Minelvino

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MINELVINO

TROVADOR APÓSTOLO
Universidade Estadual de Santa Cruz

GOVERNO DO ESTADO DA BAHIA


R UI C OSTA - G OVERNADOR

SECRETARIA DE EDUCAÇÃO
O SVALDO B ARRETO F ILHO - S ECRETÁRIO

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ


A DÉLIA M ARIA C ARVALHO DE M ELO P INHEIRO - R EITORA
E VANDRO S ENA F REIRE - V ICE -R EITOR

DIRETORA DA EDITUS
RITA VIRGINIA ALVES SANTOS ARGOLLO
Conselho Editorial:
Rita Virginia Alves Santos Argollo – Presidente
Andréa de Azevedo Morégula
André Luiz Rosa Ribeiro
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Dorival de Freitas
Evandro Sena Freire
Francisco Mendes Costa
José Montival Alencar Júnior
Lurdes Bertol Rocha
Maria Laura de Oliveira Gomes
Marileide dos Santos de Oliveira
Raimunda Alves Moreira de Assis
Roseanne Montargil Rocha
Silvia Maria Santos Carvalho
JORGE DE SOUZA ARAUJO

MINELVINO
TROVADOR APÓSTOLO

Ilhéus - Bahia
2015
Copyright © 2015 by JORGE DE SOUZA ARAUJO

Direitos desta edição reservados à


EDITUS - EDITORA DA UESC

A reprodução não autorizada desta publicação, por qualquer meio,


seja total ou parcial, constitui violação da Lei nº 9.610/98.

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conforme Lei nº 10.994, de 14 de dezembro de 2004.

PROJETO GRÁFICO
GERALDO JESUÍNO - UFC
XILOGRAVURAS DA CAPA E MIOLO
MINELVINO
DIAGRAMAÇÃO
ALENCAR JÚNIOR (SUPERVISOR)
FELIPE LAVINSCKY (ESTAGIÁRIO)
REVISÃO
JORGE DE SOUZA ARAUJO
MARIA LUIZA NORA

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

A663 Araújo, Jorge de Souza.


Minelvino trovador apóstolo / Jorge de Souza Araujo. – Ilhéus, BA: Editus, 2015.
664p. : il.

ISBN: 978-85-7455-358-0

1. Literatura de cordel. 2. Poesia popular. I. Titulo.

CDD 398.5

PRINTED IN BRAZIL ISBN - 978-85-7455-358-0

EDITUS - EDITORA DA UESC


Universidade Estadual de Santa Cruz
Rodovia Jorge Amado, km 16 - 45662-900 - Ilhéus, Bahia, Brasil
Tel.: (73) 3680-5028
www.uesc.br/editora
editus@uesc.br

EDITORA FILIADA À
SUMÁRIO

DA ARQUEOLOGIA DO SABER POPULAR


AO CORDEL DE MINELVINO FRANCISCO SILVA
7

Minelvino e seu aprendizado vida/poesia


15

Minelvino Francisco Silva: os folhetos


34

As capas, xilogravuras e contracapas


121

Antologia
162

PRIMEIROS MOMENTOS
175

FOLHETOS DE ACONTECIMENTOS
POLÍTICOS E COMOÇÃO POPULAR
209

FOLHETOS DE DISPUTA, DEBATE, DUELO,


ENCONTRO, PELEJA OU DESAFIO ENTRE CANTADORES
247

FOLHETOS DE PROVEITO E EXEMPLO,


EXTRAÇÃO MORAL E EXORTAÇÃO
333
FOLHETOS REPERCUSSIVOS DE FENÔMENOS
SOCIAIS, MORAIS, ESCATOLÓGICOS
395

TEMAS EXTRAÍDOS DE OUTRAS ARTES


447

TEMAS BIZARROS, ANTROPOMÓRFICOS


453

CORDEL MARAVILHOSO, FABULOSO,


DE FADAS E ENCANTAMENTOS
485

TEMAS SOCIAIS, ECONÔMICOS,


POLÍTICOS E JORNALÍSTICOS
613
DA ARQUEOLOGIA DO SABER POPULAR AO CORDEL
DE MINELVINO FRANCISCO SILVA

7
DA ARQUEOLOGIA DO SABER POPULAR AO
CORDEL DE MINELVINO

O equacionamento teórico da classificação da literatura de


cordel passa indispensavelmente pela superação da falsa dicotomia
entre esta última e a literatura dita referencial ou erudita, o que as
restringe a uma compreensão rasa e equivocada. É nítido perceber
que apresentam distintas fisionomias e origens, mas não antagônicas,
nem de molde a permitir a fixação de hegemonias hierarquizadoras
em prejuízo das noções de valor aplicadas na relação de uma à outra.
A literatura de cordel traduz a mais autêntica expressão da
cultura popular brasileira. Introduzida no país pelos primeiros colo-
nizadores, oriunda da tradição trovadoresca ibérica à qual se filiaria
desde as cantigas de amor, amigo, escárnio e maldizer aos modelos
épicos dos contos maravilhosos e das novelas de cavalaria, alguns tre-
chos dos autos vicentinos e das matrizes líricas camoneanas, o cordel
se estabeleceu no Brasil a partir do influxo colonizador no nordeste
brasileiro, especialmente do Ceará à Bahia. A mesma fonte inesgo-
tável do imaginário popular, que influenciaria até composições con-
temporâneas de um Chico Buarque, um Caetano Velloso, um Alceu
Valença, ou produções de Ariano Suassuna, Jorge Amado ou Dias Go-
mes, consagra um gênero poético de tão rica complexidade temática
e estilística, exprimindo uma caudal de pensamentos e sentires da
coletividade interiorana do Brasil.
A lição dos folhetos, as nuances do universo mítico da
gente sofrida do nordeste brasileiro, defrontando e se impondo às
adversidades naturais, políticas e econômicas, as formas de produ-
ção e distribuição, o preço acessível, a simplicidade rústica da poesia
e o encantamento das histórias de príncipes em castelos, grutas e
montanhas, pelejando contra dragões de sete cabeças, em defesa de
princesas lindíssimas e confusas, ou as histórias de picardia de um
Pedro Malasartes, um João Grilo, um Cancão de Fogo ou Bocage (e
não exclusivamente o Bocage pornógrafo antevisto pelos contadores

9
de causos e poetas populares), tudo isso constitui a memória da gen-
te sertaneja expressa na grande cultura e no amor pelo cordel, pela
música dos repentes e sugestões de resistência ao aniquilamento da
literatura e da própria cultura popular no país dos sem-memória.
No sentido referencial do senso comum, o cordel é fenômeno de in-
vejável popularidade e comunicação entre as pessoas simples, fre-
quentadores das feiras aos sábados nos pequenos núcleos urbanos e
pequenas ou médias cidades do interior do país.
Alguns desses herois já foram concebidos e requisitados
pela expressão dita superior da cultura. João Grilo, por exemplo, re-
presenta uma espécie de modelo contraideológico do heroi nordes-
tino desabusado. Figura mítica inicialmente oriunda das páginas do
cordel e estilizada no romanceiro mais elaborado e “erudito”, o Auto
da Compadecida, de Ariano Suassuna, Grilo movimenta uma dinâ-
mica de heroi popular surpreendente na faixa de produção e consu-
mo do cordel, aquela ressurgente que se estende do Pará à Bahia, um
heroi na perspectiva de quem gosta de comer barro, simpático, ágil e
irônico, sutil e picaresco, atado inelutavelmente às figuras humanas
facilmente perceptíveis no nordeste brasileiro.
A imaginação e a metamorfose ontológica caminham pa-
relhas, plenamente adaptadas ao meio onde a imaginação precede
a memória. O trovador popular, antenado com a comunidade que
representa, capta-lhe sinais de comoção e antevisão dos traços so-
ciais, psicológicos e imagísticos, gerados, pressentidos e vivenciados
na mesma comunidade através do imaginário. Por isso é que a comu-
nidade também o será de signos, de que o trovador se torna porta-voz
e talvez seu mais influente intérprete.
Um dos fenômenos principais da perlaboração cordelista
consiste na apreensão fabulosa dos folhetos de mistério e encanta-
mento, sobretudo no tratamento do ciclo punição/culpa/redenção/
expiação presente em temas privilegiando personagens que se meta-
morfoseiam como resultado de suas ações. A metamorfose no cordel
funciona como síndrome de punição e culpa (seres transformados

10
em animais peçonhentos, sombrios, desmoralizados na escala de
animais superiores x inferiores etc.) ou como signo de elevação do
ultrarrealismo, do encantado, fabuloso, maravilhoso, todos com alta
dosagem de fertilização simbólica ou alegórica.
Tal constelação se efetiva na fatura dos poetas populares,
reunindo diferentes matizes das produções escrita e oral (trovadores,
repentistas, violeiros, cantadores, contadores de causos, entre ou-
tros), universalizando um código estilístico respeitado evolutivamen-
te pelas convenções canônicas. É o caso de um Leandro Gomes de
Barros, de um Patativa do Assaré, de um Rodolfo Coelho Cavalcante,
um Zé Limeira, um sem-número de tantos outros nomes de valor
reconhecido, dentre os quais destacamos Minelvino Francisco Silva
(29/11/1924 – 28/11/1998), o “trovador apóstolo”, repórter da alma
popular coletiva, aquele que documenta fatos, ideias, sentimentos,
fantasias, registros de fenômenos políticos, sociais, escatológicos e fic-
cionais sob a forma do relato maravilhoso. As histórias de Minelvino,
herança e fruto remanescentes da utópica voltagem do imaginário
ibérico, são revestidas da fragrância de uma poesia genuína, devolvida
à comunidade popular como relatos de orago, ou intérprete mimético
das expectativas gregárias de sobrevivência anímica. Por isso, de par
com a verossimilhança de sua memória do real, a poesia de Minelvino
desempenha a singularidade da sabedoria popular empreendida com
a liberalização do simples e o espontâneo da fabulação estética.
Minelvino anuncia as coisas do final e do começo do
mundo, mantendo incólume um inspirado universo de belezas in-
suspeitadas. Seus folhetos enunciam uma seriação de histórias de
inquestionável apelo popular, sintonizado com o que acontece no real
da contemporaneidade do autor. Tal condicionamento do simples e
espontâneo ajustados à empatia imediata da aceitação e fiel observân-
cia do código não significa a eliminação restritiva de contatos com o
ambiente acadêmico. O que encanta e sobreleva na produção literária
de Minelvino Francisco Silva é justamente essa expressão legítima da
cultura popular, feita de forma artesanal desde a composição manual

11
(Minelvino utilizava a forma primitiva das tipografias, do componedor
aos tipos e à máquina de impressão não-mecanizada) à criação da
xilogravura para as capas dos folhetos, indo até ao formato de divul-
gação via monofone preso ao pescoço, num serviço de alto-falante
emblematicamente designado como “A Voz da Poesia”.
O acervo de obras de Minelvino Francisco Silva é constitu-
ído de folhetos espelhados na prática convencional entre os demais
cordelistas. Boa parte deles pertence a temas religiosos (católico pra-
ticante, Minelvino era devoto e obreiro do Bom Jesus da Lapa e de ou-
tras referências da hagiografia de influência devocionária portuguesa,
caso de Nossa Senhora das Graças, São Francisco, Santo Antônio e
outros), entremeados com o repertório de desafios entre cantadores,
narrativas épicas de varões e princesas, herois e heroínas típicos do
manancial do conto maravilhoso, histórias de fenômenos e exemplos
morais, relatos inspirados na realidade social e política etc. Para ava-
liar a importância desse gênero de produção, basta lembrar o univer-
so do fantasioso absorvido por criadores como o colombiano Gabriel
García Márquez ou os brasileiros Ariano Suassuna e Dias Gomes, com
suas narrativas adaptadas para a linguagem cinematográfica, teatral
ou televisiva. Dias Gomes ainda exploraria tais temas notadamente
em novelas como Roque Santeiro, Saramandaia e O fim do mundo,
todas reverberando os universos mítico, simbólico e fantasioso carac-
terísticos da literatura de cordel.
A obra de Minelvino Francisco Silva é assim reconhecida na-
cional e internacionalmente, debruçada sobre o que há de mais original
na poética popular brasileira, sobretudo no quanto se apresenta herdei-
ra dos trovadores e menestreis que povoaram imaginários nas cortes
ibéricas, entre os séculos 12 a 16. Alguns dos mais destacados folhetos
minelvinos integram o Salão do Artista Popular da Funarte ou se encon-
tram prestigiosamente antologiados em edições da Fundação Casa de
Rui Barbosa, no Rio de Janeiro (esta que é considerada o maior centro
de documentação de cordel das Américas), e no Dicionário biobiblio-
gráfico dos poetas de cordel do Brasil. Minelvino é ainda objeto de

12
estudos de reconhecidos pesquisadores e especialistas, a exemplo dos
professores Joseph M. Luyten, da USP, e Edilene Matos, da Universidade
Católica do Salvador. Luyten estuda-o em antologia publicada nos anos
80, tendo analisado sua obra na Sorbonne, universidade francesa, aliás,
um centro de referência em estudos da literatura de cordel, criado pelo
professor Raymond Cantel, que dirigiu equipe especializada e organizou
trabalho que ainda hoje permanece, mesmo com a morte do mestre e
idealizador do núcleo. Edilene é responsável pela divulgação dos corde-
listas baianos em sucessivos paineis, seminários e publicações.
Minelvino Francisco Silva justifica o prestígio auferido,
demonstrando um perfeito domínio das técnicas de composição da
literatura de cordel, reunindo o local e o universal fornecidos pelas
sedimentações folclóricas e pelo repertório das lendas, além de um
arcabouço de curiosas armações temáticas e conteudísticas surpreen-
didas pelo intrincado das ações e peripécias, sobretudo para afirmar
o valor dos sentimentos positivos. A curiosidade do ouvinte/leitor é
presenteada e traduzida na exuberância dos assuntos e na sintaxe
formal das narrativas. Marcas sistêmicas da psicologia popular e a
sensibilidade do trovador aos assuntos afetos à sua realidade, que ele
implicita e contextualiza, são predicados da poética de um Minelvino
Francisco Silva marcado por estrita obediência às convenções estilís-
ticas e morais. Por isso transita com desenvoltura pelos mais diversos
assuntos, temas e modelos, manejando com habilidade os riscos da
passagem do arcaico ao moderno e ao cosmopolita. O rádio e a televi-
são não o constrangeram porque entendia serem recursos dialógicos
e intercomplementares ao seu ofício, municiando-o de aspectos te-
máticos e conteudísticos.
Frequentando praticamente todos os ciclos temáticos pre-
dominantes no cordel, do romanceiro popular à sátira de costumes e
à crítica social, dos embates (pelejas, desafios, encontros) ao novelá-
rio de cavalaria, a relação do trovador Minelvino Francisco Silva com a
comunidade representada e subsidiada alimenta-se das repercussões
coletivas, também quanto à voz e ao eco, às projeções, ambientação,

13
nichos de exemplaridade moral etc. Nessas oportunidades, o trovador
extrai e destina seus relatos como legado recíproco da comunhão gre-
gária e do imaginário coletivo.
Em síntese, a obra de Minelvino, das mais prolíficas e poli-
mórficas, alcança uma maior imanência, embora com menor brilho,
nos folhetos que tratam de assuntos religiosos. Sua obra, de cerca
de 550 títulos, de histórias as mais diversificadas, ganha corpo nas
impressões autorais acerca das questões envolvendo a identidade ca-
tólica, em que se patenteia a fé unitária nutrida pelo trovador no Deus
dos cristãos. O mais expressivo dessas estrofes místicas versam sobre
milagres, promessas, peregrinações, relacionados emblematicamen-
te com o Bom Jesus da Lapa (a divindade evocando o município ho-
monônimo situado no Estado da Bahia, comunidade do alto sertão à
margem do São Francisco e a 900 quilômetros de Salvador). Dentre
os consagrados por essa obra, fruto da ascese devocional de Minelvi-
no, avulta, claro, o Bom Jesus, seguido de Nossa Senhora das Graças,
Nossa Senhora da Piedade, Nossa Senhora da Soledade, São Cristóvão,
São Sebastião e o tornado santo à revelia do Vaticano, o padre cea-
rense Cícero Romão Batista. Em tudo Minelvino buscará amplificar,
persuasiva, prospectiva e retrospectivamente, a emoção do leitor, ta-
citamente convocado pela diretiva de comoção provocada pelo texto:

Se abraçou com a mãe


Que ainda estava caída
E disse: adeus para sempre
A minha mãe querida
As lágrimas molharam a roupa
Que ela estava vestida

O estilo será aquele já tributado e conferido pelos mestres


do gênero, aos quais Minelvino se declara discípulo em estágio de
permanente influência. Mesmo sem maiores rasgos metafóricos ou
imagísticos, mas legitimando-se por um agudo senso de proporção e

14
fundamentação estética, a obra de Minelvino Francisco Silva se afirma
com autonomia no amplo, fértil e versátil panorama da produção de
poesia popular no Brasil.

Minelvino e o aprendizado vida/poesia

Natural do município sertanejo de Mundo Novo (Fazenda


Olhos D’Água de Belém), a 29 de novembro de 1924 e radicado por
cinco décadas em Itabuna, morador na avenida Itajuípe (que, por
senso de justiça, ele fazia questão de nomear “Rua dos Trovadores”),
Minelvino Francisco Silva compôs poesia popular e desenho em xi-
logravura por quase cinquenta anos. Com seu trabalho de artesão,
mediante o qual sustentou e educou para a vida toda a sua família, o
trovador assegurou uma permanência efetiva na literatura brasileira,
a despeito das ingerências elitistas que retiram da literatura de cordel
qualquer possibilidade de consideração canônica.
A circunstância de seu nascimento num lugar chamado
Belém não escaparia ao senso devocionário do poeta, que assim alu-
diu à coincidência:

Eu e Jesus em Belém
Nascemos quase num dia
Ele em Belém da Judéia
Eu em Belém da Bahia
Ele pregava o Evangelho
Enquanto eu prego a poesia.

Criado em Jacobina, aos 9 anos ajudava o pai nos garimpos


de Morro do Chapéu e Jacobina, como ele dizia, “à conta de comer e
vestir malmente”. Sem cumprir nenhum estudo formal, escolarizou-
-se lendo os folhetos de João Martins de Athayde, José Bernardo da Sil-
va, Leandro Gomes de Barros, José Camelo de Melo (autor d’O pavão

15
misterioso). Na infância, ouvia histórias contadas por pessoas ligadas
ao garimpo. Aos 23 anos, migrou da região de Jacobina, vindo a fixar-
-se em Itabuna, centro do então lendário sul, zona cacaueira da Bahia,
onde chegou a 11 de dezembro de 1948. Vendia miudezas e folhetos
de cordel, sendo os mais comercializados e pedidos O pavão miste-
rioso, de José Camelo, e Zé Pretinho e o Cego Aderaldo, de Firmino
Teixeira do Amaral. Principiou escrevendo para Rodolfo Coelho Caval-
cante, pedindo livros e revelando os primeiros versos. Seu primeiro
folheto, A enxente de Miguel Calmon e o desastre do trem de Água
Branca, foi editado por Rodolfo em setembro de 1949. Desde então
e até à sua morte em 28 de novembro de 1998, Minelvino não parou
mais de publicar. Em carta a Abílio Pacheco, datada de “Itabuna, 11 de
dezembro de 1997”, Minelvino registraria números impressionantes
de sua produção: “até aqui tenho 533 livros de minha autoria, isto
é, de 8 páginas até 64. Tenho 65 poemas, 45 letras musicadas e 120
benditos de romarias”. O poeta salienta que “a idade chegou (em vinte
e nove de novembro, completei 73 janeiros)” e encerra a carta com
típicos versos minelvinos, destacando sua humilde disposição para o
conformismo cristão:

Portanto, meu caro Abílio


Na minha avançada idade
Estou bastante feliz
Nesta pequena cidade
Deste País Brasileiro
Porque nem só o dinheiro
Nos traz a felicidade

A propósito de números, Minelvino revelou ao autor des-


te ensaio, em 1975, a bizarrice manifestada por Rodolfo Coelho Ca-
valcante de que este teria publicado, ao todo, 1 mil e 300 folhetos.
Perguntado como justificaria número tão preciso e exato, Rodolfo
exclamava sua lógica matemática: “Eu calculei”. Dentre os seus mais

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de quinhentos, o folheto mais procurado de Minelvino Francisco Silva
acabou sendo João Acaba-Mundo e a Serpente Negra, com 64 pági-
nas, que alcançou a marca de três edições e cerca de 6 mil exemplares
vendidos pelo autor. Passados os direitos de edição à Prelúdio, de São
Paulo, a editora ainda venderia números ainda mais expressivos. Mi-
nelvino pensou, uma vez, em desistir de compor versos, mas, devoto
do Bom Jesus da Lapa, a Ele pediu orientação e, místico, permaneceria
versejando. Sua primeira xilogravura foi feita para ilustrar o folheto As
proezas de Pedro Malasarte, do próprio Minelvino. Seu método de
trabalho começava pelas anotações num caderno escolar ou em papel
pautado. Desde 1955, até parar, Minelvino Francisco Silva compunha
e imprimia suas histórias no fundo de casa na Rua dos Trovadores
(em 1956, por decreto do Prefeito Francisco Ferreira da Silva e voto
da Câmara de Vereadores de Itabuna, documento que Minelvino fazia
questão de exibir). O poeta também se empenhou na organização de
congressos nacionais de trovadores e violeiros, tendo participado de
encontros realizados em Salvador, Recife, Brasília, Fortaleza, Aracaju e
outros, sendo o primeiro (1 a 5 de julho de 1955), o de Salvador, por
ele organizado, junto com Rodolfo Coelho Cavalcante e o sergipano
Manoel d’Almeida Filho. Considerado mestre por seus leitores em pro-
cesso de alfabetização, Minelvino considera que “todos os trovadores
são professores anônimos. Aprendi com a linguagem deles e acho que
somos uma espécie de professores livres”. Católico praticante, leitor
incondicionalmente influenciado pela Bíblia (que leu, no mínimo,
quatro vezes, do Gênesis ao Apocalipse), e devoto declarado do Bom
Jesus e de Nossa Senhora das Graças, Minelvino Francisco Silva não
surpreende com os objetivos que acredita ligados à sua obra, produ-
zida com verdadeiro espírito de missão: “Os meus livros têm três po-
deres: o primeiro, de divertir o povo; o segundo, de instruir os menos
alfabetizados; o terceiro, de dar bom exemplo moral”.
Casado com D. Antonia Pereira Almeida desde 1953, Mi-
nelvino circulava com algumas prendas artísticas também na seara
doméstica. Sua esposa fazia presépios a cada Natal itabunense e, dos

17
quatro filhos homens, o mais velho e o mais novo, Antonio e Messias,
seguiriam o trovadorismo do pai. A máquina impressora manual —
cuja marca, de tão antiga, o trovador não mais identificava —, o ser-
viço de alto-falante “A Voz da Poesia”, a rua onde morava, que insistia
em designar Rua dos Trovadores (conforme lei municipal depois des-
figurada por posteriores interesses legislativos), a ausência das datas
das edições, tudo obedecia à convenção do cordel e à originalidade do
trovador. Sua força inventiva se centrava nessa obediência ao lavor dos
folhetos que lhe ensinaram a ler e compreender o mundo em volta
e que ele devolveria na forma de novos folhetos. Suas características
(o lúdico, o mágico, o fabular, o místico) tenderiam à perda de confi-
guração face à relação produção/consumo massificada, sem que isso
significar-se falência na criatividade.
O cordel como ganha-pão começaria para Minelvino Fran-
cisco Silva como curiosidade (em 1949, A enxente de Miguel Cal-
mon). Seus mestres: a trindade Leandro-Athayde-Bernardo, mais
Rodolfo Coelho Cavalcante. O pai, garimpeiro na Serra do Ouro, nas
Lavras, transmitiu-lhe o ofício da mineração. Minelvino vendia miu-
dezas em Juazeiro e lá também foi ambulante de folhetos. A falta
de clichês de ilustração impeliu-o às xilogravuras, que apreendeu
(inicialmente plagiando) do cearense Francisco de Assis Medeiros.
Os insumos sempre caros (papel almaço e tinta, gasolina para lavar
chapas, óleo para lubrificar impressora etc.) só reforçavam a na-
tureza de seu artesanato, expresso na sextilha autossuficiente, que
apenas reflete o ser plural do ofício de Minelvino e por ele assim
testemunhado:

Eu mesmo escrevo a história


Eu mesmo faço o clichê
Eu mesmo faço a impressão
Eu mesmo vou vender
E canto na praça pública
Para todo mundo ver

18
O poeta encontra óbvia justificativa para os procedimen-
tos e dificuldades de seu ofício. Afinal — segundo acreditava, “quem
ganha dinheiro é quem tem dinheiro” —, com sensibilidade intuiti-
va, interpretava os intrincados mecanismos e leis do mercado. Seus
folhetos mais vendidos (passados depois à Prelúdio, de São Paulo)
— João Acaba Mundo e a Serpente Negra, Encontro de Cancão de
Fogo com Pedro Malasarte e A segunda vida de Cancão de Fogo
— só lhe renderiam a subsistência material imediata, não lhe gran-
jeando qualquer ganho excepcional. Algumas sentenças de Minelvino
são motes de sua preservação como trovador popular, mesmo ante a
ameaça do rádio e da tv: “Quem é do cordel, fica com ele (...) Pior se-
ria se pior fosse (...) A gente não tem novidade todo dia”. As sentenças
parodiam e se paralelizam às dificuldades, o que fez os folhetos dimi-
nuírem de tamanho e número de páginas. Na Bahia, Minelvino des-
tacava trovadores como Rodolfo Coelho Cavalcante, João Damasceno
Nobre (de Ilhéus), Erotildes Miranda (de Feira de Santana) e violeiros
como Dadinho e Caboclinho, de Feira de Santana, e o grapiúna Azulão
Baiano. No Brasil, consagrava como rei do cordel o sergipano Manoel
d’Almeida Filho.
Sobre um possível perfil de seu ser leitor, Minelvino obser-
va dessa forma a natural preferência do público, concluindo pelo gos-
to maior incidindo nas histórias de fantasia: “Caso verídico, a não ser
acontecimentos assim da hora, o povo não dá muito valor. As pessoas
gostam de coisa que não existe, que aí, para elas, é novidade”.
O que justifica chamarem Minelvino Francisco Silva de
trovador-apóstolo era, de par com a farta cordialidade no trato pes-
soal e sua devoção de católico praticante, a mansidão de caráter e
a produção de folhetos a serviço da solidariedade cristã. Por todo o
tempo, Minelvino manteria ativa correspondência com seus pares
cordelistas. Além do mais regular deles, Rodolfo Coelho Cavalcante
(Salvador), Manoel d’Almeida Filho (Aracaju), João Ferreira da Silva
(Feira de Santana), Apolônio Alves dos Santos (Campina Grande e Rio
de Janeiro), Cícero Pedro de Assis (São Paulo), Abílio Ribeiro Silva

19
(Goiânia) e alguns outros. João Martins de Athayde (1880 – 1959),
José Bernardo da Silva (1901 – 1972) e Rodolfo Coelho Cavalcante
(1919 – 1986) foram os colegas mortos mais pranteados por Minel-
vino Francisco Silva, que, com sincera intensidade e presteza como-
vente, salientava o que essas perdas significaram para o cordel. Nessa
linha elegíaca, Minelvino estava sempre lastimando (e homenagean-
do) os trovadores falecidos, bem como artistas populares como os
cantores e comediantes Gordurinha, Barnabé e Coronel Ludugero. A
morte deles era objeto de ode trovadoresca, a exemplo da expressão
emocional quando da morte de Sebastião Nunes Batista, Rodolfo Coe-
lho Cavalcante, o violeiro Bentivi Neto, João Martins de Athayde e José
Bernardo da Silva.
Minelvino fazia questão de reconhecer a precedência de
José Cavalcante Dila na arte de composição da xilogravura, e o fes-
tejava como senhor absoluto do ofício. A xilo cumpre uma espécie
de intertexto com a literatura e torna evidente uma ampliação de Mi-
nelvino, que evolui de garimpeiro de pedras preciosas em Jacobina
para garimpeiro de imagens, ritmos, sonoridades e palavras da poesia
popular. Boa parte de sua produção xilográfica tem uma expressão
dramática (possível alusão a alguma dor inconsciente) sem que se
encontre para isso uma justificativa racional.
Na década de 80, entre os anos de 1983 a 1989, Minelvino
participou do programa radiofônico De fazenda em fazenda, dirigi-
do por Odilon Pinto, na Rádio Jornal de Itabuna. Contava anedotas
e respondia a poemas, trovas e motes dos ouvintes, tornando bem
mais ilustrado o programa, que teve algumas edições particularmente
notáveis, sobretudo pela variedade, substância imagética e graça das
trovas minelvinas:

Por causa de boca doce


Muitos tem feito imperícia
Porque o doce enganou-se
E foi casar na polícia.

