam sim dos mesmos temas
que obras dirigidas aos adultos.
Palavras chave: Literatura infantil. Discurso. Poder.
1. Introdução
Esta comunicação justifica-se pelo fato de ser necessário compre-
ender que as obras literárias feitas especificamente para as crianças, en-
tendidas como um gênero específico do discurso nada deve à literatura,
sem adjetivos ou rótulos, pois abordam os mesmos temas das obras lite-
rárias ditas para adultos. Muitos pais questionam e dizem aos professores
“este tema não é para criança”, é preciso desmitificar que existam temas
para as crianças e temas para os adultos.
O discurso do poder faz parte de todas as relações sociais, é ele
que mantém a ordem na sociedade, na família, em todas as relações soci-
ais. Porém, há pessoas que fazem mau uso deste poder, ou seja, abusam
12O Prêmio Hans Christian Andersen é considerado o Nobel da Literatura Infantil e Juvenil: a FNLIJ
(Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil) indica desde 1970, a cada dois anos, os candidatos
(um escritor e um ilustrador) vivos pelo conjunto da sua obra. Disponível em:
<http://www.fnlij.org.br/principal.asp?cod_mat=27>. Acesso em: 04-06-2009.
13O Prêmio Jabuti foi lançado em 1959, idealizado por Edgard Cavalheiro quando presidia a Câmara
Brasileira do Livro. Na atualidade é o mais tradicional e importante prêmio literário do Brasil.
Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Pr%C3%AAmio_Jabuti_de_Literatura>. Acesso em: 04-
04-2009.
Como contado pela própria autora, até uma criança de nove anos
foi capaz de perceber que aquele “Reizinho Mandão” era o presidente da
época, mas certamente naquela época, ninguém pensaria que um gênero
visto como menor, abordaria temas tão engajados na realidade social e
política da época.
Nossas crianças necessitam de livros que deem a elas o prazer da
leitura, que as façam mergulhar no mundo da imaginação, mas que as
aproximem da realidade. A criança, muitas vezes, é obrigada a amadure-
cer antes da hora e a literatura pode facilitar muito nesta tarefa, pois ela
pode relacionar a fantasia com o seu mundo real.
Há pais que pensam que à criança só podem ser apresentados te-
mas que falem de coisas boas, mas estes esquecem que a vida não é for-
mada só de coisas boas, há o lado bom e também existe o lado ruim, se-
gundo Bettelheim “[...] esta visão unilateral nutre a mente apenas de mo-
do unilateral, e a vida não é só agradável”. (BETTELHEIM, 1990, p. 17)
o rei era um homem justo, bom e que fazia as coisas pensando no bem do
povo. Em contrapartida, o príncipe, filho daquele rei... “era um sujeitinho
muito mal-educado, mimado, destes que as mães deles fazem todas as
vontades e eles ficam pensando que são os donos do mundo” (1997, p.
8), o “reizinho mandão” representava não apenas o presidente da Repú-
blica da época, mas também meninos e meninas que foram mimados pe-
los pais e crescem pessoas autoritárias, o que manterá o livro de Ruth
sempre atual, pois sempre haverá reizinhos mandões por toda estrutura
social.
O “reizinho mandão” tornou-se rei daquele lugar e sua diversão
era “[...] fazer leis e mais leis. / E as leis que fazia eram as mais absurdas
do mundo” (1997, p. 10): proibiam as pessoas de dormir de gorro na
primeira quarta-feira do mês, proibiam cortar a unha do dedão do pé em
noite de lua cheia. Os conselheiros do rei tentam explicar que não é assim
que se fazem as leis, que as leis têm que ser feitas para tornar o povo
mais feliz. Todavia, o rei mandão e mimado, não podia ser contrariado e
logo reage aos gritos: “Cala a boca! Eu é que sou rei. Eu é que mando!”
(1997, p. 12)
É importante dizer que este reizinho só tem um amigo: seu papa-
gaio, que passa a história toda repetindo o que o reizinho diz. Como o
que o reizinho mais diz é “Cala a boca!”, esta é a frase repetida pelo pa-
pagaio. Ter como amigo, alguém que só repete o que diz é ouvir o eco da
própria voz o tempo todo. Na verdade, o papagaio é o símbolo do ego-
centrismo deste reizinho mandão e tão mimado a ponto de só ser capaz
de ouvir o eco da sua própria voz.
Este reizinho, assim como aquele presidente da República, manda
que todos se calem “Podia ser ministro, embaixador, professor” (1997, p.
13). Não pensava no povo. É importante ressaltar que o AI-5 tirou a
“voz” não apenas do povo, mas o Congresso Nacional e as Câmaras de
todo o Brasil foram fechadas. 14 O reizinho exerce um poder coercitivo
muito forte sobre todo o reino e todos realmente começam a calar-se
E, de tanto ficaram caladas,
as pessoas foram esquecendo
No fim, toda a corte reinante foge com medo daquele imenso gi-
gante. O rei diz “Se governar era aquilo, / ele não queria mais!”. Ignorar
completamente o povo e governar é muito fácil, mas quando o povo se
faz ver, ouvir e contesta não é mais tão simples assim. Ruth termina a
história, mais uma vez, abrindo o caminho para a imaginação do leitor
“O que se seguiu depois/ cada um vá inventando” (2003, s./n.)
Ruth Rocha permite que seu leitor não apenas analise o real a par-
tir do imaginário, mas dá a ele uma visão crítica da realidade, deixando
claro que não se pode cruzar os braços, muito menos acovardar-se, cum-
prindo assim um dos papéis fundamentais da literatura
[...] deverá ser interrogadora das normas em circulação, impulsionando seu
leitor a uma postura crítica perante a realidade e dando margem à efetivação
dos propósitos da leitura como habilidade humana. Caso contrário, transfor-
mar-se-á em objeto pedagógico, transmitindo a seu recebedor convenções ins-
tituídas, em vez de estimulá-lo a conhecer a circunstância humana que adotou
tais padrões. (ZILBERMAN, 2003, p. 176)
A narradora diz que como nos contos de fadas eles logo se casa-
ram “Mas, como na realidade, / As coisas logo mudaram...” (2003, s./n.),
a narradora deixa claro que o conto de fadas para por ali, não há “foram
felizes para sempre”. A narrativa dialoga com o conto clássico O rei sa-
po16 recolhido e fixado pelos Irmãos Grimm no começo do século 19.
Depois da morte do rei que era o pai da princesa, o príncipe vira
rei daquele lugar e imediatamente começam suas sandices. A escritora
chega a chamá-lo de “bobo” e percebe-se nas ilustrações, tanto em O
Reizinho Mandão, quanto em Sapo Vira Rei Vira Sapo, que ele parece
mesmo um bobo da corte e suas atitudes e leis são extremamente infan-
tis:
No fim do mês todo mundo
tem que dar ao rei metade do que
ganha que é pro rei comprar
confetes pro carnaval (2003, s./n.).
16Conto dos Irmãos Grimm. Disponível em: <http://cienciahoje.uol.com.br/3995>. Acesso em: 05-06-
2009.
4. Palavras finais
As obras de Ruth Rocha contam, com uma linguagem lúdica e
bem-humorada, problemas muito sérios que envolvem não apenas aos
adultos, mas também as crianças. Ruth Rocha conseguiu fundir o moder-
no ao conto de fadas, pois ela fala ao mesmo tempo de política, de ética,
de democracia, do real, que se misturam ao mundo mágico das maldi-
ções, de velhos sábios, reis, sapos que viram príncipes e príncipes que vi-
ram sapos.
O poder é apresentado e posteriormente questionado nas obras,
este questionamento conduz a uma reflexão sobre o papel do indivíduo
na sociedade, seja adulto ou criança, e leva à conclusão de que, à medida
que as pessoas se manifestam e se unem formando “o gigante”, elas têm
a possibilidade de transformar a realidade na qual elas estão envolvidas.
A criança se vê, desde cedo, como cidadã, capaz de mudar sua realidade.
A escritora utilizou a literatura para denunciar o autoritarismo e
expressar o que sentia em um momento histórico. Muitos fizeram algo
similar, infelizmente, nem todos escaparam ilesos.
Confirmou-se que as obras analisadas tratam de temas com enfo-
que social e político, falando de democracia e autoritarismo. É claro que
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BASTOS, Dau. (Org.). Ana & Ruth – 25 anos de literatura. Rio de Janei-
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ROCHA, Ruth. Como se fosse dinheiro. Edição renovada. São Paulo:
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ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. 11. ed. São Paulo:
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______. Como e porque ler a literatura infantil brasileira. Rio de Janei-
ro: Objetiva, 2005.
RESUMO
Este artigo pretende traçar um breve paralelo entre a visão de mundo de dois es-
critores brasileiros – Carlos Drummond de Andrade e João Gilberto Noll –, partindo
da assertiva de que ambas as obras são conduzidas por um sujeito que não se sente à
vontade no contexto da sociedade da qual faz parte. A escrita acaba por sublimar “o
indivíduo desajustado, marginalizado, à esquerda dos acontecimentos”, conforme o
conceito de gauche de Affonso Romano Sant’anna (1992, p. 38). Enquanto Drummond
questiona e critica seu “vasto mundo”, Noll trabalha as inquietudes de um narrador
misantropo, avesso a qualquer posição alienante decorrente da contemporaneidade.
Sobre suas linguagens, no primeiro, prevalece a poesia e, no segundo, a busca de uma
prosa poética. Em ambos os casos, a preocupação com a palavra é uma constante, tor-
nando-se objeto privilegiado pelo próprio texto.
Palavras-chave: Temática. Poesia. Prosa. Linguagem. Contemporaneidade.
1. Os marginais
Sob os meandros da arte, visões de mundo se constroem. Ainda
que o imaginário, com seus princípios de idealização, distorção, fuga e
invenção tente descaracterizar o escopo de se retratar algo, a imparciali-
dade do criador perante o contexto em que nasce a criatura não existe.
A modernidade literária, a partir dos escritos de Baudelaire, to-
mou novos rumos. Em um período de rupturas e mudanças nas artes em
geral, a figura do homem excluso da sociedade é trazida ao centro pelo
olhar do artista. Se, no século dezenove a arte conservadora já começa a
dar espaço ao não convencional, os próximos centenários tornam-se pal-
co para os párias, para os sujeitos destituídos de heroísmos ou de qual-
quer privilégio no mundo.
Como um artista produz reflexos do seu tempo, há de se afirmar
que Carlos Drummond de Andrade é um poeta afinado com o momento,
não só literário, mas político e social do mundo em que viveu. Nessa
perspectiva, nasce o gauche, traço recorrente e fio condutor em sua obra.
Inicialmente, o gauchismo aparece como característica do eu lírico. Po-
rém, a abordagem subjetiva cresce por representar os marginalizados
como um todo. Assim vão-se desenrolando os assuntos da poesia em
4. Pedra e corpo
Em Carlos Drummond de Andrade e João Gilberto Noll, o jogo da
palavra envolve algo muito maior do que os tradicionais significados de
pedra e corpo. Nesses autores, a linguagem demonstra sua sensação de
estar na contramão desse “vasto mundo”. Se em Drummond, a pedra é
obstáculo, em Noll, o corpo é pertencimento. No primeiro, o “Poema de
sete faces” anuncia um sujeito marcado pelo bloqueio, fato reforçado por
“No meio do caminho”. No segundo, o corpo (do outro) é o único territó-
rio em que é possível se estabelecer; o estranhamento perante o mundo é
total, tanto que pertencer a ele provoca o definhamento do indivíduo,
como ocorre com o protagonista de Hotel Atlântico.
O que Drummond experienciou – seja por meio da observação,
vivência ou transmissão – e transpôs para a literatura não deixa de fun-
damentar que as inquietudes do artista partem de sua vivência subjetiva,
aliadas ao contexto mundano. Assim, esse eu retorcido anunciado pelo
anjo torto acompanhou criticamente os caminhos desenhados pelo pró-
prio homem torto durante o século passado. A palavra é instrumento, é
meio, é caminho. A palavra fixa o instante e, como já notavelmente ob-
servado pelo poeta mineiro, também passa a instaurar a incomunicabili-
dade como signo constante na literatura contemporânea:
Se de tudo fica um pouco,
mas por que não ficaria
um pouco de mim? [...]
(Carlos Drummond de Andrade, “Resíduo”)
Se, para o moderno, agir já não era possível, assim ainda o será
para os narradores daquela época dita pós-moderna. É nessa perspectiva
que João Gilberto Noll traz para a literatura brasileira, em uma narração
de estado mental, de estado de espírito, a riqueza de uma linguagem que
não esgota a experiência. Traz, acima de tudo, o acesso a uma vida caóti-
ca, à vertigem no viver e à atrofia dos relacionamentos. O sentimento de
estranheza transparece não só na voz do seu narrador como se torna
consciência da individualidade do ser humano.
Neste ensaio, buscou-se a aproximação de escritores de diferentes
períodos e estilos para pôr em pauta a existência do gauche em outras
propostas literárias. O brilhantismo de Drummond de trazer o termo a es-
se contexto reforça o caráter moderno da sua obra. Com essa palavra,
abre-se o amplo campo semântico referente a ela, o que faz crescer o tra-
balho do poeta e comprovar sua afinidade com a literatura do seu tempo.
Assim, ruptura e continuidade permanecem no processo oscilató-
rio do fazer literário. Se Drummond desloca o gauche para os meandros
da arte literária, Noll, dando segmento ao curso moderno, o faz por um
discurso anticonvencional. A criticidade da visão de mundo desses escri-
tores transparece, portanto, em uma linguagem ajustada com seu tempo.
Uma linguagem que espelha não apenas o sentimento de seres desvincu-
lados de uma sociedade, mas que reforça a reflexão sobre a própria escri-
ta.
RESUMO
Em 1977, na palestra proferida como aula inaugural da cátedra de Semiologia, do
Colégio de França, Roland Barthes citou três etapas relativas ao conhecimento. Sobre
a primeira, disse ser a do professor, momento no qual se ensina o que se sabe; sobre a
segunda, a da pesquisa, disse ser o momento em que se ensina o que não se sabe; e, na
terceira, momento da sabedoria, no qual se faz o remanejamento dos saberes. Nesse
sentido, pensamos que, tendo sido o século XX pródigo em estudos da linguagem, de-
senvolvendo pesquisas que, se comparadas a épocas anteriores, tanto em número
quanto em qualidade, trouxeram um enorme avanço, não apenas para a área propri-
amente dita, mas também para outras áreas, tais como, a literatura, a antropologia, a
psicanálise, configura-se já um momento no qual o remanejamento dos saberes pode-
rá ser mais do que bem-vindo. Dessa forma, é no próprio Roland Barthes que iremos
nos inspirar para dar início a tal tarefa, buscando em seus muitos estudos aqueles re-
ferentes à crítica e à teoria literárias, de forma que, dialogando com eles, possamos ve-
rificar o que ainda não se apreendeu de Roland Barthes, e também o que já não susci-
ta mais provocação.
Palavras-chave: Semiologia. Roland Barthes. Remanejamento dos saberes.
1. Introdução
A vontade de promover um debate sobre as reflexões que Roland
Barthes registrou nos muitos textos publicados vincula-se àquilo que o
próprio Barthes anunciou a respeito do conhecimento quando proferiu a
aula inaugural na qual tomou posse da cátedra de semiologia, em 1977,
no Colégio de França. Nessa aula/palestra, posteriormente lançada em li-
vro (Leçon/Aula), o semiólogo citou três etapas relativas ao conhecimen-
to. Sobre a primeira, disse ser a do professor, momento no qual se ensina
o que se sabe; sobre a segunda, a da pesquisa, disse ser o momento em
que se ensina o que não se sabe; e, na terceira, momento da sabedoria –
sapientia), no qual se faz o remanejamento dos saberes.
Nesse sentido, pensamos que, tendo sido o século XX pródigo em
estudos da linguagem (fato, aliás, que muito se deve ao homenageado do
XX Congresso Nacional de Linguística e Filologia/ II Congresso Interna-
cional de Linguística e Filologia), desenvolvendo pesquisas que, se com-
paradas a épocas anteriores, tanto em número quanto em qualidade, trou-
2. O Grão da Voz
Diversas entrevistas concedidas por Roland Barthes, (entre os
anos de 1962 e 1980) estão reunidas em O Grão da Voz. Numa delas, fo-
ram selecionadas vinte palavras-chave para o autor. Algumas estão ex-
postas abaixo:
2.1. Prazer
Apareceu de forma “tática” nos escritos barthesianos, para libertá-
los e promover uma retomada de “certo hedonismo” (BARTHES, 1982,
p. 203), recalcado há muito tempo – “primeiro pela moral cristã, depois
[...] pela moral positivista, racionalista e estava, ou está, infelizmente, de
novo em condições de o vir a ser por uma certa ética marxista” (Ibidem,
p. 203). O termo permite também uma “certa exploração do indivíduo
humano” (Ibidem, p. 203). Está ligado ao bem-estar, conforto, desafogo,
2.2. Analogia
Barthes não gostava das formas analógicas da arte e do pensamen-
to. A denúncia da analogia é uma denúncia do “natural”.
