Minelvino
Minelvino
Minelvino
TROVADOR APÓSTOLO
Universidade Estadual de Santa Cruz
SECRETARIA DE EDUCAÇÃO
O SVALDO B ARRETO F ILHO - S ECRETÁRIO
DIRETORA DA EDITUS
RITA VIRGINIA ALVES SANTOS ARGOLLO
Conselho Editorial:
Rita Virginia Alves Santos Argollo – Presidente
Andréa de Azevedo Morégula
André Luiz Rosa Ribeiro
Adriana dos Santos Reis Lemos
Dorival de Freitas
Evandro Sena Freire
Francisco Mendes Costa
José Montival Alencar Júnior
Lurdes Bertol Rocha
Maria Laura de Oliveira Gomes
Marileide dos Santos de Oliveira
Raimunda Alves Moreira de Assis
Roseanne Montargil Rocha
Silvia Maria Santos Carvalho
JORGE DE SOUZA ARAUJO
MINELVINO
TROVADOR APÓSTOLO
Ilhéus - Bahia
2015
Copyright © 2015 by JORGE DE SOUZA ARAUJO
PROJETO GRÁFICO
GERALDO JESUÍNO - UFC
XILOGRAVURAS DA CAPA E MIOLO
MINELVINO
DIAGRAMAÇÃO
ALENCAR JÚNIOR (SUPERVISOR)
FELIPE LAVINSCKY (ESTAGIÁRIO)
REVISÃO
JORGE DE SOUZA ARAUJO
MARIA LUIZA NORA
ISBN: 978-85-7455-358-0
CDD 398.5
EDITORA FILIADA À
SUMÁRIO
Antologia
162
PRIMEIROS MOMENTOS
175
FOLHETOS DE ACONTECIMENTOS
POLÍTICOS E COMOÇÃO POPULAR
209
7
DA ARQUEOLOGIA DO SABER POPULAR AO
CORDEL DE MINELVINO
9
de causos e poetas populares), tudo isso constitui a memória da gen-
te sertaneja expressa na grande cultura e no amor pelo cordel, pela
música dos repentes e sugestões de resistência ao aniquilamento da
literatura e da própria cultura popular no país dos sem-memória.
No sentido referencial do senso comum, o cordel é fenômeno de in-
vejável popularidade e comunicação entre as pessoas simples, fre-
quentadores das feiras aos sábados nos pequenos núcleos urbanos e
pequenas ou médias cidades do interior do país.
Alguns desses herois já foram concebidos e requisitados
pela expressão dita superior da cultura. João Grilo, por exemplo, re-
presenta uma espécie de modelo contraideológico do heroi nordes-
tino desabusado. Figura mítica inicialmente oriunda das páginas do
cordel e estilizada no romanceiro mais elaborado e “erudito”, o Auto
da Compadecida, de Ariano Suassuna, Grilo movimenta uma dinâ-
mica de heroi popular surpreendente na faixa de produção e consu-
mo do cordel, aquela ressurgente que se estende do Pará à Bahia, um
heroi na perspectiva de quem gosta de comer barro, simpático, ágil e
irônico, sutil e picaresco, atado inelutavelmente às figuras humanas
facilmente perceptíveis no nordeste brasileiro.
A imaginação e a metamorfose ontológica caminham pa-
relhas, plenamente adaptadas ao meio onde a imaginação precede
a memória. O trovador popular, antenado com a comunidade que
representa, capta-lhe sinais de comoção e antevisão dos traços so-
ciais, psicológicos e imagísticos, gerados, pressentidos e vivenciados
na mesma comunidade através do imaginário. Por isso é que a comu-
nidade também o será de signos, de que o trovador se torna porta-voz
e talvez seu mais influente intérprete.
Um dos fenômenos principais da perlaboração cordelista
consiste na apreensão fabulosa dos folhetos de mistério e encanta-
mento, sobretudo no tratamento do ciclo punição/culpa/redenção/
expiação presente em temas privilegiando personagens que se meta-
morfoseiam como resultado de suas ações. A metamorfose no cordel
funciona como síndrome de punição e culpa (seres transformados
10
em animais peçonhentos, sombrios, desmoralizados na escala de
animais superiores x inferiores etc.) ou como signo de elevação do
ultrarrealismo, do encantado, fabuloso, maravilhoso, todos com alta
dosagem de fertilização simbólica ou alegórica.
Tal constelação se efetiva na fatura dos poetas populares,
reunindo diferentes matizes das produções escrita e oral (trovadores,
repentistas, violeiros, cantadores, contadores de causos, entre ou-
tros), universalizando um código estilístico respeitado evolutivamen-
te pelas convenções canônicas. É o caso de um Leandro Gomes de
Barros, de um Patativa do Assaré, de um Rodolfo Coelho Cavalcante,
um Zé Limeira, um sem-número de tantos outros nomes de valor
reconhecido, dentre os quais destacamos Minelvino Francisco Silva
(29/11/1924 – 28/11/1998), o “trovador apóstolo”, repórter da alma
popular coletiva, aquele que documenta fatos, ideias, sentimentos,
fantasias, registros de fenômenos políticos, sociais, escatológicos e fic-
cionais sob a forma do relato maravilhoso. As histórias de Minelvino,
herança e fruto remanescentes da utópica voltagem do imaginário
ibérico, são revestidas da fragrância de uma poesia genuína, devolvida
à comunidade popular como relatos de orago, ou intérprete mimético
das expectativas gregárias de sobrevivência anímica. Por isso, de par
com a verossimilhança de sua memória do real, a poesia de Minelvino
desempenha a singularidade da sabedoria popular empreendida com
a liberalização do simples e o espontâneo da fabulação estética.
Minelvino anuncia as coisas do final e do começo do
mundo, mantendo incólume um inspirado universo de belezas in-
suspeitadas. Seus folhetos enunciam uma seriação de histórias de
inquestionável apelo popular, sintonizado com o que acontece no real
da contemporaneidade do autor. Tal condicionamento do simples e
espontâneo ajustados à empatia imediata da aceitação e fiel observân-
cia do código não significa a eliminação restritiva de contatos com o
ambiente acadêmico. O que encanta e sobreleva na produção literária
de Minelvino Francisco Silva é justamente essa expressão legítima da
cultura popular, feita de forma artesanal desde a composição manual
11
(Minelvino utilizava a forma primitiva das tipografias, do componedor
aos tipos e à máquina de impressão não-mecanizada) à criação da
xilogravura para as capas dos folhetos, indo até ao formato de divul-
gação via monofone preso ao pescoço, num serviço de alto-falante
emblematicamente designado como “A Voz da Poesia”.
O acervo de obras de Minelvino Francisco Silva é constitu-
ído de folhetos espelhados na prática convencional entre os demais
cordelistas. Boa parte deles pertence a temas religiosos (católico pra-
ticante, Minelvino era devoto e obreiro do Bom Jesus da Lapa e de ou-
tras referências da hagiografia de influência devocionária portuguesa,
caso de Nossa Senhora das Graças, São Francisco, Santo Antônio e
outros), entremeados com o repertório de desafios entre cantadores,
narrativas épicas de varões e princesas, herois e heroínas típicos do
manancial do conto maravilhoso, histórias de fenômenos e exemplos
morais, relatos inspirados na realidade social e política etc. Para ava-
liar a importância desse gênero de produção, basta lembrar o univer-
so do fantasioso absorvido por criadores como o colombiano Gabriel
García Márquez ou os brasileiros Ariano Suassuna e Dias Gomes, com
suas narrativas adaptadas para a linguagem cinematográfica, teatral
ou televisiva. Dias Gomes ainda exploraria tais temas notadamente
em novelas como Roque Santeiro, Saramandaia e O fim do mundo,
todas reverberando os universos mítico, simbólico e fantasioso carac-
terísticos da literatura de cordel.
A obra de Minelvino Francisco Silva é assim reconhecida na-
cional e internacionalmente, debruçada sobre o que há de mais original
na poética popular brasileira, sobretudo no quanto se apresenta herdei-
ra dos trovadores e menestreis que povoaram imaginários nas cortes
ibéricas, entre os séculos 12 a 16. Alguns dos mais destacados folhetos
minelvinos integram o Salão do Artista Popular da Funarte ou se encon-
tram prestigiosamente antologiados em edições da Fundação Casa de
Rui Barbosa, no Rio de Janeiro (esta que é considerada o maior centro
de documentação de cordel das Américas), e no Dicionário biobiblio-
gráfico dos poetas de cordel do Brasil. Minelvino é ainda objeto de
12
estudos de reconhecidos pesquisadores e especialistas, a exemplo dos
professores Joseph M. Luyten, da USP, e Edilene Matos, da Universidade
Católica do Salvador. Luyten estuda-o em antologia publicada nos anos
80, tendo analisado sua obra na Sorbonne, universidade francesa, aliás,
um centro de referência em estudos da literatura de cordel, criado pelo
professor Raymond Cantel, que dirigiu equipe especializada e organizou
trabalho que ainda hoje permanece, mesmo com a morte do mestre e
idealizador do núcleo. Edilene é responsável pela divulgação dos corde-
listas baianos em sucessivos paineis, seminários e publicações.
Minelvino Francisco Silva justifica o prestígio auferido,
demonstrando um perfeito domínio das técnicas de composição da
literatura de cordel, reunindo o local e o universal fornecidos pelas
sedimentações folclóricas e pelo repertório das lendas, além de um
arcabouço de curiosas armações temáticas e conteudísticas surpreen-
didas pelo intrincado das ações e peripécias, sobretudo para afirmar
o valor dos sentimentos positivos. A curiosidade do ouvinte/leitor é
presenteada e traduzida na exuberância dos assuntos e na sintaxe
formal das narrativas. Marcas sistêmicas da psicologia popular e a
sensibilidade do trovador aos assuntos afetos à sua realidade, que ele
implicita e contextualiza, são predicados da poética de um Minelvino
Francisco Silva marcado por estrita obediência às convenções estilís-
ticas e morais. Por isso transita com desenvoltura pelos mais diversos
assuntos, temas e modelos, manejando com habilidade os riscos da
passagem do arcaico ao moderno e ao cosmopolita. O rádio e a televi-
são não o constrangeram porque entendia serem recursos dialógicos
e intercomplementares ao seu ofício, municiando-o de aspectos te-
máticos e conteudísticos.
Frequentando praticamente todos os ciclos temáticos pre-
dominantes no cordel, do romanceiro popular à sátira de costumes e
à crítica social, dos embates (pelejas, desafios, encontros) ao novelá-
rio de cavalaria, a relação do trovador Minelvino Francisco Silva com a
comunidade representada e subsidiada alimenta-se das repercussões
coletivas, também quanto à voz e ao eco, às projeções, ambientação,
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nichos de exemplaridade moral etc. Nessas oportunidades, o trovador
extrai e destina seus relatos como legado recíproco da comunhão gre-
gária e do imaginário coletivo.
Em síntese, a obra de Minelvino, das mais prolíficas e poli-
mórficas, alcança uma maior imanência, embora com menor brilho,
nos folhetos que tratam de assuntos religiosos. Sua obra, de cerca
de 550 títulos, de histórias as mais diversificadas, ganha corpo nas
impressões autorais acerca das questões envolvendo a identidade ca-
tólica, em que se patenteia a fé unitária nutrida pelo trovador no Deus
dos cristãos. O mais expressivo dessas estrofes místicas versam sobre
milagres, promessas, peregrinações, relacionados emblematicamen-
te com o Bom Jesus da Lapa (a divindade evocando o município ho-
monônimo situado no Estado da Bahia, comunidade do alto sertão à
margem do São Francisco e a 900 quilômetros de Salvador). Dentre
os consagrados por essa obra, fruto da ascese devocional de Minelvi-
no, avulta, claro, o Bom Jesus, seguido de Nossa Senhora das Graças,
Nossa Senhora da Piedade, Nossa Senhora da Soledade, São Cristóvão,
São Sebastião e o tornado santo à revelia do Vaticano, o padre cea-
rense Cícero Romão Batista. Em tudo Minelvino buscará amplificar,
persuasiva, prospectiva e retrospectivamente, a emoção do leitor, ta-
citamente convocado pela diretiva de comoção provocada pelo texto:
14
fundamentação estética, a obra de Minelvino Francisco Silva se afirma
com autonomia no amplo, fértil e versátil panorama da produção de
poesia popular no Brasil.
Eu e Jesus em Belém
Nascemos quase num dia
Ele em Belém da Judéia
Eu em Belém da Bahia
Ele pregava o Evangelho
Enquanto eu prego a poesia.
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misterioso). Na infância, ouvia histórias contadas por pessoas ligadas
ao garimpo. Aos 23 anos, migrou da região de Jacobina, vindo a fixar-
-se em Itabuna, centro do então lendário sul, zona cacaueira da Bahia,
onde chegou a 11 de dezembro de 1948. Vendia miudezas e folhetos
de cordel, sendo os mais comercializados e pedidos O pavão miste-
rioso, de José Camelo, e Zé Pretinho e o Cego Aderaldo, de Firmino
Teixeira do Amaral. Principiou escrevendo para Rodolfo Coelho Caval-
cante, pedindo livros e revelando os primeiros versos. Seu primeiro
folheto, A enxente de Miguel Calmon e o desastre do trem de Água
Branca, foi editado por Rodolfo em setembro de 1949. Desde então
e até à sua morte em 28 de novembro de 1998, Minelvino não parou
mais de publicar. Em carta a Abílio Pacheco, datada de “Itabuna, 11 de
dezembro de 1997”, Minelvino registraria números impressionantes
de sua produção: “até aqui tenho 533 livros de minha autoria, isto
é, de 8 páginas até 64. Tenho 65 poemas, 45 letras musicadas e 120
benditos de romarias”. O poeta salienta que “a idade chegou (em vinte
e nove de novembro, completei 73 janeiros)” e encerra a carta com
típicos versos minelvinos, destacando sua humilde disposição para o
conformismo cristão:
16
de quinhentos, o folheto mais procurado de Minelvino Francisco Silva
acabou sendo João Acaba-Mundo e a Serpente Negra, com 64 pági-
nas, que alcançou a marca de três edições e cerca de 6 mil exemplares
vendidos pelo autor. Passados os direitos de edição à Prelúdio, de São
Paulo, a editora ainda venderia números ainda mais expressivos. Mi-
nelvino pensou, uma vez, em desistir de compor versos, mas, devoto
do Bom Jesus da Lapa, a Ele pediu orientação e, místico, permaneceria
versejando. Sua primeira xilogravura foi feita para ilustrar o folheto As
proezas de Pedro Malasarte, do próprio Minelvino. Seu método de
trabalho começava pelas anotações num caderno escolar ou em papel
pautado. Desde 1955, até parar, Minelvino Francisco Silva compunha
e imprimia suas histórias no fundo de casa na Rua dos Trovadores
(em 1956, por decreto do Prefeito Francisco Ferreira da Silva e voto
da Câmara de Vereadores de Itabuna, documento que Minelvino fazia
questão de exibir). O poeta também se empenhou na organização de
congressos nacionais de trovadores e violeiros, tendo participado de
encontros realizados em Salvador, Recife, Brasília, Fortaleza, Aracaju e
outros, sendo o primeiro (1 a 5 de julho de 1955), o de Salvador, por
ele organizado, junto com Rodolfo Coelho Cavalcante e o sergipano
Manoel d’Almeida Filho. Considerado mestre por seus leitores em pro-
cesso de alfabetização, Minelvino considera que “todos os trovadores
são professores anônimos. Aprendi com a linguagem deles e acho que
somos uma espécie de professores livres”. Católico praticante, leitor
incondicionalmente influenciado pela Bíblia (que leu, no mínimo,
quatro vezes, do Gênesis ao Apocalipse), e devoto declarado do Bom
Jesus e de Nossa Senhora das Graças, Minelvino Francisco Silva não
surpreende com os objetivos que acredita ligados à sua obra, produ-
zida com verdadeiro espírito de missão: “Os meus livros têm três po-
deres: o primeiro, de divertir o povo; o segundo, de instruir os menos
alfabetizados; o terceiro, de dar bom exemplo moral”.
Casado com D. Antonia Pereira Almeida desde 1953, Mi-
nelvino circulava com algumas prendas artísticas também na seara
doméstica. Sua esposa fazia presépios a cada Natal itabunense e, dos
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quatro filhos homens, o mais velho e o mais novo, Antonio e Messias,
seguiriam o trovadorismo do pai. A máquina impressora manual —
cuja marca, de tão antiga, o trovador não mais identificava —, o ser-
viço de alto-falante “A Voz da Poesia”, a rua onde morava, que insistia
em designar Rua dos Trovadores (conforme lei municipal depois des-
figurada por posteriores interesses legislativos), a ausência das datas
das edições, tudo obedecia à convenção do cordel e à originalidade do
trovador. Sua força inventiva se centrava nessa obediência ao lavor dos
folhetos que lhe ensinaram a ler e compreender o mundo em volta
e que ele devolveria na forma de novos folhetos. Suas características
(o lúdico, o mágico, o fabular, o místico) tenderiam à perda de confi-
guração face à relação produção/consumo massificada, sem que isso
significar-se falência na criatividade.
O cordel como ganha-pão começaria para Minelvino Fran-
cisco Silva como curiosidade (em 1949, A enxente de Miguel Cal-
mon). Seus mestres: a trindade Leandro-Athayde-Bernardo, mais
Rodolfo Coelho Cavalcante. O pai, garimpeiro na Serra do Ouro, nas
Lavras, transmitiu-lhe o ofício da mineração. Minelvino vendia miu-
dezas em Juazeiro e lá também foi ambulante de folhetos. A falta
de clichês de ilustração impeliu-o às xilogravuras, que apreendeu
(inicialmente plagiando) do cearense Francisco de Assis Medeiros.
Os insumos sempre caros (papel almaço e tinta, gasolina para lavar
chapas, óleo para lubrificar impressora etc.) só reforçavam a na-
tureza de seu artesanato, expresso na sextilha autossuficiente, que
apenas reflete o ser plural do ofício de Minelvino e por ele assim
testemunhado:
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O poeta encontra óbvia justificativa para os procedimen-
tos e dificuldades de seu ofício. Afinal — segundo acreditava, “quem
ganha dinheiro é quem tem dinheiro” —, com sensibilidade intuiti-
va, interpretava os intrincados mecanismos e leis do mercado. Seus
folhetos mais vendidos (passados depois à Prelúdio, de São Paulo)
— João Acaba Mundo e a Serpente Negra, Encontro de Cancão de
Fogo com Pedro Malasarte e A segunda vida de Cancão de Fogo
— só lhe renderiam a subsistência material imediata, não lhe gran-
jeando qualquer ganho excepcional. Algumas sentenças de Minelvino
são motes de sua preservação como trovador popular, mesmo ante a
ameaça do rádio e da tv: “Quem é do cordel, fica com ele (...) Pior se-
ria se pior fosse (...) A gente não tem novidade todo dia”. As sentenças
parodiam e se paralelizam às dificuldades, o que fez os folhetos dimi-
nuírem de tamanho e número de páginas. Na Bahia, Minelvino des-
tacava trovadores como Rodolfo Coelho Cavalcante, João Damasceno
Nobre (de Ilhéus), Erotildes Miranda (de Feira de Santana) e violeiros
como Dadinho e Caboclinho, de Feira de Santana, e o grapiúna Azulão
Baiano. No Brasil, consagrava como rei do cordel o sergipano Manoel
d’Almeida Filho.
Sobre um possível perfil de seu ser leitor, Minelvino obser-
va dessa forma a natural preferência do público, concluindo pelo gos-
to maior incidindo nas histórias de fantasia: “Caso verídico, a não ser
acontecimentos assim da hora, o povo não dá muito valor. As pessoas
gostam de coisa que não existe, que aí, para elas, é novidade”.
O que justifica chamarem Minelvino Francisco Silva de
trovador-apóstolo era, de par com a farta cordialidade no trato pes-
soal e sua devoção de católico praticante, a mansidão de caráter e
a produção de folhetos a serviço da solidariedade cristã. Por todo o
tempo, Minelvino manteria ativa correspondência com seus pares
cordelistas. Além do mais regular deles, Rodolfo Coelho Cavalcante
(Salvador), Manoel d’Almeida Filho (Aracaju), João Ferreira da Silva
(Feira de Santana), Apolônio Alves dos Santos (Campina Grande e Rio
de Janeiro), Cícero Pedro de Assis (São Paulo), Abílio Ribeiro Silva
19
(Goiânia) e alguns outros. João Martins de Athayde (1880 – 1959),
José Bernardo da Silva (1901 – 1972) e Rodolfo Coelho Cavalcante
(1919 – 1986) foram os colegas mortos mais pranteados por Minel-
vino Francisco Silva, que, com sincera intensidade e presteza como-
vente, salientava o que essas perdas significaram para o cordel. Nessa
linha elegíaca, Minelvino estava sempre lastimando (e homenagean-
do) os trovadores falecidos, bem como artistas populares como os
cantores e comediantes Gordurinha, Barnabé e Coronel Ludugero. A
morte deles era objeto de ode trovadoresca, a exemplo da expressão
emocional quando da morte de Sebastião Nunes Batista, Rodolfo Coe-
lho Cavalcante, o violeiro Bentivi Neto, João Martins de Athayde e José
Bernardo da Silva.
Minelvino fazia questão de reconhecer a precedência de
José Cavalcante Dila na arte de composição da xilogravura, e o fes-
tejava como senhor absoluto do ofício. A xilo cumpre uma espécie
de intertexto com a literatura e torna evidente uma ampliação de Mi-
nelvino, que evolui de garimpeiro de pedras preciosas em Jacobina
para garimpeiro de imagens, ritmos, sonoridades e palavras da poesia
popular. Boa parte de sua produção xilográfica tem uma expressão
dramática (possível alusão a alguma dor inconsciente) sem que se
encontre para isso uma justificativa racional.
Na década de 80, entre os anos de 1983 a 1989, Minelvino
participou do programa radiofônico De fazenda em fazenda, dirigi-
do por Odilon Pinto, na Rádio Jornal de Itabuna. Contava anedotas
e respondia a poemas, trovas e motes dos ouvintes, tornando bem
mais ilustrado o programa, que teve algumas edições particularmente
notáveis, sobretudo pela variedade, substância imagética e graça das
trovas minelvinas:
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Eu queria ser teu talco
O teu ruge, o teu batom
Pra viver na tua boca
Mariza como era bom!
Se eu me casar contigo
Eu trato muito de tu
Vou te dar carne de cobra
Toucinho de surucucu
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Mota), o que não deixa de constituir-se em raridade bizarra. O amor,
como sempre, a tudo suplanta, sublimando os inumeráveis obstá-
culos descritos com detalhes e entrechos cabulosos. Atuando tam-
bém como editor, Minelvino Francisco Silva deixou em seu espólio
inéditos de seu filho Antonio Francisco (As bravuras e morte de
Lampião), Gerson Araújo de Lucena (Peleja de Gerson Araújo de
Lucena com Minelvino Francisco Silva) e Elviro Brito (A discussão
de um católico com um ateu).
Entre os dispersos do acervo publicado que integra em
espólio, um folheto seguramente não pertence ao trovador-apósto-
lo, O amor de Nelson e Léo, sem indicação de autoria, nem na capa,
nem internamente. A assinatura aparentemente definitiva (verso fi-
nal do folheto) parece ser a que ostenta a identidade — Me chamo
Nelson Oliveira (p. 8) — presumivelmente o que Assina Nelson
Oliveira/O vulgo Nelson da Luz, cantado no folheto A chegada de
Nelson Oliveira no Salto da Divisa, aludindo a um amigo de Mi-
nelvino, vivendo em Minas Gerais, onde teria feito carreira como
eletricista e trovador. Do pouco material promocional que assinou,
Minelvino parece destacar o folheto d’A Empresa Trans-União a
serviço de Ibicaraí, distribuído gratuitamente pela companhia. E,
no meio de seus papeis, o trovador guardava com carinho os Estatu-
tos da Ordem Brasileira dos Poetas da Literatura de Cordel, fundada
em 6 de novembro de 1976.
Minelvino Francisco Silva deixou pronto um livro inédito,
que intitulou Trovadores e violeiros, em que desenvolve circunstan-
ciado percurso de sua trajetória existencial e poética, com descrição
e relato de passagens pitorescas de sua biografia. O livro começa
com um capítulo autobiográfico e se encerra com um romance
de cordel em 45 laudas datilografadas, com 7 estrofes de sextilhas
heptassilábicas por lauda. O intimismo autoral deixa fluírem me-
mórias escapistas graças ao reconhecido penhor lírico de Minelvino
encontrando-se no épico de folhetos representativos de um agudo
período da vida prática, refletindo os começos de aprendizagem e
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alfabetização do poeta popular: “Fui roceiro e garimpeiro/trabalhei
por noite e dia/e hoje sou um troveiro/cantando glória a Bahia”
(Fl. 102). Relata ainda os encontros com Vavá dos Oito Baixos (de
Gandu), o casamento dos filhos, o nascimento dos netos, todos os
episódios impressos em versos. Em ligeira incursão pela teoria, Mi-
nelvino assim se manifesta: “Poesia não é trova, nem metrificação
e nem português profundo. Poesia é beleza” (fl. 89). Fundindo sua
memória com a de outros cordelistas, revela traços curiosos de al-
guns desafios e repentes. O poeta filosofa — “Quando Deus tira os
dentes, enlarguece a garganta” (p. 84) — enquanto o livro ressalta
as mágoas e dificuldades do trovador brasileiro, sem qualquer apoio
institucional ou direitos, sem repercussão para seu trabalho, e seu
ofício sem recompensa nem reconhecimento, nem sequer legislação
para uma aposentadoria digna. Minelvino documenta em ode sua
gratidão à cidade que o acolheu, Itabuna, e a todo o sul da Bahia.
Sobre seu poetar, declina a natureza singela da matéria lírica como
expressão natural e espontânea: “Canto o que sinto em meu cora-
ção/desalojando todo sofrimento”.
Com Trovadores e violeiros, Minelvino Francisco Silva
assinala também as distintas marcas estilísticas e o talento de trova-
dores, repentistas e violeiros, entre eles incluindo-se e incluindo di-
vertidas memórias a propósito dos diferentes encontros com artistas
populares (alguns anônimos, outros festejados como Antonio Mari-
nho, Severino Pinto, Heleno Pinto, Manoel d’Almeida Filho, Rodolfo
Coelho Cavalcante e outros). O trovador-apóstolo (título precisamen-
te conferido em 24 de agosto de 1977, em Fortaleza, por ocasião de
um Congresso Nacional de Trovadores e Violeiros) nomeia outros
notáveis (João Bandeira, José Francisco, Sebastião Nunes Batista, Zé
Maria, Benone), destacando ainda gêneros provenientes de cantoria
como o galope à beira mar. Minelvino esclarece sua concepção acerca
da origem da literatura de cordel, aprofundando a natureza peda-
gógica de seu ofício, tudo versado em linguagem espontânea, sem
qualquer apuro gramatical: “muitas vezes as coisas mais simples
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deste mundo é as que a gente não sabe” (Fl. 15). O capítulo III de
Trovadores e violeiros reserva homenagens a ilustres representan-
tes da poesia popular: Vida trabalho e morte de Rodolfo Coelho Ca-
valcante, com citações de João Martins de Athayde, Leandro Gomes
de Barros, Manoel d’Almeida Filho, José Pacheco da Rocha, conside-
rado por Minelvino como “o rei do gracejo” e autor d’A chegada de
Lampião no Inferno. A morte de Rodolfo é compensada por odes e
elegias de Minelvino Francisco Silva, Antonio Ribeiro da Conceição
(o Bule Bule), João Crispim (de Feira de Santana) e cordelistas de
outros lugares do Brasil.
O capítulo IV do livro inédito centraliza-se no ano de 1936,
quando a família do pai de Minelvino se encontra em Rio da Cuia, Ja-
cobina. É relato de curiosidade da vida do trovador. O capítulo V, 1957,
escancara experiências sofrias pelo autor popular com a Prelúdio, que
edita livros de cordel em São Paulo, comprando dos autores os direi-
tos de publicação e vendagem, numa relação pouco edificante do em-
bate capital e trabalho, lucro e usurpação. Para escapar às sucessivas
lutas e canseiras do ofício, Minelvino esquipa um poema Matando a
precisão, em que se esquiva em trechos extraordinários, a exemplo
dos decassílabos “Numa luta tremenda encarniçada/Pensei logo: Esta
fera me devora/Em um ônibus cheguei de madrugada/Com a família
entrei nela e caí fora (...) Alcancei a cidade de Itabuna/Fiz trincheira
da velha inspiração/Disparei contra ela uma ruína/Acabou-se a mal-
vada precisão” (Fl. 41).
A cada lance biobibliográfico, que Minelvino Francisco
Silva ilustra em quadros de sua passagem por lugares e situações,
o registro se faz em versos, com anotações pitorescas de pessoas,
encontros e desencontros, viagens para ver os filhos, percursos tu-
rísticos, tudo sob o crivo de odes devocionárias dedicadas aos ideais
positivos, aos homens justos e a Deus. Minelvino, contudo, não se
desapega do bom humor e da malícia estimuladora da inteligência.
Num só poema, Coincidência e Misericórdia, fala de seu nasci-
mento em Belém de Mundo Novo, em 1924, homenageia a esposa
24
Antonia e decreta versos de inspiração cristã e ascética, louvando a
Virgem e a história de Jesus Cristo. Sobre o tema da Mulher, radica-
liza com despistamento gracioso: “Eu não gosto de mulher/porque
mulher me atrasa/juntem todas as mulheres/pretas, brancas, cor
de brasas/joguem tudo nas profundas/quer dizer, da minha casa”
(Fl. 76).
Alguns trechos de Trovadores e violeiros merecem noto-
riedade de registro por sua singularidade estilística e memorial, pon-
tificando a linguagem do autor e sua percepção de vida e superação
identitária:
25
Perguntou ele:
— Mais ou menos em que mes?
Eu respondi:
— Se eu não sei o ano, quanto mais o mes.
Ele disse:
— Então vamos dizer que foi em 20 de setembro de 1926.
Eu concordei.
Disse ele:
— Em que lugar você nasceu?
Eu respondi:
— Em uma fazenda denominada Olhos D’Agua de Belém,
próximo ao arraial do Palmeiral, município de Mundo Novo
no estado da Bahia.
Ele escreveu esta xaropada toda e me mandou levar no car-
tório para o tabelião assinar.
Cheguei no cartório entreguei ao tabelião toda aquela pape-
lada, que olhou e me perguntou:
— É o senhor Minelvino Francisco Silva?
— Sim senhor, — respondi.
Ele respondeu:
— Mas o nome não é Minelvino e sim Minervino.
Citei a mesma explicação do professor. O tabelião pensou
um pouco e disse:
— Em todo caso vou assinar, mas o juiz não vai aceitar.
Assinou a papelada, me entregou e disse:
— Leve para o juiz.
Eu segui viagem. Cheguei no Fórum disse:
— Bom dia doutor, é o senhor que é o juiz?
Ele respondeu:
— Sim senhor, o que deseja?
Eu disse:
— Eu vim trazer estes papéis que o tabelião mandou.
Ele pegando os papéis me perguntou:
26
— É o senhor Minelvino Francisco Silva?
— Sim senhor, — respondi.
Ele assinou os papéis e disse:
— Pronto, está entregue.
Com a assinatura do juiz fui registrado, tirei o título eleito-
ral, identidade, etc.
Até hoje existe discussão sobre o meu nome, uns dizem
que está errado, outros dizem que está certo.
Eu, por exemplo, aceitei de todo meu coração, Minelvino,
pois Minervino vem de Minerva que é a deusa das artes e
das ciências na mitologia, coisa que não existe verdadei-
ramente, portanto, me alegro com o nome de Minelvino,
sendo o meu santo protetor, São Francisco.
27
meu certificado e ainda dos meus irmãos e fiquei sabendo
a data do meu nascimento, que foi em 29 de novembro
de 1924.
28
para cá/Pouco livro tenho escrito,/A velhice está chegando/Não posso
vender no grito,/Já quase deixei o cordel/Só faço agora meu bendito”
(Cit., 37). O católico praticante prenuncia tempos indivisos: “Daqui
pra frente eu não sei/O que vai acontecer”. No entanto, com a certeza
e a confiança em suas divindades protetoras, reorienta horizontes de
prática literária, reconhecendo, quanto à feitura dos folhetos: “Que-
ro morrer junto a eles/Quando chegar este dia”.
E proclamaria em versos o coroamento de seus dias desde
o nascimento (29 de novembro de 1924) —
29
Adeus, mundo de meu Deus
Agora te deixarei,
Vou descansar no outro mundo,
Que aqui muito trabalhei
Na ressurreição dos mortos
Eu também ressurgirei.
(Itabuna, 17 de novembro de 1980)
32
Dormir em colchão de mola Tomar um banho de manhã
Um sanduiche com queijo Caridade, amor e paz
Quando o queijo é sertanejo, Uzar produtos São Braz,
O baião duma viola, Uva pêra e maçã,
E ver Pelé jogar bola, Feijão verde e ribaçã
A artista que vem de fora Tomar um guaraná dora
Um menino que não chora Relógio que dá certo a hora
Dormir um sono tranquilo Estudar o Rio Nilo
Versos de Manoel Camilo Versos de Manoel Camilo
Um discurso de Asfora Um discurso de Asfora
33
Zé Pacheco e Canhotinho,
Sebastião Bernardino,
João Severo e Hugolino
Zé Duda, Antonio Marinho
Foram no mesmo caminho
Milanês na sua reta
A morte com sua seta
Jogou num só labirinto
A maior dor que eu sinto
É quando morre um poeta
34
temática e estilística é repercussiva do observado e sentido. Por isso,
o discurso desse gênero de poesia popular está menos para a reflexão
intelectiva de apreensão dos mundos e mais para a expansão mime-
tizadora, rústica, primitiva, de sentimentos e ideias experimentados
individual e coletivamente. No caso de Minelvino Francisco Silva tudo
parece confluir para o exercício reformador da experiência de cris-
tianização universal, sendo essa resolução pautada pelos conteúdos
católicos de reforço místico e ascético, coligados de dignidade estoica
na renúncia aos apelos e tentações do Pecado, especialmente o peca-
do da Soberba.
Os folhetos de cordel recebem indistintamente uma variada
classificação e nomenclatura. São vulgarmente reconhecidos e identi-
ficados como “livrinhos de feira”, “obra”, “abc”, “folheto”, “roman-
ce” etc. Do ponto de vista formal, a convenção estabeleceu categorias
que facilitam, num certo sentido, o reconhecimento identitário dos
folhetos. Em linhas gerais, os de 8 a 16 páginas seriam considerados
“folhetos”, ficando para os “romances” a aplicação dos livrinhos mais
alentados, de 24, 32, 48 e até 64 páginas. O alto custo de produção
e a pouca receptividade de retorno financeiro terminariam por invia-
bilizar os “romances”, estabelecendo-se, a partir daí, uma absoluta
priorização dos assuntos, enquanto o formalismo técnico e mercado-
lógico imporia a impressão dos livrinhos de 8 (na enorme maioria),
ou 16 páginas, no máximo.
Estudando a Classificação popular da literatura de cordel
(Petrópolis, RJ: Vozes, 1976), Liêdo M. de Souza, com a responsabi-
lidade de quem entrevistou 60 trovadores (Minelvino Francisco Silva
incluído), capitaliza a análise de 23 folhetos, notabilizando-os com a
seguinte lista de categorias: Folhetos de Conselhos, Eras, Santidade,
Corrupção, Cachorrada ou Descaração, Profecias, Gracejo, Aconteci-
dos, Carestia, Exemplos, Fenômenos, Discussão, Pelejas, Bravuras ou
Valentia, ABC, Padre Cícero, Frei Damião, Lampião, Antonio Silvino,
Getúlio, Política, Safadeza ou Putaria e Propaganda; Romances de
Amor, Sofrimento, Luta e Príncipes, Fadas e Reinos Encantados.
35
Na forma da síntese, Ariano Suassuna (na apresentação
que faz ao livro de Liêdo) sugere a classificação dos folhetos segundo
os ciclos heroico; satírico, cômico e picaresco; o de amor; o religioso e
de moralidades; o do maravilhoso; e o histórico e circunstancial, além
daqueles expurgados da convenção, os folhetos considerados de safa-
deza e putaria. Em quase cinquenta anos de atividade (1949-1998),
Minelvino Francisco Silva produziu o equivalente a 533 folhetos, mé-
dia de 10,5 por ano, quase um por mês. Suas influências declaradas
vão da Estória do cachorro dos mortos, de Leandro Gomes de Barros,
às Proezas de João Grilo e a Peleja do Cego Aderaldo com Zé Preti-
nho do Tucum, de João Martins de Athayde, além de outros de Manoel
Camilo dos Santos, Rodolfo Coelho Cavalcante e demais mestres reco-
nhecidos no gênero. Notam-se na obra minelvina algumas referências
de inclusão temática ou formal, especialmente A grande peleja de
Ivanildo Vila Nova com Manoel Camilo dos Santos, a Viagem a
São Saruê, do mesmo Manoel Camilo, a Peleja de João Athayde com
Raimundo Pelado do Sul etc. Os folhetos de Minelvino percorrem o
imaginário temático já identificado e convencional aos trovadores e
poderiam ser assim classificados em ciclos:
36
direitos de publicação) indica a gama de diversificação de gêneros pra-
ticados pelo trovador atento sempre aos ecos dos grandes autores, das
expectativas e comoções populares sobre flagrantes de acontecimentos
físicos, naturais, sociais, políticos, sobrenaturais. O estudo dessas obras
aponta para a classificação de um modelo de cordel antenado com os
universos mitológico e simbólico divisados pelo autor. Por isso avul-
tam folhetos de casos, ideias e fenômenos; costumes sociais, incluindo
os bizarros, envolvendo homens e mulheres; mistério, encantamento,
fantasia; exemplaridade moral, histórias de proveito e exemplo; fatos,
acontecimentos históricos, políticos, incluindo aspectos da comoção
popular; folhetos satíricos, humorísticos, alegóricos; e de pelejas, desa-
fios, debates e encontros.
Boa parte dos títulos de Minelvino antecipa os assuntos (ou
conteúdos) tratados nos folhetos. Aliás, assunto é o melhor termo apli-
cado às histórias de cordel, pois comum ao gênero e a muitos de seus
praticantes, diferente de tema, que envolve maior personalidade auto-
ral ou de originalidade. Uns poucos folhetos de MFS causam espécie
por sua matéria de escândalo e constrangimento, a exemplo d’ O pai
que vendeu a filha por 50 cruzeiros novos, retratando fato verídico
relatado ao poeta em 1967, tendo como infeliz protagonista um an-
cião, de 84 anos, numa localidade próxima a Porto Seguro, que com-
prou uma menina de 7, com ela pretendendo manter relações sexuais.
Outros títulos surpreendem pelo ineditismo. A queixa de
um urubu bahiano na presidência da República manifesta os pro-
testos do urubu, representando sua classe, que estaria passando fome
em consequência do consumo humano de carne de jumento e égua.
A velha que bateu num soldado recruta em Nova Canaan reage ao
absurdo da proibição de vender folhetos de cordel na feira. E O rapaz
que se apaixonou por outro, por força de Bruxaria, definitivamente
é matéria insólita no tratamento temático da narrativa em versos.
Os títulos obedecem à convenção popularesca do apelo
gráfico. Minelvino tem na xilogravura uma extensão do texto, com-
plementar ao título e ao conteúdo. Os versos e as estrofes também
37
seguem a lógica interna da literatura de cordel, reproduzindo massiva-
mente a herança medieval das sextilhas heptassilábicas e eventualmente
o uso de sétimas, décimas, o verso decassílabo, o martelo agalopado, os
motes e glosas etc. A estrofe de abertura invoca e cultua musas pagãs ou
cristãs, o conceito de heroi positivo é francamente aderente à perspectiva
da tradição. O conteúdo é armado com obediência à lógica do princípio,
desenvolvimento e conclusão. Avultam ainda o implícito conhecimento
histórico ou bíblico do autor, uma eventual e rarefeita erudição, noções
subversivas de geografia, cristalização da crença religiosa universal, ca-
tólica, apostólica, romana, com conceitos e preconceitos acionados pela
filosofia moral, pela ética do amor triunfante, tudo aderindo aos aspec-
tos de uma elementar psicologia humana. Concorrem para esse ideário
as viagens, as impressões ideológicas, políticas e morais, a análise dos
fenômenos sociais como consequentes do desaparelhamento da ética
religiosa e, mais aparentes ainda, os tabus, as crenças, as fantasias ex-
purgatórias e jaculatórias moralistas, envolvendo até acontecimentos
extemporâneos e personalidades ilustres. As impressões autorais, sub-
metidas a uma rigorosa concepção de teologia dogmática, acompanham
a iniciativa, produção e movimentação das histórias dos folhetos, alcan-
çando mesmo as narrativas fantásticas ou as trajetórias sentimentais,
tudo submetido ao crivo absolutista do credo católico.
Frequente em MFS será a reunião de dois folhetos num só,
estando nesse caso O papa do diabo que apareceu no Estado de Ser-
gipe, publicado junto a outro incorporado pelo poeta, a História do
sai não sai do bairro Nova Brasília em Bom Jesus da Lapa, que
transcreve a crítica do trovador à política habitacional brasileira: “Uma
casa popular/Custa cento e vinte mil/Uma sala e uma conzinha/Menor
do que um barril/Um banheiro do tamanho/Da entrada de um funil”
(Cit., 4). Na grade de fenômenos não incidentalmente morais ou reli-
giosos, O preguiçoso que se virou cachorro a fim de não trabalhar
encena a metamorfose e graça do sujeito submetido a toda sorte de
humilhações para escapar ao trabalho. Data do folheto: “Itabuna, 1º
de maio de 1979”, Dia do Trabalhador. Em A prizão de dois tarados
38
ou Os monstros papa-creança, MFS identifica Jupará como um des-
ses monstros, diferente da interpretação de José Dantas de Andrade (o
Dantinhas), que lhe atribuía outro perfil, igualmente assombroso: o de
carregador de caixões de defunto... Em outro folheto com título seme-
lhante (sendo agora apenas um tarado e um monstro), MFS assume
raro papel acusador, parecendo até instrução e libelo do promotor de
justiça em peça de acusação. O narrador chega a incitar ao linchamen-
to, ao apedrejamento e à morte sumária do acusado.
Os folhetos de feitio maravilhoso culminam por relatos em
que predominam o ilusório e o encantamento, espelhados em mol-
des da cultura do fantástico. Os de expressão sentimental reverberam
o neoplatonismo e o fervor lírico dos idílios do amor triunfante, que
supera todas as adversidades. Os míticos-religiosos salientam o deter-
minismo cristão, o rigor da exemplaridade moral apostólica e apoca-
líptica, o absolutismo da crença católica, a vida dos santos, o curial
místico e a certeza ascética. Os de acontecimentos, fatos e imagens
virtuais são produzidos com a intencionalidade de provocar traços
repercussivos de ordem racional, reflexiva ante os desastres, obedien-
tes ao ciclo dos grandes fenômenos causados por Cheia/Enchente/
Inundação ou Seca/Fome/Insolação. O premeditarismo determina as
ações dos folhetos e romances, de forma a produzir no espírito do
leitorado/ouvinte os riscos e desolações exacerbados pelas conveniên-
cias coincidentes entre desastres físicos e desastres morais. Folhetos
sobre acontecimentos atendem, ainda, a um inescapável clamor po-
pular. Os títulos místicos e apologéticos (quase cem), a imperativos
de ordem devocionária e de sobrevivência anímica. Apaixonado por
lugares sagrados (Lapa, Monte Santo, gruta de Ituassu etc.), Minel-
vino Francisco Silva reconhece, modesto: “Não há quem possa des-
crever todas as belezas”. O desestímulo oficial, os direitos do autor, a
aposentadoria seriam suas principais motivações, problemas por ele
apontados como de eternamente adiadas soluções. Mas se obstinava:
só deixaria de ser trovador quando morresse. E filosofava: “Nas pe-
quenas coisas é que a gente compreende as coisas mais profundas”.
39
Minelvino orienta seus temas com a consciência formal
dos interesses católicos e místicos. Seus modelos desenvolvem cir-
cunstâncias temáticas nas mais diferentes extrações. No folheto por
ele adaptado de história anônima, Viagem a São Suruê, por exemplo,
exercita o bom humor colateral ao gênero, manifestando-se sempre
com a graça ingênua impregnada de espontaneidade e fácil comuni-
cação com o público:
40
circunstâncias da história romanceada: “Toda noite relampeia/E veijo
o ronco do truvão/Asa branca bateu asa/Já vortou pra meu sertão/
Eu disse eu vou mimbora/Vou cuidá da pratação” (sic, p. 7). O final
do ABC, todavia, adultera a letra original, pois “Rosinha casou com
outro/E de mim se esqueceu” (p. 8).
Num folheto especialmente consagrado ao lendário Bocage,
Minelvino enaltece-lhe, sobretudo, a inteligência e a picardia no en-
frentamento aos poderosos, sem deter-se na legenda bocageana como
poeta pornográfico, aquele Bocage das histórias picantes, concebidas
pela tradição dos recontados das rocambolescas aventuras atribuídas
ao vate português. Em A batalha do amor [de] Zé Negrão e Mirian,
drama de 16 páginas ambientado em São Paulo, conta-se a história do
pernambucano de Caruaru, que sai de Garanhuns para tentar a sorte
em São Paulo. Zé Negrão é um operário que se apaixona pela filha de
rico fazendeiro, na clássica trajetória do amor triunfante enfrentando
os embaraços e a traição de interesses subalternos. Em meio à trama
e à tensão, o humor de Minelvino é contagiante: “Pois nunca vi a
linguiça/Correr atraz do cachorro” (p. 5) “Pegou o califon da velha/E
na cintura amarrou” (12). O exagero é digno da hipérbole castroal-
vina da musa lavada em pranto e enxaguada no pavilhão nacional:
“O sangue ali já lavava/Como riacho a descer” (13). O romance de
Minelvino Francisco Silva ressalta sempre o denodo e a coragem do
heroi amoroso, sem despegar-se do gracejo, pois “O remédio de um
doido/É outro doido encostado” (15). O folheto A batalha de amor
[de] Zé Negrão e Mirian chega ao fim com uma singular novidade:
o acróstico de Minelvino desenvolvido na grafia inversa: ONIVLENIM.
O romance de 32 páginas A flecha de Cupido traspassou
dois corações localiza a história numa Polônia acossada pela invasão
de cruel rei japonês, que cobiça a princesinha do reino e invade a
bela cidade (território tomado metonimicamente). O ideal de beleza
— senso comum entre trovadores e menestreis — é também enun-
ciado por Minelvino, que hiperboliza a aparência da princesa sacrifi-
cada: “Parecia a estrela D’alva/Quando vem rompendo o dia” (p. 3).
41
O trovador, é claro, subverte geografias e desconhece limites ao ima-
ginário, bem como traços óbvios de etnias: “Perguntou o general/A
senhora é japonesa?” (14). O óbvio da resposta estava no rosto não
asiático: “Mesmo assim escravisada/Mas digo: sou polonesa” (14). E
o general, disfarçado de japonês, era recebido com abraços e sorrisos
dos inimigos. O triunfo final dos poloneses culmina com o casamen-
to da princesa Candura com o general Laudelino, que viveriam feli-
zes para sempre, conforme o padrão das histórias encadeadas pelas
pernas do pinto..., enquanto o trovador pilheria, encerrando: “E pra
almoçar em sua casa/Comigo, está convidado” (8).
No folheto O encontro do poeta com a Natureza (dois vo-
lumes em um só, com 16 páginas cada), Minelvino Francisco Silva
percorre, numa extraordinária viagem da sensibilidade, um provei-
toso e ilustrativo encontro com o universo das ciências. É um ver-
dadeiro ensaio de Poética, Teorética e Hermenêutica da Poesia. Sua
musa, a Natureza, é branca, “Duma beleza sem fim/Os seus cabelos
de ouro/Parecia um querubim” (p. 2). O livro dialoga com a Natura,
que aponta ao poeta a Lagoa Encantada como um dos seus infinitos
primores. O poeta indaga sobre os prodígios das coisas do mundo
visível e problematiza as relações do homem com o ambiente natural,
as agressões à Terra, as viagens interplanetárias, o Cosmo, os astros, a
Lua, as incongruências da posse exclusiva — “A Terra ficou pra todos/
Pra d’ela se alimentar”, mas os ricos “Tomaram conta das terras/Por
todo canto cercou/O pobre ficou sem nada/E assim continuou//Agora
querem ir a Lua/Para direito explorar” (7) e certamente cercá-la e
cobrar pedágio... O fantástico diálogo do poeta com a Natureza é tam-
bém enriquecedor das teses geocêntrica/heliocêntrica e cosmológica:
“A terra, o sol e a lua/São três discos a rodar/Todos três em paralelo/
Não pode se encostar/Que entra em curto circuito/E o mundo vai se
acabar” (8). A Natura leva o poeta à Lua n’ “um cadillac de nuvem”
e num “volante de vento” (9). Minelvino usa o verbo no subjuntivo
(cheguemos, por exemplo) ao invés do indicativo (chegamos) pro-
vavelmente para simular, representar, ilustrar a atmosfera de sonho,
42
de ilusão do real proposta pelo relato. Na Lua, o narrador se avista
e dialoga com outros poetas, perfis da eternidade histórica (Castro
Alves, Zé Pacheco, João Martins de Athayde, Antonio Marinho, Tira-
dentes, Pedro Álvares Cabral, Rui Barbosa, Lauro de Freitas) e inven-
tores (Santos Dumont, Marconi, Henry Ford, Gutenberg e Otto Von,
inventor da luz elétrica). A volta à Terra, entretanto, é dolorosa para o
trovador, que desperta do sonho em meio a múltiplas interrogações
sem respostas.