20
Eu queria ser teu talco
O teu ruge, o teu batom
Pra viver na tua boca
Mariza como era bom!

Se eu me casar contigo
Eu trato muito de tu
Vou te dar carne de cobra
Toucinho de surucucu

Para com isso Janice


Creio que tu me entende
Se tu morrer nos meus braços
Vem a polícia e me prende

Passeia o navio no mar


No espaço o avião
Nas águas do teu sorriso
Se banha meu coração.

Se molhar a minha cama


E eu for dormir na tua
Desse jeito “mata o veio”
É melhor dormir na rua

Minelvino deixou inéditos (romances de 32 e 16 pági-


nas, na maior parte) em quase todos os gêneros de cordel por ele
abraçados. Num desses, um anão misterioso (encantado) surpre-
ende como protagonista e heroi. Nos demais folhetos permanecem
as convencionais intrigas entre o amor, o ódio e a vingança, ingre-
dientes definitivamente consagrados na convenção romanesca do
estilo. Um rei aparece com nome e sobrenome brasileiros (Evilásio

21
Mota), o que não deixa de constituir-se em raridade bizarra. O amor,
como sempre, a tudo suplanta, sublimando os inumeráveis obstá-
culos descritos com detalhes e entrechos cabulosos. Atuando tam-
bém como editor, Minelvino Francisco Silva deixou em seu espólio
inéditos de seu filho Antonio Francisco (As bravuras e morte de
Lampião), Gerson Araújo de Lucena (Peleja de Gerson Araújo de
Lucena com Minelvino Francisco Silva) e Elviro Brito (A discussão
de um católico com um ateu).
Entre os dispersos do acervo publicado que integra em
espólio, um folheto seguramente não pertence ao trovador-apósto-
lo, O amor de Nelson e Léo, sem indicação de autoria, nem na capa,
nem internamente. A assinatura aparentemente definitiva (verso fi-
nal do folheto) parece ser a que ostenta a identidade — Me chamo
Nelson Oliveira (p. 8) — presumivelmente o que Assina Nelson
Oliveira/O vulgo Nelson da Luz, cantado no folheto A chegada de
Nelson Oliveira no Salto da Divisa, aludindo a um amigo de Mi-
nelvino, vivendo em Minas Gerais, onde teria feito carreira como
eletricista e trovador. Do pouco material promocional que assinou,
Minelvino parece destacar o folheto d’A Empresa Trans-União a
serviço de Ibicaraí, distribuído gratuitamente pela companhia. E,
no meio de seus papeis, o trovador guardava com carinho os Estatu-
tos da Ordem Brasileira dos Poetas da Literatura de Cordel, fundada
em 6 de novembro de 1976.
Minelvino Francisco Silva deixou pronto um livro inédito,
que intitulou Trovadores e violeiros, em que desenvolve circunstan-
ciado percurso de sua trajetória existencial e poética, com descrição
e relato de passagens pitorescas de sua biografia. O livro começa
com um capítulo autobiográfico e se encerra com um romance
de cordel em 45 laudas datilografadas, com 7 estrofes de sextilhas
heptassilábicas por lauda. O intimismo autoral deixa fluírem me-
mórias escapistas graças ao reconhecido penhor lírico de Minelvino
encontrando-se no épico de folhetos representativos de um agudo
período da vida prática, refletindo os começos de aprendizagem e

22
alfabetização do poeta popular: “Fui roceiro e garimpeiro/trabalhei
por noite e dia/e hoje sou um troveiro/cantando glória a Bahia”
(Fl. 102). Relata ainda os encontros com Vavá dos Oito Baixos (de
Gandu), o casamento dos filhos, o nascimento dos netos, todos os
episódios impressos em versos. Em ligeira incursão pela teoria, Mi-
nelvino assim se manifesta: “Poesia não é trova, nem metrificação
e nem português profundo. Poesia é beleza” (fl. 89). Fundindo sua
memória com a de outros cordelistas, revela traços curiosos de al-
guns desafios e repentes. O poeta filosofa — “Quando Deus tira os
dentes, enlarguece a garganta” (p. 84) — enquanto o livro ressalta
as mágoas e dificuldades do trovador brasileiro, sem qualquer apoio
institucional ou direitos, sem repercussão para seu trabalho, e seu
ofício sem recompensa nem reconhecimento, nem sequer legislação
para uma aposentadoria digna. Minelvino documenta em ode sua
gratidão à cidade que o acolheu, Itabuna, e a todo o sul da Bahia.
Sobre seu poetar, declina a natureza singela da matéria lírica como
expressão natural e espontânea: “Canto o que sinto em meu cora-
ção/desalojando todo sofrimento”.
Com Trovadores e violeiros, Minelvino Francisco Silva
assinala também as distintas marcas estilísticas e o talento de trova-
dores, repentistas e violeiros, entre eles incluindo-se e incluindo di-
vertidas memórias a propósito dos diferentes encontros com artistas
populares (alguns anônimos, outros festejados como Antonio Mari-
nho, Severino Pinto, Heleno Pinto, Manoel d’Almeida Filho, Rodolfo
Coelho Cavalcante e outros). O trovador-apóstolo (título precisamen-
te conferido em 24 de agosto de 1977, em Fortaleza, por ocasião de
um Congresso Nacional de Trovadores e Violeiros) nomeia outros
notáveis (João Bandeira, José Francisco, Sebastião Nunes Batista, Zé
Maria, Benone), destacando ainda gêneros provenientes de cantoria
como o galope à beira mar. Minelvino esclarece sua concepção acerca
da origem da literatura de cordel, aprofundando a natureza peda-
gógica de seu ofício, tudo versado em linguagem espontânea, sem
qualquer apuro gramatical: “muitas vezes as coisas mais simples

23
deste mundo é as que a gente não sabe” (Fl. 15). O capítulo III de
Trovadores e violeiros reserva homenagens a ilustres representan-
tes da poesia popular: Vida trabalho e morte de Rodolfo Coelho Ca-
valcante, com citações de João Martins de Athayde, Leandro Gomes
de Barros, Manoel d’Almeida Filho, José Pacheco da Rocha, conside-
rado por Minelvino como “o rei do gracejo” e autor d’A chegada de
Lampião no Inferno. A morte de Rodolfo é compensada por odes e
elegias de Minelvino Francisco Silva, Antonio Ribeiro da Conceição
(o Bule Bule), João Crispim (de Feira de Santana) e cordelistas de
outros lugares do Brasil.
O capítulo IV do livro inédito centraliza-se no ano de 1936,
quando a família do pai de Minelvino se encontra em Rio da Cuia, Ja-
cobina. É relato de curiosidade da vida do trovador. O capítulo V, 1957,
escancara experiências sofrias pelo autor popular com a Prelúdio, que
edita livros de cordel em São Paulo, comprando dos autores os direi-
tos de publicação e vendagem, numa relação pouco edificante do em-
bate capital e trabalho, lucro e usurpação. Para escapar às sucessivas
lutas e canseiras do ofício, Minelvino esquipa um poema Matando a
precisão, em que se esquiva em trechos extraordinários, a exemplo
dos decassílabos “Numa luta tremenda encarniçada/Pensei logo: Esta
fera me devora/Em um ônibus cheguei de madrugada/Com a família
entrei nela e caí fora (...) Alcancei a cidade de Itabuna/Fiz trincheira
da velha inspiração/Disparei contra ela uma ruína/Acabou-se a mal-
vada precisão” (Fl. 41).
A cada lance biobibliográfico, que Minelvino Francisco
Silva ilustra em quadros de sua passagem por lugares e situações,
o registro se faz em versos, com anotações pitorescas de pessoas,
encontros e desencontros, viagens para ver os filhos, percursos tu-
rísticos, tudo sob o crivo de odes devocionárias dedicadas aos ideais
positivos, aos homens justos e a Deus. Minelvino, contudo, não se
desapega do bom humor e da malícia estimuladora da inteligência.
Num só poema, Coincidência e Misericórdia, fala de seu nasci-
mento em Belém de Mundo Novo, em 1924, homenageia a esposa

24
Antonia e decreta versos de inspiração cristã e ascética, louvando a
Virgem e a história de Jesus Cristo. Sobre o tema da Mulher, radica-
liza com despistamento gracioso: “Eu não gosto de mulher/porque
mulher me atrasa/juntem todas as mulheres/pretas, brancas, cor
de brasas/joguem tudo nas profundas/quer dizer, da minha casa”
(Fl. 76).
Alguns trechos de Trovadores e violeiros merecem noto-
riedade de registro por sua singularidade estilística e memorial, pon-
tificando a linguagem do autor e sua percepção de vida e superação
identitária:

REGISTRADO POR CONTA PRÓPRIA

Em 1945, mais ou menos, fui me qualificar para votar para


presidente da república pela primeira vez. O agente chama-
va-se José Neto, e me perguntou:
— Como é o seu nome?
Eu respondi:
— Minelvino Francisco Silva
Ele disse:
— Não, o seu nome não é Minelvino, e sim Minervino.
Eu respondi:
— Mas um professor me falou que eu escrevesse o meu
nome Minelvino, pois Minervino é derivado de Minerva,
mas Minelvino é mais bonito.
Ele disse:
— Eu vou escrever, mas nem o cartório, nem o juiz vão
aceitar.
Depois me perguntou:
— Em que ano você nasceu?
Eu respondi:
— Não sei. Dizia meu pai que eu nasci no tempo da Revol-
ta, e a Revolta foi em 1926.

25
Perguntou ele:
— Mais ou menos em que mes?
Eu respondi:
— Se eu não sei o ano, quanto mais o mes.
Ele disse:
— Então vamos dizer que foi em 20 de setembro de 1926.
Eu concordei.
Disse ele:
— Em que lugar você nasceu?
Eu respondi:
— Em uma fazenda denominada Olhos D’Agua de Belém,
próximo ao arraial do Palmeiral, município de Mundo Novo
no estado da Bahia.
Ele escreveu esta xaropada toda e me mandou levar no car-
tório para o tabelião assinar.
Cheguei no cartório entreguei ao tabelião toda aquela pape-
lada, que olhou e me perguntou:
— É o senhor Minelvino Francisco Silva?
— Sim senhor, — respondi.
Ele respondeu:
— Mas o nome não é Minelvino e sim Minervino.
Citei a mesma explicação do professor. O tabelião pensou
um pouco e disse:
— Em todo caso vou assinar, mas o juiz não vai aceitar.
Assinou a papelada, me entregou e disse:
— Leve para o juiz.
Eu segui viagem. Cheguei no Fórum disse:
— Bom dia doutor, é o senhor que é o juiz?
Ele respondeu:
— Sim senhor, o que deseja?
Eu disse:
— Eu vim trazer estes papéis que o tabelião mandou.
Ele pegando os papéis me perguntou:

26
— É o senhor Minelvino Francisco Silva?
— Sim senhor, — respondi.
Ele assinou os papéis e disse:
— Pronto, está entregue.
Com a assinatura do juiz fui registrado, tirei o título eleito-
ral, identidade, etc.
Até hoje existe discussão sobre o meu nome, uns dizem
que está errado, outros dizem que está certo.
Eu, por exemplo, aceitei de todo meu coração, Minelvino,
pois Minervino vem de Minerva que é a deusa das artes e
das ciências na mitologia, coisa que não existe verdadei-
ramente, portanto, me alegro com o nome de Minelvino,
sendo o meu santo protetor, São Francisco.

DATA CERTA DE NASCIMENTO

Em fevereiro de 1984, eu desejei saber ao certo a data do


meu nascimento. Saí de Itabuna, passei por Jequié, atra-
vessei Milagres, Rui Barbosa, cheguei em Mundo Novo.
Fui a igreja católica e falei com a zeladora que eu queria
tirar meu certificado de batismo, ela perguntou:
— Onde o senhor nasceu e onde foi batizado?
Eu respondi:
— Eu nasci em uma fazenda denominada Olhos D’Água
de Belém, fui batizado no arraial do Palmeiral, neste mu-
nicípio.
Ela respondeu:
— Eu vou examinar os livros, a tarde o senhor volte cá.
Pela tarde eu fui novamente.
Ela disse:
— Todos os que foram batizados em Palmeiral, estão nos
livros que estão na igreja de Utinga.
Eu agradeci a ela e peguei o ônibus para Utinga, onde tirei

27
meu certificado e ainda dos meus irmãos e fiquei sabendo
a data do meu nascimento, que foi em 29 de novembro
de 1924.

O romance que encerra Trovadores e violeiros sequencia,


ampliando, o ciclo do maravilhoso e se chama História da Princesa
Raptada e a Ilha Misteriosa. Antes do livro inédito, porém, com
data de “Itabuna, 17 de março de 1986”, Minelvino publicou Os tra-
ços da minha vida, editado, afinal, em 1987, livrinho que descreve
alguns lances principais da vida do autor, que destaca: “De forma
que bem depressa/O meu nome eu aprendi/Assinar mesmo ruim,/
Mas nunca mais me esqueci/Não despresei a leitura/Mesmo a vagar
prossegui” (Cit., 4). Festeja sua estabilidade em Itabuna — “Graças
a Deus logo aí/Tive casa pra morar/Tive roupa pra vestir/E sapato
pra calçar/Com a minha humilde arte/De trovador popular” (Cit.,
10) — não sem o registro de permanentes e continuadas dificul-
dades: “Vendo eu que a poesia/era uma arte esquecida,/As histórias
de cordel/Era uma arte sem vida,/Eu ficava desgostoso/De viver na-
quela lida” (Cit., 11). A luta para consolidar o Primeiro Congresso
de Trovadores, de 1 a 5 de julho de 1955, os obstáculos crescentes
envolvendo o gênero literário e seus produtores não ficam sem a
constante nota do narrador: “Já no ano de sessenta/A coisa mais
piorou/,/O papel subiu de preço/A tinta carestiou,/E todo o meu
capital/Cada vez mais fracassou” (Cit., 16). O cordelista alternava
a moradia em Itabuna, Brasília e Lapa, buscando sempre fixar-se
e estabelecer-se em seu ofício, uma vez que “Minha enxada era a
pena/E a Roça era a poesia” (Cit., 19). Comprou máquinas manuais
e entregou-se por inteiro “Puxando a máquina de mão/Para o meu
livro fazer/,/Mas enchia a mão de calo/Se punha o braço a doer,/
De noite estava cansado/Que só faltava morrer” (Cit. 19). Por conta
disso, o poeta-artesão quase perde a mão direita, amarrotada na má-
quina impressora, mas permanece obstinado, narrando seu amor a
Itabuna e suas descaídas eventuais de humor ou ânimo: “De um ano

28
para cá/Pouco livro tenho escrito,/A velhice está chegando/Não posso
vender no grito,/Já quase deixei o cordel/Só faço agora meu bendito”
(Cit., 37). O católico praticante prenuncia tempos indivisos: “Daqui
pra frente eu não sei/O que vai acontecer”. No entanto, com a certeza
e a confiança em suas divindades protetoras, reorienta horizontes de
prática literária, reconhecendo, quanto à feitura dos folhetos: “Que-
ro morrer junto a eles/Quando chegar este dia”.
E proclamaria em versos o coroamento de seus dias desde
o nascimento (29 de novembro de 1924) —

Com a cruz eu vim ao mundo


Com a cruz hei de viver,
Com a cruz suporto tudo,
Com a cruz hei de sofrer,
Com a cruz venço na vida,
Com a cruz hei de morrer.

Pois a cruz é sofrimento


Que todo cristão conduz,
ou uma escada rolante
que nos eleva pra cruz
Pra ganhar a Salvação
Chegando aos pés de Jesus —

à morte (que somente se daria em 28 de novembro de


1998):

Com a cruz eu vim ao mundo


Com a cruz muito sofri,
Com a cruz lutei bastante
Com a cruz tudo venci,
Com a cruz vou para Deus
Do mundo vou me despedir.

29
Adeus, mundo de meu Deus
Agora te deixarei,
Vou descansar no outro mundo,
Que aqui muito trabalhei
Na ressurreição dos mortos
Eu também ressurgirei.
(Itabuna, 17 de novembro de 1980)

Para o Dia Nacional do Trovador, Minelvino Francisco Silva


dedicaria inspiradas décimas decassilábicas:

NESTE DIA NACIONAL DO TROVADOR

Foi Leandro o maior dos escritores


Foi Marinho o maior dos repentistas
Foi Cuica o maior dos realistas
Athayde o maior dos editores
Foi Grigorio o maior dos faladores
Na Bahia mostrava o seu rancor
Todos estes estão com o Criador
Peço a Deus que os conceda a vida eterna
Pra viver numa vida mais moderna
Neste Dia Nacional do Trovador.

De Alagoas, Rodolfo Cavalcante


Da Bahia, Bule-Bule e Zé Pedreira
Minelvino da terra cacaueira
João Nobre em Ilhéus mais adiante
Erotildes em Feira é um gigante
Caboquinho também mostra o valor
De poeta e de improvisador
Em Sergipe, Manoel d’Almeida Filho
Peço a Deus que nenhum sáia do trilho
Neste Dia Nacional do Trovador.
30
Agradeço a cidade de Itabuna
Igualmente esta Rádio Difusora
Que a chamamos de nossa transmissora
Para toda esta terra grapiuna
Que trabalha em defesa da fortuna
Que o cacau mostra sempre o seu pudor
Para todo seu cacauicultor
E ainda pra todo operário
Peço a Deus que o pague um bom salário
Neste dia Nacional Do Trovador.

De parceria com Azulão Baiano (Nelson Ribeiro), Minelvino


protestaria contra o sucessivo desaparecimento de poetas populares:

A MORTE DOS POETAS


Letra de Minelvino e Azulão Bahiano
Musica de Martins Neto

A morte que està Poupe Almeida Filho


Matando os poetas Ati eu imploro,
Atirando as setas Antonio Teodoro,
Nâo deixa escapar Poeta de brilho!
Ouça meu pedido O Josè Diniz,
Aplaca o furor E Josè Bernardo
Por Nosso Senhor Nâo faça finado,
Deixe de matar. Mais no meu país.

Não mate Querino, Deixe Zè Vicente


Nâ-o mate Rodolfo, E Joâo Josè,
Nâo mate Adolfo Poeta que è
E nem Minelvino! Sincero e decente!
Amador Silvestre, Manoel Camilo
Hermes de Oliveira, E Gerson Lucena,
Nem Manoel Pereira, Morte tenha pena
Deomedes e Silvino. De toda esta gente.
31
Deixe Juvenal Oh! Deus que nos cria
O meu Bentivi E que nos criou,
Deixe Juriti, Oh! Deus do amor,
Deixe Lourival! E da poesia,
Livre Joâo Ageu, Oh! Deus Pai Eterno
Livre Caboquinho, Livrai os poetas
Livre Passarinho Das chamas secretas
Dum golpe mortal. Do fogo do inferno:

Nâo mate Azulâo


Nem Joâo Ferreira
Deixe a brincadeira
De foice na mâo!
Nâo mate Herotildes,
Raimundo Barbosa,
Nâo seja horrorosa
Tenha compaixâo.

E num dos felizes momentos de encontro ou peleja com


outro trovador, Minelvino amplia a temática antecedente, referindo-se
às perdas dos poetas, seus colegas:
AS COISAS QUE EU ACHO BOM
EU ACHO BOM E BONITO
As coisas que eu acho bom Falar com um amigo velho
Eu gosto e acho bonito O romance de João Grilo
Dum navio o seu apito Versos de Manoel Camilo
E produtos da kibom. Ler o santo evangelho
Uzar perfume avon Da bíblia o seu conselho,
Sogra unida com nora Mau vizinho que vai embora,
E tomar café aurora. Um vaqueiro de espora
Versos de Manoel Camilo De guarda peito e gibão
E ouvir o bom estilo E ouvir numa eleição
Dum discurso de Asfora Um discurso de Asfora

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Dormir em colchão de mola Tomar um banho de manhã
Um sanduiche com queijo Caridade, amor e paz
Quando o queijo é sertanejo, Uzar produtos São Braz,
O baião duma viola, Uva pêra e maçã,
E ver Pelé jogar bola, Feijão verde e ribaçã
A artista que vem de fora Tomar um guaraná dora
Um menino que não chora Relógio que dá certo a hora
Dormir um sono tranquilo Estudar o Rio Nilo
Versos de Manoel Camilo Versos de Manoel Camilo
Um discurso de Asfora Um discurso de Asfora

A MAIOR DOR QUE EU SINTO


É QUANDO MORRE UM POETA
Quando morre um presidente Pra falar verdade digo
Ministro ou governador Eu não choro por ninguem
Um general ou doutor Nem de quem eu quero bem
Ou alguem que é meu parente Nem família nem amigo
Eu não fico descontente E desse geito prossigo
E nem vou ficar pateta Seguindo em linha reta
A morte com sua seta Esse dom ou essa meta
Entra em todo labirinto Não entra no meu recinto
A maior dor que eu sinto A maior dor que eu sinto
É quando morre um poeta É quando morre um poeta

Se eu sou acidentado A morte levou Leandro


Se quebro a perna ou um braço Ataide e Zé Camelo
Apenas sinto o cansaço Camilo um bom modêlo
Mas eu sofro conformado Chagas Batista, Nicandro,
Deixo essa dor de lado Melquíades foi meio malandro
Com a calma dum profeta João Ferreira foi profeta
Fico com minha alma quieta Zé Limeira meio pateta
Falo a verdade não minto Dorme no pó já extinto
A maior dor que eu sinto A maior dor que eu sinto
É quando morre um poeta É quando morre um poeta

33
Zé Pacheco e Canhotinho,
Sebastião Bernardino,
João Severo e Hugolino
Zé Duda, Antonio Marinho
Foram no mesmo caminho
Milanês na sua reta
A morte com sua seta
Jogou num só labirinto
A maior dor que eu sinto
É quando morre um poeta

Minelvino Francisco Silva: os folhetos

A obra de Minelvino Francisco Silva é de permanente


dialogismo com as raízes matriciais da cultura popular brasileira,
notadamente da poesia popular legitimada por grandes cultores
como Leandro Gomes de Barros, João Martins de Athayde, Rodol-
fo Coelho Cavalcante, Manoel Camilo dos Santos e tantos outros.
Com a exceção radical dos folhetos com versos obscenos (atitude
que Minelvino compartilhava com seu compadre e mestre Rodol-
fo), o trovador grapiúna frequentou todas as expressões consagra-
das no cordel, seja quanto à evolução dos temas (veio comum,
espécie de matéria canônica, de uso geral entre os trovadores),
seja quanto ao estilo e à linguagem, aos ritmos e ritos da sextilhas
heptassilábicas e demais recursos canonizados pela expressão
popular. O enfoque poderia variar, mas os princípios temáticos,
sugeridos pela tradição que remonta à Idade Média, seguiriam
um livre curso na prática dos autores e na natureza característica
e tipológica dos folhetos.
Em geral, o que é determinante na produção da literatu-
ra de cordel é sua tipicidade épico-narrativa, de par com a absorção
emocional fruto da vivência individual e coletiva do trovador. A fluidez

34
temática e estilística é repercussiva do observado e sentido. Por isso,
o discurso desse gênero de poesia popular está menos para a reflexão
intelectiva de apreensão dos mundos e mais para a expansão mime-
tizadora, rústica, primitiva, de sentimentos e ideias experimentados
individual e coletivamente. No caso de Minelvino Francisco Silva tudo
parece confluir para o exercício reformador da experiência de cris-
tianização universal, sendo essa resolução pautada pelos conteúdos
católicos de reforço místico e ascético, coligados de dignidade estoica
na renúncia aos apelos e tentações do Pecado, especialmente o peca-
do da Soberba.
Os folhetos de cordel recebem indistintamente uma variada
classificação e nomenclatura. São vulgarmente reconhecidos e identi-
ficados como “livrinhos de feira”, “obra”, “abc”, “folheto”, “roman-
ce” etc. Do ponto de vista formal, a convenção estabeleceu categorias
que facilitam, num certo sentido, o reconhecimento identitário dos
folhetos. Em linhas gerais, os de 8 a 16 páginas seriam considerados
“folhetos”, ficando para os “romances” a aplicação dos livrinhos mais
alentados, de 24, 32, 48 e até 64 páginas. O alto custo de produção
e a pouca receptividade de retorno financeiro terminariam por invia-
bilizar os “romances”, estabelecendo-se, a partir daí, uma absoluta
priorização dos assuntos, enquanto o formalismo técnico e mercado-
lógico imporia a impressão dos livrinhos de 8 (na enorme maioria),
ou 16 páginas, no máximo.
Estudando a Classificação popular da literatura de cordel
(Petrópolis, RJ: Vozes, 1976), Liêdo M. de Souza, com a responsabi-
lidade de quem entrevistou 60 trovadores (Minelvino Francisco Silva
incluído), capitaliza a análise de 23 folhetos, notabilizando-os com a
seguinte lista de categorias: Folhetos de Conselhos, Eras, Santidade,
Corrupção, Cachorrada ou Descaração, Profecias, Gracejo, Aconteci-
dos, Carestia, Exemplos, Fenômenos, Discussão, Pelejas, Bravuras ou
Valentia, ABC, Padre Cícero, Frei Damião, Lampião, Antonio Silvino,
Getúlio, Política, Safadeza ou Putaria e Propaganda; Romances de
Amor, Sofrimento, Luta e Príncipes, Fadas e Reinos Encantados.