2.3. Imaginário
No sentido lacaniano, relaciona-se com a analogia “encontra-se
aqui o tema da representação, da figuração, da homogeneidade das ima-
gens e dos modelos” (Ibidem, p. 205). Interessa-se pela significância –
regime de sentidos, não se resumindo em significado único, indo de sig-
nificante a significante.
2.4. Arrogâncias
Da doxa, da ciência e do militante. Em alguns de seus textos,
Barthes apontava a arrogância de cada uma dessas categorias. Contra
elas, o contrassenso.
2.6. Amador
Como amador, não há preocupação do semiólogo com a imagem
que suscitará no outro. Não há consumismo.
2.8. Engaste
"Viagem pelo desejo" (Ibidem, p. 227); antinatural. Origina-se na
busca erótica e pode ser transportado para a busca dos textos. Relação
com o corpo.
Entre as palavras selecionadas na entrevista, buscamos aquelas
que parecem ter uma ligação mais direta com os campos que mais nos in-
teressam, a crítica e a teoria literárias. A arrogância, por exemplo, o faz
voltar-se para a literatura, preferencialmente, uma vez que esta, em geral,
não é impositiva como o discurso da ciência, como a doxa, ou como o
militante. À arrogância, Barthes oferece um discurso que preocupado em
desfazer hierarquias, restrições, "puxando o tapete" daqueles que queiram
fixar sentidos e, por isso, conformar condições hegemônicas. Daí, obvi-
amente, a literatura alcançar lugar especial entre suas reflexões.
3. Aula
Ao finalizar o discurso proferido na aula inaugural, quando tomou
posse, em 1977, na cadeira de “Semiologia Literária” do Colégio de
França, Barthes declarou ser, talvez, aquela a fase do "remanejamento
dos saberes", da sapientia. E foi na encruzilhada desse nome que Barthes
percorreu, na écriture de sua obra, os mais variados signos do mundo,
semeando, com sua leitura perspicaz, o campo das significações.
Leyla Perrone Moisés, no posfácio escrito para Aula, observa: “A
aula inaugural pode ser vista como um prisma ou um caleidoscópio. To-
da a obra anterior de Barthes nela está retratada, tudo aí volta”.
(BARTHES, 1992, p. 55)
De fato, muitas questões levantadas, diversas interpretações e ob-
servações recolhidas, ao longo de tantas obras, foram retomadas no dis-
curso-aula barthesiano. É para esse texto, portanto, que se volta, primei-
3.1. Língua
“A língua é fascista” (BARTHES, 1992, p. 13), obriga a dizer.
Sendo assertiva e gregária, ela tanto expõe a dúvida, a possibilidade, a
suspensão de julgamento, quanto, pela necessidade de reconhecimento,
repete-se, guardando estereótipos. Nela, o sujeito é, ao mesmo tempo,
mestre e escravo. “Servidão e poder se confundem” (Ibidem, p. 14). Na
linguagem, o homem é prisioneiro; sua liberdade só pode ocorrer fora de-
la. Mas esta não tem exterior, é fechada. É preciso, pois, trapacear. “Essa
trapaça, eu chamo, literatura”. (Ibidem, p. 16)
3.2. Literatura
“Nela viso o texto” (Ibidem, p. 16). Trabalhando no interior da
língua, constrói o “tecido dos significantes” e exercita a liberdade, na
medida em que desloca, desvia a “ordem da linguagem”. Três forças –
entre outras) residem em e libertam, pelo deslocamento, o texto literário:
“mathesis”, “mimesis”, “semiosis”.
Pela “mathesis”, a literatura “assume muitos saberes” (Ibidem, p.
17), fazendo-os girar e concedendo-lhes um lugar indireto, nisso ela é re-
alista. “Através da escritura o saber reflete incessantemente sobre o sa-
ber”, dramatiza-se. Os lugares da fala são postos frente a frente. “Na ci-
ência, o saber é um enunciado; na literatura, uma enunciação”. (Ibidem,
p. 20)
Enquanto aquele se produz na ausência de um sujeito enunciador,
nesta, o sujeito fala de um lugar e suas palavras “não são mais lançadas
ilusoriamente como instrumentos. São projeções, explosões, vibrações,
sabores”. (Ibidem, p. 20)
Na “mimesis”, o que ocorre é a representação do real, ou melhor,
a tentativa de representação, pois, sendo o real uma ordem pluridimensi-
onal e a linguagem unidimensional, não é possível o paralelismo entre
ambos. Nesse caso, a literatura é irrealista – “acredita sensato o desejo do
impossível” (Ibidem, p. 23). Utópica, portanto. A modernidade concebe
4. Crítica e verdade
No livro, Nouvelle Critique, Nouvelle Imposture, Raymond Pi-
card, um dos cultores do classicismo, da crítica clássica, atacou a “nova
crítica” e os escritos de Barthes, principalmente, os de Sur Racine
(1963). Em defesa da “nova crítica”, Roland Barthes redigiu Crítica e
4.2. Verossímil
O verossímil é o possível aos olhos do público e não, necessaria-
mente, o real histórico ou o possível da ciência. Definido por Aristóteles,
o verossímil converteu-se então numa certa estética do público. Existe
também um verossímil crítico que não contradiz o que já foi posto pela
tradição. É o óbvio e permanece aquém do método, uma vez que este é o
ato de dúvida.
4.3. Objetividade
A objetividade é uma regra, entre outras, do verossímil crítico.
Qual é a objetividade possível, em termos de crítica literária? Inicialmen-
te, a razão e a natureza, o gosto; mais tarde, a vida do autor, as leis do
gênero; hoje, são as evidências, possíveis de serem distinguidas pela
"certeza da linguagem, coerência psicológica, imperativos da estrutura do
gênero" (BARTHES, 1982, p. 197). Mas as certezas da linguagem são
apenas as certezas da língua francesa, dicionarizadas, e o idioma é apenas
o material de uma outra linguagem; a coerência psicológica, por sua vez,
está contida numa multiplicidade de modos de nomear o comportamento
humano. Sob que prisma ler esta coerência? Psicanalítico? Behaviorista?
A estrutura do gênero também está vinculada a vários estruturalismos:
genético, fenomenológico. Essas evidências não passam, portanto, de es-
colhas.
4.5. Clareza
Última censura do verossímil crítico da crítica clássica, ela, a cla-
reza, "se exerce sobre a própria linguagem" (BARTHES, 1982, p. 198).
A "clareza francesa" é uma língua originalmente política, "nascida no
momento em que as classes superiores desejaram [...] transformar a par-
ticularidade de sua escritura em linguagem universal, fazendo crer que a
lógica do francês era uma lógica absoluta" (Ibidem, p. 199). Essa "clare-
za" configura um jargão que não se caracteriza por uma precisão de raci-
ocínio, todavia por uma comunidade de estereótipos. Visando ao univer-
sal, ele não é mais que o corrente.
4.6. Assimbolia
Em 1965, o que se impõe como verossímil crítico é a objetivida-
de, o gosto e a clareza. Gosto e clareza são regras do século clássico; ob-
jetividade, do século positivista. O belo clássico e o "bom senso" estabe-
lecem, portanto, uma ponte tranquila entre arte e ciência. A "especifici-
dade" da literatura se constitui como a outra proposição a que se refere a
crítica clássica, acusando a crítica que emerge de ser indiferente ao que é
literário na literatura. Na visão da “nova crítica”, para que seja possível
situar a obra no campo do literário, é necessário, antes, sair de dentro do
plano da obra, com o auxílio de uma cultura antropológica, reconhecer
sentidos múltiplos. A crítica clássica sofre de assimbolia, isto é, para ela
é impossível manejar símbolos, admitir a coexistência de sentidos.
4.7. Crise
A compreensão da linguagem como objeto, a sua problematiza-
ção, a experimentação de sua profundidade, colocam, tanto o escritor
4.8. Plural
Cada época procura ou, pelo menos, pensa estabelecer um sentido
canônico em relação à obra de arte. Mas facilmente essa singularidade se
alarga, pluralizando os sentidos. Nenhuma história esgota a obra. A mul-
tiplicidade de sentidos aponta, não um erro de visão, mas a disposição da
obra para a abertura. O símbolo é justamente isto: a multiplicidade de
sentidos. O trabalho, de certa forma, a Idade Média desenvolveu em ter-
mos de liberdade simbólica – codificou quatro sentidos do símbolo: lite-
ral, alegórico, moral, analógico), a Época Clássica censurou essa liberda-
de e esta censura também faz parte, hoje, do sentido do símbolo. Consti-
tuída por uma língua simbólica, a obra literária é, por isso mesmo, plural,
possui múltiplos sentidos.
4.10. Crítica
Não é ciência. Trata dos sentidos, enquanto a ciência os produz.
Tem um lugar intermediário entre a ciência e a leitura; duplica os senti-
dos; é uma coerência de signos. A crítica faz uma leitura profunda da
obra, descobrindo nela um inteligível, participando de uma interpretação.
O que ela desvenda não é o significado, porém as cadeias de símbolos,
designando uma nova imagem a cada leitura. "Ela não pode pretender
encontrar o "fundo" da obra, pois esse fundo é o próprio sujeito, isto é,
uma ausência" (BARTHES, 1982, p. 226). É tão improdutivo falar da
obra explicitamente, literalmente, quanto procurar nela o que ela poderia
dizer, mas não diz, supondo-se nela um segredo que, se encontrado, es-
gotá-la-ia. Resta sempre na obra, como de início, linguagem, sujeito, au-
sência. A justeza é a medida do discurso crítico. Com ela, o crítico tenta-
rá reproduzir as condições simbólicas da obra. Existem dois modos de
perder o símbolo: o primeiro, com a sua negação; o segundo consiste em
interpretá-lo cientificamente –por via sociológica ou psicanalítica). À crí-
tica cabe, então, a ironia, não de ver a verdade, mas de sê-la, de modo
que esteja no direito de pedir ao escritor, “não: faça-me acreditar no que
você diz, mas ainda mais: faça-me acreditar em sua decisão de o dizer".
(Ibidem, p. 228)
4.11. Leitura
O crítico não substitui o leitor. Não é, portanto, delegada a ele a
tarefa de ler imperiosamente. O crítico é, segundo uma das funções que
girava em torno do livro na Idade Média, um “commentator” – "aquele
que intervinha no texto recopiado para torná-lo inteligível" (Ibidem, p.
229), pois, por um lado, transmite o que lê e, por outro, "redistribui os
elementos da obra de modo a lhe dar uma certa inteligência, isto é, uma
5. Noites de Paris
Noites de Paris tem formato de diário. Cada fragmento vem
acompanhado de uma data, ao alto. Particular, velador e secreto, a prin-
cípio, o diário ganha, pela mão barthesiana, outra dimensão. Seu “narra-
dor” não se furta ao olhar do outro, ao contrário, dá ao público imagens
de si próprio, lançando-se na aventura de ver e ser visto. Barthes faz uma
ronda noturna pelas ruas da cidade (Paris), reconstruindo-a textualmente
a partir de pequenos intervalos de "tempo inútil", para usar sua própria
denominação. No teatro, o “Palace”, palavra que tem origem em um ver-
bo grego que significa “ver”, as pessoas trocam olhares. E então, pelo
olhar, o escritor se lança na leitura de corpos (e afetos?) que se encon-
tram nas noites parisienses.
Para acompanhar o semiólogo e seus olhos atentos pelas ruas de
Paris, a autora deste texto confere um título aos fragmentos: olhar. Em
seguida, localiza, segundo as datas registradas no diário, os dias, os me-
ses e o ano, nos quais Barthes, exercitando a flânerie, leu os signos da ci-
5.1. Olhar
25/08/79 (No Flore). “Ninguém para olhar” (BARTHES, 1988, p. 59).
Um amigo fica espantado com a quantidade de michês.
26/08/79 (No Bonaparte). Enquanto espera, irrita-se com o súbito apa-
recimento de alguém, pois gosta de “estar um pouco só em um
café para olhar aqui e ali, pensar em meu trabalho” (Ibidem, p.
61). Falam sobre os desencontros amorosos do rapaz. O com-
panheiro esperado chega e desenrola-se uma conversa entre
eles. Barthes sente vontade de falar sobre suas dificuldades de
trabalho, mas não o faz –“como sempre, quando pretendo falar
de alguma coisa, estou muito consciente dela e não digo nada.
Por fim, liquido a coisa [...] em uma frase”) (Ibidem, p. 62). A
consciência o faz parceiro da solidão; nela, o "outro" falta,
transformando o afeto em lacuna. Como sempre, volta para
casa, só.
27/08/79 (No Select). Avista uma mulher desacompanhada: “uma gali-
nha?” (Ibidem, p. 63) A cultura sempre implacável com as mu-
lheres. No Rotende, com Philipes, voltam à sua ideia de escre-
ver a história da literatura francesa pelo desejo.
28/08/79 Sai, sem rumo certo, meio à deriva, pelas ruas. Na rue de Ren-
nes encontra um michê novo e lhe dá dinheiro, marcando en-
contro para mais tarde – “tendo ido para a cama ou não, às oito
horas eu me terei encontrado no mesmo ponto de minha vida;
e, como o simples contato dos olhos, da fala, me erotiza, foi
esse gozo que paguei” (Ibidem, p. 65). Gozo do olhar maior do
que o do contato físico em si. Tem a ver com a deriva de suas
andanças. No Flore, mais tarde, outro michê, uma família e
crianças. Desencontros ao alcance apenas dos olhos. Nova vol-
ta para casa.
31/08/79 (Em Urt). A beleza do crepúsculo e o pensamento voltado pa-
ra a mãe (morta), para a vida. A mãe. Sente-se, em qualquer
lugar –mesmo em Paris), “sem abrigo verdadeiro” (Ibidem, p.
67). Sempre o desamparo, a solidão consciente.
6. Deslizamentos
Recolhemos de Barthes, através de seus textos, três momentos: o
de Aula (1977), o de Crítica e Verdade (1966) e o de Noites de Paris
(1979). Desses três, Aula é o único sobre o qual já havíamos trabalhado e
preparado para publicação. O motivo da repetição tem a ver com o fato
de utilizarmos, em algumas ocasiões, como operadores textuais, as for-
ças, mimesis, mathesis e semiosis, a respeito das quais Barthes se refere,
em Aula, como responsáveis pela libertação do texto literário.
Nesta oportunidade, a referência, mais uma vez, ao Aula se justi-
fica pela própria proposta que trouxemos para o II Congresso Internacio-
nal de Linguística e Filologia/XX Congresso Nacional de Linguística e
Filologia, ou seja, a de chamar a atenção para a necessidade que temos, a
nosso ver, hoje, de se fazer um remanejamento, uma revisão da herança
teórico- crítica que vimos acumulando, no campo dos estudos literários,
desde o início do século XX. Afinal, é nesse texto, como ficou dito, que
Roland Barthes fala sobre isso, esse momento ao qual ele identificou
como o da sapientia.
Assim, para provocarmos a discussão, trouxemos trechos de uma
entrevista de 1975, na qual Barthes lembra, e comenta, algumas palavras
importantes para ele, tais como, analogia e romanesco. Essas, e outras
palavras, como ele próprio o afirmou, sempre o acompanharam, ao longo
de sua vida intelectual, servindo-lhe como espécie de inspiração e estí-
mulo para um contínuo exercício reflexivo. Tal exercício, concentramos
nos três textos apresentados, nos quais os termos apontados na entrevista
RESUMO
Este ensaio aborda algumas reflexões na poesia de Carlos Drummond de Andrade
a partir de signos presentes em textos como “Poema de sete faces” e “No meio do ca-
minho”. Como um artista produz reflexos do seu tempo, há de se afirmar que Carlos
Drummond de Andrade é um poeta afinado com o momento, não só literário, mas po-
lítico e social do mundo em que viveu. Nessa perspectiva, nasce o gauche, traço recor-
rente e fio condutor em sua obra. Inicialmente, o gauchismo aparece como caracterís-
tica do eu lírico. Porém, a abordagem subjetiva cresce por representar os marginali-
zados como um todo. Assim vão-se desenrolando os assuntos da poesia em Drum-
mond: partindo de um “eu retorcido”, vislumbra-se uma sociedade “torta”, na qual o
sujeito não consegue encontrar nenhuma expectativa. Este estudo é fundamentado em
Davi Arrigucci Jr., Marlene de Castro Correia e Eucanaã Ferraz.