No romance da História do bruxo mau e o sapo encanta-
do, a novidade é que Minelvino revela sua fonte de inspiração: uma
das histórias da Vovó Ana, revista O Cruzeiro, 24 de dezembro de
1948. Da página 28 a 32, Minelvino publica Catálogo de seus folhetos
de 8 páginas e os assim chamados “Livros Grandes”, entre os quais
Proêsas de Pedro Malasarte, além de divulgar obras de Antonio Al-
ves Silva, Manoel P. Almeida e Rodolfo Coelho Cavalcante. O mesmo
romance teve alterado seu título (escrito a caneta pelo autor) para
Os sofrimentos de um alfaiate ou A gentileza da Princesa Jamaci.
Romance escrito em 1º de março de 1957 e publicado em
7 de março de 1974, a Estoria do cavaleiro do espaço e o jardineiro
misterioso mostra os desdobramentos do pedido de uma esposa or-
gulhosa e estéril e o alcance da maternidade concedida pelo receptário
do pedido: o diabo, que fala afiado e inducar, sendo suas intervenções
quase sempre hilariantes... O afilhado do diabo se torna o jardineiro e
ele mesmo é o ubíquo e múltiplo cavaleiro do espaço. Neste folheto,
Minelvino faz uso de uma raridade em sua obra: o recurso do enjamb-
ment. A natureza polimórfica desses folhetos envolve, ainda, recursos
originários da liberdade de criação autoral. Na História do príncipe
Alcebíades e as três princesas do Reino Encantado, o rei da Bulgária
se chama José Severo e a rainha, Dona Luzia. O trovador introduz
um avião e aeronáutica (!) no entrelaçamento da trama, acrescido
das conhecidas intrigas palacianas, julgamento sumário de inocentes,
interesses contrariados no contrato de casamento do príncipe da Bul-
gária com a princesa do Sião. Não satisfeito, Minelvino faz um castelo
43
de reino encantado aterrisar em solo búlgaro e inova com termo nada
habitual no vocabulário do cordel: ergástulo (Cit., 30).
Como exercício de sobrevivência, Minelvino produziu fo-
lhetos de encomenda, na linha encomiástica a candidatos em pleitos
políticos ou a gestões de demandas particulares dos encomendantes.
É assim um folheto sobre A administração da Fazenda Santana,
enaltecendo o trabalho de um administrador rural. Sensível a cir-
cunstâncias da região que o acolheu, Minelvino festeja A campanha
de Cassilando Viana de Sousa, Arena 2 para a prefeitura de Porto
Seguro, A eleição em Itabuna e a vitória do Sr. José Oduque Teixei-
ra, A vitória do Dr. Felix Mendonça e o governo de Seu Alcântara,
A vitória de Fernando Cordier contra José Oduque, onde, fato raro,
o poeta indicaria a data de publicação do folheto (“Itabuna, terça-
-feira, 3 de setembro de 1968”) enquanto A vitória de Genebaldo e
seus agradecimentos ao Dr. Humberto Oliveira Badaró, reproduz a
ambiência político-eleitoral em Itajuípe, em sétimas heptassilábicas
finalizadas com a data de “Itabuna, 19 de novembro de 1966”.
Entre uma e outra demanda política de candidatos, Minel-
vino produziria um folheto promocional. É o caso de A chegada da
Resica na região cacaueira e o aproveitamento do cacau geado, ou
cacau imprestável (p. 1). O folheto promove a RESICA — Indústria
de Resíduos do Cacau, com a contracapa divulgando endereços da
fábrica e escritórios da empresa especializada na compra de cacau
alterado pela podridão parda e situada em Ilhéus, na rodovia Ilhéus-
-Uruçuca.
Os livrinhos de campanhas de candidatos a cargos eletivos
se alternam nas simpatias do trovador. Alguns são produzidos em
função da amizade pessoal (casos de Otaviano Curvelo de Souza, em
11 de março de 1979, e Eliúde José da Silva, em outubro de 1988),
ou legitimam a homenagem ao político populista supostamente
amado pelo povo (caso de José de Almeida Alcântara em Itabuna) ou
ainda na versão explícita da encomenda. Na capa do folheto, ao invés
da xilogravura, a foto do candidato. Na esteira da comoção popular,
44
Minelvino enalteceria os adversários Alcântara e Pinheirinho. Versos
toscos saúdam a Arena e o golpe de 64, os políticos Mário Padre,
Fernando Cordier e José Oduque Teixeira. De forma curiosa, alguns
triunfos são festejados com data precisa (“terça-feira, 3 de setembro
de 1968”), assinalando a vitória de um, com indicação dos votos. Por
exemplo: “6.936 para Fernando Cordier e 6.276 para José Oduque”.
Analisando o perfil desses candidatos, os folhetos deter-
minam-lhes a trajetória vitoriosa, os embates com os oponentes, a
alegria e a tristeza contrastantes etc. Sobre José Oduque Teixeira, por
exemplo, o folheto destaca a natureza de self-made-man do vitorioso,
evoluindo de “lavador de garrafas” e vendedor ambulante a prefeito
da cidade de Itabuna. Minelvino acompanha e registra historicamente
a evolução da política itabunense, os processos eleitorais, parabeni-
zando a cidade pelos pleitos, mas cobrando dos eleitos a devida aten-
ção para os problemas do município, especialmente os que afetam
os mais fracos e suas necessidades essenciais. Como um repórter, o
trovador totaliza os números finais de cada pleito, referendando os
vitoriosos.
Mas o habitualmente cauto trovador por vezes incursiona
pelo sarcasmo. Historiando A vitória de Fernando Gomes em no-
vembro de 1988, Minelvino Francisco Silva declara que “Eram 5 can-
didatos/Disputando a Prefeitura (...) Essa vaca tão leiteira/Que causa
inveja e usura”. Em outro folheto, A vitória do PDS em Irecê e a
derrota em Itabuna, escarnece: “Tinha tanto candidato/Muito mais
do que eleitor”. Satirizando o modelo das promessas dos candidatos,
escarnece ainda mais: “Faço o sol brilhar de noite/Nem que gaste
uma fortuna/E trago a praia de Ilhéus/Pra cidade de Itabuna”. A vi-
tória de Ubaldo Dantas é então comemorada com euforia em 1982,
ocasião em que Minelvino pontifica desencanto e descontentamento
gerais reservados ao antecessor, Fernando Gomes. E, para surpresa
do estudioso que assina estas notas, o trovador prognosticava o que,
afinal, não teria cumprimento, sequer cogitação, restando tão somen-
te o desejo e o sonho manifestos pelo trovador idealista:
45
Já soube duma noticia
Que me alegra o coração
Que Jorge Araujo esta
Nomeado com atenção
Para ser o secretário
Da brilhante Educação (p. 7)
46
Alguns analistas já fizeram levantamento de como o negro
é vítima de preconceito na literatura de cordel. Minelvino Francisco
Silva não fugiria à regra, que associa a etnia a sortilégios de magia
esconsa, propiciatória de malefícios. Mas no folheto As façanhas de
Acênio Peito de Aço, o heroi é o negrão, que redime a sociedade de
seu sofrimento, manietando e destruindo o envultamento marginal,
escalando-o entre as referências proscritas. O que não muda é o diá-
logo entre os antagonistas, permeado de bravuras, seguindo diapasão
costumeiro. A geografia também é objeto de subversão programática
e dinâmica, sustentando uma ambiência mágica que aspira à verossi-
milhança, conquanto disso pouco se note em importância atributiva.
N’O encontro de Joaquim Pistoleiro com Manoel Quebra-
-Costela — um mineiro, outro, goiano —, o segundo assim racio-
cina: “Dois duros não faz um muro/Que tudo se desmantela” (Cit.,
4). Ainda que o verso quebrado seja uma constante, Minelvino sur-
preende sempre com a nitidez das imagens, e imagens comparativas:
“Sua vida fica torta/Mais do que arco de pua” (Cit., 8). Os antagonistas
geralmente têm diferentes origens e extratos sociais, e pertencem a
regiões distintas, reavivando-se definitivamente o triunfo do Bem so-
bre o Mal. O encontro do negro Aroeira com Genevaldo Tira-Fama
evidencia o embate entre um paraibano e um pernambucano, com
desenlace a favor do segundo.
O cangaceiro é baseado no filme do mesmo nome, e o
honesto Minelvino Francisco Silva indica a fonte de sua história, co-
mentando as ações das personagens, revelando-se o trovador preo-
cupado em de tudo extrair exemplos morais. A coragem de Teodoro
e vingança do Capitão Galdino repete a história do filme de Lima
Barreto. Em A consciência de um cangaceiro, Minelvino aduz, a
caneta, o complemento ou As bravuras de Zé Baiano. A história é
de exemplar singularidade ética, refletindo a gratidão do futuro can-
gaceiro Zé Baiano, que, no passado, teve quem lhe matasse a fome,
e, no presente, devolve o bem salvando a vida do benfeitor, acossado
e rendido pelo bando de Lampião. As desordens de Pedro Mineiro
47
(Minelvino acrescenta, a caneta: E seu encontro com o valente Ar-
ranca Monte) é incompleto, faltando quatro páginas, mas sustenta a
natureza dos embates no gênero. O Encontro de 2 valentões Zé Ni-
que e Zé de Valença tem a subsidiá-lo a realidade histórica, registran-
do os nomes reais dos bandoleiros representando o terror em Itabuna
e Ilhéus, respectivamente. O duelo entre ambos é marcado para o
Salobrinho e por nenhum é vencido. A História registra que Zé Nique
foi morto à traição, enquanto dormia, e Zé de Valença, pela polícia. A
conclusão de Minelvino é catastrófica e bem humorada: “Mas a tal de
valentia/É uma profissão ruim/Pois na casa de valente/Só pode nascer
capim/Quem não teve um bom principio/Não pode ter um bom fim”.
Na História do cangaceiro João Serra Negra, Minelvino
amplia o território da ação de seus romances de bravura e valentia,
integrando o Pará como ambiente de atuação do desordeiro e valen-
tão, “Um negro mal encarado/Que fazia assombração”. Como outros,
o folheto é impresso com duas seções de estrofes numa mesma pá-
gina. Pertence ao ciclo do cangaço, observando os mesmos sinais de
maniqueísmo e gestos previsíveis dos vilões, todos etiquetados como
desordeiros e bêbados. Serra Negra, todavia, é magnânimo e gozador.
Ao recusar a mulher oferecida pelo marido dono de bar, deblatera:
“Quem gosta de couro velho/É urubu de curtume” (Cit., 7). O negro
paraense viaja ao Espírito Santo para enfrentar outro valentão, Chico
Setenta, a quem vence. De volta ao Pará, morre vingado por uma fa-
mília por ele afrontada.
Outros títulos reforçam a sequência de exemplaridade
moral e denúncia das vilanias e perversidades dos desordeiros, afi-
nal vencidos. Estão inscritos na série a História do valente Joaquim
Azougue, o terror da zona de Jacobina, História do valente Pedro
Mineiro (que Minelvino substitui por Zé Boiadeiro, alterando tam-
bém o lugar, de Belo Horizonte para Florianópolis, como acúmulo
extra de integração geográfica). A conclusão do folheto é que não
diverge das tradicionais, “Porque casa de valente/É cadeia ou cemi-
tério” (Cit., 8). O senso de justiça de Minelvino percorrerá outras
48
referências. Baseada em fatos reais, A morte de Gilton Francisco
de Souza pelo pistoleiro Luiz Rosa consta ter sido narrada ao tro-
vador pelo pai da vítima, que tinha apenas 11 anos, fato acontecido
em Santa Luzia, Bahia, em 30 de outubro de 1983. Já A revolta de
Mão Branca e seu encontro com o bandido Rifle Certo revela um
surpreendente Minelvino, vingador que toma o partido do justiceiro,
o flagelador de ladrões no Rio de Janeiro que, listado “Pra defender
seus irmãos/Mata os filhos do diabo” (Cit., 8).
Aclamado “trovador-apóstolo” num Congresso Nacional
de Trovadores e Violeiros, em Fortaleza, 1975, Minelvino já fazia jus
ao titulo pelo menos duas décadas e meia atrás, ao transformar sua
obra em ferramenta de evangelização, via palavra poética, do credo
humanista, cristão e católico. Com Rodolfo, a quem reconhecia como
mestre, Minelvino firmaria pacto de não-produção de folhetos com
temática ou linguagem pornográfica. Respeitado no ofício por seu
pares, a eles reservou extraordinária dedicação, divulgando-lhes os
trabalhos e requestando para os poetas populares o respeito merecido
e, no entanto, ausente por parte de governos e da sociedade brasileira.
Seja nos finais de seus folhetos, nas contracapas e em outros espaços
de celebração, Minelvino Francisco Silva revelou-se incansável noti-
ciador, de que são exemplos os poucos folhetos de encontros, pelejas,
desafios, debates que publicou.
No Debate de Rodolfo Cavalcante com Minelvino Fran-
cisco Silva sobre o fim do mundo, MFS é partidário do Sim (O mundo
vai se acabar) e Rodolfo, do Não (O mundo não terá fim). As décimas
heptassilábicas demonstram um Rodolfo evolucionista, crédulo na
alteridade, na reformação dos costumes, coisas e elementos (“Tudo
marcha em evolução/Desde Adão, Eva e Caim/Quem ao contrário
pensa assim/Faz de Deus ser imperfeito”) enquanto Minelvino é pre-
goeiro do Apocalipse, cujo advento é por ele exibido como signo de
ameaça aos impuros. Na Peleja de um paraibano com um bahia-
no, o trovador grapiúna terça armas com José Basílio e a nenhum é
conferido o galardão da vitória. O mesmo irá acontecer n’O encontro
49
de José Bernardo da Silva com Minelvino Francisco Silva, sétimas
alternadas com décimas heptassilábicas, indicando as instâncias (e
estâncias) de comprovação do conhecimento dos autores na matéria
composicional dos repentes. É um debate amistoso, aparentando um
Minelvino tributário das qualidades atribuídas ao trovador cearense,
de 66 anos, e ainda vivo à época da publicação.
Semelhante diapasão elegíaca e enaltecedora do ofício de po-
eta é reproduzido no folheto Vida, profissão e morte de João Martins
de Athayde (1880-1959), em que um compungido Minelvino celebra o
estro do popular paraibano, reconhecendo-lhe méritos de detentor de
um formidável imaginário. Afinal, “Fez da caneta uma enxada/E a roça
da inspiração,/Da Poesia Popular/Fez a sua plantação,/No campo fértil
das Letras/De sua imaginação”. Na Biografia de Rodolfo Coelho Caval-
cante, considerado por Minelvino “O rei do cordel”, o trovador confir-
ma o pacto havido entre ambos de não escrever livro imoral. Rodolfo (sic
= Rolfo no folheto), era legítimo animador da cultura popular, talvez
o principal dentre todos os divulgadores da literatura de cordel, presi-
dindo associações, organizando congressos (o I, em Salvador, 1955, ao
lado do mesmo Minelvino e do sergipano Manoel d’Almeida Filho) e
arregimentando companheiros em torno dos ideais comuns à poesia
popular, tarefas desempenhadas pelo baiano por adoção (na verdade,
alagoano de Rio Largo, 12 de março de 1917) morto em 8 de outubro
de 1986, num desastre em ônibus coletivo. Minelvino Francisco Silva
celebra a capacidade organizativa de Rodolfo — que se empenhou pela
realização de congressos em São Paulo, Fortaleza e Brasília, os mais
conhecidos — e seu dom de poeta, acalentado pela simpatia pública:
50
Em sua História do VII Congresso dos Poetas da Literatu-
ra de Cordel em Laranjeiras e a morte de um trovador, Minelvino
assinala as dificuldades enfrentadas pelos poetas populares para im-
primir e vender o produto de sua cultura, sua tradição:
Vi um touro jejuar
Sexta-Feira da Paixão
Macaco fazer sermão
Vi pulga se confessar
51
Vi cobra da de mamar
Ao filho da juriti
Um dia em Pirangi
Vi um marreco fumando
Vi um gavião tirando
A barba dum Bentivi
52
Benone e Zé Maria, tendo como tema a Vida e a Morte, no ritmo do
galope a beira-mar. O duelo, havido no segundo dia do Congresso de
Violeiros e Repentistas de Fortaleza, agosto de 1975, é mimeticamente
transmigrado por MFS, que passeia por autores de diferentes estilos e
épocas (Gregório de Matos, Castro Alves e outros), ressaltando, claro,
as expressões cordelistas de Leandro Gomes de Barros e João Martins
de Athayde. Assim, Minelvino permanece enaltecendo os poetas popu-
lares, igualando-os aos canônicos, reafirmando ainda nomes consa-
grados na Bahia, a exemplo de Dadinho e Caboquinho, Palmeirinha
da Bahia, Ricardo de Serrinha, Limeira da Bahia e Bule Bule.
O encontro de dois astros luminosos: Rodolfo e Jorge
Amado sacramenta a reunião do popular com o canônico. Minelvino
amplia a comunicação da literatura de cordel com o rádio no folheto
O encontro de dois faladores: Minelvino Francisco Silva e Lucílio
Miranda Bastos. Outros encontros de Minelvino — com uma Mu-
lher Misteriosa, Otacílio Ramos da Silva, Manoel Peixoto, Odilon Pin-
to, Geovane Figueiredo, Francisco de Assis Medeiros, Manoel José Ba-
sílio etc. — servem para caracterizar aspectos relevantes na cultura
do cordel, a exemplo da evolução da poesia, o Modernismo anatema-
tizado pela supressão do metro e da rima, a alternância de diferentes
modelos de poetar, do sexteto heptassilábico ao martelo agalopado,
à redondilha menor, o que, em síntese, salienta valores dos poetas
populares, erguidos ao cânone, na companhia dos consagrados.
Na sua faina de conferir prestígio a esse tipo de produção
literária, Minelvino também se deu ao desfrute de registrar pelejas
entre Zé Andorinha e João Cabeludo (duelo vencido por Andorinha
nos mesmos moldes do troca-letras proposto pelo Cego Aderaldo con-
tra Zé Pretinho do Tucum), Pedro Goiabeira e Martim Redimunho,
Pedro e João Bandeira, Bentivi da Floresta e Gavião da Bahia, entre
outros. Em tudo, Minelvino aparenta atuar com espírito missioná-
rio, no sentido de dar plena visibilidade a uma atividade poética por
alguns considerada marginal ou inferior, tal a hierarquização que
predomina em alguns setores da inteliggentzia brasileira. Em nome
53
desses valores, Minelvino se empenha em estabelecer dissolvências e
desconvencionalizações.
Na perspectiva da reflexão histórica, debruçado sobre acon-
tecimentos com alta densidade de mobilização popular e repercussão
político-ideológica, Minelvino Francisco Silva também produziu obra
considerável. O tratamento dos assuntos evidencia desde preocupa-
ção com a ordem legal e institucional (A situação do Brasil e a re-
volta dos estudantes, datado de “Itabuna, 17 de outubro de 1968”)
à situação dos trabalhadores, especialmente os idosos, com destaque
para o desamparo a que se vêem condenados os poetas populares
no Brasil (governos Médici e Geisel), trovadores desassistidos que
morrem sem auxílio de qualquer ordem previdenciária (A nova apo-
sentadoria dos velhos, datado de “Itabuna, 25 de abril de 1975”). A
reflexão histórica se soma à sócio-política e à recuperação memorial,
por conta ainda de folhetos como A morte do doutor Juscelino e sua
chegada no Céu, datado de “Itabuna, 21 de setembro de 1976”, onde
a fantasia minelvina promove a conciliação do ex-presidente com Cas-
telo Branco, Costa e Silva, Getúlio Vargas, além de Gregório Fortunato,
que indaga a JK: Dá noticia de Lacerda?/Já mudou de condição?/A
língua estará menor/(o)u estará muito maior/Para fazer confu-
são? (Cit., p, 6).
Num de seus primeiros folhetos, A política d’agora, Mi-
nelvino consigna profundas alterações no quadro político brasileiro,
rasurando as metamorfoses do país nos planos ético e moral. O poeta
glosa os novos hábitos e evidencia o profundo afeto (comum a mui-
tos trovadores) dedicado a Getúlio Vargas, considerado por MFS “o
maior dos brasileiros” (Cit., 2). Vargas, aliás, é campeão indisputa-
do na memória afetiva de, pelo menos, duas gerações de brasileiros,
e Minelvino antecipa-lhe o retorno ao poder: “No seu gordo cavali-
nho/Getúlio vem esquipando/Direto para o Catete/Café Filho acom-
panhando” (Cit., 3). O folheto glosa também a derrota impingida a
Juracy Magalhães por Régis Pacheco na Bahia. No final, como que
saindo em defesa de seus estilo, tema e linguagem, o poeta adverte e
54
justifica, quase compungido: “Eu peço desculpa a todos/Que perdoe
minha expressão/Que não escrevo por despeito/Escrevo por precisão/
Escrevo meus folhetinhos/Para adquirir o pão” (Cit., 8).
O terceiro livrinho escrito e publicado por Minelvino tam-
bém comemora A vitória trabalhista e tem data de “Jacobina, Abril
de 1950”. É obra de propaganda aberta do trovador e seu empenho na
campanha de Getúlio Vargas, mas recomenda consciência e limpidez
do voto ideológico, protestando:
55
A vitória trabalhista, folheto nitidamente partidarizado e ideológi-
co, reproduz uma variante raríssima na fatura poética de Minelvino.
O poeta defende o caudilho: “Só quem fala de Getúlio/É somente o
burguês/ (...) Pra Getúlio não voltar/Com medo dele acabar/Com esta
devassidão/É tanta descaração/Que faz vergonha contar!” (Cit., 7). E
arremata, gaiato e faceto, troçando do ofício de trovador, ainda que
quebrando o ritmo de um ou outro verso: “Povo dos outros partidos/
Vocês queiram desculpar/Que nesta minha profissão/Quero cruzeiro
arranjar/Comprar uma roupa bonita/Também quem for Getulista/Se
gostou vai me pagar” (Cit., 8).
O preferentismo político de Minelvino Francisco Silva per-
manece na descrição d’A posse do Seu Gegê, folheto que marca a es-
treia do trovador na prática da estrofe com mote e glosa. O mote fará
alterações de variantes no primeiro e sétimo versos, sendo que no
verso 7 o intento do trovador é intensificar a impressão do significado
da “posse de Seu Gegê”. Afinal, Minelvino associa o fenômeno elei-
toral de Getúlio Vargas a uma clara manifestação da vontade divina.
O final do folheto (ironicamente, pelo inconsciente textual), anuncia
a produção de O feiticeiro do Reino do Monte Branco, livro que se
extraviou do espólio do trovador, pois não o encontramos entre os
cerca de 550 estudados.
Sequenciando sua filiação ao ciclo de Getúlio Vargas na lite-
ratura de cordel, mas desta vez incorporando as reservas e queixas da
população, Minelvino produziu O governo de Getúlio e a queixa da
pobreza. Inicialmente, o trovador se limita ao registro dos queixumes
e a um possível estelionato eleitoral, com o calote passado nas promes-
sas. Depois irá contra-argumentará, saindo em defesa de Vargas, que
teria encontrado um Brasil falido, a que a população havia se acostu-
mado, sobretudo ante a falta de iniciativas, a seca por conta do sol e os
costumeiros desvios de orientação moral e profissional: “A carestia está
aí!/É poucos pra produzi/E muitos prá devorar” (Cit., 4).
Já em A morte do Presidente Getúlio Vargas, encontra-
remos um dos momentos mais felizes na produção poética de MFS,
56
captando e interagindo, com riqueza de estilo, o sentimento popular
coletivo. O folheto é elegia e necrológio, e sublimiza a comoção po-
pular, contextualizando o Pai Nosso adaptado e dialógico à morte
de Vargas, pelo suicídio, fazendo convergirem oração e desejo de re-
missão. O ciclo Getúlio Vargas é dos mais inventivos na produção de
Minelvino e acompanha o “Pai dos Pobres” desde a reinvestidura na
presidência da República em 1950 até a carta-testamento (revisitada
e glosada sob novas motivações pelo trovador) e a presumível chega-
da de Getúlio Vargas ao Céu dos cristãos. O folheto A carta de Getú-
lio interpreta e parafraseia o emblemático documento, reproduzido
e entremeado com expressões populares a fim de redimensionar a
emoção coletiva nos principais trechos, em especial aqueles cuja co-
moção interior do líder populista encontrará certeiro eco entre os
desafortunados — base da liderança carismática getulista. Minelvi-
no acentua esse caráter de doação (até da vida) que calava fundo na
expectativa popular:
57
fenômeno que se aproxima claramente da escatologia cristológica. A
abertura antecipa o grau de comprometimento do texto com o home-
nageado, e o folheto se desenvolve cumulativamente debruçado sobre
os feitos extraordinários do sempre pranteado líder popular:
58
Receitas de Minelvino Francisco Silva para viabilizar o pro-
cesso eleitoral: educação para o voto e eleição a cada ano. Em A volta
de Juscelino, discute males brasileiros como a falta de continuidade
administrativa e a escalada da inflação. Um mote conduz a narrativa:
Juscelino vai voltar. O folheto é otimista, de consagração a outro líder
popu1ar forjado para substituir Getúlio Vargas. O exercício escapista
impele Minelvino à alusão sobre sua condição de poeta-vate, culmi-
nando a teoria pelo toque de esperança no retorno de Juscelino na
eleição prevista para 1965 e afinal frustrada pelo golpe de 1964:
59
folheto escapa ao óbvio, com o trovador se relacionando ludicamente
com o leitor: “Leitores não são patetas/Vê e sabem que os poetas/
Aqui precisam seu pão” (Cit., 8) — e A morte do ex-presidente
Marechal Artur da Costa e Silva, em que Minelvino elogia o ciclo
militar pós-64, buscando compatibilizá-lo com os objetivos de uma
reforma agrária cristã, que o poeta defende, argumentando que
“Gente não é passarinho/Pra só ir comer pimenta...”(Cit,, 8).
A vitória de Tancredo Nevez e a derrota de Paulo Maluf
assinala o começo efetivo da abertura democrática e fim da égide de
presidentes militares. O folheto noticia o triunfo do experiente político
mineiro e encerra (porque também conclui por) com a expressão dos
desejos de Minelvino ao novo país legado pelo episódio civil e demo-
crático. Eis o transporte dos sonhos do poeta popular:
61
temas da comoção popular com esforço de conciliação política face aos
problemas enfrentados pelo povo brasileiro. Minelvino recorre à Deusa
da Poesia na abertura do folheto (datado de “Itabuna, 6 de junho de
1985”), alternando-se, pois, as aberturas com a invocação ao panteão
católico quanto às musas de inspiração clássica pagã. O trovador trans-
parece clara consciência política e dos problemas brasileiros, mas induz
a que as reformas se façam pelos caminhos da paz e da legitimidade.
Já a História da cova de Tancredo Nevez e seus milagres
contém surpreendente dose de extravagância temática, não só pela
emergência da morte do homem público como pelo desejo incons-
ciente do trovador em pacificar a Terra através dos santos óleos da
via milagrosa... No folheto O sonho do Presidente José Sarney com o
Presidente Tancredo Nevez no Céu, Sarney ouve de Tancredo todas
as queixas dos pobres que batem no Paraíso, mortos pela fome, aba-
tidos pelo parco salário, pelo desemprego e pela carência da reforma
agrária. Datado de “Itabuna-Bahia, 5 de janeiro de 1988”, o folheto do
sonho de Sarney revela-o conduzido pelo anjo-da-guarda à presença
de Tancredo, que adverte o maranhense: “Você criou o gatilho/Que a
inflação desacata,/Gatilho contra inflação/A gente pensa que mata,/
Mas me disseram que os tiros/Saiam pela culatra!” (Cit., 5).
Como todos temos o direito a equívocos, Minelvino Francis-
co Silva cometeu o seu ao acreditar n’A vitória de Fernando Collor
e a Derrota dos comunistas. Data do folheto: “Itabuna, 18 de de-
zembro de 1989”. A hipótese ruiria em 1992 e o mesmo Minelvino
acusaria o golpe, ministrando no folheto O governo do Presidente
Collor e o choro da pobreza, a constatação:
62
O livreto descreve as agruras provocadas pelo confisco dos
ativos financeiros, alta de preços, desemprego, inflação, congelamen-
to de salários, impossível garantia da cesta básica etc. Testemunha
como traição a atitude de Collor para com o povo que o elegeu. Assim
antenado com a evolução histórica do Brasil até sua morte em 1998,
Minelvino traduziria em sua obra os avanços e recuos da democracia
e da vida dos pobres, objeto de sua especial consideração. O ultimo
folheto produzido na seriação histórico-política foi justamente A vi-
tória de Fernando Henrique o novo presidente do Brasil, publicado
quando da primeira eleição de FHC, em 1994.
Outras circunstâncias históricas, acontecimentos que, de
alguma forma, comoviam setores da população interessados no que
divulgava a literatura de cordel, também despertariam motivações te-
máticas e estilísticas de Minelvino Francisco Silva. Reativo e episódico,
mas com saldos de recuperação de fatos históricos e doutrinários é
o relato d’A guerra do Juazeiro e o poder do Padre Cícero em que
Minelvino, seguindo a lógica cordelista de acolhida irrestrita ao tau-
maturgo cearense, louva-lhe a bravura e os rasgos de santidade: “Pois
lutou com o governo/E botou o pra correr”. O folheto descreve e narra
as intrigas do Crato contra Juazeiro do Norte, ou o Padre Cícero Ro-
mão Batista, investido de poderes demiúrgicos e messiânicos, com-
batendo e vencendo o governo do Estado do Ceará, que atentara con-
tra as crenças populares, proibindo romarias. O padre Cícero contou
com a decisiva ajuda de Floro Bartolomeu, curiosa circunstância de
ode especulativa de valores, se cotejarmos o folheto com o que narra a
saga inglória do Conselheiro em Canudos. Minelvino usa dois diferen-
tes pesos, consagrando o padim Ciço e deplorando o radical Antonio
Conselheiro, sendo que ambos enfrentaram expressões semelhantes
de forças governamentais e desafio a códigos. Já o folheto A tragédia
do estádio Otávio Mangabeira na Fonte Nova, quase um século
depois da guerra do Juazeiro (CE), faz reportagem descrevendo o falso
alarme de desabamento de um setor das arquibancadas do estádio, o
desespero dos assistentes, jogadores e autoridades, com dois mortos
63
e 2.886 feridos, pisoteados pela multidão em pânico e com repercus-
sões até no gramado (“Ali naquele recinto/Não ficou nem o juiz”). No
final do folheto, a data: “Itabuna-BA, 8 de março de 1971”.
O ABC de Lampeão escrito pelo seu próprio punho (como
inúmeros dedicados ao “Rei do cangaço”) descreve a ira justiceira
do moço simples, traído pela justiça dos ricos. Há no folheto um tre-
cho que é clara referência (e citação) à Carta-testamento de Getúlio
Vargas. Quando Lampião mata o assassino do pai, assim se pronun-
cia sobre a profundidade e o alcance de sua vingança: “Se mil vida
possuísse/Tinha que todas perder” (Cit., 6). Minelvino apresenta a
versão (de próprio punho) do heroi desviado, produzindo imagens de
surpreendente beleza épica:
A Justiça brasileira
Muito será feliz
Porque só crer no dinheiro
Para sua diretriz!
Ella se oculta p’ro pobre!
Não liga o que elle diz!
64
Fui Virgulino Ferreira
E porque sou Lampeão?
Si Justiça houvesse eu era
Um pacato cidadão!
Mas não quizeram assim,
Pois gemam no meu facão!
65
Todo o tempo, lúdico e interativo, seja quanto ao virtual
ou quanto ao simbólico, Minelvino radicaliza na pedagogia do voto
ideológico, alertando para a escolha que se deve fazer de candidatos
comprometidos:
66
de Maninha e Machadinho perfila o encantamento, o fabuloso, o
fantasista, pondo em evidência uma ativa dedicação do poeta ao gêne-
ro. Machadinho é protegido por uma princesa encantada, que lhe cata
piolhos e o alivia das exigências absurdas de um monarca tirânico. A
história tem o molho e a picardia das peripécias fabulosas, incluindo
figuras mitológicas e alegóricas, o proverbial final feliz e o apelo do
trovador: “Pague aqui 5 cruzados/Ajude quem escreveu” (Cit., 32).
Vida e morte de Sansão e a falsidade de Dalila funde o
romance maravilhoso e o assunto bíblico. O belo exemplar de xilogra-
vura e a própria confissão de MFS reproduzem ambiência e temática
tal como desenvolvidas no filme Sansão e Dalila, com Victor Matu-
re e Hedy Lamar nos papeis-título. Uma curiosidade é reservada por
Minelvino ao final de seu livrinho: “Desculpe caro leitor/os erros do
trovador/Porque não sou um formado”. O romance A vingança de
Ismael pelo amor de Angelina é um épico ambientado “No sertão do
Mato Grosso” e a história se centra no sentimento amoroso cercando
as filhas de rico potentado, “três rosas formosas (...) três morenas
belas”, com um terrível agravante: “Seria morto o rapaz/que olhasse
para elas”. As mitológicas imagens de rusticidade paranoica são im-
primidas no pai das donzelas, o temível coronel Vitoriano, justamente
para infundir no leitor o terror e o suspense das ações: “Tinha um gê-
nio desumano/Mais do que Leviatã/Do fundo do oceano” (Cit., 4). O
autor data de “Itabuna, 18 de dezembro de 1976” e encerra o folheto
com uma graciosa advertência ao leitor, que funciona também como
peça de marketing: “Agora eu quero avisar/Quem este livro obter/Não
empreste a ninguém/Que não vai mais receber/Diga assim Seu Minel-
vino/Ainda tem para vender”.
Dentre os numerosos relatos do maravilhoso stricto sen-
su, Minelvino cristalizaria a fagulha mítica dos folhetos com A terra
de São Suruê, adaptada e ampliada de folheto de autor desconhe-
cido. São Suruê é uma espécie de Pasárgada do trovadorismo nor-
destino, em que predomina o exagero compensatório, as hipérboles
reorientando as inúmeras carências da sofrida população. Por isso,
67
“Arroz in São Suruê/É de chamar atenção/Cada pé de trinta caixa/
Qui faz admiração/Cada caroço de arroz/Enche quatro caminhão”.
Em sete páginas, Minelvino maximiza as maravilhas distribuídas
aos nativos e moradores do país mítico. Na página 8, ironiza os
períodos eleitorais assinalando os desvios de comportamento dos
candidatos, cujas prioridades se invertem tão logo cessam as elei-
ções. A sátira atinge ressonâncias de indignada manifestação cívica,
acompanhada de um sarcasmo quase paroxístico: “Depois que ti-
ver eleito/Bota sela e cabeção/Por isso que eu digo assim:/Vão fazer
besta do cão”.
A notação parodística do folheto contemporiza as agruras
do povo nordestino, à metonímica São Suruê atribuindo similitudes
paradisíacas. O trovador, não raro, exprime uma tradicional visão se-
bastianista aplicando-a à terra suspirada: “Nas ruas de São Suruê/
Corre dois rios de leite (..,) Nasce no pé duma serra/Um riacho de
azeite”. Por isso que o texto imanta ao horizonte contemplado as delí-
cias ansiadas pelo imaginário popular de um Nordeste mítico, simbó-
lico, nutrido por sonhos e desejos de prosperidade:
68
Outros folhetos de expressão do maravilhoso, no entan-
to, seguirão a marca patenteada da fantasia, por vezes alucinatória
e quase delirante, justamente para espicaçar a curiosidade leitora e
disseminar-lhe o gosto do imaginário, não importando a regularidade
de frequentes sinais de inverossimilhança. É o caso da Estória da
Serpente Encantada e a Espada de Quatorze Arrobas (16 páginas
em duas colunas = 32 p.), que alcançaria a terceira edição impressa
em 6 de julho de 1972. O heroi é um gigante chamado Quatorze, com
a síndrome hiperbólica de tudo comer em número de quatorze (14
bois em um só almoço, por exemplo). O exagero é igualmente com-
pensatório, no sentido de prover (pelo inconsciente) a fome colossal
dos pobres do Nordeste. O poeta inova na estrofe final, variando os
sentidos do apelo à sensibilidade do leitor, capturando-a mercadologi-
camente: “Senhores, vou terminar/A minha imaginação/Os exageiros
que fiz/A todos peço perdão/Pois a história sem graça/Não agrada a
multidão” (Cit., p. 8). Já na Estória do gavião maldito, ou o mau
exemplo da mãe que xinga os filhos, as sétimas de moralidade ex-
plícita funcionam para proveito de punição e consolo dos descaídos
e reorientação da palavra divina. É o maravilhoso combinado com a
reflexão moral, fórmula constante na produção de Minelvino.
No ciclo do Pavão, aberto com a história do Pavão Miste-
rioso, de Manoel Camilo dos Santos, Minelvino inscreve como va-
riante o romance (16 p. + 2 colunas = 32 p.) Estória do Pavão
Encantado, no mesmo gênero que consagraria o criador original.
O fabuloso, o recorte de encanto e magia da expressão maravilhosa
agora vêm inovados com as ilustrações internas que Minelvino in-
corpora como ampliação da capa e do assunto renovado. O Pavão do
trovador grapiúna é um príncipe enfeitiçado por uma bruxa maldita.
O modelo de beleza e encantamento pertence à convenção cordelis-
ta contaminada pelo etnocentrismo europeu, no molde branco de
olhos azuis, com extensão mitológica ao cristianismo: “Quem o visse
comparava/Com o menino Jesus”. Já o negro é sua mais acabada
antítese, a este se associando um conjunto formidável de malefícios.
69
O que compensa a exageração preconceituosa é a contrapartida da
heroína — que desencanta o Príncipe e com ele se casa ao final
das peripécias do romance —, a camponesa Maria (clara herança
mítica de reverência mariológica). O folheto é datado de “Itabuna, 1º
de janeiro de 1975” e é, certamente, um dos últimos livros grandes
produzidos pelo cauteloso (e caudaloso) trovador-apóstolo.
A natureza do senso comum aplicado à convenção do relato
maravilhoso gera uma situações de familiaridade entre as histórias,
repetindo-se, não raro, modelos e entrechos que percorrem os mo-
tivos de um e outro relato. É assim no romance de MFS História do
valente José Tenengo e as três princesas do Reino Misterioso, onde
se observam nítidos contornos de histórias assemelhadas entre si,
reproduzindo elementos temáticos, repertórios, imagens, cenas e até
vocabulário. Altera-se, contudo, o lugar. O reino agora é a Noruega e
o trovador percorre outros mapas e perfis. O protagonista também é
diferenciado. José Tenengo nasce de 6 meses do joelho da mãe e já
falando tudo, anunciando que nascia e já se iria embora. Homem já
feito e encorpado, na Noruega, ganha do pai um chapéu de cangacei-
ro (!). O maravilhoso, então, cede ao fantástico e ao surreal. A velha
do romance é antropófaga, mas Tenengo é esperto como João Grilo
e escapa das armadilhas, incorporando novas aventuras como um
Rocambole nórdico-sertanejo e delas saindo vencedor por meio das
simbologias dos objetos (O sal é o mar, o alfinete é a mata fechada de
espinho, o cinza é a neve etc.). A palavra remorso traz no folheto a im-
plícita carga de significantes a ela atribuídos no Nordeste, reverberada
como repugnância, náusea, enjôo etc.
Minelvino Francisco Silva segue a trilha dos contos de fadas
em muitos desses folhetos. O romance Os martírios de três irmãs e
a tragédia de um pássaro encantado percorre esse diapasão temá-
tico, de novo movimentando personagens como a velha antropófaga.
A astúcia vence o poder, e um pedaço de rabo de lagartixa (como na
narrativa de João e Maria) substitui o dedo mindinho. A ambiên-
cia do conto de fadas convive com a reação naturalista: “Deu uma
70
dentada na língua/Que logo o sangue desceu” (Cit., 5). O triunfo dos
humilhados vem reforçado no romance O poder do rei dos peixes e
a inocência de uma princesa, em que o inusitado se associa ao bi-
zarro nessa história de encantamento curioso. Minelvino investe em
alternativas metafóricas para o verbo parir e por isso diz que a mãe
“descansou/Um garoto muito forte”. O tal menino já nasce com uma
carta na mão, afirmando que só a entregaria ao seu pai biológico, o
pitoresco Zé Preguiça, heroi picaresco que engravida uma princesa
em mais um acidente fruto de encantamento. O romance do rei dos
peixes (escrito em 1965 e publicado em 1973) reafirma o prestígio do
maravilhoso entre as composições minelvinas.
A série de histórias de bravura e valentia, conjugando o
maravilhoso com aspectos picarescos dos herois, ganha então uma
maior relevância. Nesse campo tem destaque a História do gigante
Quebra-Osso e o Castelo Mal-Assombrado, que alcançou enorme
popularidade, sendo inclusive reeditada pela Luzeiro, de São Paulo
(sem data), anunciando-se na folha-de-rosto ter sido o texto de MFS
“revisto e classificado por Hélio Cavenaghi”. Na História de Martim
Tomba-Serra e o gigante Plutão do deserto, um raro trecho (inclusi-
ve no cordel) de discurso indireto livre sugere que: “Desta maneira fa-
laram:/Para que ele queria/As pernas tão amarradas?” Já no romance
(32 páginas, aparentando ter sido editado em Juazeiro do Norte (CE),
30 de junho de 1964) A prisão do Gigante da Montanha Assombro-
sa, irão permanecer os trunfos da convenção do cordel, salientando-
-se a subversão de geografia, de tempo histórico etc.
N’A história de João Valentão, o heroi picaresco evolui de
covarde (o João Cara Feia que apanhava todo dia da mulher) a deste-
mido, aventureiro, vitorioso e vingador. Estilo típico do cordel mara-
vilhoso, o folheto movimenta personagens e situações arquetípicas, a
exemplo de monarca e reino longínquo, com seus enigmas e desafios.
Como figurante tropical, uma onça tapuia, famosa por comer gado e
gente, até sem mastigar. Por causa do apelido irônico, o covarde João
Valentão é convocado pelo rei para matar a onça devastadora. Valentão
71
é um mofino blasonador, mentiroso e arteiro, mas esperto e ardilo-
so como seu contra-parente João Grilo. A personagem de MFS segue
percurso semelhante aos de João Grilo, Pedro Malasartes e Canção
de Fogo, dessa mistura se distinguindo, embora com proezas bem
distintas das de seus arquétipos. João Valentão será a antítese viva e
irônica do valente, mas metonímia da esperteza e do ardil picaresco
para sobreviver: “Seu João de tanta coragem/Deu até para tremer./
Com licença da palavra/Foi vendo merda descer/Que encheu logo a
cueca/E começou a escorrer” (Cit., 24). E o que se segue é um acú-
mulo de graça e humor, com João Valentão, em cima de uma árvore,
fazendo as fezes atingirem os malfeitores. O heroi se cagava e a merda
descia, emporcalhando incautos ladrões. Embora faltem ao folheto as
páginas 25 e 26 e as finais 31 e 32, as sequências do relato evidenciam
tanta hilaridade, que as faltantes páginas não comprometem a eficá-
cia do conjunto, nem o próprio desfecho narrativo.
No romance de 16 páginas As aventuras de Valdino e a
camponesa misteriosa, Minelvino revela seus definitivos pendores
para o maravilhoso, confessando-se inconscientemente influenciado
pelo gênero cordelista que fez talvez o mais frutuoso sucesso entre
os trovadores, de Leandro e Athayde a Firmino Amaral e José Bernar-
do da Silva. MFS declina: “Eu que bastante admiro/Um romance de
princesa (...) Num reino muito distante/Que fica no horiente” (Cit.,
p. 1). O fabuloso aqui se nutre do inverossímil e fantástico com fins
de produzir efeitos estéticos cumulativos, extensivos e catárticos. A
bela camponesa subordina um grupo enorme de pretendentes a seus
desejos. Os submetidos à esperteza da donzela se sucedem nos fra-
cassos ante um labirinto construído no interior da casa da pretendida,
até que esta é vencida por astucioso heroi, que reúne os ardis capazes
de triunfar sobre os obstáculos.
A Estória da rainha Rosinalva ou a tragédia do prínci-
pe Emiliano funde o maravilhoso ao real concreto. Despeitado pela
recusa de Rosinalva a seu amor, Emiliano contrata um primo “Para
matar o soberano/Que lhe daria mil dólares/Em dinheiro americano”
72
(Cit., 3). No reino de Adry Malva, o pagamento de traição e corrupção
é em... cruzeiros... Minelvino Francisco Silva segue rastros da tradi-
ção martirológica e devocionária do maravilhoso cristão, no feitio, por
exemplo, de um Baltasar Dias narrando o sacrifício da Imperatriz
Porcina. O Bem vence o Mal por meio da força da Verdade e da Fé,
personagens alegorizadas pela determinação do culto à Virgem. O Mal
é proscrito, os bons (depois de muito padecerem) são cumulados de
virtudes e de graças. O folheto (escrito em 1958 e publicado em 1976)
perpendiculariza a vocação minelvina para o fabulário redentorista e
místico desse gênero de cordel.
Uma curiosidade circular e frequente em todos os folhetos
que implicam demonstrações de prosápia e valentia é marca caracterís-
tica também expressa na linguagem e no estilo dos duelos, ou desafios,
entre protagonista e antagonista. Na História do filho de João Acaba-
-Mundo e o dragão do Reino Encantado encontramos esse tipo de rep-
to: “Disse o gigante: a você/Vou mostrar como é que é/Você para mim
é um sirir/Na vazante da maré/Vou te lascar da cabeça/Até no dedão
do pé” (Cit,, 12). Monstros, duendes, dragões, gigantes, anões, todos
energizados por tamanhos descomunais, compõem curiosa galeria de
assento permanente nas histórias de encantamento e fabulação, com
predominância para o hiperbólico e o extraordinário. Os vencidos se
deixam escravizar pelos vencedores. Na História do filho de João Aca-
ba-Mundo e o dragão do Reino Encantado, aos ingredientes tópicos
conhecidos, acumula-se uma frequência de encantamentos/desencan-
tamentos. O heroi, filho de um outro já consagrado na tradição triunfa-
lista, desencanta o Reino Encantado e se casa com a princesa, herdando
metade do mesmo reino e sendo feliz para sempre no novo habitat.
O triunfo do heroi picaresco conduz a narrativa da Firmeza
de dois corações e a espada vencedora, ou a vitória do pobre valoro-
so e destemido (que alimenta o número quase completo dos folhetos
que conhecemos) contra o maniqueísmo rasteiro do rico e soberbo
mandante de mortes. Por conta superlativa da vitória do proveito e
exemplo, os herois Agnaldo e Esmeralda desafiam o poder do pai da
73
moça e alcançam a felicidade sentimental, antecipada por arroubos
de intensa passionalidade (do heroi e do narrador): “Entro em coiva-
ra de fogo/Sem mesmo a morte temer” (Cit., 4). O heroísmo também
incorpora a mulher, ainda que a jactância seja atributo quase exclu-
sivamente masculino. A bravura é combinada com a resistência, em
dose compreensível de exagero: “Esmeralda deu um tiro/Que trinta e
três derrubou” (Cit,, 14). Mais próximo do final, o romance desloca-
-se do drama sentimental para o conto maravilhoso, fundindo-se o
encanto com o virtual. No fim, anel e espada edificam prodígios: os
noivos vencem e são transportados da Paraíba para São Paulo, onde
se casam e viverão felizes para sempre.
No romance (de 32 páginas) História da Cegonha Encan-
tada e o Reino dos Mistérios, Minelvino varia em muito a abertu-
ra de seus folhetos, servindo esta como ilustração pela expansão de
sentidos que provoca no leitor: “Andando meu pensamento/Passeando
nos impérios/Dos reinos imaginários,/Conhecendo os hemisférios/Viu
uma linda cegonha/No Reinado dos Mistérios”. O assunto do folheto
também soa um tanto bizarro, podendo-se até perguntar: E cegonha
canta? Tal como o sabiá de Gonçalves Dias (no poema Canção do exí-
lio) cantando na implausível (conforme os ornitólogos) palmeira, a
cegonha de MFS não apenas cantava como “Um belo hino entoava/
Quem ouvisse aquele hino/Logo ali se apaixonava” (Cit., 3). A cegonha,
como facilmente se observa em se tratando de relato maravilhoso, é
uma princesa encantada em ave por um despeitado feiticeiro. O ciclo
de cavalaria cumpre aqui rito de passagem, compreendendo até duelo,
com discurso e bravata, entre serpentes e o heroi guerreiro. Minelvino
nomeia herois e heroínas, príncipes e princesas de reinos exóticos,
com nomes sertanejos e o protagonista engalfinhando-se com o por-
tador dos malefícios: “Ali o ferro trincou/O príncipe com o feiticeiro/Se
um era bom no ferro/O outro, ferro ligeiro/Se um dava golpe certo/O
outro, golpe certeiro” (Cit., 13). O final feliz reserva sucesso e triunfo
ao príncipe libertador, o reino se desencanta e o príncipe do Reino da
Saudade se casa com a princesa do ex-Reino dos Mistérios.