35
Na forma da síntese, Ariano Suassuna (na apresentação
que faz ao livro de Liêdo) sugere a classificação dos folhetos segundo
os ciclos heroico; satírico, cômico e picaresco; o de amor; o religioso e
de moralidades; o do maravilhoso; e o histórico e circunstancial, além
daqueles expurgados da convenção, os folhetos considerados de safa-
deza e putaria. Em quase cinquenta anos de atividade (1949-1998),
Minelvino Francisco Silva produziu o equivalente a 533 folhetos, mé-
dia de 10,5 por ano, quase um por mês. Suas influências declaradas
vão da Estória do cachorro dos mortos, de Leandro Gomes de Barros,
às Proezas de João Grilo e a Peleja do Cego Aderaldo com Zé Preti-
nho do Tucum, de João Martins de Athayde, além de outros de Manoel
Camilo dos Santos, Rodolfo Coelho Cavalcante e demais mestres reco-
nhecidos no gênero. Notam-se na obra minelvina algumas referências
de inclusão temática ou formal, especialmente A grande peleja de
Ivanildo Vila Nova com Manoel Camilo dos Santos, a Viagem a
São Saruê, do mesmo Manoel Camilo, a Peleja de João Athayde com
Raimundo Pelado do Sul etc. Os folhetos de Minelvino percorrem o
imaginário temático já identificado e convencional aos trovadores e
poderiam ser assim classificados em ciclos:

1. Folhetos de exemplos, extração e exortação morais


2. Folhetos informativos, noticiaristas, documentais e de
relevo social
3. Folhetos de pelejas, desafios, encontros e repentes
4. Folhetos devocionários da mística e ascese católicas
5. Folhetos de expressão sentimental e do conto maravilhoso
6. Folhetos repercussivos de fenômenos, escatologia etc.
7. Folhetos de fastos eleitorais e vultos políticos
8. Folhetos de cangaço, desordem, pistolagem etc.

Uma relação das obras de Minelvino Francisco Silva, mesmo


incompleta (já que alguns folhetos se extraviaram ou ficaram na pos-
se exclusiva das editoras paulistas Prelúdio e Luzeiro, que compraram

36
direitos de publicação) indica a gama de diversificação de gêneros pra-
ticados pelo trovador atento sempre aos ecos dos grandes autores, das
expectativas e comoções populares sobre flagrantes de acontecimentos
físicos, naturais, sociais, políticos, sobrenaturais. O estudo dessas obras
aponta para a classificação de um modelo de cordel antenado com os
universos mitológico e simbólico divisados pelo autor. Por isso avul-
tam folhetos de casos, ideias e fenômenos; costumes sociais, incluindo
os bizarros, envolvendo homens e mulheres; mistério, encantamento,
fantasia; exemplaridade moral, histórias de proveito e exemplo; fatos,
acontecimentos históricos, políticos, incluindo aspectos da comoção
popular; folhetos satíricos, humorísticos, alegóricos; e de pelejas, desa-
fios, debates e encontros.
Boa parte dos títulos de Minelvino antecipa os assuntos (ou
conteúdos) tratados nos folhetos. Aliás, assunto é o melhor termo apli-
cado às histórias de cordel, pois comum ao gênero e a muitos de seus
praticantes, diferente de tema, que envolve maior personalidade auto-
ral ou de originalidade. Uns poucos folhetos de MFS causam espécie
por sua matéria de escândalo e constrangimento, a exemplo d’ O pai
que vendeu a filha por 50 cruzeiros novos, retratando fato verídico
relatado ao poeta em 1967, tendo como infeliz protagonista um an-
cião, de 84 anos, numa localidade próxima a Porto Seguro, que com-
prou uma menina de 7, com ela pretendendo manter relações sexuais.
Outros títulos surpreendem pelo ineditismo. A queixa de
um urubu bahiano na presidência da República manifesta os pro-
testos do urubu, representando sua classe, que estaria passando fome
em consequência do consumo humano de carne de jumento e égua.
A velha que bateu num soldado recruta em Nova Canaan reage ao
absurdo da proibição de vender folhetos de cordel na feira. E O rapaz
que se apaixonou por outro, por força de Bruxaria, definitivamente
é matéria insólita no tratamento temático da narrativa em versos.
Os títulos obedecem à convenção popularesca do apelo
gráfico. Minelvino tem na xilogravura uma extensão do texto, com-
plementar ao título e ao conteúdo. Os versos e as estrofes também

37
seguem a lógica interna da literatura de cordel, reproduzindo massiva-
mente a herança medieval das sextilhas heptassilábicas e eventualmente
o uso de sétimas, décimas, o verso decassílabo, o martelo agalopado, os
motes e glosas etc. A estrofe de abertura invoca e cultua musas pagãs ou
cristãs, o conceito de heroi positivo é francamente aderente à perspectiva
da tradição. O conteúdo é armado com obediência à lógica do princípio,
desenvolvimento e conclusão. Avultam ainda o implícito conhecimento
histórico ou bíblico do autor, uma eventual e rarefeita erudição, noções
subversivas de geografia, cristalização da crença religiosa universal, ca-
tólica, apostólica, romana, com conceitos e preconceitos acionados pela
filosofia moral, pela ética do amor triunfante, tudo aderindo aos aspec-
tos de uma elementar psicologia humana. Concorrem para esse ideário
as viagens, as impressões ideológicas, políticas e morais, a análise dos
fenômenos sociais como consequentes do desaparelhamento da ética
religiosa e, mais aparentes ainda, os tabus, as crenças, as fantasias ex-
purgatórias e jaculatórias moralistas, envolvendo até acontecimentos
extemporâneos e personalidades ilustres. As impressões autorais, sub-
metidas a uma rigorosa concepção de teologia dogmática, acompanham
a iniciativa, produção e movimentação das histórias dos folhetos, alcan-
çando mesmo as narrativas fantásticas ou as trajetórias sentimentais,
tudo submetido ao crivo absolutista do credo católico.
Frequente em MFS será a reunião de dois folhetos num só,
estando nesse caso O papa do diabo que apareceu no Estado de Ser-
gipe, publicado junto a outro incorporado pelo poeta, a História do
sai não sai do bairro Nova Brasília em Bom Jesus da Lapa, que
transcreve a crítica do trovador à política habitacional brasileira: “Uma
casa popular/Custa cento e vinte mil/Uma sala e uma conzinha/Menor
do que um barril/Um banheiro do tamanho/Da entrada de um funil”
(Cit., 4). Na grade de fenômenos não incidentalmente morais ou reli-
giosos, O preguiçoso que se virou cachorro a fim de não trabalhar
encena a metamorfose e graça do sujeito submetido a toda sorte de
humilhações para escapar ao trabalho. Data do folheto: “Itabuna, 1º
de maio de 1979”, Dia do Trabalhador. Em A prizão de dois tarados

38
ou Os monstros papa-creança, MFS identifica Jupará como um des-
ses monstros, diferente da interpretação de José Dantas de Andrade (o
Dantinhas), que lhe atribuía outro perfil, igualmente assombroso: o de
carregador de caixões de defunto... Em outro folheto com título seme-
lhante (sendo agora apenas um tarado e um monstro), MFS assume
raro papel acusador, parecendo até instrução e libelo do promotor de
justiça em peça de acusação. O narrador chega a incitar ao linchamen-
to, ao apedrejamento e à morte sumária do acusado.
Os folhetos de feitio maravilhoso culminam por relatos em
que predominam o ilusório e o encantamento, espelhados em mol-
des da cultura do fantástico. Os de expressão sentimental reverberam
o neoplatonismo e o fervor lírico dos idílios do amor triunfante, que
supera todas as adversidades. Os míticos-religiosos salientam o deter-
minismo cristão, o rigor da exemplaridade moral apostólica e apoca-
líptica, o absolutismo da crença católica, a vida dos santos, o curial
místico e a certeza ascética. Os de acontecimentos, fatos e imagens
virtuais são produzidos com a intencionalidade de provocar traços
repercussivos de ordem racional, reflexiva ante os desastres, obedien-
tes ao ciclo dos grandes fenômenos causados por Cheia/Enchente/
Inundação ou Seca/Fome/Insolação. O premeditarismo determina as
ações dos folhetos e romances, de forma a produzir no espírito do
leitorado/ouvinte os riscos e desolações exacerbados pelas conveniên-
cias coincidentes entre desastres físicos e desastres morais. Folhetos
sobre acontecimentos atendem, ainda, a um inescapável clamor po-
pular. Os títulos místicos e apologéticos (quase cem), a imperativos
de ordem devocionária e de sobrevivência anímica. Apaixonado por
lugares sagrados (Lapa, Monte Santo, gruta de Ituassu etc.), Minel-
vino Francisco Silva reconhece, modesto: “Não há quem possa des-
crever todas as belezas”. O desestímulo oficial, os direitos do autor, a
aposentadoria seriam suas principais motivações, problemas por ele
apontados como de eternamente adiadas soluções. Mas se obstinava:
só deixaria de ser trovador quando morresse. E filosofava: “Nas pe-
quenas coisas é que a gente compreende as coisas mais profundas”.

39
Minelvino orienta seus temas com a consciência formal
dos interesses católicos e místicos. Seus modelos desenvolvem cir-
cunstâncias temáticas nas mais diferentes extrações. No folheto por
ele adaptado de história anônima, Viagem a São Suruê, por exemplo,
exercita o bom humor colateral ao gênero, manifestando-se sempre
com a graça ingênua impregnada de espontaneidade e fácil comuni-
cação com o público:

Ali em São Suruê


Vi coisa de admirá
Agora vancês pregunta
Pruquê não fiquei pru lá?
Pruquê lá tem um decreto
Qui não é bom se falá
A mulher pare dez fio
Homem é quem dá de mamar

Alguns folhetos podem aqui ser destacados porque ilus-


tram variáveis da mecânica criadora do cordel para Minelvino Fran-
cisco Silva. O ABC da Aza Branca comprova a filiação minelvina à
sensibilidade do apelo popular, por exemplo, expressa não apenas
pelo conteúdo, mas cumulativamente a contracapa reproduzindo A
volta da Aza Branca, toada de Zé Dantas e Luiz Gonzaga. A impres-
são do folheto foi feita na Gráfica Popular, de Itabuna (coisa rara em
se tratando de Minelvino, que editou a enorme maioria de seus folhe-
tos no interior de sua casa). O ABC da Aza Branca reconta em cordel
a popular música de Gonzagão, o hino dos nordestinos, recompondo
o cenário dramático da seca e seus efeitos e repercussões sociais e
humanos. Minelvino estiliza mais ainda a pungente canção, incorpo-
rando a fala matuta, a fonologia adulterada pelo viés da prosódia cai-
pira. O destino do heroi no relato, Guilherme, noivo de Rosinha, é a
cidade de Salvador, e o texto incorpora a letra da música, adaptada às

40
circunstâncias da história romanceada: “Toda noite relampeia/E veijo
o ronco do truvão/Asa branca bateu asa/Já vortou pra meu sertão/
Eu disse eu vou mimbora/Vou cuidá da pratação” (sic, p. 7). O final
do ABC, todavia, adultera a letra original, pois “Rosinha casou com
outro/E de mim se esqueceu” (p. 8).
Num folheto especialmente consagrado ao lendário Bocage,
Minelvino enaltece-lhe, sobretudo, a inteligência e a picardia no en-
frentamento aos poderosos, sem deter-se na legenda bocageana como
poeta pornográfico, aquele Bocage das histórias picantes, concebidas
pela tradição dos recontados das rocambolescas aventuras atribuídas
ao vate português. Em A batalha do amor [de] Zé Negrão e Mirian,
drama de 16 páginas ambientado em São Paulo, conta-se a história do
pernambucano de Caruaru, que sai de Garanhuns para tentar a sorte
em São Paulo. Zé Negrão é um operário que se apaixona pela filha de
rico fazendeiro, na clássica trajetória do amor triunfante enfrentando
os embaraços e a traição de interesses subalternos. Em meio à trama
e à tensão, o humor de Minelvino é contagiante: “Pois nunca vi a
linguiça/Correr atraz do cachorro” (p. 5) “Pegou o califon da velha/E
na cintura amarrou” (12). O exagero é digno da hipérbole castroal-
vina da musa lavada em pranto e enxaguada no pavilhão nacional:
“O sangue ali já lavava/Como riacho a descer” (13). O romance de
Minelvino Francisco Silva ressalta sempre o denodo e a coragem do
heroi amoroso, sem despegar-se do gracejo, pois “O remédio de um
doido/É outro doido encostado” (15). O folheto A batalha de amor
[de] Zé Negrão e Mirian chega ao fim com uma singular novidade:
o acróstico de Minelvino desenvolvido na grafia inversa: ONIVLENIM.
O romance de 32 páginas A flecha de Cupido traspassou
dois corações localiza a história numa Polônia acossada pela invasão
de cruel rei japonês, que cobiça a princesinha do reino e invade a
bela cidade (território tomado metonimicamente). O ideal de beleza
— senso comum entre trovadores e menestreis — é também enun-
ciado por Minelvino, que hiperboliza a aparência da princesa sacrifi-
cada: “Parecia a estrela D’alva/Quando vem rompendo o dia” (p. 3).

41
O trovador, é claro, subverte geografias e desconhece limites ao ima-
ginário, bem como traços óbvios de etnias: “Perguntou o general/A
senhora é japonesa?” (14). O óbvio da resposta estava no rosto não
asiático: “Mesmo assim escravisada/Mas digo: sou polonesa” (14). E
o general, disfarçado de japonês, era recebido com abraços e sorrisos
dos inimigos. O triunfo final dos poloneses culmina com o casamen-
to da princesa Candura com o general Laudelino, que viveriam feli-
zes para sempre, conforme o padrão das histórias encadeadas pelas
pernas do pinto..., enquanto o trovador pilheria, encerrando: “E pra
almoçar em sua casa/Comigo, está convidado” (8).
No folheto O encontro do poeta com a Natureza (dois vo-
lumes em um só, com 16 páginas cada), Minelvino Francisco Silva
percorre, numa extraordinária viagem da sensibilidade, um provei-
toso e ilustrativo encontro com o universo das ciências. É um ver-
dadeiro ensaio de Poética, Teorética e Hermenêutica da Poesia. Sua
musa, a Natureza, é branca, “Duma beleza sem fim/Os seus cabelos
de ouro/Parecia um querubim” (p. 2). O livro dialoga com a Natura,
que aponta ao poeta a Lagoa Encantada como um dos seus infinitos
primores. O poeta indaga sobre os prodígios das coisas do mundo
visível e problematiza as relações do homem com o ambiente natural,
as agressões à Terra, as viagens interplanetárias, o Cosmo, os astros, a
Lua, as incongruências da posse exclusiva — “A Terra ficou pra todos/
Pra d’ela se alimentar”, mas os ricos “Tomaram conta das terras/Por
todo canto cercou/O pobre ficou sem nada/E assim continuou//Agora
querem ir a Lua/Para direito explorar” (7) e certamente cercá-la e
cobrar pedágio... O fantástico diálogo do poeta com a Natureza é tam-
bém enriquecedor das teses geocêntrica/heliocêntrica e cosmológica:
“A terra, o sol e a lua/São três discos a rodar/Todos três em paralelo/
Não pode se encostar/Que entra em curto circuito/E o mundo vai se
acabar” (8). A Natura leva o poeta à Lua n’ “um cadillac de nuvem”
e num “volante de vento” (9). Minelvino usa o verbo no subjuntivo
(cheguemos, por exemplo) ao invés do indicativo (chegamos) pro-
vavelmente para simular, representar, ilustrar a atmosfera de sonho,

42
de ilusão do real proposta pelo relato. Na Lua, o narrador se avista
e dialoga com outros poetas, perfis da eternidade histórica (Castro
Alves, Zé Pacheco, João Martins de Athayde, Antonio Marinho, Tira-
dentes, Pedro Álvares Cabral, Rui Barbosa, Lauro de Freitas) e inven-
tores (Santos Dumont, Marconi, Henry Ford, Gutenberg e Otto Von,
inventor da luz elétrica). A volta à Terra, entretanto, é dolorosa para o
trovador, que desperta do sonho em meio a múltiplas interrogações
sem respostas.
No romance da História do bruxo mau e o sapo encanta-
do, a novidade é que Minelvino revela sua fonte de inspiração: uma
das histórias da Vovó Ana, revista O Cruzeiro, 24 de dezembro de
1948. Da página 28 a 32, Minelvino publica Catálogo de seus folhetos
de 8 páginas e os assim chamados “Livros Grandes”, entre os quais
Proêsas de Pedro Malasarte, além de divulgar obras de Antonio Al-
ves Silva, Manoel P. Almeida e Rodolfo Coelho Cavalcante. O mesmo
romance teve alterado seu título (escrito a caneta pelo autor) para
Os sofrimentos de um alfaiate ou A gentileza da Princesa Jamaci.
Romance escrito em 1º de março de 1957 e publicado em
7 de março de 1974, a Estoria do cavaleiro do espaço e o jardineiro
misterioso mostra os desdobramentos do pedido de uma esposa or-
gulhosa e estéril e o alcance da maternidade concedida pelo receptário
do pedido: o diabo, que fala afiado e inducar, sendo suas intervenções
quase sempre hilariantes... O afilhado do diabo se torna o jardineiro e
ele mesmo é o ubíquo e múltiplo cavaleiro do espaço. Neste folheto,
Minelvino faz uso de uma raridade em sua obra: o recurso do enjamb-
ment. A natureza polimórfica desses folhetos envolve, ainda, recursos
originários da liberdade de criação autoral. Na História do príncipe
Alcebíades e as três princesas do Reino Encantado, o rei da Bulgária
se chama José Severo e a rainha, Dona Luzia. O trovador introduz
um avião e aeronáutica (!) no entrelaçamento da trama, acrescido
das conhecidas intrigas palacianas, julgamento sumário de inocentes,
interesses contrariados no contrato de casamento do príncipe da Bul-
gária com a princesa do Sião. Não satisfeito, Minelvino faz um castelo

43
de reino encantado aterrisar em solo búlgaro e inova com termo nada
habitual no vocabulário do cordel: ergástulo (Cit., 30).
Como exercício de sobrevivência, Minelvino produziu fo-
lhetos de encomenda, na linha encomiástica a candidatos em pleitos
políticos ou a gestões de demandas particulares dos encomendantes.
É assim um folheto sobre A administração da Fazenda Santana,
enaltecendo o trabalho de um administrador rural. Sensível a cir-
cunstâncias da região que o acolheu, Minelvino festeja A campanha
de Cassilando Viana de Sousa, Arena 2 para a prefeitura de Porto
Seguro, A eleição em Itabuna e a vitória do Sr. José Oduque Teixei-
ra, A vitória do Dr. Felix Mendonça e o governo de Seu Alcântara,
A vitória de Fernando Cordier contra José Oduque, onde, fato raro,
o poeta indicaria a data de publicação do folheto (“Itabuna, terça-
-feira, 3 de setembro de 1968”) enquanto A vitória de Genebaldo e
seus agradecimentos ao Dr. Humberto Oliveira Badaró, reproduz a
ambiência político-eleitoral em Itajuípe, em sétimas heptassilábicas
finalizadas com a data de “Itabuna, 19 de novembro de 1966”.
Entre uma e outra demanda política de candidatos, Minel-
vino produziria um folheto promocional. É o caso de A chegada da
Resica na região cacaueira e o aproveitamento do cacau geado, ou
cacau imprestável (p. 1). O folheto promove a RESICA — Indústria
de Resíduos do Cacau, com a contracapa divulgando endereços da
fábrica e escritórios da empresa especializada na compra de cacau
alterado pela podridão parda e situada em Ilhéus, na rodovia Ilhéus-
-Uruçuca.
Os livrinhos de campanhas de candidatos a cargos eletivos
se alternam nas simpatias do trovador. Alguns são produzidos em
função da amizade pessoal (casos de Otaviano Curvelo de Souza, em
11 de março de 1979, e Eliúde José da Silva, em outubro de 1988),
ou legitimam a homenagem ao político populista supostamente
amado pelo povo (caso de José de Almeida Alcântara em Itabuna) ou
ainda na versão explícita da encomenda. Na capa do folheto, ao invés
da xilogravura, a foto do candidato. Na esteira da comoção popular,

44
Minelvino enalteceria os adversários Alcântara e Pinheirinho. Versos
toscos saúdam a Arena e o golpe de 64, os políticos Mário Padre,
Fernando Cordier e José Oduque Teixeira. De forma curiosa, alguns
triunfos são festejados com data precisa (“terça-feira, 3 de setembro
de 1968”), assinalando a vitória de um, com indicação dos votos. Por
exemplo: “6.936 para Fernando Cordier e 6.276 para José Oduque”.
Analisando o perfil desses candidatos, os folhetos deter-
minam-lhes a trajetória vitoriosa, os embates com os oponentes, a
alegria e a tristeza contrastantes etc. Sobre José Oduque Teixeira, por
exemplo, o folheto destaca a natureza de self-made-man do vitorioso,
evoluindo de “lavador de garrafas” e vendedor ambulante a prefeito
da cidade de Itabuna. Minelvino acompanha e registra historicamente
a evolução da política itabunense, os processos eleitorais, parabeni-
zando a cidade pelos pleitos, mas cobrando dos eleitos a devida aten-
ção para os problemas do município, especialmente os que afetam
os mais fracos e suas necessidades essenciais. Como um repórter, o
trovador totaliza os números finais de cada pleito, referendando os
vitoriosos.
Mas o habitualmente cauto trovador por vezes incursiona
pelo sarcasmo. Historiando A vitória de Fernando Gomes em no-
vembro de 1988, Minelvino Francisco Silva declara que “Eram 5 can-
didatos/Disputando a Prefeitura (...) Essa vaca tão leiteira/Que causa
inveja e usura”. Em outro folheto, A vitória do PDS em Irecê e a
derrota em Itabuna, escarnece: “Tinha tanto candidato/Muito mais
do que eleitor”. Satirizando o modelo das promessas dos candidatos,
escarnece ainda mais: “Faço o sol brilhar de noite/Nem que gaste
uma fortuna/E trago a praia de Ilhéus/Pra cidade de Itabuna”. A vi-
tória de Ubaldo Dantas é então comemorada com euforia em 1982,
ocasião em que Minelvino pontifica desencanto e descontentamento
gerais reservados ao antecessor, Fernando Gomes. E, para surpresa
do estudioso que assina estas notas, o trovador prognosticava o que,
afinal, não teria cumprimento, sequer cogitação, restando tão somen-
te o desejo e o sonho manifestos pelo trovador idealista:

45
Já soube duma noticia
Que me alegra o coração
Que Jorge Araujo esta
Nomeado com atenção
Para ser o secretário
Da brilhante Educação (p. 7)

Em seu percurso noticiarista, Minelvino Francisco Silva se


reportaria a eleições em Itabuna, Porto Seguro, Vitória da Conquista
(com Pedral Sampaio), Camacan (Dr. Flaviano) e outros municípios
baianos. A vitória de Dr. Flaviano e a queda do MDB em Camacan
é folheto datado de 29 de novembro de 1970 e declara, ao seu final,
com inextinguível, peculiar e ingênuo humor faceto: “Aproveitando
o ensejo, quero avisar aos meus amigos que nesta data eu completo
mais um ano de existência. Aquele que quiser me dar um presente e
não pode comprar um presente caro, pode comprar mesmo barato,
como seja: Um Volks, uma Rural, uma Aerowillys, um Veraneio ou
então mesmo uma Komb. Tudo isso é presente de pobre, Não é por
isso que dou queixa ao Delegado”. E assina: MINELVINO. No plano
estadual, o cordelista destacaria A vitória de Lomanto (folheto de
7 de setembro de 1962), A posse do Governador Lomanto Jr. e A
vitória de Waldir Pires.
Na fortuna estética do cordelista Minelvino não serão nu-
merosos os folhetos classificados entre os de bravura e valentia. Os
poucos que produziu seguem, no entanto, o esquema temático pre-
dominante na convenção. As façanhas de Acênio Peito de Aço —
primeiro e segundo volumes, ambos com 16 páginas — revelam um
mítico sertão de Goiás e um arruaceiro e bárbaro, tomador de cerveja
e desrespeitador das famílias, facilitado por um poder fantástico e so-
brenatural: ele envultava — i.e., evolava, desaparecia — quando acu-
ado. Assim dominando as artes da magia, abrindo cofres e cadeados
com a força da oração demiúrgica, Acênio encantava e desencantava,
dificultando sucessivas ações para sua captura.