Palavras-chave: Tragicidade. Fatalismo. Drummond.
1. O signo pedra
Sob os meandros da arte, visões de mundo se constroem. Ainda
que o imaginário, com seus princípios de idealização, distorção, fuga e
invenção, tente descaracterizar o escopo de se retratar algo, a imparciali-
dade do criador perante o contexto em que nasce a criatura não existe.
A modernidade literária, a partir dos escritos de Baudelaire, to-
mou novos rumos. Em um período de rupturas e mudanças nas artes em
geral, a figura do homem excluso da sociedade é trazida ao centro pelo
artista. Se, no século dezenove a arte conservadora já começa a dar espa-
ço ao não convencional, os próximos centenários tornam-se palco para os
párias, para os sujeitos destituídos de heroísmo ou de qualquer privilégio
no mundo.
Como um artista produz reflexos do seu tempo, há de se afirmar
que Carlos Drummond de Andrade é um poeta afinado com o momento,
não só literário, mas político e social do mundo em que viveu. Nessa
perspectiva, nasce o gauche, traço recorrente e fio condutor em sua obra.
Inicialmente, o gauchismo aparece como característica do eu lírico. Po-
rém, a abordagem subjetiva cresce por representar os marginalizados
2. O universo trágico
No capítulo intitulado “A inteligência trágica do universo”, Mar-
lene de Castro Correia, em Drummond: a Magia Lúcida (2002), analisa o
poema “Os bens e o sangue” levando em consideração não só o relacio-
namento entre o poeta e o grupo familiar, mas também a “matéria de po-
esia” contida nele. Se Drummond indica nove seções como “matéria” de
sua poesia, o poema em questão aborda seis delas.
3. Dificuldades no trabalho
Em “O xis do problema”, capítulo inicial de Coração Partido,
Davi Arrigucci Jr. (2002), analisa o modo com que Carlos Drummond de
Andrade constitui sua lírica, cujas características marcantes são a medita-
ção e a reflexão. Em sua obra conflituosa, sempre pautada por dificulda-
des e contradições, o lirismo meditativo é uma constante.
Se em Minas está a origem da meditação em seu trabalho, para a
compreensão da unidade estrutural da obra drummondiana, é necessário
contextualizá-la no universo do autor.
Em seu estudo, em meio ao estilo dramático e narrativo do poeta,
“o xis do problema” destacado por Arrigucci Jr. (2002, p. 16) é
o modo como a reflexão, que espelha na consciência o giro do pensamento re-
fletindo-se a si mesmo, se une à sua expressão poética, determinando a confi-
guração formal do poema, num mundo muito diferente daqueles dos primeiros
românticos e da poesia meditativa que inventaram.
4. Os problemas do amor
“Amor: teia de problemas” é o último capítulo dos quatro que
compõem Coração Partido: Uma Análise da Poesia Reflexiva de Drum-
mond (ARRIGUCCI JR., 2002). Se na primeira parte, “O xis do proble-
ma”, o autor delimita a questão central do livro – o modo com que a re-
flexão e a consciência do mundo são transfiguradas para a poesia medita-
tiva –, nas três partes seguintes são analisados poemas cuja leitura dos
textos se vincula à proposta do crítico. Depois de “Poema de sete faces” e
“Áporo”, “Mineração do outro” protagoniza sobre como a reflexão da
vida é transformada em expressão poética e trazida para a configuração
formal do poema.
Para encerrar esse estudo da poesia reflexiva, Davi Arrigucci Jr.
(2002) escolhe “Mineração do outro” pela sua singularidade e pela com-
plexidade com que Drummond aborda o tema do amor. Um dos pontos
mais problemáticos é o enlace do amor com o conhecimento, como os
percalços existentes na impossibilidade de se fundir emoção com razão,
reforçando mais um dos aspectos da dialética barroca do poeta mineiro.
Se “minerar” remete a explorar, extrair, garimpar, o poema propõe
a “decifração da decifração a que obriga o sentimento”. Arrigucci Jr.
(2002, p. 113) ressalta ainda que “o caráter problemático do amor é tam-
bém o da linguagem poética que se esforça para exprimi-lo: alquimia in-
sólita, que deve transformar em poesia o ouro já transformado em outro
ser”. O ouro transformado em outro precisa, então, ser transformado em
objeto poético. Minerar retoma, assim, o campo semântico de “Áporo”
no que concerne à escavação em busca seja de uma saída, seja da deci-
fração do outro. Decifrar o outro não é tarefa fácil e requer tanta atenção
quanto a elaboração do discurso poético.
Ao falar do amor, Drummond demonstra ter consciência dos pro-
blemas atrelados a esse sentimento. Contudo, o poeta sabe que não há
como fugir deles, além de ter a certeza de que eles hão de surgir. O tom
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRADE, Carlos Drummond de. Antologia poética. São Paulo: Cia.
das Letras, 2012.
ARRIGUCCI Jr., Davi. Coração partido: uma análise da poesia reflexiva
de Drummond. São Paulo: Cosac & Naify, 2002.
CORREIA, Marlene de Castro. A inteligência trágica do universo. In:
___. Drummond, a magia lúcida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.
RESUMO
O presente artigo está desenvolvido em torno do eixo temático análise e crítica li-
terária, proposto pelo CiFEFiL (Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguís-
ticos), 2016. O referido é produto de um projeto maior, desenvolvido no campus da
UEMG (Unidade de Carangola), ao longo do ano em curso, 2016, intitulado “Poéticas
da modernidade: um olhar para a diferença”, orientado pela professora Dra. Lídia
Maria Nazaré Alves e coordenado pelo professor Msc. Alexandre H. C. Bittencourt.
No artigo objetivou-se a análise comparativa entre duas obras da Literatura brasilei-
ra, escritas por autoras afrodescendentes, a saber: Um Defeito de Cor, de Ana Maria
Gonçalves e Ponciá Vicêncio, de Conceição Evaristo, a fim de se observar ideologias
convergentes e divergentes na representação social do negro. A pesquisa foi iluminada
por teóricos que já trataram e tratam de temas afins, tais como: Alves (2009), Auad
(2002-2003), Bakhtin (1997), Barreto (1997), Fanon (2008), Gomes (2005), Lopes
(1988), Magalhães (2012), Nicola (1998). No final da pesquisa, concluiu-se que apesar
de ambas as obras apresentarem o negro como ponto central, a forma de representa-
ção e visão divergem em muitos pontos, bem como convergem em outros. A análise
das obras resultou na percepção e compreensão mais acurada da função social do ne-
gro no Brasil, muito marcada pelo preconceito, e de como este ser marginalizado tem
criado estratégias para desconstruir e reconstruir a referida função.
Palavras-chave: Negro. Alteridade. Identidade. Mulher. Escravidão. Liberdade.
1. Introdução
No que tange ao espaço do afrodescendente na sociedade brasilei-
ra, muito se tem falado sobre o assunto, todavia cumpre-se salientar tra-
balhos como o de Júlia da Motta Salles Carvalho Lopes (1988), Silva &
Laranjeira (2007), Frantz Fanon, (2008) e Lídia Maria Nazaré Alves
(2009). Todos desenvolveram temáticas em torno da representação do re-
ferido.
2. Revisão bibliográfica
Júlia da Motta Salles Carvalho Lopes (1988) desenvolveu, pelo
Colégio Marista Dom Silvério, um estudo para identificar as raízes do
preconceito contra o negro no Brasil, neste ela aborda a ideologia do
branqueamento. A autora mostra que a sociedade brasileira não estava
disposta a conviver com o negro pacificamente, pelo contrário, sempre
houve a presença de uma rejeição muito grande direcionada ao afrodes-
cendente, que de certa forma foi assimilada pelo próprio negro que pas-
4. Ponciá Vicêncio
A história de Ponciá tem início na Vila Vicêncio, local onde os
negros descendentes dos escravos do Coronel Vicêncio se estabeleceram
após o fim da escravidão. Ela não se conforma com a vida que levava,
ansiava por oportunidades melhores, queria algo mais para si. O simples
ressoar de seu nome lhe dizia que ela era uma escrava. Ela queria ter uma
identidade própria. Por isso quando os padres missionários apareceram
na Vila se oferecendo para alfabetizar quem desejasse, ela logo se inte-
ressou, pois viu nos estudos uma ferramenta para mudar de vida, “Ponciá
Vicêncio obteve o consentimento da mãe. Quem sabe a menina um dia
sairia da roça e iria para a cidade. Então, carecia de aprender a ler” (PV,
2003, p. 28). Ponciá Vicêncio saiu de sua terra, lugar onde estava estig-
matizada pelo estereótipo de filha de escravos do coronel Vicêncio. Ela
girava em torno de si mesma, de suas vivências e retornava ao início. Es-
se ir e vir, e também esse ficar fora do tempo, num entretempo, se dá em
virtude do sentimento de perdição, mas não somente, também da tentati-
va do encontro consigo mesma e com o outro de si. Ponciá vivia, o que
Frantz Fanon (2008) explica como sendo um conflito de identidade, por
Ponciá se descobre só, mesmo casada, pois ela e o marido não vi-
veram a alegria do encontro, ambos viviam cada qual na solidão de seu
próprio mundo. Ponciá se prende às lembranças das reminiscências de
um passado escravocrata. Tinha consciência de que apesar da abolição,
ela continuava escrava. O tempo e as desilusões lhe roubaram a alegria
de viver, pois tinha certeza de que nunca chegaria a lugar algum. Esta
constatação a conduziu à total apatia. Até o seu marido, que antes era vi-
olento, percebeu seu desalento:
Desde então, ao perceber a solidão da companheira e a sua própria, o ho-
mem viu na mulher o seu semelhante tomou-se de uma ternura intensa por ela
[...]. Pouco a pouco, mais e mais, Ponciá se adentrava num mundo só dela,
onde o outro, cá de fora, por mais que gostasse dela, encontrava uma intrans-
ponível porta. (PV, 2003)
5. Kehinde
A história de Kehinde começa em Daomé, na África, onde ela vi-
ve coma mãe, a avó, seu irmão Kokumo e sua irmã gêmea Taiwo. Guer-
reiros do rei Adandozan invadem sua casa, acusam a avó de ser bruxa,
estupram e matam sua mãe e seu irmão. A menina, a irmã gêmea e a avó
são capturadas e trazidas para o Brasil como escravas. Apenas Kehinde
sobrevive à viagem. E aos oito anos é vendida no mercado como uma
mercadoria para o senhor José Gama.
Os brancos entravam, olhavam ao redor e apontavam os pretos pelos
quais se interessavam. Então, um dos empregados se aproximava dos pretos e
batia em seus ombros com uma vara ou gritava de longe para que eles se
aproximassem, caso já entendessem o português. Não importando se era ho-
mem, mulher ou criança, o comprador apalpava-lhes todo o corpo e os fazia
erguer os braços e mostrar as plantas dos pés[...] O empregado do armazém
batia com um chicote em suas pernas e eles tinham que pular, para ver se rea-
giam rápido, e depois tinham que abrir a boca e mostrar os dentes, para então
gritar o mais alto que podiam. (UDC, 2012, p. 71)
João e Maria Clara são seus filhos africanos. Kehinde quer trans-
formar a África em um pedaço do Brasil, torna-se católica e ajuda na
propagação do catolicismo, na construção de catedrais, na instituição das
festas típicas da Bahia em solo africano, dentre elas do senhor do Bon-
fim. Batiza seus dois filhos, torna-se branca e muito respeitada. Em Áfri-
ca todos que tinham costumes dos brancos eram considerados brancos.
Depois que John morre ela decide tornar-se uma mulher virtuosa e não
busca mais amores. Ela se orgulha de ser brasileira. “Apesar de ter nasci-
do em África, eu também era considerada brasileira” (UDC, 2012, p.
789). Para concretizar tal fato ela passa a assumir o nome de Luísa An-
drade da Silva, mais conhecida como “a dona Luísa, como todos passa-
ram a me chamar em África, alguns também me chamavam de sinhá Luí-
sa”. (UDC, 2012, p. 789)
Pode-se perceber aqui a fala de Frantz Fanon: “Todo mundo já o
disse, para o negro a alteridade não é outro negro, é o branco”. (FANON,
2008, p. 93). Ao tornar-se brasileira Kehinde constrói sua alteridade com
o branco, mas longe do branco, ela só consegue ser reconhecida como
branca em meio aos seus irmãos negros.
Franz Fanon (2008) diz que:
Na medida que o homem branco me impõe uma discriminação, faz de
mim um colonizado, me extirpa qualquer valor, qualquer originalidade, pre-
tende que seja um parasita no mundo, que é preciso que eu acompanhe o mais
rapidamente possível o mundo branco, que sou uma besta fera, que meu povo
e eu somos um esterco ambulante, repugnantemente fornecedor de cana macia
e de algodão sedoso, que não tenho nada a fazer no mundo. Então tentarei
simplesmente fazer-me branco, isto é, obrigarei o branco a reconhecer minha
humanidade. (FANON, 2008, p. 94)
6. Considerações finais
Apesar de as duas personagens serem mulheres, negras, estigma-
tizadas, tiveram destinos tão opostos, mas não foi por culpa ou mérito de-
las mesmas. Pelo contrário, ambas tiveram seus destinos influenciados
e/ou determinados pelo sistema social que lhes negou a autonomia do
ser. O instinto de sobrevivência direcionou as ações de Kehinde. O dese-
jo de liberdade de Ponciá não nasceu dela mesma, mas de seus antepas-
sados que continuam vivendo através dela. Nós somos a continuidade
daqueles que nos precederam, por isso precisamos honrá-los com nossas
escolhas. Frantz Fanon (2008) também explica muito bem o título Um
Defeito de Cor,
Um estropiado da guerra do Pacífico disse a meu irmão: “Aceite a sua cor
como eu aceito o meu cotoco; somos dois acidentados. Apesar de tudo recuso
com todas as minhas forças esta amputação. Sinto-me uma alma tão vasta
quanto o mundo, verdadeiramente uma alma profunda como os mais profun-
dos dos rios, meu peito tendo uma potência de expansão infinita. Eu sou dádi-
va, mas me recomendam a humildade dos enfermos... Ontem, abrindo os
olhos ao mundo, vi o céu se contorcer de lado a lado. Quis me levantar, mas
um silêncio sem vísceras atirou sobre mim suas asas paralisadas. Irresponsá-
vel, a cavalo entre o Nada e o Infinito, comecei a chorar. (FANON, 2008, p.
126)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Não tomar seu santo nome em vão. 2009. Tese (Doutorado em Letras)
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AUAD, Daniela. Educação para a democracia e coeducação: apontamen-
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BAKHTIN, Mikhail Mjkhailovitch. Estética da criação verbal. Trad.:
Maria Ermantina Galvão G. Pereira. Rev. da trad.: Marina Appenzeller.
2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
BARRETO, Lima. Triste fim de Policarpo Quaresma. São Paulo: Jornal
Zero Hora/Klick, 1997.
BÍBLIA Sagrada. 158. ed. rev. por Frei José Pedreira de Castro. São Pau-
lo: Ave-Maria, 2003.
RESUMO
Conceituar o tempo sempre foi um desafio para o homem. Além dos filósofos,
Aristóteles, Santo Agostinho e Kant, físicos, matemáticos e sociólogos também se dedi-
caram ao estudo do Tempo. Isaac Newton (1643-1727) criou o conceito de tempo abso-
luto, por considerar que essa modalidade era constante e uniforme. Kant (1724-1804),
ao contrário do matemático, considerava o tempo como um dado subjetivo, por per-
tencer à natureza humana, sem a possibilidade de o homem poder controlá-lo ou mo-
dificá-lo. No século XX, Albert Einstein (1879-1955) institui a teoria da relatividade
por acreditar que o tempo é relativo, pelo fato de poder ser sentido, diferentemente,
por cada pessoa. Para Nobert Elias (1998), o tempo não existe em si, ele é antes de tu-
do um símbolo social e não pode ser visto como um dado objetivo, como pensava ante-
riormente Newton, ou um conceito relativo ao ser humano, como supunha Kant. Além
das discussões que se fizeram do tempo à luz da física, da matemática e da filosofia,
outra discussão que se estabelece sobre o tempo, na atualidade, é a dimensão temporal
manifestada na linguagem pela discursivização das ações, precisamente no texto nar-
rativo, visto que essa modalidade textual é o simulacro da ação do homem no mundo.