74
A História da onça tapuia e o Homem destemido apre-
senta-se na segunda versão como História da Onça Encantada e o
homem destemido. Nele, Minelvino manifesta o arrebatamento do
poeta entusiasmado com seu ofício, em duas estrofes ausentes na
segunda versão (que, aliás, corrige palavras e situações do texto ante-
rior, por exemplo, puxaram ao invés de pucharam):
75
encarrega-se de transtornar o malefício, redimensionando-o e resta-
belecendo a honra, dignidade e virtude da nobreza humilhada.
A História da princesa do Reino do Parreiral é uma espé-
cie de versão de relato maravilhoso para o conflito Gata Borralheira x
Madrasta, ou a princesa bonita e virtuosa arrastada pela fada invejosa
e má, que a encanta em arara. Os mitos se associam no maravilhoso,
na forma de um gavião, que salva os amantes do enfeitiçamento. No
final do folheto, Minelvino, mais uma vez, recorre à sedução merca-
dológica para convencer o leitor: “Senhores minha historinha/Aqui
eu vou terminar/Me paguem só 6 cruzeiros/Para o poeta ajudar/Que
agente para escrever/Precisa se alimentar” (Cit., p.·32). Na História
da Princesa Encantada ou o monarca sem coração, o reino é lon-
gínquo e estrangeiro, mas a moeda é brasileiríssima: cem contos de
réis, por exemplo. O folheto movimenta mitos, legendas heroicas,
bruxedos e abusões, águas do Céu e do Inferno, tições de fogo do
Purgatório, elementos bastante circulares no universo medieval, de
resgate maravilhoso. Um pássaro encantado intermitentemente entoa
canções para um rei que o pretende eliminar, alternando-se sucessi-
vas tentativas de morte e permanentes escapadas. O humor de MFS
aqui deriva para o mórbido. Ao Zequinha Atirador, que o rei mandou
matar, “Cortaram bem miudinho./Dava até sarapatel/Botando sal e
cominho” (Cit., 29).
Os folhetos do gênero maravilhoso premiam os herois li-
bertadores com encantos especiais e casamentos com princesas li-
bertadas. A história da princesinha do mar e a bruxa da solidão
pluraliza os ambientes de diferentes monarcados, alegorizando-os
(Solidão, Dor, Pedra Verde, Maldição, Desespero, Pensamento etc.) e
associando-os com fadas e bruxas, feiticeiros e reis, poderes distintos
confundidos (o da Beira-Mar com a Mãe D’Água, por exemplo), com
que MFS pretende influir nos sentimentos humanos. A graça ingê-
nua e a espontaneidade permanecem marcas características desses
folhetos e seu objeto temático também será perenemente alcançado:
o triunfo da moral cristã e a redenção dos pobres não-malfeitores
76
sobre as adversidades morais e econômicas. O romance História de
Antonio de Lisboa e a sereia do fundo do mar realiza subliminar-
mente tal configuração, com o relato ambientado na Inglaterra, e
tendo como protagonista uma moça pobre travestida de guerreiro e
protegida por Santo Antônio de Lisboa, a quem a mãe destinou para
a carreira das armas e deu-lhe o nome masculino de Antonio, em
homenagem e devoção ao taumaturgo.
Nesse modelo de unção mística, o maravilhoso cristão se
cumula do mítico e do lírico, destacando-se a viola e o canto de An-
tonio a todos encantando e protegendo a heroína dos desvios morais
e das penas do Inferno simbólico e do mundo real. A invocação no
texto não mais se destina já a entidades míticas, lendárias, mas ao
triunfante Santo Antonio, capitão das legiões portuguesas e padrinho
da heroína, cuja sorte é decidida por uma sereia, que desata os nós
da intriga e desvenda os enigmas. A rainha, que perseguia Antonio jul-
gando ser ele um homem, uma vez rejeitada, levantaria falsos teste-
munhos aos ouvidos do rei e incriminando a heroína. A sereia falante
tudo deslinda e esclarece: “O teu nome é Antonia/Teu olho é muito
graudo/Porque se tu foste Antonio/O monarca era chifrudo” (Cit.,
16). O final não chega a surpreender: desmascarada, a rainha morre.
O rei e a donzela Antonia se casam e serão felizes para sempre.
Atento aos novos suportes envolvidos na comunicação es-
tética, MFS sempre buscou inovar em seus folhetos. Na História do
Reino do Vai não Torna e o Gigante Encantado, os animais são po-
limorfos e o Gigante tem partes de cobra, dragão e leão. A subversão
geográfica incorpora ambiências mitológicas como o Reino da Babilô-
nia. No Romance do mistério da princesa (em parceria com Rodolfo
Coelho Cavalcante), a modernidade narrativa inclui até o uso do tele-
fone. O diabo é mensageiro, escravo do heroi, enquanto a madrinha
que salva os prudentes é Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Já o
romance A vingança da princesa do Reino do Bom Jardim (datado
de “Juazeiro (?), 20 de maio de 1961”) emblematiza o famoso tripé
Amor, Bravura, Traição subordinado a um príncipe do Reino da Espe-
77
rança. Nomes, lugares e herois são assim associados aos signos posi-
tivos, a exemplo de Bom Jardim. Seguindo o ordenamento da maioria
dos folhetos de MFS, nesse também a luta ou cessa ou varia quando
“acaba-se a munição”. O príncipe Laudelino, em sua delegação de
vingança pela invasão do Reino do Bom Jardim, desafia os inimigos,
lançando-lhes reptos como uma canção de gesta, provável influência
do Graal e do prestígio de Carlos Magno, ou Ricardo Coração de Leão:
“Não quero metralhadora/não preciso de canhão/não preciso de fu-
zil/não preciso mosquetão/no gume da minha espada/não deixo nem
geração” (Cit., 13).
Um folheto, todavia, desafia a classificação tradicional da
literatura de cordel reconhecidamente inspirada no conto maravilho-
so. Ambientadas no distrito de Ventura, antiga comunidade das Lavras
Diamantinas, em especial por sua temática ancorada no grotesco ex-
travagante, As proesas de Zé Bufão descreve o feito extraordinário de
um prosaico (anti) heroi, que propõe comprar um cavalo (exposto à
venda por 50 mil réis), dando em pagamento ao vencedor, como for-
ma singular de transação, a quantia total de 50 bufas (nome da ven-
tosidade anal que, na Bahia, alterna-se com o também vulgarmen-
te conhecido peido). Com o folheto, nosso trovador definitivamente
ingressa e navega na ambiguidade maliciosa de inspiração popular,
registrando que “Ali de cabo pra baixo/Tinha grande multidão/(...) O
homem soltando as bufas/Pra o delegado contar” (Cit., 3). Sem qual-
quer dúvida, é o mais bizarro dos muitos relatos de MFS, mostrando
um inconformado Zé Bufão, ante a perda da aposta (pois disparou
51 bufas, uma a mais que o combinado, dada de agrado ao dono
do cavalo, que afortunadamente recusou), derrubando batalhões de
polícia a golpes de peidos estrondosos e fatais. Minelvino encerra seu
livrinho ameaçando a quem não comprá-lo — “Ganhará 50 bufas/
Bufadas por Zé Bufão” (Cit., 8) — e anunciando o próximo folheto a
ser publicado: A mulher que morreu mascarada.
O trovador investe em diferentes percursos no tratamento
do simbólico e do mítico, característicos do conto maravilhoso. No
78
hilariante O sindicato dos bichos, ou seu complementar romance O
sindicato dos bichos e a luta do gato com o cachorro, de par com
a antropomorfização dos animais e a natureza de fábula daí conse-
quente, Minelvino reinveste na máxima horaciana do castigat riden-
do mores, reiterando redenções morais por meio da sátira e do riso.
Dentre os folhetos antropomórficos, destacam-se O casamento da
raposa com o veado no tempo que o jeque era chofer e uma Histó-
ria do papagaio malabarista, ambientada no sertão do Piauí, onde
um louro endiabrado e piadista, antropomorfizado pelo relato, prota-
goniza as mais extraordinárias peripécias e inacreditáveis quiproquós.
Mesma ambiência de graça, leveza e ardil da fábula percorre a Estória
do peixe, o homem e a raposa, com seres antropomorfizados intera-
gindo, purgando costumes e renovando predicados éticos nos huma-
nos. A História do Touro Branco Encantado é alusiva às conquistas
da humilde disposição do heroi pacífico, humilhado pela soberba e
triunfante sobre a arrogância. O touro, a fazenda onde este pastoreia
e o próprio causo do relato localizam-se no Rio Grande do Norte. O
folheto é pastoral, do ciclo dos bois encantados e bichos falantes. O
touro, além de encantado, é chalaceador, desafiando vaqueiros que se
destinam a persegui-lo.
A História do Touro Branco Encantado pertence à con-
venção do fantástico, contemplando aspectos de ineditismo na li-
teratura de cordel, porque correlaciona suspense, surpresa e ex-
pectativa. O boi fabuloso, que a todos vencia pelo temor infundido
e a coragem que a todos inspirava, também impressionaria pela
destreza, habilidade e velocidade na corrida. MFS universaliza a ati-
vidade dos vaqueiros, imprimindo maior dificuldade na tarefa de
domar e amarrar o animal, vencer o desafio e alcançar o prêmio da
conquista, glória e riqueza. Assim, rivalizam vaqueiros franceses,
poloneses, italianos, alemães, portugueses, japoneses, todos derro-
tados pelo Touro Branco Encantado. O laurel e a surpresa tomam a
forma do vaqueiro Romualdo, do Piauí, que se apresenta com sua
aparência humilde e tosca, e seu cavalo, idem. É justamente ele
79
quem vence a disputa, derrubando o touro pela cauda e arrastando-
-o pelo chão. A humildade, mais uma vez, é consagrada, protegida
por duas insuperáveis divindades, a quem o vaqueiro invoca: Deus
e Nossa Senhora. E o romance (32 páginas) se encerra com uma in-
formação adicional de que “foi escrito em março 1957 e publicado
em 10 de abril de 1972”.
Outro romance, A vaca misteriosa (Editora Luzeiro —
“Direitos adquiridos e registrados de acordo com a lei na Biblioteca
Nacional”, 1980, “texto revisto e classificado per Hélio Cavenaghi”,
tamanho padrão, com 29 páginas, 6 estrofes por cada, 157 estrofes
heptassilábicas), é a versão feminina da História do Touro Branco
Encantado, incluindo variantes. Desta vez, até o antes vitorioso, o
vaqueiro piauiense Romualdo, é derrotado. Quem o substituirá no
triunfo será o também piauiense João Desastrado, que disputa a tiro o
resultado. O final difere do folheto do Touro Branco. A vaca misteriosa
é comida no banquete de casamento do vaqueiro vencedor e MFS
opõe um outro fecho, invectivando seu leitor a produzir outro final,
caso queira, pois “Se a história não é boa,/Não é assim tão pior—/E
quem achar que não serve/Escreva outra melhor”.
Em Uma eleição na floresta são os bichos que se candi-
datam (e revelam os mesmos vícios dos modelos humanos) a cargos
eletivos. O Veado, candidato a presidente da República, logo desperta
a ira do eleitor Mestre Sapo, que verbaliza a ironia sub-reptícia calca-
da no meio social transbordante de hipocrisia: “Disse o sapo: eu só
voto/Pra governo do estado/No candidato Cachorro/Que é um senhor
ilustrado./Não está vendo que eu não vou/Dar meu voto a um Veado?”
(Cit., 2). A deliberada ambiguidade do texto (Candidato Cachorro, a
Governador, e Veado para presidente da República) é, na verdade,
um recurso sutil surpreendentemente inscrito num trovador que en-
carava eleição como um ato cívico, indo votar (in)vestido de paletó e
gravata... MFS denuncia que o Veado e o Sariguê andavam comprando
votos e a eleição termina em briga e sopapos, com a vitória do Leão e
os protestos da oposição (o Veado e o Sariguê).
80
No folheto Um futebol na cidade dos pássaros, os craques
são aves da floresta e domésticas. A narrativa adapta ao português as
designações futebolísticas em inglês, num exercício de prosódia quase
parodística: “Centrefor era o sofrer/Centerafo jurity/Rafo direito o peri-
quito/Rafo esquerdo o bibiry/O pato ponta direita/O juiz o bentivy” (Cit.,
2), enquanto o locutor era o papagaio. Mas o preconceito também se
manifesta na mata, que repele o urubu: “Mas nenhum time aceitou/Di-
zendo: negro é por fora/O urubu se zangou” (Cit., 2). E quem “cantava
de improviso?” Justamente “o poeta sabiá” (Cit., 3). Minelvino alterna
em décimas versos de cinco sílabas (redondilha menor), de quatro e
quebrados de seis, ao modo da narração esportiva. O perfil alegórico é
semelhante ao desenvolvido no folheto Uma eleição na floresta.
Por natureza, os folhetos devocionários de Minelvino Fran-
cisco Silva são encomiásticos da doutrina católica, em seus ramais
místico, ascético, hagiográfico, de teologia moral e dogmática, todos
versados em linhagem apologética, descrevendo exemplos e milagres,
sumariando extratos morais, dos martírios e sacrifícios e a recepção da
fé entre os romeiros. A variação temática quase não chega a ser notável
e antes reitera episódios emblemáticos, com base ou não em fatos reais,
reforçando a devoção de homens e mulheres simples, e suas ações sin-
gelas em louvor (reintegrando os mitos de retorno à ascese medieval)
de divindades católicas (principais: Bom Jesus da Lapa e Nossa Senhora
e suas diferentes designações). Os folhetos também citam as contradi-
tas, punições aos ateus e hereges, desdobrando-se em debates teológi-
cos, geralmente entre católicos e protestantes. Os milagres têm a força
demiúrgica dos valores católicos e sua simbologia predominante (pão,
peixe, água, fogo celeste). Por isso a fortuna considerável de MFS em
cânticos e benditos, acervo peculiar ao gênero místico.
Inúmeros exemplos de capilaridade moral e ética dos cris-
tãos são demonstrados à exaustão nos folhetos de MFS, explicitando o
comprometimento do romeiro com suas ações devocionárias, impon-
do-lhe o retorno, ano a ano, à Lapa do Bom Jesus, à Nossa Senhora das
Candeias, ao Juazeiro do Padre Cícero e a outros lugares considerados
81
sagrados. Os mistérios se acrescentam ao universo da Paixão (desde
a Anunciação, Nascimento, Encarnação, Batismo, Eucaristia, Paixão,
Morte e Ressurreição), tudo para instilar no devoto sua definitiva via de
ascese para a Divindade. Os exemplos personalizados da Graça também
constituem o mosaico da produção reflexa de Chegada, Promessas,
Cumprimento de Votos e Despedida dos romeiros. Um que outro folhe-
to de Minelvino versa sobre outros assuntos (A queixa dos vendedores
da Lapa e o fracasso da romaria, História dos ladrões na romaria
do Bom Jesus da Lapa, por exemplo). Ocupam-se em geral de assuntos
paralelos ou perpendiculares àqueles associados diretamente à romaria
(Os sofrimentos dos mendigos na Lapa do Bom Jesus), dos desdobra-
mentos da fé com as histórias sagradas, as unções místicas cristológicas
e mariológicas, bem como ao que aluda ao místico, a exemplo da des-
crição da gruta, os primeiros eremitas etc. Minelvino incursiona ainda
por assuntos e temas bíblicos, pela história e relevância dos profetas, de
Suzana, do rei Ezequias, do relógio que andou atrasado e outros, fun-
dindo os gêneros místicos, míticos e maravilhosos (História da Besta
Fera e o Dragão Vermelho etc.). Com isso repercutem no imaginário
coletivo, inclusive, reações ante deslocamentos devocionários na mo-
dernidade (O nascimento do Menino Jesus e a carreira que um padre
da Renovação deu no velho Papai Noel).
O vate popular estimula assim a pregação e recepção mar-
tirológicas, no intuito de extrair absolutas fidelidade e resistência do
estoicismo cristão (Os três jovens que o rei mandou jogar numa
fornalha de fogo ardente). Folhetos como O aniversário de Nossa
Senhora, Os vinte e cinco anos do programa A Voz Mariana ou o
Terço de Nossa Senhora e outros tantos da vasta produção minelvina
no gênero salientam a identidade sagrada da mãe de Deus (princi-
pal objeto da refutação dos protestantes), destacando fenômenos em
que a intercessão da Virgem se revelou decisiva para a salvação dos
penitentes. Donde as diferentes denominações santas de Maria como
Nossa Senhora: da Conceição, das Graças, da Piedade, do Perpétuo
Socorro, Aparecida, da Ajuda, das Dores, do Carmo, de Fátima, dos
82
Milagres, da Pena, da Rosa Mística, do Rosário, da Soledade e tantas
mais acolhidas no extraordinário panteão católico.
A Teologia Dogmática é campo pouco frequentado por MFS,
mas acontece tematicamente em folhetos como A discussão de um
católico com um protestante, A discussão de um protestante com
um romeiro do Bom Jesus etc. O trovador então se revela um exímio
argumentador, particularmente hábil nas disciplinas da Teologia Mo-
ral (O homem que quiz ir para o Céu apulso, O homem que tentou
da uma surra no padre, Quem fala de Pai de Santo, O que se ver
no candonblé), Apologética (A descoberta da Lapa com a chegada
do monge Francisco da Soledade, A despedida de Dom José Nico-
medes Groszi ao romeiro do Bom Jesus, A despedida do Monsenhor
Turibio Vilanova, aos romeiros do Bom Jesus), Hagiografia (Um
milagre de Santa Cecília, História de Santa Helena, protetora dos
romeiros, Um milagre de Santo Antonio e um morto rezzuscitado,
Os milagres de Santo Antonio e o poder da palavra de Jesus, A vida
e martírio de S. Cosme e S. Damião padroeiros de Itamarajú, A
vida de S. Cristóvão, Historia de S. Francisco de Assis (o patrono
dos trovadores), Nascimento e morte de São João Batista, Debate
de Lampião com São Miguel e Vida e martírio de Paulo Apóstolo).
Os valores cristãos serão todo o tempo realçados na poesia
popular de MFS, incorporando-se a predicados próprios de determi-
nado ideário político, de que não raro resultam inferências partidá-
rias ou ideológicas. No folheto As promessas dos romeiros que agra-
dam Bom Jesus, Minelvino prognostica intervenções redentoras do
Senhor Bom Jesus da Lapa:
83
Romeiro devotado e crente, o trovador também investe em
promessas:
84
O moço foi mergulhando
Sem precisar desafio
Todo chumbo derretido
Para ele estava frio
Igualmente e refrescante
A mesma água do rio
85
O terceiro mandamento
Dessa Lei de Lucifer
É beber muita cachaça
Dançar bem no cabaré
Falar mal da vida alheia
E pular no candomblé.
86
do castigat e aludindo aos efeitos psicológicos do riso e sua função
purgadora e desalienante: “Basta saber que a gente/Sorrindo vive me-
lhor,/Se esquece do sofrimento/E ele fica menor,/Porque se formos
chorar/O sofrimento é maior” (Cit., p. 1).
A História do boi ladrão e o delegado fiel, a despeito
da sugestão do título, não pertence ao gênero maravilhoso, mas
é relato parabólico dos dramas sociais inerentes ao sertão feudal,
com destaque para a astúcia e justiça salomônica de um delegado
eticamente isento, fiel aos imperativos da ordem legal e sensível à
defesa intransigente do Direito e da correta aplicação da Justiça. A
ambiência de discórdia fornecida pela intriga é documentada no fo-
lheto A maldade de um mau vizinho e as mortes de dez inocentes,
em que o trovador deixa a nu, satirizando-a, uma sociedade de con-
frontos produzidos pela inconveniência de uma vizinha intrigante.
Na História da mulher ciumenta que comeu o marido assado,
curiosa nota de rodapé interroga o leitor: “Você sabia que o ciúme é
uma arma destruidora?”.
O prestígio da sátira será intensificado na seriação analí-
tica da situação brasileira fruto de enormes carências. Assim atuam
folhetos como A baixa e a tabela da carne fresca (com tabela de
preços na capa do livrinho) e A baixa e o desaparecimento da car-
ne fresca, ocasiões em que o poeta popular denuncia a inflação de
preços e os sérios problemas de desabastecimento da carne bovina
quando da frustrada tentativa de congelamento de preços e salários
no governo Sarney. N’O conto do pacote ou o ABC dos marreteiros,
MFS alerta incautos para o golpe dos pacotes vazios, encontrados por
malandros na rua. A data: “Itabuna, 15 de junho de 1972”. Em A
guerra dos cruzados e queda da inflação, o trovador denuncia,
mais uma vez, a violência enfrentada pelos brasileiros, vítimas da
carestia, da inflação, do sacrifício imposto aos mais pobres. A crí-
tica é comportada, respeitosa às autoridades e às leis, mas de fran-
co protesto contra desvios do congelamento de preços e salários na
era Sarney. MFS esclarece a conversão cruzeiro/cruzado e defende a
87
ideia da nova moeda, didatizando questões suscitadas pela implanta-
ção do cruzado e persuadindo os hesitantes para a boa conformação
das medidas do governo, estimulando-os às ações de concórdia, na
recepção ao Plano Cruzado.
No estilo de abordagem dos desastres naturais, Minelvino
se ocuparia de Um dilúvio em Buerarema e o flagelo de Itabuna,
d’A enchente da Lapa e o flagelo do bairro Nova Brasília e mais
inundações em Vitória da Conquista, Igrapiúna, Gandu, Ibicaraí, Bel-
monte, Ipiaú, Jequié, Jacobina, Juazeiro, Senhor do Bonfim, São Fé-
lix, Cachoeira, Ubaitaba e, especialmente, a de Itabuna em diferentes
períodos (1964, 1967, 1981 e outras). Em todas essas ocasiões, mi-
nistra recitativos apocalípticos, acreditando serem as cheias um sinal
sagrado, chegada a hora da expiação dos pecados. Por isso defende a
hipótese de os desastres não serem definitivos: “Não é mesmo o fim
do mundo/É o principio das dores”. Mesmo no mais agudo dessas
tragédias, o trovador não abre mão do humor gracioso e ingênuo. Na
História da enchente de 1981 em Itabuna, “Até o pinico da sogra/A
água já carregou” (Cit., 2). Como não lhe escapam também um ter-
remoto no Chile e A enchente do Rio de Janeiro e os sofrimentos dos
cariocas. Assim como trata das enchentes, MFS documenta também
as secas (História da horrorosa seca do Nordeste e a solução para
resolver o problema), a tudo renovando pela penitência, pedido de
clemência, ou seja, proclamando a via ascética (cantoria de benditos
e romarias) como instrumento de redenção e reforma.
Antenado com o que acontece à sua volta e no Exterior,
MFS noticia o atentado contra o papa João Paulo II, a morte e a as-
cese de Irmã Dulce e outros motivos e assuntos de sua contempo-
raneidade. Em O disco voador que apareceu na praia de Ilhéus, a
especulação é sobre extra-terrestres e sua civilização superior “Aonde
nunca existiu/O criminoso e ladrão”. Nesse gênero, projetando no ig-
noto virtudes ausentes na Terra, o trovador descreve os sucessivos
vôos da série Apolo e, n’As façanhas do Apolo-8 e os homens que fo-
ram a lua, informa o trânsito da nave espacial, deplorando os gastos
88
com a pesquisa em campo que julga estéril, quando deveríamos “É
cuidar d’outra invenção/O remédio para o câncer /Para curar nosso
irmão” (Cit., 7), além de trabalho para todos e construção de escolas
e hospitais. Declarando-se ignaro “do que a ciência faz/Meu estudo na
escola/Foi só do A para traz/ Minha opinião para a Lua/É que deixem
a Lua em paz” (Cit., 7), MFS se reporta como um atento observador
e comentarista das conquistas extraterrestres. A série de lançamentos
da Apolo foi, aliás, por ele coberta desde a descida no solo lunar (As
façanhas do Apolo 8 e os homens que foram a lua e O reino da
Lua), seguidos de A partida da Apolo 11 e a descida do homem na
face da Lua, O fracasso da Apolo 13 e os sofrimentos dos bambas
da lua reacende o azedume do poeta contra a aventura lunar, defen-
dendo o satélite como habitação de São Jorge e especulando sobre A
idade da Lua, aí por volta de 4 milhões e 600 mil anos.
Espécie de David Nasser do cordel, MFS baseou seus folhe-
tos em episódios da história contemporânea, a eles conferindo um tra-
tamento jornalístico, investigativo, persuasivo e exegético. O trovador
nem sempre incorre na neutralidade, manifestando-se convencido pe-
los fatos a emitir opiniões. N’As façanhas do beato Lourenço e a bata-
lha do Pau de Colher, postando-se contrário ao taumaturgo sertanejo,
julga-o um fanático facinoroso e ladrão, oportunista da fé e da crendice
do povo, ainda que sua versão no folheto seja declarada (como afirma
em nota de “Itabuna, 30 de outubro de 1967”) “Reportagem dada
pelo cabo Francisco Ferreira Lima (...) soldado de uma das volantes
da Bahia, e venceu a guerra do Pau de Colher” (Cit., 8). Por vezes, o
partidarismo de MFS antecipa-se no próprio título do folheto: A falsi-
dade de Gregório o pistoleiro do Catete, cujo início logo denuncia o
comprometimento da fonte: “Comprei um jornal “O Globo”/E vi toda
a falsidade/De Gregório com Getúlio”. De inspiração regional são os
mini-folhetos da série Noticiário Itabunense — A filha que matou o
próprio pai — e A garota raptada em Ilhéus e a prisão dos raptores,
onde um sarcástico MFS execra marginais: “O resto cairam fora/Para
não comer bofete/Com farofa de cadeia/E um chá de cacitete” (Cit., 8).
89
Em sua desenvoltura noticiarista, MFS ocupa-se dos assun-
tos mais diversos especialmente os que balizem a comoção popular,
ou a repercussão pública. É assim com A agressão dos ciganos e as
mortes do delegado Antonio Isquer e Nem da Farinha, em Coaraci,
ocasião em que o indignado trovador chega a pedir ao então presidente
Collor que expulse os ciganos do Brasil. O crime aconteceu em Itama-
rati, distrito de Ibirapitanga e o Isquer deve ser entendido como Scher.
Uma agressão fízica a Lucilio Bastos e a Rádio Difusora é ode à im-
prensa livre e ao seu papel difusor do conhecimento, da crítica e da in-
formação. Protestando contra os agressores Baldi Kalid (sic = Cálide),
prefeito de Gongogi, e seu filho Rômulo (o folheto é datado de “Itabuna,
29 de maio de 1979”), MFS adverte com graça ingênua: “Quem vive
batendo em homem/Pode virar lubis-homem/E arrisca a vida perder”
(Cit., 7). No folheto Os assaltantes de Banco no Estado da Bahia e o
linchamento de um deles em Firmino Alves, o trovador repórter con-
fere à notícia o imediatismo inscrito na esteira vertiginosa das ações
localizadas (no caso: 1987). Enquanto considera que “Bala é bicho sem
juízo/O povo todo afastava” (Cit., 7), o linchamento do assaltante assu-
me, para o poeta — e, por extensão, o leitor — fumos de vingança
inconsciente e fanática disfarçadamente concelebrados na obra.
Entretanto, o espírito conciliador do trovador-apóstolo
dirige a maioria de suas intervenções, retomando um discurso de
intermediação e implemento de reformas pacíficas, legitimada pela
redução do custo de vida e uma melhor distribuição de terra, mo-
radia e alimentação. No folheto A assinatura da Reforma de Baze,
por exemplo, mantém-se essa constante de regulação intermediada e
dialógica, junto com um arremate irônico do trovador a propósito dos
preços dos produtos no mercado brasileiro: “Só meus livros de histó-
rias/Nessa tabela não chia/Dois por cinquenta cruzeiros/No Estado da
Bahia!/Mais barato do que isto/Só casca de melancia” (Cit., 8).
Conquanto não se restrinja aos assuntos da contempora-
neidade regional ou nacional, MFS contempla o noticiário local ou
regional, com a importância conferida a eventos de vulto. Em O avião
90
sinistrado da Serra do Pilão, se alterna o relato de desastres com
vítimas, com o festejo do invento de Santos Dumont, rasura-o (“Obra
prima importante/E pra matar gente rica/Ainda é mais interessante”)
e também se previne (“Nunca andei de avião/Nem nunca pretendo
andar/Porque não sou passarinho/Pra no espaço voar/Pois no espaço
não tem/Onde ninguém segurar”). Intervém como um quase espe-
cialista em aviação militar no O avião Pantera e a guerra da Coréia,
folheto que toma o partido da indústria e ideologia norte-americanas
contra desumanos e escravocratas soviéticos e coreanos.
As peças de humor se ampliam e se encaixam na análise
dos problemas brasileiros avaliados pelo trovador-apóstolo. A baixa
da carne fresca e a tristeza dos vendedores, extraído de uma notícia
publicada no Diário de Itabuna, de 15 de dezembro de 1973, denun-
cia açougueiros e pecuaristas escondendo o gado abatido para forçar a
alta dos preços e subverter a tabela de contenção. O trovador se indig-
na, atribuindo a alta a gananciosos e marreteiros, e ainda salientando
maliciosamente que
91
Carestia bota Sunab para correr (“Peguei a tabela dela/Rebentei toda
no chão”), desmoralizando esforços de contenção inflacionária e a
queda dos altos preços. O carro da carestia, como outros, defende
os economicamente mais fragilizados, sem esquecer-se do sarcasmo:
“Os urubus já estão usando/Patente de generais” (Cit., 3). A série ale-
górica segue um ritmo brincalhão e lúdico, pontificando um curioso
diálogo entre o maxixe e o quiabo, verdadeiros lordes cortejados pelos
ricos. O quiabo acentua: “Quando aqui me chega um pobre/Eu fico
de prontidão/Para pegar na abertura/E dar muito bofetão” (Cit., 3).
E não se diga, porém, que MFS é alienado, por conta de seu aparente
conformismo cristológico, uma vez que o trovador adverte para riscos
iminentes: “Ou vai ter guerra civil/Ou morre todo operário” (Cit., 6).
Na descrição de desastres automobilísticos, o trovador
igualmente notabilizará um gênero de folheto de imediato alcance na
comoção popular. É assim no A caída do ônibus na Lagoa de Baixo
e a morte da professora Valdelice Borges (datado de “Itabuna, 29 de
janeiro de 1968”), em que uma reportagem do jornal A Tarde serve
de inspiração à temática de veiculação popular. O impacto do desastre
e a comoção por ele provocada repercutem dramaticamente no sen-
sível poeta, que quase sucumbe: “Já não tenho mais vontade/de es-
crever tanto horror/meus olhos se enchem d’água/meu coração sente
dor/mas sou obrigado a escrever/porque sou um trovador” (Cit,, 8).
E justificando ante a tragédia, invoca a veia estética, num dos mais
geniais fechos com acróstico da literatura de cordel brasileira, por
sua proverbial força verbal acumulada ao estro de inspiração popular:
92
Idêntico recurso à persona alegórica permanecerá satiri-
zando os descompassos de um sistema econômico ocupado em mi-
nar as já frágeis resistências do brasileiro sacrificado. Em A marreta
da carestia, MFS dotará de fala a bizarra personagem, assimilando-
-lhe as grotescas razões (“Eu defendo quem é forte/Quem for fraco se
derreta” — folheto datado de “Itabuna, 12 de novembro de 1977”).
Título e tema sequenciam A carreira da Sunab, e mais acréscimos
e variações em O sofrimento do pobre na taca da Carestia (“Itabu-
na, 20 de outubro de 1977”), incluindo minucioso quadro de outros
tantos flagelos e explorações. E num folheto aparentemente neutro, A
guerra do Oriente Médio e os sinais do Fim do Mundo, o cordelis-
ta opta pelo alinhamento automático (“Ao lado do americano /Entra
também o Brasil” – Cit., 5) e pelos apocalípticos sinais da desintegra-
ção humana na Terra, além de outros signos explícitos do final dos
tempos. O trovador rasura a suma de sangue e terremotos, glosando
horrores sinalizados pelas estrelas e deixando escapar mais uma mo-
tivação para agudeza da crítica à carestia:
Carne de 15 cruzeiro?
(...)
Só pode comer um peixe
Quem tiver unha de gato
(...)
Carne fresca o pobre hoje
É feliz quem vê o cheiro
Ou mesmo o cheiro sentir
Aquele que residir
Bem perto do açougueiro (Cit., 5)
93
em recursos dialógicos os explícitos Aparição de Nossa Senhora
das Dores e a Santa Cruz do Monte Santo, Coleção de benditos do
Bom Jesus da Lapa, O nascimento do Menino Jesus, A perversidade
que fizeram com a imagem de Nossa Senhora da Soledade e Os
conselhos do Bom Jesus da Lapa, As promessas dos romeiros que
agradam Bom Jesus, A voz de Nossa Senhora das Graças e a moça
de Itaberaba ou uma Coleção de músicas sertanejas de autoria de
Minelvino Francisco Silva, alternando letras religiosas e profanas.
Inequivocamente, o poeta grapiúna se sente mais à vontade
nos folhetos devotos e naqueles que resultam na (e da) comoção po-
pular. A humildade trovadoresca acompanha a invocação, que o poeta
não mais dirige a musas pagãs, mas aos sujeitos ou objetos sagrados
(Bom Jesus, Nossa Senhora, o Divino Espírito Santo, a Santa Cruz
etc.). No que versa sobre a chegada de Tancredo Neves ao Céu, por
exemplo, a invocação assim se dispõe:
94
Segunda edição do Rapaz que casou com um cabeludo pensando
ser u’a moça (e “Sem saber que a loteria/Ia dá burro e veado”, com
direito a glosas de Roberto Carlos e da Jovem Guarda, do tipo Eu não
presto mas eu te amo e Pode vir quente que eu estou fervendo). Mo-
tivação semelhante — agora com atributos simbólicos e emblemá-
ticos — se renova no folheto-reportagem sobre A triste história de
uma família soterrada em Ilhéus e os sentimentos dos cachorros
dos mortos. O casal de cães Rex e Bolinha, ganindo junto aos corpos
dos soterrados, remete o trovador à expressão requestadora dos sen-
timentos cristãos que acompanham as dores dos infortunados. Talvez
o mesmo se possa depreender de O rapaz que castraram no Ceará;
e a perversidade de um rico orgulhoso, relato de uma falsa denún-
cia de moça desprezada contra o moço pobre inocente. Sabiamente,
Minelvino omite os nomes dos envolvidos (“Com medo que o ricaço/
Mande me castrar também”), mas não renuncia à reflexão de ontolo-
gia crítica, concluindo que “o falso adoece a alma”. O folheto é datado
de “Itabuna, 20 de abril de 1976” e atribui o absurdo da violência às
desordens e ruínas da moral cristã no seio da família brasileira.
Como a narrativa popular em verso ocupa-se frequen-
temente do real, mimetizando-o ou e transfigurando-o, estende-se
seu perfil temático naturalmente a um conjunto imensurável de cir-
cunstâncias e modelos. Sensível à comoção popular galvanizada por
artistas identificados com a expressão de sentimentos mais comuns
e populares, Minelvino Francisco Silva traduz tais comoções em car-
gas simbólicas e emocionais. É o caso de folhetos como A morte de
Francisco Alves e a chegada no Céu e O pedido de Francisco Alves,
depois da chegada no Céu, onde sextilhas e sétimas ambientam o
cantor popular no aconchego afortunado do Paraíso, na companhia
de outros vultos históricos, políticos e artísticos, todos legitimados
pelo halo de simpatia compensatória empreendida pelo trovador. Al-
guns títulos chamam a atenção e ajudam a vender o produto artístico.
A prisão de Roberto Carlos o cantor da juventude é folheto sobre o
boato de prisão do Rei do Iê-iê-iê. A curiosidade do folheto, porém, é
95
ultrapassada, pois Minelvino dele se aproveita para discursar sobre a
dignidade dos ofícios, recomendando respeito equânime ao advogado
e ao roceiro, ao médico e ao trovador.
No relato do Nascimento e morte de Luiz Gonzaga Rei
do baião e n’A prisão de Luiz Gonzaga, reproduzem-se elegias ao
artista popular, com direito a ode rasgada de elogio e empatia, de
par com o intercurso das principais canções do ícone nordestino. A
morte do coronel Ludugero e seu secretário Otrope celebra outro
ícone, assim como a História da morte de Barnabé, em que Minel-
vino reconta divertidas anedotas do artista e diz que ele “É dos tais
que a morte mata/E depois chora com pena”. A paixão de Pedro
Caroço por Severina Xique Xique, reproduz em versão para o cordel
conhecida música popularizada por Genival Lacerda. Versão roman-
ceada de música popular iremos encontrar também na História do
fazendeiro que cortou o rabo do jumento. Na contracapa do folheto,
O rabo do jumento, do Coronel Ludugero, motivo da versão, em que
o fazendeiro se chama Nascimento Brabo e seu vizinho e reclamante
é o próprio Ludugero. Celebridades de outro nível também merecerão
homenagem em folheto, a exemplo d’A morte de Ayrton Sena e sua
chegada no Céu.
Ainda com base nesses exemplos de espelhamento do real,
MFS varia os temas de seus livrinhos, desde circunstâncias e vivências
pessoais — o episódio de Um roubo em Canavieiras ou a injusti-
ça de um tenente, relatando as humilhações sofridas pelo trovador
num episódio de furto numa pensão e a arrogância e o desrespeito do
Tenente Aniceto — ao O golpe do destino ou a morte de Geovaldo,
narrando um acidente com arma de fogo na sorveteria Pif Paf, defron-
te ao Cine Itabuna, quando um menino, imitando Rocky Lane, matou
outro sem saber que havia uma bala no revólver fatal. O trovador
então critica a mímese do cinema produzindo simulacros trágicos. Na
História da região cacaueira e a jagunçada do passado, o folheto
denuncia as boas e más ações no eito de uma rica lavoura, suas explo-
ração e benfeitoria, a cultura e a civilização nascidas e desenvolvidas
96
no sul da Bahia, ressaltando instituições como a Ceplac e o Conselho
Consultivo dos Produtores de Cacau. Atento aos fatos ocorridos em
sua região, o poeta documenta A temerosa explosão de uma cami-
nhonete de fogos em Jitaúna no domingo, 14 de abril de 1991 e O
temeroso desastre em Jitaúna, no dia da Micareta, descrevendo a
imprudência criminosa de um motorista de Jequié, cujos erros aca-
bam matando 14 pessoas e ferindo dezenas, razão pela qual quase foi
linchado pela população enraivecida.
Em sua feição celebrativa, MFS produziu folhetos Em ho-
menagem a Itabuna e aos seus habitantes, com capa mostrando a
lateral do Banco Econômico e o painel de Lênio Braga, na praça Ada-
mi. A ode à cidade que o acolheu faz o trovador declinar: “Conheço
esta cidade/Há uns 6 anos passados”, o que sugere ser o folheto de
1954. A obra enaltece o fundador e os colonizadores do município, o
comércio, as gráficas (algumas também jornais) Voz de Itabuna, A
Época, A Agenciadora, O Intransigente, Melgaço, Santo Antonio, no
bairro da Conceição, os médicos, dentistas, advogados, as instituições
públicas, escolas, os bairros, ruas, igrejas, centros de outras religi-
ões, além das empresas de ônibus, farmácias, casas exportadoras,
indústrias de café e macarrão. Destaca ainda o que hoje tornou-se
absolutamente improvável: “Temos o rio Cachoeira/Pra quem quiser
se banhar/O peixe aí à vontade/Pra nosso povo pescar”.
Nas sétimas heptassilábicas com que festeja A vitória da
Seleção de Ouro de Itabuna e sua chegada em Ilhéus, Minelvino
Francisco Silva se arrisca até a narrar lances e gols da equipe tri-
campeã do torneio intermunicipal, nomeando jogadores e efeitos das
partidas, a exemplo de Fernando Riela, Luiz Carlos, Tombinho, San-
tinho, Zé Reis, Gagé, Ronaldo e outros. O feitio celebrativo também
seria enunciado em folheto (datilografado e manuscrito, datado de
“Itabuna, 14 de junho de 1996”), festejando A libertação do Brasil
das algemas de Portugal, onde se verifica nítido penhor retrospec-
tivo da nacionalidade. Celebrativos seriam ainda A inauguração de
Brasília e a ideia de J. K. — em que MFS compara Juscelino a Pedro
97
Álvares Cabral (“Descobriu Pedro o Brasil/E Juscelino a Brasília”) e
glosa ironicamente os ciúmes do Rio de Janeiro com a transferência
da Capital Federal. A ode à Novacap catalisa frentes de trabalho e o
trovador defende a divisão territorial dos Estados de Minas Gerais e
Bahia com uma cândida justificativa: “Porque são grandes demais...”
Nos folhetos circunstancialmente reflexos de acontecimen-
tos políticos e sociais, MFS é declaradamente conservador e rigoroso e
disciplinado asceta do império da autoridade. Em As greves no Brasil
e a eleição de Fernando Collor, é ainda o crédulo (que depois se
declarará traído) nos ideais reformistas do político alagoano. Denun-
ciando o país das exclusões, no entanto, revela todo o seu potencial
de ironia, apupando o caos onde as inversões prosperam e “Linguiça
come cachorro/Banana come o macaco”. A greve de Itabuna (con-
tracapa elogiando a polícia) é folheto que deplora a greve, não lhe
reconhecendo perfil político adequado, nem nas conquistas, nem nas
ações, ainda que o trovador relativize a autoridade das leis e do direi-
to: “Tudo com lei se conquista/Dentro da educação/Para isso temos
lei/Em nossa bela nação,/Embora que poucos cumpra/E obedeça a
razão” (Cit., 7). A Revolução da Reforma Agrária é manifesto con-
ciliador e contra greves. Em A vassoura de bruxa no sul da Bahia
(datada de “Itabuna, 28 de fevereiro de 1990”), o tom é apocalípti-
co, vingador, acusatório dos tempos de fausto irresponsável. A voz do
texto começa alegórica, com a vassoura expedindo seus libelos acu-
satórios, depois vai descrevendo as etapas de evolução da epidemia
e seus resultados e repercussões catastróficos. Já n’Os sofrimentos
de um bahiano no Estado de São Paulo (de 1952) revela-se um
ironista deplorando o êxodo sem planejamento e a frustração em São
Paulo (tido como a Pasárgada de desesperados trabalhadores). Inclu-
sive, MFS glosa Bandeira — “Vou-me embora pra São Paulo” (Cit.,
2) — satirizando as amarguras de desiludidos trabalhadores e seus
fracassados retornos. Incurável otimista, todavia, MFS invectiva seus
conterrâneos a permanecerem e confiarem na recuperação da Bahia
como lugar de trabalho e progresso individual e coletivo.
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No plano internacional, o conservadorismo de Minelvino
Francisco Silva também pouco se altera. Analisando A guerra do
Iraque e a loucura de Sadam Russém, apresenta uma versão dos
episódios contaminada pela embalagem de produto jornalístico fa-
vorável aos Estados Unidos. Os estadunidenses e a ONU aparecem
como salvadores da paz e do estatuto do direito internacional. Am-
parado por esse noticiário a favor de um só lado, claro que o ânimo
do trovador demonizará o outro, oriental, com o registro ingênuo das
falácias da primeira guerra contra o Iraque, representando os Estados
Unidos como salvaguardas da democracia, prendendo seus inimigos
e tratando-os com patética brandura: “Porém eles são tratados/Como
uns seres humanos” (Cit., 6). O curioso é como o trovador grafa os
nomes estrangeiros, tal como pronunciados na oralidade popular:
Jorge Buxe, S. Russém, Miterran, Tela-Vive, Kuáite. Mísseis, por exem-
plo, são Misses. Em outra circunstância de alinhamento incondicio-
nal, Libertação dos reféns americanos do cativeiro do Iran legitima
a política internacional dos Estados Unidos, sua versão triunfalista
contaminando o ingênuo trovador, ao tempo (“Itabuna, 26 de janeiro
de 1981”) do envolvimento de nomes como Reza Pahlev, Komeini,
Jimmy Carter, Ronald Reagan e quejandos...
Onde talvez MFS melhor tenha estruturado sua obra tro-
vadoresca é nos folhetos de inspiração fantasiosa, especialmente em
casos picarescos e humorísticos. Um matuto vendendo Rola assada,
por exemplo, apela para a ambiguidade metonímica, o duplo sentido
que se aplica aos nomes de passarinho e membro viril na sinonímia
popular da Bahia. O lúdico das cenas e da forma espicaça o humor
gracioso e espontâneo, com o trovador reproduzindo a fala malicio-
sa de um vendedor de pássaro assado nos vagões e nas estações de
trem: “Minha rola é tão gostosa/De gorda já tá minano (...) O efeito
da menor/É o mesmo da graúda” (Cit., 2), “Nem polvor [provou] de
minha rola/Logo no mato jogou” (Cit., 3). O folheto embarca gozoso
na ambiguidade subreptícia: “Pois minha comadre Perola/Com o dia-
bo da usura/Comeu rola a tarde toda/Com tanta da gustusura/Comeu
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uma rola inteira/Quando foi na derradeira/Ela já estava dura” (Cit., 5)
— e ambiguidade explícita que associa a malícia ao inconsciente des-
reprimido, pois intencional: “Eu como macaco velho/Não vou cair na
cilada” (Cit., 7). Assegurando-se do que chamou de “idioma brejei-
ro” (Cit., 8), MFS anuncia novas duplicidades, entre as quais Matuto
vendendo ovos e Casamento da pulga. Semelhante identidade hu-
morística é seguida em Um samba de murros no jogo do Bahia com
o Itabuna (14 de junho de 1979), História de Zé Valentão e sua luta
com Olegário Piadista (glosa de causos, piadas e humor ingênuo e
faceto, folheto datado de “Itabuna, 5 de março de 1990”) e O trova-
dor radiotécnico, mini-folheto de 8 páginas, composto em décimas,
com martelo e mote: “Monto/rádio num só dia/Ou um amplificador”.
Neste exemplar de facécia ingênua, MFS se arroga autossuficiente no
conhecimento do ramo anunciado, mesmo declarando-se tipógrafo
que “arranjo como xilógrafo/Atrás do jeito da vida” (Cit., 8). O mote
final é alterado, culminando com a explicação: “Senhores vão descul-
par/Esta minha brincadeira/Escrevir tanta besteira/Que faz até abu-
zar”. Justificando-se, por fim, apenas como trovador, confessa: “Nem
monto um rádio num dia/Nem um amplificador”.
A última moda para 1977 e o casamento da raposa (ro-
mance de 16 páginas sugerido pelo título interno A mulher de 7 me-
tros que apareceu em Alagoas propagando a última moda para
1977. é bastante curiosa: “Agora em setenta e sete/É só tamanco e
chapéu”. A mulher de sete metros é filha de Lúcifer, impedida de
casar-se porque as moças da Terra a imitam e roubam suas modas
escandalosas, prejudicando-lhe a novidade. No mesmo diapasão, O
casamento da raposa com o veado cristaliza o modelo de prestígio
antropomorfo dos animais, seguido no exemplar de Uma eleição na
floresta, ambos mantendo a mesma graça maliciosa e ambígua dos
folhetos picarescos.
N’O valor da Reforma Agrária e a missão da terra, desta-
ca-se o quase solitário defensor da Reforma Agrária dentro da lei, sem
invasões nem represálias. As sétimas heptassilábicas reconhecem a
100
legitimidade da luta dos posseiros e Sem Terra, despontando para um
otimismo recalcitrante e messiânico: “Depois da Reforma Agrária/
Todo pobre vai ter nome/não terá vida precária/Porque a Reforma
Agrária/Da pão para quem tem fome” (Cit., 8). O nostálgico reden-
torismo d’O valor da Reforma Agrária permanece em dois outros
folhetos tematicamente relacionados à manifestação expletiva dos de-
sejos utopistas do trovador. Em A volta do presente para o passado e
o valor do cruzeiro forte e, mais especialmente, A volta do passado,
MFS todo o tempo suspira por um passado grandioso, antenado com
típico mote proustiano: “Ah se o passado voltasse...”
A Historia de Lampião em Vila Bela, romance de 32 pá-
ginas ampliado do ABC de Lampião, reinveste no vergaste à usura e
ambição projetadas em uma velha ingrata a um Lampião protetor, a
quem a mulher pretendia envenenar. Descoberta a trama por meio de
uma colher de prata — que negreja em contato com o veneno —, o
rei do cangaço manda incendiar a traidora para proveito e exemplo da
moralidade. O folheto é claramente de feição favorável ao cangaceiro,
que promove no sertão a justiça e o castigo. A narrativa hiperbólica faz
um trem-de-ferro “levantar poeira...” Mesmo teor justiceiro e punitivo
se inscreve na História de Mão Branca o matador de bandido no Rio
de Janeiro, em que o cordelista subsume o crime e a ação justiceira,
tomando como pretexto a defesa da lei de Talião do Velho Testamento,
desejando a existência de mais vingadores espalhados pelo país com
a justificativa de que “Precisa muitos Mãos Brancas/Em nossa bela
Nação” (Cit., 5). Quanto aos ladrões, o trovador vai mais longe em
sua sequência de reptos justiceiros, deixando aflorar um curioso MFS
partidário da pena de morte para latrocidas: “Pode matar que é bicho”,
pois “Quem mata pra roubar/É um filho do diabo” (Cit., 6).