46
Alguns analistas já fizeram levantamento de como o negro
é vítima de preconceito na literatura de cordel. Minelvino Francisco
Silva não fugiria à regra, que associa a etnia a sortilégios de magia
esconsa, propiciatória de malefícios. Mas no folheto As façanhas de
Acênio Peito de Aço, o heroi é o negrão, que redime a sociedade de
seu sofrimento, manietando e destruindo o envultamento marginal,
escalando-o entre as referências proscritas. O que não muda é o diá-
logo entre os antagonistas, permeado de bravuras, seguindo diapasão
costumeiro. A geografia também é objeto de subversão programática
e dinâmica, sustentando uma ambiência mágica que aspira à verossi-
milhança, conquanto disso pouco se note em importância atributiva.
N’O encontro de Joaquim Pistoleiro com Manoel Quebra-
-Costela — um mineiro, outro, goiano —, o segundo assim racio-
cina: “Dois duros não faz um muro/Que tudo se desmantela” (Cit.,
4). Ainda que o verso quebrado seja uma constante, Minelvino sur-
preende sempre com a nitidez das imagens, e imagens comparativas:
“Sua vida fica torta/Mais do que arco de pua” (Cit., 8). Os antagonistas
geralmente têm diferentes origens e extratos sociais, e pertencem a
regiões distintas, reavivando-se definitivamente o triunfo do Bem so-
bre o Mal. O encontro do negro Aroeira com Genevaldo Tira-Fama
evidencia o embate entre um paraibano e um pernambucano, com
desenlace a favor do segundo.
O cangaceiro é baseado no filme do mesmo nome, e o
honesto Minelvino Francisco Silva indica a fonte de sua história, co-
mentando as ações das personagens, revelando-se o trovador preo-
cupado em de tudo extrair exemplos morais. A coragem de Teodoro
e vingança do Capitão Galdino repete a história do filme de Lima
Barreto. Em A consciência de um cangaceiro, Minelvino aduz, a
caneta, o complemento ou As bravuras de Zé Baiano. A história é
de exemplar singularidade ética, refletindo a gratidão do futuro can-
gaceiro Zé Baiano, que, no passado, teve quem lhe matasse a fome,
e, no presente, devolve o bem salvando a vida do benfeitor, acossado
e rendido pelo bando de Lampião. As desordens de Pedro Mineiro

47
(Minelvino acrescenta, a caneta: E seu encontro com o valente Ar-
ranca Monte) é incompleto, faltando quatro páginas, mas sustenta a
natureza dos embates no gênero. O Encontro de 2 valentões Zé Ni-
que e Zé de Valença tem a subsidiá-lo a realidade histórica, registran-
do os nomes reais dos bandoleiros representando o terror em Itabuna
e Ilhéus, respectivamente. O duelo entre ambos é marcado para o
Salobrinho e por nenhum é vencido. A História registra que Zé Nique
foi morto à traição, enquanto dormia, e Zé de Valença, pela polícia. A
conclusão de Minelvino é catastrófica e bem humorada: “Mas a tal de
valentia/É uma profissão ruim/Pois na casa de valente/Só pode nascer
capim/Quem não teve um bom principio/Não pode ter um bom fim”.
Na História do cangaceiro João Serra Negra, Minelvino
amplia o território da ação de seus romances de bravura e valentia,
integrando o Pará como ambiente de atuação do desordeiro e valen-
tão, “Um negro mal encarado/Que fazia assombração”. Como outros,
o folheto é impresso com duas seções de estrofes numa mesma pá-
gina. Pertence ao ciclo do cangaço, observando os mesmos sinais de
maniqueísmo e gestos previsíveis dos vilões, todos etiquetados como
desordeiros e bêbados. Serra Negra, todavia, é magnânimo e gozador.
Ao recusar a mulher oferecida pelo marido dono de bar, deblatera:
“Quem gosta de couro velho/É urubu de curtume” (Cit., 7). O negro
paraense viaja ao Espírito Santo para enfrentar outro valentão, Chico
Setenta, a quem vence. De volta ao Pará, morre vingado por uma fa-
mília por ele afrontada.
Outros títulos reforçam a sequência de exemplaridade
moral e denúncia das vilanias e perversidades dos desordeiros, afi-
nal vencidos. Estão inscritos na série a História do valente Joaquim
Azougue, o terror da zona de Jacobina, História do valente Pedro
Mineiro (que Minelvino substitui por Zé Boiadeiro, alterando tam-
bém o lugar, de Belo Horizonte para Florianópolis, como acúmulo
extra de integração geográfica). A conclusão do folheto é que não
diverge das tradicionais, “Porque casa de valente/É cadeia ou cemi-
tério” (Cit., 8). O senso de justiça de Minelvino percorrerá outras

48
referências. Baseada em fatos reais, A morte de Gilton Francisco
de Souza pelo pistoleiro Luiz Rosa consta ter sido narrada ao tro-
vador pelo pai da vítima, que tinha apenas 11 anos, fato acontecido
em Santa Luzia, Bahia, em 30 de outubro de 1983. Já A revolta de
Mão Branca e seu encontro com o bandido Rifle Certo revela um
surpreendente Minelvino, vingador que toma o partido do justiceiro,
o flagelador de ladrões no Rio de Janeiro que, listado “Pra defender
seus irmãos/Mata os filhos do diabo” (Cit., 8).
Aclamado “trovador-apóstolo” num Congresso Nacional
de Trovadores e Violeiros, em Fortaleza, 1975, Minelvino já fazia jus
ao titulo pelo menos duas décadas e meia atrás, ao transformar sua
obra em ferramenta de evangelização, via palavra poética, do credo
humanista, cristão e católico. Com Rodolfo, a quem reconhecia como
mestre, Minelvino firmaria pacto de não-produção de folhetos com
temática ou linguagem pornográfica. Respeitado no ofício por seu
pares, a eles reservou extraordinária dedicação, divulgando-lhes os
trabalhos e requestando para os poetas populares o respeito merecido
e, no entanto, ausente por parte de governos e da sociedade brasileira.
Seja nos finais de seus folhetos, nas contracapas e em outros espaços
de celebração, Minelvino Francisco Silva revelou-se incansável noti-
ciador, de que são exemplos os poucos folhetos de encontros, pelejas,
desafios, debates que publicou.
No Debate de Rodolfo Cavalcante com Minelvino Fran-
cisco Silva sobre o fim do mundo, MFS é partidário do Sim (O mundo
vai se acabar) e Rodolfo, do Não (O mundo não terá fim). As décimas
heptassilábicas demonstram um Rodolfo evolucionista, crédulo na
alteridade, na reformação dos costumes, coisas e elementos (“Tudo
marcha em evolução/Desde Adão, Eva e Caim/Quem ao contrário
pensa assim/Faz de Deus ser imperfeito”) enquanto Minelvino é pre-
goeiro do Apocalipse, cujo advento é por ele exibido como signo de
ameaça aos impuros. Na Peleja de um paraibano com um bahia-
no, o trovador grapiúna terça armas com José Basílio e a nenhum é
conferido o galardão da vitória. O mesmo irá acontecer n’O encontro

49
de José Bernardo da Silva com Minelvino Francisco Silva, sétimas
alternadas com décimas heptassilábicas, indicando as instâncias (e
estâncias) de comprovação do conhecimento dos autores na matéria
composicional dos repentes. É um debate amistoso, aparentando um
Minelvino tributário das qualidades atribuídas ao trovador cearense,
de 66 anos, e ainda vivo à época da publicação.
Semelhante diapasão elegíaca e enaltecedora do ofício de po-
eta é reproduzido no folheto Vida, profissão e morte de João Martins
de Athayde (1880-1959), em que um compungido Minelvino celebra o
estro do popular paraibano, reconhecendo-lhe méritos de detentor de
um formidável imaginário. Afinal, “Fez da caneta uma enxada/E a roça
da inspiração,/Da Poesia Popular/Fez a sua plantação,/No campo fértil
das Letras/De sua imaginação”. Na Biografia de Rodolfo Coelho Caval-
cante, considerado por Minelvino “O rei do cordel”, o trovador confir-
ma o pacto havido entre ambos de não escrever livro imoral. Rodolfo (sic
= Rolfo no folheto), era legítimo animador da cultura popular, talvez
o principal dentre todos os divulgadores da literatura de cordel, presi-
dindo associações, organizando congressos (o I, em Salvador, 1955, ao
lado do mesmo Minelvino e do sergipano Manoel d’Almeida Filho) e
arregimentando companheiros em torno dos ideais comuns à poesia
popular, tarefas desempenhadas pelo baiano por adoção (na verdade,
alagoano de Rio Largo, 12 de março de 1917) morto em 8 de outubro
de 1986, num desastre em ônibus coletivo. Minelvino Francisco Silva
celebra a capacidade organizativa de Rodolfo — que se empenhou pela
realização de congressos em São Paulo, Fortaleza e Brasília, os mais
conhecidos — e seu dom de poeta, acalentado pela simpatia pública:

Pode o mel tornar-se amargo


E tornar-se doce o fel,
Satanás gostar de cruz
Abelha injeitar o vergel;
De que o povo esquecer
O nosso “Rei do Cordel”

50
Em sua História do VII Congresso dos Poetas da Literatu-
ra de Cordel em Laranjeiras e a morte de um trovador, Minelvino
assinala as dificuldades enfrentadas pelos poetas populares para im-
primir e vender o produto de sua cultura, sua tradição:

Os folhetos mesmo simples


É difícil de fazer,
E se os fizer é difícil
Encontrar quem revender
Ficam lá nas prateleiras
Para barata comer.

O VII Congresso, programado para realizar-se em Laranjeiras


(SE) em 1982, foi bruscamente interrompido com a morte de seu or-
ganizador, o poeta e estudioso Sebastião Nunes Batista, lamentado por
MFS como se a morte interrompesse também o elo entre a família de
trovadores ali reunida. Minelvino, assim, justifica plenamente o epíteto
de “trovador-apóstolo” não apenas pelo espírito de religiosidade que lhe
era inerente, mas por transformar a produção e o consumo da literatu-
ra de cordel, assegurando permanências e insuflando, pelo prestígio da
palavra poética, a evangelização dos indivíduos para a paz.
É assim seu comportamento na homenagem que faz a
Bentivi Neto na contracapa e em todo o folheto Homenagem póstuma
ao violeiro Bentivi Neto (datado de “Itabuna, 16 de agosto de 1977”)
que, em Pirangi (Itajuípe), foi ao barbeiro, com apelido de Gavião, e
lá encontrando um velho fumando e que tinha o apelido de Marreco,
aproveitou-se da ocasião para suscitar uma graciosa copla, glosando
as coincidências, com o seguinte teor, registrado por MFS:

Vi um touro jejuar
Sexta-Feira da Paixão
Macaco fazer sermão
Vi pulga se confessar

51
Vi cobra da de mamar
Ao filho da juriti
Um dia em Pirangi
Vi um marreco fumando
Vi um gavião tirando
A barba dum Bentivi

É dessa forma que Minelvino Francisco Silva homenageia


clássicos como Rodolfo, Sebastião Nunes Batista, Bentivi Neto, Lean-
dro Gomes de Barros, João Marthins de Athayde, José Bernardo da
Silva, Manoel d’Almeida Filho e os contemporâneos Azulão da Bahia
e Antonio Ribeiro da Conceição, o Bule Bule, bem como outros artis-
tas populares como o baiano Gordurinha e o mineiro Barnabé. Em
A morte de Gordurinha e seu encontro com Barnabé no caminho
do céu, Minelvino reúne ambos no Paraíso, na companhia de Vicen-
te Celestino, Augusto Calheiros, Francisco Alves, Carmem Miranda e
Noel Rosa. Na Coleção das músicas de Barnabé, além da explícita
homenagem, o trovador anuncia folheto sobre O encontro do negro
Aroeira com Genevaldo Tira Fama.
Entre Os repentes e proesas de Bocage, Minelvino festeja
encontro com Manoel Peixoto Almeida. O Bocage do título não é o poeta
árcade português, mas o Bocage das lendas orais brasileiras, coberto de
malícia e inteligência dinâmica e picaresca. Não é também o pornógra-
fo, mas o que responde a engenhosos desafios propostos pelo Rei, não
sem alguma licenciosidade de linguagem (merda, mijar, cagar), aco-
lhendo como sua uma bufa da rainha, subvertendo códigos de impos-
tura moral mediante graça e picardia adaptadas ao jeito sestroso dos he-
rois típicos nordestinos João Grilo, Cancão de Fogo e Pedro Malasartes.
Notabilizando Os cantadores do Nordeste, expresso em
décimas decassilábicas, com seu verso quebrado de 11 ou 9 sílabas
e mote de dois versos (“O soldado, o sargento e o Presidente/Todos
eles são fãs da poesia”), Minelvino maximiza a importância do repen-
te, da canção e do trovadorismo, reproduzindo ainda o desafio entre

52
Benone e Zé Maria, tendo como tema a Vida e a Morte, no ritmo do
galope a beira-mar. O duelo, havido no segundo dia do Congresso de
Violeiros e Repentistas de Fortaleza, agosto de 1975, é mimeticamente
transmigrado por MFS, que passeia por autores de diferentes estilos e
épocas (Gregório de Matos, Castro Alves e outros), ressaltando, claro,
as expressões cordelistas de Leandro Gomes de Barros e João Martins
de Athayde. Assim, Minelvino permanece enaltecendo os poetas popu-
lares, igualando-os aos canônicos, reafirmando ainda nomes consa-
grados na Bahia, a exemplo de Dadinho e Caboquinho, Palmeirinha
da Bahia, Ricardo de Serrinha, Limeira da Bahia e Bule Bule.
O encontro de dois astros luminosos: Rodolfo e Jorge
Amado sacramenta a reunião do popular com o canônico. Minelvino
amplia a comunicação da literatura de cordel com o rádio no folheto
O encontro de dois faladores: Minelvino Francisco Silva e Lucílio
Miranda Bastos. Outros encontros de Minelvino — com uma Mu-
lher Misteriosa, Otacílio Ramos da Silva, Manoel Peixoto, Odilon Pin-
to, Geovane Figueiredo, Francisco de Assis Medeiros, Manoel José Ba-
sílio etc. — servem para caracterizar aspectos relevantes na cultura
do cordel, a exemplo da evolução da poesia, o Modernismo anatema-
tizado pela supressão do metro e da rima, a alternância de diferentes
modelos de poetar, do sexteto heptassilábico ao martelo agalopado,
à redondilha menor, o que, em síntese, salienta valores dos poetas
populares, erguidos ao cânone, na companhia dos consagrados.
Na sua faina de conferir prestígio a esse tipo de produção
literária, Minelvino também se deu ao desfrute de registrar pelejas
entre Zé Andorinha e João Cabeludo (duelo vencido por Andorinha
nos mesmos moldes do troca-letras proposto pelo Cego Aderaldo con-
tra Zé Pretinho do Tucum), Pedro Goiabeira e Martim Redimunho,
Pedro e João Bandeira, Bentivi da Floresta e Gavião da Bahia, entre
outros. Em tudo, Minelvino aparenta atuar com espírito missioná-
rio, no sentido de dar plena visibilidade a uma atividade poética por
alguns considerada marginal ou inferior, tal a hierarquização que
predomina em alguns setores da inteliggentzia brasileira. Em nome

53
desses valores, Minelvino se empenha em estabelecer dissolvências e
desconvencionalizações.
Na perspectiva da reflexão histórica, debruçado sobre acon-
tecimentos com alta densidade de mobilização popular e repercussão
político-ideológica, Minelvino Francisco Silva também produziu obra
considerável. O tratamento dos assuntos evidencia desde preocupa-
ção com a ordem legal e institucional (A situação do Brasil e a re-
volta dos estudantes, datado de “Itabuna, 17 de outubro de 1968”)
à situação dos trabalhadores, especialmente os idosos, com destaque
para o desamparo a que se vêem condenados os poetas populares
no Brasil (governos Médici e Geisel), trovadores desassistidos que
morrem sem auxílio de qualquer ordem previdenciária (A nova apo-
sentadoria dos velhos, datado de “Itabuna, 25 de abril de 1975”). A
reflexão histórica se soma à sócio-política e à recuperação memorial,
por conta ainda de folhetos como A morte do doutor Juscelino e sua
chegada no Céu, datado de “Itabuna, 21 de setembro de 1976”, onde
a fantasia minelvina promove a conciliação do ex-presidente com Cas-
telo Branco, Costa e Silva, Getúlio Vargas, além de Gregório Fortunato,
que indaga a JK: Dá noticia de Lacerda?/Já mudou de condição?/A
língua estará menor/(o)u estará muito maior/Para fazer confu-
são? (Cit., p, 6).
Num de seus primeiros folhetos, A política d’agora, Mi-
nelvino consigna profundas alterações no quadro político brasileiro,
rasurando as metamorfoses do país nos planos ético e moral. O poeta
glosa os novos hábitos e evidencia o profundo afeto (comum a mui-
tos trovadores) dedicado a Getúlio Vargas, considerado por MFS “o
maior dos brasileiros” (Cit., 2). Vargas, aliás, é campeão indisputa-
do na memória afetiva de, pelo menos, duas gerações de brasileiros,
e Minelvino antecipa-lhe o retorno ao poder: “No seu gordo cavali-
nho/Getúlio vem esquipando/Direto para o Catete/Café Filho acom-
panhando” (Cit., 3). O folheto glosa também a derrota impingida a
Juracy Magalhães por Régis Pacheco na Bahia. No final, como que
saindo em defesa de seus estilo, tema e linguagem, o poeta adverte e

54
justifica, quase compungido: “Eu peço desculpa a todos/Que perdoe
minha expressão/Que não escrevo por despeito/Escrevo por precisão/
Escrevo meus folhetinhos/Para adquirir o pão” (Cit., 8).
O terceiro livrinho escrito e publicado por Minelvino tam-
bém comemora A vitória trabalhista e tem data de “Jacobina, Abril
de 1950”. É obra de propaganda aberta do trovador e seu empenho na
campanha de Getúlio Vargas, mas recomenda consciência e limpidez
do voto ideológico, protestando:

Aquele que vende o voto


Por qualquer uma ninharia
Lhe digo, caro eleitor
É a maior covardia
Relaxando seu pudor
E rebaixa o seu valor
Cada vez de dia a dia (Cit., 2)

No auge da peroração e arrebatamento, Minelvino chega a


fazer uma explícita declaração de voto:

Sou um trabalhista pobre


Posso não ter um cruzeiro
Porém a minha palavra
Não se vende por dinheiro!
Dinheiro, caro leitor
Não compra o trovador
Deste folheto fagueiro (Cit., 2)

Citando, quem sabe pela primeira vez, Rodolfo Coelho Ca-


valcante, também getulista, ameaça: “Se Getúlio não voltar/Agora nesta
eleição/Pode crer que no sertão/A guerra vai começar!/ (...) Eu me
puz a imaginar”/“ ‘Se Getúlio não voltar/ Irá ter outro Lampeão’ ”.

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A vitória trabalhista, folheto nitidamente partidarizado e ideológi-
co, reproduz uma variante raríssima na fatura poética de Minelvino.
O poeta defende o caudilho: “Só quem fala de Getúlio/É somente o
burguês/ (...) Pra Getúlio não voltar/Com medo dele acabar/Com esta
devassidão/É tanta descaração/Que faz vergonha contar!” (Cit., 7). E
arremata, gaiato e faceto, troçando do ofício de trovador, ainda que
quebrando o ritmo de um ou outro verso: “Povo dos outros partidos/
Vocês queiram desculpar/Que nesta minha profissão/Quero cruzeiro
arranjar/Comprar uma roupa bonita/Também quem for Getulista/Se
gostou vai me pagar” (Cit., 8).
O preferentismo político de Minelvino Francisco Silva per-
manece na descrição d’A posse do Seu Gegê, folheto que marca a es-
treia do trovador na prática da estrofe com mote e glosa. O mote fará
alterações de variantes no primeiro e sétimo versos, sendo que no
verso 7 o intento do trovador é intensificar a impressão do significado
da “posse de Seu Gegê”. Afinal, Minelvino associa o fenômeno elei-
toral de Getúlio Vargas a uma clara manifestação da vontade divina.
O final do folheto (ironicamente, pelo inconsciente textual), anuncia
a produção de O feiticeiro do Reino do Monte Branco, livro que se
extraviou do espólio do trovador, pois não o encontramos entre os
cerca de 550 estudados.
Sequenciando sua filiação ao ciclo de Getúlio Vargas na lite-
ratura de cordel, mas desta vez incorporando as reservas e queixas da
população, Minelvino produziu O governo de Getúlio e a queixa da
pobreza. Inicialmente, o trovador se limita ao registro dos queixumes
e a um possível estelionato eleitoral, com o calote passado nas promes-
sas. Depois irá contra-argumentará, saindo em defesa de Vargas, que
teria encontrado um Brasil falido, a que a população havia se acostu-
mado, sobretudo ante a falta de iniciativas, a seca por conta do sol e os
costumeiros desvios de orientação moral e profissional: “A carestia está
aí!/É poucos pra produzi/E muitos prá devorar” (Cit., 4).
Já em A morte do Presidente Getúlio Vargas, encontra-
remos um dos momentos mais felizes na produção poética de MFS,

56
captando e interagindo, com riqueza de estilo, o sentimento popular
coletivo. O folheto é elegia e necrológio, e sublimiza a comoção po-
pular, contextualizando o Pai Nosso adaptado e dialógico à morte
de Vargas, pelo suicídio, fazendo convergirem oração e desejo de re-
missão. O ciclo Getúlio Vargas é dos mais inventivos na produção de
Minelvino e acompanha o “Pai dos Pobres” desde a reinvestidura na
presidência da República em 1950 até a carta-testamento (revisitada
e glosada sob novas motivações pelo trovador) e a presumível chega-
da de Getúlio Vargas ao Céu dos cristãos. O folheto A carta de Getú-
lio interpreta e parafraseia o emblemático documento, reproduzido
e entremeado com expressões populares a fim de redimensionar a
emoção coletiva nos principais trechos, em especial aqueles cuja co-
moção interior do líder populista encontrará certeiro eco entre os
desafortunados — base da liderança carismática getulista. Minelvi-
no acentua esse caráter de doação (até da vida) que calava fundo na
expectativa popular:

Para defender o povo


De ficar desamparado
Nada mais vos posso dar
Darei meu sangue gelado
Pois as aves de rapina
Desejam sangue, e imagina
De ver meu corpo acabado (Cit., 5)

No final do folheto, uma bizarra e indignada declaração de


Minelvino contra a pirataria (como se intuindo uma relação alusiva
do tema Vargas ao assunto pirataria, expropriação, dilapidação do patri-
mônio alheio): “Os plagiadores deverão respeitar o direito de proprie-
dade, sob pena de multa ou cadeia. O autor”.
O folheto A chegada de Getúlio Vargas no céu tem aber-
tura hiperbólica correspondente à temática e teor encomiástico ante-
riores, divinizando Getúlio à sombra mística do Cristo na Cruz, num

57
fenômeno que se aproxima claramente da escatologia cristológica. A
abertura antecipa o grau de comprometimento do texto com o home-
nageado, e o folheto se desenvolve cumulativamente debruçado sobre
os feitos extraordinários do sempre pranteado líder popular:

No dia que Getúlio Vargas


No Rio se suicidou
Houve um silêncio na terra
O mundo todo mudou.
O vento ficou parado.
O firmamento nublado
Até a chuva estiou
(...)
Os pássaros todos calaram
Galo deixou de cantar.
O papagaio na gaiola
Também deixou de falar. (Cit., 1)

Mas nem só de louvar Getúlio Minelvino se ocupou. N’A vi-


tória de Juscelino e João Goulart, traça-se o perfil do primeiro, seus
estilos, métodos e preocupações. O folheto invoca a ação de JK para
combater a carestia, fustiga o Congresso, cuja Câmara é, ao ver do
trovador, constituída de infezados que prejudicam a nação com sua
teimosia, botando a perder decretos importantes para o país:

Um diz: eu quero é assado


Outro diz: eu quero é assim
Outro diz: eu quero é cru
E finda a coisa ruim.
Afinal, o resultado?
Nem cuzido, nem assado
Tem que ficar encruado
É o que resulta por fim. (Cit., 6)

58
Receitas de Minelvino Francisco Silva para viabilizar o pro-
cesso eleitoral: educação para o voto e eleição a cada ano. Em A volta
de Juscelino, discute males brasileiros como a falta de continuidade
administrativa e a escalada da inflação. Um mote conduz a narrativa:
Juscelino vai voltar. O folheto é otimista, de consagração a outro líder
popu1ar forjado para substituir Getúlio Vargas. O exercício escapista
impele Minelvino à alusão sobre sua condição de poeta-vate, culmi-
nando a teoria pelo toque de esperança no retorno de Juscelino na
eleição prevista para 1965 e afinal frustrada pelo golpe de 1964:

Poeta conversa muito


Mas sabe profetizar
E quando diz uma coisa
Só Deus para revogar
Pode o ouro virar zinco
Porém em sessenta e cinco
Juscelino vai voltar. (Cit., 8)

Um curiosíssimo prognóstico, inconsciente e bizarro, en-


cerra o folheto A volta de Juscelino, traduzindo um fenômeno de
incorporação simbólica ao extrínseco textual: Minelvino grafa FMI, ao
invés de FIM da sua história...
Outros livretos — A chegada do Dr. Adhemar de Barros
e o fracasso de Itabuna, A vitória da democracia e a derrota dos
comunistas (Minelvino tomando o partido do golpe de 1964) —
sinalizavam para a identificação de Minelvino Francisco Silva com a
contemporaneidade política. Festejador do golpe como redenção do
Brasil pelo estatuto da democracia, Minelvino projetou nos generais-
-presidentes os ideais de soerguimento da Nação, justificando tal as-
sertiva nos laudatórios A entrada do ex-presidente Castelo Branco
no Céu e seu encontro com o ex-presidente Getúlio Vargas — peça
de absolvição, via simpatia do poeta, dos dirigentes militares, un-
gindo-os com a quase santidade da misericórdia refeita. O final do

59
folheto escapa ao óbvio, com o trovador se relacionando ludicamente
com o leitor: “Leitores não são patetas/Vê e sabem que os poetas/
Aqui precisam seu pão” (Cit., 8) — e A morte do ex-presidente
Marechal Artur da Costa e Silva, em que Minelvino elogia o ciclo
militar pós-64, buscando compatibilizá-lo com os objetivos de uma
reforma agrária cristã, que o poeta defende, argumentando que
“Gente não é passarinho/Pra só ir comer pimenta...”(Cit,, 8).
A vitória de Tancredo Nevez e a derrota de Paulo Maluf
assinala o começo efetivo da abertura democrática e fim da égide de
presidentes militares. O folheto noticia o triunfo do experiente político
mineiro e encerra (porque também conclui por) com a expressão dos
desejos de Minelvino ao novo país legado pelo episódio civil e demo-
crático. Eis o transporte dos sonhos do poeta popular:

Tomara que Deus ajude E a tal da gasolina


Com muita sabedoria Se dana por sua vez
Para Tancredo mudar Porque já está subindo
Tudo que nos atrofia Duas, três vezes por mês
Principalmente a marreta E quem falar contra aumento
Chamada carestia Arrisca ir pra o xadrez

Uma coisa a gente compra O pobre trabalhador


De manhã paga cinquenta, Para o salário aumentar,
De tarde já custa cem Juntam todos formam greve
Não vende nem por noventa. Pensando de melhorar
No outro dia é duzentos Mas quando o salário aumenta
Não há cristão que aguenta Acaba de piorar.