O estudo da temporalidade verbal em “Boca do Inferno” de Ana Miranda confirma a
ambivalência constitutiva entre a temporalidade narrativa ficcional (ponto de vista e
voz enunciativa) e a temporalidade histórica (tempo dos acontecimentos, congelado na
história), existente na obra e nos leva a observar uma estrutura truncada da tempora-
lidade verbal entre o pretérito perfeito e o imperfeito, tempos que habitualmente ex-
pressam o mundo narrado; em que tal ruptura, reflexo dessa ambivalência, instaura
uma estratégia argumentativa intencional, provocando, em um mesmo segmento nar-
rativo, um deslocamento do ponto de vista do narrador-historiador.
Palavras-chave: Temporalidade narrativa. Temporalidade histórica.
Narrativa ficcional. Boca do Inferno. Ana Miranda.
2. Ambivalência da narrativa
2.1. Na estrutura
O termo “ambivalência” foi introduzido pelo psiquiatra suíço,
Bleuler, em 1911, segundo o Critical Dictionary of Psychoanalysis de
Charles Rycroft (1972):
Ambivalência é um conceito que remete para os termos ou enun-
ciados que tenham sentidos opostos, sendo ambos válidos. Trata-se de
uma forma particular de ambiguidade. De acordo com o Vocabulário da
Psicanálise:
O termo “ambivalência” foi por Freud tomado a Bleuler, que o criou. [...].
[...] A originalidade da noção de ambivalência, [...] reside, por um lado, na
manutenção de uma oposição do tipo sim-não, em que a afirmação e a nega-
ção são simultâneas e indissociáveis; e, por outro lado, no facto de que essa
oposição fundamental pode reencontrar-se em diversos sectores da vida. (LA-
PLANCHE & PONTALIS, 1970, p. 69)
3. Noção de tempo
Além das discussões que se fizeram do tempo à luz da física, da
matemática e da filosofia, outra discussão que se estabelece sobre o tem-
po, na atualidade, é a dimensão temporal manifestada na linguagem pela
discursivização das ações, precisamente no texto narrativo, visto que essa
modalidade textual é o simulacro da ação do homem no mundo.
A narração tem por característica intrínseca mostrar o que está
passando e que o fato contado já não é mais e ainda não é, pois apenas se
encontra presentificado na linguagem.
5. Considerações finais
Este estudo versou sobre a temporalidade verbal para além das discus-
sões gramaticais, pois além do nível frasal, propusemos uma interface entre a
literatura e a história. Por isso, escolhemos a obra Boca do Inferno, de Ana Mi-
randa, por tratar-se de um gênero – o romance histórico – caracterizado como
uma metaficção historiográfica que, acreditamos, possibilitaria o estudo da ex-
pressão da temporalidade verbal no entrelaçamento do discurso ficcional e do
histórico.
Ao nos propormos desvendar a expressão da temporalidade nos painéis
históricos, em que atuam tanto personalidades históricas, citadas ou integrando
o pano de fundo das narrativas, ou personagens fictícias atuando na ambiência
histórica recriada, pudemos melhor compreender, no dizer de Dominique Ma-
ingueneau (1996), o quanto, no romance de cunho histórico, o mundo real que
a obra pretende representar como um mundo exterior a ela só é, de fato, acessí-
vel através do universo discursivo instituído pela obra e através do discurso
oblíquo que mantém sobre ele.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ADMONI, Wladimir. Der deustsche Sprachbau. München: C. H. Beck
Verlag. 1970
AGOSTINHO, Santo. Confessions. Paris: Les Belles Letres, t. 2, 1989.
ARISTÓTELES. Poética. In: __. Os pensadores: Aristóteles. São Paulo:
Nova Cultural, 1999, p. 37-75.
RESUMO
Os romances de Vidiadhar Surajprasad Naipaul apresentam vários personagens que só
conseguem ver a si próprios pelos olhos de outras pessoas. Em Half a Life (2001), um ho-
mem resolve tornar permanente um comportamento provisório depois de perceber a apro-
vação de alguém que lhe parece respeitável. Em Mimic Men (1967), encontramos habitan-
tes de sociedades pós-coloniais constantemente inseguros quanto ao que representam uns
para os outros. Com a publicação de Mentira Romântica e Verdade Romanesca (1961), Re-
né Girard deu início ao que hoje conhecemos como teoria mimética. Vale dizer, um minu-
cioso trabalho inspirado pela leitura de clássicos da literatura mundial, que terá como uma
das suas principais intuições a centralidade do outro na orientação do desejo humano. A
obra de Vidiadhar Surajprasad Naipaul se articula naturalmente, nesse ponto, com a teoria
mimética de René Girard. No trabalho de ambos encontramos personagens marcados pela
dependência profunda do olhar do outro. Desse modo, meu trabalho será avaliar se há um
rendimento próprio na aproximação entre René Girard e Vidiadhar Surajprasad Naipaul.
Palavras-chaves: Naipaul. René Girard. Teoria mimética. Dependência. Outro.
1. Meia vida
Em Half a Life, um funcionário da administração pública de uma
cidade da Índia, nos anos 1940, resolve destruir documentos como uma
forma de, entre outros objetivos, manifestar sua reprovação ao sistema de
castas. Mesmo para quem não conhece a historia do personagem de Vidi-
adhar Surajprasad Naipaul, a iniciativa não parece muito promissora.
O romance começa com a narração em primeira pessoa do perso-
nagem. Ele é pai de Willie, um jovem que questiona o motivo de seu se-
gundo nome ser Somerset (NAIPAUL, 2002, p. 9). O pai explicará, du-
rante a primeira parte do livro, o que o levou a se inspirar no nome do
famoso escritor inglês W. Somerset Mougham.
O pai sintetiza, numa frase, quais eram os seus sentimentos na-
quele tempo: “Havia em mim o pequeno demônio da rebelião” (NAIPA-
UL, 2002, p. 14). Naquela época ele queimou livros na faculdade, além
de destruir os documentos da administração pública. Quando as conse-
quências começaram a aparecer, se refugiou no pátio de um templo, ten-
tando escapar do interrogatório de seus colegas, também funcionários do
marajá. Além de suas preocupações políticas e do seu demônio revoluci-
2. Desejo mimético
Dom Quixote explica para Sancho que Amadis de Gaula foi o
maior cavalheiro que já existiu, não apenas um dos grandes, mas o maior
de todos (CERVANTES, 2002, p. 155). O que Sancho ouvirá são os mo-
tivos de Dom Quixote para sair pelo mundo atrás de aventuras, para que
em seguida possa se comportar da mesma maneira que, segundo o seu
entendimento, Amadis se comportaria. Em Madame Bovary (1857) Em-
ma se encanta com a possibilidade de ter uma vida parecida com a das
heroínas que descobre na ficção. Em Stendhal, Proust e Dostoiévski en-
contraremos o mesmo padrão: personagens que tentam imitar a vida de
quem admiram. A dinâmica é a mesma, mas nem sempre os modelos se-
rão personagens de romance. Foi a dinâmica o que René Girard percebeu
e apresentou em seu livro Mentira Romântica e Verdade Romanesca
(1961).
Através da leitura comparada das obras desses cinco escritores, o
pensador francês detectou algo em comum sobre o desejo humano. René
Girard faz uma constatação simples e desconcertante: desejamos algo
porque alguém que admiramos, ou alguém em quem identificamos algum
tipo de valor, desejou primeiro e desse modo nos forneceu a direção para
o nosso próprio desejo.
Trata-se daquilo que no livro de 1961 foi chamado de desejo tri-
angular e que posteriormente se consolidou com a primeira das três gran-
des intuições que fundaram a teoria mimética: o desejo mimético ou imi-
tativo. A relação entre o sujeito desejante e o objeto desejado não é uma
relação direta, nos diz René Girard, mas uma relação intermediada. O de-
sejo é “meu”, mas para que eu possa lhe dar uma direção eu preciso de
um modelo, de um mediador que me aponte o que desejar. Não há apenas
uma linha reta entre o sujeito e o objeto. Faz-se necessário o triângulo.
Willie e seu pai, em Meia Vida, não são diferentes. O filho repro-
va o pai por sua incapacidade de ter uma vida própria, para logo em se-
guida se ver com dificuldades similares. As circunstâncias e proporções
19Ao contrário da tendência atual, René Girard não faz qualquer esforço para separar escritor e
obra. Todo o livro Dostoiévski: do duplo à unidade apresenta a articulação entre vida e obra do autor
russo. Indico as páginas 59-64 por tratarem do momento a que me refiro acima.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CERVANTES, Miguel de. Dom Quixote. Trad.: Viscondes de Castilho e
Azevedo. São Paulo: Nova Cultural, 2002 [1605].
DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Memórias do subsolo. Trad.: Boris Schnaider-
man. Rio de Janeiro: Editora 34, 2009 [1864].
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Ledon da Silva. São Paulo: É Realizações, 2009 [1961].
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Paulo: É Realizações, 2011 [1963].
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Realizações, 2011 [2008].
NAIPAUL, Vidiadhar Surajprasad. Os mímicos. Trad.: Paulo Henriques
Britto. São Paulo: Cia. das Letras, 2001 [1967].
______. Meia vida. Trad.: Isa Mara Lando. São Paulo: Cia. das Letras,
2002 [2001].
PASSOS, José Luiz. Romance com pessoas. Rio de Janeiro: Objetiva,
2014 [2007].
RESUMO
A conceituação das crônicas como gênero literário ainda é muito problematizada
no meio acadêmico, pois, como Antônio Dimas ressalta, existem principalmente duas
razões que colaboram para esse questionamento: o caráter jornalístico imediatista da
crônica e a sua especificidade temporal. Neste trabalho, situaremos o estudo das crô-
nicas de Graciliano Ramos com base no que defende o crítico Afrânio Coutinho, de
que a literariedade das crônicas reside na individualidade do autor e na qualidade li-
terária que elas exprimem. Se considerarmos tais atributos, as crônicas de Graciliano
Ramos podem ser incluídas no grupo de literárias, pois apresentam tais peculiarida-
des. O estilo do autor alagoano não se apaga nesse gênero e suas reflexões não se fixam
em uma época específica. Nesse sentido, abordaremos um tema discutido amplamente
em suas crônicas: a função da literatura e o processo do fazer literário. Observaremos
como o escritor pensou em suas crônicas a literatura e a sua elaboração por um viés
crítico intenso, pertinente aos estudos literários até os dias de hoje.
Palavras-chave: Crítica literária. Graciliano Ramos. Crônicas.
1. Introdução
O entrelaçamento da história dos folhetins e crônicas com o seu
veículo, o jornal, somado a característica inerente às crônicas de aborda-
rem fatos inclusos em um espaço de tempo específico, foram fatores que
contribuíram para a problematização do entendimento da crônica como
objeto de estudo literário.
Entretanto, se levarmos em consideração o que diz Afrânio Couti-
nho a respeito do tema, podemos então repensar essa postura diante da li-
terariedade das crônicas:
De qualquer modo, aceite-se ou não a permanência da crônica, é certo que
ela somente será considerada gênero literário quando apresentar qualidade li-
terária, libertando-se de sua condição circunstancial pelo estilo e pela indivi-
dualidade do autor. (COUTINHO, 2003, p. 110)
3. Conclusão
Há, em muitas das crônicas redigidas por Graciliano Ramos, uma
discussão da literatura dentro dela mesma, da sua finalidade e sua reali-
zação dentro do contexto literário moderno brasileiro. Pode-se notar que,
ao longo da sua trajetória como escritor, tal assunto obteve um espaço
considerável dentre as ponderações do autor, estabelecidas em suas per-
sonagens ou em sua própria assinatura.
Além de destacar o indivíduo e as tensões que lhe ocorrem, o au-
tor põe em evidência aspectos inerentes à reflexão literária de forma pe-
culiar e crítica, o que torna o estudo de suas obras uma tarefa inexaurível
e sempre relevante para o estudo da literatura.
O autor de Vidas Secas pode ser incluído no grupo definido por
José Luiz Jobim como críticos criadores:
Os críticos criadores dialogam com outros autores e críticos que escreve-
ram antes deles e de alguma forma são uma prova de que a obra literária sem-
pre se insere em múltiplos sistemas significativos, até por sua condição de
permanecer muito além da morte de seu autor ou de seu primeiro público, e
pode incorporar produtivamente ao seu tecido constitutivo a sua inscrição dia-
lógica com períodos anteriores - com os quais, contra os quais ou a partir dos
quais se estabelece – e com a sua contemporaneidade. (JOBIM, 2012, p. 7-8)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOSI, Alfredo. Graciliano Ramos. In: ___. História concisa da literatura
brasileira. 44. ed. São Paulo: Cultrix, 2006, p. 400-405.
______. O modernismo no Brasil depois de 30. In: ___. História concisa
da literatura brasileira. 44. ed. São Paulo: Cultrix, 2006, p. 383-384.
BRAYNER, Sônia. Graciliano Ramos: coletânea. 2. ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1978.
BULHÕES, Marcelo Magalhães. Literatura em campo minado: a meta-
linguagem em Graciliano Ramos e a tradição brasileira. São Paulo: An-
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CANDIDO, Antonio. Ficção e confissão: ensaios sobre Graciliano Ra-
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história e antologia. Modernismo, vol. 2. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
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COUTINHO, Afrânio. Ensaio e crônica. In: ___. A literatura no Brasil,
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DIMAS, Antônio. Ambiguidade da crônica: literatura ou jornalismo? Lit-
tera: Revista para Professor de Português e de Literaturas de Língua
Portuguesa, ano IV, n. 12, p. 46-51, set./dez. 1974. Rio de Janeiro: Grifo,
1974.
JOBIM, José Luís. A crítica literária e os críticos criadores no Brasil.
Rio de Janeiro: Eduerj, 2012.
RESUMO
A partir das pesquisas sobre a história da literatura brasileira, observamos que
duas têm sido a maneira de se fazer literatura no Brasil, desde a colonização: uma vol-
tada para a aceitação da “imposição cultural” (CÂNDIDO, 2009) da matriz coloniza-
dora ibérica, ideológica, portanto e, outra, contraideológica, que busca desestabilizá-
la, “adaptando-a” (CÂNDIDO, 2009) ou desconstruindo-a, a fim de mostrar seu cará-
ter contingente, arbitrário e, consequentemente, colonizador. Usando a terminologia
de Barthes (2006), no primeiro caso, temos o que os teóricos chamam mímesis da re-
presentação e, no segundo, a mímesis da produção. A primeira resulta no “texto de
prazer” e, a segunda, no “texto de fruição”. Este é aquele tipo de texto que sugere um
estado de perda” (BARTHES, 2006, p. 20-1), aquele é o tipo de texto “que contenta,
enche, dá euforia; aquele que vem da cultura, não rompe com ela, está ligado a uma
prática confortável de leitura” (BARTHES, 2006, p. 20). Alguns escritores trabalham
com essas duas escritas ao mesmo tempo. É o caso de Clarice Lispector que nos faz en-
tender que a literatura tem sua maneira peculiar de representação. A partir de tais
premissas elaboramos este artigo, parte da tese de doutorado, adaptado para o tema
“análise e crítica literária”, proposto pelo II Congresso Internacional de Linguística e
Filologia e o XX Congresso Nacional de Linguística e Filologia, na Universidade Veiga
de Almeida, cujo objetivo é analisarmos o conto “Amor”, de Laços de Família (1960) e
o romance A Paixão Segundo G. H. (1964), com a finalidade de esclarecer sobre o mo-
do como a escritora trabalha de forma alegórica com a travessia da letra e do “eu” en-
cenados, simultaneamente, modo distinto da tradição, ao questionar o próprio fazer li-
terário e o tema que com ele se encena. Volta-se o olhar para a forma que faz conteú-
do.
Palavras-chave: História da literatura. Clarice Lispector. Imposição cultural.