Desvios morais como incesto, estupro e homicídio são
igualmente alcançados e punidos pela semântica justiceira de outros
tantos folhetos de MFS. N’O irmão que matou a irmã na Fazenda
Canudos, em Poções, a ironia do nome do fratricida: Clemente. Mes-
ma constância de apelo à justiça está inscrita em A morte de Maria de
101
Lurdes e a prisão do monstruoso tarado, A morte de um fazendeiro
e a revolução em Itapetinga, A morte de um menino na Desportiva
Itabunense e a fuga do soldado Elias, A morte do guarda Maroto
na Vitória da Conquista, A morte do motorista de táxi e a prisão
do criminoso, As mortes de cinco crianças e o sentimento de uma
professora, As mortes em Buerarema ou o direito de matar (em
que MFS proclama que “Já estamos em 53” e confirma Nostradamus,
anunciando que não chegaremos ao ano 2000...). N’O linchamento
de 5 ladrões de carros em Ipiaú a riqueza de detalhes aprofunda as
justificativas do trovador de que a justeza dos atos se baseiam na lei-
tura enviesada do Velho Testamento e da Lei de Talião “porque quem
mata sem lei/Sem lei terá que morrer”. Outros títulos confirmam
a personalização do fetiche na danação aos transgressores. Em O
monstruoso crime de José Carlos dos Santos e a prisão de Paulo
César Farias denuncia-se o rolo compressor da corrupção endêmica
na Brasília da era Collor e dos anões do Orçamento. N’A morte da
viúva Precilia ou o fazendeiro que mandou matar a irmã e cortar
uma orelha”, narram-se testemunhos extraídos do programa de Pe-
dro Lemos na Rádio Clube de Itabuna, 18 de maio de 1970. A base
material fornecida pela imprensa também será ampliada no folheto
A morte de Aragão pela polícia de Itatingui, em que MFS, inspirado
no noticiário do Diário de Itabuna de 9 de fevereiro de 1978, elogia o
combate sistemático a bandidos, requestando os pecadores para a via
do perdão e da penitência.
Reflexos morais ou teológicos igualmente permeiam os
folhetos, notabilizando o poeta popular como pregoeiro de máximas
da exegese cristã para purgação dos conflitos no mundo. A Tragé-
dia de morte de Barrinhos, ao transcrever notícia publicada no
jornal O Intransigente, especula em sextilhas heptassilábicas sobre
a tentativa de assassinato, via atropelamento na rua Paulino Vieira,
em Itabuna, e o quase enforcamento do milionário Oscar Marinho
Falcão, fatos acrescidos do que viria a acontecer ao quase homicida
Barrinhos, apontado como executante de um plano para eliminar
102
o rico fazendeiro. Já a História do falso profeta da Assembléia dos
Santos e a morte de oito crianças em Salvador reencena a suma
de protestos do trovador contra fanáticos e tendo em vista uma mais
correta exegese do Texto Sagrado, cuja leitura não se deve fazer “ao
pé da letra”.
Os folhetos cujas diretivas temática e conteudística obede-
cem ao arcabouço do fantástico ou do extraordinário constituem capí-
tulo fascinante envolvendo a obra de Minelvino Francisco Silva, tanto
pela riqueza e variedade dos lances de ação, quanto pelos aspectos
singulares que enfeixam essa obra. Na História de João Preguiço-
so e a cabra que chocalha dinheiro, o próprio Minelvino designa a
narrativa como integrada no assunto fabuloso. Particularmente feliz
nos entrechos narrativos do conto maravilhoso, descreve o percurso
picaresco de João, sua toalha mágica (que sempre trazia comida farta
à mesa) roubada por uma velha. João Preguiçoso é o heroi castigado
pela esposa iracunda. Sua história graciosa encerra o triunfo cele-
brativo da boa intenção, junto com a vitória dos ingênuos e puros,
castigando os arrogantes e gananciosos. A História do homem que
engoliu um caminhão e defecou um automóvel evidencia o humor
hiperbólico e sutil, satirizando, pelo exagero, as fantasias da soberba
(e da gula, naturalmente). Um homem aparentemente comum engo-
le um caminhão inteiro, com chofer e tudo. O médico chamado para
lhe prestar assistência analisa o caso e apresenta a solução mais viável
para combater aquilo considerado fenômeno e primor das circuns-
tâncias naturais: “Disse o doutor: eu não faço/Neste bruto operação/
Mas vou ensinar um remédio/ Que salva a situação,/Porque o que
passa na guela/Passa também no botão” (Cit., 4). A sutileza de MFS
indicia curiosa metáfora para a extremidade terminal do reto, sutileza
que parece desaparecer quando admite prescrever-se trinta toneladas
de azeite a fim de o gigante expelir o engolido, com as consequên-
cias mais danosas aos sentidos, especialmente ao olfato: “A barriga
de Gonsalo/Começou a papocar,/Cada vento que ele dava/Só via azeite
voar/Um fedor tão horroroso/De ninguém mais suportar” (Cit., 5).
103
O fabuloso absorve o fenomênico e dita a ordem do gênero
do folheto, ainda que este recorra ao virtual, promovendo o interna-
mento do chofer sobrevivente a tão bizarra experiência no itabunense
Hospital Santa Cruz... A hilaridade se associa ao humor ingênuo e
envolvente em outros folhetos como a História do homem que ia
ser enterrado vivo. O entrecruzamento do real com o fantástico ou
extraordinário subsiste na História do homem que matou o pai e
bebeu-lhe o sangue. O assassino é descrito como um pobre celerado,
o que talvez faça com que o trovador recorra aos expedientes costu-
meiros: “Se é que não foi assim/Ninguém se queixe de mim/Vi no
jornal publicado” (Cit., 8). Na História do português inocente e a
Ponte que caiu ocorre seguramente a única oportunidade na obra de
MFS em que aparece a sugestão de um palavrão, ainda que descolado
de seus aparentes significante e significado. O expletivo irado Puta que
Pariu é socialmente convertido para Ponte que Partiu. Mas no começo
da narrativa (p. 1), MFS grafa História do português inocente e a
Puta que pariu. Comentando seu folheto como história de gracejo,
MFS chama a atenção para a “puta que pariu/Lá dentro do cabaré” e
esclarece, eximindo-se da responsabilidade do dito, tudo atribuindo à
confusão de contextos e à falta de malícia do português, inocente da
ambiguidade prosódica brasileira. O português é acusado de desacato
à autoridade policial porque assim respondia a propósito do parto no
cabaré: “Foi a puta que pariu”. A graça ingênua suspende o pendor
escandaloso do palavrão, a fala deslocada injetando verdade essencial
do dito em seus diferentes contextos. O trovador investe no ludismo
da fala e suas representações, aludindo ao reforço praguejador do
brasileiro que “Quando ver uma coisa feia,/Grita: puta que pariu!”
(Cit., 8).
Os simulacros das crendices populares ou o universo dos
bruxedos e abusões também irão transparecer amplamente nos tex-
tos de Minelvino. A História da mula de padre que apareceu no Es-
tado de Sergipe reproduz o repertório do fantástico e absurdo inscrito
no imaginário popular e folclórico. A História da mulher xingadeira
104
e o menino que nasceu com dois chifres em São Paulo transcreve
fenômeno escatológico: o bebê diabo gerado por mãe praguejadora:
“O moleque deu um pulo/Depressa na jaula entrou,/O médico bateu
a porta/Ligeiramente trancou,/O negro deu uma dentada/Num ferro
que envergou” (Cit., 5). Intervalando-se ao predomínio do absurdo
ditado pelo fenomênico, alguns folhetos permanecem no território
do fabuloso, mas engendrados numa ambiência de leveza até idea-
lística, ou quimérica. É o caso d’O amor do filho da raposa com o
filho da galinha, consagrando a amizade como um valor imemorial,
reunindo um raposinho a um pintinho, unidos em jogos e brinca-
deiras, equivalendo ao afeto impossível entre O gato Malhado e a
andorinha Sinhá, de Jorge Amado. A raposa, porém, impõe ao filho
o senso de medida do real, virtualizando um choque lógico da ordem
material concreta, signo da vida prática, e argumentando: “Aquele seu
amiguinho/É ele o nosso pirão/(...)/Já está no tempo, meu filho/De
brincar de mastigar” (Cit., 4).
A história então torna-se fábula de quando os bichos fala-
vam... e sentiam, a exemplo do que versa O casamento do tigre, ou o
cavalo do mestre coelho, romance de 32 páginas que elogia o triunfo
da astúcia e da inteligência contra a força e a agressividade. A Estória
do papagaio criminoso e o macaco pistoleiro exercita o lazer des-
contraído, de riso fácil, num folheto que se transmuda em folhetim.
No surpreendente O encontro do rei das feras com o bicho homem,
MFS alia e põe em relevo as mais realistas preocupações ecológicas e
reflexões da filosofia humanista e cristã. Já na História de Zé Lamba-
da, o rapaz que dançou lambada no Inferno, o trovador revisa seus
assuntos e modelos temáticos e estilísticos, atualizando-os e renovan-
do-os de acordo com os registros sociais de sua contemporaneidade,
a esta acrescentando uma pitada do extraordinário, do fabuloso ou
escatológico. Uma vez que suas prerrogativas são sempre de ordem
moral (e da moral religiosa católica, apostólica, romana), MFS põe os
diabos dançando lambada, com seus “chifres/Em forma de um quia-
bo” (Cit., 3). E com a mesma frequência, como bem observou Clóvis
105
Moura no O preconceito de cor na literatura de cordel (São Paulo:
Ed. Resenha Universitária, 1976), MFS reinveste na discriminação
corrente, associando cores emblemáticas da geografia e antropologia
etnocêntrica, em que os diabos são sempre negros.
Na fronteira entre o virtual e o escatológico, a História do
homem que vomitou sete urubús é texto de investigação atribuído
a um jornalista, que vê diminuída a quantidade de urubus vomita-
dos até concluir por uma verossimilhança escandalosa: o vômito era
preto como as aves rapinadoras. O relato gracioso descamba para di-
ferentes versões de um fato que, desvelado, passa de fenômeno a sim-
ples imagem comparativa. O ciclo da “mulher de sete metros”, que
originalmente “apareceu em Itabuna”, teve sequência alarmante “no
caminho da Lapa e assombrou um motorista em São Paulo”, além de
outros circuitos, desvela histórias distintas, com a mesma persona-
gem fantástica e semelhante diapasão moralista, incorporando, por
vezes, os mesmos trechos de exageração superlativa com o fim de
infundir no leitor a fragrância alarmista.
Assim se constitui a produção do folheto extraordinário na
obra de Minelvino Francisco Silva: variada e dinâmica, exibe a familia-
ridade do trovador com diferentes signos de linguagens e motivos. A
muriçoca que enguliu um caçador, por exemplo, revela o quanto os
folhetos serão assistidos por hipérboles espetaculares, pois do inseto
enfim capturado, “Zuza tirou só de banha/Vinte e cinco toneladas”
(Cit., 7).
Os modelos seguidos no tratamento de assuntos históri-
cos não raro indiciam um MFS pouco afeito a considerar versões,
sobretudo as que divirjam da interpretação oficial. Na História de
Antonio Conselheiro e a guerra de Canudos, por exemplo, desen-
volve-se uma malha de análises pantanosas, com MFS enxergando
no Conselheiro alguém completamente desviado da ética cristã para
a política, tanto assim que “se virou no carniceiro” e num falsário,
pois com “sua imaginação/(...) iludia/Toda aquela multidão” (Cit.,
1). Os exageros da análise são condicionados à formulação papista,
106
de continência absoluta aos rigores da Igreja Católica e ao respeito
integral aos governos. MFS é um legalista em estado puro, o que o
impede de perceber a alteridade de pensamento ou de relativizar os
contornos da verdade histórica. Escapam-lhe, em decorrência, a dis-
tância crítica sobre a natureza e característica da morte humilhante
do soberbo Moreira César, dos impostos escorchantes da República
ou da fraude na recusa à entrega da madeira de Juazeiro, conquanto
a encomenda já estivesse paga pelos canudenses. Enquanto para o
Conselheiro sobram epítetos como “aquela bruta serpente” e os con-
selheiristas são tachados como “bandidos”, o general Oscar Andrade
é galardoado com caracteres bíblicos: “Na coragem era um David/Na
força era um Sansão”. O poeta cita Os sertões, mas omite o massacre
denunciado por Euclides, ao passo que as tropas oficiais aparecem
sempre como generosas e complacentes.
Obediente ao seu perfil apostolar, a obra de Minelvino
Francisco Silva perfila um trovador obcecado pela função social da
educação, caracterizando-lhe o papel de regeneradora dos costumes.
Uma das mais prestigiadas seções da obra minelvina reside justa-
mente em sua preocupação com os fenômenos morais afligindo a
sociedade contemporânea brasileira, conforme comprovam títulos
como ABC da maconha e o desacerto do maconheiro, em que o
inconsciente textual revela uma sintomatologia de caráter autoritá-
rio, pouco frequente no cordelista. A barbaridade dos ciganos e a
vingança de um motorista é peça de revanchismo moral narrando
os trágicos episódios envolvendo um motorista paranaense, que invo-
luntariamente atropela e mata o filho de um cigano, é trucidado com
requintes de selvageria homicida e depois vingado por seus pares. Em
Os conselhos de sua mãe subsistem a exemplaridade moral e relatos
de Trancoso em versos de purgação. A morte do Santo Padre o papa
Paulo VI comunga do pensamento papista contra o divórcio, o aborto,
o casamento de padres etc.
A série de Conselhos compreende desde O crime de quem
não sabe ler — malfadada história de um analfabeto que mata a
107
mulher supondo ter sido traído por ver (e não ler) uma carta da mu-
lher dirigida a um infame que a cobiça e em que ela protesta eterno
amor e fidelidade ao marido — aos folhetos adventícios alertando
para os riscos do analfabetismo, e da má educação, além d’Os con-
selhos do Padre Cícero e a vocação a Nossa Senhora dos Dores, Os
conselhos do Padre Vítor e o incêndio na procissão e Coração de
Mãe. Os conselhos do Padre Cícero, aliás, começam por profetizar
secas e inundações, fomes, mortes, maldições e doenças, as guerras
e a iminente chegada do Anticristo. Antes de aconselhar (de se peni-
tenciar, orar, respeitar o Deus dos cristãos), o padre de Juazeiro do
Norte prognostica, em hiperbólicas premonições, a proximidade do
Anticristo, retomando os humores do Nostradamus permeado pelo
Apocalipse e confirmado pelo trovador: “O caso aí vai ser sério/Nin-
guém deve duvidar,/O sangue dá no joelho/Só parece com o mar./Pois
o sol desaparece./ O mundo todo escurece./As águas dão pra amar-
gar” (Cit., p. 6).
Folhetos há que concelebram o exclusivismo doutrinário
dos representantes da Igreja Católica Apostólica Romana, comentan-
do e interpretando as teses papistas sobre as reformas sociais (com
destaque para a análise do percurso da Reforma Agrária por todo o
país) e outras. Na glosa de glorificação beatífica encontramos A se-
gunda chegada do papa no Brasil e sua visita a Irmã Dulce, O
doloroso atentado contra o papa João Paulo Segundo e A gloriosa
chegada de Irmã Dulce no Céu, ocasião em que um sempre sur-
preendente trovador pede perdão a Deus pelo pecado da imaginação,
presumindo e antecipando-se a hipóteses divinas. E justificando-se
previamente face à produção de folhetos imaginosos: “Que isto é arte
de viver/Pra de fome não morrer/Nem roubar ao meu irmão/(...)/
Antes julgar para o bem/De que julgar para o mal” (Cit., 8).
Repórter documentarista de crimes, MFS purga com seus
folhetos a ambiência de desvios morais, denunciando a banalização da
violência homicida. Em O crime misterioso ou o homem que tomou
80 facadas, descrevendo o macabro assassinato no antigo bairro do
108
Cajueiro, em Itabuna, em 7 de dezembro de 1958, a vítima é assim
referida: “Furado mesmo a miúdo/Como quem fura um mamão/
(...)/Fizeram com o pobre homem/Como faz com melancia”. Os títu-
los se sucedem numa seriação de horrores: Os crimes de Emilio Ca-
roba e o milagre da promessa, Os crimes em Candido Sales antiga
Nova Conquista (com o idealista abstrato pronunciando-se pelo de-
sarmamento: “Em vez de usar um revólver/Use o Novo Testamento”),
O direito de Matar — formulação pacifista invocando a fábula em
defesa do desarmamento: “Nós pensamos que as armas/Servem para
nos salvar/Mas é engano amiguinhos/Só é pra nos condenar/Porque
elas dão a nós/O direito de matar” (Cit., 6).
O vezo moral induz a totalidade das conclusões firmadas
nesses folhetos. Em O direito da mulher, o trovador inova com o
reconhecimento dos direitos de igualdade sexual, atribuindo à mu-
lher mecanismos sociais de equiparação profissional e equidade de
direitos e deveres. Mas o texto também adverte para a exacerbação
feminista, com as hipérboles da praxe, que resulta numa mulher for-
mulária, liberada para cometer os mesmos vícios masculinos:
109
metia o rabo/Porém o povo de hoje/É quem atenta o diabo”. Depois
apurou-se ser a carta apócrifa e o verdadeiro assassino, um irmão
de José M., Marcelo, o criminoso que matou os pais e incriminou
o irmão deficiente mental pelo incidente. Em As quatro misérias
deste mundo (datado de “Itabuna, 26 de setembro de 1968”), dé-
cimas decassilábicas, compostas em ritmo de martelo agalopado,
testemunham uma das mais notórias referências poéticas de MFS
no âmbito do ludismo medieval, incluídos o mote e suas glosas:
“Jogo, dança, cachaça e mulher ruim/São as quatro misérias deste
mundo”.
O inventário dessas considerações morais tangencia um
sem-número de assuntos. A História de João Besta descreve as tro-
pelias do tosco João, parvo de doer, homem mais besta, impossível.
A História de um rico orgulhoso escarnece de valores negativos
como orgulho, soberba e ausência de caridade. A História do fim
do mundo e julgamento final é versão do trovador-apóstolo para o
Apocalipse cristão, ambiência escatológica e simbólica que se esten-
de a Uma história contada por Jesus, Lázaro Leprozo e um rico
avarento. O debate sobre valores cristãos se superpõe à História
dos quatro irmãos usurários. Na disputa por um caroço de milho,
os irmãos ganham um boi, que esmaga três deles, fazendo evoluir
a predominância de motivações fantásticas na narrativa em verso
popular. O irmão sobrevivente assim festeja o fatídico usucapião:
Respondeu o usurário:/Sai daqui velha ruim/Comida de velha é
terra/Ou então grama ou capim,/Enfrento todo embaraço/Mas não
te dou um pedaço/Nem que tu me faça assim” (Cit., 5). O assim
determina o gesto de cortar a garganta, o que acaba acontecendo ao
avarento e à velha.
O moralismo adstringente faz-se acompanhar das instân-
cias de riso como em A língua de minha sogra, folheto em oitavas,
rimado em ABCBDDDB, hilariante nas peripécias e situações típicas
dos quiproquós, aí incluído o conselho ortodoxo que o trovador (nada
apóstolo...) prescreve aos que sofrem com as sogras:
110
Quem tiver sogra ruim
O remédio é dar bofetada,
É um remédio tão bom
Que logo fica domada,
E mulher conversadeira
Má criada fuxiqueira
Que se mete a lambanceira
O remédio é dar pancada (Cit., 8)
111
Em Os menores transviados, folheto refletindo os dramas
sociais produzidos pelo abandono familiar e pelo Estado, Minelvino
descreve comportamentos e analisa criticamente a sociedade per-
missiva responsável por esses dramas, defendendo a pedagogia do
cinturão para bem educar os filhos. O trovador insinua ter sido o li-
vrinho escrito em 1961, em Brasília, e publicado em “Itabuna-Bahia,
27 de junho de 1979”. Em iguais períodos, reflete com desalento:
“Está passando do tempo/De termos ordem e progresso” (Cit., 7).
A crítica de comportamentos sociomorais também orienta A moda
da mini-saia e a garota Braza Viva, descrito à luz de fenômenos
universais de desagregação: “Em Saigon a guerra é feia/matam pra
mais do “contrato”/o Egito com Israel/vive sempre em desacato/Via-
tinã morre gente/que só cabelo de gato” (Cit., 7). Os signos apocalíp-
ticos são apreendidos das Escrituras e, conforme Minelvino citando o
“velho Nostradamus”, das profecias de que não chegaríamos a 2000
(o folheto é de 1966 ou 1967, salientando que “para inteirar 2 mil/
não falta nem trinta e três” — Cit., 7). Igual senso de desproporção
comportamental e insuficiência de exemplaridade moral percorre A
mulher que bateu no marido de sandalha japoneza. Já em A morte
de Maçú vitima de um candomblezeiro o desnivelamento resvala
para o preconceito de origem religiosa, com o final do folheto reve-
lando temor e precaução do trovador, que invoca o bom senso dos
afetados: “Agora, meu folhetinho/Aqui eu vou terminar/Pedindo aos
candomblezeiros/Que queiram me desculpar/Não vão me botar por
baixo/Do seu tremendo despacho/Com raiva pra me matar” (Cit., 8).
Ambientado “no reino de Sião”, mas livremente inspirado
na canção dramática de Vicente Celestino, “Nobreza de um coração
de mãe e a loucura de um filho apaixonado” reproduz as instâncias
do Coração materno, de Celestino e Gilda de Abreu. Sua abertura
desloca o trágico para o lírico: “Amor de mãe é tão grande/Não se pode
comparar,/É maior do que a terra/Mais profundo que o mar,/Mais
suave que a brisa/Numa noite de luar” (Cit., 1). Tematicamente, não
se altera a reprodução: Adriano, apaixonado por Rita Aragão, investe
112
contra o coração de sua mãe, arrancando-o com violência. O cordel
acrescenta ao drama o penhor materno intervindo pelo filho prestes a
ser enforcado, livrando-o da morte justamente por tê-la assassinado.
Na linha de folhetos descrevendo desvios de ordem mo-
ral por influência do alcoolismo, O poder da cachaça contra a lei
do Criador é alegórico, passando a voz à Cachaça, que protagoniza
um humor ingênuo projetando uns curiosos mandamentos para ob-
servância do consumidor etílico. A narrativa de proveito e exemplo
permanece extensiva a’ O rapaz que comeu a orelha do amigo com
cachaça, título ampliado no interior do folheto para O rapaz que
comeu a orelha do amigo com sal, limão e cachaça. Aqui MFS espe-
cula e amplia anúncio escandaloso, extraído da leitura de notícia no
jornal O Repórter, de Goiânia, em 6 de outubro de 1977. Encerrando
sua catilinária contra o uso de bebidas alcoólicas, reafirma o trovador,
em verve apocalíptica e regeneradora:
113
da vida/Pra gente se desviar/E não ir se atolar/Na lama pra se acabar/
Como eu aqui perdida” (Cit., 7). Nas décimas de A resposta do direi-
to de nascer avultaram algumas novidades estilísticas na composição
dos folhetos: o ritmo de galope, as pertinentes indagações e a produ-
ção por encomenda, mas sem conotação política. O tema proposto
por outrem é então desenvolvido pelo trovador obedecendo a impera-
tivos do arrazoado e referendo contra o aborto.
Em outra ponta da moralidade irônica, MFS narra O resul-
tado de quem vende fiado”, décimas contendo agudas advertências
ante um mundo submergido ao caos moral, ausência de caráter (co-
mido por cachorros) e vergonha (lambida por gatos). O trovador não
apenas adverte, mas igualmente admoesta, recriminando a quem fia
e, por consequência, assim lavando as mãos:
114
anarquia”. Na trilha desses e de outros tantos descaminhos, o poeta
se indigna contra As safadezas de hoje em dia. E com o mote “É a
maior safadeza”, reúne todos os males recriminando o nudismo, o
top-less, a maconha, o homossexualismo, o fiado, o furto no peso, o
aborto, o adultério e outros ingredientes da degenerescência moral e
social que leva o poeta popular ao limite da intolerância.
A sensibilidade minelvina para os dramas sociais, especial-
mente os que atingem os fracos e desprotegidos, faz o trovador, de for-
ma recorrente, investir na denúncia e na sátira. Em Os sofrimentos
do pai de família e a marreta da carestia (título depois alterado, à
mão, pelo autor, em razão da mudança temática, para Os sofrimentos
do pai de família e a Mulher Preguiçosa), sétimas heptassilábicas
reproduzem a crítica à inflação e ao descontrole de preços, lembran-
do-se que a moeda ainda era o cruzeiro:
O dinheiro se sumiu
Ninguém sabe onde ele entrou
Só se vê gente queixando
Que o dinheiro exalou
A malvada carestia
Aumenta de dia a dia
E agora foi que danou (Cit., 1)
115
de terra em Ibicaraí e os sinais do fim dos tempos, repete o advento
do destino final dos cristãos. De forma inconsciente, o trovador reite-
ra o jesuíta Antonio Vieira que, no século 17 e num dos sermões do
Advento, confirma parábola de Jesus Cristo segundo a qual, Passará o
céu e a terra. Assim começa o folheto sobre o tremor de terra em Ibi-
caraí, justamente numa micareta. Minelvino intervém no folheto im-
presso, substituindo estrofes por outras escritas à mão e papel colado
por cima do material gráfico. Registram-se diferentes motivos para o
tremor, segundo opiniões correntes, mas MFS se reserva ao anúncio
de suas particulares suspeitas de crente: “E eu digo que aquilo/Pra
senhoras e senhores/É o sinal do fim dos tempos/Sem meter medo
aos leitores/Porque não é ainda o fim/É o princípio das dores” (Cit.,
5). As anotações finais escritas à mão informam, do ponto de vista
técnico, que especialistas “disseram pela televisão que a terra afastou
dois graus do eixo” (Cit., 8).
A frequência da ordem moral permanece dominante n’A
vida de Romãozinho (Escrito à mão, MFS acrescenta: O menino que
levantou um falso à mãe e virou bicho). O falso a que alude é atri-
buição de adultério e a mãe inocente é assassinada pelo marido, pai
de Romão. Este, excomungado pela mãe, vira bicho acostumado a
remexer panelas e pratos e transformar comida em cocô. A estrofe
final serve ainda como peça de aterrador merchandáising: “Quem
não comprar este livro/Tem de cair na cilada/Armada por Romãozi-
nho./Vai ser grande a emboscada/Sofre o que o Preto sofreu./Come o
que ele comeu/Pensando ser carne assada” (Cit., 8). A ambiência de
desordem ética transparece sugerida por MFS como extensão d’Os
vinte mandamentos da lei de Satanaz. Relatando A vida sofredora
de um maconheiro, o narrador cede a voz ao próprio protagonista,
que monologa sobre suas desventuras até deixar o vício, convertido
à Igreja Universal do Reino de Deus. A história real, segundo MFS,
pertence ao próprio, Manoel Bonfim dos Santos, que a encomendara
ao poeta e não lhe pagou, aplicando-lhe o calote. Denunciando o este-
lionato, MFS assim se vinga do esbulho e do viciado: “Manoel Bonfim
116
dos Santos/Este livro não pagou/Pois, me mandou escrever/E depois
me “enrolou”/O pastor de sua Igreja/Eu contei toda “peleja”/Ele nem
siquer ligou” (Cit., 8).
Outros títulos como A briga de um mudo com um embria-
gado, Um cabaré no Inferno, Uma caçada de Lubizome na Lapa, O
caranguejo que apareceu na Paraíba anunciando o fim do mundo,
O diabo que apariceu na Barra do Rocha e a rural misteriosa —
em que a rural, ao invés de carro, era a habitação do Demônio — etc.
confirmam a enormidade material dos folhetos intensificando temá-
ticas reflexivas da expiação teológica como maneira de alevantamento
ascético para a ordem cristã. N’A caveira misteriosa e o pecado da
língua conclui-se que “Língua é o castigo do corpo” (Cit., 1). Em Um
carnaval no Inferno, MFS usa vocabulário e imagens um pouco mais
sugestivos da ousadia estilística: “Um rapaz em Jacobina/Brincando
em um cordão/Tinha uma mulher por traz/Ele aí correu a mão/Pe-
gou uma traíra mole/Como um cambalião” (Cit., 8). N’A carta de
um jumento para o Senhor Governador, um manifesto de jumentos
investe contra o abate e a comercialização de carne de jegue no Estado
da Bahia. N’O casamento apulso do macaco com a preguiça, um
mesmo estratagema trovadoresco é utilizado como peça de marketing:
“Quem não me comprar livro/Uma coisa eu vou dizer:/Vai casar com
uma preguiça/E a onça vai comer/E se escapar da onça/De fome tem
que morrer” (Cit., 8).
Mas a legitimação da ordem moral não se submete exclu-
sivamente ao crivo religioso. O trovador manifestaria sempre uma
preocupação recorrente: a luta contra o analfabetismo, o primado
dos folhetos por uma pedagogia de paz e de concórdia entre os indi-
víduos, por uma espiritualização das letras humanas, a literatura de
cordel concorrendo para a elevação civilizacional das pessoas. Tudo
isso parece galvanizar-se n’O encontro de um trovador com uma
fera monstruosa. O trovador é ele mesmo, MFS, e a fera monstruosa
é o analfabetismo. A obra celebra a atividade de trovadores e repentis-
tas como linha auxiliar imprescindível na pedagogia da alfabetização,
117
sublinhando a enorme contribuição de Leandro Gomes de Barros e
demais poetas do cordel. Em trecho do folheto, MFS diz ter comple-
tado 39 anos de idade. Nascido o poeta em 1924, logo se deduz que o
folheto é de 1963. Aliás, discorrendo poeticamente sobre o seu ofício,
não raro MFS teoriza. Em Os falsos profetas, por exemplo, raciocina
teoreticamente sobre os estilos:
O poeta popular
Que se meter a escrever
Somente história verídica
Morre a fome pode crer
Porque o povo não gosta
Nem mesmo pegar para ler
118
façanhas heroicas de um vingador, incluídas as extraordinárias hipér-
boles do gênero. Acabada a munição, João armou-se com uma vara
de cerca, potente e enorme, e “Para os contrario marchou/Deu-lhe
uma porretada/Que trinta e dois derrubou//Deu-lhe outra cacetada/
Derrubou uns dezesseis/Na terceira cacetada/Abateu noventa e seis/
Repetiu outra e mil/Cairam de uma só vez” (Cit., 9). Com efeito, terá
razão o trovador em suas prerrogativas revisoras: é vingança e o diabo
não é morto, mas escravizado pela força do imaginário e potência do
heroi. Quinze páginas movimentam o fôlego épico, ao cabo das quais
MFS anuncia: “Leiam a história do alferes Tiradentes o heroi da In-
confidência”. Na página 16, “Procure conhecer os livros do trovador
MFS” A fada misteriosa, A segunda vida de Cancão de Fogo e sua
chegada no Céu, O touro da Floresta Negra, O valente João Caba-
-Mundo e a Serpente Negra, A fada da Serra Negra, A princesa da
Serra Misteriosa, As princezas do Reino Encantado, O reino do Vai
não Torna e o Gigante Encantado, O mau ladrão ou os sofrimentos
de Maria, O ideal misterioso, As proesas do Amigo da Onça ou as
bravuras do Mestre Coelho e muitos outros.
Na História do diabo que apareceu no Estado de Minas
Gerais, MFS sugere a fonte de onde extraiu o relato, assegurando-se
da prévia defesa ante uma possível acusação de inverossimilhan-
ça: “Aqui eu vou terminar/Este livrinho fagueiro./Quem achar que
é mentira/Não se queixe do troveiro,/Queixe-se de quem contou/
Também de quem publicou/Lá na revista O Cruzeiro” (Cit., 8). Da
mesma série de folhetos sobre fenômenos e metamorfoses sob ins-
piração da exemplaridade moral, a História do homem que virou
burro porque escarneceu das Santas Missões mandando bandeja de
capim para o altar, ajusta a punição que não tardaria: “Pois o ateu
se virou/Num bicho feio esquesito/Tinha cauda como burro/As per-
nas como cambito/A cara como morcêgo/E chifre como o maldito”
(Cit., 5). Igual sintonia com as narrativas de proveito e exemplo será
alcançada na História do homem que virou cavalo ou o grande
exemplo de um criminoso, de registro parabólico, destacando-se
119
ações de mistério envolvendo Jesus Cristo. Na História do maca-
co que quis se virar gente, farra e facécia contestam a ciência e,
sobretudo, Darwin e sua teoria da evolução. Outro folheto também
contestaria o Evolucionismo num filme norte-americano que dis-
cute a pedagogia sobre o assunto. O homem que atirou no sol e
desceu de chão abaixo traz fenômeno temático semelhante ao de
um conto do poeta simbolista baiano Artur de Sales, prefigurando o
drama do sertanejo ante a inclemência do sol. Minelvino, no entan-
to, pune o indivíduo, soterrando o herege, inexoravelmente vincula-
do à pedagogia da passividade triunfante. No mesmo ciclo temático,
O homem que foi buscar uma caveira meia noite no cemitério
combate o vício do jogo; O homem que matava onça de chicote
ou O homem que matou uma onça de chicote pensando ser um
cachorro relata peripécias de um valente equivocado, matando por
engano o animal que vinha comendo suas ovelhas.
Seguindo uma variante à sisudez desses temas, MFS su-
cumbe ao fácil espetaculoso, produzindo um folheto de escândalo,
considerado como de vendagem certa. Assim se apresenta O homem
que teve uma criança no Estado de Alagoas, que, no entanto, amplia
o raio das reflexões morais do autor sobre o mundo e suas danações.
A moral sermonária é para persuadir, convencer e sofismar a pretexto
dos valores cristãos, em cujo interior não se cogita da aceitação ou
debate de aspectos psicológicos ou sociológicos aplicadas ao homos-
sexualismo, aos cabelos grandes ou a outras naturezas consideradas
inversão ou desvio da norma. Estão nesse caso alguns títulos: A moça
que mordeu o nariz da Mãe pensando que era Luiz Gonzaga, A
moça que namorou com o diabo, pensando ser Roberto Carlos, A
moça que xingou a mãe e virou serpente, A mulher que morreu
mascarada e quis brincar carnaval na porta do Céu — onde MFS
arremata, com graça: “Quem duvidar deste livro/Vá a Lucifer pergun-
tar”... Em A moça que casou-se com outra pensando ser um ra-
paz, ou o homem que teve 4 crianças em S. Paulo”, MFS desenvolve
curiosa teorética sobre o ofício de escrever:,
120
O poeta nunca mente
Eu digo, afirmo e sustento;
O poeta quando escreve
Qualquer um acontecimento
Se não viu com os próprios olhos
Porém viu com o pensamento (Cit., 1)
121
como uma peça em si mesma, autônoma, para além da funcionalida-
de como ilustração eventual.
Raríssimas são as capas dos folhetos minelvinos sem a
ilustração em xilo, estando neste caso as peças promocionais ou cele-
brativas (a foto do político vitorioso em eleição, o retrato da cidade ho-
menageada, a reprodução de um painel artístico, o reclame adicional
sobre o assunto de tratamento do folheto e pouquíssimos outros). No
geral, de forma quase exclusiva, é a xilogravura que ilustra e vende,
estabelecendo um contato de imediato apelo ou empatia indispensá-
vel à aquisição do produto.
A imensa maioria das peças reproduzem, antecipada-
mente, o principal motivo, assunto ou tema do folheto, ilustrando
protagonistas ou situações dramáticas sugeridas pela narrativa. Ul-
trapassam, essas representações artísticas, algumas vezes, a moti-
vação temática para valorizar-se utiludicamente como arte popular
individual. O traço seguido por Minelvino é o da convenção cordelis-
ta, do naturalismo de uma ou outra cena sugerida pelo assunto ou,
mais agudamente, revestido do pathos expressionista, comungan-
do pistas, conflitos, ou fantasias enunciadas pelo relato em verso.
Os caracteres xilogravurados realizam uma complementaridade da
feição escrita, texto e gravura casados para realimentar uma im-
pressão gráfica e repercussiva. Por isso a reprodução xilo e seus
contextos de aproveitamento gráfico veio sendo progressivamente
revalorizada, reaproveitada, aliás, como ilustração de outros meca-
nismos artísticos (capa de discos, livros, rótulos, telas, imagens, o
cinema, o teatro, a fotografia etc.).
Por esse viés de incorporação temática, algumas xilogravu-
ras de MFS imprimem-se sob aspectos simbolistas, alegóricos, patéti-
cos, pontuando-se até por uma certa morbidez, como em O disastre
do caminhão de Ilhéus (datado de “Itabuna, 26 de agosto de 1956”),
cuja capa traduz a máscara da morte em figuras no centro de um car-
ro sinistrado e flagrando uma ambulância com a inscrição: “Cuidado!
A vagar sinão vai ter!”
122
Numa breve reconstituição de elementos temáticos e con-
teudísticos, algumas peças xilogravuristas e as contracapas dos folhe-
tos ocupam um relevo especial, desempenhando papeis de extensão
e complementaridade. As contracapas exercem uma importância
capital nessa produção, divulgando folhetos, anúncios de utilidade
pública, benditos religiosos, lembretes de advertência moral, da ética
social, religiosa e ideológica, glosas de poemas e canções populares,
informes políticos, históricos e sociológicos, celebrações e comemo-
rações, notadamente consagradas ao universo trovadoresco. É quase
nula a incidência de folhetos com a contracapa em branco. Quando
não apresenta uma motivação extra, o trovador-apóstolo ocupa o es-
paço com benditos.
Uma das características melhor acentuadas por Minelvino
Francisco Silva em suas contracapas é a variedade dos assuntos. Alguns
textos se repetem, reforçando mensagem anteriormente veiculada.
Outros se impõem por seu ineditismo ou iniciativa de renovação am-
pliada dos apelos. No folheto Justiça e desordem de Lampião, editado,
aliás, com uma xilogravura e duas capas em cores diferentes (rosa e
verde-cana, talvez duas edições para influir no espírito popular não só
pelo tema, mas também pela imagem), a contracapa traz um título
que já é um mote (Já rimei e tá rimado/Não quero reclamação) e as
décimas interativas do trovador interpondo assuntos bizarros e curio-
sos. O livrinho, datado de “Itabuna, 10 de dezembro de 1975”, glosa
antromorficamente as exagerações do cotidiano, culminando com o
mote de provocação dialógica, desde que não admita contestação:
Vi um caçador zangado
Pegar uma onça de mão,
Vi um mosquito enfezado
Derrubar um avião,
Vi um carrapato inspirado
Cantar na televisão,
Vi um percevejo fardado
123
Comandando um batalhão
Já rimei e tá rimado
Não quero reclamação
No mato vi um veado
Afinando um violão
Vi um canário arrepiado
Cantando um samba-canção,
Beija-flor do outro lado
Engulindo um gavião,
Vi um socó traspassado
No dente de um camarão
Já rimei e tá rimado
Não quero reclamação
Vi um rato malcriado
Dirigindo um caminhão,
Mucuim embriagado
Dizer tanto palavrão,
Vi um mico depravado
Ser preso na detenção
Vi um caçote afogado
Morrer lá no ribeirão,
Já rimei e tá rimado
Não quero reclamação
124
efeito popular, com o artigo do padre aplicando uma surra eficaz na
empulhação mistificatória do Papai Noel como metonímia e alegoria
da Operação Consumo, legitimando a festa do Natal como única e
exclusiva representação do nascimento do Menino Deus dos cristãos.
A Minelvino não importa o estilo do folheto desde que pos-
sa veicular mensagens que considera úteis ao seu ofício de trovador.
Na contracapa de A vitória do MDB na pessoa do Sr. Fernando Go-
mes, por exemplo, noticia-se a 1ª Feira Regional de Literatura de Cor-
del, organizada pela Fundação Cultural do Estado da Bahia e prevista
para acontecer no período de 3 a 13 de novembro de 1976. No folheto
O cajueiro, um poema à lua apela para iluminar as ideias, poesia e
inspiração do trovador.
No ABC do Mobral na cidade de Itabuna, MFS home-
nageia equipe da comissão municipal da Fundação, repudiando o
que chamou de “dialeto do analfabetismo”, e reproduzindo uma
imagem do inconsciente feliz a propósito do fenômeno de prestígio
antipedagógico. Os versos, aliás, reiteram homenagem em ode à co-
missão e ao objetivo de extinguir o que o trovador denomina “praga
do analfabetismo”:
125
sem peixes e a pobreza desamparada equivalendo a uma sardinha
consumida por tubarões. No devocionário O choro de Itabuna depois
da enchente, a contracapa comenta com graça a invasão fluvial em
Camacan e sua repercussão ao mesmo tempo positiva e particular:
“Com isso o tucunaré/Do jardim foi quem gostou/Que foi se embora
nas águas/E até hoje não voltou” (Cit., 2). Na contracapa da História
da enchente de 1981 em Itabuna, MFS apela para a construção de
um canal na rua em que mora a fim de escoar as águas pluviais. O
apelo é circunstanciado por um relatório — o que radica o aproveita-
mento de todos os espaços no folheto, que o trovador aproveita para
veicular ideias, sensibilidade social ou devocionária. Sob qualquer
forma, todavia, MFS não abre mão do humor contingente, mesmo
em face de tragédias: como n’A enchente do Rio de Janeiro e os
sofrimentos dos cariocas, em que serve, na contracapa, um poema
otimista em resposta ao pessimismo de seu colega Antonio Teodoro
dos Santos. A graça espontânea transfigura-se entre a consternação e
a culpa, deixando evolarem desejo e decreto certamente implausíveis:
“Se eu fosse um presidente/Deixava na presidência/Uma lei feita e
assinada/Pra nunca ter violência/Os três dias de Carnaval/Ser três dias
de penitência” (Cit., 6).
Na contracapa do folheto O amor do filho da raposa com
o filho da galinha, curiosa asserção minelvina sobre O valor da mu-
lher contraria vigorosas teses misóginas circulares no mundo ociden-
tal, vigentes desde Hesíodo. Diz MFS, em surpreendente exercício de
virtuosismo decassilábico, que
126
Sem mulher não há riso e não há festa
Sem mulher neste mundo nada presta
Se a mulher é a prenda mais bonita
127
distintos recursos de acesso, mantendo-se fiel depositário da informa-
ção e de suas malhas repercussivas. No folheto promocional História
do hospital de Ibirataia doado pelo Funrural, a contracapa é uma
ode ao presidente do Sindicato Rural, José Antonio da Costa. N’O re-
sultado da mulher falsa ao marido, a contracapa anuncia os efeitos
do progresso na cidade de Pau Brasil, sob a administração de novos
prefeito e delegado. N’O encontro de dois faladores: Minelvino Fran-
cisco Silva e Lucílio Miranda Bastos, a contracapa verbera contra os
males e vícios do cigarro, em poema de Manoel d’Almeida Filho. A
contracapa de O encontro de Minelvino Francisco Silva com Otacílio
Ramos da Silva é anúncio comercial da Eletrônica de Bom Jesus da
Lapa. E na contracapa d’O encontro de Zé Papa-Jaca com Chico Pa-
pa-Caranguejo (sobre disputa e emulação entre as cidades de Itabuna
e Ilhéus), MFS anuncia folhetos O poeta e a natureza, João Valentão,
A fada da Serra Negra, A Princeza da Serra Misteriosa, O dedal mis-
terioso, O mistério das princezas do reino encantado, O homem que
matou 14 de um tapa, O feiticeiro do reino do Monte Branco, Peleja
de Minelvino Francisco Silva com Manoel Peixoto e A onça tapuia
— folhetos, aliás, que nem sempre encontramos no espólio do poeta.
E como evidência de que até os acidentes mais prosaicos
motivaram o poeta popular ao exercício de sua atividade, na contraca-
pa d’O poder do rei dos peixes e a inocência de uma princesa, Mi-
nelvino conta em verso as agruras uma vez experimentadas a fim de
aproveitar um clichê na impressão de um folheto. Título do poema: O
sofrimento de um impressor com um clichê desajustado.
Numericamente, os assuntos tratados nas contracapas
exibem um relevo distintivo de categoria estilística. Os pouco fre-
quentes celebrativos não passam de uns dois ou três. Em Os me-
nores transviados, a contracapa celebra O dia da cidade de Ita-
buna, ode que também acompanha o folheto História da região
cacaueira. A contracapa da de História de João Acaba-Mundo e
o dragão do Reino Encantado é poema de Exaltação ao sul da
Bahia. Também pouco expressivos em termos numéricos serão os
128
temas relacionados a assuntos extravagantes, relato fabuloso e o
maravilhoso do gênero híbrido. A contracapa de A morte de Ma-
ria de Lurdes e a prisão do monstruoso tarado narra a história
assombrosa d’O homem que morreu e ressuscitou. Na Peleja de
Zé Andorinha com João Cabeludo, a contracapa descreve a fá-
bula d’O casamento da filha do Jabuti, ampliando a ambiência
do imaginário no duelo entre repentistas, duelo final vencido por
Andorinha nos mesmos moldes do troca-letras do Cego Aderaldo.
Minelvino ainda acrescenta anúncio do extraordinário e maravi-
lhoso no folheto O bicho de Sete Cabeças.
Onde a contracapa de um folheto alcança talvez sua maior
ressonância é no Alto Repórter Super-Mentira, criação apensa a
algumas contracapas, glosando o noticiário espetaculoso de emis-
soras sensacionalistas. O senso de humor e a picardia enumerativa
são marcas estilísticas de MFS, tal como se exprime na contracapa
de folheto sobre a vitória eleitoral do prefeito de Itabuna, Ubaldo
Dantas:
129
de bananas e deu uma banana para cada um. Aqui se despede o Alto Repór-
ter Supermentira prometendo voltar no momento que tiver outra mentira
muito maior, muito bom dia e até lá.
Vejo o granfino
Aumentando a riqueza
E a falta de pão
Acabando a pobreza
130
A carestia infeliz traiçoeira
Deixando o pobre na quebradeira.
131
escrito pelo seu próprio punho, um insólito Baião do paradeiro
desconvencionaliza o queixume sarcástico com a ironia deslocada
para o humor ingênuo que aponta descaminhos da política social e
econômica dos governos. O Baião do paradeiro tem como base a
música de Triste partida, do cearense Patativa do Assaré, populari-
zada por Luiz Gonzaga:
Triste paradeiro
Estamos passando
É pobre penando
Sem ter o que comer,
Não acha um emprego
Não acha uma trilha
E pai de familia
Só falta é morrer.
Se queixa o chofer
Se queixa o artista,
E propagandista,
Se queixa o pedreiro
Se queixa o carpina
Se queixa o servente
E toda essa gente
Neste paradeiro.
Se queixa o ambulante
E o estacionado,
Cada um calado
Que nada apurou,
Com tanto imposto
Que tem a pagar
O que vai contar
Quem o confiou.
132
E a carestia
Não fala n’ela
Se botar tabela
Piora inda mais
Não acha a carne
Não acha farinha,
Não acha galinha
E o pobre o que faz?
Também gasolina
Se dana aumentar,
Para piorar
Em todos rincões,
E mais um perigo
Pra todas cidades
Se as autoridades
Soltar os ladrões.
A nossa Bahia
Neste sofrimento
É grande o tormento
No Estado inteiro
Peço ao Presidente
Que corte esta sina
Mande uma vacina
Contra o paradeiro.
133
Ó carne Fresca
Onde é que tu tá
Onde é que tu tá
Onde é que anda tu
Fui nos açougues
Procurando tu
Procurando tu
Procurando tu
A carne fresca
Já barateou
Mais já exalou
Sem ninguém saber
Qual é o canto
Que ela foi ficar
Pra o povo ir buscar
Pra a gente vender
Só a SUNAB
Poderá dar jeito
Porque mete o peito
Pra fazer valer
O fazendeiro
Se ver obrigado
A vender o gado
Pra o povo comer
Ó carne fresca
Onde é que tu tá etc.
134
Três e sessenta
Agulha com osso
Isso é um colosso
O povo a dizer
Filé mignon
Custa desenove
Nem que fosse nove
Eu não vou querer
Contra filé
Custa dezesseis
Figado custa seis
Dá pra entender
Carne de pá
Cinco e sessenta
Com muita pimenta
Dá para comer
135
Falando alto não quer mais conversar baixo
É comício e mais comício se vê na televisão.
136
A urna gemeu, chamando quem quer votar
A urna gemeu, chamando quem quer votar
Virgem! foi um gemido triste meu Deus
Fiquei quase a chorar
Será que a carestia, meu Deus, ainda vai se danar
137
Se transforma em gavião.
Quem tiver mulher bonita
Muito nova e muito bela
Deixar vestir mini-saia
Diga que ficou sem ela.