Se vai num Supermercado Assim que sai no jornal


Toda coisa que ele pega Que o salário vai sair
O preço está remarcado A mercadoria toda
E o gerente não nega Começa logo a subir
Ontem comprou mais barato E sobe por conta dela
Hoje cai na faca cega. Sem ninguém fazer cair
60
E quando sai o salário Agora eu quero fazer
Ela sobe novamente A Deus uma oração:
Sem ter uma autoridade Ó Senhor Deus de Israel
Que lute de frente a frente Apontai a solução,
Em defeza dos humildes A doutor Tancredo Neves
A pobre classe de gente. Sobre esta nossa Nação.

Mas agora com Tancredo Dai muita sabedoria


A coisa tem que mudar Nosso novo presidente
Vamos que ele não faça Para que faça um governo
As coisa baratiar Que todos fiquem contente
Porém controle os seus preços Principalmente os humildes
Que todos possam comprar Que sofrem terrivelmente

Porque do jeito que vai Mandai esta carestia


Uns ganhando muito “cobre” Fazer logo um paradeiro,
Querendo que sua riqueza Sobre a dívida do Brasil
Cada momento se dobre, Inspirai Pai Verdadeiro,
O rico fica mais rico Livra-nos da escravidão
E o pobre fica mais pobre Vejamos nossa Nação
Assim livre do estrangeiro.
FIM

O próximo folheto, A morte e o enterro do Prezidente


Tancredo Nevez, segue a linha dos livrinhos de ocasião, sensíveis à
expectativa e comoção populares em face de grandes acontecimentos
históricos e sociais. Segue-o A chegada do Prezidente Tancredo Ne-
vez no Céu, em que o trovador se aproveita para reconduzir, pela voz
do Cristo, o anátema pelos desvios morais na Terra: “Poucos se lem-
bram de mim/E da vida espiritual,/Só quer fazer todo ano/Seis dias de
carnaval/Cantando música indecente/Seguindo o ritmo do mal” (Cit.,
7). Em A palestra de Tancredo Nevez com Getúlio Vargas no Céu so-
bre a Reforma Agrária, o registro da habilidade do trovador em aliar

61
temas da comoção popular com esforço de conciliação política face aos
problemas enfrentados pelo povo brasileiro. Minelvino recorre à Deusa
da Poesia na abertura do folheto (datado de “Itabuna, 6 de junho de
1985”), alternando-se, pois, as aberturas com a invocação ao panteão
católico quanto às musas de inspiração clássica pagã. O trovador trans-
parece clara consciência política e dos problemas brasileiros, mas induz
a que as reformas se façam pelos caminhos da paz e da legitimidade.
Já a História da cova de Tancredo Nevez e seus milagres
contém surpreendente dose de extravagância temática, não só pela
emergência da morte do homem público como pelo desejo incons-
ciente do trovador em pacificar a Terra através dos santos óleos da
via milagrosa... No folheto O sonho do Presidente José Sarney com o
Presidente Tancredo Nevez no Céu, Sarney ouve de Tancredo todas
as queixas dos pobres que batem no Paraíso, mortos pela fome, aba-
tidos pelo parco salário, pelo desemprego e pela carência da reforma
agrária. Datado de “Itabuna-Bahia, 5 de janeiro de 1988”, o folheto do
sonho de Sarney revela-o conduzido pelo anjo-da-guarda à presença
de Tancredo, que adverte o maranhense: “Você criou o gatilho/Que a
inflação desacata,/Gatilho contra inflação/A gente pensa que mata,/
Mas me disseram que os tiros/Saiam pela culatra!” (Cit., 5).
Como todos temos o direito a equívocos, Minelvino Francis-
co Silva cometeu o seu ao acreditar n’A vitória de Fernando Collor
e a Derrota dos comunistas. Data do folheto: “Itabuna, 18 de de-
zembro de 1989”. A hipótese ruiria em 1992 e o mesmo Minelvino
acusaria o golpe, ministrando no folheto O governo do Presidente
Collor e o choro da pobreza, a constatação:

A pobreza está chorando


Sem achar consolação,
Porque votou para Collor
Na maior satisfação.
E piorou mais a mais
A nossa situação.

62
O livreto descreve as agruras provocadas pelo confisco dos
ativos financeiros, alta de preços, desemprego, inflação, congelamen-
to de salários, impossível garantia da cesta básica etc. Testemunha
como traição a atitude de Collor para com o povo que o elegeu. Assim
antenado com a evolução histórica do Brasil até sua morte em 1998,
Minelvino traduziria em sua obra os avanços e recuos da democracia
e da vida dos pobres, objeto de sua especial consideração. O ultimo
folheto produzido na seriação histórico-política foi justamente A vi-
tória de Fernando Henrique o novo presidente do Brasil, publicado
quando da primeira eleição de FHC, em 1994.
Outras circunstâncias históricas, acontecimentos que, de
alguma forma, comoviam setores da população interessados no que
divulgava a literatura de cordel, também despertariam motivações te-
máticas e estilísticas de Minelvino Francisco Silva. Reativo e episódico,
mas com saldos de recuperação de fatos históricos e doutrinários é
o relato d’A guerra do Juazeiro e o poder do Padre Cícero em que
Minelvino, seguindo a lógica cordelista de acolhida irrestrita ao tau-
maturgo cearense, louva-lhe a bravura e os rasgos de santidade: “Pois
lutou com o governo/E botou o pra correr”. O folheto descreve e narra
as intrigas do Crato contra Juazeiro do Norte, ou o Padre Cícero Ro-
mão Batista, investido de poderes demiúrgicos e messiânicos, com-
batendo e vencendo o governo do Estado do Ceará, que atentara con-
tra as crenças populares, proibindo romarias. O padre Cícero contou
com a decisiva ajuda de Floro Bartolomeu, curiosa circunstância de
ode especulativa de valores, se cotejarmos o folheto com o que narra a
saga inglória do Conselheiro em Canudos. Minelvino usa dois diferen-
tes pesos, consagrando o padim Ciço e deplorando o radical Antonio
Conselheiro, sendo que ambos enfrentaram expressões semelhantes
de forças governamentais e desafio a códigos. Já o folheto A tragédia
do estádio Otávio Mangabeira na Fonte Nova, quase um século
depois da guerra do Juazeiro (CE), faz reportagem descrevendo o falso
alarme de desabamento de um setor das arquibancadas do estádio, o
desespero dos assistentes, jogadores e autoridades, com dois mortos

63
e 2.886 feridos, pisoteados pela multidão em pânico e com repercus-
sões até no gramado (“Ali naquele recinto/Não ficou nem o juiz”). No
final do folheto, a data: “Itabuna-BA, 8 de março de 1971”.
O ABC de Lampeão escrito pelo seu próprio punho (como
inúmeros dedicados ao “Rei do cangaço”) descreve a ira justiceira
do moço simples, traído pela justiça dos ricos. Há no folheto um tre-
cho que é clara referência (e citação) à Carta-testamento de Getúlio
Vargas. Quando Lampião mata o assassino do pai, assim se pronun-
cia sobre a profundidade e o alcance de sua vingança: “Se mil vida
possuísse/Tinha que todas perder” (Cit., 6). Minelvino apresenta a
versão (de próprio punho) do heroi desviado, produzindo imagens de
surpreendente beleza épica:

Deixei prostrada por terra


A covarde cabroeira,
Não vi o resto da força
— Virou alcanfor, poeira. (Cit., 7)

E também imagens de uma certeira graça irônica:

Mato gente a todo instante,


Quando paro é por preguiça (Cit., 8)

As duras ponderações do heroi reproduzem o timbre da


indignação popular contra a justiça vendida, os poderes delinquentes:

A Justiça brasileira
Muito será feliz
Porque só crer no dinheiro
Para sua diretriz!
Ella se oculta p’ro pobre!
Não liga o que elle diz!

64
Fui Virgulino Ferreira
E porque sou Lampeão?
Si Justiça houvesse eu era
Um pacato cidadão!
Mas não quizeram assim,
Pois gemam no meu facão!

Adeus Justiça de borra!


Adeus, polícia gorada!
Só converso com vocês
Com entrevista marcada!
Si querem melhor lembrança,
Dou um adeus de mão fechada!

No referencial ABC dos tubarões, um surpreendentemente


ácido Minelvino Francisco Silva (não mais o trovador-apóstolo da con-
ciliação) se imiscui em diferentes setores do texto, aliás, um primor
de indignação cívica em defesa dos espoliados:

De sempre morre um burguez


Perde a farinha e o feijão
Porque tem muito dinheiro
Só morre de avião.
Eu digo: Já morreu tarde!
Só assim acaba a metade
do grupo do Tubarão. (Cit., 2)

A morte então é vista como parceira determinada e demo-


crática:

Porque vem mata sardinha


E mata também Tubarão. (Cit., 2)

65
Todo o tempo, lúdico e interativo, seja quanto ao virtual
ou quanto ao simbólico, Minelvino radicaliza na pedagogia do voto
ideológico, alertando para a escolha que se deve fazer de candidatos
comprometidos:

Pra não votar no escuro


Para qualquer Tubarão

Inscrito na série de romances celebrando o amor triun-


fante, O destino de dois amantes e a vingança de um pintor, com
16 páginas em duas colunas (32 páginas no total), radica um gêne-
ro em que Minelvino Francisco Silva se notabilizaria: o maravilhoso.
Prometida a um modesto pintor, que a desposaria em tempo com-
binado entre os interessados, uma condessa (de um reino distante,
claro!) é sequestrada por um sultão, que a deseja para si e objeta seu
amor não-correspondido promovendo a perfídia, o desejo malsão e
as ações mesquinhas, produtos típicos dos vilões. A tensão dramática
não impede que MFS inove em malícia gracejadora. Os partidários
do sultão invasor, para escaparem da morte, “Chamaram por “São
Veado”/E abriram a perna a correr”.
Os encantos dos amores ou o casamento de Minerva
(com 34 páginas) interpõe assunto mitológico, costurando no pan-
teão greco-romano um insólito consórcio entre Netuno Deus do Mar
com Minerva Deusa das Artes. A variante modernista do tratamento
em poesia popular faz Minelvino descrever o palácio de Minerva dota-
do de dez andares e servido por elevador. O diálogo entre os amantes
é de singular e cerimonioso formalismo e o trovador restabelece um
contraditório concílio dos deuses, apoiando e desestimulando o casa-
mento das divindades, com os ciúmes antropomórficos já apreendi-
dos por Camões n’Os Lusíadas. Minelvino grafa Vênus como vaidoso
deus masculino, irmão da orgulhosa Minerva.
Outros romances reproduzindo dramas sentimentais ali-
cerçam o perfil trovadoresco na expressão do maravilhoso. A História

66
de Maninha e Machadinho perfila o encantamento, o fabuloso, o
fantasista, pondo em evidência uma ativa dedicação do poeta ao gêne-
ro. Machadinho é protegido por uma princesa encantada, que lhe cata
piolhos e o alivia das exigências absurdas de um monarca tirânico. A
história tem o molho e a picardia das peripécias fabulosas, incluindo
figuras mitológicas e alegóricas, o proverbial final feliz e o apelo do
trovador: “Pague aqui 5 cruzados/Ajude quem escreveu” (Cit., 32).
Vida e morte de Sansão e a falsidade de Dalila funde o
romance maravilhoso e o assunto bíblico. O belo exemplar de xilogra-
vura e a própria confissão de MFS reproduzem ambiência e temática
tal como desenvolvidas no filme Sansão e Dalila, com Victor Matu-
re e Hedy Lamar nos papeis-título. Uma curiosidade é reservada por
Minelvino ao final de seu livrinho: “Desculpe caro leitor/os erros do
trovador/Porque não sou um formado”. O romance A vingança de
Ismael pelo amor de Angelina é um épico ambientado “No sertão do
Mato Grosso” e a história se centra no sentimento amoroso cercando
as filhas de rico potentado, “três rosas formosas (...) três morenas
belas”, com um terrível agravante: “Seria morto o rapaz/que olhasse
para elas”. As mitológicas imagens de rusticidade paranoica são im-
primidas no pai das donzelas, o temível coronel Vitoriano, justamente
para infundir no leitor o terror e o suspense das ações: “Tinha um gê-
nio desumano/Mais do que Leviatã/Do fundo do oceano” (Cit., 4). O
autor data de “Itabuna, 18 de dezembro de 1976” e encerra o folheto
com uma graciosa advertência ao leitor, que funciona também como
peça de marketing: “Agora eu quero avisar/Quem este livro obter/Não
empreste a ninguém/Que não vai mais receber/Diga assim Seu Minel-
vino/Ainda tem para vender”.
Dentre os numerosos relatos do maravilhoso stricto sen-
su, Minelvino cristalizaria a fagulha mítica dos folhetos com A terra
de São Suruê, adaptada e ampliada de folheto de autor desconhe-
cido. São Suruê é uma espécie de Pasárgada do trovadorismo nor-
destino, em que predomina o exagero compensatório, as hipérboles
reorientando as inúmeras carências da sofrida população. Por isso,

67
“Arroz in São Suruê/É de chamar atenção/Cada pé de trinta caixa/
Qui faz admiração/Cada caroço de arroz/Enche quatro caminhão”.
Em sete páginas, Minelvino maximiza as maravilhas distribuídas
aos nativos e moradores do país mítico. Na página 8, ironiza os
períodos eleitorais assinalando os desvios de comportamento dos
candidatos, cujas prioridades se invertem tão logo cessam as elei-
ções. A sátira atinge ressonâncias de indignada manifestação cívica,
acompanhada de um sarcasmo quase paroxístico: “Depois que ti-
ver eleito/Bota sela e cabeção/Por isso que eu digo assim:/Vão fazer
besta do cão”.
A notação parodística do folheto contemporiza as agruras
do povo nordestino, à metonímica São Suruê atribuindo similitudes
paradisíacas. O trovador, não raro, exprime uma tradicional visão se-
bastianista aplicando-a à terra suspirada: “Nas ruas de São Suruê/
Corre dois rios de leite (..,) Nasce no pé duma serra/Um riacho de
azeite”. Por isso que o texto imanta ao horizonte contemplado as delí-
cias ansiadas pelo imaginário popular de um Nordeste mítico, simbó-
lico, nutrido por sonhos e desejos de prosperidade:

São Suruê é a terra


Qui o pobre pode viver
Pranta dinheiro meio dia
De tarde pega nascer
No outro dia cedinho
Já tem nota pra cuiê
(...)
Terra de São Suruê
É a terra da fartura
Pranta fruta de manhã
De tarde come madura
Tem serra de requejão
E morro de rapadura

68
Outros folhetos de expressão do maravilhoso, no entan-
to, seguirão a marca patenteada da fantasia, por vezes alucinatória
e quase delirante, justamente para espicaçar a curiosidade leitora e
disseminar-lhe o gosto do imaginário, não importando a regularidade
de frequentes sinais de inverossimilhança. É o caso da Estória da
Serpente Encantada e a Espada de Quatorze Arrobas (16 páginas
em duas colunas = 32 p.), que alcançaria a terceira edição impressa
em 6 de julho de 1972. O heroi é um gigante chamado Quatorze, com
a síndrome hiperbólica de tudo comer em número de quatorze (14
bois em um só almoço, por exemplo). O exagero é igualmente com-
pensatório, no sentido de prover (pelo inconsciente) a fome colossal
dos pobres do Nordeste. O poeta inova na estrofe final, variando os
sentidos do apelo à sensibilidade do leitor, capturando-a mercadologi-
camente: “Senhores, vou terminar/A minha imaginação/Os exageiros
que fiz/A todos peço perdão/Pois a história sem graça/Não agrada a
multidão” (Cit., p. 8). Já na Estória do gavião maldito, ou o mau
exemplo da mãe que xinga os filhos, as sétimas de moralidade ex-
plícita funcionam para proveito de punição e consolo dos descaídos
e reorientação da palavra divina. É o maravilhoso combinado com a
reflexão moral, fórmula constante na produção de Minelvino.
No ciclo do Pavão, aberto com a história do Pavão Miste-
rioso, de Manoel Camilo dos Santos, Minelvino inscreve como va-
riante o romance (16 p. + 2 colunas = 32 p.) Estória do Pavão
Encantado, no mesmo gênero que consagraria o criador original.
O fabuloso, o recorte de encanto e magia da expressão maravilhosa
agora vêm inovados com as ilustrações internas que Minelvino in-
corpora como ampliação da capa e do assunto renovado. O Pavão do
trovador grapiúna é um príncipe enfeitiçado por uma bruxa maldita.
O modelo de beleza e encantamento pertence à convenção cordelis-
ta contaminada pelo etnocentrismo europeu, no molde branco de
olhos azuis, com extensão mitológica ao cristianismo: “Quem o visse
comparava/Com o menino Jesus”. Já o negro é sua mais acabada
antítese, a este se associando um conjunto formidável de malefícios.

69
O que compensa a exageração preconceituosa é a contrapartida da
heroína — que desencanta o Príncipe e com ele se casa ao final
das peripécias do romance —, a camponesa Maria (clara herança
mítica de reverência mariológica). O folheto é datado de “Itabuna, 1º
de janeiro de 1975” e é, certamente, um dos últimos livros grandes
produzidos pelo cauteloso (e caudaloso) trovador-apóstolo.
A natureza do senso comum aplicado à convenção do relato
maravilhoso gera uma situações de familiaridade entre as histórias,
repetindo-se, não raro, modelos e entrechos que percorrem os mo-
tivos de um e outro relato. É assim no romance de MFS História do
valente José Tenengo e as três princesas do Reino Misterioso, onde
se observam nítidos contornos de histórias assemelhadas entre si,
reproduzindo elementos temáticos, repertórios, imagens, cenas e até
vocabulário. Altera-se, contudo, o lugar. O reino agora é a Noruega e
o trovador percorre outros mapas e perfis. O protagonista também é
diferenciado. José Tenengo nasce de 6 meses do joelho da mãe e já
falando tudo, anunciando que nascia e já se iria embora. Homem já
feito e encorpado, na Noruega, ganha do pai um chapéu de cangacei-
ro (!). O maravilhoso, então, cede ao fantástico e ao surreal. A velha
do romance é antropófaga, mas Tenengo é esperto como João Grilo
e escapa das armadilhas, incorporando novas aventuras como um
Rocambole nórdico-sertanejo e delas saindo vencedor por meio das
simbologias dos objetos (O sal é o mar, o alfinete é a mata fechada de
espinho, o cinza é a neve etc.). A palavra remorso traz no folheto a im-
plícita carga de significantes a ela atribuídos no Nordeste, reverberada
como repugnância, náusea, enjôo etc.
Minelvino Francisco Silva segue a trilha dos contos de fadas
em muitos desses folhetos. O romance Os martírios de três irmãs e
a tragédia de um pássaro encantado percorre esse diapasão temá-
tico, de novo movimentando personagens como a velha antropófaga.
A astúcia vence o poder, e um pedaço de rabo de lagartixa (como na
narrativa de João e Maria) substitui o dedo mindinho. A ambiên-
cia do conto de fadas convive com a reação naturalista: “Deu uma

70
dentada na língua/Que logo o sangue desceu” (Cit., 5). O triunfo dos
humilhados vem reforçado no romance O poder do rei dos peixes e
a inocência de uma princesa, em que o inusitado se associa ao bi-
zarro nessa história de encantamento curioso. Minelvino investe em
alternativas metafóricas para o verbo parir e por isso diz que a mãe
“descansou/Um garoto muito forte”. O tal menino já nasce com uma
carta na mão, afirmando que só a entregaria ao seu pai biológico, o
pitoresco Zé Preguiça, heroi picaresco que engravida uma princesa
em mais um acidente fruto de encantamento. O romance do rei dos
peixes (escrito em 1965 e publicado em 1973) reafirma o prestígio do
maravilhoso entre as composições minelvinas.
A série de histórias de bravura e valentia, conjugando o
maravilhoso com aspectos picarescos dos herois, ganha então uma
maior relevância. Nesse campo tem destaque a História do gigante
Quebra-Osso e o Castelo Mal-Assombrado, que alcançou enorme
popularidade, sendo inclusive reeditada pela Luzeiro, de São Paulo
(sem data), anunciando-se na folha-de-rosto ter sido o texto de MFS
“revisto e classificado por Hélio Cavenaghi”. Na História de Martim
Tomba-Serra e o gigante Plutão do deserto, um raro trecho (inclusi-
ve no cordel) de discurso indireto livre sugere que: “Desta maneira fa-
laram:/Para que ele queria/As pernas tão amarradas?” Já no romance
(32 páginas, aparentando ter sido editado em Juazeiro do Norte (CE),
30 de junho de 1964) A prisão do Gigante da Montanha Assombro-
sa, irão permanecer os trunfos da convenção do cordel, salientando-
-se a subversão de geografia, de tempo histórico etc.
N’A história de João Valentão, o heroi picaresco evolui de
covarde (o João Cara Feia que apanhava todo dia da mulher) a deste-
mido, aventureiro, vitorioso e vingador. Estilo típico do cordel mara-
vilhoso, o folheto movimenta personagens e situações arquetípicas, a
exemplo de monarca e reino longínquo, com seus enigmas e desafios.
Como figurante tropical, uma onça tapuia, famosa por comer gado e
gente, até sem mastigar. Por causa do apelido irônico, o covarde João
Valentão é convocado pelo rei para matar a onça devastadora. Valentão

