2018 SANTAELLAArte Cienciae Tecnologia Campo Expansao
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2018 SANTAELLAArte Cienciae Tecnologia Campo Expansao
um campo em expansão
Lucia Santaella
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por ela. Ora, no decorrer de todo o século 20, acentuando-se nestas
primeiras décadas do século 21, o mundo foi sendo cada vez mais
povoado de uma miríade de tecnologias que foram sendo incorpo-
radas às mais diversas atividades da vida social, cultural e aderindo
à nossa vida física e psíquica. A arte, na sua capacidade de apalpar o
futuro no presente, é aquela que, com antecipação, sinaliza as mu-
tações nas paisagens e no chão do mundo que habitamos. Em uma
publicação de 2003, declarei que
[...] a arte, não a arte que se conforta no estabelecido, mas a arte que cria
problemas, tem sido também para mim o território privilegiado para
o exercício da ousadia do pensamento que não teme abraçar sínteses,
fazendo face aos enigmas e desafios do emergencial, um território privi-
legiado, enfim, para dar margem à imaginação que ausculta o presente,
nele pressentindo o futuro. (...) A hipótese que norteou [os capítulos
deste livro] é que, em tempos de mutação, há que ficar perto dos artis-
tas. Pelo simples fato de que, parafraseando Lacan, eles sabem sem saber
que sabem. Semelhante a este, há um dictum de Goethe que vale a pena
mencionar: há um empirismo da sensibilidade que se identifica muito
intimamente com o objeto e assim se torna, propriamente falando, teo-
ria. (SANTAELLA, 2003, p. 27)
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Os avanços da arte tecnológica
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as formas de criação científicas e industriais. De um lado, os meios
de reprodução, tais como Xerox, offset e diapositivos multiplicavam
as possibilidades para a arte experimental. De outro lado, propa-
gava-se o uso de audiovisuais e filmes super-8 e 16 mm, por vezes
registrando ações conceituais que promulgavam a imaterialidade da
arte. Por essa época, a expressão “cinema expandido” marcou o iní-
cio - com forte retomada na atualidade (ver SANTAELLA, 2013a,
p. 147-186; ALMAS e BARAÚNA, 2017) – de uma série de tra-
balhos experimentais que se contradiziam nos seus objetivos, mas
compartilhavam a mesma crítica aos mecanismos padronizados dos
equipamentos cinematográficos. Paralelamente, nos anos 1970-80,
Nam June Paik e outros potencializaram a videoarte e a performance
multimídia, adentrando ainda pelos anos 1990, com as videoinstala-
ções, instalações multimídia e ciberinstalações.
Antes que se desse a explosão da internet e das novas formas de
netarte que ela viria crescentemente instaurar a partir dos anos 1990,
na década anterior, com o surgimento da imagem numérica, isto é,
imagem produzida por computador, a febre da arte computacional
atingiu seu ápice nos experimentos dos artistas com a geração de ima-
gens computacionais e a representação de objetos tridimensionais ani-
mados. Já nessa época, o potencial da arte digital, feita de imagens
processadas computacionalmente, prometia ser ilimitado.
Então, o final da década de 1990 e a primeira metade dos
anos 2000 foram tomados pela explosão das mídias. No con-
texto norte-americano, elas receberam o nome de new media
(novas mídias), ou seja, as emergentes mídias digitais, em opo-
sição a mass media. O livro de Lev Manovich, The language of
new media (1991), infelizmente nunca traduzido para o por-
tuguês, marcou época na discussão que levou a cabo acerca do
entendimento que se tinha na época sobre as novas mídias e
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A potência do digital
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Tudo isso sinaliza que os conceitos existentes já não dão con-
ta do atual estado da arte, com produções artísticas incategorizá-
veis devido à infinidade de materiais, recursos e meios que estão à
disposição para a escolha livre do artista. Apesar das ausências de
fronteiras claras, algumas tendências são detectáveis. No ponto em
que as deixei em 2013b, elas apareciam nos seguintes agrupamentos:
arte computacional e todos os seus derivados; performances e suas
misturas com o digital; vídeo-web-ciberinstalações, telepresença, te-
lerrobótica, teleimersão; realidade virtual, realidade aumentada; arte
móvel.
De todo modo, os avanços que vêm se processando nas tecnolo-
gias cada vez mais finas e inteligentes parecem impedir catalogações
que tenham quaisquer chances de sobreviver no tempo. É em razão
disso que minha defesa relativa à porosidade das bordas em tudo que
diz respeito à arte se estende também para a negação de uma – mais
imposta do que real – separação entre arte contemporânea e arte
digital, uma vez que tal separação é sempre arbitrariamente estabe-
lecida (SANTAELLA, 2016, p. 231-241). Reivindico a inseparabi-
lidade entre ambas, pois manter tais fronteiras só atende a interesses
das mais diversas ordens que contradizem a realidade dos fatos.
Tanto não faz sentido estabelecer nichos de proteção para ter-
ritórios separatistas que, de uns anos para cá, artistas jovens têm rei-
vindicado o que chamam de “arte pós-digital”. Essa expressão foi
lançada já em 2006 por Mark Cousins e Brett Steele como título de
um curso na Architectural Association. Sob tal expressão, a proposta
era “avaliar os êxitos, alcances e promessas da chamada ‘arquitetura
digital’, a quase 20 anos do surgimento de formulações teóricas que
desde distintas perspectivas haviam tentado articular as possibilida-
des oferecidas pelo desenho assistido por computador.” (FRACA-
LOSSI, 2012). Para esse autor, interessa “caracterizar o pós-digital,
A ciência em cena
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de um uso artístico puramente metafórico dos inventos científicos,
pois é na arte e na poesia que a metáfora faz sua morada mais fértil.
Sejam implícitas ou explícitas as alianças entre arte e ciência
mediadas pelas tecnologias aumentam sobremaneira a multiplicida-
de heterogênea das produções artísticas. É em razão disso que
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de avaliação. Um novo campo de atividade crítica precisa ser aberto,
um campo que transcenda as preocupações previamente separatistas
dos historiadores e teóricos da arte, do cinema, fotografia, televisão,
vídeo, imagens e sons gerados computacionalmente. Uma nova teoria
estética precisa emergir, uma teoria estética que transponha sem temor
as fronteiras que a tradição interpôs entre os diversos territórios da arte
e entre a arte e a ciência (SANTAELLA, 2013b).
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Figura 1
Figura 2
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Figura 3 - Mapa de georreferenciamento dos pontos cardiais e das pesquisas de
Data Mining
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Figuras 5, 6, 7 e 8 - Frame dos Pontos Cardeais Norte, Leste, Sul, Oeste do
#EntrancedEarth_Panorama
Notas
[1] <https://screenshots.firefox.com/JGcHCfFWxTnt6864/www.
luizaguimaraes.art.br>
Referências
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BERRY, David M.; DIETER, Michael (orgs.). Postdigital aesthetics. Art,
computation, and design. New York: Palgrave, Macmillan, 2015.
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________. A relevância da arte-ciência na contemporaneidade. In:
ROCHA, C.; MEDEIROS, Maria Beatriz; VENTURELLI,
Suzete (Orgs.). ART Arte e Tecnologia. Modus Operandi
Universal. Brasília, 2012, pp. 103-111. Disponível em: <http://
www.medialab.ufg.br/art/wp-content/uploads/2012/.10/
LivroART.pdf>. Acesso em: 28 dez. 2017.
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