138
ordinário de folhetos sob essa orientação, o trovador, não satisfeito,
amplia os assuntos, estendendo-os também como matéria das con-
tracapas. Mesmo quando tangencia aspectos críticos das reformas
sociais necessárias ao desenvolvimento do país, MFS o faz sob o in-
fluxo religioso, como se observa na contracapa do Bendito do Bom
Jesus e a Reforma Agrária, onde um agudo civilista cristão assim
se reconhece:
139
Conforme se lê, e malgré-lui, MFS era partidário da Teologia
da Libertação, conquanto o lastro de suas prerrogativas reivindicatórias
percorresse sempre o desejo do poeta de alcançar as reformas impres-
cindíveis, mas pelas vias pacíficas, reforçadas por atos jurídicos que
zelassem pela harmonização de interesses conflitantes entre latifundi-
ários e posseiros. Experiente e versado na História Sagrada, que conhe-
cia integralmente (em 1975, confessaria ao autor deste ensaio, ter lido
a Bíblia, “do Gênesis ao Apocalipse”, umas quatro vezes...). O conheci-
mento manifesto dos Evangelhos e da vida dos santos, da forma mais
simples e despojada possível, era a marca distintiva de seu caráter de
pessoa amável e trovador-apóstolo. Sempre renovando seus motivos
temáticos, na contracapa d’A vitória de Tancredo Nevez e a derrota
de Paulo Maluf, ministraria um curioso Debate de um católico com
um protestante, em que demonstra apreciáveis conhecimentos de te-
ologia dogmática. Em A morte e o enterro do Prezidente Tancredo
Neves, a contracapa ostenta ilustrativo Bendito de Santa Luzia, que
confirma a sensibilidade do trovador-apóstolo para sucessivos trechos
da hagiografia católica, a exemplo dos santos Pedro, Paulo, Jorge, Fran-
cisco, Agostinho, Sebastião, Cristóvão e Bernardete. Ortodoxo quanto
ao cristianismo primitivo, MFS assimilava os preceitos e interditos pa-
pais quanto ao divórcio, aborto etc. No folheto O caminhão sinistrado
ou os quatro disastres de Itabuna, a contracapa exibe curiosíssimo
anúncio (datado de “Itabuna, 13 de novembro de 1958”), dando conta
de um informe bizarro com sainete de taumaturgia:
140
contracapa de A chegada do Prezidente Tancredo Nevez no Céu,
um Bendito de São Francisco de Canindé, padroeiro dos trabalha-
dores (o pescador, o motorista etc.), destina-se à súplica de proteção
para os devotos romeiros e os atingidos pelas enchentes ou secas. Na
Estória da rainha Rosinalva ou a tragédia do príncipe Emiliano,
a contracapa absorve lições do real e contrapõe-nas com as virtudes
e desavenças descortinadas entre os humanos. Uma (dentre outros
exemplos em distintos folhetos) Campanha de amor ao próximo é
desfechada na História de Antonio Conselheiro e a guerra de Ca-
nudos. Já a contracapa de Uma história contada por Jesus, Lázaro
Leprozo e um rico avarento investe em delicada questão teológica,
que costuma dividir católicos e protestantes. O texto No céu exis-
te mulher? primeiro choca pela insinuação misógina da indagação,
depois esclarece aludindo à concreta presença da Virgem Maria no
Paraíso.
Em outra ponta, no folheto A morte de Maçú vitima de um
candomblezeiro, a contracapa atenta para uma inusitada mensagem
entre conciliatória e mercadológica: “Alô! Alô! Senhores Candomble-
zeiros interessados Minelvino Francisco Silva avisa a VV. SS. que não
escreve por despeito nem proposital, sim para ganhar o pão de cada
dia. Se VV. SS. desejarem um folheto ao lado das suas artes ou religi-
ões, cooperem com a edição do folheto intitulado: ‘Quem fala do Pai
de Santo’”. Isso, num extremo de interpretação maliciosa, muito se
assemelharia ao jornalismo marrom praticado em cordel por Cuíca
de Santo Amaro... A saudação ao ano de 1986 vem contida na con-
tracapa de Nobreza de um coração de mãe e a loucura de um filho
apaixonado. Já a d’O rapaz que namorou errado no carnaval de
Itororó emite erudita transcrição de Minelvino sobre a Origem do
Carnaval conforme o “Pequeno dicionário católico, página 44”, ci-
tando as saturnais romanas (17 a 23 de dezembro), as festas a Pã (15
de fevereiro) e Baco (16 de março), e incluindo os trios na Antiguida-
de e as máscaras carnavalescas, cujo tríduo transcorria quarenta dias
antes da Páscoa e no início da Quaresma.
141
O vício do alcoolismo é combatido por um soneto de MFS na
contracapa de As palhaçadas de Zé Bêbinho o filho de João Cacha-
ça. Uma Exortação a conversão, segundo a Bíblia Católica, livro do
Eclesiástico, capítulo 17, versículo 21, é apresentada na contracapa de
Os sofrimentos do pai de família e a marreta da carestia. Sobre este
mesmo assunto, aliás, concentra-se a contracapa de A caveira miste-
riosa e o pecado da língua, que traz ainda um manifesto de MFS pela
concórdia, paz e amor ao próximo, além do desejo autoral por um pacto
federativo para fazer baixar a carestia.
Minelvino nos acrescentou, assim, em quantidade e qua-
lidade notáveis, um rico manancial, extensivo e intercomplementar,
oriundo de suas contracapas, espaço ocupado para divulgar versos,
anúncios, repentes, letras de música, poemas e demais peças pro-
mocionais de folhetos e convocação de encontros de trovadores e
violeiros. O capítulo dessa usança de contracapas é particularmente
sensível numa produção que, além do mérito intrínseco, exprime
todo o potencial do cordelista na divulgação de sua arte. Na contra-
capa da História da onça encantada e o homem destemido, por
exemplo, teoriza sobre a verdadeira destinação do criador popular.
Em A riqueza do poeta, mais confessional e intimista, a expressão
não é de soberba, mas de reconhecimento de uma identidade: “Je-
sus me deu a riqueza/Que pouca gente contém/Eu dou, eu vendo,
eu empresto/Eu mando pra muito além/Quando morrer levo toda/
Nada deixo pra ninguém”.
Uma das maiores dessas contribuições é o poema O Reino
da Lua, que aparece na contracapa do folheto O homem do nariz
de sete palmos que apareceu em Salvador. À semelhança da Pa-
sárgada de Bandeira, MFS projeta na Lua a instância paradisíaca dos
poetas, invocando e convocando imaginários (no exemplo seguido
pela canção de Gilberto Gil) para povoar o satélite com movimentos
humanistas. O poema implica a acepção de um modelo de sociedade
libertária, a um tempo de tom faceto e gracioso e especulando sobre
como seria viver na Lua. Leia-se o poema, em oitavas heptassilábicas,
142
um trabalho composto no mesmo ano da primeira viagem dos cos-
monautas ao satélite, isto é, 1969:
O REINO DA LUA
143
Menina de lá da Lua
Faz até admirar
Menina nasce de noite
De manhã qué namorá
Meio dia já é noiva
Começa os pai aprontá
E antes do sol se pô
É obrigado a casá
As moça de lá da Lua
Faz graça até se contá
Quando gosta dum rapaz
Começa logo a beijá
Se namora de manhã
De tarde tem qui casá
No outro dia tem fio!...
Só cabelo de preá
144
e a “Ponte que caiu”, MFS apela ao colecionador de cordel: “en-
riqueça sua coleção...” Na história d’A muriçoca que enguliu um
caçador, a contracapa exibe flagrantes temáticos e rítmicos à som-
bra inspiradora do romance O sertanejo, de Alencar. Em O direito
da mulher, um soneto de MFS, O sopro do Criador, ostenta na
contracapa um misto de lírica sagrada com renascença humanista
e primado neobarroco:
O SOPRO DO CRIADOR
145
final (versão minelvina para o Apocalipse, verdadeira obsessão em sua
obra) apresenta uma variante, em quartetos:
29 de novembro
Quando o dia amanheceu
O galo cantou dizendo:
Mais um poeta nasceu.
O relâmpago no espaço
Mostrava tão forte luz
Dizendo: nasceu na terra
O cantor do Bom Jesus
A lua de lá do céu
Seu lençol branco estendia
Em homenagem a Minelvino
Que nessa hora nascia.
146
As estrelas clareavam
De vez em quando piscando
Pois ao trovador apóstolo
Estavam homenageando.
147
AUTOBIOGRAFIA DE MINELVINO F. SILVA
Eu e Jesus em Belém
Nascemos quase num dia
Ele em Belém da Judéia
Eu em Belém da Bahia
Ele pregava o Evangelho
E eu prego a poesia.
148
Pela vontade do Pai
Sem parte eu ter com hebreus
Nem por meus merecimentos
Ou seja os bons atos meus
Tornei-me irmão de Jesus
E também filho de Deus
A sua misericordia
Me levou pra sua luz,
Portanto com paciencia
Quero levar minha crus
Até chegar na presença
Do Santo mestre Jesus
149
ou injustiça de um tenente, a contracapa descreve as humilhações
sofridas pelo poeta desde o furto de que foi vítima numa pensão ao
desrespeito acintoso do delegado local.
Na contracapa da História do Touro Branco Encantado,
Minelvino incursiona por curiosos relevos de estilo e linguagem,
questionando o divórcio entre a grafia e a pronúncia da letra X. Ana-
lisando os aspectos confusos da reforma ortográfica e da pronúncia
do X nas circunstâncias da fala popular, o poeta arrisca-se pelos me-
andros do idioma, ampliando questionamentos e ilustrando-os com
exemplos e situações em que o X é confusamente pronunciado. Vale
a pena a transcrição do poema decassílabo.
“A CONFUSÃO DO X”
150
Na contracapa d’ As desordens de Pedro Mineiro, MFS ex-
plica seu ser múltiplo, em função da necessidade e economia de seu
ofício. No poema O que sou, o poeta diz que “Tem hora que sou tipó-
grafo/Hora que sou repentista/Tem hora que sou xilógrafo/Hora sou
propagandista/Tem hora que sou fotógrafo/Hora que sou desenhista”.
E poderia completar com o que dele achamos: “Sendo eu todas as ho-
ras/em todo o tempo um artista”. Preocupado sempre com a recep-
ção leitora aos folhetos, MFS justifica, na contracapa da História do
barbeiro que fez a barba do Cão, a elevação dos preços dos folhetos
em função dos preços do papel para impressão. O mesmo comporta-
mento irá adotar (confessando-se obrigado a reajustar os preços dos
livrinhos) na contracapa de Vida e morte de Sansão e a falsidade
de Dalila. Na História do valente Joaquim Azougue, o terror da
zona de Jacobina, a contracapa traz uma Classificação dos livros
da Editora Luzeiro, em vendagem, nomeando, em primeiro lugar,
Manoel d’Almeida Filho; em segundo, Antonio Rufino do Nascimento;
o terceiro, Isaías Moreira Cavalcante e o quarto, Minelvino Francisco
Silva, com três livros: O gigante Quebra-Osso, Zé Pretinho e o Cego
Aderaldo e O cachorro dos mortos.
Outro signo distintivo da obra de Minelvino (de que resultou
um pacto com Rodolfo Coelho Cavalcante) é sua legendária campa-
nha contra livros pornográficos. Ao assunto dedicaria as contracapas
de A morte da viuva Precilia ou o fazendeiro que mandou matar
a irmã e cortar uma orelha (protesto e advertência contra “folhetos
imorais”), A morte de Francisco Alves e a chegada no Céu (contra
livros pornográficos e os delitos de quem faz e de quem lê) e Os crimes
em Candido Sales antiga Nova Conquista, onde emite Um conse-
lho aos vendedores de Livros Imorais, vazado nos termos seguintes:
“Portanto meu amigo, vamos arrancar o mal pela raiz, queimando ou
condenando todos os livros que não dão bom exemplo”.
O folheto Em homenagem a Itabuna e aos seus habitantes
é o que melhor põe em relevo a competência mercadológica de MFS.
A capa reproduz em foto o painel de Lênio Braga na lateral do antigo
151
Banco Econômico, na Praça Adami; a página 12, um soneto A caminho
da prosperidade; da página 13 à 16, um Catálogo dos livros de Minel-
vino Francisco Silva até março de 1955, anunciando novidades como
O almoço de Zé Grilo e O encontro de Cancão de Fogo com Pedro Ma-
lazarte e, na contracapa, o soneto Gratidão dedica-se a homenageando
Luiz Gonzaga. No ABC da maconha e o desacerto do maconheiro, a
contracapa glosa o mote “Se eu mandar um cantor pra o cemitério/Ou
gemendo ou chorando tem que ir”, expondo um viés autoritário pouco
frequente no trovador-apóstolo, mas simbiótico com o inconsciente tex-
tual do ABC. Na contracapa de Os conselhos de sua mãe, MFS ironiza
a função social do poeta popular na sociedade brasileira, com destaque
para a crônica de dificuldades geradas pela sobrevivência:
152
Minelvino Francisco Silva, elogiado pelo romancista Paulo
Dantas em programa de televisão em São Paulo, reconhecido, divulga
o fato na contracapa d’O disastre do caminhão de Ilhéus (datado de
“Itabuna, 26 de agosto de 1956”). E aproveita para nomear outros co-
legas trovadores do sul da Bahia: Manuel Peixoto, Otaviano Curvelo de
Souza, João Nobre, Hermes Gomes, José S. Silva, Raimundo Barbosa,
Laurindo Gomes Maciel e Eléus Leonardo de Sá. Tal comportamento
robustece a expressão generosa com que alia seu estilo de poetar,
associando ao seu outros nomes de trovadores nacionais no esfor-
ço comum de divulgar a narrativa popular em versos e empenhar-se
pelo acolhimento dos folhetos na comunidade letrada.
Para MFS as fronteiras entre literatura canônica (acadêmi-
ca ou erudita) e literatura popular facilmente se dissolveriam. Em
ambas reconhecia valores positivos, fazendo circularem ideias que
apontavam para uma feliz contiguidade estilística. Daí o concurso
enaltecedor que sua obra percorre, redimensionando os trovadores
numa mais justa recepção crítica. Assim como consagra os cordelis-
tas, Minelvino festeja (contracapa da Estória do papagaio criminoso
e o macaco pistoleiro) o Rui Barbosa jurista e escritor, em ode de
quatro estrofes de quatro versos decassilábicos. Um soneto em louvor
de Castro Alves é tema da contracapa d’O pedido de Francisco Alves,
depois da chegada no Céu. E n’O monstruoso crime de José Carlos
dos Santos e a prisão de PC Farias, a contracapa homenageia a escri-
tora itabunense Geny Xavier. Tal ecletismo, portanto, autoriza MFS a
cotejar sua obra com a de seus pares em sucessivos folhetos, cristali-
zando um estilo especial de camaradagem entre os poetas populares,
conforme assinalado na contracapa d’A revolta de Mão Branca e seu
encontro com o bandido Rifle Certo, quando divulga o I Congresso
Nacional de Poetas de Cordel no Rio de Janeiro, de 14 a 16 de março
de 1980.
A predominância do marketing direto aplicado a uma mais
ampla divulgação da literatura de cordel e de seus cultores encami-
nha MFS a um modelo de composição sistêmica nas contracapas,
153
estas travestidas do valor potencial do folheto como retransmissor de
interesses pedagógicos e de informação geral. Veiculando notícias, co-
mentários, críticas, sugestões, recomendações, notas de curiosidade,
causos humorísticos e de pedagogia moral, acompanhados sempre
da fala e oralidade proverbial do trovador, manifesta-se o poeta popu-
lar em tons de uma mansa e risonha ironia, a linguagem cumulada
de pureza, sensibilidade social e popular, espontaneidade e autenti-
cidade naturais e desprovidas de qualquer soberba, ou arrogância.
Bastante comuns, aliás, na impressão das contracapas de
MFS são seus informes sobre o desaparecimento de colegas. O espaço
correspondente ao folheto Estória do peixe, o homem e a raposa,
noticia a morte do trovador Antonio Pereira de Queirós em Jequié, 17
(ou 27) de julho de 1976. As preocupações do trovador-apóstolo ser-
vem ainda para legitimar a atuação de colegas como José Bernardo da
Silva que, na contracapa de A guerra do Juazeiro e o poder do Padre
Cícero, recebe de Minelvino o atestado de um autêntico criador e não
apenas aquele usufrutário e mero adquirente dos direitos sobre os
originais de João Martins de Athayde.
No folheto A vitória de Fernando Henrique Cardoso, novo
presidente do Brasil, a contracapa lastima, em três décimas, com
mote e versos heptassilábicos, Eu vi a morte chorando, porque ma-
tou um poeta:
Eu vi a morte contente
Porque matou um soldado
Um sargento e um delegado
Com um cabo e um tenente
Um Governo e um presidente
Um prefeito e um atleta
Um juiz e um profeta
Depois ficou soluçando
Eu vi a morte chorando
Porque matou um poeta
154
Vi a poesia chorar
Com a metrificação
Vi também a inspiração
Tristonha se lamentar
Vi a rima soluçar
Seguindo por linha reta
Porque era a sua meta
Eu fiquei admirando
Eu vi a morte chorando
Porque matou um poeta
Vi Rodolfo recitando
Vi Zé Camello cantar
Leandro Gomes glosar
João Athayde prosando
Com Zé Pacheco falando
Que nunca foi um pateta
Não perderá sua seta
No alvo que está apontando
Eu vi a morte chorando
Porque matou um poeta
155
Quem toca fogo no mundo
Para minha opinião
É a moça e o rapaz
Namorando no portão
O rapaz suspende o mundo
E a moça baixa o tição
156
Mesmo tom de elegíaca homenagem se imprime na con-
tracapa d’Os assaltantes de Banco no Estado da Bahia e o lincha-
mento de um deles em Firmino Alves. N’A vingança de Ismael pelo
amor de Angelina, a contracapa reproduz biografia e versos de Ro-
dolfo Coelho Cavalcante. A admiração e o preito devotados a Rodolfo
fariam o poeta grapiúna, na contracapa da História de Zé Valentão
e sua luta com Olegário Piadista, reproduzir carta ao prefeito de
Ribeirão Preto (SP), agradecendo a homenagem de uma rua com o
nome de Rodolfo Coelho Cavalcante. A admiração e o preito perma-
neceriam na transcrição d’Os dez mandamentos do trovador, com-
postos por Rodolfo e compartilhados integralmente por Minelvino,
que os reproduz na contracapa de um dos folhetos como expressão e
decálogo da dignidade e consciência do ofício, ética no trabalho e na
vida social e apurada técnica:
157
e Violeiros em Jequié, 26 de março de 1956. Na da História dos
quatro irmãos usurários, ode ao nascimento do trovador Manoel
d’Almeida Filho. Em Firmeza de dois corações e a espada vence-
dora, elegia de MFS ante as sucessivas mortes de colegas trovado-
res. A mesma temática acompanha a contracapa d’A invasão dos
ciganos em Várzea Nova, aí incluído um poema, em parceria com
Azulão Bahiano. Na História de Mão Branca, o matador de bandi-
dos no Rio de Janeiro, Minelvino noticia a criação da Casa de Cul-
tura São Suruê, pelo militar e escritor potiguar Umberto Peregrino,
destinada a estudos e pesquisas sobre literatura popular. O temero-
so desastre em Jitaúna, no dia da Micareta divulga o I Congresso
Nacional dos Poetas da Literatura de Cordel em Brasília, 1978. Os
vinte mandamentos da lei de Satanaz, um festival de Trovadores
e Violeiros em fevereiro de 1956, em Itabuna. N’O diabo que apa-
receu na Barra do Rocha e a rural misteriosa, mais um Encontro
de Trovadores do Nordeste.
No folheto História da moça que levantou um falso ao
diabo, a contracapa interpõe curiosas décimas de MFS glosando o
mote “Foi Gregório de Matos na Bahia/que inventou o martelo agalo-
pado”. O trovador mistura apreciável cultura geral e cultura poética,
adicionando preciosas informações sobre os fundadores das ciências,
em versos decassilábicos, estrofes e glosas bastante criativas:
158
A Inglaterra inventou o trem de ferro
E o barco a vapor o americano,
Pra chegar nos confins do oceano
Sem conflito vechame ou mesmo berro,
Este assunto aqui eu não encerro
Que Evaristo da Veiga é bem falado
Inventou o jornalismo no passado
E Daguerre inventou a fotografia
Foi Gregório de Matos na Bahia
Que inventou o martelo agalopado
159
Poetas de outros Estados também mereceriam merecendo
os louvores do trovador-apóstolo. Na contracapa d’O poder da ca-
chaça contra a lei do Criador, biografia do repentista João Ferreira
da Silva. Na da História da mulher da língua grande, poema Meu
sonho pacifista, de Cícero Pedro de Assis. Em seu penhor e tributo,
MFS democratiza os folhetos a ponto de ceder espaço aos colegas.
A contracapa d’O filho que matou a mãe por causa de um pé de
mandioca, por exemplo, transcreve um acróstico de Alípio Bispo dos
Santos, desejando Feliz Natal e um Próspero Ano Novo, no período
1975/1976. E Minelvino, na contracapa d’O preguiçoso que se virou
cachorro a fim de não trabalhar, homenageia o pintor itabunense
Galeno, descrevendo-lhe um breve perfil biográfico e artístico.
Mas talvez a culminância dessa generosa acolhida de MFS
ao intercurso com seus pares trovadores esteja exposta na contracapa
da Estória dos três irmãos usurários e o laço do diabo, onde MFS
apresenta duas Cartas em versos, fazendo interlocutores José Bernar-
do da Silva (“Juazeiro do Norte-CE, 31 de maio de 1971”) e o próprio
Minelvino Francisco Silva (Sem data nem local). A carta de José Ber-
nardo tem o seguinte teor:
160
Para Antonio e os demais
Garotos que não me lembro
Um abraço e lhe espero
Aqui no mês de setembro
E para meu aniversário
No dia 2 de novembro
A minha chegada aí
Isto não é bem certeza
Porque o Nosso Senhor
161
O Autor da Natureza
É quem sabe do futuro
Por ser o Pai de grandeza
Antologia
162
Minelvino Francisco Silva testemunhou quase meio século da vida
brasileira, baiana e grapiúna, frequentando assuntos e motivações te-
máticas relacionados com a poética, a sociedade, a religião, a moral,
a ética, a formação social e mais desejos, sonhos, aspirações de uma
coletividade, cujo intérprete (o trovador) se fazia perscrutador de mo-
delos sociais mais consentâneos com a ética religiosa que abraçava:
o catolicismo.
Politicamente conservador e ancorado numa ortodoxia
moral bebida no espectro cultural de que era originário, claro que
MFS reflete o mundo à sombra do pensamento doutrinário da Igreja
Católica Apostólica Romana, orientando sua obra para a experiência
nuclear dessa ortodoxia. Mas esse conservadorismo político e ideoló-
gico — que se horizontalizaria na perspectiva modelar dos costumes
sociais preservados incólumes — deixava margem a que o poeta tam-
bém refletisse sobre o panorama de exclusões da sociedade brasileira.
Orientava-o o modelo trabalhista de governar “para os pobres” — e
aí Getúlio Vargas ocuparia uma liderança incontestável, e com Getúlio
os que a ele se associassem ou por ele se deixassem influenciar — e
o narrador popular descreveria uma busca infatigável pelas reformas
imprescindíveis ao desenvolvimento nacional. A principal dessas re-
formas, a agrária, mereceria de MFS um estatuto privilegiadíssimo,
desde que reforma promovida e consolidada sob ditames legais, sem
invasões, nem conflitos — e também sem latifúndios improdutivos.
Na obra de MFS são poucos os folhetos com data de publi-
cação explícita (aliás, característica comum aos demais trovadores).
O coordenador desta edição e da antologia que se segue lembra que,
em 1975, recomendava ao criador do ABC dos tubarões a necessida-
de de datá-los, e ora atesta que, desde então, os livrinhos passaram a
conter data de impressão, de forma um pouco mais regular. Alguns
desses folhetos seriam baseados em acontecimentos reais ou relata-
dos ao poeta popular, que os revestiria de formato cordelístico. Alguns
dos não aqui antologiados apresentam-se em tamanho reduzido à
metade do tamanho tradicional, à semelhança da medida de 1/16 do
163
livro, digamos, canônico. Se, dos mais de quinhentos títulos, apenas
75 deles foram elencados para compor essa amostragem da produção
minelvina, isso não significa que outros aqui não pudessem estar.
A natureza da edição não comportaria um número maior e os aqui
selecionados demonstram à exaustão a variedade de modelos e estilos
seguidos por MFS em seu tão rico quanto extraordinário labor.
A seleção de textos que compõem a presente antologia não
se preocupou em alinhar obras-primas, apenas exprimir os diferentes
signos e modelos praticados por um poeta antenado com a disposição
especular do espírito coletivo. Os folhetos perlaboram dialogicamente
com o leitor, antes de se mostrarem virtuoses no gênero. O virtuo-
sismo, aliás, está daqui distante, seja do ponto de vista técnico, ou
ornamental.
A antologia começa, portanto, com a inclusão dos primei-
ros folhetos produzidos por MFS (para preservá-los do desapareci-
mento e indicar as matrizes de composição e evolução seguidas nos
demais), acompanhados dos outros tantos de que foi capaz de criar
o gênio narrativo de MFS, notadamente nos gêneros de relato de ins-
piração histórica, doutrinária, de exemplaridade moral, de engenho e
fabulação, textos obedientes à classificação tradicional das narrativas
de apelo maravilhoso, de conselhos, santidade, profecias, gracejos,
acontecidos, carestia, fenômenos, pelejas, bravura ou valentia, ABCs,
política etc. Respeitamos aqui, integralmente, os textos originais com
suas grafias e idiossincrasias, seus relevos de linguagem, lacunas ver-
bais, usos arcaicos, de maiúsculas e minúsculas, acentuação, pontu-
ação etc., não só por identificá-los como marcas de estilo, também
para preservá-los em seu saber e sabor de origem nitidamente po-
pular e espontânea, o que muito servirá aos interesses de estudos
linguísticos e filológicos em outros momentos percorridos por outros
tantos estudiosos.
164
O ensaísta Jorge de Souza Araujo e Minelvino Francisco Silva (1975)
165
Carta de MFS a JSA em 1976.
166
167
Minelvino com
a esposa e filhos
(1975)
168
Minelvino, a prensa
manual e uma
xilogravura
Reunião de
folhetos
169
Algumas das xilogravuras que ilustram os folhetos de MFS
170
171
Jornal Oficial
172
Texto da Resolução nº 22, extraída do Jornal Oficial do Município de
Itabuna, nº 1263 de 8/12/1956
173
Cartaz com autoxilogravura de Minelvino Francisco Silva
174
PRIMEIROS MOMENTOS
175
ENXENTE DE MIGUEL CALMON E O DISASTRE DO
TREM DE ÁGUA BRANCA
Setembro de 19491
1
Primeiro folheto de Minelvino Francisco Silva
177
Agora meus bons leitores Iremos não têm conversa
Deixemos por um instante Acabe quem se acabar
A historia da enxente Na Barra de Mundo Novo
Passemos outro flagrante Chegue a hora que chegar
Sobre o desastre de trem Sejamos alviçareiros
De Agua Branca convém Pra levar os passageiros
Eu narrar concretizante. Nós temos que viajar.
178
A maquina saltou da linha O pobre de Miguelzinho
Das classes desengatou Foi quem sofreu aflição
O povo gritava tanto A chuva caindo sempre
Que todo mundo ficou Numa grande proporção
Sem saber o que fazer Ele chorava e dizia
Foi um supremo sofrer Valei-me Virgem Maria
Neste martirio de dor. Pela Sagrada Paixão
179
Volto de novo a enxente Assim como Tu Senhor
Conforme estava dizendo Livrou Pedro da aflição
A Igreja estava cheia Quando ele sucumbia
O povo só se benzendo Nas aguas do Rio Jordão
Com tantos lamentos tantos Salvae este povo aflito
Chamavam mais de mil santos Que chora neste conflito
E o tempo escurecendo. Desta grande inundação
180
M—inha historia finaliso
I—nda este verso improviso
N—este folheto analiso
E—ra um dia de Juizo
L—eitores amigos meus
V—i gente quasi morrendo
I—nfante num mar gemendo
N—os meus olhos revendo
O— fim de mundo, meu Deus.
FIM
181
A PRISÃO DE UM POETA EM PINDOBASSÚ2
2
Segundo folheto de Minelvino Francisco Silva
182
Me disse: “Abra esta joça, Cheguei na Delegacia
Quero ver o que tem dentro!” Foi chegando o Delegado
Eu abri logo o malote Naquele mesmo momento
Naquele mesmo momento Junto com quatro soldado(s)
Ele tudo examinou Olharam a mercadoria
E depressa perguntou: Repararam o que havia
“Onde está seu documento”? Eu vendo tudo calado
183
Nesta hora, meu leitor Veio o tal prato, leitores:
Eu fitei para o soldado TRIPA ASSADA COM FEIJÃO
Me chegou tanto do ódio Eu petisquei um pouquinho
Que cheguei ficar pasmado E disse: Não quero não,
Mas não podendo lutar Tinha comigo outro prêzo
Para da afronta vingar Comeu fazendo gracêjo
Tive que aguentar calado Daquela “esculhambação”
184
Assunte, caro leitor O coletor em que falo
Bonita comparação, Seu nome é Pedro Luiz
Pra ele tudo é igual Este já é falecido
A Pensão com a Prisão Assim o povo me diz
Vêja só que idea atôa Jesus há de perdoar
E “aquela” comida “Bôa” Botá-lo em bom logar
Que cadeia!... Que pensão!!! Na Glória seja feliz
185
É este um dos motivos Povo de Pindobassú
Que ninguem quer trabalhar Peço desculpa, pois bem,
De todas as profissões A culpa não é de vocês
“A melhor hoje é roubar” Nem do Coletor tambem
Lhe juro caro leitor Agravei quem me agravou
O homem trabalhador Porque me desrespeitou
Vai prêzo sem se queixar Como se eu fôsse um ninguem.
186
O ENCONTRO DO POETA COM A NATUREZA
187
Seus olhos eram brilhantes Disse ela: meu aluno
Seus dentes eram marfim Pergunte o que desejar
Sua face linda e corada Sobre o céu ou sobre a terra
Duma beleza sem fim Sobre o vento ou sobre o mar
Os seus cabelos de ouro Pronta estou pra responder
Parecia um querubim O que você perguntar
188
Dignissima professora Ó destinta professora
Faça favor de explicar Desculpe minha expressão
Esse disco está rodando De ficar vos abusando
Sem ter aonde apoiar, Com tanta perguntação
Onde ele está seguro Disse ela: não tem nada
Pra não se desmantelar? Tudo eu dou explicação
189
Então minha professora A infeliz ambição
Já estou bem explicado Nos ricos logo chegou
Porèm diz os cientistas Tomaram conta das terras
E eu fico encabulado Por todo canto cercou
Diz-me se o planeta lua O pobre ficou sem nada
Tambem será habitado? E assim continuou
190
O sol é sempre o mais alto A Natureza depressa
Por ser o mais luminoso Deu um sopro em meu ouvido
Para os homens conhece-lo Acabou todo cansaço
Esse é o mais duvidoso Fiquei restabelecido
Só se for com uma ordem E o carrinho corria
De Nosso Pai Poderoso Que só se ouvia o zunido
191
Cheguemos num edificio Salve, salve a Natureza
Ela uma campa toucou Nossa bela professora
Ali foi chegando um guarda Que vem chegando da terra
E desta forma falou Tambem de tudo é autora
Que deseja sua alteza? Hove uma salva de palmas
A Natureza explicou Nessa hora encantadora
192
Disse ele: Minelvino Eu respondi: meu irmão
Como vai nossa Bahia Estou vivo de verdade
Eu disse: está muito bôa A Natureza me trouxe
A terra da poesia Por uma felicidade
Seu nome imortalisou Para poder me explicar
Se fala por noite e dia Como é a eternidade
193
Nessa hora a Natureza Esse cujo Juscelino
Um vulto me apresentou Mostrando seu ideal
Este aqui é o Tiradentes Construiu em nossa terra
Por esta forma falou Uma nova capital
Morreu pela liberdade Denominada Brasilia
Seu nome imortalisou Para todo pessoal
194
Cabral então respondeu
Eu compri minha missão
Mandada por Deus Eterno
Em meu papel de cristão
Fui descubrir o Brasil
Formando grande nação
195
SEGUNDO VOLUME DO POETA E A NATUREZA
196
Disse ela: nesse instante Fiquei um pouco a pertado
Iremos lá com prazer Mas uzei o meu repente
Estarei sempre a teu lado Ao lado da professora
A fim de te protejer Falei pra toda essa gente
E tudo eu posso explicar Saúdo vòs os alunos
Que possa comprender Do bom Pai Onipotente
197
Disse ele: seu poeta Toda aquela minha ideia
Como vai minha invenção? De construir o avião
Eu respondi: está bôa Foi pra elevar minha terra
Dando a maior produção Dando maior produção
Tú fizeste um bom anzol Nunca pensei que ela fosse
Para pescar “tubarão” Pra fazer destruição
198
Ele disse: meu irmão Como é a estação
Com toda realidade Faça favor de explicar?
Nada se arranja facil Rapaz lá tem tanta coisa!
Um tudo é dificuldade De fazer admirar
Pra se arranjar o que é bom É tanto dos aparelhos
Eu respondi: é verdade Que eu não sei nem contar
199
Respondi: sua invenção Eu respondi: meu amigo
Foi de grande utilidade Sua invenção não parou
O mundo em peso admira Depois de anos e anos
Sua invenção de verdade O exercito aproveitou
Temos estrada de ferro E o automovel perfeito
Pra toda e qualquer cidade Pronto de tudo montou
200
Como vai minha invenção Foi chegando OUTO VON
Depois que eu a deixei? Com os seus olhos azús
Vai muito desenvolvida Que tambem aqui na terra
Desta maneira falei Condúziu a sua cruz
Elevou-se cem por cento O maior dos inventores
E tudo mais expliquei Porque inventou a luz
201
Eu respondi: professora Assim que sai do carro
Da terra estou muito além Pra ela tornei a falar
Aqui no reino da lua Minha bela professora
Nada falta tudo bem Ainda vou perguntar
Mas, eu não vendo meus pais Algumas coisas da terra
Não quero vê mais ninguem Que me faz encabular
202
Porque nasce uma pessôa Deus me livre, professora!
Tão amiga, tão bondosa Compreendi o vosso aviso
Em todo assunto falando Não quero saber mais nada
É bastante valorosa Falar a verdade é preciso
Sendo irmã já nasce outra Se assim continuar
Perversa e maliciosa? Já vi que perco o juizo
203
Senhores, quem duvidar
E quizer ter a certeza
De toda minha historinha
Vos aviso com franqueza
Vá na fonte da poesia
E pergunte a Natureza
204
AS PROESAS DE ZÉ BUFÃO
205
Disse o homem eu dou o cavalo O homem soltando as bufas
Mas, vamos testimunhar Começou a se vexar
Se não der as cinquenta bufas Foi o sargento e pediu
O senhor vai se enrascar Pra bufar mais a vagar
Porque o valor do cavalo Porque daquela maneira
O senhor tem que pagar Arriscava até errar
206
O bufão continuando Zé Bufão naquele instante
Danadamente bufava Quiz logo se alterar
E o sr. Escrivão O delegado lhe disse:
No seu papel anotava Não precisa se vexar
Quando o sr. Delegado Pois você perdeu aposta
Contando lhe ordenava Por tanto tem que pagar
207
O sargento deu lhe um sôco Cento e dez eu ofereço
Depois que se levantou Ao governo do estado
Para arrancar-lhe o pescoço Duzentas ao presidente
Zé Bufão se abaixou Por ser mais conceituado
O cabo para o bufão Cem para os veriadores
De novamente avançou Trinta a cada deputado
208
FOLHETOS DE ACONTECIMENTOS
POLÍTICOS E COMOÇÃO POPULAR
209
A POLITICA D’AGORA
211
No seu gordo cavalinho Quando Lauro faleceu
Getulio vem esquipando Muita gente se alegrou
Direto pra o Catête Dizendo nós ganha agora
Café Filho acompanhando Tudo para nós chegou
Cristiano e Brigadeiro Porem tudo foi errado
Ficaram quase chorando. E eles todos se enganou.
212
Istá certo meu cumpadre Mais quando abriram as urnas
Só voto pra seu Getule Muitos com todo orgulho
Pra ele vim pú Catête Iam contar todas chapas
Meu Jisus Cristo ajude Sem precisar de barulho
Dê fôça Getule Vaga 50 pra Brigadeiro
Cubra ele de virtude. 110 pra seu Getulio.
213
Pesso não fazer censura
Com o pobre trovador
Quando os vossos partidos
Forem tambem vencedor
Eu faço um folhetinho
Dando a vós todo valor.
214
VITÓRIA TRABALHISTA
215
Sou um trabalhista pobre Fui um dia uma viagem
Posso não ter um cruzeiro Lá para o alto sertão
Porém a minha palavra O povo só quer Getulio
Não se vende por dinheiro! O leitor preste atenção:
Dinheiro, caro leitor Mangabeira e Ademar
Não compra o trovador O poéta popular
Dêste folheto fagueiro Não vendeu nenhum tostão
216
Getulio, nome garboso Getulio caro leitor
Homem de sabedoria Já nasceu para governar
Deu Abôno de Família Sabe bem disciplinar
Com seu coração bondoso A quem é merecedor.
Com um poder glorioso Excelentíssimo Senhor
Acabou com os Cangaceiros, Getulio Vargas, falado
Assassinos e desordeiros De todos é adorado
Daquele tempo passado. Por seu coração fiel
Hoje são civilisados Como o anjo São Miguel
Graças a Deus verdadeiro Tão sublime idolatrado
217
No seu tempo Dr. Getulio Só quem fala de Getulio
Auxiliou muita gente É somente o burguês
Quando era Presidente Quando junta dois ou treis
Sem precisar de barulho! Metem êle em embrulho
O candidato é Getulio Querendo fazer barulho
Não tem quem diga que não P’ra Getulio não voltar
Agora na eleição Com mêdo dêle acabar
Tira muitos do engano Com esta devassidão
Sujeitos bárbaro e profano É tanta descaração
Getulio dá uma lição Que faz vergonha contar!
218
O partido é o Trabalhista Povo dos outros partidos
Haja lá o que houver Vocês queiram desculpar
Homem, menino, mulher Que nesta minha profissão
Tudo isto é Getulista Quero cruzeiro arranjar
Queremos ser queremista Comprar uma roupa bonita
É a voz do mundo inteiro Também quem for Getulista
Diz o povo brasileiro: Se gostou vai me pagar
“Nós queremos é Getulio”
Sem precisar de barulho FIM
É o homem do mundo inteiro
Jacobina, Abril de 1950
Getulio é competente
Só nasceu para governar
Outro remédio não há
P’ra não ser o Presidente,
Querido de toda gente
Com seu porte varonil,
É o homem do Brasil
Getulio Vargas, falado
Com os trabalhistas ao lado
Deste Senhor tão gentil
219
A MORTE DO PRESIDENTE GETULIO VARGAS
220
Dr. Getulio pensava Quando acabou de escrever
Ficar desmoralisado Aquela carta fechou,
E por seus adversarios De dentro de uma gaveta
Ficar bastante vaiado, O seu revolver apanhou.
Com isso se desgostou Sem ter ninguem pra dar geito
A sua pena apanhou Apontou o próprio peito
Bastantemente inspirado E um tiro disparou.
Mas dou minhas gotas de sangue Como não ficou seu peito
A bem de nossa nação. Traspassado pela dor
Dou minha carne, dou meus ossos Vendo seu querido Pai
De todo meu coração. Nesse Estado de horror,
Vou pra terra da verdade Com o peito dilacerado
Minha alma pra eternidade Com a propria mão alvejado
Meu corpo pra o frio chão. Dum projetil matador.
221
Aí correu a notícia Deus ajude que eu minta,
Por todo mundo a espalhar: Que seja mesmo ao contrario,
Morreu o Pai da pobreza! Que venha tempo melhor
Só via gente chorar, Pra todo pobre operario
Logo a cidade fechou E venha a justiça reta
O povo se aglomerou Feita direita e diréta
para de perto ir olhar. Pra todo proprietario.
222
Até o Filho de Deus Assim como foi na terra
Que era santificado No céu também é querido
Desceu do céu para terra Vós conceda a salvação
Pra nos salvar do pecado, Não deixai ser desvalido
Veio aqui fazer o bem Esse homem de nobreza.
Não ofendia ninguém. Que o homem da pobreza
Foi logo crucificado. Não deixou desprotegido.
223
AVE MARIA Digno fruto de um ventre
Tú nasceu pra governar
Ave Maria, cheia de graça E uma parte do Brasil
O Senhor será contigo, Não soube recompensar
Getulio Dorneles Vargas Os favores merecidos
Nosso verdadeiro amigo, de um cidadão popular.
Que nasceu entre as mulheres.
E pouco teve inimigos. FIM
224
A CARTA DE GETULIO
225
Iniciei o trabalho Quiz criar a liberdade
De uma libertaçao No Brasil todo em geral
E instaurei um regime Que podia intitular:
Para ver minha nação Liberdade Nacional,
Ficar toda em liberdade, Ficaria uma beleza
Era esta minha vontade E através de uma riqueza
De todo meu coração. Que temos em mineral.
226
As emprezas estrangeiras Para defender o povo
Uns lucros exagerados De ficar desamparado,
Davam quinhentos por cento Nada mais vos posso dar
Conforme os calculos traçados. Darei meu sangue gelado
Nas suas declarações Pois as aves de rapina
Eram mais de cem milhões Desejam sangue, e imagina
Por ano, seus resultados. De ver meu corpo acabado.
227
Sentireis no pensamento Eu era escravo do povo
A força pra reação, De toda localidade,
Quando vilipendiarem Mas hoje fico liberto
Sentirei no coração No reino da eternidade
Os meus grandes sacrificios, E escravo de ninguém
Trabalharei por meus patricios Seja o meu povo também
Contra a negra escravidão. Terá sempre a liberdade.
228
A VITÓRIA DE JUSCELINO E JOÃO GOULART
229
Juscelino meu amigo Um quilo de carne verde
Eu te peço por favor Custa vinte e dois cruzeiros
Não maltrate o operario Sendo sêca é trinta e oito
Seja um distinto senhor Morre a fome os brasileiros
Tenha um bom golpe de vista Com os preços dos cereais
O Partido Trabalhista A exploração é demais
Ao homem progressista Eu não aguento jamais
Dê o que é merecedor. Com todos meus companheiros.
FIM
232
A VOLTA DE JUSCELINO
233
Se vem o salário minimo Quem o chama comunista
Dez cruzeiros aumentar Talvez não possa provar
Para o infeliz operário Quando pôr em prato limpo
Que está pra se acabar Arisca se condenar
Redobra na carestia Pra melhora verdadeira
Diz o povo em agonia: Desta terra brasileira
Juscelino vai voltar Juscelino vai voltar
234
No seu govêrno passado Pois construiu a Brasilia
Não se viu nada aumentar De fazer admirar
Todo dia e tôda hora Socorreu aos nordestinos
Foi um govêrno exemplar Que estavam a se acabar
Tudo foi mesmo excelente Dê no ferro, dê no zinco
Pra melhorar novamente No ano sessenta e cinco
Juscelino vai voltar Juscelino vai voltar
235
A Bahia e Pernambuco Deus mandou para Bahia
Alagoas, Ceará Chuva pra todo lugar
Paraiba, Maranhão A farinha já baixou
Minas, São Paulo e Pará E ainda tem que baixar
Piauí e Espirito Santo Só a carne vai medonha
Diz o povo em todo canto: Para a ela da vergonha
Juscelino vai voltar Juscelino vai voltar
FIM
236
A MORTE E O ENTERRO DO
PRESIDENTE TANCREDO NEVES
237
Quando foi no dia 14 Estava Dr. Tancredo
O Brasil extremeceu, Numa cadeira sentado,
Pois Dr. Tancredo Neves E a dona Risoleta
Pela noite adoeceu, Tambèm estava a seu lado,
Foi obrigado a operar, E mais dois kilos em peso
Todo mundo entristeceu. O Dr. tinha aumentado.
238
Com isso estava chegando Mandaram buscar um médico
O meado do outro mês, De lá da América do Norte,
Todos 35 médicos Pagando toda despesa
Cada um seu plano fez, Do alimento ao transporte,
Controlaram uns com os outros Que podia o pasciente
E operaram outra vez. Com ele até dá mais sorte.
239
Mas antes da eleição Chegando lá em Brasilia
Foi mesmo de amargar, O povo estava esperando,
Perguntaram ua cartomante Na mais profunda tristeza
Quem era que ia ganhar? Muita gente soluçando,
Nem Maluf e nem Tancredo Por perder Tancredo Neves
Vai o Brasil governar. O povo todo chorando.
240
E a D. Risoleta
Seu esposo acompanhou.
Chegando lá na Igreja
Veio o padre o encomendou,
Depois do povo ter visto
No cemitèrio o enterrou,
FIM
241
A PALESTRA DE TANDREDO NEVES COM GETULIO VARGAS
NO CÉU SOBRE A REFORMA AGRÁRIA
242
São Francisco de Assis Me diz a Reforma Agrària
Com Tancredo palestrando, Será que vai funcionar?
Todas aquelas belezas Eu fiz aquele projeto
A ele estava mostrando, Mas não pude executar.
Naquelas ruas tão largas Disse Tancredo a sorrir:
Foi quando Getulio Vargas Deixei esse abacaxi
Também ali foi chegando. Pra Zé Sarney descascar.
243
E quem tiver mil alqueles Já soube que lá na terra
De terreno bem cercado, Depois que eu vim para aqui,
E paga o imposto de cem Mil familias se juntaram
Que é o que está cadastrado, Foram fazenda invadir,
Manda o governo medir Santa Catarina o Estado
A sobra destribuir Zé Sarney muito zangado
Com quem está necessitado. Expulsou todos dali.
244
Getulio disse: Tancredo Tancredo disse: Getulio
Foi pena tu não ficar Isto foi realidade,
No Brasil mais uns dez anos Nada mais posso fazer
Pra Reforma executar, Por aquela humanidade,
Resolver a coisa pública A não ser uma oração
E sua Nova República Pra eles a salvação
Botar para funcionar. Da Santíssima Trindade.
FIM
245
FOLHETOS DE DISPUTA, DEBATE, DUELO,
ENCONTRO, PELEJA OU DESAFIO ENTRE CANTADORES
247
HISTÓRIA DO VII ENCONTRO DOS POETAS DA
LITERATURA DE CORDEL EM LARANJEIRAS
E A MORTE DE UM TROVADOR
249
Poetas da Paraiba Pois com a chegada d’ele
Tambèm veio violeiro Naquele mesmo momento
Do Estado do Pernambuco Os colegas o abraçaram
Cada um mais prazenteiro Com todo contentamento,
Os poetas da Bahia A festa continuava
Também do Rio de Janeiro. Sem nenhum constrangimento.
250
Ele falou em Romano E assim mesmo ele fez
E Inácio da Catingueira, Nessa hora dolorosa,
Falou em Chagas Batista, Pôs o corpo num avião
Naquela època fagueira, Com a alma tão penosa
E muitos e muitos outros Mandou entregar no Rio
Desta terra brasileira. Là na Casa Rui Barbosa.
251
Ou então pra não morrer Esta vida que è nossa
Abandona a profissão, Afirmo nos versos meus,
Vai pegar na picareta, Precisa compreendermos
Trabalhar na construção, Pra não ser como os ateus,
Vai puxar cobra pra os pés Nossa vida está segura
Depois que pegar com mão. Sò na palavra de Deus.
FIM
252
HOMENAGEM AO DESENHISTA, CARICATURISTA,
ESCULTOR E DECORADOR, SINÉZIO ALVES
253
OS REPENTES E PROESAS DE BOCAGE
254
Disse Bocage: eu irei Disse Bocage: é o diabo
Porem vou me aprontar Com esta eu não me aguento
Diga ao rei que me espere Fazer um macho dar leite?
Que lá eu tenho que chegar É fazer careta ao vento
Se eu não resolver o caso É fazer cósca em pedra
Ele pode me matar. Ou encebar um pensamento.
255
Disse o rei: o que é isto Bocage ali foi chegando
Que eu nunca ouvi falar O rei mandou ele entrar
Quem já viu homem pari? Disse o rei: estou doente
Bocage: aí é que está Poristo mandei chamar
Se é que homem não pare Tú és muito experiente
Leite tambem boi não dá. Poristo vai me curar.
256
Foi entrando no palacio Sentiu gosto e sentiu cheiro
Com o remedio na mão E tambem falou a verdade
Deu ao rei para engulir Bocage dizia ao povo:
E disse: é já está são Dei remedio à majestade
Disse o rei: se eu não sarar Estava muito doente
Tú vai morrer sem perdão. Já está sem novidade.