71
é um mofino blasonador, mentiroso e arteiro, mas esperto e ardilo-
so como seu contra-parente João Grilo. A personagem de MFS segue
percurso semelhante aos de João Grilo, Pedro Malasartes e Canção
de Fogo, dessa mistura se distinguindo, embora com proezas bem
distintas das de seus arquétipos. João Valentão será a antítese viva e
irônica do valente, mas metonímia da esperteza e do ardil picaresco
para sobreviver: “Seu João de tanta coragem/Deu até para tremer./
Com licença da palavra/Foi vendo merda descer/Que encheu logo a
cueca/E começou a escorrer” (Cit., 24). E o que se segue é um acú-
mulo de graça e humor, com João Valentão, em cima de uma árvore,
fazendo as fezes atingirem os malfeitores. O heroi se cagava e a merda
descia, emporcalhando incautos ladrões. Embora faltem ao folheto as
páginas 25 e 26 e as finais 31 e 32, as sequências do relato evidenciam
tanta hilaridade, que as faltantes páginas não comprometem a eficá-
cia do conjunto, nem o próprio desfecho narrativo.
No romance de 16 páginas As aventuras de Valdino e a
camponesa misteriosa, Minelvino revela seus definitivos pendores
para o maravilhoso, confessando-se inconscientemente influenciado
pelo gênero cordelista que fez talvez o mais frutuoso sucesso entre
os trovadores, de Leandro e Athayde a Firmino Amaral e José Bernar-
do da Silva. MFS declina: “Eu que bastante admiro/Um romance de
princesa (...) Num reino muito distante/Que fica no horiente” (Cit.,
p. 1). O fabuloso aqui se nutre do inverossímil e fantástico com fins
de produzir efeitos estéticos cumulativos, extensivos e catárticos. A
bela camponesa subordina um grupo enorme de pretendentes a seus
desejos. Os submetidos à esperteza da donzela se sucedem nos fra-
cassos ante um labirinto construído no interior da casa da pretendida,
até que esta é vencida por astucioso heroi, que reúne os ardis capazes
de triunfar sobre os obstáculos.
A Estória da rainha Rosinalva ou a tragédia do prínci-
pe Emiliano funde o maravilhoso ao real concreto. Despeitado pela
recusa de Rosinalva a seu amor, Emiliano contrata um primo “Para
matar o soberano/Que lhe daria mil dólares/Em dinheiro americano”

72
(Cit., 3). No reino de Adry Malva, o pagamento de traição e corrupção
é em... cruzeiros... Minelvino Francisco Silva segue rastros da tradi-
ção martirológica e devocionária do maravilhoso cristão, no feitio, por
exemplo, de um Baltasar Dias narrando o sacrifício da Imperatriz
Porcina. O Bem vence o Mal por meio da força da Verdade e da Fé,
personagens alegorizadas pela determinação do culto à Virgem. O Mal
é proscrito, os bons (depois de muito padecerem) são cumulados de
virtudes e de graças. O folheto (escrito em 1958 e publicado em 1976)
perpendiculariza a vocação minelvina para o fabulário redentorista e
místico desse gênero de cordel.
Uma curiosidade circular e frequente em todos os folhetos
que implicam demonstrações de prosápia e valentia é marca caracterís-
tica também expressa na linguagem e no estilo dos duelos, ou desafios,
entre protagonista e antagonista. Na História do filho de João Acaba-
-Mundo e o dragão do Reino Encantado encontramos esse tipo de rep-
to: “Disse o gigante: a você/Vou mostrar como é que é/Você para mim
é um sirir/Na vazante da maré/Vou te lascar da cabeça/Até no dedão
do pé” (Cit,, 12). Monstros, duendes, dragões, gigantes, anões, todos
energizados por tamanhos descomunais, compõem curiosa galeria de
assento permanente nas histórias de encantamento e fabulação, com
predominância para o hiperbólico e o extraordinário. Os vencidos se
deixam escravizar pelos vencedores. Na História do filho de João Aca-
ba-Mundo e o dragão do Reino Encantado, aos ingredientes tópicos
conhecidos, acumula-se uma frequência de encantamentos/desencan-
tamentos. O heroi, filho de um outro já consagrado na tradição triunfa-
lista, desencanta o Reino Encantado e se casa com a princesa, herdando
metade do mesmo reino e sendo feliz para sempre no novo habitat.
O triunfo do heroi picaresco conduz a narrativa da Firmeza
de dois corações e a espada vencedora, ou a vitória do pobre valoro-
so e destemido (que alimenta o número quase completo dos folhetos
que conhecemos) contra o maniqueísmo rasteiro do rico e soberbo
mandante de mortes. Por conta superlativa da vitória do proveito e
exemplo, os herois Agnaldo e Esmeralda desafiam o poder do pai da

73
moça e alcançam a felicidade sentimental, antecipada por arroubos
de intensa passionalidade (do heroi e do narrador): “Entro em coiva-
ra de fogo/Sem mesmo a morte temer” (Cit., 4). O heroísmo também
incorpora a mulher, ainda que a jactância seja atributo quase exclu-
sivamente masculino. A bravura é combinada com a resistência, em
dose compreensível de exagero: “Esmeralda deu um tiro/Que trinta e
três derrubou” (Cit,, 14). Mais próximo do final, o romance desloca-
-se do drama sentimental para o conto maravilhoso, fundindo-se o
encanto com o virtual. No fim, anel e espada edificam prodígios: os
noivos vencem e são transportados da Paraíba para São Paulo, onde
se casam e viverão felizes para sempre.
No romance (de 32 páginas) História da Cegonha Encan-
tada e o Reino dos Mistérios, Minelvino varia em muito a abertu-
ra de seus folhetos, servindo esta como ilustração pela expansão de
sentidos que provoca no leitor: “Andando meu pensamento/Passeando
nos impérios/Dos reinos imaginários,/Conhecendo os hemisférios/Viu
uma linda cegonha/No Reinado dos Mistérios”. O assunto do folheto
também soa um tanto bizarro, podendo-se até perguntar: E cegonha
canta? Tal como o sabiá de Gonçalves Dias (no poema Canção do exí-
lio) cantando na implausível (conforme os ornitólogos) palmeira, a
cegonha de MFS não apenas cantava como “Um belo hino entoava/
Quem ouvisse aquele hino/Logo ali se apaixonava” (Cit., 3). A cegonha,
como facilmente se observa em se tratando de relato maravilhoso, é
uma princesa encantada em ave por um despeitado feiticeiro. O ciclo
de cavalaria cumpre aqui rito de passagem, compreendendo até duelo,
com discurso e bravata, entre serpentes e o heroi guerreiro. Minelvino
nomeia herois e heroínas, príncipes e princesas de reinos exóticos,
com nomes sertanejos e o protagonista engalfinhando-se com o por-
tador dos malefícios: “Ali o ferro trincou/O príncipe com o feiticeiro/Se
um era bom no ferro/O outro, ferro ligeiro/Se um dava golpe certo/O
outro, golpe certeiro” (Cit., 13). O final feliz reserva sucesso e triunfo
ao príncipe libertador, o reino se desencanta e o príncipe do Reino da
Saudade se casa com a princesa do ex-Reino dos Mistérios.

74
A História da onça tapuia e o Homem destemido apre-
senta-se na segunda versão como História da Onça Encantada e o
homem destemido. Nele, Minelvino manifesta o arrebatamento do
poeta entusiasmado com seu ofício, em duas estrofes ausentes na
segunda versão (que, aliás, corrige palavras e situações do texto ante-
rior, por exemplo, puxaram ao invés de pucharam):

Eu comparo a veia poética


Como uma água minada
A água sai abundante
A fonte estando zelada
Poesia inspira o poeta
Cada vez mais culturada

Por isso eu sou amante


Sou amigo da poesia
Quanto mais pucho por ela
Mais elá dá-me alegria
Poesia é distração
Que todo mundo aprecia.

Resta lembrar que a onça tapuia, para reforçar imagetica-


mente a expressão mítica do conto maravilhoso, era uma velha en-
cantada em felino e que devorava corpos humanos, mas, tendo um
ponto vulnerável em seu corpo, por este seria abatida.
Num de seus romances mais festejados, a História da
princesa do Reino da Branca Aurora, Minelvino narra a epopeia de
uma princesa marcada pela inveja e violência imposta por uma sogra
vingativa no Reino da Serrania. Os filhos da princesa são trocados
pela avó por animais peçonhentos, o que faz MFS se permitir uma
incursão pelo azedo palavrão, classificando a maldosa antagonista
como sujeita escrôta e nojenta (segundo volume, p. 7). O Mal, claro,
é novamente punido. Um pássaro, zeloso do bem-estar da princesa,

75
encarrega-se de transtornar o malefício, redimensionando-o e resta-
belecendo a honra, dignidade e virtude da nobreza humilhada.
A História da princesa do Reino do Parreiral é uma espé-
cie de versão de relato maravilhoso para o conflito Gata Borralheira x
Madrasta, ou a princesa bonita e virtuosa arrastada pela fada invejosa
e má, que a encanta em arara. Os mitos se associam no maravilhoso,
na forma de um gavião, que salva os amantes do enfeitiçamento. No
final do folheto, Minelvino, mais uma vez, recorre à sedução merca-
dológica para convencer o leitor: “Senhores minha historinha/Aqui
eu vou terminar/Me paguem só 6 cruzeiros/Para o poeta ajudar/Que
agente para escrever/Precisa se alimentar” (Cit., p.·32). Na História
da Princesa Encantada ou o monarca sem coração, o reino é lon-
gínquo e estrangeiro, mas a moeda é brasileiríssima: cem contos de
réis, por exemplo. O folheto movimenta mitos, legendas heroicas,
bruxedos e abusões, águas do Céu e do Inferno, tições de fogo do
Purgatório, elementos bastante circulares no universo medieval, de
resgate maravilhoso. Um pássaro encantado intermitentemente entoa
canções para um rei que o pretende eliminar, alternando-se sucessi-
vas tentativas de morte e permanentes escapadas. O humor de MFS
aqui deriva para o mórbido. Ao Zequinha Atirador, que o rei mandou
matar, “Cortaram bem miudinho./Dava até sarapatel/Botando sal e
cominho” (Cit., 29).
Os folhetos do gênero maravilhoso premiam os herois li-
bertadores com encantos especiais e casamentos com princesas li-
bertadas. A história da princesinha do mar e a bruxa da solidão
pluraliza os ambientes de diferentes monarcados, alegorizando-os
(Solidão, Dor, Pedra Verde, Maldição, Desespero, Pensamento etc.) e
associando-os com fadas e bruxas, feiticeiros e reis, poderes distintos
confundidos (o da Beira-Mar com a Mãe D’Água, por exemplo), com
que MFS pretende influir nos sentimentos humanos. A graça ingê-
nua e a espontaneidade permanecem marcas características desses
folhetos e seu objeto temático também será perenemente alcançado:
o triunfo da moral cristã e a redenção dos pobres não-malfeitores

76
sobre as adversidades morais e econômicas. O romance História de
Antonio de Lisboa e a sereia do fundo do mar realiza subliminar-
mente tal configuração, com o relato ambientado na Inglaterra, e
tendo como protagonista uma moça pobre travestida de guerreiro e
protegida por Santo Antônio de Lisboa, a quem a mãe destinou para
a carreira das armas e deu-lhe o nome masculino de Antonio, em
homenagem e devoção ao taumaturgo.
Nesse modelo de unção mística, o maravilhoso cristão se
cumula do mítico e do lírico, destacando-se a viola e o canto de An-
tonio a todos encantando e protegendo a heroína dos desvios morais
e das penas do Inferno simbólico e do mundo real. A invocação no
texto não mais se destina já a entidades míticas, lendárias, mas ao
triunfante Santo Antonio, capitão das legiões portuguesas e padrinho
da heroína, cuja sorte é decidida por uma sereia, que desata os nós
da intriga e desvenda os enigmas. A rainha, que perseguia Antonio jul-
gando ser ele um homem, uma vez rejeitada, levantaria falsos teste-
munhos aos ouvidos do rei e incriminando a heroína. A sereia falante
tudo deslinda e esclarece: “O teu nome é Antonia/Teu olho é muito
graudo/Porque se tu foste Antonio/O monarca era chifrudo” (Cit.,
16). O final não chega a surpreender: desmascarada, a rainha morre.
O rei e a donzela Antonia se casam e serão felizes para sempre.
Atento aos novos suportes envolvidos na comunicação es-
tética, MFS sempre buscou inovar em seus folhetos. Na História do
Reino do Vai não Torna e o Gigante Encantado, os animais são po-
limorfos e o Gigante tem partes de cobra, dragão e leão. A subversão
geográfica incorpora ambiências mitológicas como o Reino da Babilô-
nia. No Romance do mistério da princesa (em parceria com Rodolfo
Coelho Cavalcante), a modernidade narrativa inclui até o uso do tele-
fone. O diabo é mensageiro, escravo do heroi, enquanto a madrinha
que salva os prudentes é Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Já o
romance A vingança da princesa do Reino do Bom Jardim (datado
de “Juazeiro (?), 20 de maio de 1961”) emblematiza o famoso tripé
Amor, Bravura, Traição subordinado a um príncipe do Reino da Espe-

77
rança. Nomes, lugares e herois são assim associados aos signos posi-
tivos, a exemplo de Bom Jardim. Seguindo o ordenamento da maioria
dos folhetos de MFS, nesse também a luta ou cessa ou varia quando
“acaba-se a munição”. O príncipe Laudelino, em sua delegação de
vingança pela invasão do Reino do Bom Jardim, desafia os inimigos,
lançando-lhes reptos como uma canção de gesta, provável influência
do Graal e do prestígio de Carlos Magno, ou Ricardo Coração de Leão:
“Não quero metralhadora/não preciso de canhão/não preciso de fu-
zil/não preciso mosquetão/no gume da minha espada/não deixo nem
geração” (Cit., 13).
Um folheto, todavia, desafia a classificação tradicional da
literatura de cordel reconhecidamente inspirada no conto maravilho-
so. Ambientadas no distrito de Ventura, antiga comunidade das Lavras
Diamantinas, em especial por sua temática ancorada no grotesco ex-
travagante, As proesas de Zé Bufão descreve o feito extraordinário de
um prosaico (anti) heroi, que propõe comprar um cavalo (exposto à
venda por 50 mil réis), dando em pagamento ao vencedor, como for-
ma singular de transação, a quantia total de 50 bufas (nome da ven-
tosidade anal que, na Bahia, alterna-se com o também vulgarmen-
te conhecido peido). Com o folheto, nosso trovador definitivamente
ingressa e navega na ambiguidade maliciosa de inspiração popular,
registrando que “Ali de cabo pra baixo/Tinha grande multidão/(...) O
homem soltando as bufas/Pra o delegado contar” (Cit., 3). Sem qual-
quer dúvida, é o mais bizarro dos muitos relatos de MFS, mostrando
um inconformado Zé Bufão, ante a perda da aposta (pois disparou
51 bufas, uma a mais que o combinado, dada de agrado ao dono
do cavalo, que afortunadamente recusou), derrubando batalhões de
polícia a golpes de peidos estrondosos e fatais. Minelvino encerra seu
livrinho ameaçando a quem não comprá-lo — “Ganhará 50 bufas/
Bufadas por Zé Bufão” (Cit., 8) — e anunciando o próximo folheto a
ser publicado: A mulher que morreu mascarada.
O trovador investe em diferentes percursos no tratamento
do simbólico e do mítico, característicos do conto maravilhoso. No

78
hilariante O sindicato dos bichos, ou seu complementar romance O
sindicato dos bichos e a luta do gato com o cachorro, de par com
a antropomorfização dos animais e a natureza de fábula daí conse-
quente, Minelvino reinveste na máxima horaciana do castigat riden-
do mores, reiterando redenções morais por meio da sátira e do riso.
Dentre os folhetos antropomórficos, destacam-se O casamento da
raposa com o veado no tempo que o jeque era chofer e uma Histó-
ria do papagaio malabarista, ambientada no sertão do Piauí, onde
um louro endiabrado e piadista, antropomorfizado pelo relato, prota-
goniza as mais extraordinárias peripécias e inacreditáveis quiproquós.
Mesma ambiência de graça, leveza e ardil da fábula percorre a Estória
do peixe, o homem e a raposa, com seres antropomorfizados intera-
gindo, purgando costumes e renovando predicados éticos nos huma-
nos. A História do Touro Branco Encantado é alusiva às conquistas
da humilde disposição do heroi pacífico, humilhado pela soberba e
triunfante sobre a arrogância. O touro, a fazenda onde este pastoreia
e o próprio causo do relato localizam-se no Rio Grande do Norte. O
folheto é pastoral, do ciclo dos bois encantados e bichos falantes. O
touro, além de encantado, é chalaceador, desafiando vaqueiros que se
destinam a persegui-lo.
A História do Touro Branco Encantado pertence à con-
venção do fantástico, contemplando aspectos de ineditismo na li-
teratura de cordel, porque correlaciona suspense, surpresa e ex-
pectativa. O boi fabuloso, que a todos vencia pelo temor infundido
e a coragem que a todos inspirava, também impressionaria pela
destreza, habilidade e velocidade na corrida. MFS universaliza a ati-
vidade dos vaqueiros, imprimindo maior dificuldade na tarefa de
domar e amarrar o animal, vencer o desafio e alcançar o prêmio da
conquista, glória e riqueza. Assim, rivalizam vaqueiros franceses,
poloneses, italianos, alemães, portugueses, japoneses, todos derro-
tados pelo Touro Branco Encantado. O laurel e a surpresa tomam a
forma do vaqueiro Romualdo, do Piauí, que se apresenta com sua
aparência humilde e tosca, e seu cavalo, idem. É justamente ele

79
quem vence a disputa, derrubando o touro pela cauda e arrastando-
-o pelo chão. A humildade, mais uma vez, é consagrada, protegida
por duas insuperáveis divindades, a quem o vaqueiro invoca: Deus
e Nossa Senhora. E o romance (32 páginas) se encerra com uma in-
formação adicional de que “foi escrito em março 1957 e publicado
em 10 de abril de 1972”.
Outro romance, A vaca misteriosa (Editora Luzeiro —
“Direitos adquiridos e registrados de acordo com a lei na Biblioteca
Nacional”, 1980, “texto revisto e classificado per Hélio Cavenaghi”,
tamanho padrão, com 29 páginas, 6 estrofes por cada, 157 estrofes
heptassilábicas), é a versão feminina da História do Touro Branco
Encantado, incluindo variantes. Desta vez, até o antes vitorioso, o
vaqueiro piauiense Romualdo, é derrotado. Quem o substituirá no
triunfo será o também piauiense João Desastrado, que disputa a tiro o
resultado. O final difere do folheto do Touro Branco. A vaca misteriosa
é comida no banquete de casamento do vaqueiro vencedor e MFS
opõe um outro fecho, invectivando seu leitor a produzir outro final,
caso queira, pois “Se a história não é boa,/Não é assim tão pior—/E
quem achar que não serve/Escreva outra melhor”.
Em Uma eleição na floresta são os bichos que se candi-
datam (e revelam os mesmos vícios dos modelos humanos) a cargos
eletivos. O Veado, candidato a presidente da República, logo desperta
a ira do eleitor Mestre Sapo, que verbaliza a ironia sub-reptícia calca-
da no meio social transbordante de hipocrisia: “Disse o sapo: eu só
voto/Pra governo do estado/No candidato Cachorro/Que é um senhor
ilustrado./Não está vendo que eu não vou/Dar meu voto a um Veado?”
(Cit., 2). A deliberada ambiguidade do texto (Candidato Cachorro, a
Governador, e Veado para presidente da República) é, na verdade,
um recurso sutil surpreendentemente inscrito num trovador que en-
carava eleição como um ato cívico, indo votar (in)vestido de paletó e
gravata... MFS denuncia que o Veado e o Sariguê andavam comprando
votos e a eleição termina em briga e sopapos, com a vitória do Leão e
os protestos da oposição (o Veado e o Sariguê).

80
No folheto Um futebol na cidade dos pássaros, os craques
são aves da floresta e domésticas. A narrativa adapta ao português as
designações futebolísticas em inglês, num exercício de prosódia quase
parodística: “Centrefor era o sofrer/Centerafo jurity/Rafo direito o peri-
quito/Rafo esquerdo o bibiry/O pato ponta direita/O juiz o bentivy” (Cit.,
2), enquanto o locutor era o papagaio. Mas o preconceito também se
manifesta na mata, que repele o urubu: “Mas nenhum time aceitou/Di-
zendo: negro é por fora/O urubu se zangou” (Cit., 2). E quem “cantava
de improviso?” Justamente “o poeta sabiá” (Cit., 3). Minelvino alterna
em décimas versos de cinco sílabas (redondilha menor), de quatro e
quebrados de seis, ao modo da narração esportiva. O perfil alegórico é
semelhante ao desenvolvido no folheto Uma eleição na floresta.
Por natureza, os folhetos devocionários de Minelvino Fran-
cisco Silva são encomiásticos da doutrina católica, em seus ramais
místico, ascético, hagiográfico, de teologia moral e dogmática, todos
versados em linhagem apologética, descrevendo exemplos e milagres,
sumariando extratos morais, dos martírios e sacrifícios e a recepção da
fé entre os romeiros. A variação temática quase não chega a ser notável
e antes reitera episódios emblemáticos, com base ou não em fatos reais,
reforçando a devoção de homens e mulheres simples, e suas ações sin-
gelas em louvor (reintegrando os mitos de retorno à ascese medieval)
de divindades católicas (principais: Bom Jesus da Lapa e Nossa Senhora
e suas diferentes designações). Os folhetos também citam as contradi-
tas, punições aos ateus e hereges, desdobrando-se em debates teológi-
cos, geralmente entre católicos e protestantes. Os milagres têm a força
demiúrgica dos valores católicos e sua simbologia predominante (pão,
peixe, água, fogo celeste). Por isso a fortuna considerável de MFS em
cânticos e benditos, acervo peculiar ao gênero místico.
Inúmeros exemplos de capilaridade moral e ética dos cris-
tãos são demonstrados à exaustão nos folhetos de MFS, explicitando o
comprometimento do romeiro com suas ações devocionárias, impon-
do-lhe o retorno, ano a ano, à Lapa do Bom Jesus, à Nossa Senhora das
Candeias, ao Juazeiro do Padre Cícero e a outros lugares considerados

81
sagrados. Os mistérios se acrescentam ao universo da Paixão (desde
a Anunciação, Nascimento, Encarnação, Batismo, Eucaristia, Paixão,
Morte e Ressurreição), tudo para instilar no devoto sua definitiva via de
ascese para a Divindade. Os exemplos personalizados da Graça também
constituem o mosaico da produção reflexa de Chegada, Promessas,
Cumprimento de Votos e Despedida dos romeiros. Um que outro folhe-
to de Minelvino versa sobre outros assuntos (A queixa dos vendedores
da Lapa e o fracasso da romaria, História dos ladrões na romaria
do Bom Jesus da Lapa, por exemplo). Ocupam-se em geral de assuntos
paralelos ou perpendiculares àqueles associados diretamente à romaria
(Os sofrimentos dos mendigos na Lapa do Bom Jesus), dos desdobra-
mentos da fé com as histórias sagradas, as unções místicas cristológicas
e mariológicas, bem como ao que aluda ao místico, a exemplo da des-
crição da gruta, os primeiros eremitas etc. Minelvino incursiona ainda
por assuntos e temas bíblicos, pela história e relevância dos profetas, de
Suzana, do rei Ezequias, do relógio que andou atrasado e outros, fun-
dindo os gêneros místicos, míticos e maravilhosos (História da Besta
Fera e o Dragão Vermelho etc.). Com isso repercutem no imaginário
coletivo, inclusive, reações ante deslocamentos devocionários na mo-
dernidade (O nascimento do Menino Jesus e a carreira que um padre
da Renovação deu no velho Papai Noel).
O vate popular estimula assim a pregação e recepção mar-
tirológicas, no intuito de extrair absolutas fidelidade e resistência do
estoicismo cristão (Os três jovens que o rei mandou jogar numa
fornalha de fogo ardente). Folhetos como O aniversário de Nossa
Senhora, Os vinte e cinco anos do programa A Voz Mariana ou o
Terço de Nossa Senhora e outros tantos da vasta produção minelvina
no gênero salientam a identidade sagrada da mãe de Deus (princi-
pal objeto da refutação dos protestantes), destacando fenômenos em
que a intercessão da Virgem se revelou decisiva para a salvação dos
penitentes. Donde as diferentes denominações santas de Maria como
Nossa Senhora: da Conceição, das Graças, da Piedade, do Perpétuo
Socorro, Aparecida, da Ajuda, das Dores, do Carmo, de Fátima, dos

82
Milagres, da Pena, da Rosa Mística, do Rosário, da Soledade e tantas
mais acolhidas no extraordinário panteão católico.
A Teologia Dogmática é campo pouco frequentado por MFS,
mas acontece tematicamente em folhetos como A discussão de um
católico com um protestante, A discussão de um protestante com
um romeiro do Bom Jesus etc. O trovador então se revela um exímio
argumentador, particularmente hábil nas disciplinas da Teologia Mo-
ral (O homem que quiz ir para o Céu apulso, O homem que tentou
da uma surra no padre, Quem fala de Pai de Santo, O que se ver
no candonblé), Apologética (A descoberta da Lapa com a chegada
do monge Francisco da Soledade, A despedida de Dom José Nico-
medes Groszi ao romeiro do Bom Jesus, A despedida do Monsenhor
Turibio Vilanova, aos romeiros do Bom Jesus), Hagiografia (Um
milagre de Santa Cecília, História de Santa Helena, protetora dos
romeiros, Um milagre de Santo Antonio e um morto rezzuscitado,
Os milagres de Santo Antonio e o poder da palavra de Jesus, A vida
e martírio de S. Cosme e S. Damião padroeiros de Itamarajú, A
vida de S. Cristóvão, Historia de S. Francisco de Assis (o patrono
dos trovadores), Nascimento e morte de São João Batista, Debate
de Lampião com São Miguel e Vida e martírio de Paulo Apóstolo).
Os valores cristãos serão todo o tempo realçados na poesia
popular de MFS, incorporando-se a predicados próprios de determi-
nado ideário político, de que não raro resultam inferências partidá-
rias ou ideológicas. No folheto As promessas dos romeiros que agra-
dam Bom Jesus, Minelvino prognostica intervenções redentoras do
Senhor Bom Jesus da Lapa:

Disse ele que em março


Antes da revolução
O comunismo vermelho
Perverso sem coração
Desejava escravisar
Nossa querida Nação

83
Romeiro devotado e crente, o trovador também investe em
promessas:

A minha promessa eu fiz


No mundo enquanto eu viver
Ouvir missa inteira vida
Meu irmão não ofender
Não escrever indecência
A Jesus obedecer

Justamente por conta dessa observância do ofício de trova-


dor-apóstolo (o tempo todo humilde e submisso), Minelvino acolhe a
fabulação convencional do gênero. E em alguns momentos (como em
Vida, Morte e Vitória de São Jorge Cavaleiro), a musa inspiradora
será a própria divindade cristã, católica, substituindo as musas pagãs.
A trajetória heroica de São Jorge ajusta o épico e o estoico ao assunto
maravilhoso. No desdobramento da história, o heroi é isentado de
qualquer mácula. Pela via persuasiva da leitura, chegaremos sempre
à convicção de que a fé do trovador contamina suas personagens,
geradas por contagiante halo de empatia. A linha fantástica compre-
ende heroísmo e bravura, antecipando os lances dramáticos delibe-
radamente antepostos à vitória final. Jorge, um ex-centurião romano
martirizado por seus antigos líderes, sobrevive ao martírio e à dor pela
vibratibilidade da doutrina cristã:

O rei disse: miserável


Agora tu vais pagar
Zombando do nosso deus
Por isso tem que penar
Num tacho de chumbo quente
Você tem que mergulhar

84
O moço foi mergulhando
Sem precisar desafio
Todo chumbo derretido
Para ele estava frio
Igualmente e refrescante
A mesma água do rio

Minelvino protesta, por fim, contra a suposta cassação de


santidade conferida por incontáveis massas populares a Jorge, santo
que merece todo o respeito e veneração do trovador. O livro, escrito
em 1952 e publicado em 27 de abril de 1974, confirma a vocação
mística, ascética e hagiográfica por ele seguida. O teor devocionário,
porém, não isola o trovador da faceta graciosa, convenção do estilo.
No folheto A visita dos romeiros a Nossa Senhora da Juda, por
exemplo, na quarta estrofe da página 4, Minelvino brinca com as
condições de sacrifício a que os romeiros se impõem para consa-
grar-se à santa:

Outros vão de caminhão


Naquela estrada ruim
Tomando tombo e mais tombo
Que chega dizendo assim
Já misturei o meu figado
Com tripa, com bofe e rim.