Fig. 2. Sky and water I (ar e água-tradução nossa). Maurits Cornelis Escher
(http://www.artselect.com/1/1/426-sky-water-framed-print.html)
escritora franco-algeriana Hélene Cixous. “Hélene reconhece em Clarice a voz desconhecida que
não se dirige a ninguém especificamente, mas que fala a todos, à escritura, numa língua estrangeira,
e com uma sonoridade de raízes familiares. Encontrar-se com o outro – uma outra mulher – era
como se estivesse se encontrado consigo mesma”. (XAVIER (Org.), 1995, p. 77)
3. Considerações finais
Como pós-coloniais que somos achamos bastante produtivo o es-
tudo das relações existentes entre a nossa produção literária e o contexto
histórico que lhes serve de apoio. Por conta disso, estudamos alguns tex-
tos teóricos que abordam questões de tais naturezas.
Debruçadas sobre eles observamos que duas têm sido a maneira
de se fazer literatura no Brasil, desde a colonização: uma, ideológica,
voltada para a aceitação da “imposição cultural” (CÂNDIDO, 2009) da
matriz colonizadora ibérica e, outra, contraideológica, que busca desesta-
bilizá-la, “adaptando-a” (CÂNDIDO, 2009) ou desconstruindo-a, a fim
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAKHTIN, Mikhail. Questões de literatura e estética: a teoria do ro-
mance. 4. ed. São Paulo: UNESP, 1998.
BARTHES, Roland. O grau zero da escrita: seguido de novos ensaios
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BARTHES, Roland. O prazer do texto. Trad.: J. Guinsburg. São Paulo:
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BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Trad.: Plínio Dentzien. Rio
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BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo, vol. 1 e 2. 9. ed. Trad.: Sérgio
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BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre lite-
ratura e história da cultura. Trad.: Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Bra-
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BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da
modernidade. Trad.: Carlos Felipe Moisés. São Paulo: Cia. das Letras,
2006.
BLANCHOT, Maurice. O espaço literário. Trad.: Álvaro Cabral. Rio de
Janeiro: Rocco, 1987.
RESUMO
Esta proposta está alicerçada no Projeto de pesquisa “Poéticas da modernidade:
um olhar para a diferença”, em desenvolvimento neste ano de 2016, na UEMG (Uni-
dade de Carangola), sob a orientação de Lídia Maria Nazaré Alves e coordenação de
Alexandre H. C. Bittencourt. O tema deste artigo envolve duas formas de representa-
ções miméticas: uma tradicional, imitativa, outra moderna, produtiva. Pela primeira,
escreve-se o texto legível, buscando-se imediato entendimento do leitor; pela segunda,
escreve-se o texto ilegível, buscando-se a reflexão do leitor que se dará pelo esforço da
compreensão. Durante vários séculos, entendeu-se a literatura, a partir de uma leitura
equivocada de Aristóteles, como representativa da realidade. Sua escrita segue uma
sintaxe rotineira, cujo sentido pode ser encontrado no dicionário, um senão a tal tipo-
logia de escrita é a automatização do pensamento, contribuindo para a formação do
sujeito alienado. As modernidades entenderam que a literatura deveria servir-se de
sua matéria-prima, a palavra, produzindo nova realidade. Neste caso, a sintaxe seria
reorganizada, a fim de que o sentido fosse construído dentro do próprio texto. A sin-
taxe seria utilizada, mas o seu sentido seria fruto da elaboração do escritor. Algo novo,
nascido a partir dos arranjos. Procedimento que promove a desautomatização do pen-
samento, contribuindo para a construção do indivíduo crítico. Este artigo está desen-
volvido em torno de áreas de interesse do estudo da linguagem e da literatura. A op-
ção pela aplicação de conceitos linguísticos e literários à obra de João Guimarães Ro-
sa, justifica-se, porque o referido autor vem atraindo o olhar da crítica e de estudantes
de literatura, desde o surgimento de seus primeiros trabalhos. Consideravelmente,
grande parte dos trabalhos sobre a literatura rosiana volta-se para a peculiaridade de
seu manejo com a língua. Além disso, ecoamos nossa voz do Estado de Minas Gerais,
onde nasceu o escritor e nos sentimos na obrigação de fazer ecoar, ainda que em tom
menor, a notoriedade de tão produtivo escritor. Nesses termos, o exercício de leitura e
escrita articulam-se na área dos estudos da linguagem e da literatura, objetivando-se
adentrar às malhas discursivas da literatura rosiana, a fim de identificar aspectos lin-
guísticos e literários inovadores, que apontam para o caráter dinâmico da língua, co-
mo matéria-prima da arte literária. A pesquisa é de cunho bibliográfico e para a
mesma elegemos Ferdinand de Saussure, Terry Eagleton (1977) Antonio Candido
(2006), com aplicação em diferentes contos do autor.
5. Considerações finais
João Guimarães Rosa, ao desvencilhar-se sua linguagem da fun-
ção puramente proscritiva da gramática, ele assume uma linguagem com
características mais subjetivas, que encanta pelo ineditismo das constru-
ções sem se perder na vaguidão do sentido. Essa concepção de linguagem
é compreendida por Mikhail Bakhtin para além de seus aspectos técni-
cos, morfológicos e sintáticos, tanto que é apreendida como um indicador
de desenvolvimento no nível verbal e não verbal. Nesse aspecto, Bakhtin
enfatiza a centralidade da linguagem na vida do homem, tomando a pala-
vra como o material da linguagem interior e da consciência, além de ser
elemento privilegiado da comunicação na vida cotidiana, que acompanha
toda criação ideológica, estando presente em todos os atos de compreen-
são e interpretação, porque a palavra é também polissêmica e plural, uma
presença viva da história, por conter múltiplos fios ideológicos que a te-
cem. Para Mikhail Bakhtin (1990, p. 137), “[...] o principal objeto do gê-
nero romanesco é a preocupação do escritor com o homem e sua fala. A
originalidade estilística cria-se, assim, através do “homem que fala e sua
palavra”, e mais, para esse gênero “[...] não é a imagem do homem em si
que é a característica, mas justamente a imagem de sua linguagem”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAKHTIN, Mikhail (VOLOCHINOV, Valentin Nikolaevich). Estética
da criação verbal. Trad.: Maria Ermantina Galvão G. Pereira. São Paulo:
Martins Fontes, 1997.
EAGLETON, Terry. Teoria da literatura: uma introdução. Trad.: Wal-
tensir Dutra. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
RESUMO
Esta comunicação busca investigar, nas páginas da Careta (1908-1960) – Revista
Fluminense Ilustrada –, as relações entre poema, artes visuais e gráficas, no período
compreendido entre 1912 e 1914, tendo por base as ilustrações que J. Carlos (1914-
1950) realizou para os sonetos de Olavo Bilac (1865-1918). Partindo da presença mar-
cante do Art Nouveau e do Art Déco, enquanto estilos decorativos aplicados às artes
gráficas, pretende-se colocar em discussão o caráter ornamental atribuído às moldu-
ras que guarnecem os poemas bilaqueanos, por entender que a moldura se articula
aos sonetos para compor um conjunto em que texto e imagem vão interagir em dife-
rentes perspectivas. Assim, a análise do conjunto irá revelar desvios, rivalidades, des-
sincronizações e acréscimos hierarquizantes que colocam sob suspeição a convivência
pacífica entre eles. Ao mesmo tempo, a análise das molduras promoverá um questio-
namento sobre a função que elas desempenham, quando entram em contato com os
sentidos do poema e com o olhar do leitor-espectador.
Palavras-chave: Revista Ilustrada. Poema. Moldura. Art Nouveau.
4. As funções da moldura
Salta ainda aos olhos a função dupla da moldura, pois, ao mesmo
tempo em que demarca a área da ilustração, ela também reveste o poema.
Essa dupla função coloca em evidência que tanto o soneto quanto o con-
junto ilustrativo, a despeito do destaque oferecido pelos recursos gráficos
(caixa e “colchetes”), encaixam-se em decorrência de uma dinâmica que
implica a coordenação de molduras.
No entanto, essa dinamização de molduras não se aplica aos 20
sonetos de Olavo Bilac que foram ilustrados por J. Carlos nas páginas da
revista Careta. O enquadramento de poemas é bem variável, como se
pode perceber através do levantamento do corpus da pesquisa. Por
exemplo, há molduras que não captam o mundo do poema que estão a
ilustrar. São as que investem em motivos geométricos muito empregados
pelo Art Nouveau e que, de fato, criam margens e demarcam os seguintes
sonetos: “Música brasileira”, “Língua portuguesa”, “Rainha de Sabá”.
Nelas, o ilustrador ora brinca simplesmente com os movimentos da linha,
ora recorre à utilização de filetes, vinhetas e motivos florais típicos do es-
tilo Art Nouveau para envolver os sonetos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES, Castro. Espumas flutuantes. Rio de Janeiro: Lacerda, 1997.
BARILLI, Renato. Os estilos na arte: Art Nouveau. 1. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 1991.
BILAC, Olavo. Poesias. Organização e prefácio de Ivan Teixeira. São
Paulo: Martins Fontes, 1996.
CARETA. Rio de Janeiro, ano VI, n. 251, mar. 1912.
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo analisar a personagem Lady Macbeth na peça
Macbeth escrita por William Shakespeare entre 1603 e 1607, a fim de comprovar a hi-
pótese que ela pode ser considerada uma bruxa, e que as quatro personagens, ela e as
três bruxas que aparecem na peça, compõem a exteriorização do lado mal do herói, ou
seja, Macbeth, uma vez que, na peça, o herói e o vilão foram absorvidos pelo mesmo
personagem. Elas formam o que Carl Gustav Jung (2008) denominou de “anima”, o
elemento feminino no inconsciente masculino e uma de suas funções é resolver confli-
tos no inconsciente masculino. Utilizaremos as teorias semiológicas que tratam da re-
tórica e da ideologia para analisar os diálogos entre Macbeth e Lady Macbeth e as in-
terações entre Macbeth e as bruxas para comprovar tal hipótese.
Palavras-Chave: Macbeth. Anima. Retórica. Ideologia.
1. Macbeth
A tragédia mais curta de William Shakespeare, Macbeth conheci-
da como “a tragédia da ambição” devido as ações dos personagens prin-
cipais Macbeth e, sua esposa, Lady Macbeth, foi escrita por volta de
1606, ou seja, já sob o reinado de James I. Na peça há referências à
Conspiração da Pólvora (Cf. BRYSON, 2007, p. 134) e ao julgamento
dos conspiradores no mesmo ano em que foi escrita. Ambientada na Es-
cócia, terra natal de James I, a peça contém elementos sobrenaturais,
bruxas e fantasmas para agradar ao rei, que era especialista em demono-
logia. Também não é coincidência o fato de as bruxas indicarem que os
filhos de Banquo seriam herdeiros do trono, James I era seu herdeiro com
isso concorda Barbara Heliodora (2004).
Para John Kott (2003, p. 97) “Psicologicamente, Macbeth é talvez
a mais profunda das tragédias de Shakespeare”, pois ao espectador é
apresentado um conflito na mente do herói. Nessa tragédia, diferente das
outras, não há a clara divisão bem e mal, protagonista e antagonista, am-
bos são representados pelo mesmo personagem, segundo Harold Jenkins
(2001), essa escolha de William Shakespeare apresenta um problema
21No original wierd sisters. O significado em inglês arcaico de weird está relacionado com fate
(destino) e o significado ligado ao escocês arcaico com destiny (destino) disponível em:
<http://www.oxforddictionaries.com>.
22Banquo usa exatamente essa palavra ao se dirigir as bruxas: “[...] Se o dom tendes ler/ Nas
sementes do tempo e de dizerdes / Qual há de germinar e qual não há de, / Falai-me então a mim,
que nem vos rogo/ Favores nem me temo de vosso ódio". (I.iii, p.25)
4. Anima
Em uma perspectiva jungiana, David A. Leeming, Kathryn
Madden e Stanton Marlan (2008) afirmam que Adão, o primeiro huma-
no, não foi criado com um ser masculino, mas sim, com um ser total,
unindo masculino e feminino. A criação da Eva, representa uma ruptura
na totalidade original, mas que idealmente, a totalidade ainda se encontra
presente na personalidade humana. Já na Idade Média acreditava-se que
todo homem traz dentro de si uma mulher e, a esse elemento feminino
que há nos homens, Carl Gustav Jung (2008) denominou anima, que em
latim significa alma (psique), é uma personalidade que o homem esconde
dos outros e até dele mesmo. A anima é geralmente personificada na
forma de mulheres ligadas às “forças das trevas” e ao “mundo dos espíri-
tos” (o inconsciente).
Anima é a personificação de todas as tendências psicológicas femininas na
psique do homem – os humores e sentimentos instáveis, as intuições proféti-
cas, a receptividade ao irracional, a capacidade de amar, a sensibilidade à na-
tureza e, por fim, mas não menos importante, o relacionamento com o incons-
ciente; (FRANZ, 2008, p. 234-235)
5. Anima em Macbeth
Como a anima é, de acordo com Marie-Louise von Franz (2009),
personificada por mulheres ligadas às forças das trevas e ao mundo dos
espíritos25, as bruxas da peça, que de acordo com Andrew Cecil Bradley
(2009, p. 262) “são velhas, pobres e maltrapilhas, esquálidas e detestá-
veis, cheias de escárnio [...] Nem uma sílaba em Macbeth dá a entender
que sejam algo além de mulheres”, funcionam como tal e Lady Macbeth
que em sua oração (ver anexo A) invoca duas condições não naturais: pa-
rar a circulação sanguínea que a torna mais compassiva do que um ho-
mem, e parar sua menstruação ("visita da natureza"), ela passa a asseme-
lhar-se às bruxas pois segundo A. R. Braunmuller (1997, p. 34, 35, tra-
dução nossa) “mulheres após a menopausa são pretensas a terem barbas,
pelos e mudança na voz”. Basta lembrarmos da fala de Banquo em (I.ii,
p.24) “[...] Mulheres deveis ser, embora vossas barbas me impeçam crer
que sois mulheres”, A. R. Braunmuller (1997) e Sandra Clark e Pamela
Manson (2015) afirmam que as plateias antigas viam Lady Macbeth co-
mo uma bruxa ou como possuída pelo demônio. Na sua primeira apari-
ção na peça, Lady Macbeth entra em cena lendo uma carta que Macbeth
lhe enviara, Marc C. Conner (2013, tradução nossa) afirma que poucas
De acordo com David A. Leeming, Kathryn Madden e Stanton Marlan (2010, p. 274), tradução nos-
23
sa) “O ego é o centro e a parte executiva da personalidade. É a única parte que está em contato com
a realidade, e uma de suas principais tarefas é o teste de realidade”.
24 “No mito grego da deusa Psyche, uma mulher humana torna-se elevado ao status de uma deusa
através de sua relação tumultuada com Eros, o deus do amor. Ela primeiro perde Eros através das
maquinações de sua mãe Afrodite e depois é restaurada para ele através da intervenção de Zeus,
rei dos deuses.[...] Em termos junguianos, o mito chama a atenção para a unidade da anima (o
aspecto feminino da psique) e animus (o aspecto masculino da psique), o hierosgamos (Isto é, a
união sagrada de opostos) na busca do ego para se tornar o Self.” Ibidem. p. 717
25 Quando nos perguntamos por que é que o dom da visão e a arte da adivinhação são atribuídos
especialmente à mulher, pode-se responder que está em geral está mais aberta em relação ao
inconsciente que o homem. Receptividade é uma atitude feminina e exige estar-se aberto e vazio, e
por isso Carl Gustav Jung a qualifica como o maior segredo feminino. Além disso a mentalidade
feminina é menos avessa ao irracional que a consciência racionalmente orientada do homem, que
tem a tendência de negar tudo que não é razoável, e que por esta razão frequentemente se fecha ao
inconsciente. (JUNG, 2006, p.67)
26 O primeiro comando de Lady Macbeth aos espíritos é dividido em quatro reinvidicações: eles
devem dessexua-la, enchê-la de crueldade, espessar seu sangue e não permitir o acesso ao
remorso, outra menção ao número quatro acontece quando Lady Macbeth recebe Duncan em I.vi,
ela diz que o trabalho para recebê-lo foi feito duas e depois redobrado, ou seja, multiplicado por
quatro.
27 Ele ecoa “o belo é feio e o feio é belo” quando diz “um dia assim tão feio e tão bonito/ não vi jamais
(i.iii, p. 24)
28Se não houvesse mais que praticá-lo,/ Seria bem fazê-lo sem delonga./ Se o golpe detivesse em
suas redes/ Todas as consequências, e lograsse/ Triunfar com a morte dele; se o assassínio/ Fosse
aqui tudo e o fim de tudo – aqui, / Nestas praias do tempo, eu arriscaria/ Minha vida futura.