257
Poristo é que estou mijando Passando em uma rua
Por que daqui vou mudar Uma dona lhe chamou
A casa fica vazia Bocage muito safado
Ninguem aqui vem morar Da porta se aproximou
Bocage disse: está bem Apertou a mão da dona
Sendo assim eu vou cagar. Sorrindo a comprimentou
258
Ela conheceu a fala Bocage disse: eu não tusso
Disse: é o marido dela Se eu tussir vou pegado
Não tinha outra saida Se esse homem me pegar
Que hora apertada aquela Eu sei que estou derrotado
Mandou Bocage deitar O que na vida eu estimo
Dentro de grande gamela. Desta vez vai arrancado.
259
Levantou-se mesmo nú A mulher foi ao marido
E jogou-se porta afora E muito lhe tapiou
Bocage não levou roupa E a roupa de Bocage
Mas mesmo assim foi embora Dentro do pote botou
Correndo que só um trem Foi pra fonte buscar agua
Bocage foi dando o fora. Lá com Bocage encontrou.
260
A velha assim perguntou: Bocage saiu na porta
Com quem estava prosando? Ligeirinho caiu fora
A moça disse: mamãe Não quiz saber mais de nada
Eu estava era comprando Nem tão pouco ter demora
Um presente pra senhora Seguiu no caminho de casa
Creio que vai ficar gostando Num instante foi embora.
261
E na hora das perguntas A segunda é pra dizer
João se apresentou Quanto a terra está pesando.
O rei lhe fez as perguntas A terceira é pra dizer
E o seu praso marcou O que ele está pensando,
Deu três dias pra João Eu que não sei responder
João a casa voltou. Por isto estou chorando.
262
Disse o rei: e a terra Disse o rei: ora Bocage
Me diga que peso dar, Se eu vou me ocupar
Disse êle é muito facil Em a ti fazer perguntas
É o senhor arretirar Antes ir secar o mar
O que tem em cima dela Tú já respondeu todas
Que hoje mesmo eu vou pezar. Não tenho o que perguntar.
Mas não sou João sou Bocage Disse uma: seu Bocage
Que aqui vim responder Desta vez sua casa cai
As perguntas de João De onde é que tú vem
Para ele não morrer Pra onde é que tú vai?
Se tem mais vá perguntando Eu venho do nariz da mãe
Que todas eu vou dizer Vou para o ouvido do pai.
263
Bocage lhe respondeu Quando olhou para estrada
Esta pequena charada Viu um grande cavaleiro
E disse mais uma quadra Montado num bom cavalo
Que é um pouco pesada Era esse um fazendeiro
A moça logo saiu Que ia para cidade
Bastante descabriada. Bem lorde e cheio de dinheiro.
264
Nessa hora o fazendeiro Eu agora vou pegar
Do cavalo se apeiou Este tal de passarinho
Bocage entregou o chapeu E vou até ao palacio
O manata segurou Porque já sei do caminho
Bocage saiu andando Cinco milhões eu recebo
Mas novamente voltou. E fico pra mim sosinho
265
Disse o Rei para Bocage Disse o rei para Bocage:
O nosso meio é decente Que grande infelicidade
Você dançar sem gravata Você vir pra aqui despido
Ninguem ficará contente Está doido de verdade?
Vá buscar uma gravata Não senhor estou cumprindo
E volte de novamente. A ordem da majestade.
266
A Rainha envergonhada Bocage neste momento
Correu logo do salão Lá para sala marchou
O povo tapou o nariz Chegando falou ao povo
Nessa mesma ocasião Como o Monarca mandou
Foi esta a maior vergonha Para ver sua poesia
Pra o Rei daquela nação. O povo todo parou.
267
Ia tambem engraxate Parou todo movimento
Servente e carregador, Quando Bocage chegou
Malandros e dorme-sujo Deram a ele uma cadeira
Toda classe sem valor Bocage aí se sentou
Ficavam na retaguarda Se conservando tristonho
Vendo este frevo de horror. Ali no canto encostou.
268
Noé foi um ancião. Noé agarrou o bode
Bocage continuou Bateu um pau pelas costas
Ele era um servo de Deus E disse: cabra safado
E Deus a ele avisou Agora dou-te a resposta
Que construisse uma arca Quer fazer de minha arca
Bem direitinho lhe falou. A casa de dona Costa?
270
O Gregorio de Matos no passado Foi Nicândo o primeiro trovador
Pelos versos de sua inspiração, Do Brasil com sua publicação,
Encerraram esse pobre na prisão Ugolino que era o seu irmão
Em Angola foi ele degredado, Foi do Norte o primeiro cantador,
E depois de ser tão martirisado Nos seus versos cantava sua dor
Ordenaram ele vir para a Bahia, Porque nosso Brasil não conhecia
Sua terra que tinha simpatia Esta hética ou arte de poesia,
Mas morreu em Recife de repente Porém hoje conhece e está contente,
O soldado, o sargento e o Presidente O soldado, o sargento e o Presidente
Todos eles são fãs da poesia. Todos eles são fãs da poesia.
271
Tem o Gerson Lucena e Zé Vieira, Passarinho, Sabiá e Larangeira,
Paulo Nunes, Enéias, João Josè. Curiò, Asa Branca e Juriti,
O Delorme Monteiro, mostra fé, Beija-Flor, Gavião e Bentivi,
Paulo Lopes, tambem Manoel Pereira, Zé Viana, João, Pedro Bandeira,
Antonio Teodoro é dianteira, José Alves Sobrinho, Luiz Pereira,
Expedito em Juazeiro tem valia, Josè Braga e Moisés que certo dia
Abraão nunca perde a garantia, Teve a vez de dizer em cantoria
Diz Batista de Sena: estou contente, Que o povo dali ficou contente:
O soldado, o sargento e o Presidente O soldado, o sargento e o Presidente
Todos eles são fãs da poesia. Todos eles são fãs da poesia.
272
B. Eu gosto da vida, mas desprezo a morte Z. Eu sei que esta vida é mesmo um embrulho
Porque nossa vida tem muita certeza Ela vai, ela volta, ela vira, ela vem,
Quando a morte chega, vem com ligereza São estes os segredos que a vida tem
No fio da vida ela dá um corte Dentro dos segredos as vezes mergulho
Dentro dum caixão se pega um transporte O homem na terra é quase um fasfulho
Para o cemitério iremos morar, Vive batalhando para desfrutar
E desta maneira eu quero falar As vezes na terra começa a pecar
Que a morte malfeita ninguèm se sucega Sem lembrar depois dos pecados seus
Que a vida prospera e a morte carrega Na eternidade ele conta a Deus
Nos dez de galope na beira do mar. São estes os trabalhos da Beira do mar
Z. Eu falo a você que a vida navega B. Da morte eu não quero os mistérios seus
De dia e de noite vivo conformado, Da vida eu quero a sua beleza
E a morte que volta de ferro afiado Na água que desce pela correnteza
Porque nesta vida as vezes entrega Vai tirando o flúdio dos grandes plebeus
E ele não ver porque sempre trafega Trazendo a beleza desses versos meus
Por cima da terra só a palmilhar Eu adoro a vida em primeiro lugar
E as vezes um homem gosta de reinar Mas também na morte eu preciso falar
O rei da coroa honra o seu critério A vida è o riso e a morte é a mágua
Transforma-se em pó lá no cemitèrio A vida è o barco e a morte è a água
São esses os mistérios da beira do mar. Levando a pessoa pra beira do mar
B. Não gosto da morte pelo seu impèrio Z. Aqui desta vida eu não magua
Que leva a pessoa em plêna mocidade Vivo satisfeito com o dever da qual
Carrega a criança aqui da cidade Digo para o povo em assunto geral
Da morte eu não quero saber do mistério Que a nossa vida as vezes bichaba,
Deixando dizer no mesmo critério, O barco perfeito penetra na água
Mas também na vida preciso falar Que bem satisfeito vive a navegar
Eu adoro a vida em primeiro lugar E a morte chegando pra lhe acabar
Com a vida eu me abraço, O sol se encobre e a vida se acaba,
Com a vida eu me embrulho O sol se afasta e a vida se embarga
A vida é feijão e a morte é gorgulho São esses trabalhos da beira do mar.
Nos dez de galope na beira do mar.
273
B. A india Iracema da Ibiababa
Trazendo a origem do nosso terreno,
A india bonita com seu pè pequeno
Que o proprio Alencar na história se agaba
Esta tradição sei que não acaba
Mas para a morte eu quero mudar
E também na vida eu quero falar,
A vida é clareza de todo arrebol
A vida é a flor e a morte é o sol
Muchando a roseira da beira do mar.
274
ENCONTRO DE ZÉ PAPA-JACA
COM CHICO PAPA-CARANGUEJO
275
Z. Quem vive dentro do mangue C. Quem se alimenta com jaca
Com um grande sexto na mão E vive assim nesta lida
Apanhando caranguejo Sem comer um caranguejo
Tão feios que só o cão A pessoa enfraquecida
Um homem deste é um bicho Vai cair do pé de jaca
Não pode ser um cristão Termina perdendo a vida
276
Z. E um Papa-caranguejo C. Itabuna é terra bôa
Se a meu jeito o pegar Terra de hospitalidade
De cima dum pé de jaca Terra de Firmino Alves
O malvado eu vou soltar Que foi para a eternidade
Quando cair fica pronto Cada vez mais Itabuna
Para os cachorros puxar Aumenta a prosperidade
277
Z. E um Papa-caranguejo Chico Papa-caranguejo
Agora posso afirmar Demonstrando educação
Que é homem cem por cento Abraçou Zé Papa-jaca
Em todo e qualquer lugar Com muita satisfação
Inda mais tem seu valor Todos dois dando risadas
Na cidade a beira mar Acabou-se a discussão
FIM
278
O GRANDE DEBATE DE BENTIVI DA FLORESTA COM
GAVIÃO DA BAHIA
279
Eu quero ti avisar Já tinha mais de oitenta
Bentivi neste momento Pessôas lá no salão
Gavião para cantar Para vê naquele dia
Não esgota o pensamento Essa grande discussão
Bentivi abra teus olhos De Bentivi da Floresta
Gavião sempre é sangrento Com o famoso Gavião
280
B. Mas eu posso me sair G. É feio o teu sofrimento
Que isto não me atraza Que Bentivi atrevido?
Você para me engulir Te tranco hoje nas unhas
É melhor engulir braza Sem atender teu gemido
Pois vai ficar sem muela, Te quebro osso por ôsso
Sem o fato e sem a aza Pra não ser tão enchirido
G. Arranco cano por cano B. Sem ter ódio e sem ter ira
Deixo pelado no chão Vamos cantar um quadrão
Pra saber que na Bahia Para ver se alegra um pouco
Sò canta com permissão O povo deste salão
Ou uma carta assinada Depois vamos no martelo
Com o nome de Gavião Vê quem tem inspiração
281
B. Eu garanto acompanhar B. Chegando na pescaria
Mas você segue na frente Seja de noite ou de dia
Dizem que o gavião Enfrentando a ventania
Não tem cantador que aguente Começa logo a pescar
Mas Bentivi te acompanha O peixinho a beliscar
E vai atè no oriente Porém vem o tubarão
O pobre fica na mão
G. Não falo da vida alheia No quadrão da beira-mar
Mas quando chego na areia
Que vejo tanta sereia G. Eu vou mudar de cistema
De maiô tudo a brincar Pra resolver o problema
Eu fico só a olhar Cantando com outro tema
Admiro a boniteza Pra o povo deste salão
Aquela tôda beleza É no dedo, è no bordão
No quadrão da beira-mar È no bordão é no dedo
Pra cantar não tenho medo
Em oito pès de quadrão
B. Eu fui a Copa Cabana
Vi uma menina bacana
B. Tem hora que sou rochedo
Com essa linda praiana
Tem hora que sou degredo
Comecei a namorar
Tem hora que sou penedo
Terminando de banhar
Tem hora que sou leão
Fui até a casa dela Tem hora que sou dragão
Por fim me casei com ela Tem hora que sou cordeiro
No quadrão da beira-mar Tem hora que sou ligeiro
Nos oito pés de quadrão
G. O pescador na jangada
Seguindo sua jornada Hora que sou um guerreiro
Enfrenta dura parada Hora que sou brasileiro
Pras ondas fortes rasgar Hora que sou estrangeiro
Vai muito longe pescar Hora que sou um Sansão
O vento forte soprando Hora que sou o bordão
Êle segue improvisando Hora que eu sou a prima
Um quadrão da beira-mar Sou a viola e a rima
Que canta oito em quadrão
282
B. Sou mais do que um doutor B. Tenho prática e teoria
Mais do que governador E tenho repentes mil
Mais do que um professor Canto com cantador bravo
Mais do que tabelião E com cantador gentil
Mais do que um capitão Eu canto em todos Estados
Com soldado e com tenente De nosso caro Brasil
Mais do que um presidente
Pra cantar oito a quadrão G. Eu bato pra mais de mil
Bentivís assim doente
G. Bentivi agora mesmo Que não aguenta cantar
Vou mudando meu baião Fica chateando a gente
Para cantar um martelo No bico do Gavião
De chamar mesmo atenção Não tem Bentivi que aguente
E se ver que não aguenta
Corra logo do salão B. Não sejas tão imprudente
Puxe logo teu martelo
B. Eu não temo assombração Quero vê se tú suporta
Na arte de violeiro O Bentivi em duelo
Se vier como leão Onde êle põe o bico
Sai manso como cordeiro Corta mais do que cutelo
Eu perco a fè do doente
Quando muda o traviceiro G. Pra que da um Bentivi tão pequenino
Para o bico dum forte Gavìão
G. Eu não mudo o traviceiro Pego êle e arranco o coração
Mudo só de cantoria Fìgado e bofe que o pobre perde o tino
Pra saber se Bentivi Pra saber que sou Gavião ferino
Tem repente e poesia Quando eu pego a meu jeito està pegado
E se tem capacidade Se maldiz e lastima o condenado
Para cantar na Bahia Eu seguro com êle pela guela
Quebro as azas e arranco-lhe a muela
No martelo de dez agalopado
283
B. Hoje eu pego este brouco Gavião G. Quando as aguas não ir mais para o mar
Corto unha e canela por canela Quando o porco deixar de ser imundo
Pego êle agarro pela guela Quando o Rio São Francisco não ser fundo
E cabo com êle à beliscão Quando um pato nas aguas se afogar
A cabeça eu esfrego pelo chão Quando um peixe em gaiola se criar
Pra deixar de ser tão desaforado Quando sol lá no céu ficar parado
Depois digo: conheça mácriado Quando o vento ficar paralisado
Você hoje se vira em biribiri Quando um gato almoçar junto com cão
Pra saber que o pequeno Bentivi Bentivi baterá em Gavião
É dureza em martelo agalopado Em matéria de dez agalopado
B. É preciso a galinha criar dente G. Não duvido do rio correr pra cima
É preciso uma cobra nascer mão Não duvido do mar todo secar
É preciso o sul virar sertão Não duvido dos peixes não nadar
É preciso um mofino ser valente Não duvido de manga virar lima
É preciso um calangro ser tenente Não duvido da mãe vira-se em prima
É preciso um cachorro ser educado Não duvido de pedra virar pão
É preciso o mar ficar parado Não duvido perdiz virar cancão
É preciso um leão virar quatí Não duvido um tatú ler um gibí
É preciso saber que Bentivi Sò duvido êste pobre Bentivi
É espêto em martelo agalopado Em martelo açoitar um Gavião
284
B. É mais facil se ver um boi voando G. Seu Bentivi da Floresta
É mais facil uma paca saber ler Que diz que sabe cantar
É mais facil a guariba escrever Se metendo a valentão
É mais facil urubú se ver cantando Agora vou lhe pegar
É mais facil uma pulga improvisando E arrancar pena por pena
É mais facil montar num sucuri No galope a beira-mar
É mais facil teiù virar acarí
É mais facil casar com uma sereia B. Na arte de improvisar
É mais facil açoitar uma baleia Eu estou de prontidão
Que em martelo açoitar Bentivi Pode vir como quizer
Estou a disposição
Quando ver o espaço escurecendo Vou tirar pena por pena
Quando ver o oceano revoltar Das costas do gavião
Quando o sol lá no céu se apagar
Quando ver tôda terra estremecendo G. Peguei um Bentivi dei um beliscão
Quando ver todo povo se benzendo Joguei para cima subiu no espaço
Quebrou a cabeça, o pescoço e cachaço
Se acabando de medo ajoelhado
Subiu pelo ar como um fuguetão
Vendo chôro ali por todo lado
Na velocidade de um avião
Quando escuta o estouro do trovão
Ninguem sabe aonde êle foi se parar
Quem conhece assim diz: o Gavião
Porque no espaço não poude ficar
Está cantando um martelo agalopado
Por não atravessar o ecuador
Depois me disseram que um pescador
B. Quando ver o relâmpago vadiando Viu êle cair lá dentro do mar
No espaço fazendo caracol
Quando ver apagar-se a luz do sol B. Uma certa vez peguei um Gavião
As estrelas ficar pestanejando Querendo passar para o estrangeiro
Vento forte cada vez mais soprando Eu voei por cima pelo nevoeiro
No espaço fazendo um poeirão Peguei na cabeça dei um beliscão
O relâmpago clareia a amplidão Batendo com a aza, dando bofetão
Diz o povo que passa por ali: Aquele bichão começou a cançar
Tudo isto é porque o Bentivi Para o estrangeiro não pôde passar
Deu uma surra danada em Gavião Que sua viagem logo atrapalhei
Quebrei dêle as azas ali derrubei
Morreu afogado lá dentro do mar
285
G. Peguei um Bentivi de là da Floresta B. Já dei um mergulho lá no oceano
Com um pè no pescoço e outro na aza Para conversar com uma sereia
Com bico, com unhas, só mandando braza Mas logo encontrei tão grande baleia
E disse pra êle: agora o que resta Puxei para fora porque sou tirano
Veja um Gavião pra quanto êle presta Chegando na areia fiz logo meu plano
Peguei o bichinho e sair pelo ar Chamei todo povo para observar
Dentro do oceano que fui o atirar Dei carne a todos a té se fartar
Daì em diante findou-se a contenda Todo povo ali ficou admirado
Os peixes com êle fizeram merenda Como um Gavião nogento e pelado
Brincando e pulando lá dentro do mar Joga um Bentivi là dentro do mar
286
PELEJA DE FRANCISCO DE ASSIS MEDEIROS
COM MINELVINO FRANCISCO SILVA
288
Bom-dia meu caro amigo, F. — Eu me vendo aperriado
Como chama-se o Senhor? Faço a luz do Sol faltar
Minelvino Francisco Silva Faço o mundo escurecer,
Sou tigre devorador, O vento paralizar.
Sou poeta sem cultura Vai cair chuva de fogo
Mas não temo cantador. Dia e noite sem parar.
289
M. — Numa noite de luar M. — Mato Grosso, S. Paulo e Paraná,
Na véspera de São João Rio Grande, Bolivia e Goiaz,
Peguei um rosario bento Amazonas tambem Minas Gerais
Montei num genio tufão, Espirito Santo, Bahia e Pará,
Voando pelo espaço Pernambuco, Sergipe e Ceará
Amarrei a mãe do cão. Piauí, Alagoas, Paraiba,
São Luiz, Porto Alegre e Curitiba
F. — Já peguei um valentão Fortaleza, Recife e Salvador
Que veio me insultar No martelo é que eu pego um cantador
Marrei ele num mourão Desta vez êle ou morre ou se arriba.
Pra puder me respeitar
Cortei um pedaço da lingua F. — Bôa Vista, Vitoria e Cuiabá
Nunca mais poude falar. De Manaus, Goiania e Natal
Povôado, Cidade e Capital
M. — Disculpe eu lhe chamar Niteroi, Teresina e Amapá
Senhor Francisco Medeiros;
Desta vez não ficou canto por lá
Vamos cantar o Brasil
Procurando um cantador afamado
Como uns dignos Brasileiros.
Séndo forte, afoito e malcreado
No martelo agalopado
Dessa vez esse pobre eu vou marrar
Eu canto trinta Janeiros.
Para o couro das costas eu tirar
No martelo de dez agalopado.
F. — Eu sou como Oliveiros,
Carlos Magno e Roldão.
M. — Eu pegando um Poèta Cearense
No martelo agalopado
Marro ele num touco no terreiro
Eu sou terror do sertão.
Pucho logo uma estaca do chiqueiro
Pode vir quem quizer,
Como eu fiz com um cantor Piauiense,
Nunca timi valentão.
Em Vitoria hoje aqui você nem pense
Vai sofrer numa tremenda prisão,
Já mandei preparar um alcapão
Pra prender os cantores malcriados
Dar dez surras depois de algemados
Sair dizendo o Baiano é um leão.
290
F. — Já peguei um cantador na Bahia M. — Estou vendo que tú é valentão
Marrei êle num pé de uricuri Dum Baiano hoje aqui vai apanhar
Todo povo ficaram a surrí Pé e mão com cabeça eu vou marrar
Pois surrei de manhã pra meio dia Mando logo amarrar em um mourão
O lugar que eu já vi mais covardia Dou uma surra de urtiga e cansanção
Que ali ninguem veio me reclamar Fica o povo dali horrorisado
Eu surrei faltou pouco pra matar Quando eu pego um cantor assim malcriado
Nos meus pés me deu bença ajoelhado Fica manço igualmente um cordeiro
Pra deixar de ser bruto e malcriado Apanhando de Junho até Janeiro
E aprender um cearense respeitar. Pra deixar de ser tão disaforado.
291
F. — Eu quebro-te um dente M. — Eu pego um cearense
Com uma bofetada Marro num mourão
Aventa amaçada Dou de cinturão
Ti deixo doente Ele se convence
Sou como a serpente Cantor não me vence
Quando chega ira Ainda eu doente
No verso da lira Porque no repente
Eu sou verdadeiro Sou cobra assanhada
Surro um ano inteiro Sou onça enfesada
Um cantor caipira. Sou uma serpente.
292
F. — Tu és caviloso M. — Eu ranco o pescoço
Um sugeito imundo Eu capo, eu acino,
És um vagabundo Cantor Minelvino
Cabra mentiroso É um cabra osso.
Eu fico nervoso Cantor velho e moço
Com tanta parola Poéta afamado
Te quebro a viola Estou acostumado
De um bofetão Dar de cinturão
Vai pra estação Boto na prisão
Pedir tua esmola. Deixo encarcerado.
293
F. — Meu amigo Minelvino M. — Muito bem caro Francisco
Eu dou por finda a questão Não quero mais duvidar
Deixemos pra decidir Você é um cantador
Em outra ocasião Que paga a pena cantar
E mesmo já faz trez dias Se aumentasse um pouquinho
Dessa nossa discussão. Eu ia me retirar.
FIM
294
PELEJA DE MINELVINO FRANCISCO SILVA
COM UMA MULHER MISTERIOSA
Misteriosa Misteriosa
Minelvino Minelvino
Misteriosa Misteriosa
Misteriosa Misteriosa
Minelvino Minelvino
Misteriosa Misteriosa
Misteriosa Misteriosa
FIM
299
PELEJA DE PEDRO GOIABEIRA
COM MARTIM REDIMUNHO
300
R — Eu canto em qualquer lugar G — Certa ocasião dormir no relento
Brincando com a poesia Me escanhei no vento e voei para o céu
Pode vir de todo jeito Bem embarbelado estava meu chapéu
Em forma de cantoria Na porta do céu batí com talento
Eu cantando o beira mar São Pedro saiu naquele momento
Vou até o romper do dia. Foi abrindo a porta e mandou eu entrar
Puxou uma cadeira e mandou me sentar
G — Já me ví zangado peguei um tufão Chamou São Francisco e São Sebastião
Montei no malvado e para o Céu voei São Lucas; São Jorge e São Damião
Segurei na bride quando esporei Pra ouvir meu galope por fora do mar.
Veloz como bala voei na amplidão
Cheguei lá em cima peguei um trovão R — No dia que estou um pouco aperriado
Montei novamente e tornei a voar Toda embarcação no mar não navega
Chegando na lua fiz ele parar O mar fica bravo a onda carrega
Falei com São Jorge naquele momento Se afunda o barco que foi rebelado
E disse pra ele: desça do jumento O vento assoprando todo malcriado
Pra ouvir meu galope por fora do mar. As nuvens se abaixam e começam a pingar
O trovão ribumba se ver faiscar,
R — De um só mergulho vencí uma guerra O mundo escurece não fica um clarão
Lá no alto mar eu fui mergulhei Ninguem pode olhar para amplidão
Um submarino eu desmantelei Faço tudo isto lá dentro do mar
Que vinha acabar com tôda minha terra
Um monstro aparelho que só uma serra G — Um dia eu estava um pouco aperriado
Desparafusei para agua entrar Peguei um transporte e fui ao inferno
Todos tripulantes fiz se afogar Dei sôco nos cães de velho a moderno
A guerra acabou-se ninguem brigou mais Deixei o inferno todo esbagaçado
Botei os contrarios todos para traz O rei do inferno deixei rebentado
São coisas que faço lá dentro do mar. Pedindo a mim pra não lhe matar
O bicho chorava e se pôz a gritar
Eu disse pra ele: aguenta o rojão
Vou lhe enserrar num grande alcapão
Nos dez o galope por fora do mar.
301
R — Eu dando um mergulho lá no oceano G — Um dia as seis horas lá em Juazeiro
Eu pego torpedo e faço em pedaço Com um namorado na beira do rio
Rebento com tudo meu pulso é de aço Tinha u’a mocinha que estava com frio
E mostro ao povo como sou tirano Os dois se abraçando em um disespeiro
Industria contraria que fazem num ano Eu só estava vendo era cheiro e mais cheiro
Só gasto um segundo para rebentar Na bôca um do outro chegavam agarrar
Pregando com a mão faço esbagaçar Ali só se ouvia era beijo estalar
Na força não temo o proprio Sansão Entre um e outro não passava cisco
Rebento navio rebento canhão Findaram casando no rio São Francisco
Rebento com tudo lá dentro do mar. Na areia macia bem longe do mar.
302
R — Tem dia e momento que estou zangado G — Os nomes das feras pretendo dizer
Dou logo um mergulho lá no oceano As feras terrestres de lá da montanha
Pego uma baleia porque sou tirano A onça pintada é uma fera tamanha
E saio para fora com ela agarrado Que só com estouro faz negro correr
Eu mato a malvada e depois com cuidado Mas o rei leão faz ela temer
Boto muita gente para retalhar Que urra nas selvas faz tudo assombrar
Dou carne ao povo até se fartar Tem o javalí iena e jaguar
O povo conhece que sou ferino Tem o crocodilo tem o elefante
Prendo valentão amarro assassino Que em sua tromba ninguem vai avante
Quando vou a praia da beira do mar. São feras valentes de fora do mar.
303
R — É tanta beleza que tem no oceano G — Os pássaros do mato de pena que vôa
Chegando no cais qualquer uma pessôa Tem o zabelê iambú e perdiz
Avista navio avista canôa Tem a saracura e tem a cordiniz
Avista saveiro com um mastro bacano Tem tantos dos pássaros que vive é atôa
Por força divina do Pai Soberano Marreca e carão que é da lagôa
O vento começa a embalançar Cancão e juriti eu não deixo ficar
Carregando a onda pra areia beijar Jacú raquã gosto de caçar
Pra lá e pra cá fica embalançando Com minha espingarda que sempre sou
Rapazes e moças todos se banhando Mato papagaio e maracanã
Na areia da praia da beira do mar. O galope só presta é por fora do mar.
304
G — Eu quero seguir falando em viajem G — Eu gosto também do pau de arara
Desde o automovel até caminhão Quando eu vou pra casa que venho do sertão
De caminhonete até avião Ajeito minhas malas pego um caminhão
De alimôsine por tôda paragem Se acaso só trago coragem e a cara
Viagem de trem é barata a passagem Se o motorista para mim encara
Com pouco dinheiro pode Viajar Dizendo: as passagens aqui vou cobrar
Pra minas, pra Rio, pra qualquer lugar Eu falo pra êle pra me dispensar
Pra o Norte, pra o Sul, até pra São Paulo Ele cala a boca dali vai embora
Viaja à vontade sem sentir abalo Acelera o carro e sai sem demora
Nos dez a galope por fora do mar. Nos dez a galope por fora do mar.
G — Falando em viagem sigo novamente G — Só com agua benta ela faz sua cara
Dou todo valor a viagem de trem Que molha a cabeça e dar pra beber
A locomotiva nesse vai e vem O pobre cristão sai logo a dizer
Me inspira bastante para meu repente Dou graças a Deus e a Santa Virgem Pura
Olhando as paisagens me sinto contente Estou são peritimo diz a criatura
Os montes e serras eu vejo passar A virgem das Graças eu devo louvar
Os passaros nos campos eu vejo vôar Se ponhe de joelho e começa a rezar
O trem dar um apito bastante saudoso Depois se levanta dali vai se embora
Já perto de casa eu fico animoso Dando muitas graças a Nossa Senhora
Cantando o galope por fora do mar. Em dez a galope por fora do mar.
305
G — Tenho visto louco todo algemado R — Botei a sela no vento
Lá em Alagôas chegar furioso Naquele mesmo momento
Tomar agua benta e dizer animoso Bati nele com talento
Dou graças a Deus que estou curado E voei pra amplidão
Pegar o microfone e dizer animado Peguei o sol com a mão
A Virgem das Graças que veio me curar Para todo mundo ver
Portanto eu devo pra ela rezar Para todos conhecer
E pra seu bento filho de noite e de dia
Meus oito pés a quadrão.
Louvando a Jesús e Virgem Maria
Nos dez a galope por fora do mar.
G — Um cálculo pude fazer
G — Meu colega Redimunho Desejei a conhecer
Apresente um testemunho Conforme via dizer
Tú desencaiba eu acunho Os mistérios da amplidão
Enxada lá no sertão Fui no reino de plutão
E chegada a ocasião Fui na casa de cupido
De nós dois experimentar Onde fui muito aplaudido
Quem é bom para cantar Pra cantar oito a quadrão.
Os oito pés a quadrão.
R — Fui ao reinado de marte
R — Meu amigo Goiabeira Aonde cantei com arte
Do jeito que você queira Foi gente de toda parte
Canto de qualquer maneira Que fêz admiração
Porque tenho inspiração Superlotou o salão
Aqui dentro do salão Dando viva ao meu repente
Para o povo apreciar
Sorria ali toda gente
Só não canto beira mar.
Com o meu oito a quadrão.
Mas canto oito a quadrão.
307
PELEJA DE MANOEL JOSÉ BASÍLIO (PARAIBINHA)
COM MINELVINO F. SILVA
309
B. Eu não sou ponto de gôgo P. Minelvino você é
Que qualquer pancada mata Repentista que assunta
Dizem que tua viola O que diz no seu repente
Tem duas cordas de prata E qualquer palavra ajunta
Quebro ela o dono apanha É junta, è mão, è pè è dedo
Conto certo dia e data É dedo, é mão, é pé, é junta
310
B. Lá na Bahia tem cana Nessa hora Minelvino
Tem côco, jaca e dendê Disse fazendo um gracejo
Tem banana e melancia Eu canto dentro do mar
Tôda fruta de comer, Para mim isto è um queijo
Ainda tem Minelvino Paraiba canta fora
Pra dar uma surra em você Porque êle è sertanejo
312
B. Cumprindo Jesus a sua missão P. São Pedro, S. Judas, Tiago, S. João
Pelo oceano para uma cidade Assim que avistaram Jesus caminhando
Mais tarde soprava forte tempestade Por cima das águas, já iam gritando
Pra todos discipulos foi grande aflição Pensando que era uma assombração
São Pedro, São Judas, Mateus, São João Sou eu, disse o Mestre, Pedro disse: então
Foram ligeirinho o mestre acordar Conseda Senhor que eu vá te encontrar
Ele se acordou e mandou parar Jesus ordenou, Pedro foi andar
Tôda ventania logo ali parou Por cima das águas, foi logo afundando
Com os seus discipulos Jesus viajou Jesus tirou êle e sairam andando
Pregando evangelho por dentro do mar Pregando evangelho por dentro do mar
B. Depois dum milagre que fez o Senhor Todo povo bateu palmas
Foi orar sosinho no cimo dum monte Disse um rapaz educado:
Disse aos seus discìpulos: cada se apronte Minelvino canta bem
E sigam no barco pra outro setor Paraíba è afamado
Atendendo a ordem do seu Diretor Quero agora um desafio
Entraram no barco e sairam a remar Em martelo agalopado
Mais tarde Jesus pra os acompanhar
Seguia nas águas na força do vento
Sem se afundar naquele momento
Pregando evangelho por dentro do mar
313
P. Meu colega me preste atenção B. Este cabra chegou em Jacobina
Que agora o assunto já mudou E falou que era duro em cantoria
Tu vais ver no martelo quem eu sou Foi cantar na casa de Zé Maria
Sei que tu não aguenta meu rojão Nesse dia apanhou de uma menina
Porque hoje eu te dou de bofetão E saiu lastimando sua sina
Que o povo lamenta teu estado Foi cantar com um bahiano preparado
Porque deixo o teu corpo retalhado Nesse dia o seu couro foi tirado
E o sangue correndo sem parar O coitado sofreu que sò cavalo
Se acaso um dia tu sarar Atè eu já cansei de açoitá-lo
Não quero mais um martelo agalopado Na matéria de dez agalopado
314
P. Tenho dó deste pobre trovador P. Dou por finda a nossa cantoria
Que só vem da Bahia levar couro Pois è tarde, é hora de parar
Vem afoito no fim termina em chôro Outra vez que nòs dois nos encontrar
Jà porque nunca foi bom cantador Vamos ter discussão em geografia
Ele està precisando de um professor Para quem conhecer a poesia
Que na rima está muito atrasado Deve está satisfeito e obrigado
Quando êle aprender mais um bocado Nessa hora eu peguei o apurado
Pode ser que possa cantar comigo Logo aí eu chamei meu companheiro
Já porque Paraiba é um perigo Entreguei-lhe a metade do dinheiro
Na matéria de dez agalopado Terminou-se o martelo agalopado
315
PELEJA DE ZÉ ANDORINHA COM JOÃO CABELUDO
316
Vou dar-lhe uma bôa surra Quando ele disse assim
Para esfriar seu calor Levantou-se o Campeão
Rebento a viola dele Sou eu aqui o bomzinho
Para acabar seu furor Que enfrento qualquer questão
Ele tem que conhecer Se veio disposto pra luta
Eu como superior. Segura as armas na mão.
317
A. — Vamos mudar de assunto C. — Agora seu Andorinha
Para um assunto gentil Responda que quero ver
Responda com rapidez Qual foi o fruto do Eden
Como um forte varonil Que fez Adão padecer?
Quantos governos já teve Se não disser dereitinho
O nosso caro Brasil. Com esta há de perder.
318
C. — Esta ai está dificil A. — Eu pego um Cabeludo
Para eu lhe explicar Faço um desmantelo
Pois na biblia não explica Arranco o cabelo
Para a gente decorar Acabo com tudo
Porem vou fazer um calculo Deixo cego e mudo
Não sei se vai lhe agradar. Se põe a chorar
Para eu não matar
C. — Eu suponho que nesse seculo Vira uma galinha
Que o mundo foi formado Pedindo: Andorinha
Irmão casar com irmã Deixe eu escapar.
Isto não era pecado,
Suponho que foi com a irmã C. — Eu pego uma andorinha
Que Caim foi espôsado. Agarro na guela
Arranco a moela
A. — Está muito direitinho Deixo miudinha
A tua imaginação, Toda salgadinha
Achei muito de acordo Corto bem miudo
Esta tua explicação, Com pena com tudo
Eu quero ver no martelo Tem que se acabar
Se tú aguenta rojão.
Pra não insultar
Mais um Cabeludo
C. — E no martelo é que quero
Agora te experimentar
A. — Quando estou zangado
Bater na safra três dias
Pego um cantador
Para ver fogo voar
Pode puxar o que quizer Tiro-lhe o calor
Que garanto acompanhar. Deixo amarrado
Todo algemado
Boto na cadeia
Meto-lhe a peia
Fica a soluçar
Para respeitar
Toda coisa alheia
319
C. — Já me vi zangado A. — Peguei um poeta
Peguei um trovão Noite de lua
Levei ao mourão Deixeio o na rua
Deixei amarrado Feito um pateta
Surrei o malvado Peguei a reta
Que a terra tremeu Deixei o malvado
O vento gemeu Mandei um soldado
Veio a nuvem escura Meter na prisão
Quando dei soltura Meter o facão
Desapareceu. Deixar encarcerado.
320
C. — Eu pego andorinha A. — Amigo João Cabeludo
Rebento as azas Gostei de ver seu cantar
E jogo nas brazas Vamos mudar pra cestilho
Apanho a farinha Pra o povo mais se agradar
Dou minha galinha Fazer pergunta um ao outro
Para devorar Pra ver quem sabe explicar.
Com até fartar
Pra todos dizer: Os assistentes acharam
Tú tem que aprender Muito bôa opinião!
A João respeitar. Para cantarem em cestilho
Que agradava a multidão
A. – Este cabeludo Com versos pra dar risadas
Vai ficar pelado O povo desse salão.
Vai bofetiado
Fica pelancudo C. Responda minha pergunta
Cego doido e mudo Quem lhe pergunta sou eu
Eu dei um tiro num Lifo
Diz a seu amigo
E o Lifo não morreu
Que cantei comsigo
Quero que você me diga
Pela tardezinha:
O Lifo, que grito deu?
José Andorinha
Nada fez comigo.
O pessoal deu risadas
De se enrolar pelo chão,
C. — Tú és caviloso Uns diziam: ele responde,
Es um vagabundo Outros diziam que não,
Es sujeito imundo E assim ficou o povo
Cabra mentiroso Em completa confuzão.
Es um curioso
Sem compreenção Mais ou menos 10 minutos
Mêto o cinturão O povo dando risadas
Bato todo dia As moças lá na cosinha
Tiro a ousadia Deram tantas gargalhadas
Só no cansanção. Que os cantores ficaram
Com as violas paradas.
321
Depois os homens pediram A. — Quero que você me diga
Pra aquelas moças parar, No verso da poesia:
Para escutar Andorinha Encontrei o velho Felix
Esta pergunta explicar Com um fole velho outro dia
Daremos outras risadas Tanto fedia o fole velho
Se por acaso ele errar. Como o velho Felix fedia.
322
A. – Pra dizer esta pergunta C. —Amigo a tua pergunta
Tú nunca achou cantador Foi muito ligeiramente
A Lazarina do velho Sei que canta direitinho
Vai encontrar seu autor, E és muito experiente
Eu vou deslarazinar A pergunta de socó
Sou deslarazinador. Me repita novamente.
FIM
323
O ENCONTRO DE ZÈ BERNARDO DA SILVA
COM MINELVINO FRANCISCO
324
M. Fui educado bastante Z. B. A êles devo o que sei
Na escola do trabalho Os antigos trovadores
Quebrando pedra ou cascalho Os seus versos de valores
A lição dava constante Foi o que eu estudei
Tôda hora e todo ínstante Muitos atè decorei
Para não ser castigado Assim mesmo gaguejando
Tinha bastante cuidado Hoje vivo publicando
Suava por todo canto Alguns versos que escrevi
O meu pai trabalhou tanto Do jeito que aprendi
Que eu já naci cançado A muitos vivo ensinando
325
M. Eu também tive esta sorte M. Eu tenho propriedade
De encontrar o senhor De fazer admirar
Que sò conhecia o nome Já escrevi tanto livro
Deste homem de valor Que já não sei mais contar
Homem calmo de juizo Escrevo por diversão
Sendo o rei do improvizo Quando vem a inspiração
Na arte de trovador Não è por necessitar
326
M. Conforme ouço dizer M. Nossa Senhora das Dores
Que a cidade de Juazeiro Que dali é Padroeira
Está bem desenvolvida Também é medianeira
Cresce mais do que coqueiro Entre o filho e os pescadores
Botou Crato para traz Portanto damos louvores
Com muitas braças a mais A mãe de todo Cristão
Assim diz todo romeiro Que chamamos com razão
Santa Mãe de Piedade
Z. B. Sim, difato Juazeiro Juazeiro é a cidade
Està um pouco elevado Do Padre Cìcero Romão
Temos estação de ràdio
E banco pra todo lado Z. B. Onde o Beato Lourenço
Na cidade juvenil Ali está sepultado
Temos Banco do Brasil O verdadeiro e aprovado
Com tudo bem equipado De acordo o que eu penso
O romeiro queima incenso
M. Então senhor Zé Bernardo Na cova dêsse cristão
Não chamo pra discussão Pra êle faz oração
Porque muito lhe respeito A Divina Majestade
Tenho bastante atenção Juazeiro é a cidade
Quer um tema de amisade Do Padre Cícero Romão
Juazeiro é a cidade
Do Padre Cícero Romão M. Agora aceite um abraço
Com respeito e com amor
Z. B. O Juazeiro do Norte O senhor é um trovador
Coração do Cearà Que vence de passo a passo
Onde canta o sabià Sua garganta é de aço
E o canário bem forte E de ouro o seu pulmão
Foi a onde eu tive a sorte Tem bastante inspiração
De ter uma proteção Aqui provou de verdade
Do Autor da Criação Juazeiro é a cidade
E fiz o que tinha vontade Do Padre Cícero Romão
Juazeiro è a cidade
Do Padre Cícero Romão FIM
327
DEBATE DE RODOLFO CAVALCANTE
COM MINELVINO FRANCISCO SILVA
328
M. O sol não dar claridade R. Se Deus mandou acabar
A lua perde o clarão Nada fez com fundamento
As estrelas cairão Desde a terra ao firmamento
O Cristo em sua majestade Deus soube tudo criar,
Aparece em verdade Não posso me conformar
Pra vivo e mortos julgar Quem pensa de Deus assim,
Todos vão se apresentar Mesmo o homem mais ruim
Ao Cristo filho de Deus É de Deus a semelhança
Afirma até São Mateus: Devido a nova aliança
O MUNDO VAI SE ACABAR O MUNDO NÃO TERÁ FIM
329
M. Quando visse em toda terra R. Se houver fogo em Sodoma
Assim disse o Mestre amado Desde a cidade a masmorra
Terremoto em todo Estado Da mesma forma em Gomorra
guerra e rumores de guerra Quase destruiu-se Roma,
Destruir vales e serra Entretanto o povo toma
Podia nos preparar Tudo tim-tim por tim-tim
Que estava pra chegar Vai interpretando enfim
O dia de ver o fim Ao pé da letra sem par
E por isso eu digo assim: Que o mundo vai se acabar
O MUNDO VAI SE ACABAR O MUNDO NÃO TERÁ FIM
330
M. Depois de Exterminada R. Por certo as calamidades
Toda impureza que tem Haverão, isto acredito,
De Nova Jeruzalém Pois na Bíblia está escrito
A terra è denominada É a Verdade das verdades,
Será de Deus a morada, Diversas humanidades
Mas antes disto chegar Filhas do Pai Eloim
Pra o fogo purificar Voltarão ao seu jardim
Todos terão que sofrer Iguais ao homem primeiro
Não deixarei de dizer: Sendo Deus Pai Verdadeiro
O MUNDO VAI SE ACABAR O MUNDO NÃO TERÁ FIM
331
M. Peço a Deus Pai, a Deus Filho
E ao Deus Espirito Santo
Cobre-me com o vosso manto
Que eu tenha bastante brilho
Não sair fora do trilho
Para a vida de pecar
E quando Jesus voltar
Me leve no meio dos seus,
Termino os versinhos meus:
O MUNDO VAI SE ACABAR
FIM
332
FOLHETOS DE PROVEITO E EXEMPLO,
EXTRAÇÃO MORAL E EXORTAÇÃO
333
O DIREITO DA MULHER
335
Se voce for para o jogo Se voce fizer se trouxa
Eu tambèm quero jogar, E cortar uma volta e meia,
Se voce for para a dança Pra não me dá a mesada
Eu também quero dançar, A coisa aí vai ser feia,
Se voce quizer intriga Será um homem infeliz
E arranjar uma rapariga Porque eu vou ao juiz
Tambèm vou raparigar. E lhe meto na cadeia
336
Temos mulher Delegada A mulher està superando
Pra fazer qualquer prisão, O homem de mais a mais,
Temos mulher motorista Na prudência, ou no emprego
Agindo na direção, A mulher tem mais cartaz
Mostrando sua coragem Pode dà por onde der
Seguindo pela rodagem O certo é que a mulher
Dirigindo um caminhão. Passou o homem para traz
337
Se agente vai uma missa A mulher está querendo
Sò encontra a Igreja cheia, Ter mais esta garantia,
Mas somente de mulheres Que com 25 anos (de trabalho)
Homem pra missa bambeia, Ter aposentadoria,
Diz o padre junto a cruz: Pra poder se descansar
Valei-me meu Bom Jesus Sua luta amenizar
E a Mãe de Deus das Candeia Atè chegar o seu dia.
338
Já está chegado o tempo Eu sou ao lado do homem
Da mulher ir trabalhar, Em todo assunto qualquer,
O homem ficar em casa Menos de fazer desordem
Pra das crianças cuidar Ao lado de lucifer.
Cumprindo assim seu destino Meus pensamentos não somem
A mulher ter o menino Porque não gosto de homem
E o homem dá de mamar. Eu sò gosto è de mulher.
FIM
339
O DIREITO DE MATAR
340
A barata é outro inceto O sapo disse: óra bolas!
Que nos faz repugnar Não tem de que me assustar
Entra dentro das panelas Eu dentro duma lagôa
Faz coisa de admirar Ninguem pode me alcansar
E xinga quem for ao lado Por isso não tenho medo
Do direito de matar Do direito de matar
341
Até a pròpria policia Jesus mandou seus discipulos
É uma ordem de rachar Duas espadas comprar
Quando prende um criminoso Mas na hora da prisão
Que se entregou sem lutar Mandou as embanhinhar
Depois de preso acabou-se Porque era proibido
O direito de matar O direito de matar
342
A cachaça é outra arma Os filhos que xingam os pais
Do satanaz se vingar Já não è nem bom falar
Porque depois que està èbrio Pois ê um super-pecado
Tudo pode praticar Deus não vai abençoar
E se arma com a arma A quem aqui so deseja
Do direito de matar O direito de matar
343
AS FAÇANHAS DO JOGO DO BICHO
344
Até os proprios meninos Agora meus bons amigos
Não compram mais picolé Pra quem vamos apelar?
Muito pior pirulito O nosso governador
Nem tão pouco acarajé Deu ordem para jogar
Todo dinheiro è pra cobra Portanto joguem no bicho
Touro vaca e jacaré E deixem a cobra fumar
345
Infelismente esses dias Cavalo sendo soldado
Quem resolve é a bicharada Elefante, capitão
Brevimente nós veremos Borboleta, professora
Cobra sendo deputada Educando a multidão
Veado sendo prefeito O perú ser marechal
E a vaca delegada O porco, tabelião
FIM
346
HISTÓRIA DE JOÃO BESTA
347
Até que com nove mezes A mulher disse: você
Dele nasceu uma filhinha, O seu juizo é atraz.
A mulher ficou alegre Igual ao motor da Kombe
Com aquela garotinha, Para tudo é incapaz,
Deram seu nome Francisca No mundo tem muitos bestas
Que chamavam de Chiquinha. Você é besta de mais.
348
A mulher disse João Mas João ficou pensando
Você aqui vai ficar, Em tudo que aconteceu,
Olhando nossa filhinha Viu a menina calar
Para não deixar chorar, Nunca mais se moveu
Eu vou ligeiro na rua Ele aí desconfiou
As minhas coisas comprar. Que a menina morreu.
349
Quando ele está deitado A mulher voltou depois
A sua mulher chegou, Chorando e se maldizendo,
A sua filhinha morta Porque a sua fihinha
A pobre logo encontrou. Tão criança foi perdendo,
E João chocando os ovos E o tal de João Besta
Da perua que matou. Atè hoje está correndo.
FIM
350
OS HORRORES DO CARNAVAL
351
Se eu tivesse uma noiva Eu gostei duma mocinha
E a visse mascarada Que era linda donzela
No outro dia eu dizia Amava-o de coração
Mas você é relachada Pensava em casar com ela
Vá pra casa do chapéu Por causa de um carnaval
Que você não vale nada. Sou hoje inimigo dela.
352
A malandragem alarmaram Eles todos mascarados
Nesse día em plena rua Brincando em um cordão
O nome da casadinha Forarm com a cara um do outro
Pela procedencía sua E naquela ócasião
Os malandros aproveitaram Beijo vai e beijo vem
Naquela noite de lua. Feito a pintura do cão,
353
Um diz ao outro: fulano Essa mulher diferente
Você sabe o que é que há? Foi chegando em um Bar
Eu peguei numa coisona! Foi sentando-se na mesa
Que me fez admirar Sem ninguém lhe convidar
Eu cheguei encher a mão Toda cerveja da mesa
Mas nada pude arranjar Comecou ela a tomar.
354
Vou terminar meu livrinho
Com toda pontuação
Sou um rapaz moralista
Sou contra a devassidão
Quem gostar de carnaval
Desculpe minha expressão.
FIM
355
A LINGUA DE MINHA SOGRA
356
Com dois dias de casado Então com esta conversa
A mulher me explicou, Minha mulher se zangou
Pra chamar minha sogra mãe E logo de ter casado
Foi logo o que me falou, Comigo se disgostou,
E chamar meu sogro, pai E ficou muito zangada
Minha calça quase cai Por essa conversa errada
Inda ficou vai, não vai Foi dormir de madrugada
Do ódio que me chegou. A desdita começou.