Os modelos de versos simples se associam ao fundo apo-


calíptico, precedidos de imprecações contra os pecadores, exortações
aos fieis e invocações ao Cristo para perdão dos pecados e dos peca-
dores. Entre Os vinte mandamentos de Satanás,

85
O terceiro mandamento
Dessa Lei de Lucifer
É beber muita cachaça
Dançar bem no cabaré
Falar mal da vida alheia
E pular no candomblé.

Em A queixa dos vendedores da Lapa, o trovador teoriza


sobre o ofício de poeta — “Poeta não se governa/Eu ouço o povo
falar/E falta um grau para doido/Nisso eu posso acreditar/Pois nada
lhe mete medo/Quando quer guardar segredo/A língua dá pra coçar”
(Estrofe 1, página 1) — e ironiza com graça ingênua a propósito dos
sofrimentos dos romeiros na Lapa do Bom Jesus:

Só não queixa é a farmácia


Que ali é só vendendo
Remédio para o intestino
E todo povo querendo
Só se vê na romaria
Gente com desinteria
Com a barriga torcendo (Estrofe 1, página 7)

Um número expressivo de folhetos serão compreendidos


como repercussivos de fenômenos naturais, sociais, morais, históri-
cos, escatológicos etc., todos (ou quase todos) associados ao universo
das preocupações morais e éticas do trovador. Boa parte desses folhe-
tos traz o carimbo humorista do pitoresco, absurdo ou fantástico, jus-
tamente para imprimir no espírito do leitor/ouvinte a senha, sentença
ou suma, repercussivas ou comovedoras, para os efeitos da reflexão
cristã. Em todos, todavia, a moralidade excludente não interfere na
composição da ironia maliciosa, do tom faceto de que o humor mi-
nelvino nunca abrirá mão. É assim que teoriza, no ABC do Mata o
Veio (datado de “Itabuna, 20 de dezembro de 1983”), apropriando-se

86
do castigat e aludindo aos efeitos psicológicos do riso e sua função
purgadora e desalienante: “Basta saber que a gente/Sorrindo vive me-
lhor,/Se esquece do sofrimento/E ele fica menor,/Porque se formos
chorar/O sofrimento é maior” (Cit., p. 1).
A História do boi ladrão e o delegado fiel, a despeito
da sugestão do título, não pertence ao gênero maravilhoso, mas
é relato parabólico dos dramas sociais inerentes ao sertão feudal,
com destaque para a astúcia e justiça salomônica de um delegado
eticamente isento, fiel aos imperativos da ordem legal e sensível à
defesa intransigente do Direito e da correta aplicação da Justiça. A
ambiência de discórdia fornecida pela intriga é documentada no fo-
lheto A maldade de um mau vizinho e as mortes de dez inocentes,
em que o trovador deixa a nu, satirizando-a, uma sociedade de con-
frontos produzidos pela inconveniência de uma vizinha intrigante.
Na História da mulher ciumenta que comeu o marido assado,
curiosa nota de rodapé interroga o leitor: “Você sabia que o ciúme é
uma arma destruidora?”.
O prestígio da sátira será intensificado na seriação analí-
tica da situação brasileira fruto de enormes carências. Assim atuam
folhetos como A baixa e a tabela da carne fresca (com tabela de
preços na capa do livrinho) e A baixa e o desaparecimento da car-
ne fresca, ocasiões em que o poeta popular denuncia a inflação de
preços e os sérios problemas de desabastecimento da carne bovina
quando da frustrada tentativa de congelamento de preços e salários
no governo Sarney. N’O conto do pacote ou o ABC dos marreteiros,
MFS alerta incautos para o golpe dos pacotes vazios, encontrados por
malandros na rua. A data: “Itabuna, 15 de junho de 1972”. Em A
guerra dos cruzados e queda da inflação, o trovador denuncia,
mais uma vez, a violência enfrentada pelos brasileiros, vítimas da
carestia, da inflação, do sacrifício imposto aos mais pobres. A crí-
tica é comportada, respeitosa às autoridades e às leis, mas de fran-
co protesto contra desvios do congelamento de preços e salários na
era Sarney. MFS esclarece a conversão cruzeiro/cruzado e defende a

87
ideia da nova moeda, didatizando questões suscitadas pela implanta-
ção do cruzado e persuadindo os hesitantes para a boa conformação
das medidas do governo, estimulando-os às ações de concórdia, na
recepção ao Plano Cruzado.
No estilo de abordagem dos desastres naturais, Minelvino
se ocuparia de Um dilúvio em Buerarema e o flagelo de Itabuna,
d’A enchente da Lapa e o flagelo do bairro Nova Brasília e mais
inundações em Vitória da Conquista, Igrapiúna, Gandu, Ibicaraí, Bel-
monte, Ipiaú, Jequié, Jacobina, Juazeiro, Senhor do Bonfim, São Fé-
lix, Cachoeira, Ubaitaba e, especialmente, a de Itabuna em diferentes
períodos (1964, 1967, 1981 e outras). Em todas essas ocasiões, mi-
nistra recitativos apocalípticos, acreditando serem as cheias um sinal
sagrado, chegada a hora da expiação dos pecados. Por isso defende a
hipótese de os desastres não serem definitivos: “Não é mesmo o fim
do mundo/É o principio das dores”. Mesmo no mais agudo dessas
tragédias, o trovador não abre mão do humor gracioso e ingênuo. Na
História da enchente de 1981 em Itabuna, “Até o pinico da sogra/A
água já carregou” (Cit., 2). Como não lhe escapam também um ter-
remoto no Chile e A enchente do Rio de Janeiro e os sofrimentos dos
cariocas. Assim como trata das enchentes, MFS documenta também
as secas (História da horrorosa seca do Nordeste e a solução para
resolver o problema), a tudo renovando pela penitência, pedido de
clemência, ou seja, proclamando a via ascética (cantoria de benditos
e romarias) como instrumento de redenção e reforma.
Antenado com o que acontece à sua volta e no Exterior,
MFS noticia o atentado contra o papa João Paulo II, a morte e a as-
cese de Irmã Dulce e outros motivos e assuntos de sua contempo-
raneidade. Em O disco voador que apareceu na praia de Ilhéus, a
especulação é sobre extra-terrestres e sua civilização superior “Aonde
nunca existiu/O criminoso e ladrão”. Nesse gênero, projetando no ig-
noto virtudes ausentes na Terra, o trovador descreve os sucessivos
vôos da série Apolo e, n’As façanhas do Apolo-8 e os homens que fo-
ram a lua, informa o trânsito da nave espacial, deplorando os gastos

88
com a pesquisa em campo que julga estéril, quando deveríamos “É
cuidar d’outra invenção/O remédio para o câncer /Para curar nosso
irmão” (Cit., 7), além de trabalho para todos e construção de escolas
e hospitais. Declarando-se ignaro “do que a ciência faz/Meu estudo na
escola/Foi só do A para traz/ Minha opinião para a Lua/É que deixem
a Lua em paz” (Cit., 7), MFS se reporta como um atento observador
e comentarista das conquistas extraterrestres. A série de lançamentos
da Apolo foi, aliás, por ele coberta desde a descida no solo lunar (As
façanhas do Apolo 8 e os homens que foram a lua e O reino da
Lua), seguidos de A partida da Apolo 11 e a descida do homem na
face da Lua, O fracasso da Apolo 13 e os sofrimentos dos bambas
da lua reacende o azedume do poeta contra a aventura lunar, defen-
dendo o satélite como habitação de São Jorge e especulando sobre A
idade da Lua, aí por volta de 4 milhões e 600 mil anos.
Espécie de David Nasser do cordel, MFS baseou seus folhe-
tos em episódios da história contemporânea, a eles conferindo um tra-
tamento jornalístico, investigativo, persuasivo e exegético. O trovador
nem sempre incorre na neutralidade, manifestando-se convencido pe-
los fatos a emitir opiniões. N’As façanhas do beato Lourenço e a bata-
lha do Pau de Colher, postando-se contrário ao taumaturgo sertanejo,
julga-o um fanático facinoroso e ladrão, oportunista da fé e da crendice
do povo, ainda que sua versão no folheto seja declarada (como afirma
em nota de “Itabuna, 30 de outubro de 1967”) “Reportagem dada
pelo cabo Francisco Ferreira Lima (...) soldado de uma das volantes
da Bahia, e venceu a guerra do Pau de Colher” (Cit., 8). Por vezes, o
partidarismo de MFS antecipa-se no próprio título do folheto: A falsi-
dade de Gregório o pistoleiro do Catete, cujo início logo denuncia o
comprometimento da fonte: “Comprei um jornal “O Globo”/E vi toda
a falsidade/De Gregório com Getúlio”. De inspiração regional são os
mini-folhetos da série Noticiário Itabunense — A filha que matou o
próprio pai — e A garota raptada em Ilhéus e a prisão dos raptores,
onde um sarcástico MFS execra marginais: “O resto cairam fora/Para
não comer bofete/Com farofa de cadeia/E um chá de cacitete” (Cit., 8).

89
Em sua desenvoltura noticiarista, MFS ocupa-se dos assun-
tos mais diversos especialmente os que balizem a comoção popular,
ou a repercussão pública. É assim com A agressão dos ciganos e as
mortes do delegado Antonio Isquer e Nem da Farinha, em Coaraci,
ocasião em que o indignado trovador chega a pedir ao então presidente
Collor que expulse os ciganos do Brasil. O crime aconteceu em Itama-
rati, distrito de Ibirapitanga e o Isquer deve ser entendido como Scher.
Uma agressão fízica a Lucilio Bastos e a Rádio Difusora é ode à im-
prensa livre e ao seu papel difusor do conhecimento, da crítica e da in-
formação. Protestando contra os agressores Baldi Kalid (sic = Cálide),
prefeito de Gongogi, e seu filho Rômulo (o folheto é datado de “Itabuna,
29 de maio de 1979”), MFS adverte com graça ingênua: “Quem vive
batendo em homem/Pode virar lubis-homem/E arrisca a vida perder”
(Cit., 7). No folheto Os assaltantes de Banco no Estado da Bahia e o
linchamento de um deles em Firmino Alves, o trovador repórter con-
fere à notícia o imediatismo inscrito na esteira vertiginosa das ações
localizadas (no caso: 1987). Enquanto considera que “Bala é bicho sem
juízo/O povo todo afastava” (Cit., 7), o linchamento do assaltante assu-
me, para o poeta — e, por extensão, o leitor — fumos de vingança
inconsciente e fanática disfarçadamente concelebrados na obra.
Entretanto, o espírito conciliador do trovador-apóstolo
dirige a maioria de suas intervenções, retomando um discurso de
intermediação e implemento de reformas pacíficas, legitimada pela
redução do custo de vida e uma melhor distribuição de terra, mo-
radia e alimentação. No folheto A assinatura da Reforma de Baze,
por exemplo, mantém-se essa constante de regulação intermediada e
dialógica, junto com um arremate irônico do trovador a propósito dos
preços dos produtos no mercado brasileiro: “Só meus livros de histó-
rias/Nessa tabela não chia/Dois por cinquenta cruzeiros/No Estado da
Bahia!/Mais barato do que isto/Só casca de melancia” (Cit., 8).
Conquanto não se restrinja aos assuntos da contempora-
neidade regional ou nacional, MFS contempla o noticiário local ou
regional, com a importância conferida a eventos de vulto. Em O avião

90
sinistrado da Serra do Pilão, se alterna o relato de desastres com
vítimas, com o festejo do invento de Santos Dumont, rasura-o (“Obra
prima importante/E pra matar gente rica/Ainda é mais interessante”)
e também se previne (“Nunca andei de avião/Nem nunca pretendo
andar/Porque não sou passarinho/Pra no espaço voar/Pois no espaço
não tem/Onde ninguém segurar”). Intervém como um quase espe-
cialista em aviação militar no O avião Pantera e a guerra da Coréia,
folheto que toma o partido da indústria e ideologia norte-americanas
contra desumanos e escravocratas soviéticos e coreanos.
As peças de humor se ampliam e se encaixam na análise
dos problemas brasileiros avaliados pelo trovador-apóstolo. A baixa
da carne fresca e a tristeza dos vendedores, extraído de uma notícia
publicada no Diário de Itabuna, de 15 de dezembro de 1973, denun-
cia açougueiros e pecuaristas escondendo o gado abatido para forçar a
alta dos preços e subverter a tabela de contenção. O trovador se indig-
na, atribuindo a alta a gananciosos e marreteiros, e ainda salientando
maliciosamente que

A consciência dos homens


Tem chifre, esporão e rabo
A barriga estando cheia
De carne, feijão, quiabo
Desejam se divertir
Só querem Deus para si
para os outros querem o diabo. (Cit., 2)

Folhetos afiliados a debates de tais problemas são peças


que acrescentam ao ideário da obra de MFS um teor de investimento
crítico. A carreira da Sunab com medo da carestia dá voz alegórica
à Carestia, prorrompendo em jactância, instilando o caos financeiro e
humilhando os controladores de preços: “Sou uma negra peituda/Que
não respeita ninguém,/Meto a taca em todo mundo/Não tem porque
nem porém/Quem batalhar contra mim/Por fim apanha também”.

91
Carestia bota Sunab para correr (“Peguei a tabela dela/Rebentei toda
no chão”), desmoralizando esforços de contenção inflacionária e a
queda dos altos preços. O carro da carestia, como outros, defende
os economicamente mais fragilizados, sem esquecer-se do sarcasmo:
“Os urubus já estão usando/Patente de generais” (Cit., 3). A série ale-
górica segue um ritmo brincalhão e lúdico, pontificando um curioso
diálogo entre o maxixe e o quiabo, verdadeiros lordes cortejados pelos
ricos. O quiabo acentua: “Quando aqui me chega um pobre/Eu fico
de prontidão/Para pegar na abertura/E dar muito bofetão” (Cit., 3).
E não se diga, porém, que MFS é alienado, por conta de seu aparente
conformismo cristológico, uma vez que o trovador adverte para riscos
iminentes: “Ou vai ter guerra civil/Ou morre todo operário” (Cit., 6).
Na descrição de desastres automobilísticos, o trovador
igualmente notabilizará um gênero de folheto de imediato alcance na
comoção popular. É assim no A caída do ônibus na Lagoa de Baixo
e a morte da professora Valdelice Borges (datado de “Itabuna, 29 de
janeiro de 1968”), em que uma reportagem do jornal A Tarde serve
de inspiração à temática de veiculação popular. O impacto do desastre
e a comoção por ele provocada repercutem dramaticamente no sen-
sível poeta, que quase sucumbe: “Já não tenho mais vontade/de es-
crever tanto horror/meus olhos se enchem d’água/meu coração sente
dor/mas sou obrigado a escrever/porque sou um trovador” (Cit,, 8).
E justificando ante a tragédia, invoca a veia estética, num dos mais
geniais fechos com acróstico da literatura de cordel brasileira, por
sua proverbial força verbal acumulada ao estro de inspiração popular:

Mesmo o poeta na farra


Faz o que o povo quizer
Se for pra rir é com ele
Indo chorar também quer
Leva a vida com o povo
Versa o velho e versa o novo
Assim versa o que vier (Cit., 8)

92
Idêntico recurso à persona alegórica permanecerá satiri-
zando os descompassos de um sistema econômico ocupado em mi-
nar as já frágeis resistências do brasileiro sacrificado. Em A marreta
da carestia, MFS dotará de fala a bizarra personagem, assimilando-
-lhe as grotescas razões (“Eu defendo quem é forte/Quem for fraco se
derreta” — folheto datado de “Itabuna, 12 de novembro de 1977”).
Título e tema sequenciam A carreira da Sunab, e mais acréscimos
e variações em O sofrimento do pobre na taca da Carestia (“Itabu-
na, 20 de outubro de 1977”), incluindo minucioso quadro de outros
tantos flagelos e explorações. E num folheto aparentemente neutro, A
guerra do Oriente Médio e os sinais do Fim do Mundo, o cordelis-
ta opta pelo alinhamento automático (“Ao lado do americano /Entra
também o Brasil” – Cit., 5) e pelos apocalípticos sinais da desintegra-
ção humana na Terra, além de outros signos explícitos do final dos
tempos. O trovador rasura a suma de sangue e terremotos, glosando
horrores sinalizados pelas estrelas e deixando escapar mais uma mo-
tivação para agudeza da crítica à carestia:

Carne de 15 cruzeiro?
(...)
Só pode comer um peixe
Quem tiver unha de gato
(...)
Carne fresca o pobre hoje
É feliz quem vê o cheiro
Ou mesmo o cheiro sentir
Aquele que residir
Bem perto do açougueiro (Cit., 5)

Mas há um elenco — em quantidade, intensidade e densi-


dade — de folhetos de MFS cujos temas ocasionais funcionam como
instrumental persuasivo, dissuasivo ou doutrinário. Eles superam

93
em recursos dialógicos os explícitos Aparição de Nossa Senhora
das Dores e a Santa Cruz do Monte Santo, Coleção de benditos do
Bom Jesus da Lapa, O nascimento do Menino Jesus, A perversidade
que fizeram com a imagem de Nossa Senhora da Soledade e Os
conselhos do Bom Jesus da Lapa, As promessas dos romeiros que
agradam Bom Jesus, A voz de Nossa Senhora das Graças e a moça
de Itaberaba ou uma Coleção de músicas sertanejas de autoria de
Minelvino Francisco Silva, alternando letras religiosas e profanas.
Inequivocamente, o poeta grapiúna se sente mais à vontade
nos folhetos devotos e naqueles que resultam na (e da) comoção po-
pular. A humildade trovadoresca acompanha a invocação, que o poeta
não mais dirige a musas pagãs, mas aos sujeitos ou objetos sagrados
(Bom Jesus, Nossa Senhora, o Divino Espírito Santo, a Santa Cruz
etc.). No que versa sobre a chegada de Tancredo Neves ao Céu, por
exemplo, a invocação assim se dispõe:

Meu Divino Espírito Santo


Cobre com seu santo véu
Da vossa sabedoria
Este pobre tabaréu
Para escrever a chegada
de Tancredo lá no Céu

O positivista moral Minelvino Francisco Silva parece nunca


desfalecer em suas bandeiras do catolicismo em tempo integral. As-
sim se expressa no folheto O jacaré apaixonado e a meretriz arre-
pendida e o que lhe segue com o mesmo título, e complemento ou
o feitiço contra o feiticeiro. O tributo intensivo aos valores da moral
cristã transparece em seus mais variados aspectos, incluindo tanto
apelos convencionais (Louvores ao coração de mãe no dia 13 de
maio, Itabuna, 13/5/1974), quanto fenômenos transgressores reper-
cussivos (O Papa-Fígado de criança que apareceu em Porteirinha,
Minas Gerais), duas impressões de folheto em capas rosa e verde; a

94
Segunda edição do Rapaz que casou com um cabeludo pensando
ser u’a moça (e “Sem saber que a loteria/Ia dá burro e veado”, com
direito a glosas de Roberto Carlos e da Jovem Guarda, do tipo Eu não
presto mas eu te amo e Pode vir quente que eu estou fervendo). Mo-
tivação semelhante — agora com atributos simbólicos e emblemá-
ticos — se renova no folheto-reportagem sobre A triste história de
uma família soterrada em Ilhéus e os sentimentos dos cachorros
dos mortos. O casal de cães Rex e Bolinha, ganindo junto aos corpos
dos soterrados, remete o trovador à expressão requestadora dos sen-
timentos cristãos que acompanham as dores dos infortunados. Talvez
o mesmo se possa depreender de O rapaz que castraram no Ceará;
e a perversidade de um rico orgulhoso, relato de uma falsa denún-
cia de moça desprezada contra o moço pobre inocente. Sabiamente,
Minelvino omite os nomes dos envolvidos (“Com medo que o ricaço/
Mande me castrar também”), mas não renuncia à reflexão de ontolo-
gia crítica, concluindo que “o falso adoece a alma”. O folheto é datado
de “Itabuna, 20 de abril de 1976” e atribui o absurdo da violência às
desordens e ruínas da moral cristã no seio da família brasileira.
Como a narrativa popular em verso ocupa-se frequen-
temente do real, mimetizando-o ou e transfigurando-o, estende-se
seu perfil temático naturalmente a um conjunto imensurável de cir-
cunstâncias e modelos. Sensível à comoção popular galvanizada por
artistas identificados com a expressão de sentimentos mais comuns
e populares, Minelvino Francisco Silva traduz tais comoções em car-
gas simbólicas e emocionais. É o caso de folhetos como A morte de
Francisco Alves e a chegada no Céu e O pedido de Francisco Alves,
depois da chegada no Céu, onde sextilhas e sétimas ambientam o
cantor popular no aconchego afortunado do Paraíso, na companhia
de outros vultos históricos, políticos e artísticos, todos legitimados
pelo halo de simpatia compensatória empreendida pelo trovador. Al-
guns títulos chamam a atenção e ajudam a vender o produto artístico.
A prisão de Roberto Carlos o cantor da juventude é folheto sobre o
boato de prisão do Rei do Iê-iê-iê. A curiosidade do folheto, porém, é

95
ultrapassada, pois Minelvino dele se aproveita para discursar sobre a
dignidade dos ofícios, recomendando respeito equânime ao advogado
e ao roceiro, ao médico e ao trovador.
No relato do Nascimento e morte de Luiz Gonzaga Rei
do baião e n’A prisão de Luiz Gonzaga, reproduzem-se elegias ao
artista popular, com direito a ode rasgada de elogio e empatia, de
par com o intercurso das principais canções do ícone nordestino. A
morte do coronel Ludugero e seu secretário Otrope celebra outro
ícone, assim como a História da morte de Barnabé, em que Minel-
vino reconta divertidas anedotas do artista e diz que ele “É dos tais
que a morte mata/E depois chora com pena”. A paixão de Pedro
Caroço por Severina Xique Xique, reproduz em versão para o cordel
conhecida música popularizada por Genival Lacerda. Versão roman-
ceada de música popular iremos encontrar também na História do
fazendeiro que cortou o rabo do jumento. Na contracapa do folheto,
O rabo do jumento, do Coronel Ludugero, motivo da versão, em que
o fazendeiro se chama Nascimento Brabo e seu vizinho e reclamante
é o próprio Ludugero. Celebridades de outro nível também merecerão
homenagem em folheto, a exemplo d’A morte de Ayrton Sena e sua
chegada no Céu.
Ainda com base nesses exemplos de espelhamento do real,
MFS varia os temas de seus livrinhos, desde circunstâncias e vivências
pessoais — o episódio de Um roubo em Canavieiras ou a injusti-
ça de um tenente, relatando as humilhações sofridas pelo trovador
num episódio de furto numa pensão e a arrogância e o desrespeito do
Tenente Aniceto — ao O golpe do destino ou a morte de Geovaldo,
narrando um acidente com arma de fogo na sorveteria Pif Paf, defron-
te ao Cine Itabuna, quando um menino, imitando Rocky Lane, matou
outro sem saber que havia uma bala no revólver fatal. O trovador
então critica a mímese do cinema produzindo simulacros trágicos. Na
História da região cacaueira e a jagunçada do passado, o folheto
denuncia as boas e más ações no eito de uma rica lavoura, suas explo-
ração e benfeitoria, a cultura e a civilização nascidas e desenvolvidas