6. Perspectiva semiológica
Trazendo tais conceitos psicanalíticos para uma perspectiva semi-
ológica, entendemos que o significado manifesto e imediato de uma pa-
lavra é o seu significado denotativo e o que a palavra implica a mais que
isso é o seu significado conotativo. “A mensagem (a frase) abre-se a uma
série de conotações que superam em muito o que ela denota” (ECO,
2015, p. 109). Neste estudo adotaremos a dicotomia que faz a distinção
entre mensagens com função referencial e mensagens com função emoti-
va. De acordo com Umberto Eco (2015) a primeira pode ser entendida
como mensagens com função denotativa e a segunda como mensagens
com função conotativa. Aquele que pronuncia com intenção de suscitar
emoções no destinatário
deverá então proteger-se contra as dispersões do campo semântico, orientando
seus ouvintes na direção de que deseja; e, se a frase tivesse um valor rigoro-
samente denotativo, a empresa seria fácil; mas, desde que ele quer justamente
estimular uma resposta indefinida, circunscrita entretanto dentro de certos li-
mites, projetar um feixe de conotações, uma das possíveis soluções será acen-
tuar certa ordem de sugestões, reiterar o estímulo, recorrendo a referências
análogas. (ECO, 2015, p. 109-110)
29 De acordo com David A. Leeming, Kathryn Madden e Stanton Marlan (2010, p. 39, tradução
nossa) "anima / animus (ou "pares de opostos") desempenha o mesmo papel em todas as psiques.
Ele faz a mediação entre o ego e "self" (nome de Carl Gustav Jung para a totalidade da nossa ser,
incluindo tanto elementos conscientes e inconscientes)
Essas características fazem com que Macbeth lhes peça para se-
rem mais explícitas, chamando-as de “faladoras imperfeitas”, de acordo
com Umberto Eco (2015) a informação é associada não à ordem, e sim à
desordem.
Após receber o anúncio que foi condecorado Tane de Cawdor, o
herói começa a divagar sobre a possibilidade de tomar um atalho, ou seja,
matar o rei, para se tornar rei, cumprindo a profecia das bruxas. Em con-
flito consigo mesmo entre matar e não matar Duncan, Macbeth cita três
razões para não or fazer no solilóquio em (I.vii, p. 42-43): o fato de ser
parente e vassalo do rei, de o estar hospedando e por isso deve protegê-lo
e não ele mesmo matá-lo e o fato de Duncan ser um excelente rei. Porém,
o solilóquio é interrompido pela chegada de Lady Macbeth (ver anexo
B). Ao comunicar-lhe que não prosseguiria com o plano, ele muda os
motivos: o rei acaba de condecorá-lo com um novo título, ganhou respei-
to das pessoas e eles devem aproveitar tal acontecimento. Ela então utili-
za a retórica consolatória, pois o plano de matar Duncan já estava na
mente dele como somos informados em (I.iii, p. 29)30, para criar sua
mensagem com função emotiva e assim exercer sua função positiva de
Meu pensamento, onde o assassínio é ainda/ Projeto apenas, move de tal sorte/ A minha simples
30
condição humana,/ Que as faculdades se me paralisam/ E nada existe mais senão aquilo/ Que não
existe.
33No original, ela diz: “ Come to my woman's breasts/ And take my milk for gall” em tradução livre “
venha aos meus seios de mulher/ E transforme meu leite em fel”.
34 Destacamos que quando Macbeth faz a comparação de seus deveres reais com uma criança em
(I.iii, p. 53), Lady Macbeth sequer foi mencionada na peça; e quando a imagem do bebê aparece no
solilóquio de Macbeth, ela não está em cena, entra interrompendo o solilóquio.
9. Considerações finais
Apesar de Harold Jenkins (2001, tradução nossa) apontar que não
há no texto que sugere que Macbeth e sua esposa tenham discutido o as-
sassinato antes do encontro com as Bruxas e considerar especulações so-
bre o assunto irrelevantes, acreditamos que uma leitura psicológica da
peça nos revela que, apesar de não constar no texto, tal hipótese é possí-
vel e, partindo da premissa que o casal é na realidade, um personagem
dividido em duas partes, eles sabem o que está na mente um do outro e,
como demonstramos, Lady Macbeth era entendida como uma bruxa após
fazer sua oração, ela teve uma participação decisiva para as profecias das
bruxas se realizarem.
Esperamos ter demonstrado como a retórica e a ideologia susten-
tam a ideia de que Macbeth e Lady Macbeth são um personagem divido
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Rei Lear, Macbeth. Trad.: Alexandre Feitosa Rosas; revisão de tradução:
Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009.
BRYSON, Bill. Shakespeare, o mundo é um palco: uma biografia. Trad.:
José Rubens Siqueira. São Paulo: Schwarcz, 2007.
CONNER, Marc C. How to read and understand Shakespeare. Virginia:
The Teaching Company, 2013.
ECO, Umberto. A estrutura ausente. Trad.: Pérola de Carvalho. São Pau-
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______. As formas do conteúdo. Trad. e rev.: Pérola de Carvalho. São
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Glison Cezar Cardoso de Souza. São Paulo: Perspectiva, 2014.
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neas. Trad.: Giovanni Cutolo et al. 10. ed. São Paulo: Perspectiva, 2015.
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FREUD, Sigmund. Alguns tipos de caráter encontrados no trabalho psi-
canalítico. Trad.: Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
HELIODORA, Barbara. Reflexões shakespearianas. Rio de Janeiro: La-
cerda, 2004.
______. Falando de Shakespeare. São Paulo: Perspectiva, 2009.
ANEXO B:
Diálogo entre Macbeth e Lady Macbeth (I.vii, p. 44-47)
MACBETH:
Não vamos
Prosseguir nesta trama. O Rei acaba
De distinguir-me, e junto a toda sorte
De pessoas ganhei por esse fato
Alto conceito, que convém gozarmos
No seu lustre recente e não jogá-lo
De lado tão depressa.
LADY MACBETH:
Estava bêbada
Tua anterior esperança? Porventura
Dormiu para depois acordar agora
E olhar pálida e verde, o que fizera
Tão livremente? Desde já me ponho
A duvidar do teu amor. Tens medo
De ser na ação e no valor o mesmo
Que és no desejo? Queres ter aquilo
Que estimas como o ornato da existência,
E te mostras em tua mesma estima
Um covarde, dizendo "Não me atrevo"
Depois de “Quero”, como o obre gato
RESUMO
Esta comunicação propõe uma reflexão a respeito do modo através do qual a se-
xualidade constitui-se como ferramenta de representação de discursos marcados por
vozes e silêncios na poesia de autoria feminina. Nesse sentido, partindo-se dos estudos
de Michel Foucault, em A História da Sexualidade, procuraremos vislumbrar como se
estruturam dispositivos de sexualidade e como a explicitação desse tema aponta para
uma apropriação de espaços pela mulher. A poesia de Angélica Freitas, sobretudo em
Um útero é do tamanho de um punho, constituirá o corpus literário desse percurso de
investigação que salientará questões de gênero revelando elementos que apontem para
uma busca pela desconstrução de papéis culturalmente delimitados e opressores, mas
também para a reafirmação da identidade enquanto processo em tempos de pós-
modernidade.
Palavras-chave: Sexualidade. Gênero. Poesia contemporânea.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES, Branca Moreira; PITANGUY, Jacqueline. O que é feminismo?
São Paulo: Abril Cultural/Brasiliense, 1985.
BARTHES, Roland. Aula. São Paulo: Cultrix, 1978.
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BRANCO, Lúcia Castelo. A traição de Penélope. São Paulo: Annablu-
me, 1994.
______. O que é escrita feminina? São Paulo: Brasiliense, 1991.
FOUCAULT, Michel. A História da Sexualidade, A vontade de saber.
Rio de Janeiro/São Paulo: Paz &Terra, 2014.
FREITAS, Angélica. Um útero é do tamanho de um punho. São Paulo:
Cosac Naify, 2013.
HALL, Stuart. Identidade cultural na pós-modernidade. 5. ed. Rio de Ja-
neiro: DP&A, 2001.
LAURETIS, Teresa de. A tecnologia do gênero. In HOLLANDA, Heloí-
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da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994, p. 206-242.
SOARES, Angélica. A paixão emancipatória: vozes femininas da libera-
ção do erotismo na poesia brasileira. Rio de Janeiro: DIFEL, 1999.
RESUMO
"Tigrela", conto de Lygia Fagundes Telles, apresenta uma narradora que relata o
diálogo entre ela e Romana, uma amiga, ocorrido durante um encontro casual em um
bar. Angustiada e deprimida em função de seus fracassos sentimentais, Romana
confidencia-lhe detalhes de um animal que teria sido adotado por ela, um ser que,
segundo ela, possuiria “dois terços de tigre e um terço de mulher”. Em uma narrativa
que mais insinua do que propriamente revela, vários elementos simbólicos perpassam
a trama, que se situa no pantanoso território do fantástico, como a imagem do ser
híbrido, que tanto sugere a inserção do maravilhoso quanto a metáfora de um
relacionamento homossexual, escamoteado pela condição mágica da fêmea/filhote de
tigre. As circunstâncias acerca da chegada de Tigrela, bem como os hábitos e
características, tanto do suposto animal quanto de Romana, acabam por corroborar a
ambiguidade gerada pelo relato. A partir da análise de aspectos recorrentes no conto
em questão, nosso estudo busca pensar a configuração do fantástico na referida obra
como representação de um feminino subjugado pela cultura patriarcal.
Palavras-chave: Interdito. Camuflagem. Lygia Fagundes Telles. Conto. Tigrela.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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José Olympio, 1998.
CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos.
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ro: José Olímpio, 1971.
FURTADO, Felipe. A construção do fantástico na narrativa. Lisboa:
Horizonte Universitário, 1980.
RESUMO
Este trabalho é a transcrição do manuscrito apresentado no Concurso de Provas e
Títulos para Professor Adjunto de Literatura na Universidade Federal da Bahia
(2013). Revela as falhas e os problemas da crítica literária, mormente no Brasil, pro-
pondo algumas soluções. 1. Problemas gerais: A obra literária vive uma realidade de
pouca leitura. Trocar "Estudos Literários" por "Estudos Culturais" não é uma solu-
ção, mas um impasse da crítica literária. 2. Problemas específicos: A falta de definição
sobre a literatura criou um cânone equivocado, com ensaístas, oradores, jornalistas, e
impediu a necessária revisão ou o capítulo urgente sobre literatura contemporânea. À
crítica no Brasil urge entender o mundo multimídia, desde o teatro clássico até músi-
ca, cinema ou telenovela, a fim de corrigir remendos extemporâneos.
Palavras-chave: Epistemologia. Ciência da literatura. Teoria literária.
RESUMO
A escritora Carson McCullers (1917-1967) nasceu com o nome de Lula Carson
Smith em Columbus, Georgia, nos Estados Unidos. Antes de publicar seu primeiro
romance, The Heart is a Lonely Hunter (1940), traduzido para o português como O
Coração é um Caçador Solitário (2007), Carson McCullers rompeu com outra arte a
que se dedicou: a música. Carson McCullers empenhou-se no aprendizado de piano
com a professora Mary Tucker, mas Mary Tucker precisou mudar-se para a Virgínia
quando seu marido foi transferido do Forte Benning. Ao saber da notícia, Carson
McCullers respondeu que já havia decidido tornar-se escritora e não pianista concer-
tista. (CARR, 2003, p. xiv) A música, no entanto, reaparecerá em suas obras literárias.
Na coletânea The Ballad of the Sad Café and Other Stories (1951), encontramos a aluna
de piano Frances Bienchen, do conto “Wunderkind” e a professora de música Mada-
me Zilensky do conto “Madame Zilensky e o Rei da Finlândia”. Madame Zilensky
passa a vida dedicando-se ao ensino de música e à composição de uma sonata, e Fran-
ces Bienchen desiste da música. As análises aqui propostas serão orientadas pela pers-
pectiva teórica do pensador francês René Girard (1923-2015), criador da teoria mimé-
tica, uma teoria que aborda a mediação entre indivíduos vistos como sujeitos e mode-
los uns dos outros, tema que pode ser encontrado na relação entre professor e aluno
(Wunderkind) e na relação entre professor e chefe de departamento (Madame Zi-
lensky e o Rei da Finlândia). Espelhamentos, sentimentos de admiração, rompimentos
e reconciliações serão discutidos nesta análise.
Palavras-chave:
Carson McCullers. René Girard. Teoria mimética. Música. Literatura.
35 Informações detalhadas sobre o rompimento de Carson McCullers com o estudo de piano podem
ser encontradas na biografia de Carson McCullers escrita Virginia Spencer Carr, intitulada The Lo-
nely Hunter: a biography of Carson McCullers. Georgia: University of Georgia Press, 2003) e na au-
tobiografia de Carson McCullers, intitulada Illumination & Night Glare: the unfinished autobiography
of Carson McCullers. Madison, Winsconsin: The University of Winsconsin Press, 1999, p.12-14.
36João Cezar de Castro Rocha, na introdução de Mentira Romântica e Verdade Romanesca (2009)
esclarece detalhadamente a diferença entre a mediação interna e a mediação externa na seguinte
passagem: “Na mediação externa, o modelo está tão distante do sujeito mimético que o risco do
confronto desaparece: Dom Quixote adota Amadis de Gaula como modelo supremo, mas, salvo
engano, jamais poderá encontrar-se pessoalmente com o lendário cavaleiro. Por isso mesmo, o
confronto aberto não terá vez. Daí, René Girard deriva o corolário: quanto mais externa a mediação,
mais pacífico será o resultado da imitação.
Pelo contrário, na mediação interna o modelo se encontra perigosamente próximo do sujeito
mimético: é seu professor; seu amigo bem-sucedido; seu vizinho, cuja mulher cobiçamos – sim, caro
leitor, é isso mesmo o que quero escrever: cobiçamos: a teoria mimética convida-nos a compreender
o mimetismo em nossas ações cotidianas, em lugar de defini-lo como uma abstração sem vínculos
com o dia-a-dia. Nessa circunstância, o desejo mimético se converte rapidamente em rivalidade e
essa pode originar disputas irreconciliáveis – tema predileto de muitos romancistas. Daí, René Girard
deriva o corolário: quanto mais interna a mediação, mais violento será o resultado da mediação. Na
visão do autor, a análise minuciosa da mediação interna e de seus inúmeros desdobramentos
caracteriza o romance moderno”. (GIRARD, 2009, p. 20)
37 Pedro Sette-Câmara, no texto “Modelo-obstáculo e double bind” observa: “ O termo double bind
vem de Hamlet. No momento em que o rei Claudius deseja rezar, ele admite para si a culpa pelo
assassinato do irmão. Ora, tem um assassino o direito de rezar? Assim, Claudius, dividido entre a
culpa e a vontade de rezar, fica paralisado, e diz-se ”a man to double business bound” (ato III, cena
3), “um homem obrigado a duas tarefas”, que, no caso, excluem-se.” Fonte: Miméticos: um blog
sobre René Girard e a teoria mimética. Disponível em: <http://renegirard.com.br/blog/?p=135>.
Acesso em: 17-08-2016.