FIM
362
A RAZÃO DAS SOGRAS E PORQUE
ELAS SÃO LINGUARUDAS
363
A sogra fala do genro A sogra fala da nora
Que não tem um bom pensar Que o marido chega em casa
Que casa sem ter uma casa Não acha comida pronta
Com a sogra vai morar Todo serviço se atraza
Sem dar nada para a feira Se ele quizer comer
Para a dispesa ajudar Vai assar carne na brasa
364
A sogra fala da nora Ela abraça aquele genro
Quando ela està errada Com amor e muito brilho
O marido viajando Considera um grande amigo
E ela toda emposada Não quer que saia do trilho
Nas esquinas palestrando Ela é a segunda mãe
Com toda rapaziada Ele é um segundo filho
365
Eles são pais duas vezes E tambèm a filha dela
De nossos belos filhinhos Eu me orgulho em dizer
Precisa que eles façam Que luto por noite e dia
Bem redobrados carinhos Para não vê-la sofrer
Pois eles desejam vê-los Se as vezes passou fome
Guiados nos bons caminhos Porèm não deixei morrer
FIM
366
A MALDADE DE MAU VIZINHO E AS MORTES
DE DEZ INOCENTES
367
Com o seu gênio malvado Não estou com brincadeira
A tal mulher de Raimundo Seu vagabundo ladão
Foi vendo a banda do pássaro Me pague minha perua
Fez um pensamento imundo E deixe de confusão,
Quem comeu minha perua Manoel Francisco zangou-se
Foi este vil vagabundo. Agarrou logo um facão
368
Um queria ser durão Cada pedrada de horror
Queria o outro ser forte Botando gente no chão
Se facão é perigoso Um ali perdia a orelha
Foice não hà quem suporte O outro perdia a mão
E prosseguiram eles dois Tirada a golpe de foice
Numa batalha de morte E a golpe de facão
369
O povo todo atacou Correu a triste noticia
Só se ouvia gritar Por todo canto em geral
No meio daquela briga Senhores um mau vizinho
Cabeça longe voar É uma chama do mal
O sangue ali já corria Quem tiver um mau vizinho
Fazendo a terra alagar Tem um diabo infernal
370
Por causa de mau vizinho Mau vizinho neste mundo
Muitos tem ido a prisão Faz a maior desventura
Outros caído no pau Sem ser da conta ele fala
Sem a menor precisão Inda pratica loucura
Tem muitos là na cadeia Lezando e caluniando
Outros de baixo do chão Vivendo sempre cavando
A cova pra sepultura
FIM
371
A MARRETA DA MORTE É TÃO PESADA,
QUE A PEDREIRA DA VIDA NÃO AGUENTA
372
Matou nosso São Pedro e São Tomè, Matou o nosso João Paulo Primeiro,
Matou nosso Tiago e São Matias, Matou nosso querido Paulo Seis,
Matou Santa Isabel e Zacarias, Antes disso matou João Vinte e Três,
Matou nosso São Paulo e Barnabé, Com os papas jà fez um grande aceiro,
Matou Nossa Senhora e São José, No assunto de papa estrangeiro
Pois pessoa nenhuma fica isenta Cuja morte matou mais de noventa
De cair na marreta violenta, No momento que ela se apresenta
Que não pode aqui ficar parada Jà a cova està bem preparada,
A marreta da morte é tão pesada A marreta da morte é tão pesada
Que a pedreira da vida não aguenta Que a pedreira da vida não aguenta.
Nossos papas de nossa santa Igreja Matou o nosso Dom Pedro Segundo
Cada um duma vez ela matou: Matou o nosso Dom Pedro Primeiro
Pio XI, Pio XII, ela os levou, Não valeu nada mais o seu dinheiro
Prosseguindo assim nesta peleja Ao sentir esse golpe tão profundo,
Com a gente ainda ela graceja Dom João Sexto foi para o outro mundo
Demonstrando que è nossa parenta Deixou logo esta terra tão nogenta
Pois conhece o lugar que tem a venta A princesa Isabel, sua parenta
Diz assim e dà uma gargalhada Também fez a viagem empacotada,
A marreta da morte é tão pesada A marreta da morte é tão pesada
Que a pedreira da vida não aguenta. Que a pedreira da vida não aguenta
373
Presidente Prudente de Moraes, O poeta Bocage, o português,
Com Caxias, Seabra e Floriano, Seu colega Camões da mesma terra
Pra lutar cada um mais veterano, Descreveram planice, morro e serra
Discutiam o saber de mais a mais, Até quando chegou a sua vez,
Mas a morte calada veio por traz Que a morte chegou com rapidez
Da maneira que sempre se apresenta No seu carro puxando uns oitenta
Com uma força que tudo se arrebenta Foi dizendo ao poeta: se acalenta
Mandou eles pra cova jà cavada, Que poesia não vai escrever mais nada
A marreta da morte é tão pesada A marreta da morte é tão pesada
Que a pedreira da vida não aguenta. Que a pedreira da vida não aguenta.
Marechal Costa e Silva, com Castelo João Martins de Athayde que comprou
Cada um foi viver na outra vida, O direito a viuva de Leandro,
Pois a morte ordenou essa partida Pra fazer os livrinhos como Nicândro
Sem protesto, sem chôro e sem duelo Melhorando de quando começou
Seja preto, moreno, ou amarelo, Mas a morte tambèm o atrapalhou
Pode ser sua cor atè cinzenta Que calada chegou meteu a venta
O guerreiro mais forte ela enfrenta Nessa hora tão negra e tão sangrenta
Sua vida ela leva empacotada A marreta da morte é tão pesada
A marreta da morte è tão pesada Que a pedreira da vida não aguenta.
Que a pedreira da vida não aguenta.
374
Zé Bernardo comprou os seus direitos Diz João, canhecido Evangelista
Começou os seus livros editar Que a morte no fim irá morrer
Para todo Brasil a espalhar Em um lago de fogo derreter
Os seus livros impressos tão bem feitos Para todo cristão levar de vista,
Igualmente Athayde, tão perfeitos, A marreta se queima e sai da lista,
Mas tambèm a idade sua aumenta O Satan nunca mais aqui atenta
E a morte também se apresenta Que um anjo o amarra pela venta
Trouxe logo pra ele a embaixada, E a morte será desbaratada,
A marreta da morte è tão pesada Acabou-se a marreta tão pesada
Que a pedreira da vida não aguenta. Que a pedreira da vida não aguenta.
FIM
375
A MULHER QUE BATEU NO MARIDO
DE SANDALHA JAPONEZA
377
O bicho caiu no chão Quanto mais êle chorava
Que só tatú no mundè Mais a mulher o batia
A mulher pegou na perna O marido ali no chão
Com tôda coragem e fé Tanto chorava e gemia
Pra dá êle um bom exemplo O povo que estava olhando
Tirou a sandalha do pé Gostosamente sorria
378
Pois a morte me batia Quando ela disse isto
Na mais tremenda cruêza O marido se ergueu
E eu estava indefeso Pediu perdão a esposa
Devido a grande fraqueza Dos erros que cometeu
Mentira, foi a mulher Naquele mesmo momento
Com a sandalha japoneza De tudo se arrependeu
379
Eu aconselho as mulheres Marido mau pra mulher
Da cidade ou camponeza Faz a infelicidade
Que tiver marido assim Sua e de sua esposa
Que trilha na incerteza Inda mais pensa em maldade
Não vá usar o remédio Levando os para o tormento
Da sandalha japoneza Vivendo no sofrimento
A falta da lealdade
FIM
380
A RESPOSTA DO DIREITO DE NASCER
381
Praque cão sem caçador? Praque policia, sem farda
Praque Doutor sem doente? Praque maquina sem fotografo
Praque casa sem ter gente? Praque gráfica sem tipografo
Praque casar sem amor? Praque cidade sem guarda,
Praque livro sem leitor? Praque trem sem retaguarda
Praque vida sem viver? Praque mundo sem chover
Praque brigar pra correr? Praque tanto padecer
É esta a pura verdade Por essa desarmonia
Que privam hoje a metade Que muitos privam hoje em dia
Do direito de nascer. O direito de nascer.
382
Praque cofre sem dinheiro Praque cinema sem tela
Praque feixe sem ter noz Praque moça sem conceito
Praque cantor sem ter voz Praque velho sem respeito
Praque arma sem guerreiro Praque barco sem ter vela,
Praque tenda sem ferreiro, Praque noite sem estrela
Pra dar seu braço atorcer Praque luto sem morrer
Praque vontade sem ter, Praque chorar de prazer
Pois isso não vale nada Porisso que a humanidade
Porisso priva a casada Priva toda liberdade
O direito de nascer. Do direito de nascer.
383
Praque filhos, hoje em dia, Não queiram render familia
Para criar mal criados Não vão por esse caminho
Para ser mal educados Não queiram tanto padrinho
Pra não ter sabedoria Não sigam por essa trilha,
Pra sofrer em demasia, Não queiram filho nem filha
Para arte que aprender Não queiram se arrepender
Roubar os outros, beber Não queiram se maldizer
Pra cair no meio da rua Não queiram se atrapalhar,
Reclamando a sorte sua Porísso não deve dar
Do direito de nascer. O direito de nascer.
384
Os que já tiver nascido Agora vou terminar
Não adianta matar Mudando de opinião
É obrigado a criar Que não sou de algodão,
Tenha ou não tenha marido, Porisso vou explicar
O caso está resolvido Para todos, se agradar,
Não está mais por fazer, Vou tudo contradizer
Ou pra morrer ou viver Todos precisam viver
Tem que isso suportar A vida material
Que é obrigado a dar Isso é muito natural
O direito de nascer. O direito de nascer.
FIM
385
OS SOFRIMENTOS DO PAI DE FAMILIA
E A MULHER PREGUÇOSA
386
Um pão era 10 centavos É tanto do tranca rua
Vinte agora está custando Que tem em tôda cidade
Tem lugar que custa trinta Roubando as coisas dos outros
O pobre está se acabando Que faz até piedade
Pela falta do dinheiro O seu futuro é cadeia
E ainda o marreteiro E depois morrer na peia
Cada vez mais marretando Por sua infelicidade
387
E assim continuando Ninguém na terra dar jeito
È crìtica a situação Pra carestia acabar
Para achar qualquer serviço Porque não há produção
Precisa ter pistolão Pra tudo baratear
Mesmo pra ser um servente Vamos dar graças a Deus
Precisa ser boa gente Com todos prodigios seus
Que tenha bem proteção Mesmo assim caro ainda achar
Com que vai comprar remédio Mas a mulher que não quer
E a roupa pra vestir Nem mesmo água apanhar
Como é que paga a luz Quanto mais ir lavar roupa
Donde é que vai sair Tudo precisa pagar
O dinheiro pra o carvão Nem siquer apaga a luz
E tambèm para o sabão Vive montada na cruz
Para poder resistir? Para o marido arastar
388
Se o marido mandar Os filhos do mesmo modo
Qualquer trabalho fazer Segue esse mesmo rojão
Ela se zanga dum jeito Só quer achar tudo pronto
Que é capaz de bater Desde a roupa até o pirão
Naquele pobre marido Digo a verdade não nego
Faz um tão grande alarido Pois nenhum quer dar 1 prego
Que faz a terra tremer Numa barra de sabão
389
Os quatro filhos que tenho Peço desculpas as mulheres
São brilhante certamente Se acharam rigorosa
Meu futuro na velhice Esta escrita que publico
Com a fé no Onipotente Somente em rima sem prosa
Nenhum ser mau Êle deixe Aquela que não gostar
Porque eu peço é um peixe E ao poeta xingar
Ele não dar uma serpente É A MULHER PREGUIÇOSA
FIM
390
HISTÓRIA DA MULHER CIUMENTA
QUE COMEU O MARIDO ASSADO
391
A mesa estava repleta Para a policia local
De carne fresca á vontade Ligeiro telefonou
Cada hóspede se sentou Naquele mesmo momento
Na maior anciedade Toda patrulha chegou
Pois carne naquela época Dizendo: não sai ninguèm
Era a maior novidade Todas as portas fechou
392
Onde a senhora guardou As ondas tinha o levado
O resto da carne humana? Mas depois tornou trazer
Disse ela: na dispensa Como pedindo justiça
Que tenho muito bacana Pra criminosa prender
Para os meus hóspedes comer Disse então o delegado:
Todo resto da semana Você merece morrer
393
Uma mulher ciumenta Ele quer que todo homem
É sombra de lucifer Não seja como os ateus
É um carro sem ter freio Se case e viva feliz
Na descida sem choufer Com todos os filhos seus
E um homem ciumento Sendo uma familia santa
É pior do que a mulher Abençoada por Deus
FIM
394
FOLHETOS REPERCUSSIVOS DE FENÔMENOS
SOCIAIS, MORAIS, ESCATOLÓGICOS
395
A CARTA DE UM JUMENTO PRA
O SENHOR GOVERNADOR
398
Prenderam um na Ubaitaba Nòs para ajudar os homens
Outro lá em Coaraci Nossa vida é trabalhar
Prenderam dois em Ilhéus Podemos carregar àgua
Conforme o ràdio daqui E tudo que precisar
Prenderam um em Eunápolis Acho que não há motivo
Ninguém vem me desmenti Deles querer nos matar
399
Se o Senhor não der um jeito Ainda peço desculpas
A nossa sorte é mesquinha Ao Sr. Governador
Os homens fazem conosco Dos erros que escrevi
Como fazem com galinha Peço desculpas ao senhor
Nos matam na faca céga E mesmo que a muitos anos
Para comer com farinha Deixei de ser professor
FIM
400
O ENCONTRO DE LAMPIÃO COM
O PADRE CÌCERO NO CÉU
402
Meu padrinho Padre Cícero Eu vou chamar seu padrinho
Passou a vida a rezar, Para vir aqui lhe ver
Jà eu fui muito ao contrário Vocês dois dialogando
Passei a vida a matar É fàcil se entender
Mais ele pode pedir Depois lhe apresenta ao Mestre
A Deus pra me perdoar Pra ver o que pode fazer
403
Porém Deus é poderoso Sentaram là num salão
Ninguém a Ele atropela Começaram a palestrar
Ele è o Autor da lei Lampião disse: Padrinho
Mas não è sujeito a ela Ouví na terra falar
Desmancha quando quizer Que os católicos brasileiros
Seja esta ou seja aquela Foram a Vòs canonisar
404
Senhores neste livrinho
Mostrei muita inspiração
O encontro do Padre Cícero
Lá no céu com Lampião
Não tem nada de verdade
Foi uma imaginação
FIM
405
O ENCONTRO DE UM TROVADOR
COM UMA FERA MONSTRUOSA
406
Quando a letra bateu A fera disse pra ele
Ele quiz esmorecer Agora vou lhe cumer
E o moço aproveitando Disse o rapaz: è mentira
Atirou a letra B Eu posso me defender
Logo imediatamente Ela aì partiu pra ele
Tamancou-lhe a letra C Ele então botou-lhe o L
407
A fera já bem cançada Porque o analfabetismo
Sem poder se defender Tem ódio dos professores
O trovador disse a ela: E odeia ainda mais
Tome lá a letra V A classe dos trovadores
Tome o X no pé do ouvido Que publicam seus livrinhos
E na venta a letra Z Humildes educadores
408
Porque o analfabetismo Hoje tenho 4 filhos
Cada vez mais nos faz guerra Cordas do meu coração
Para aprender a leitura Para estudar eu arrasto
Suba morro e desça serra A barriga pelo chão
Pois a tal ignorância Mas com fé em Jesus Cristo
Pesa mais do que a terra Hei de dar educação
409
HISTÓRIA DA MULA DE PADRE QUE APARECEU
NO ESTADO DE SERGIPE
410
O dono do dito engenho Ali juntaram eles todos
De muita disposição Que estavam de prontidão,
Disse: isso é covardia, Agarraram esta tal mula
Vão se armar de facão E derrubaram no chão
Não quero que esmoreça Com as cordas que levaram
Que a mula sem cabeça Num instante amarraram
Nós pega hoje é de mão. A tal mula pé e mão.
411
De 20 carros de cana A mula deu uma risada
Que o carreiro botou E começou a cantar
Com duas horas somente Importa que a mula manque
Toda cana se acabou Eu só quero é rosetar
A mula deu pra rinchar, Rodando em toda carreira
Começou a se avexar E cantou mulher rendeira
Assim que o galo cantou. E o baião de Propriá.
412
O galo cantou de novo A mula saiu correndo
A mula deu pra urrar, Desta forma assim gritando:
Deu um coice na moenda Ninguem chupa nada aí,
Com vontade de quebrar E com a moenda arrastando
Que derrubou a menor, Saiu em toda carreira
Ela estava na maior Gritando desta maneira:
Que não poude se soltar. Vou levando, vou levando.
413
Quem não comprar este livro
Ou vir me falar fiado
Eu vou rogar uma praga
Que é triste seu resultado
Sofre o que a mula sofreu
O que ela padeceu
Lá na Fazenda Sobrado.
FIM
414
HISTÓRIA DA PORCA QUE APARECEU NO CARNAVAL
DE ITABUNA CANTANDO: RALA O PINTO
415
Os vigilantes com medo Desceu com as mãos e pés
Naquele instante correram, Cada um mais espinhado,
Todos três dos seus revòlveres Correndo sangue dos braços
Naquela hora esqueceram O calção todo rasgado,
O medo foi tão danado Igual a mala sem alça
Cada um apavorado Também o fundo da calça
Os três revòlveres perderam. Estava todo melado.
416
Moças com as fantazias Foram chamar a policia
Que estavam bem ornadas, Pra aquele escândalo acabar,
Quando viram aquela porca E ver que porca era aquela
Cantando e dando risadas, Fazendo o povo assombrar,
Todas elas se assombraram Porque daquela maneira
As fantazias rasgaram Na expressão verdadeira
Correram todas peladas. Não podia continuar.
417
Em Jequié está sujeito A porca não vai perder
A porca chegar cantando, Também em Ibicaraì,
Rala o pinto, rala o pinto No dia do micareta
E a pintaiada pulando Ela està chegando aì
Na praça dando risada Com seus pintos à brincar
E toda rapaziada E muita gente assombrar
Que ver vão se assombrando. Daí até Ibicoí.
418
Em Ubatã nem se fala Em Ipiaù tambèm
Que a porca já anotou, Ela não vai dispensar,
Quando o carnaval chegar Vai cantar o rala o pinto
Ela tambèm já chegou, Pra todo povo escutar,
Com toda a sua pintaiada Quem disser que é besteira
Ela já vai preparada Vai tomar uma carreira
Por isso já anunciou. Assim que a porca chegar.
FIM
419
HISTÓRIA DE ZÉ VALENTÃO E SUA
LUTA COM OLEGÀRIO PIADISTA
420
Se por acaso dissesse Um moço ali jà me disse
Que ele era bonito, Que viu a gaiola no ar,
Ainda era pior Com o canarinho dentro
Que ele soltava um grito, Vou ver se posso alcansar,
Capaz atè de arrancar Deixe esta sua piada
As pirâmides do Egito. Pra outro dia eu contar.
421
A noite numa esquina Chegando ao Pronto Socorro
No meio da escuridão, Zè Valentão a tremer,
Olegário Piadista E gritava em toda altura:
Esperava o valentão, Seu doutor eu vou morrer!,
Com a banana na cintura Mande chamar minha mulher
De chamar mesmo atenção. Para ultima vez eu ver.
422
Zè Valentão nessa hora Zé Valentão no outro dia
Levou a mão ao nariz, Dali foi pegando a pista
Quando passou na barriga! Do povo dessa cidade
Disse: sou um infeliz, Desapareceu da vista,
Não me matou Olegário O povo deu parabens
Somente porque não quiz A Olegàrio Piadista.
423
HISTÓRIA DO PORTUGUÊS INOCENTE
E A “PONTE QUE CAIU”
424
Mas uma mulher da vida O soldado compreendeu
Estava pra ter criança, Que aquilo fosse maldade,
A data de dar a luz E falou: esteja preso
Ela saiu da lembrança, Por sua incapacidade,
E jà tinha chegado o tempo Sò porque desrespeitou
De descarregar a pança. Toda nossa autoridade
425
Foi chegando outro soldado Chegando em casa, os amigos
E falou por sua vez: Perguntaram o que se deu,
Examinei todo caso Que foi se parar em “cana”
Deste moço português, O que ele respondeu?
A mulher teve criança Ele contou aos amigos
No cabaré de Garcês. Um tudo que aconteceu.
426
O Brasile dar valor Todo povo brasileiro
É quem a todos engana, Que aquela história viu,
Quem vende gato por lebre Relembrando o português
E abacaxi por banana, Que difato não mentiu,
Quem fala só a verdade Quando ver uma coisa feia,
A policia leva em cana. Grita: puta que pariu!
427
HISTÓRIA DO HOMEM QUE VOMITOU SETE URUBÚS
428
Atè que um jornalista Para falar ao dentista
Daquela mesma cidade Êsse moço viajou
Pra fazer uma reportagem Quando encontrou o dentista
Contando a realidade A mesma coisa falou
Quiz saber bem direitinho O dentista direitinho
Aonde estava a verdade Desta maneira esplicou
429
E quem contou ao senhor E quem contou a irmã?
Dando esta garantia! Perguntou êle ligeiro
Que já está parescendo Que hoje tirei o dia
Com mentira ou herezia Para seguir no roteiro
Disse o porteiro: se minto Disse ela: quem contou-me
É por bôca do vigia Foi o nosso infermeiro
430
O jornalista sorriu Senhores vou terminar
E disse: que pessoal! Os versos de minha lira
Inventar tanta mentira Que a força superior
Tudo do proprio ideal Toda hora me inspira
No outro dia a verdade Para eu falar a verdade
Publicou no seu jornal E condenar a mentira
431
HISTÒRIA DO MACACO QUE QUIS SE VIRAR GENTE
432
A verdade està na Bìblia Depois Deus viu que Adão
Relativo a criação, Naquela terra altaneira,
Deus criou o cèu e a terra Sozinho não dava certo
Com bastante perfeição, Nessa terra tão fagueira,
Mas a terra era sem forma Resolveu fazer a mulher
E existia escuridão. E dar-lhe por companheira.
433
A verdadeira ciência Os homens americanos
Com isso foi estudar, Fazendo uma esperiência,
E construiu um aparelho Fizeram um grande foguete
De fazer admirar, Da grandiosa potência,
Por nome de gravador N’ele botaram um macaco
Para as palavras gravar. Para ver sua inteligência.
434
Difere muito o macaco Que o macaco està certo
Da origem de Adão: Já virou isto um ditado,
Um, Deus fez com a palavra, Quem está certo é o homem
Outro, Deus fez com a mão O macaco està errado,
Para ser o rei das feras Pois êle nunca foi gente
Deu esta autorização. No velho tempo passado.
435
E eu faço meu apelo Macaco nunca foi gente
Como humilde trovador Foi feito antes de Adão,
Deste País brasileiro, Saltando dum pau pra outro
Para todo professor Isto é sua profissão,
Não ensinar esse êrro, Lamentando o dissabor,
Em nome do Criador. Vivendo neste labor,
Até o fim da geração.
FIM
436
O MATUTO VENDENDO RÔLA ASSADA
437
Dois mil reis u’a rôla disse A rola especiá
Quaiquer um pode comprar Estou vendendo barato
Depois que ver o gosto dela Pruveita qem quer comprar
Garanto qui vai gostar A minha rola é gostosa
U’a véa mem comprou Pois ela é tão saborosa
Gostou qui chega chorou Qui as muiè chega gostá
Pra eu tornar ir levar
A mãe deste tal matuto
Uma moça disse assim Gritava do outro lado
Dou um mil reis nesta miuda Disendo eu tenho perequito
Ele disse não senhora E tambem sofrer assado
Esta ai é quem ajuda O meu perequito è gostoso
Vender a rola maior E bastante saboroso
O efeito da menor O povo riram um bocado
É o mesmo da grauda
Comadre Perôla disse
A moça não fez questão Meu compadre eu vou comprà
Logo a tal rola comprou Eu lhe disse minha comadre
Ai tirou 2 cruzeiros Deixa esta rôla pra là
E o matuto intregou Mas minha comadre gostou
Naquela ocasião Dà rôla assada e comprou
A rola caiu no chão Pra tambem esperimentar
Logo de cuspe melou
Mandou chamar o matuto
A moça pisou em cima Com a espetada de rola
Com o sapato esfregou Naquele mesmo momento
E jogou pela janela Minha comadre Perôla
Disse o matuto danou Comprou uma rôla maior
Nem polvor de minha rola Depois comprou u’a menor
Logo no mato jogou Eu disse comadre é tôla
E saiu dali gritando
438
O matuto ai saiu Comadre jogue isto fora
A propaganda fasendo Ela aí me respondeu
Dizendo: a rôla barata Pois dura assim que è boa
E saiu oferecendo E a rola toda comeu
Vendendo a dona perôla Dizendo: ho rola gostosa
Todo mundo cai na rôla Pra deixar de ser teimosa
Mesmo assim saiu disendo Vamos ver o que aconteceu
439
Chamei ali um Doutor Foi preciso ir ao médico
Este veio na mesma hora Pra ele lhe receitar
Receitou minha comadre O pai gastou um bucado
Isso sem haver demora Pra esta moça salvar
Quando os remedios tomou Só parece evenenada
Minha comadre sarou Esta tal de rola assada
Eu disse vamos embora Que vende neste lugar
440
Termino aqui meu livrinho
Do idioma Brejeiro
Pedindo que os amigos
Ajude um brasileiro
Pra puder ganhar o pão
Luta que só um leão
Pague somente 2 cruzeiros.
FIM
441
A MULHER QUE TENTOU COMER UM FOGUETÃO
ASSADO, PENSANDO SER UM MOCÓ
442
Porém êle não sabia o gerente que escutou
Onde vendia mocó o que o matuto dizia
para seguir pra Cidade achando ser uma tôlice
pegou depressa um aiò gostosamente sorria
saiu pensando consigo: e disse o senhor encontra
aqui é que está o nó é ali na delegacia
443
Cobrou logo um dinheirão Faisca longe voava
o pobre trouxa pagou lá por cima do fogão
pegando todos foguetes pois o barulho era feio
pra sua casa voltou da duzia de foguetão
com espantosa alegria correndo dentro de casa
na velha casa chegou nessa maior confusão
444
Com tôda adversidade M.ocó é tão diferente
aumentava a discussão F.oguetão já nem se fala
depois chegou um vizinho Se comer um foguetão
desta mesma região Isto a guela se entala
Manoel contou a êle Leva fim duma só vez
o principio da questão Vê o bucho virar três
A bôca logo se cala
Que sua querida espôsa
desejou comer mocó FIM
êle foi comprou uma duzia
trouxe dentro do aiò
mas quando botou no fogo
não ficou ali um só
445
TEMAS EXTRAÍDOS DE OUTRAS ARTES
447
ABC DA AZA BRANCA
A D
Agora eu vou contar Dois ano qui eu era noivo
Os leitores preste atenção E istava pra casar
De todo meu sofrimento Com minha quirida Rosinha
Pras bandas de meu sertão A fulôr desse lugar
De sêde morreu meu gado Quando eu falo em Rosinha
Até meu pobre alasão Meus ôios pega chorar
B E
Bom istado Pernambuco Eu só fartava doidá
É minha terra natá Vendo meus bicho acabano
Mal a sêca dura entrou Pois eu já pidir o véio
Querendo tudo arrasá Pá casar no fim do ano
Asa-Branca bateu asa E o sole de proposta
Prús mundão do Ciará Cada vez mais aomentano
C F
Com enormi solequente Fui na casa de meu sogro
Nesse tempo de verão Pá dizer vou viajá
Foi tão grande o prijuiso Vou arranjar um dinheiro
Qui tive no meu sertão Prús mundão das capitá
Tudo qui eu tinha acabou-se Fui dispidi de Rosinha
Ná sinza de S. João Rosinha pegou chorá
449
G K
Guilherme disse Rosinha Kirida a deus de novo
Eu ti peço pru favor Dei um aperto de mão
Qui tu lá nas capitá Ela pegou a chorá
Não vá querer outo amor Náquela ocasião
Eu fico aqui no sertão Mi dixe tu não se esqueça
Sofrendo da mesma dor Do nosso véio sertão
H L
Haí Fumo coveçar Leitor agora analise
Lá prá fora do camin Qui sodade de matá
Entonce eu disse Rosinha De deicha o meu sertão
Mi dá agora um beijim Pá vim para a capitá
E ela naquela hora Qui sódade de Rosinha
Me deu um beijo semfim Qui não posso suportá
I M
Ia beijando Rosinha Meus bicho tudo acabou
Quando vi que ia passano Eu dissi lá pá Bahia
O pai dela ná estrada Que era um lugá bom
Pru Rosinha pricurano Erao qui tudo disia
Eu dei mais um beijo nela Se jisus me a judar
E fui me arrítirano Muito breve eu vortaria
J N
Já disse e torno diser Nesse dia viajei
Vou pra lá pás capitá Ni um tal de caminhão
Eu vou arrumá dinheiro Qui vinha cheio de muié
Pá conde vim nós casá Numa tal de lotação
E tornei dá ôto beijo Trepei em riba com elas
Para puder viajá E dissi do meu sertão
450
O S
O Carro corria tanto Sete meses ja fasia
Naquele mundão semfim Qué eu de casa sai
Era tanto sucavão A sodade me apertano
Quase me quebra o fucim Com vontade de parti
As muié saculêjava Muito relampo e truvão
Caia em riba de mim Pra meu norte um dia eu vi
P T
Porem de preça cheguemo Toda noite relampeia
Na cidade do Salvador E veijo o ronco do truvão
A capitá da Bahia Asa branca bateu asa
Terra de nosso Senhor Já vortou pra meu sertão
Eu nunca pensei na vida Eu disse eu vou mimbóra
De subi de levador Vou cuidá da pratação
Q U
Quando eu vi o levador Um carro logo peguei
Fiquei bastante a birmado Para depois viajar
Cousa lindra cuma aquela Lá para meu pernambuco
Eu nunca tinha sonhado Qui é minha terra natá
Com o levador lacerda Com minha quirida Rosinha
Eu fiquei todo encantado Agora vou me casar
R V
Ruim só lá o qui achei Vamicês caros ouvintes
No méio da murtidão Sabe o qui me aconteceu?
Foi a moça que me dixe Vou contar toda derrota
Naquela ocasião Qui tudo com min se deu
Qui eu não pudia subi Rosinha casou com outro
Qui tava de pé no chão E de mim se esqueceu
451
X Z
Xingando fiquei zangado Zangado aqui termino
A infame da Rosinha Toda minha narração
Porque ela me jurou Em garganta de muié
Que era minha queridinha Ninguem não vá nisso não
E tão de pressa deu a outro Pois contei tudo direito
Seu amor qui me convinha O que sofri no sertão
FIM
452
TEMAS BIZARROS, ANTROPOMÓRFICOS
453
O CASAMENTO DA RAPOSA COM O VEADO
455
Veado por ser bonito E a raposa tambèm
Bem satisfeito vevia Sentiu grande comoção
Cabelo bem penteado Quando foi vendo o veado
Enfrentava a boemia Teve tão grande afeição
Aonde tivesse festa Como se fosse uma seta
Veado não a perdia Cravando seu coração
456
Pra voltar no outro dia Além de ser fedorenta
O veado foi embora O seu escândalo é de raça
Quando a raposa chegou Lhe faz a maior vergonha
Contaram na mesma hora Quando ela beber cachaça
Raposa velha zangou-se Tira a roupa e fica nua
Entrou dentro e saiu fora Sorrindo no meio da praça
457
Cento e cinquenta veados Veado dizia consigo:
Chegaram ali num momento Que coisa mais perigosa
Para assistir o casório Que mau custume horroroso
Com todo contentamento Que moça defeituosa
E o tamanduá bandeira Minha mãe bem me dizia
Pra fazer o casamento Que raposa é escandalosa
458
Mais nunca veado quiz
Fazer atrapalhação
Se misturar com raposa
Imunda que só cão
Livrou-se da palhaçada
Veado com a veada
Agora faz união
FIM
459
ELEIÇÃO NA FLORESTA
460
Não votem no tal Cachorro O Veado e o Sariguê
Pra governo do estado, Pra ver se podiam ganhar
Alem de ser lambanceiro Mandaram 5 milhões
É muito disassuntado Para os votos comprar
Pois ele sendo o governo Dava 10 contos de reis
Nós estamos desgraçados. Para com eles votar.
461
Sariguê fez um discurso Embora que o cachorro,
Dizia muito exaltado: Êle é meu inimigo
Vamos votar, meus amigos Porem êle é respeitado
No candidato Veado, Que do homem é amigo,
Porque é homem da paz O veado tem vitoria
Esse senhor ilustrado. Só se for por um castigo.
462
Sarigué ali foi preso Veado daquela vez
Foi logo para a cadeia, Emendou-se da questão
Tudo isso acontece Dizia que nunca mais
Quem entra em questão alheia Se metia em eleição
Pois 3 surras ele levava Se maldisia da sorte
Era almoço, janta e cêia. Naquela lamentação.
463
UM FUTEBOL NA CIDADE DOS PASSAROS
464
Ainda tentou lutar Vamos mudar de assunto
Mas foi logo recolhido Sigamos por outra estrada
Pelo mestre gavião Deixamos o curujão
Foi bastante repelido Abraçando a namorada
O certo é que do esporte E vamos falar agora
Urubù foi escluido No jogo da passarada
465
Caindo a bola Mutum foi marcar
Nambú estancando Com satisfação
E foi chutando Porèm gavião
Curujão controla Para atrapalhar
E a bola rola Tentou pegar
Bibirì chutou A bola passou
Direto ao gô Bibiry controlou
Como um maluco Diblou araquã
Porém o macuco Na hora tomou
A bola agarrou
Canário pega
Macuco chutando Foi controlando
A bola pra o campo E foi chutando
Que metendo o tampo Ao nambú entrega
Mutum foi pegando Que se arrenega
E foi adiantando Que tropeçou
Pra sua fã A bola passou
Que é guriatã Araquã controla
Foi gritando: desça Chutou a bola
Pegou de cabeça Gavião pegou
A dona araquã
Gavião chutou
A bola passou Para o jurity
Para o nambú Mas o bibiry
E o jaburú Na frente chutou
Ali cutou E adiantou
A bola voltou Para o gavião
E o gavião Porém o cancão
Pegou de mão Chutou em seguida
Jurity grita Que foi rebatida
O Juiz apita Pelo curujão
Na marcação
466
A bola voltando A bola voltando
Isso novamente Em movimento
Zabelê na frente Nesse momento
Saiu controlando Nambù pegando
Logo foi passando E foi passando
Para o gavião Pra o zabelê
Que passou a cancão Mas o sofrer
Com um chute maluco Chutou em gô
Porém o macuco Macuco pegou
Agarrou com a mão Pra todos vê
468
Debaixo da sua aza O louro ficou calado
O louro foi colocando Como quem não estava vendo
A moèda de cruzado De que é que quer o trouco
E dali foi caminhando Minha rosa, và dizendo,
Com pouco na mesma venda Eu quero agora um pavio,
Ele foi tambem chegando O louro foi respondendo
469
O homem nesse momento O homem disse: eu agora
Para traz se regressou Vou novamente a privada
E sua dor de barriga Abro a porta duma vez
Cada vez mais apertou E pego este camarada
O homem disse consigo: Que está me chateando
Agora foi que danou Dou-lhe muita bofetada
470
Um Dia chegou um hòspede Respondeu Sebastião:
Hospedou-se na pensão Para todo mundo ver
Da senhora dona julia Ele fala até dez vezes
E do senhor Sebastião Para o senhor conhecer,
A noite depois da janta Disse o moço: meu amigo
Entraram em conversação Eu em tal não posso crêr
471
Quantas vezes quer que eu mande Zesinho ali foi embora
Pra falar no nome seu Alegre e muito animoso
Disse o moço: de três vezes Deixando Sebastião
Se não falar já perdeu Como um leão furioso
O senhor perde o direito Porque o seu papagaio
Os quinhentos serà meu. Fez passar por mentiroso
472
Sebastião ligeirinho Aquele louro era o tal
O poleiro foi olhar Ali naquela pensão
As galinhas todas mortas Não tinha coisa que visse
Foi que ele pôde encontrar Que não prestasse atenção
Restava um frango que o louro Todo bem feito ou mal feito
Acabava de matar Contava a Sebastião
473
Pensando de ser relâmpago Daí avante esse moço
O papagaio falava: Não quiz mais acreditar
Santa Bárbara e São Jerônimo No que o louro contava
Quando aquela luz passava Não quiz mais nem escutar
Deite jeito o pobre louro Dona Maria se pôs
Dona Maria enganava Fazer coisa de amargar.
474
A moça disse pra êle Pegou na crista de outra
Que cortasse a ousadia Desta maneira a dizer:
Pois ela não aceitava, Você dar-me um beijo agora
Aquela patifaria, Ou diga se quer decer?
O louro tudo escutando Ela não lhe respondeu
De là da carroceria Tornou mais se enfurecer
475
Fez a volta em seu carro O louro malabarista
Dali voltou procurando Cada vez mais se danava
Uma ali outra aculá O qu’ele visse falar
O chofer ia encontrando Ligeiro tambem falava
Umas mortas, outras vivas Fosse coisa de segredo
Foi ele tudo juntando Ele depressa alarmava
476
O curujão nem ligava Um dia o malabarista
Seguia com ele agarrado Ficou lá pelo terreiro
Dizendo no pensamento: As 6 horas mais ou menos
Eu hoje como um guisado Ele subiu pra o poleiro
O louro sempre gritando: Foi dormir com as galinhas
Me solta seu condenado Em cima no galinheiro
477
Ela viu o papagaio Então a dona Maria
Do agasalho gritando, Chegando lá na pensão
Desce pra cá minha rosa: Contou o caso ao esposo
Ela foi logo chamando, Que era Sebastião
Disse êle: eu desço nada Ele sorriu d’uma forma
Só si eu tivesse bestando Que se enrolou pelo chão
478
O louro ali não saiu Nessa hora o caçador
Porque a tripa apertou A sua arma apontou
O louro disse consigo: Na cabeça da raposa
Agora foi que danou, Deu um tiro e derrubou
Só com a cabeça fora Chegando lá reparando
Aquele louro ficou O papagaio encontrou
479
O velho tinha um macaco O macaco na garupa
Pior do que satanaz O velho também montou,
Boliçoso que sò ele Fique quiéto Vicente
Astuto e muito sagaz O velho recomendou,
Perverso por natureza Com a mulher e os filhos
Inda mais que Barra-Baz O caçador viajou
480
O louro estava amarrado Portanto vou de pés mesmo
Era obrigado a ficar Porque da vida preciso
Fazia esforço bastante Montando neste animal
Mas, não podia voar Vai me causar prejuizo
O macaco futucava Porque se égua é doida
Pra ver a égua saltar Macaco não tem juizo
481
Pegando sua espingarda Quando foi um certo dia
Que muito perto encontrou O vaqueiro procurando
Um boi do compadre rico Aquele boi do patrão
Ele atirou e o matou Ia ao povo perguntando
Tratou com bastante pressa Na casa do caçador
Pra sua casa o levou Foi o vaqueiro chegando
482
Quando o pobre caçador Deixou o louro pelado
Estava bem à vontade Pela janela atirou
Pensando que estava tudo Depois contou a mulher
Sem pequena novidade O caso que se passou
Com pouco chegou a policia Que foi aquele infeliz
E o prendeu de verdade Que com o vaqueiro arengou
483
Meu irmão que nasceu morto Meus senhores e senhoras
Disse que levou de vista Finda aqui minha historinha
Conheceu muito este louro Será mesmo uma beleza
Que deste drama é o artista Interessante coizinha
Interei de minha mimória Leitor fique analizando
E escrevi a história Ver um papagaio beijando
Do Louro Malabarista A bôca d’uma galinha
FIM
484
CORDEL MARAVILHOSO, FABULOSO,
DE FADAS E ENCANTAMENTOS
485
HISTORIA DA CEGONHA ENCANTADA
E O REINO DOS MISTERIOS
487
Naquela árvore alojada Esse reino assombrador
Ficou a linda cegonha Por todos era temido,
Para cumprir sua sina Quem passasse por ali
Nessa montanha tristonha Saia louco varrido,
Mesmo assim ela vivia Por reinado dos mistérios
Cantando muito risonha. Ficou ele conhecido.
488
Dizem que ouvem tambor Porque o catimbozeiro
Lá em cima na chapada Não há quem possa o vencer
Daquela grande montanha Tem duas grandes serpentes
E gente da gargalhada Para a gruta guarnicer
Onde tem uma cegonha Quem foi naquele perigo
Misteriosa encantada. Sem remissão vai morrer.
489
Disse o principe: eu sou guerreiro Apreciando a miragem
Não posso me desviar Naquele horrendo diserto
Pra qual lado é esse reino Procurando o feiticeiro
Faça favor de mostrar Pra o pegar de corpo aberto
Que vou matar esse bruxo E sobre aquele reinado
E tudo desencantar. Queria contar o certo.
490
Deu-lhe uma rabicada Quando a espada furou
Para matar o rapaz A serpente esmoreceu
O principe por ser ligeiro Soltou um urro tão grande
E tambem muito sagaz Que o monte estremeceu
Livrou-se daquela fera Deu um salto para um lado
Dando um salto para traz. Caiu no chão e morreu.
491
A Serpente traiçoeira Ai a fera partiu
Foi em cima do rapaz Para o guerreiro agarrar
Para pegar pelo meio Dentro da bôca da fera
E mostrar como se faz O moço pôde acertar
Com uma furia estupenda Bateu a espada de ponta
Parecendo o satanaz. Que viu a fera tombar.
492
Só vim contigo lutar O principe sempre gritando
Porque tú és protegido Se entrega feiticeiro
Da fada branca da Lua Conheça que na espada
És muito favorecido Eu sou terror de guerreiro
Só por isto meu poder Se não quer ser degolado
Se acha muito abatido. Seja meu prisioneiro.
493
Pior do que um dragão No chão alí se estendeu
O feiticeiro lutava O principe logo agarrou
Pra ver se vencia o principe Na abertura do marmanjo,
Porém nada aproveitava Por esta forma o falou:
Quando êle descia a espada Agora tú vais pagar
Já o principe se livrava. Os crimes que praticou.
494
O principe disse: malvado Líquido preto, mau intento
Tua vida vou poupar Daquele bruxo malvado
Pra fazer teu preparado Para encantar qualquer reino
Pra o reino desencantar Ou mesmo qualquer condado
Será cortado e queimado Líquido verde esperança
Se este plano falhar. D’um reino desencantado
495
O bruxo todo algemado Naquele instante a rainha
Horrivelmente sofria Para o principe assim falou:
Viajou um mês inteiro Muito obrigada guerreiro
Não comia e nem bebia Que nosso reino salvou
Até chegaram no reino O principe vendo a princesa
Que a cegonha residia. Logo se apaixonou.
496
Assim respondeu o rei O belo principe voltou
É ótima esta união Para os seus pais avisar
E disse filha querida Que teve a maior vitória
Qual é sua opinião? Pra o reino desencantar
Disse ela: está aceito E com a filha do rei
De todo meu coração. Voltava pra se casar.
497
Se meu filho aparecer Faltava um mês pra morrer
Tú sairás da prisão O pobre do lenhador
Nesse periodo de tempo Cada vez mais o monarca
Sofrerás sem remissão Dava castigo de horror
Do contrário tua morada Para matar o velhinho
É dentro do frio chão. Com todo ódio e rancôr.
498
O seu destino assim diz Chegando numa cidade
Dizia assim o doutor Bem perto do seu país
Vai ser agora enforcado Disseram: por vossa causa
Este velho lenhador Vai morrer um infeliz
Por ter iludido o filho Amanhã irá a forca
Do ilustre imperador. Está na mão do juiz.
499
Deus a mim vai ajudar, Muita gente a soluçar
Disse o principe impaciente Quando a policia arrastou
Que meu cavalo não canse Até chegar lá na forca
Que eu chegue ligeiramente E o povo acompanhou
Antes de ser enforcado O carrasco com a corda
Aquele pobre inocente. O pobre velho laçou.
500
O principe muito cansado E esta história todinha
Com o rei se abraçou Este velho me contou
Depois sentou-se um pouquinho Mas que eu não me arriscasse
Até que se descansou Ele me recomendou
O monarca muito alegre Eu fui por minha vontade
Ao seu filho interrogou. Ele não me obrigou
501
Todo povo ao escutar Alí a festa rolou
A voz do imperador Com grandiosa alegria
Derrubou ligeiro a forca O monarca discussou
Com todo ódio e rancor Demonstrando o que sentia
Cortou tudo e tocou fôgo Por seu filho ter chegado
No suplício de horror Graças a Virgem Maria;
502
Três dias festa rolou Meus amigos o velhinho
Naquele lindo reinado Ficou com o principe morando
Dando viva ao belo principe Se viu na toda riqueza
Heroi forte denodado Inda mais vendo aumentando
Com poucos tempos o principe Luxou o resto da vida
Na côrte foi coroado. Vivendo vida florida
Até que foi se acabando.
FIM
503
HISTÓRIA DA PRINCESA DO REINO
DA BRANCA AURORA
504
O monarca tão alegre A princesa Martha Linda
De fazer admirar Era uma jovem querida
Encomendou um prezente Mimosa como uma flor
Pra sua filha Ofertar Là da campina florida
Era uma fonte de ouro Se comparava a roseira
Para a princesa brincar Daquela mais florecida
505
Martha Linda com dez anos Portanto filha querida
Era a deusa da meiguice Deves assim responder
Um dia ouviu uma voz Se acaso for uma sina
Dizer lhe querida misse Para você padecer
Queres sofrer quanto moça Preferes a mocidade
Ou então quer na velhice Pra na velhice vencer
506
Chegou ligeiro a policia Assim como vós salvou
Pra saber da novidade Jonas de se acabar
Perguntando que é que hà No ventre d’um grande peixe
Sua Real Majestade Nas fortes ondas do mar
O rei contou a historia Vós salvai minha filhinha
Cercaram toda cidade Para os meus braços voltar
507
Naquele lindo castelo A rainha mãe do principe
Ninguem ali existia Era igualmente um dragão
Meio dia a mesa posta Falsária, vil, fuchiqueira
Para Martha aparecia Um ente sem compaixão
E também cama patente Por sua causa o monarca
Hornadamente e macia Foi pra debaixo do chão
508
Vitorino apaixonado A rainha disse ao principe
Da jovem se aproximou D’onde é esta princesa
Deus vos salve sua altesa Você sabe se ela é
Vitorino assim saudou Decendente de nobresa?
A jovem estava calada O principe disse: eu não sei
Calada mesma ficou Que é muda por natureza
509
Com tal acontecimento Com pouco tempo a princesa
A velha ficou zangada Logo gràvida apariceu
Fungava e rangia os dentes O principe se alegrou
Bastantemente infezada Com o que aconteceu
Fazendo o mesmo papel E a malvada rainha
Duma serpente assanhada Inda mais se enfureceu
510
Daì avante se poís Mostraram a ela dizendo
A princesa maltratar Olha imunda o que se deu
Mandava ela a cozinha O teu filho foi um sapo
Os pratos todos lavar Que agora mesmo nasceu
Aprontar toda comida Disse a princesa consigo:
Para as escravas jantar Meu Deus o que faço eu?
511
Disse ela: meu filhinho Que Martha deu luz a sapo
Cansei de te avisar Eu não posso acreditar
Que com esta rabugenta Acreditava se visse
Não quisesse se casar Pra poder me conformar
Porque ela no futuro Disse a rainha: é o mais facil
Iria te envergonhar Agora vou o mostrar
512
2º VOLUME DA PRINCESA DO
REINO DA BRANCA AURORA
513
Seguiu ele com o caixão O leitor deve lembrar
Direto pra beira mar Do pássaro misterioso
Seu coração traspassado Que carregou Martha Linda
Em ver a criança chorar Do seu reino tão ditoso
E ele sem ter recurso Pra beber na terra alheia
Pra aquela pobre salvar Esse fel tão amargoso
514
O rei muito admirado Vamos voltar novamente
Depressa se aproximou Pra falar em Martha Linda
Daquela linda criança No reino da Serrania
E nos seus braços tomou Com a rainha Almerinda
Foi entregando a rainha Padecendo porém breve
Em todo caso contou Seu sofrimento se finda
515
Com nove mêses completos O portador foi seguindo
Ela tornou ter criança Com o pequeno caixão
Uma criança mimosa Chegando a beira mar
Ali nasceu sem tardança Fez outra linda oração
Linda como um queirubim E jogou o caixãozinho
Lá da Arca da Aliança Com uma dor no coração
516
Oh meu filhinho querido Obrigou a pobre Martha
Queira agora me escutar Aquela linda princesa
Vou lhe fazer um pedido Ser escrava dos escravos
Creio que não vai faltar Sem ninguem fazer defeza
Esta tua imunda esposa A pobre toda andrajosa
Você deve abandonar Sentia grande tristesa
517
Chamou todos os escravos O principe se admirou
Homem, menino e mulher E disse nesta razão
Dizendo: cada um de vós Meus escravos tendo escravos
Faça um pedido qualquer Não está certo assim não
Que eu garanto fazer Depois eu quero saber
Pode dá lá no que der Quem deu esta permissão
518
Quero minha fonte de ouro O principe vendo isto tudo
E minha boneca dourada Mas nada desconfiou
Quero aqui meu papagaio Todos os quatro objetos
E uma navalha afiada O principe ao rei perguntou
Com estes quatro objetos Disse o rei: eu tenho aqui
Fico-lhe muito obrigada Pegou os quatro e entregou
519
Do ouro só tinha um pingo Quando ela fez o braço
Aquela escrava exclamou: Para a guela decepar
Oh minha fonte de ouro Com um golpe de navalha
Logo a fonte se formou Viu o principe lhe pegar
O louro pois se a cantar Pelo braço e duma vez
Que o principe admirou A tal navalha tomar
520
Disse o principe minha Mãe Martha ficou mais bonita
Perdôe este filho seu Coroada de rainha
Vai padecer a Senhora Tomou conta do seu reino
O que Martha padeceu Porque isso lhe convinha
Como escrava dos escravos Coroaram a mãe do principe
Conforme decreto eu Como Bicho da Cosinha
521
HISTÓRIA DA PRINCESA DO REINO DO PAREIRAL
522
Com a sua feitiçaria Vivia exclusivamente
A fada logo encantou Dos seus laços que armava
A príncesa numa arara Sò comia naquele dia
E assim que se transformou, Que uma caça pegava
Là para as altas montanhas Com seus laços e mundés
Bateu azas e voou. O moço se sustentava.