Por fim, o narrador revela: “Ela sentiu que sua medula óssea se
esvaziava e não havia mais sangue em seu corpo. O coração, que durante
toda a tarde golpeara contra o peito, de repente estava morto. Ela o via
cinza, murcho e arrepiado nos cantos, como uma ostra”. (MCCULLERS,
1987, p. 91)
Antes da reação final da aluna, o Sr. Bilderbach pede a Frances
que toque O Ferreiro Harmonioso de diversas formas. Primeiro “Toque
com alegria e simplicidade” (MCCULLERS, 1987, p. 91), depois “Vigo-
rosamente” (MCCULLERS, 1987, p. 91) em seguida, “Agora com sim-
plicidade” (MCCULLERS, 1987, p. 91) e “Tudo seguido” (MCCUL-
LERS, 1987, p. 91). Frances está afundando em esgotamento: “Seus lá-
bios tremiam como geleia, lágrimas silenciosas pingaram sobre as teclas
brancas” (MCCULLERS, 1987, p. 91). Finalmente, Frances Bienchen
reage a todo o processo de uma única vez afirmando: “ ‘– Não posso –
ela suspirou. – Não sei por quê, mas simplesmente não posso. Não posso
nunca mais’”. (MCCULLERS, 1987, p. 91)
A jovem pega seu casaco, as luvas e galochas, os livros da escola
e a pasta que ganhara do professor e reúne seus pertences, em um movi-
mento de retomar a si e apropriar-se do que é seu, de sua identidade:
“Tudo o que pertencia a ela na sala silenciosa. Rapidamente, antes que
ele pudesse falar” (MCCULLERS, 1987, p. 91). O parágrafo final de
“Wunderkind” expressa a reação de Frances, que decide cuidar de si e
escapar da rede de críticas e censuras sobre sua performance:
Ao atravessar o vestíbulo, não pode deixar de olhar suas próprias mãos
suspensas no corpo apoiado contra a porta do estúdio, relaxadas e sem ne-
nhum propósito. Bateu a porta com firmeza. Arrastando os livros e a pasta, ela
tropeçou pela escada de pedra, errou o caminho e, quando chegou ofegante lá
38 De acordo com Caio Fernando Abreu, tradutor de A Balada do Café Triste (1993), patisserie, em
francês no original quer dizer “pastelaria”. (MCCULLERS, 1993, p. 108)
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MCCULLERS, Carson. Illumination & Night Glare: the unfinished au-
tobiography of Carson McCullers. Madison, Winsconsin: The University
of Winsconsin Press, 1999, p. 12-14.
RESUMO
Este estudo tem como objetivo apresentar o desenvolvimento da pesquisa compa-
rativa e interdisciplinar (CARVALHAL, 1991) sobre a tradução poética, traçando um
percurso de reflexão sobre essa prática que passa por Walter Benjamin (2001), Ro-
man Jakobson (1988) e Haroldo de Campos (2015 ), de forma pontual e sintética, assi-
nalando neste percurso, principalmente, sua articulação ao texto poético primeiro,
como isso se "dá", ou como se "recria", em uma discussão que aponta para os cami-
nhos da tradução a partir de um sujeito-tradutor (CUNHA, 2016), em uma visada que
introduz, interdisciplinarmente, o pensamento linguístico de Ferdinand de Saussur e
(LEMAIRE, 1988) e psicanalítico da tradução, ou não, de um real pelo discurso do su-
jeito, através de Sigmund Freud (1976) e que é retomado por Jacques Lacan, e, con-
temporaneamente, por Jacques Derrida (REGO, 2006) através da articulação da re-
presentação e da expressão do discurso do sujeito com a letra (BASSOLS, 2015) e seu
real (LACAN, 2003):os possíveis e o impossível da tradução nas referências tangenci-
ais à tradução do real pelo poético, realizada em princípio pelos poetas/ tradutores
Edgar Allan Poe, Fernando Pessoa, James Joyce, Carlos Drummond de Andrade e
Haroldo de Campos.
1. Introdução
Escrever é traduzir. (VALERY, apud CAMPOS,
2015, p. 136)
Porque o poeta se produz por ser (permitam-me tra-
duzir aquele que o demonstra, no caso, meu amigo
Jakobson) ... produz-se por ser devorado pelos ver-
sos (vers) que encontram entre si o seu arranjo, sem
se incomodar, isso é patente, se o poeta sabe disso ou
não. Daí a consistência, em Platão, do ostracismo
com que ele golpeia o poeta em sua República, e da
viva curiosidade que mostra, no Crátilo, por esses
bichinhos que lhe parecem ser as palavras, que se-
guem apenas seus caprichos. (LACAN, 2003, p. 402)
41 Embora com ênfase nas estruturas linguísticas, Haroldo de Campos mantém o isomorfismo que
afirma superposição do eixo metafórico sobre o associativo, na afirmação da "função poética" da lin-
guagem (entenda-se que a "forma", primeira, está suposta).
42A alternância Sim/presença e não/ausência surge ao final do longo poema “A máquina repensada”
em Campos (2004).
Documentário publicado em DVD: ”Um encontro com Lacan”: relato de uma analista da AMP.
44
4. Concluindo?
A "máquina do mundo" camoniana é Deus. Há lugar ainda para o
pensamento de um Real identificado com o divino e com o Mistério di-
vinos da inspiração na criação/tradução (primeiro Walter Benjamin)?
46A busca de saber sobre o real na metáfora de A máquina do mundo repensada (2004) que dialoga
com Dante, Camões e Drummond retoma o tema do infinito de Galáxias (2011), que inicia nos anos
60, mas que introduz na busca do poeta e tradutor o paradoxo do desejo de real na falta de “nexo”: o
nexo, nexo, nexo, nexo, nex...”. Em lugar do infinito mallarmeano (CAMPOS, 1991): “ o azul, azul,
azul”. Por outro lado, encontrar o “nexo” seria afirmar a “Máquina do mundo “: a possibilidade da re-
lação sexual existir.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRADE, Carlos Drummond de. Obras completas. Rio de Janeiro:
Aguillar, 1983.
ANDRADE, Mário de. Poesias completas. Edição crítica da Diléa Zan-
otto Manfio. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Universidade de São
Paulo, 1987.
BASSOLS, Miquel. Retales. Virtualia: Revista digital de la EOL. Dispo-
nível em: <http://virtualia.eol.org.ar/030/template.asp?Retales.html>.
Acesso em 02/07/2016
RESUMO
Este trabalho analisa a obra literária de Mia Couto: O dia em que explodiu Ma-
bata-bata (1986), aonde a identidade cultural de Moçambique é apresentada de forma
lírica, emaranhando a realidade sócio histórica e o místico em um jogo simbólico. Den-
tro desta perspectiva, será realizada uma análise de como a obra literária de Mia Cou-
to se faz presente na abordagem dos textos: “A Literatura e a Vida Social”, de Anto-
nio Candido, e “Quem precisa de identidade?”, de Stuart Hall. No conto, Mia Couto
usa sua criatividade inventiva para transformar a realidade da guerra de Moçambi-
que, que perdurou por quinze anos, em ficção. Os conflitos que fizeram parte da his-
tória de Moçambique marcaram a sociedade com minas terrestres e racismo, mas não
destruiu a força das tradições culturais. Entranhados na memória, na história e no co-
tidiano dos moçambicanos, a guerra e a morte se depararam na tenacidade dos sonhos
por paz e liberdade.
Palavras-chave: Moçambique. Mia Couto. Literatura. Sociedade. Identidade
1. Introdução
Este trabalho está dividido em quatro eixos que abordarão pontos
importantes da identidade moçambicana, o escritor Mia Couto, o conto
comentado e a identidade e a obra literária. Em cada eixo será refletido
sobre as questões culturais e identitárias de Moçambique.
Mia Couto, em sua obra literária, traz para o conhecimento do seu
leitor a realidade da sociedade moçambicana que foi marcada por uma
guerra civil que perdurou por aproximadamente dezesseis anos e está en-
tranhada na memória e história de seu povo.
A construção de um ideal nacional, empenhado com o anticoloni-
alismo, dando enfoque nas temáticas próprias da “nação”, mesmo sem
ainda a tê-la, está incluso nas obras de literaturas africanas de língua por-
50As companhias majestáticas ou privilegiadas eram companhias privadas portadoras de uma carta
de concessão de um governo que lhes conferia o direito a certos privilégios comerciais.
51Esta organização representa a fusão de três movimentos: UDENAMO (União Nacional Democráti-
ca de Moçambique), MANU (Mozambique African National Union) e a UNAMI (União Nacional de
Moçambique Independente).
52 Foi um cientista político estadunidense, professor emérito na Universidade Cornell e irmão do
historiador marxista Perry Anderson.
53Recebeu os prêmios Amalfi (1989, por sua obra Modernidade e Holocausto) e Adorno (1998, pelo
conjunto de sua obra). É professor emérito de sociologia das universidades de Leeds e Varsóvia.
54Foi um dos fundadores e primeiro presidente da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO),
a organização que lutou pela independência de Moçambique do domínio colonial português. O dia
da sua morte, assassinado por uma encomenda-bomba, é celebrado em Moçambique como Dia dos
Heróis Moçambicanos.
55 Sandra Jatahy Pesavento (2006, p. 12) O imaginário encontra sua base de entendimento na ideia
de representação. Neste ponto, as diferentes posturas convergem: o imaginário é sempre um
sistema de representações sobre o mundo que se coloca no lugar da realidade, sem com ela
confundir-se, mas tendo nela o seu referente.
6. Conclusão
Dentro conto de Mia Couto, foi possível conhecer a história mo-
çambicana e como sua identidade cultural foi construída e está em pro-
cesso de construção. A realidade da guerra e da luta marcaram a história
de um povo que vive as cicatrizes dessa realidade histórica.
Mia Couto trouxe para a literatura um contexto social marcado
não só pela guerra, mas pelas relações de poder que integram aquela so-
ciedade, posicionando criticamente nas linhas do seu conto.
A realidade histórica nua e crua transcriada de forma lírica e poé-
tica marcada pelos traços culturais moçambicanos da realidade abordados
com sabedoria proporcionando uma nova visão de pensar o mundo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a
origem e a expansão do nacionalismo. Lisboa: Edições 70, 2005.
BAUMAN, Zygmun. A identidade: Entrevista a Benedetto Vecchi. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.
BHABHA, Homi K. O local da cultura. In: ___. Interrogando a identi-
dade. Belo Horizonte: UFMG, 1998, p. 70-104.
BOSI, Ecléa. Memória e sociedade, lembrança de velhos. São Paulo:
Queluz, 1987.
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo compreender como se tece o diálogo interdis-
ciplinar entre literatura e história, na obra de Aparecida Carina Alves de Souza
(2014) A Menina que Perdeu a Perna, que se constitui em uma publicação da literatura
infantil que tem como tema a história de uma atleta paralímpica. Nessa perspectiva, o
trabalho é organizado no sentido de descrever brevemente a trajetória da deficiência,
desde o paradigma exclusão/segregação, à inclusão social, tendo como referencial teó-
rico: Rosana Andréa R. de Oliveira (2006), Antônia Maria Nakayama (2007), Sabrina
Trica Rocha (2009), Romeu Kazumi Sassaki (2010), Marcos José da Silva Mazzotta
(2011), Tiago Henrique França (2014). O texto inclui uma abordagem sobre as ori-
gens dos jogos paralímpicos com a finalidade de identificar em que contexto se deu a
sua estruturação, e fundamenta-se nos autores: Renato Francisco Rodrigues Marques
et al (2009), Vinícius Denardin Cardoso (2011), Aparecida Carina Alves de Souza
(2013), entre outros. No que concerne especificamente ao enfoque dado por Aparecida
Carina Alves de Souza (2014), são destacados os aspectos que envolvem a questão da
deficiência física, bem como os elementos que permeiam o diálogo entre literatura in-
fantil e a história da deficiência abordada em jogos paralímpicos na elaboração de seu
livro. O suporte para o desenvolvimento desse assunto são os trabalhos de Sandra Ja-
tahy Pesavento (2006), Gerson Donato (2007), e Antonio Candido (2010). Conclui-se o
artigo refletindo sobre a construção do diálogo interdisciplinar na obra de Aparecida
Carina Alves de Souza (2014), entre Literatura e História, bem como a importância de
seu trabalho sobre a questão da deficiência.
Palavras-chave: Literatura. História. Interdisciplinaridade.
Deficiência. Jogos paralímpicos.
1. Introdução
Este trabalho tem por finalidade compreender como se tece o diá-
logo interdisciplinar entre literatura e história, na obra de Aparecida Ca-
rina Alves de Souza (2014) A Menina que Perdeu a Perna, que se consti-
tui em um livro de literatura infantil, tendo como enredo a história de vi-
da de Rosinha, que perdeu a perna devido a um atropelamento. Após o
acidente, a mesma inicia a prática de esporte e torna-se uma atleta para-
59 Sandra Jatahy Pesavento (2006, p. 21) ressalta que “Escritores de literatura não têm este
compromisso com o resgate das marcas de veracidade que funcionam como provas de que algo
deva ter existido. Mas, em princípio, o texto literário precisa, da mesma forma, ser convincente e
articulado, estabelecendo coerência e dando impressão de verdade. Escritores de ficção também
contextualizam seus personagens, ambientes e acontecimentos para que recebam aval do público
leitor”.
60 A partir dessa concepção Gerson Donato (2007), parafraseando A. Bosi, destaca que a literatura, “é um produto (texto) com mensagens que não se
.
esgotam no mero registro de conteúdos objetivos, o que lhes acresce igualmente o peso ideológico. A literatura vai além do objetivo, ela atinge a subjetividade
(BOSI, 1978, apud DONATO, 2007)
61Nesse sentido “os corpos deficientes em suas práticas sociais mostram marcas que, reafirmando
suas histórias – individual e social –, os constituem e reforçam sua deficiência. Porém, nesse mesmo
momento em que contam suas histórias, e na relação com outras pessoas, ressignificam-se. É o
sujeito na relação com outro, que, ao compartilhar seus limites e suas possibilidades, pode
redimensionar as possibilidades e os limites de seu corpo, de seu papel social". (SOUZA, 2013, p.
31)
6. Considerações finais
O presente artigo englobou a trajetória da deficiência em diferen-
tes momentos históricos, marcada pela questão da exclusão/segregação
da pessoa com deficiência. Sendo só a partir do século XIX que começa a
ser estudada com base científica. Todavia, é com a Segunda Guerra
Mundial, que a concepção da deficiência passa por mudanças, é nesse pe-
ríodo que tem origem os jogos paralímpicos. A década de 1990 se consti-
tui em uma época que enfatiza a inclusão social das pessoas com defici-
ência com a criação de várias leis sobre os seus direitos.
Esses aspectos foram abordados com a finalidade de atingir o ob-
jetivo desse artigo que consiste em compreender como se teceu o diálogo
interdisciplinar entre literatura e história na obra de Aparecida Carina
Alves de Souza (2014), posto que a autora parte de uma história de uma
atleta paralímpica, trazendo para literatura infantil essa história, nessa
narrativa estão imbricados outros elementos que fazem parte desse con-
texto: deficiência, o esporte e a inclusão social.
Sua produção literária baseia-se em um determinado tempo, isto é,
o final do século XX e os anos iniciais do XXI, momento em que a con-
cepção da deficiência passa por transformações, há a valorização da prá-
tica de esporte, sobretudo para as pessoas com deficiência. Desta forma,
Aparecida Carina Alves de Souza (2014) cria seu texto fundamentado
nas questões sociais de uma determinada época, através da narração de
uma história verídica, vinculada aos elementos sociais e culturais de uma
temporalidade histórica.
Concluindo, pode-se afirmar que a obra da autora apresenta um
grande enriquecimento para o público infantil, porque possibilita não só
o entretenimento, como também possibilita, dialogar e refletir os aspec-
tos que envolvem a deficiência, rompendo com os estigmas e estereóti-
pos que ainda a permeiam. Permitindo trabalhar com o imaginário das
crianças em relação ao tema.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
SOUZA, Aparecida Carina Alves de. Ressignificação da identidade so-
cial de pessoas com deficiência através da prática de esporte: possibili-
dades e percursos. 2013. Dissertação (de Mestrado Acadêmico em Letras
RESUMO
Uma impressão comum à leitura de O Homem Duplicado (2002) e à assistência de
sua adaptação cinematográfica (2013) é o desconforto, a perturbação, e por vezes a in-
compreensão provocada no receptor das duas produções. O fato de apresentarem
múltiplas interpretações promove em parte dos leitores e/ou espectadores certo grau
de perplexidade a ponto de alguns não conseguirem atribuir sequer uma a interpreta-
ção. Nesse contexto, esse trabalho tem como objetivo analisar como a crise de identi-
dade do(s) protagonista(s) na narrativa fílmica (VILLENEUVE, 2013) e na narrativa
literária (SARAMAGO, 2002) de O Homem Duplicado instaura nos espectadores e lei-
tores certa perturbação a respeito do tema identitário. Para essa proposta, além da
análise da narrativa fílmica como uma transposição midiática (CLÜVER, 2006) da
narrativa de José Saramago, pretendemos refletir sobre esta adaptação como processo
criativo cinematográfico utilizando como referência “Teoria e prática da adaptação”
de Robert Stam (2006) através da análise da linguagem cinematográfica e seus efeitos
de sentido.
Palavras-chave: Intermidialidade. Adaptação cinematográfica. Saramago.
1. Introdução
Segundo nossa hipótese, o romance de José Saramago (2001) O
Homem Duplicado e a reprodução cinematográfica homônima de Denis
Villeneuve (2013) permitem leituras ambíguas. A análise das referidas
narrativas esclarece-nos, no entanto, que a ambiguidade não é um defeito
dos textos, mas sim uma estratégia para provocar desestabilização com o
possível intuito de instigar a reflexão. Nesse sentido, consideramos que
uma leitura produtiva do livro O Homem Duplicado (2002) pode ser fei-
ta, considerando a inquietação do professor de história diante da desco-
berta do duplo como um receio da chegada de sua morte. No mais, con-
sideramos relevante analisar como o transtorno desencadeado no(s) pro-
tagonista(s) da película (2013) está associado ao abalo sobre a consciên-
cia de si desencadeado pela difusão de imagens técnicas.
Atentando ao efeito de receio da morte observado no romance e
no filme, podemos constatar a associação desse desconforto à presença
no filme de aranhas e cenas que fazem alusão a teias. A aranha contém
dentre outras simbologias a referência à figura do feminino e o longo da
5. Considerações finais
Uma definição dupla de adaptação como um produ-
to (transcodificação extensiva e particular) e como um
processo (reinterpretação criativa e intertextualidade pa-
limpséstica) é uma maneira de abordar as várias dimen-
sões do fenômeno mais amplo da adaptação. (HUT-
CHEON, 2013, p. 47)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOURDIEU, Pierre. O ponto de vista do autor. In: ___. As regras da ar-
te: gênese e estrutura do campo literário. Trad.: MACHADO, Maria Lú-
cia. Cia. das Letras: São Paulo, 1996, p. 243-311.
CLÜVER, Claus. Inter textus/Inter artes/Inter media. In: Aletria: Revista
de Estudos de Literatura da Universidade Federa de Minas Gerais. Belo
Horizonte, vol. 14, n. 1, p. 11-41, jul.-dez. 2006.
RESUMO
Johannes Kreisler é o personagem mais famoso dos contos de Ernst Theodor
Amadeus Wilhelm Hoffmann. Maestro, músico e compositor, o Kapellmeister Kreisler
[Maestro Kreisler] sobe ao palco da hoffmanniana de inusitadas maneiras. Seu olhar
crítico, seu temperamento, suas aparições e fantasias povoam as narrativas como um
leitmotiv. Neste ensaio nos propomos a observar algumas estratégias intermidiais do
autor na composição deste curioso personagem, em especial, o uso inovador que Ernst
Theodor Amadeus Wilhelm Hoffmann faz do antigo recurso da écfrase, trazendo-a na
literatura, do território da pintura para a música. Aby Warburg (1866-1929) é o teóri-
co que nos apresenta as Pathosformeln nas artes plásticas, as fórmulas emotivas que
dão intensidade ao páthos. Através das articulações de Barbara Baert (2010) sobre a
Pathosformel do vento, veremos como as fantasias de Ernst Theodor Amadeus Wil-
helm Hoffmann (1776-1822), através da écfrase, se relacionam com as fórmulas war-
burguianas, transformando suas narrativas em literatura metamusical.
Palavras-chave: Contos. Écfrase. Literatura metamusical
62No original: [...] sie sich gar herrlich ausnahm. Die ihr in Gang und Stellung eigene Hoheit und
Grazie zeigte sich noch mehr auf dem Pferde. Sie ließ sich die Chitarra hinausreichen und, die Zügel
um den Arm geschlungen, sang sie stolze spanische Romanzen, volle Akkorde dazu greifend. Ihr
helles seidenes Kleid flatterte, im schimmernden Faltenwurf spielend, und wie in den Tönen kosende
Luftgeister nickten und wehten die weißen Federn auf ihrem Hute. Die ganze Erscheinung war
hochromantisch, ich konnte kein Auge von Teresina wenden [...]. (HOFFMANN, 2004, p. 2764, grifos
nossos).
63 Referimo-nos neste ensaio à definição de écfrase, tanto no sentido mais antigo e abrangente,
como “uma descrição vívida de quase tudo”, segundo Mai Al-Nakib (2005), quanto à écfrase
contemporânea, emancipada da função meramente descritiva, como um “espaço de transferências
interartísticas e intersemióticas”, conforme Carlinda Fragale Pate Nuñez (texto inédito apud
RUTHNER, 2016). Para mais detalhes, remetemos ao 2º capítulo (Cruzando Fronteiras) da
dissertação citada na nota 1.
67No original: The Wind is a natural phenomenon that impacts on all of the body’s senses: it is tactile,
produces sound, carries scents; it is like a cosmic breath that stirs, envelops and penetrates our be-
ings. The wind not only embraces, but can also destroy.
68 No original: - Die Freunde behaupteten, die Natur habe bei seiner Organisation ein neues Rezept
versucht und der Versuch sei mißlungen, indem seinem überreizbaren Gemüte, seiner bis zur
zerstörenden Flamme aufglühenden Phantasie zu wenig Phlegma beigemischt und so das
Gleichgewicht zerstört worden, das dem Künstler durchaus nötig sei, um mit der Welt zu leben und
ihr Werke zu dichten, [...] (HOFFMANN, 2004, p.......)
69No original: [...], Johannes wurde von seinen innern Erscheinungen und Träumen, wie auf einem
ewig wogenden Meer dahin – dorthin getrieben, und er schien vergebens den Port zu suchen, der
ihm endlich die Ruhe und Heiterkeit geben sollte, ohne welche der Künstler nichts zu schaffen
vermag. So kam es denn auch, daß die Freunde es nicht dahin bringen konnten, daß er eine
Komposition aufschrieb oder, wirklich aufgeschrieben, unvernichtet ließ. (HOFFMANN, 2004, p......)
70 Mônica Vermes é professora de história da música na Universidade Federal do Espírito Santo.
71“Kreisler” em alemão é aquele que “kreist”, do verbo “kreisen”, que significa “circular”, “mover-se
em círculos”, ou “gravitar”, em sentido figurado. Alguns exemplos para o uso do verbo: “a terra
gravita em torno do sol” [die Erde kreist um die Sonne], “seus pensamentos giram sempre em torno
dela” (seine Gedanken kreisen ständig um sie), “um avião circula sobre a cidade” [ein Flugzeug kreist
über der Stadt].
75 No original: Ach, Freund! [...]ein düstrer Wolkenschatten geht über mein Leben hin! - Glaubst du
nicht, daß es einer armen unschuldigen Melodie, welche keinen - keinen Platz auf der Erde begehrt,
vergönnt sein dürfte, frei und harmlos durch den weiten Himmelsraum zu ziehen? - Ei, ich möchte nur
gleich auf meinem chinesischen Schlafrock wie auf einem Mephistophelesmantel hinausfahren durch
jenes Fenster dort! - Als harmlose Melodie? fiel der treue Freund lächelnd ein. Oder als basso
ostinato, wenn du lieber willst, erwiderte Kreisler, aber fort muß ich bald auf irgend eine Weise.
(HOFFMANN, 2004, p.1739)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAERT, Barbara. Wild is the Wind: ‘Pathosformel’ and Iconology of a
Quintessence. In: Antwerp Royal Museum Annual, vol. 2000. 2010, p. 9-
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Baert.pdf>. Acesso em: 20-03-2016.
DIDI-HUBERMANN, Georges. A imagem sobrevivente. História da arte
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______. Bewegende Bewegungen. Die Schleier der Ninfa nach Aby
Warburg, in Ikonologie des Zwischenraums. Der Schleier als Medium
und Metapher. Organizado por Johannes Endres, Barbara Wittmann e
Gerhard Wolf. Munique: 2005, p. 331-360, p. 343.
RUTHNER, Simone. A dimensão ecfrástica nos contos de E. T. A.
Hoffmann: um estudo propedêutico para a abordagem de narrativas
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TOMLINSON, Gary. Five Pictures of Pathos. In: ___. Reading the Early
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Philadelphia: PENN, University of Pennsylvannia Press, 2004.
VERMES, Mónica. Crítica e criação – um estudo da Kreisleriana Op. 16
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WARBURG, Aby. Histórias de fantasmas para gente grande: escritos,
esboços e conferências. Organizado por L. Waizbort e traduzido por L.
B. Bárbara. São Paulo: Cia. das Letras, 2015.
RESUMO
Em estudo clássico, Roland Barthes descreveu, com bastante propriedade, a anti-
ga retórica. Depois, estudou “o discurso da história” e “o efeito de real”. Nesses dois
momentos, foi ele que melhor conseguiu estabelecer as relações entre literatura e his-
tória em termos de coordenadas narrativas. Vale dizer: antes de ser uma disciplina
autônoma do saber, a história é um tipo específico de gênero de discurso ou dispositivo
ficcional que deve se adequar a normas pragmáticas e enunciativas. Dessa forma, po-
demos repensar a afirmativa aristotélica entre “o que aconteceu” e o que “poderia ter
acontecido”. É que essa assunção não se fundamenta distintivamente apenas no grau
de aplicabilidade da operação filosófica ou do uso irrestrito da faculdade imaginativa,
porém, ao modo de apropriação do real e às formas de narratividade. De fato, pen-
sando em termos de minhas pesquisas no âmbito do Humanismo/Renascimento, a ta-
refa da historiografia não é de âmbito analítico ou hermenêutico, segundo certa meto-
dologia arquivística, documental ou arqueológica. Trata-se, antes de tudo, de constitu-
ir uma forma heurística a partir de elementos ficcionais (literários, portanto) em que
pese, sobretudo, os juízos éticos e seu funcionamento moralizador. Nesse sentido, como
Roland Barthes sugere, a história só pode ser devidamente interpretada pelo ponto de
vista da ficção. A história como ficção – a construção do passado ficcional na Antigui-
dade Clássica
Palavras-chave: Literatura. História. Antiguidade Clássica. Poética.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AUERBACH, Eric. Fortunata. In: ___. Mimesis. A representação da
realidade na literatura ocidental. São Paulo: Perspectiva, 2002, p. 24-40.
RESUMO
Este presente trabalho pretende trabalhar a importância das variáveis sócio cul-
turais e dos universos simbólicos como pressupostos fundamentais para a formação do
objeto artístico: a linguagem artística narrativa ficcional e escrita íntima. Tendo como
objeto de análise o livro Comer Rezar Amar, de Elizabeth Gilbert pretendemos enten-
der como a narrativa ficcional pode ser autêntica ainda que a narrativa seja constituí-
da por personagens “inventados” também estarão imersos no cotidiano e parte da ex-
periência vivenciada e contada pela protagonista e narradora que é a autora. Tal fato
também possibilita neste livro uma espécie de autobiografia que se faz a partir da es-
crita íntima, já que temos a observação de si mesma (autora) diante da criação e dos
fatos do dia a dia vivenciados e lucubrados pela mesma. Tal livro, também, foi explo-
rado pela indústria cinematográfica favorecendo uma maior acessibilidade do público,
transcendendo o cerco das palavras escritas e entrando no mundo dos personas tea-
trais e de outros tipos de linguagens artísticas que compõem a produção da sétima ar-
te. O fato é que todas as linguagens artísticas são formas de criação, expressão, comu-
nicação dentro da realidade social. Isso significa dizer que estas são construídas por
universos simbólicos e por contexto sócio cultural histórico e traduzidas pelos atores
sociais (autores) em suas diferentes representações e significações costuradas na sua
narrativa. Ou seja, a existência e a formação de diversos universos simbólicos respal-
dam o estudo da linguagem artística em sua realidade social, já que toda arte é condi-
cionada pelo seu tempo e representa a humanidade em consonância com as ideias e
aspirações, as necessidades e esperanças de uma situação histórica particular, assim
como a maneira que se compõem as relações sociais em distintos ciclos que suscitam a
emoção e refletem a subjetividade humana além de um complexo de fatores sócio cul-
turais que são, na verdade, base para a produção da narrativa ficcional, autobiblio-
gráfica e a escrita íntima. Para entendermos tal relação utilizaremos como fundamen-
tação teórica autores como Gilberto Velho, Antonio Candido, Camelo Bonet, Ernest
Fischer, Phillipe Lejeune, Paula Sibília e Eduardo Portella entre outros.
Palavras-chave: Universo simbólico. Narrativa ficcional.
Escrita íntima. Linguagem artística. Relações sociais.
1. Introdução
A arte é o meio indispensável para a união do indivíduo com o to-
do; reflete a infinita capacidade humana de associação, para a circulação
de experiências, sentimentalidades e ideias. Gilberto Velho (1979) afirma
que o desejo do homem de se desenvolver e completar indica que ele é
Por isso Paula Sibília (2008) deixa muito claro que todos estes fa-
tores interferem e determinam a escrita de si. Ainda que seja autobiográ-
fica é uma narrativa ficcional por ser costurada com sua forma e fôrma
imaginativa, criativa e constitui um caminho para a compreensão do su-
jeito na linguagem e a estruturação da própria experiência, observação
vivência como um relato: a escrita intima seja ela escrita, audiovisual ou
multimídia. Em nosso caso específico em Comer Rezar Amar temos a
obra literária, mas também temos o filme, ambos realizando esse dueto
entre autora e leitor (espectador). O que encontramos nestas formas de
linguagem artísticas ao longo do processo de criação narrativo é o trun-
camento da escrita íntima (que acaba relatando alguns fatos acontecidos,
sentimentos, emoções vivenciadas, frustrações e expectativas etc) e da
narrativa ficcional (personas do eu) que traz para o público o sentido de
intimidade, subjetividade, alteridade e ganha uma representação vital pa-
ra a obra: a autenticidade que, por sua vez, só pode ser fornecida pelo lei-
tor já que para existir a comunicação, seja ela qual for, é necessário que
exista o outro, por isso a obra é o vaso comunicante que permite a inter-
locução, a relação dialógica entre a autora e o leitor.
Nunca tive menos planos na vida do que quando cheguei em Bali. Em to-
da minha história de viagens despreocupadas, essa foi a vez em que aterrissei
mais despreocupada em um lugar. Não sei onde vou morar, não sei o que vou
fazer, não sei qual taxa de câmbio, não sei como pegar um táxi no aeroporto.
Ninguém está me esperando chegar. (GILBERT, 2008, p. 223)
5. Conclusão
No que tange a linguagem artística literária, pode se dizer que a
maneira como esta pode ser constituída forma-se as significações, símbo-
los que irão mediar a relação do sujeito com o mundo. São escolhidos
aspectos desse mundo, variáveis socioculturais que fomentam o processo
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BEGER, Peter L.; LUCKMANN, Thomas. A construção social da reali-
dade: tratado de sociologia do conhecimento. Trad.: Floriano de Souza
Fernandes. Petrópolis: Vozes, 1985.
BONET, Camelo. 22. ed. As fontes da criação literária. São Paulo: Mes-
tre Jou, 1970.
SUMÁRIO76
0. Apresentação – ........................................................................... 5
José Pereira da Silva
1. A (re)construção da identidade do sujeito em trânsito ............. 9
Ana Cristina dos Santos e Viviane de Medeiros Macedo
2. A representação do índio na obra Iracema, de José de Alencar 25
Acsa Oliveira Fernandes, Lídia Maria Nazaré Alves, Vanessa Fer-
nandes Dias, Tailane da Silva Santos e Ivete Monteiro de Azevedo
3. A representação do índio na obra O Guarani, de José de Alen-
car ............................................................................................. 40
Vanessa Fernandes Dias, Acsa Oliveira Fernandes, Lídia Maria
Nazaré Alves, Tailane da Silva Santos e Ivete Monteiro de Azevedo
4. A representação do índio na obra O Uraguai, de Basílio da Ga-
ma ............................................................................................. 53
Tailane da Silva Santos, Acsa Oliveira Fernandes, Lídia Maria Na-
zaré Alves, Vanessa Fernandes Dias e Ivete Monteiro de Azevedo
5. As relações afetivas mediadas pelo monstro do ciúme no univer-
so ficcional de Dom Casmurro e São Bernardo ........................ 66
Patrícia Peres Ferreira Nicolini e Analice de Oliveira Martins
6. As relações literário-comerciais de Machado de Assis e sua con-
tribuição para a formação do campo literário no Brasil do sécu-
lo XIX ....................................................................................... 76
Thamires Gonçalves
7. Cruz e Sousa, o poeta “maldito” e “decadente”: analisando o
poeta a partir das obras de Bosi (2012) e Merquior (1979) .... 93
Thaís Nascimento Cunha da Soledade
76O quinze primeiros artigos aqui relacionados foram editados em primeira edição, em agosto de
2016. Os demais, a partir da página 220, foram acrescentados nesta segunda edição.