523
João fícou assustado A arara lá de cima
Com essa voz que ouviu Quando esta voz ouviu
E a arara tão linda Vôou de lá no mundé
De lá de cima sorriu, De João Calunga caiu
E aquelas mesmas palavras João bastante contente
Novamente repetiu. Ligeiramente acudiu.
524
João falou a princeza A princeza foi chegando,
Naquele mesmo momento De um dos bolsos puchou
Que pedisse o que quizesse Uma fita cor de rosa
Não tivesse acanhamento Fez nela um laço e apertou
Que ele pra agarantir E uma bela canção
Lhe prestava um juramento A linda jovem cantou
525
Com dois minutos somente João naquele momento
Viram a mata ressoar, Comeu até se fartar,
Vinha uma grande boíada Fícou ali na cadeira
De fazer admirar, Sem poder se levantar,
Gado de toda as raças Veío um criado e levou-o
De todo canto a chegar. Pra cama pra se deitar.
526
Quando foi no outro dia Mas que demora foi está?
Cêdinho João viajou, Disse bastante zangado,
Para mandar sua comida A negra disse: patrão
Com a princesa falou Foi um caso cumplicado
Tambem o ponto marcado A panela derramou-se
Um tudo a ela ensinou. Nada foi aproveitado.
527
Naquele mesmo momento A princesa novamente
A sua fita pegou Com sua fita legal
O laço que tinha dado Foí cantando outra vez
Novamente desmanchou, Com seu gesto jovíal,
Apontou para João Disse: volte meu capote
Por esta forma falou. Pra o Reino do Pareiral.
528
Ela desapariceu Agora vou viajar
E João alí ficou Pelo mundo universal
Subindo tantas estrelas Vou remecher neste mundo
Que o chapéu derrubou, Toda parte terrial
Que bôca amaldiçoada Até souber onde fica
João assim exclamou. O Reino do Pareiral.
529
O gavião de tão magro Agaranto, disse ele
Não podia mais voar Vá a boiada comprar
Andava pelas estradas E mate um a um,
Calangro morto a catar, Para eu comer a vagar
Se conhecia o reinado Quando eu comer o derradeiro
O moço foi perguntar. Agaranto te levar.
530
Compre mais duzentos bois Com quatro horas de vôo
Para eu poder aguentar O moço sem se aguentar,
Daqui pra esse Reinado Foi pedindo ao gavião
Voando lhe transportar, Para ele aterrisar,
E desceu de lá de cima O gavião disse: não
No solo foi aterrisar. Estamos já pra chegar.
531
Mas antes dele sair Quem é ela? Disse a velha,
Contou logo ao gavião Respondeu: é uma princeza
O que foi que ia fazer Que um dia desencantei
Por aquela região, Recebi grande surpreza
Procurando uma princesa Chama-se Formosa munda
Dona do seu coração. Esse encanto de beleza.
532
Quando ele disse assim A velha disse: meu filho
A velha ficou parada, Agora fiquei com pena,
E disse para João: De todo teu sofrimento
A coisa está enrascada Pelo amor da pequena
Está bastante dificil É lá naquela montanha
Tú encontrar tua amada. Que existe a linda açucena.
533
Monte aqui nas minhas costas Cobras de todo tamanho
O gavião lhe mandou, Também ali vigiavam,
João naquele momento Quando a serpente dormia
Novamente se trepou, As outras cobras velavam,
Na montanha da açucena Ninguem ali chegaria
Com dois minutos chegou. Porque elas não deixavam.
534
A fada estava na porta O gavião respondeu:
Se esquentando no mormaço, Eu engulo até um trem,
O gavião foi chegando Para salvar a princesa
Se abaixou no terraço Não temo mais a ninguem,
Agarrou a fada velha Engulo todas as cobras
E vôou para o espaço. E a serpente tambem,
535
Monte aqui nas minhas costas Com cinco horas de vôo
E alegra o coração, O gavião aterrisou
Para nós ir buscar agua No grande Rio de Jordão,
De lá do rio de Jordão, O moço se desmontou
Pra desencantar a princesa O moço ali um momento
Que tú tem toda paixão. Até que se descansou.
536
O rapaz em uma pedra Casaram no mesmo dia
Que tinha perto sentou Com todo contentamento
E a ave abriu o bico Foi uma festa animada
A água se derramou Naquele feliz momento
No lindo pé de açucena Só faltou você, leitor
Que tudo ali se molhou. No dia do casamento.
537
Senhores minha historinha
Aqui eu vou terminar
Me paguem só 6 cruzeiros
Para o poeta ajudar
Que agente para escrever
Precisa se alimentar.
FIM
538
HISTÓRIA DE JOÃO PREGUIÇOSO
E A CABRA QUE CHOCALHA DINHEIRO
539
João pegou um saquinho Ele recebeu a toalha
Nas suas costas botou, E seguiu com brevidade,
Despediu-se da mulher Diretamente pra casa
Com os filhos se abraçou Na maior anciedade,
E seguiu sem ter destino Dizendo: minha mulher
Pelo mundo viajou. Vai matar a necessidade.
540
Você me dar sua toalha Meteu o tapa em João
Pra bem direito eu guardar, E ele sem reagir,
Quando for amanhã cedo Tome tapa, e tome tapa
Eu torno lhe entregar, Sem ninguém lhe acudir,
João entregou a toalha Depois duma boa surra
Sem em nada imaginar. João pôde escapolir.
541
Cabra chocalha dinheiro, Teve que lhe dar a cabra
Falou com voz moderada Que chocalhava dinheiro,
Cabra chocalha dinheiro! Teve que dar a toalha
A cabra ficou parada, Num completo disespero,
A mulher pegou um pau E pau caindo nas costas
Como uma fera assanhada. Por um poder verdadeiro.
542
Te compôe minha toalha
A mulher se estremeceu,
Comida de todo jeito
Nessa hora apareceu,
A mulher com a filharada
Gostosamente comeu.
FIM
543
HISTÓRIA DO HOMEM QUE ENGULIU UM CAMINHÃO
E DEFECOU UM AUTOMOVEL
544
O chofer que viu o carro Foram chamar o doutor
Na bôca de Gonsalão Pra fazer operação
Disse logo: está danado, Para tirar da barriga
Já perdi meu caminhão Do gigante Gonsalão
E saltou dentro do carro O chofer que lá estava
Para tomar direção. Dentro do seu caminhão.
545
Disse o doutor: eu não faço Mais vinte e cinco tunéis
Neste bruto operação Ligeiro mandou buscar
Mas vou ensinar um remédio E na bôca de Gonsalo
Que salva a situação, Começaram a despejar,
Porque o que passa na guela Gonsalão com dois minutos
Passa tambem no botão. Deu vontade de obrar.
546
O chofer já pra morrer Senhores, pensem direito
Sem tomar respiração Se não foi de admirar?
Deitou-se dentro do carro Engulir um caminhão
No bolso de Gonsalão E ligeiro se transformar
Até chegou a onde estava Em um pequeno automóvel
Toda aquela multidão. Pra Gonsalo defecar!
547
A MURIÇOCA QUE ENGULIU UM CAÇADOR
DO ESTADO DO AMAZONAS
548
O que serà! disse ele Deu-lhe uma facãosada
A sua espingarda armou, Que uma tripa cortou,
Começou uma ventania Deu-lhe outra facãosada
Que ele se horrorisou, Que a muela arrancou,
Pau estalando e caindo Deu mais outra facãosada
Ele parado ficou. Que o fígado se separou.
549
O caçador mais cortava Foi là dentro novamente
Com toda disposição, E muita banha tirou,
Foi abrindo uma estrada Resolveu fazer um teste
No meio da escuridão, Nesse momento passou,
Com tres horas de trabalho Numa ferida que tinha
Foi avistando um clarão. Na perna logo sarou.
550
Careca nasce cabelo
Quem aquela banha usar,
Quem è cego fica são
Começa logo a enchergar,
O homem pequeno cresce
O tanto que desejar.
FIM
551
O PODER DO REI DOS PEIXES E
A INOCENCIA DE UMA PRINCESA
552
Zè Preguiça ao escutar Quando êle disse assim
O que o peixe falou O Rei dos Peixes atiça
Pegou ele com cuidado Dum modo mistérioso
E para água o levou Seu poder que não se enguiça
No meio da onda forte E a princesa ficou gràvida
Ele o peixinho atirou Do famoso Zé Preguiça
553
Para a princesa salvar Como uma despresada
A rainha ali chegou Ali trancada vevia
Dizendo: não faça isto Neste grande sofrimento
Ao monarca aconselhou Chorava por noite e dia
Pegou no braço do rei Atè que em fim completou
E o revolver tomou Nove meses de agonia
554
Quando isto acontecer Lá no palácio chegaram
Que o menino entregar Cinquenta homens vexados
A carta que tem na mão De ricos, mèdios e pobres
Eu mando logo chamar E outros remediados
O Padre para a princesa Pra o menino dar a carta
Com esse Homem casar Todos estavam animados
555
Cada caso duvidoso Dali o guarda voltou
Eu tenho visto se dar Por essa mesma rodagem
Portanto aqui neste mundo Disse ao rei que Zé Preguiça
Nada quero duvidar Falou com toda coragem
Meu conselho é Zé Preguiça Que sò ia se o rei
O senhor mandar chamar Mandasse uma carroagem
556
O rei logo ali ficou O senhor pode avizar
Em tempo de se morder A tôda tripulação
Mandou chamar o vigário Que quando o navio furar
Pra o casamento fazer Salvem-se na aflição
Mas os três da vista dele O resto deixem que è
Tinham que desaparecer Almoço de tubarão
557
Depois de tudo marchou Gaivotas a gritar
A princesa pra pegar Era só o que ela ouvia
Aquele grande navio Aquele grande navio
Pra morrer no alto mar Horrivelmente corria
Com o seu filho nos braços Sem a princesa saber
Chorando “pra se acabar” Qual o destino que ía
558
Zé Preguiça ao escutar José como um capitão
Mas nem estava ligando Já estava bem trajado
A princesa tão aflita Com sapato especial
E êle sò cochilando Seu terno bem engomado
A princesa agarrada José pela sua esposa
Com a criança chorando Foi logo simpatisado
559
Cada um mais prasenteiro As vidas já nos salvou
Seguiam no alto mar Eu quero agora um sobrado
A princesa bem contente Bem feito mesmo a capricho
Com seu fihinho a brincar Tudo bem organisado
Dizia com fé em Deus Com criados pra servi-nos
Um dia hei de voltar Todo bem mobiliado
560
E o monarca que quiz Foi isto uma maravilha
Todos três eliminar Para os peixes bom bocado
Pensou que eles morreram Cada um deles no mar
Nas ondas do alto mar Perdeu a vida afogado
Quando o capitão chegou Por isso eu disse e repito
Passou o caso a contar Deles dois estou vingado
561
O sobrado de repente Ali ficou descansada
Dali desapareceu Aquela bela princesa
Ele pegou o navio Com o esposo e o filho
De acordo o gôsto seu Presente da natureza
Com a espôsa e o filho Passeando na cidade
Sua viagem rompeu Admirando a beleza
562
Cortando onda pesada Deixo fera destruida
Um grande navio chegou Para poder te salvar
O moço ligeiramente Atendendo teu pedido
Com a princesa embarcou Agora vamos voltar
Foi apitando o navio No reinado do teu pai
E pelo mar viajou Teremos nós que chegar
563
Nesse tempo a princesinha O moço que escutava
Já vinha se aproximando O que a princesa falou
As verdes àguas do mar O que è que está faltando?
Vinha o navio rasgando Logo a ela perguntou
Naquele grande reinado Ligeiramente a princesa
Foi o navio ancorando A êle tudo explicou
564
Aquela grande riqueza O moço lhe recebeu
No momento apareceu Com grandiosa atenção
Ali em cima da mesa Para sala de visita
De acordo o gôsto seu Levou o rei pela mão
A princesa de contente O rei nunca viu um palácio
Seu corpo todo tremeu Com tal organisação
565
Com esta perversidade Diamante e pepitas
Ele hà de se zangar Tudo do pé exalou
E diz que é incapaz O rei levantou da mesa
Para os brilhantes roubar Quando o almoço terminou
Eu peço licença a êle A princesa ao monarca
Do bolso vou os tirar Por esta forma falou
566
O rei disse: assim vai bem Nessa mesma ocasião
Eu estou desfeiteado Essa linda princesinha
Quando eu chegar no palácio Foi com o rei ao palácio
Irei morrer enforcado Abraçou sua mãezinha
A princesa ali sorriu Foi a maior alegria
E contou todo passado Para o rei e a rainha
567
O moço pegou a escama Quem comprar este romance
Com muita pena lhe deu Para o poeta ajudar
Dizendo muito obrigado Se for homem, o Rei dos Peixes
Pelo que me ofereceu Vai uma escama lhe dar
O principe se despediu Com a filha de Zè Preguiça
Dali desapareceu Terá também que casar
FIM
568
O SINDICATO DOS BICHOS
569
Foi chegando uma veada Veado ali foi chegando
Com o seu filho estimado E disse pra bicharada
Dizendo pra veadinho: D’agora avante colegas
Você ja vem bem cansado A nossa lei é mudada
O meu maior sentimento Serà preso quem chamar
É teu pai ser um veado Minha muié de Veada
570
O pato estava de fora O capitão Canganbá
Por esta forma a dizer: É que ninguém o marcava
Nem ser um socio eu não quero Porque se ele zangasse
Porque não posso correr A festa toda acabava
Pois os meus pès são pegados Pois se soltasse uma bomba
Não posso me defender Todo bicho embebedava
571
O leão se irritou A cabra perdeu a sáia
No tigre botou o braço Lagartixa o porta-seio
Dizendo: cabra conheça Caçote perdeu a calça
O que eu prometo faço Naquele grande aperreio
Gavião pegou o pinto O bode perdeu a vergonha
E subiu para o espaço Macaco perdeu o asseio
572
Rei leão ficou irado
Com aquele desacato
Mandou logo o papagaio
Anunciar pelo mato
Que nunca mais na floresta
Fundaria um sindicato
FIM
573
HISTÓRIA DO TOURO BRANCO ENCANTADO
574
No meio do florestal O touro pra chatiar
O touro saiu xotando Diminuiu a carreira
Como que de Mizael Quando o vaqueiro encostou
Ele ia anarquizando Disse o boi desta maneira:
Somente naquele xôto Vaqueiro tú não me pega
Parece que ia voando Correr atraz é besteira
575
Eu quase que me assombrei Foi seguindo o portador
Por ver o touro falar Correndo muito vexado
Dizendo: meu bom vaqueiro Ao senhor Perna de Escala
Você pode até voltar Ele foi dando o recado
É uma pura besteira Que fosse pegar um touro
Você querer me pegar Corredor, forte, encantado
576
Também será castigado Os vaqueiros pra o pegar
Quem o touro não pegar Horrivelmente corriam
Daqui de minha fazenda Correndo só no aceiro
Eu mando logo voar Que até de vista perdiam
E procuro outro vaqueiro Diversos dêles cansados
Para assumir seu lugar Uns para os outros diziam:
577
Bons vaqueiros quem mandou É o terror de vaqueiro
Vocês para me pegar? Esse tal boi encantado
Voltem vão dizer a êle Que pra correr na caatinga
Que me deixe sucegar Corre mais do que veado
Pois eu não pertenço a êle Creio que não há vaqueiro
Pra que manda me abusar? Que pegue aquele danado
578
Ai começou a chegar Chegou Águia do Sertão
Vaqueiro de todo lado Que era um forte vaqueiro
De tôda parte do mundo No campo muito afamado
Vinha vaqueiro afamado Na mata ou no taboleiro
Todos querendo pegar Que não respeitava touro
O Touro Branco Encantado Que fosse até feiticeiro
579
Pra poder auxiliar Muito adiante encontrou
Levaram trinta cachorros Um pau de quebra-facão
Que pra pegar barbatão Que pegou Águia do Norte
Eram eles os socorros E derrubou lá no chão
Da fazenda Três Outeiros O seu cavalo seguiu
E da fazenda Três Morros Correndo com o barbatão
580
Depois o boi encontrou Fêz seu cavalo parar
Com o vaqueiro Pè de Pato Para traz se regressou
Que pra pegar boi no campo Com dois cachorros somente
Nunca sofreu desacato O resto o touro matou
Sabia bem pelejar E o touro foi embora
Com boi correndo no mato Nenhum vaqueiro o pegou
581
Todo vaqueiro a sonhar Outros de dentes quebrados
Com o Touro Branco Encantado Foi a maior anarquia
Todos pensando em pegar Algum vaqueiro zangado
Êsse touro endiabrado Por esta forma dizia:
Para ganhar os cem contos Nunca mais serei vaqueiro
Porém saia assombrado E seu cavalo vendia
582
O nome dêsse vaqueiro Ninguem quiz mais ir pegar
Era um tal Quebra-Pescôço Aquele Touro Encantado
Que boi correndo em sua frente Porque diziam que ele
Não precisava alvoroço Era um touro endiabrado
Que êle dava-lhe queda O vaqueiro que teimasse
Quebrava osso por osso De la voltava assombrado
583
Se qualquer um barbatão Já vieram japonêses
Começasse a remeter Para esse touro pegar
Ele pegava o ferrão Mas voltaram escabriados
Topava sem se temer Em tempo até de chorar
O bruto não aguentava Venderam até os cavalos
Era obrigado a correr Pra nunca mais campear
584
O seu destino tomou Respondeu o fazendeiro:
Viajou muito embarcado O vaqueiro que pegar
Quando jà estava bem perto O Touro Branco Encantado
Saltou e seguiu montado Vai logo se melhorar
A procura da fazenda Cem conto e uma fazenda
Que tinha o touro encantado Eu tenho para o ofertar
585
Falou assim Romoaldo: O vaqueiro esporeando
Patrão mande me mostrar O seu cavalo partiu
Aonde o Touro Encantado Pra pegar o barbatão
Eu possa hoje encontrar Bem veloz se dirigiu
Ele nunca viu vaqueiro Numa carreira tão grande
Comigo vai se enrascar Que a poeira cobriu
586
Por ser muito experiente O touro ao se levantar
Sempre o vaqueiro encostou Disse ao vaqueiro: freguês
A cauda do barbatão Eu nunca encontrei vaqueiro
Ele no braço enrolou Para fazer-me o que fez
Deu-lhe um forte arrastão Eu ainda vou correr
Que o touro no chão rolou Para ver tua rapidez
587
Era tanta ventania Levante pra viajar
Parecendo um furacão Assim falou o vaqueiro
Por onde o touro passava Que irei lhe apresentar
Zoava que só trovão Na casa do fazendeiro
Donde o boi tirava o pè Pra receber minha fazenda
Bota o cavalo e mão E cem contos em dinheiro
588
O vaqueiro Romualdo Não tem um meu conterrâneo
Avisou ao fazendeiro: Aqui por este lugar
Amarre o boi direitinho Agora pra minha terra
Porque ele é mandingueiro Eu pretendo viajar
Tenha bastante cuidado Ficou o povo com medo
Com este boi feiticeiro Em tempo de se acabar
589
A procura do dinheiro Meus amigos a história
Eu também vivo a lutar Foi assim que aconteceu
Quem me comprar este livro Sempre gostei da Verdade
Não queira a outro emprestar Isto ensino ao filho meu
Responda a seu companheiro Leitores, quem duvidar
Que o livro custa um cruzeiro Vá agora perguntar
Qualquer um pode comprar Ao meu irmão que morreu
FIM
590
ESTÓRIA DO PEIXE, O HOMEM E A RAPOSA
591
O peixe lhe disse: homem Disse o peixe: è lá mesmo
Você sabe quem sou eu? Você terà que morrer
O homem lhe disse: não Pelo bem que me fizeste
O peixe lhe respondeu Agora vou lhe comer
Quero lhe fazer o bem O pobre homem de medo
Porque sou amigo seu Começou logo a tremer
592
Então amigo cachorro Meu amigo se você
Que está sò sem alguèm Recebesse de alguem
Sozinho neste deserto Um tão grande beneficio
Sofrendo não sei por quem Ou aqui ou mesmo alèm
Num caso de pagamento Se você fosse pagar
Com que è que paga o bem? Com que pagaria o bem?
593
Desceram de rio abaixo Disse a raposa: pois não
Muito adiante avistaram No mesmo canto ficou
Uma raposa bebendo E o homem foi embora
Eles pra perto chegaram Alegre que escapou,
Com que se pagava o bem No outro dia a raposa
A raposa perguntaram Na casa dele chegou
594
Um dia o homem chegou A raposa na carreira
Duma roça muito alèm Corria mais que um trem
Cansado, com fome e sêde E o cachorro átraz dela
E encarvoado tambem Não atendia a ninguem
Chegou a raposa e gritou: Nunca mais foi perguntar
Com que è que paga o bem? Com que se pagava o bem
595
ESTÓRIA DO PAVÃO ENCANTADO
596
No oitavo aniversário Disse umas palavras magicas
Como era acostumado E para o principe apontou
O rei decretou a festa E o principe num pavão
Em todo aquele reino Ligeiro se transformou
Homenagiando o principe E logo pela janela
O seu filhinho estimado Bateu asas e voou
597
Minhas fadas me respondam Pra desencantar o principe
Qual será a solução Existe uma solução
Pra desencantar meu filho Só de hoje a 12 anos
Que se virou num pavão Desencantará o pavão
Como eu salvo meu filho Uma moça camponesa
Corda do meu coração Filha d’outra região
598
E assim continuou Quando foi no outro dia
Este serviço pesado Ela tornou a passar
Não ficou pavão por perto Foi avistando o pavão
Que não fosse agarrado Ali no mesmo lugar
Pela moçada pensando Cantando um canto penoso
De ser o pavão encantado Maria pôs a chorar
599
Passando na mesma arvore Ela puxando o espinho
De novo o pavão cantou O pavão deu um gemido
Ela foi devagarinho E disse: minha querida
Até que aproximou Fui por ti favorecido
Quando foi passando a mão Mas agora vou voltar
Ele outra vez voou Pra casa de pai querido
600
O rei bastante contente Quem desencantou seu filho
Por ver o filho estimado Queria gratificar
Que a doze anos estava Dando ele em casamento
Em um pavão transformado Para com ela casar
Decretou um mês inteiro Os jornais por toda parte
De festa em todo reinado Começaram anunciar
601
Assim foi descabriando Continuando o serviço
Todas moças do reinado Quando foi um certo dia
Até que esta noticia Um guarda real chegou
Pra todas era um enfado Num rancho que existia
De casar com esse príncipe Em um deserto de horror
O ex-pavão encantado Onde morava Maria
602
Quantas filhas você tem? Quando uma veste o vestido
O guarda lhe perguntou Pra siguir quarquer istrada
Tenho, tenho, tenho tres Da casa de algum vizinho
O velho assim gaguejou Pra ver quarquer batucada
Como são os nomes delas? As outra qui não tem ropa
O guarda lhe interrogou Fica no quarto trancada
603
O rei mandou muita roupa Vivia êle encantado
E sapato pra calçar Em um bonito pavão
Depois viessem ao palacio Pelo poder duma bruxa
Para se apresentar Perversa sem coração
Porque com as três donzelas Agora desencantou-se
O rei queria falar Foi grande a satisfação
604
O guarda quase que cai Então na casa do velho
Quando isto tudo escutou Assim que o guarda chegou
E você tem esta pena? Aquela familia toda
A Maria perguntou Na carroagem botou
Tenho sim, respondeu ela Para o palácio real
Entrou là dentro e a panhou A carroagem voltou
605
E assim mesmo ele fez Maria ficou calada
Chamou o velho e explicou O rei foi logo atender
O velho chamou a filha Botando o fone no ouvido
Na hora participou Ouviu uma voz dizer:
Pra receber o dinheiro Socorro,! socorro, gente!
O velho logo aceitou Que o principe vai morrer
606
Disseram as fadas pra o rei: Com dez ou quinze minutos
É crítica a situação O Juiz ali chegou
Nós dissemos no principio E aquele casamento
Vós não nos deste atenção Logo se realisou
Se não casar com esta moça O povo todo contente
Morrerá como pavão A festa continuou
607
E a bruxa quando soube Maria casou com o principe
Que o principe desencantou-se Foi viver muito feliz
Com a linda camponesa Se tornou naquele reino
Naquele dia casou-se Inspirada imperatriz
Deu um pulo e deu um grito Levando sempre a pobreza
Caiu no chão acabou-se Vestido, pão em defeza
A sua sorte assim quiz.
FIM
608
AS TERRAS DE SÃO SURUÊ
609
Arroz in São Suruê Terra de São Suruê
É de chamar atenção É a terra da fartura
Cada pé da trinta caixa Pranta fruta de manhã
Qui faz admiração De tarde come madura
Cada carôço de arroz Tem serra de requejão
Enche quatro caminhão E morro de rapadura
610
Minina in São Suruê Terra de São Suruê
Faz graça a gente contá Tudo bom, tudo é dimais
Minina nasce de noite De noite nasce um menino
De manhã quer namorá De manhã já é rapaz
In antes do sol se pôr Vai da um passeio nas rua
É obrigado a casà In casa não vorta mais
611
TEMAS SOCIAIS, ECONÔMICOS,
POLÍTICOS E JORNALÍSTICOS
613
HISTÓRIA DO BOI LADRÃO E O DELEGADO FIEL
615
O velho chegando lá Respondeu o fazendeiro:
Falou por esta razão: Bastantemente zangado
Seja o senhor sabedor Você lá que dê seu geito,
Coronel Pedro Simão Que o meu já está dado,
Lá em minha roça um boi seu Quem se muda é o freguez
Meu feijão todo comeu Que sente por sua vez
Que faz até compaixão. Que está incomodado.
616
O Delegado notou O velho voltou pra casa
Que o velho tinha razão, E ficou bem a vontade
Que aquele fazendeiro O fazendeiro que soube
Devia ter compaixão Da extranha novidade
Da miséria de um pobre Nessa hora disse ele:
Porque sempre que é nobre Vou fazer a cama dele
Engole até seu irmão É hoje lá na cidade.
617
As nove horas e meia O pobre ficou chorando
O pobre velho chegou Porque não tinha o apurado,
Foi cumprimentando a todos Se não pagar hoje mesmo
Numa cadeira sentou, Disse ainda o Delegado:
Então me conte, velhinho O senhor tem que sofrer,
Sobre o boi do seu vizinho Vai bastante padecer
Que diz que você matou. Porque vai ser processado.
618
Você é doido? rapaz!
Disse ele admirado,
O senhor tem de pagar,
Respondeu o Delegado:
Pois o senhor não gostou
Quando ele lhe pagou
O seu dinheiro inteirado?
FIM
619
ABC DE LAMPEÃO ESCRITO PELO SEU PROPRIO PUNHO
Tipografia Popular
Aracaju Sergipe
A C
“Ama a Deus” sempre dizia Combino — Deus se é grande;
O bom padre Belchior. Bom, milagroso, clemente,
Isto diz meu Cathecismo, Podendo ajudar ao povo
(Que eu sei todinho de cór) Com um poder Onipotente...
Amo a Deus elle é grande, Mas tem tanto o que fazer
O matto é muito maior. Que se esquece da gente.
B D
Bem fazer, dízem os santos Dar sempre, nunca apanhar
Eleva a gente pro cèo, (Eis o meu grande segredo),
Livra a gente do perigo, Se sempre desconfiado,
Livra a gente do escarcèo, Ter cautela nunca medo,
E vejo os que são bondosos Sendo a vida um caso serio
Cahiram no meu mundéo. Não fazer dela um brinquedo.
620
E I
É certa a fama que gozo Inimigo sei que os tenho
De ser furor dos sertões, Mas para mim são bobagem,
Mas no Brasil ainda existem Atè hoje ainda ignoro
Muitos outros Lampeões, Se a Policia tem coragem,
Que vão devastando tudo Toda vez que me procura
Quaes medonhos furacões. Se esculhamba na viagem
F J
Fui bom, sofri mil tormentos Jurei de nunca ser prezo,
Passei torturas sem fim, Nunca fui, nunca serei,
Não encontrei um vivente Morro cravado de balas,
Que se doesse de mim. Mas nunca me entregarei
Era a maior das misèrias A estes torpes bandidos
Ter eu uma vida assim. Que não conhecem a lei.
G K
Gastei toda paciencia Kilometros aos cem, aos milheiros
Só em fazer peditòrios, Percorro a pé ou montado,
A Deus, a todos os santos, E chego calmo e sem medo,
Em egreja e oratòrios, A qualquer villa ou povoado,
— Só me vieram milagres Prendo os chefões do logar
De efeito contraditòrios Deixo tudo saquiado.
H L
Hoje creio puramente Lembro o facto mais terrivel
Em mim, no meu bacamarte, Da história da minha vida,
Nas outras armas que tenho Foi quando perdi meu pae,
Na minha destreza e arte, Oh lembrança dolorida!
Nos meus leaes companheiros Ainda hoje conservo
— Amigos em qualquer parte. No coração a ferida.
621
M Q
Minha història vou contar: Quiz agir por conta própria
Meu pai foi assassinado E o Juiz me chama e ralha:
(Quando eu era ainda rapaz) —Tudo està em boa marcha,
Por um mísero malvado, No processo se atrapalha,
Por facto tão monstruoso Confie na ação da Justiça
Fiquei quase allucinado. Que tarda mais nunca falha!
N R
Não pensei logo em vingança Recorri a todo mundo
A Justiça recorri, Fui directo a Maceiò,
Para séde da comarca Mantendo a calma de um santo
Confiante então parti, E paciencia de Job,
Ao Promotor e ao Juiz A Justiça se fez surda,
Roguei, implorei pedi. Ninguem de mim teve dò.
O S
O Juiz me garantiu Sentí que estava enganado...
Punir o vil criminoso, Não tive mais esperança...
E o Delegado também E um impeto forte terrivel,
Mostrou se bem rancoroso, No meu espírito avança:
Jurando dar providência, —Ante a falta de Justiça,
A crime tão monstruoso. Exercer minha vingança.
P T
Porem o tempo passou-se Tomei coragem. Chamei
E nada de providência! Meu irmão e disse: “Vamos
Sò me diziam: Se acalme Matar aquele assassino!”
Tenha mais calma e paciência E dito isto, marchamos
Para quem matou seu pae Com tanta felicidade
Não haverá dó nem clemencia Que, sem demora, encontramos
622
U Z
Um minuto a mais. Em frente Zuniram mais de cem tiros
Do assassino a tremer Mas eu sempre em promptidão,
Nós lhe dissemos: seja homem O meu rifle disparava
Prepare-se para morrer! Como se fosse um canhão,
Se mil vidas possuisse E cada tiro que dava
Tinha que todas perder! Era um cadaver no chão.
V TIL
Vibrei-lhe um tiro na testa Tilintei a minha espada,
E outro no coração. Fiz mesmo uma desgraceira!
Deixei-lhe o corpo em retalhos, Deixei prostrada por terra
Picadinho a facão, A covarde cabroeira,
Afora mais punhaladas Não vi o resto da força
Que lhe vibrou meu irmão. —Virou alcanfor, poeira...
X Terminei meu A B C
Xinguei as autoridades, Estou mais forte na liça;
Tornei-me um surucucù, Mato gente a todo instante,
Fiquei um bicho assanhado, Quando pàro é por preguiça,
Virei um monstro, um tutú, Esta má vida a quem deve
Botei um rifle no ombro A malfadada Justiça.
Torne-mei malvado e crú!
A Justiça brasileira
Y Muito será feliz
Yôyô um amigo nosso, Porque só crer no dinheiro
Veio logo me avisar Para sua diretriz!
Que a policia esta prompta Ella se oculta p’ro pobre!
Pra nossa casa cercar, Não liga o que elle diz!
E recebendo este avizo,
Fui logo me entrincheirar.
623
Fui Virgulino Ferreira
E porque sou Lampeão?
Si Justiça houvesse eu era
Um pacato cidadão!
Mas não quizeram assim
Pois gemam no meu facão!
FIM
624
A B C DOS TUBARÕES
A D
Agora vou escrever De sempre morre um burguez
Para todas multidões Perde a farinha e o feijão
Um folhetinho engraçado Porque tem muito dinheiro
Pra todas populações, Só morre de avião,
A pobreza está queixando Eu digo: Já morreu tarde!
Que está se acabando Só assim acaba a metade
Nas presas dos Tubarões Do grupo de Tubarão.
B E
Bem sabem caros amigos Eu gosto sempre da morte,
Que a pobreza hoje em dia Que tem minha opinião,
Não tem mais direito á nada Não tem bonito nem feio
É sofrendo em denmazia Pra ter ela adulação,
Só encontra è Tubarão Por isso é minha amiguinha
Pra tomar seu ganha-pão Porque vem mata sardinha
Ninguem tem mais garantia. E mata tambem Tubarão.
C F
Comparo nosso Brazil Fiquemos todos atentos
Com um verdadeiro mar Prestando toda a atenção
E a pobreza sardinha Pra escolher um candidato
Que vive sempre a nadar, Agora nessa eleição,
Sem ter alimentações Pra dar um voto seguro
E os grandes Tubarões Pra não votar no escuro
Querendo nos devorar. Para qualquer Tubarão.
625
G L
Gervasio disse outro dia, Lembramos do que se deu
Zangado igual um leão: Que chamou mesmo atenção,
Que quem quizer que ele vote No dia tres de outubro
Tem que pagar um dinheirão, Aquela grande eleição,
Que ele não é estrada Que gratis fomos votar
E nem tão pouco é escada E em vez de melhorar
Para subir tubarão. Cada vez mais Tubarão.
H M
Ha muito tempo que os homens Meus amigos sertanejos
Já perderam a retidão, Plantai muito algodão,
A gente vota de graça Não se importem com conversa.
No tempo da eleição, Nem promessas de eleição,
Quando é no fim da conta Que Deus é quem tem pra dar
Encontra faca de ponta E pode nos libertar
E chute de Tubarão. Do queixo do Tubarão.
I N
Iremos ver brevemente Nossos amigos roceiros
A grande aglomeração, Plantai muito feijão,
Promessas e mais promessas Plantai banana á vontade,
E a grande adulação Batata, abobora e melão.
Para a pobreza votar Para podermos viver
Para depois nos jogar E para nos defender
Na boca do Tubarão. Das garras do Tubarão.
J O
Jamais veremos bondade, Os nossos proprietarios,
Só vemos desolação, Que teem muita criação,
Qualquer um que fôr eleito Criai por lá muito gado
Para chefe da nação, Com toda satisfação
Imposto tem que aumentar Pra a carestia acabar
E o pobre é quem vai chiar E nós poder nos livrar
No queixo do Tubarão. Dos laços do Tubarão.
626
P T
Pra ser eleito a governo Tubarão são nossos amigos
Ou pra Chefe da Nação, Em antes da eleição
Todo mundo nos adula, Abraça qualquer matuto
Nos aperta a nossa mão, Que esteja com o pé no chão,
Quando chega no Catête Porèm depois desse pleito
Quer nos meter o cacête Qualquer um que for eleito
Vira o pior Tubarão. É o maior Tubarão.
Q U
Quando alguem quer ser prefeito Um eleitor quando vai
Chama toda multidão Na casa dum cidadão,
E promete logo a todos Que deu um voto a seu lado
Cada qual um avião, No tempo da eleição
Quando vai pra prefeitura Ele diz: não lhe conheço
Essa mesma criatura E passa o olho travesso
Vira maior Tubarão. Pior do que Tubarão.
R V
Reune toda pobreza Vai dizendo: vagabundo
Pra fazer a votação Você precísa é instrução,
Porém não votem de graça, Uma enxada de 3 libras
Tenham toda precaução, Num campo experimentação
Mesmo assim tenham cuidado Pra mandioca plantar,
Pra não serem devorados O pobre sai a xingar
Nas presas do Tubarão. Fica-te aí Tubarão.
S X
Santos do Mont no Brasil Xingando, sai o eleitor,
Fêz uma ótima invenção, Dizendo nesta razão:
Com a sua inteligência Enquanto vida eu tiver,
Construiu o avião, No tempo da eleição,
A obra mais importante Nunca mais quero abalar
E bastante interessante Os meus pés para ir votar
Para matar Tubarão. Para nenhum Tubarão.
627
Z
Z é a letra do fim
Que termino a narração,
Quem não gostar me desculpe
Toda esta minha expressão,
Quem não comprar este livrinho
Vai ser engulido vivo
Na bôca dum Tubarão.
628
A CARREIRA DA SUNAB COM MEDO DA CARESTIA
629
Eu meti o pè atraz Chegou na Delegacia
Bate aqui, bate acular, Se agarrou com o Delegado,
Ela entrou na Prefeitura E eu meti-lhe o chicote
Para de mim se livrar, Bati até no soldado
Mas eu emboquei atrás Que estava de plantão
Sò afim de me vingar. Deixando tudo apanhado.
630
Aumento o preço da àgua, Principalmente o Governo
Aumento o preço da luz, Do Estado da Bahia,
Aumentar o butijão Jà que não pode baixar
Atempos jà me dispús O que sobe dia a dia,
Aumento o preço do milho Dê uma pisada no freio
E da massa do cuscús. Do carro da Carestia.
631
A mola da carestia Que quando sai o salário
Que tudo mais determina, Aí a coisa piora,
È somente duas palavras: Porque os empregadores
Aumentou a gasolina Bota o operàrio pra fora,
Aumenta das coisas grandes O pobre quase chorando
Até a mais pequenina. Pega pista e vai embora.
632
O pobre pai de familia
Fica quase alucinado,
Com a casa cheia de filhos
E ainda desempregado.
Isto è muito pior,
Vai o seu nome assinado
FIM
633
O CARRO DA CARESTIA
634
A manga do mesmo jeito Agora vejam senhores
Se dana cada vez mais Cem cruzeiros um almoço
Cinco, seis, oito cruzeiros Só um pouquinho de feijão
Pobre não compra jamais Em vez de carne vem osso
Ou umbùs já estão usando É mesmo que derrubar
Patente de generais E tomar o dinheiro do bolso
635
Com um chofer adiante O pobre vai pra farmacia
O preço logo ele ajusta Com o corpo todo a tremer
Muitas vezes pede um menos Chegando dá a receita
Daquele preço que custa Ao farmacêtico pra ler
Diz ele: só faço menos Quando ele da o preço
Pra quem veste sáia justa O pobre falta é morrer
636
Mas, já que não tem um freio
No carro da carestia
Atropela todo mundo
Seja de noite ou de dia
Portanto aumenta o salário
Que é nossa garantia
O carro da carestia
Está no mundo a vagar
Atropelando a pobreza
Querendo tudo acabar
Só um forte presidente
Pra fazer ele frear
637
A MARRETA DA CARESTIA
638
Nas padarias, é claro! Na Brasil-Gaz, eu também
Eu também estou ali Estou lá de prontidão
Entre o dono e os padeiros Esperando a todo povo
Faço o pão diminuir Com a marreta na mão
A minha marreta come Pra marretar um por um
Para grande não sair Nessa compra do bujão
639
Se paga aluguel de casa Até o carro de mão
O cara está atolado Eu estou fazendo parte
Porque todo fim de mês Meto a marreta no bolso
Eu estou de lado a lado Do cara mesmo com arte
Meto a marreta no bolso Pode ser Cancão de Fogo
E ele sai marretado Atè Pedro Malasarte
640
E quando o fulano morre Se compro por um cruzeiro
Eu fico de prontidão Por cinco quero vender
Chorando na cabeceira Outro quer vender por dez
Por ter um bom coração Pois é este o seu prazer
Dou a ultima marretada Não se importando que os fracos
É na compra do caixão De fome pode morrer
641
Portanto meus amiguinhos Aqui eu vou terminar
Vamos fazer união Meus versos em poesia
Em todos os nossos preços Falando sobre a marreta
Vamos fazer redução Da malvada carestia
Pra dar condições de vida Que marreta todo mundo
Todo qualquer nosso irmão Dia e noite, noite e dia
FIM
642
O DESAPARECIMENTO DO DINHEIRO E
O SOFRIMENTO DOS PROFISSIONAIS
643
O advogado, a policia Se vai procurar trabalho
O velho médico parteiro Para o dinheiro ganhar
O guarda, o velho fiscal Procura porém não acha
O encanador, funileiro Pois é mesmo de amargar
Todos eles vivem em luta Que ninguém sabe o dinheiro
A procura do dinheiro Onde êle foi se parar
644
O pobre carregador Mesmo o vendedor de carne
Já não é bom nem falar Vai pra feira trabalhar
Devendo aluguel de casa A carne volta a metade
Sem nunca poder pagar Por ninguém querer comprar
A sua espôsa pergunta: Ele pergunta a si mesmo:
Onde é que o dinheiro estar? Onde é que o dinheiro estar?
645
É tanta da carestia Meu Irmão, meu Salvador
Que o homem até fica louco Filho de Deus Verdadeiro
Vai procurar o trabalho Sobre nòs mandai a chuva
Só de falar fica rouco Imploro Santo Cordeiro
O dinheiro levou fim Livrai-nos de peste e fome
Porque nem muito e nem pouco Vim pedir em vosso nome
A paz para o mundo inteiro
Os nossos irmãos nortistas
A pobreza os consome FIM
O sol queimando direto
Que até animal se some
Jà estão tomando apulso Itabuna 23 de fevereiro de 1971
Para não morrer de fome
No Estado da Bahia
No sertão do Irecer
Perdeu tôda plantação
O povo vive a sofrer
Comendo raiz de pau
Somente pra não morrer
No sertão do Guanambí
É o mesmo paradeiro
O povo está sustentando
Na raiz do umbuzeiro
Para escapar com a vida
Pela falta do dinheiro
A cidade de Itabuna
É o mesmo paradeiro
Jequié do mesmo modo
Conquista o mesmo roteiro
Camacan dar uma surra
Em quem falar em dinheiro
646
A GREVE DE ITABUNA
647
O homem se revoltou Para marcar essa fau
Porque não estava direito Veio a Metropolitana
Não há tatú que se aguente Essa grande protetora
Cobrando assim deste jeito De nossa terra bahiana
Disse o homem agora mesmo Pra não ver a Prefeitura
Eu vou falar com o Prefeito Se virar numa banana.
648
A luta de ombro a ombro A turma de revoltado
Começaram a pelejar Abriram a perna a correr
De pedra, murro e cacête Os que os soldados pegavam
De fazer admirar Levavam para prender
Quando Cosme apanhava Foi uma borracha solta
Via Damião chorar Negro faltou foi morrer.
649
Acabou-se a agonia Tudo com a lei se conquista
Porque o nosso Prefeito Dentro da educação
Fez um acerto com o povo Para isto temos lei
Que por todos foi aceito Em nossa bela nação,
O nosso povo ficou Embora que poucos cumpra
Divera bem satisfeito E obedeça a razão
FIM
650
AS 4 MISÉRIAS DÊSTE MUNDO
651
Quando o homem é bom de fora a fora No tal jôgo chegando um viajante
A mulher nunca dar o seu valor Perde tudo que tem do seu patrão
De acordo o que é merecedor O dinheiro, a pasta e o caminhão
Acustuma com outro ir se embora E depois fica êle agonisante
Mas o homem lhe segue sem demora Do patrão perdeu tudo num instante
Mata ela sangrada e o vagabundo Êle dar um gemido tão profundo
Depois ele medita num segundo Formecida êle bebe num segundo
A cachaça vai ser meu triste fim Já na ancia da morte diz assim:
Jôgo, dança, cachaça e mulher ruim Jôgo, dança, cachaça e mulher ruim
São as quatro misérias dêste mundo São as quatro misérias dêste mundo
Chega um homem na rua do vai quem quer No tal jogo chegando um bodegueiro
Vai num bar toma logo uma cachaça Que só vende banana açucar e pão
Com um arzinho de riso atraz de graça No baralho ele entrega o ladrão
Num momento aparece uma mulher Todo lucro que teve um ano inteiro
Logo a êle ela pede o que quizer E depois que perdeu o seu dinheiro
Porque êle é um astro tão fecundo Os ladrões dão um ponta-pé no fundo
Nunca fez o papel de um imundo Ele sai parecendo um vagabundo
Paga tudo e até êle ela dar fim Chega em casa a mulher lhe diz assim:
Jôgo, dança, cachaça e mulher ruim Jôgo, dança, cachaça e mulher ruim
São as quatro misérias dêste mundo São as quatro misérias dêste mundo
652
No tal jôgo se ver o pau quebrar Ao depois de termina esta fulia
O demônio no meio está atiçando Gente morta furada e apanhada
Uns aos outros ali se esfaqueando Pra poder resolver esta parada
Muitas vêzes terminam em se matar Vão depressa para a delegacia
Quem matou na cadeia vai se parar Quem matou fica lá na inxovia
Quem morreu vai para o buraco fundo Quem morreu segue pro buraco fundo
Se acabou num abismo tão profundo É da dança que parte este oriundo
Os parentes chorando dizem assim Quem não dança de fora diz assim:
Jôgo, dança, cachaça e mulher ruim Jôgo, dança, cachaça e mulher ruim
São as quatro misérias dêste mundo São as quatro misérias dêste mundo
Pode o homem viver bem empregado Nunca hei de falar bem de cachaça
E gosar da mais pura confiança Contra amim me censure quem quizer
Mas, vivendo somente atraz de dança Nem pra homem e pior para mulher
E caído na rua embriagado Creio que ela é o símbolo da sem graça
Como um cão vive ele apedrejado Faz um pobre morrer em plena praça
Sendo um homem direito e tão fecundo Faz com que se transforme num imundo
Cai na rua igualmente a um vagabundo Faz o outro ficar nauzeabundo
Todo povo que passa diz assim: Um doutor, bacharel ou outro assim
Jôgo, dança, cachaça e mulher ruim Jôgo, dança, cachaça e mulher ruim
São as quatro misérias dêste mundo São as quatro misérias dêste mundo
653
Sai um homem da roça para a feira Quando o homem vai cêdo para a praça
Ficam os filhos de fome se acabando No emprêgo vai êle trabalhar
Os pequenos com fome ali chorando A mulher se é da comida aprontar
Vem a mãe e os engana com uma asneira Vai e toma um bom copo de cachaça
O tal pai se danou na bebedeira Num momento já está tôda bebaça
Com Alfredo, Tomé, Pedro e Secundo Para casa ela volta num segundo
O que tem gasta la com vagabundo Deixa o fogo apagado e tudo imundo
Volta puro a mulher lhe diz assim: Quando chega o marido diz assim:
Jôgo, dança, cachaça e mulher ruim Jôgo, dança, cachaça e mulher ruim
São as quatro misérias dêste mundo São as quatro misérias dêste mundo
654
A VASSOURA DE BRUXA NO SUL DA BAHIA
655
Por isso eu venho mandada A Ceplac se uniu
Lá da casa da morrinha, Com homens do Sindicato
Para passar a Vassoura E atacaram esta bruxa
Nos cacauais desta linha Com armas de fino trato
As folhas ficam pra os donos Mas a Bruxa se defende
Mas as amêndoas são minhas Com ligereza de gato
656
Eu conheço um cidadão Sem o cacau nossa terra
Que um dia me contou Não poderá prosperar.
Que a Vassoura de Bruxa As construções na cidade
A roça d’ele atacou, Na certa tem que parar,
E ele usou uma tècnica Atè os ladrões vão embora
Que a Vassoura acabou. Por não achar o que roubar.
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Sem o cacau, na cidade Esta tècnica que um roceiro
Muita gente perde o nome, Descobriu em Uruçuca,
A luz dos postes se apaga Deve ser posta em prática
Fica entregue ao lubisome, Deixando a tècnica caduca
E cemitério não cabe Pra todos se defender
Tantos que morrem de fome Dessa Vassoura maluca.
FIM
658
IMPRENSA UNIVERSITÁRIA