96
no sul da Bahia, ressaltando instituições como a Ceplac e o Conselho
Consultivo dos Produtores de Cacau. Atento aos fatos ocorridos em
sua região, o poeta documenta A temerosa explosão de uma cami-
nhonete de fogos em Jitaúna no domingo, 14 de abril de 1991 e O
temeroso desastre em Jitaúna, no dia da Micareta, descrevendo a
imprudência criminosa de um motorista de Jequié, cujos erros aca-
bam matando 14 pessoas e ferindo dezenas, razão pela qual quase foi
linchado pela população enraivecida.
Em sua feição celebrativa, MFS produziu folhetos Em ho-
menagem a Itabuna e aos seus habitantes, com capa mostrando a
lateral do Banco Econômico e o painel de Lênio Braga, na praça Ada-
mi. A ode à cidade que o acolheu faz o trovador declinar: “Conheço
esta cidade/Há uns 6 anos passados”, o que sugere ser o folheto de
1954. A obra enaltece o fundador e os colonizadores do município, o
comércio, as gráficas (algumas também jornais) Voz de Itabuna, A
Época, A Agenciadora, O Intransigente, Melgaço, Santo Antonio, no
bairro da Conceição, os médicos, dentistas, advogados, as instituições
públicas, escolas, os bairros, ruas, igrejas, centros de outras religi-
ões, além das empresas de ônibus, farmácias, casas exportadoras,
indústrias de café e macarrão. Destaca ainda o que hoje tornou-se
absolutamente improvável: “Temos o rio Cachoeira/Pra quem quiser
se banhar/O peixe aí à vontade/Pra nosso povo pescar”.
Nas sétimas heptassilábicas com que festeja A vitória da
Seleção de Ouro de Itabuna e sua chegada em Ilhéus, Minelvino
Francisco Silva se arrisca até a narrar lances e gols da equipe tri-
campeã do torneio intermunicipal, nomeando jogadores e efeitos das
partidas, a exemplo de Fernando Riela, Luiz Carlos, Tombinho, San-
tinho, Zé Reis, Gagé, Ronaldo e outros. O feitio celebrativo também
seria enunciado em folheto (datilografado e manuscrito, datado de
“Itabuna, 14 de junho de 1996”), festejando A libertação do Brasil
das algemas de Portugal, onde se verifica nítido penhor retrospec-
tivo da nacionalidade. Celebrativos seriam ainda A inauguração de
Brasília e a ideia de J. K. — em que MFS compara Juscelino a Pedro

97
Álvares Cabral (“Descobriu Pedro o Brasil/E Juscelino a Brasília”) e
glosa ironicamente os ciúmes do Rio de Janeiro com a transferência
da Capital Federal. A ode à Novacap catalisa frentes de trabalho e o
trovador defende a divisão territorial dos Estados de Minas Gerais e
Bahia com uma cândida justificativa: “Porque são grandes demais...”
Nos folhetos circunstancialmente reflexos de acontecimen-
tos políticos e sociais, MFS é declaradamente conservador e rigoroso e
disciplinado asceta do império da autoridade. Em As greves no Brasil
e a eleição de Fernando Collor, é ainda o crédulo (que depois se
declarará traído) nos ideais reformistas do político alagoano. Denun-
ciando o país das exclusões, no entanto, revela todo o seu potencial
de ironia, apupando o caos onde as inversões prosperam e “Linguiça
come cachorro/Banana come o macaco”. A greve de Itabuna (con-
tracapa elogiando a polícia) é folheto que deplora a greve, não lhe
reconhecendo perfil político adequado, nem nas conquistas, nem nas
ações, ainda que o trovador relativize a autoridade das leis e do direi-
to: “Tudo com lei se conquista/Dentro da educação/Para isso temos
lei/Em nossa bela nação,/Embora que poucos cumpra/E obedeça a
razão” (Cit., 7). A Revolução da Reforma Agrária é manifesto con-
ciliador e contra greves. Em A vassoura de bruxa no sul da Bahia
(datada de “Itabuna, 28 de fevereiro de 1990”), o tom é apocalípti-
co, vingador, acusatório dos tempos de fausto irresponsável. A voz do
texto começa alegórica, com a vassoura expedindo seus libelos acu-
satórios, depois vai descrevendo as etapas de evolução da epidemia
e seus resultados e repercussões catastróficos. Já n’Os sofrimentos
de um bahiano no Estado de São Paulo (de 1952) revela-se um
ironista deplorando o êxodo sem planejamento e a frustração em São
Paulo (tido como a Pasárgada de desesperados trabalhadores). Inclu-
sive, MFS glosa Bandeira — “Vou-me embora pra São Paulo” (Cit.,
2) — satirizando as amarguras de desiludidos trabalhadores e seus
fracassados retornos. Incurável otimista, todavia, MFS invectiva seus
conterrâneos a permanecerem e confiarem na recuperação da Bahia
como lugar de trabalho e progresso individual e coletivo.

98
No plano internacional, o conservadorismo de Minelvino
Francisco Silva também pouco se altera. Analisando A guerra do
Iraque e a loucura de Sadam Russém, apresenta uma versão dos
episódios contaminada pela embalagem de produto jornalístico fa-
vorável aos Estados Unidos. Os estadunidenses e a ONU aparecem
como salvadores da paz e do estatuto do direito internacional. Am-
parado por esse noticiário a favor de um só lado, claro que o ânimo
do trovador demonizará o outro, oriental, com o registro ingênuo das
falácias da primeira guerra contra o Iraque, representando os Estados
Unidos como salvaguardas da democracia, prendendo seus inimigos
e tratando-os com patética brandura: “Porém eles são tratados/Como
uns seres humanos” (Cit., 6). O curioso é como o trovador grafa os
nomes estrangeiros, tal como pronunciados na oralidade popular:
Jorge Buxe, S. Russém, Miterran, Tela-Vive, Kuáite. Mísseis, por exem-
plo, são Misses. Em outra circunstância de alinhamento incondicio-
nal, Libertação dos reféns americanos do cativeiro do Iran legitima
a política internacional dos Estados Unidos, sua versão triunfalista
contaminando o ingênuo trovador, ao tempo (“Itabuna, 26 de janeiro
de 1981”) do envolvimento de nomes como Reza Pahlev, Komeini,
Jimmy Carter, Ronald Reagan e quejandos...
Onde talvez MFS melhor tenha estruturado sua obra tro-
vadoresca é nos folhetos de inspiração fantasiosa, especialmente em
casos picarescos e humorísticos. Um matuto vendendo Rola assada,
por exemplo, apela para a ambiguidade metonímica, o duplo sentido
que se aplica aos nomes de passarinho e membro viril na sinonímia
popular da Bahia. O lúdico das cenas e da forma espicaça o humor
gracioso e espontâneo, com o trovador reproduzindo a fala malicio-
sa de um vendedor de pássaro assado nos vagões e nas estações de
trem: “Minha rola é tão gostosa/De gorda já tá minano (...) O efeito
da menor/É o mesmo da graúda” (Cit., 2), “Nem polvor [provou] de
minha rola/Logo no mato jogou” (Cit., 3). O folheto embarca gozoso
na ambiguidade subreptícia: “Pois minha comadre Perola/Com o dia-
bo da usura/Comeu rola a tarde toda/Com tanta da gustusura/Comeu

99
uma rola inteira/Quando foi na derradeira/Ela já estava dura” (Cit., 5)
— e ambiguidade explícita que associa a malícia ao inconsciente des-
reprimido, pois intencional: “Eu como macaco velho/Não vou cair na
cilada” (Cit., 7). Assegurando-se do que chamou de “idioma brejei-
ro” (Cit., 8), MFS anuncia novas duplicidades, entre as quais Matuto
vendendo ovos e Casamento da pulga. Semelhante identidade hu-
morística é seguida em Um samba de murros no jogo do Bahia com
o Itabuna (14 de junho de 1979), História de Zé Valentão e sua luta
com Olegário Piadista (glosa de causos, piadas e humor ingênuo e
faceto, folheto datado de “Itabuna, 5 de março de 1990”) e O trova-
dor radiotécnico, mini-folheto de 8 páginas, composto em décimas,
com martelo e mote: “Monto/rádio num só dia/Ou um amplificador”.
Neste exemplar de facécia ingênua, MFS se arroga autossuficiente no
conhecimento do ramo anunciado, mesmo declarando-se tipógrafo
que “arranjo como xilógrafo/Atrás do jeito da vida” (Cit., 8). O mote
final é alterado, culminando com a explicação: “Senhores vão descul-
par/Esta minha brincadeira/Escrevir tanta besteira/Que faz até abu-
zar”. Justificando-se, por fim, apenas como trovador, confessa: “Nem
monto um rádio num dia/Nem um amplificador”.
A última moda para 1977 e o casamento da raposa (ro-
mance de 16 páginas sugerido pelo título interno A mulher de 7 me-
tros que apareceu em Alagoas propagando a última moda para
1977. é bastante curiosa: “Agora em setenta e sete/É só tamanco e
chapéu”. A mulher de sete metros é filha de Lúcifer, impedida de
casar-se porque as moças da Terra a imitam e roubam suas modas
escandalosas, prejudicando-lhe a novidade. No mesmo diapasão, O
casamento da raposa com o veado cristaliza o modelo de prestígio
antropomorfo dos animais, seguido no exemplar de Uma eleição na
floresta, ambos mantendo a mesma graça maliciosa e ambígua dos
folhetos picarescos.
N’O valor da Reforma Agrária e a missão da terra, desta-
ca-se o quase solitário defensor da Reforma Agrária dentro da lei, sem
invasões nem represálias. As sétimas heptassilábicas reconhecem a

100
legitimidade da luta dos posseiros e Sem Terra, despontando para um
otimismo recalcitrante e messiânico: “Depois da Reforma Agrária/
Todo pobre vai ter nome/não terá vida precária/Porque a Reforma
Agrária/Da pão para quem tem fome” (Cit., 8). O nostálgico reden-
torismo d’O valor da Reforma Agrária permanece em dois outros
folhetos tematicamente relacionados à manifestação expletiva dos de-
sejos utopistas do trovador. Em A volta do presente para o passado e
o valor do cruzeiro forte e, mais especialmente, A volta do passado,
MFS todo o tempo suspira por um passado grandioso, antenado com
típico mote proustiano: “Ah se o passado voltasse...”
A Historia de Lampião em Vila Bela, romance de 32 pá-
ginas ampliado do ABC de Lampião, reinveste no vergaste à usura e
ambição projetadas em uma velha ingrata a um Lampião protetor, a
quem a mulher pretendia envenenar. Descoberta a trama por meio de
uma colher de prata — que negreja em contato com o veneno —, o
rei do cangaço manda incendiar a traidora para proveito e exemplo da
moralidade. O folheto é claramente de feição favorável ao cangaceiro,
que promove no sertão a justiça e o castigo. A narrativa hiperbólica faz
um trem-de-ferro “levantar poeira...” Mesmo teor justiceiro e punitivo
se inscreve na História de Mão Branca o matador de bandido no Rio
de Janeiro, em que o cordelista subsume o crime e a ação justiceira,
tomando como pretexto a defesa da lei de Talião do Velho Testamento,
desejando a existência de mais vingadores espalhados pelo país com
a justificativa de que “Precisa muitos Mãos Brancas/Em nossa bela
Nação” (Cit., 5). Quanto aos ladrões, o trovador vai mais longe em
sua sequência de reptos justiceiros, deixando aflorar um curioso MFS
partidário da pena de morte para latrocidas: “Pode matar que é bicho”,
pois “Quem mata pra roubar/É um filho do diabo” (Cit., 6).
Desvios morais como incesto, estupro e homicídio são
igualmente alcançados e punidos pela semântica justiceira de outros
tantos folhetos de MFS. N’O irmão que matou a irmã na Fazenda
Canudos, em Poções, a ironia do nome do fratricida: Clemente. Mes-
ma constância de apelo à justiça está inscrita em A morte de Maria de

101
Lurdes e a prisão do monstruoso tarado, A morte de um fazendeiro
e a revolução em Itapetinga, A morte de um menino na Desportiva
Itabunense e a fuga do soldado Elias, A morte do guarda Maroto
na Vitória da Conquista, A morte do motorista de táxi e a prisão
do criminoso, As mortes de cinco crianças e o sentimento de uma
professora, As mortes em Buerarema ou o direito de matar (em
que MFS proclama que “Já estamos em 53” e confirma Nostradamus,
anunciando que não chegaremos ao ano 2000...). N’O linchamento
de 5 ladrões de carros em Ipiaú a riqueza de detalhes aprofunda as
justificativas do trovador de que a justeza dos atos se baseiam na lei-
tura enviesada do Velho Testamento e da Lei de Talião “porque quem
mata sem lei/Sem lei terá que morrer”. Outros títulos confirmam
a personalização do fetiche na danação aos transgressores. Em O
monstruoso crime de José Carlos dos Santos e a prisão de Paulo
César Farias denuncia-se o rolo compressor da corrupção endêmica
na Brasília da era Collor e dos anões do Orçamento. N’A morte da
viúva Precilia ou o fazendeiro que mandou matar a irmã e cortar
uma orelha”, narram-se testemunhos extraídos do programa de Pe-
dro Lemos na Rádio Clube de Itabuna, 18 de maio de 1970. A base
material fornecida pela imprensa também será ampliada no folheto
A morte de Aragão pela polícia de Itatingui, em que MFS, inspirado
no noticiário do Diário de Itabuna de 9 de fevereiro de 1978, elogia o
combate sistemático a bandidos, requestando os pecadores para a via
do perdão e da penitência.
Reflexos morais ou teológicos igualmente permeiam os
folhetos, notabilizando o poeta popular como pregoeiro de máximas
da exegese cristã para purgação dos conflitos no mundo. A Tragé-
dia de morte de Barrinhos, ao transcrever notícia publicada no
jornal O Intransigente, especula em sextilhas heptassilábicas sobre
a tentativa de assassinato, via atropelamento na rua Paulino Vieira,
em Itabuna, e o quase enforcamento do milionário Oscar Marinho
Falcão, fatos acrescidos do que viria a acontecer ao quase homicida
Barrinhos, apontado como executante de um plano para eliminar

102
o rico fazendeiro. Já a História do falso profeta da Assembléia dos
Santos e a morte de oito crianças em Salvador reencena a suma
de protestos do trovador contra fanáticos e tendo em vista uma mais
correta exegese do Texto Sagrado, cuja leitura não se deve fazer “ao
pé da letra”.
Os folhetos cujas diretivas temática e conteudística obede-
cem ao arcabouço do fantástico ou do extraordinário constituem capí-
tulo fascinante envolvendo a obra de Minelvino Francisco Silva, tanto
pela riqueza e variedade dos lances de ação, quanto pelos aspectos
singulares que enfeixam essa obra. Na História de João Preguiço-
so e a cabra que chocalha dinheiro, o próprio Minelvino designa a
narrativa como integrada no assunto fabuloso. Particularmente feliz
nos entrechos narrativos do conto maravilhoso, descreve o percurso
picaresco de João, sua toalha mágica (que sempre trazia comida farta
à mesa) roubada por uma velha. João Preguiçoso é o heroi castigado
pela esposa iracunda. Sua história graciosa encerra o triunfo cele-
brativo da boa intenção, junto com a vitória dos ingênuos e puros,
castigando os arrogantes e gananciosos. A História do homem que
engoliu um caminhão e defecou um automóvel evidencia o humor
hiperbólico e sutil, satirizando, pelo exagero, as fantasias da soberba
(e da gula, naturalmente). Um homem aparentemente comum engo-
le um caminhão inteiro, com chofer e tudo. O médico chamado para
lhe prestar assistência analisa o caso e apresenta a solução mais viável
para combater aquilo considerado fenômeno e primor das circuns-
tâncias naturais: “Disse o doutor: eu não faço/Neste bruto operação/
Mas vou ensinar um remédio/ Que salva a situação,/Porque o que
passa na guela/Passa também no botão” (Cit., 4). A sutileza de MFS
indicia curiosa metáfora para a extremidade terminal do reto, sutileza
que parece desaparecer quando admite prescrever-se trinta toneladas
de azeite a fim de o gigante expelir o engolido, com as consequên-
cias mais danosas aos sentidos, especialmente ao olfato: “A barriga
de Gonsalo/Começou a papocar,/Cada vento que ele dava/Só via azeite
voar/Um fedor tão horroroso/De ninguém mais suportar” (Cit., 5).

103
O fabuloso absorve o fenomênico e dita a ordem do gênero
do folheto, ainda que este recorra ao virtual, promovendo o interna-
mento do chofer sobrevivente a tão bizarra experiência no itabunense
Hospital Santa Cruz... A hilaridade se associa ao humor ingênuo e
envolvente em outros folhetos como a História do homem que ia
ser enterrado vivo. O entrecruzamento do real com o fantástico ou
extraordinário subsiste na História do homem que matou o pai e
bebeu-lhe o sangue. O assassino é descrito como um pobre celerado,
o que talvez faça com que o trovador recorra aos expedientes costu-
meiros: “Se é que não foi assim/Ninguém se queixe de mim/Vi no
jornal publicado” (Cit., 8). Na História do português inocente e a
Ponte que caiu ocorre seguramente a única oportunidade na obra de
MFS em que aparece a sugestão de um palavrão, ainda que descolado
de seus aparentes significante e significado. O expletivo irado Puta que
Pariu é socialmente convertido para Ponte que Partiu. Mas no começo
da narrativa (p. 1), MFS grafa História do português inocente e a
Puta que pariu. Comentando seu folheto como história de gracejo,
MFS chama a atenção para a “puta que pariu/Lá dentro do cabaré” e
esclarece, eximindo-se da responsabilidade do dito, tudo atribuindo à
confusão de contextos e à falta de malícia do português, inocente da
ambiguidade prosódica brasileira. O português é acusado de desacato
à autoridade policial porque assim respondia a propósito do parto no
cabaré: “Foi a puta que pariu”. A graça ingênua suspende o pendor
escandaloso do palavrão, a fala deslocada injetando verdade essencial
do dito em seus diferentes contextos. O trovador investe no ludismo
da fala e suas representações, aludindo ao reforço praguejador do
brasileiro que “Quando ver uma coisa feia,/Grita: puta que pariu!”
(Cit., 8).
Os simulacros das crendices populares ou o universo dos
bruxedos e abusões também irão transparecer amplamente nos tex-
tos de Minelvino. A História da mula de padre que apareceu no Es-
tado de Sergipe reproduz o repertório do fantástico e absurdo inscrito
no imaginário popular e folclórico. A História da mulher xingadeira

104
e o menino que nasceu com dois chifres em São Paulo transcreve
fenômeno escatológico: o bebê diabo gerado por mãe praguejadora:
“O moleque deu um pulo/Depressa na jaula entrou,/O médico bateu
a porta/Ligeiramente trancou,/O negro deu uma dentada/Num ferro
que envergou” (Cit., 5). Intervalando-se ao predomínio do absurdo
ditado pelo fenomênico, alguns folhetos permanecem no território
do fabuloso, mas engendrados numa ambiência de leveza até idea-
lística, ou quimérica. É o caso d’O amor do filho da raposa com o
filho da galinha, consagrando a amizade como um valor imemorial,
reunindo um raposinho a um pintinho, unidos em jogos e brinca-
deiras, equivalendo ao afeto impossível entre O gato Malhado e a
andorinha Sinhá, de Jorge Amado. A raposa, porém, impõe ao filho
o senso de medida do real, virtualizando um choque lógico da ordem
material concreta, signo da vida prática, e argumentando: “Aquele seu
amiguinho/É ele o nosso pirão/(...)/Já está no tempo, meu filho/De
brincar de mastigar” (Cit., 4).
A história então torna-se fábula de quando os bichos fala-
vam... e sentiam, a exemplo do que versa O casamento do tigre, ou o
cavalo do mestre coelho, romance de 32 páginas que elogia o triunfo
da astúcia e da inteligência contra a força e a agressividade. A Estória
do papagaio criminoso e o macaco pistoleiro exercita o lazer des-
contraído, de riso fácil, num folheto que se transmuda em folhetim.
No surpreendente O encontro do rei das feras com o bicho homem,
MFS alia e põe em relevo as mais realistas preocupações ecológicas e
reflexões da filosofia humanista e cristã. Já na História de Zé Lamba-
da, o rapaz que dançou lambada no Inferno, o trovador revisa seus
assuntos e modelos temáticos e estilísticos, atualizando-os e renovan-
do-os de acordo com os registros sociais de sua contemporaneidade,
a esta acrescentando uma pitada do extraordinário, do fabuloso ou
escatológico. Uma vez que suas prerrogativas são sempre de ordem
moral (e da moral religiosa católica, apostólica, romana), MFS põe os
diabos dançando lambada, com seus “chifres/Em forma de um quia-
bo” (Cit., 3). E com a mesma frequência, como bem observou Clóvis

105
Moura no O preconceito de cor na literatura de cordel (São Paulo:
Ed. Resenha Universitária, 1976), MFS reinveste na discriminação
corrente, associando cores emblemáticas da geografia e antropologia
etnocêntrica, em que os diabos são sempre negros.
Na fronteira entre o virtual e o escatológico, a História do
homem que vomitou sete urubús é texto de investigação atribuído
a um jornalista, que vê diminuída a quantidade de urubus vomita-
dos até concluir por uma verossimilhança escandalosa: o vômito era
preto como as aves rapinadoras. O relato gracioso descamba para di-
ferentes versões de um fato que, desvelado, passa de fenômeno a sim-
ples imagem comparativa. O ciclo da “mulher de sete metros”, que
originalmente “apareceu em Itabuna”, teve sequência alarmante “no
caminho da Lapa e assombrou um motorista em São Paulo”, além de
outros circuitos, desvela histórias distintas, com a mesma persona-
gem fantástica e semelhante diapasão moralista, incorporando, por
vezes, os mesmos trechos de exageração superlativa com o fim de
infundir no leitor a fragrância alarmista.
Assim se constitui a produção do folheto extraordinário na
obra de Minelvino Francisco Silva: variada e dinâmica, exibe a familia-
ridade do trovador com diferentes signos de linguagens e motivos. A
muriçoca que enguliu um caçador, por exemplo, revela o quanto os
folhetos serão assistidos por hipérboles espetaculares, pois do inseto
enfim capturado, “Zuza tirou só de banha/Vinte e cinco toneladas”
(Cit., 7).
Os modelos seguidos no tratamento de assuntos históri-
cos não raro indiciam um MFS pouco afeito a considerar versões,
sobretudo as que divirjam da interpretação oficial. Na História de
Antonio Conselheiro e a guerra de Canudos, por exemplo, desen-
volve-se uma malha de análises pantanosas, com MFS enxergando
no Conselheiro alguém completamente desviado da ética cristã para
a política, tanto assim que “se virou no carniceiro” e num falsário,
pois com “sua imaginação/(...) iludia/Toda aquela multidão” (Cit.,
1). Os exageros da análise são condicionados à formulação papista,

106
de continência absoluta aos rigores da Igreja Católica e ao respeito
integral aos governos. MFS é um legalista em estado puro, o que o
impede de perceber a alteridade de pensamento ou de relativizar os
contornos da verdade histórica. Escapam-lhe, em decorrência, a dis-
tância crítica sobre a natureza e característica da morte humilhante
do soberbo Moreira César, dos impostos escorchantes da República
ou da fraude na recusa à entrega da madeira de Juazeiro, conquanto
a encomenda já estivesse paga pelos canudenses. Enquanto para o
Conselheiro sobram epítetos como “aquela bruta serpente” e os con-
selheiristas são tachados como “bandidos”, o general Oscar Andrade
é galardoado com caracteres bíblicos: “Na coragem era um David/Na
força era um Sansão”. O poeta cita Os sertões, mas omite o massacre
denunciado por Euclides, ao passo que as tropas oficiais aparecem
sempre como generosas e complacentes.
Obediente ao seu perfil apostolar, a obra de Minelvino
Francisco Silva perfila um trovador obcecado pela função social da
educação, caracterizando-lhe o papel de regeneradora dos costumes.
Uma das mais prestigiadas seções da obra minelvina reside justa-
mente em sua preocupação com os fenômenos morais afligindo a
sociedade contemporânea brasileira, conforme comprovam títulos
como ABC da maconha e o desacerto do maconheiro, em que o
inconsciente textual revela uma sintomatologia de caráter autoritá-
rio, pouco frequente no cordelista. A barbaridade dos ciganos e a
vingança de um motorista é peça de revanchismo moral narrando
os trágicos episódios envolvendo um motorista paranaense, que invo-
luntariamente atropela e mata o filho de um cigano, é trucidado com
requintes de selvageria homicida e depois vingado por seus pares. Em
Os conselhos de sua mãe subsistem a exemplaridade moral e relatos
de Trancoso em versos de purgação. A morte do Santo Padre o papa
Paulo VI comunga do pensamento papista contra o divórcio, o aborto,
o casamento de padres etc.
A série de Conselhos compreende desde O crime de quem
não sabe ler — malfadada história de um analfabeto que mata a

107
mulher supondo ter sido traído por ver (e não ler) uma carta da mu-
lher dirigida a um infame que a cobiça e em que ela protesta eterno
amor e fidelidade ao marido — aos folhetos adventícios alertando
para os riscos do analfabetismo, e da má educação, além d’Os con-
selhos do Padre Cícero e a vocação a Nossa Senhora dos Dores, Os
conselhos do Padre Vítor e o incêndio na procissão e Coração de
Mãe. Os conselhos do Padre Cícero, aliás, começam por profetizar
secas e inundações, fomes, mortes, maldições e doenças, as guerras
e a iminente chegada do Anticristo. Antes de aconselhar (de se peni-
tenciar, orar, respeitar o Deus dos cristãos), o padre de Juazeiro do
Norte prognostica, em hiperbólicas premonições, a proximidade do
Anticristo, retomando os humores do Nostradamus permeado pelo
Apocalipse e confirmado pelo trovador: “O caso aí vai ser sério/Nin-
guém deve duvidar,/O sangue dá no joelho/Só parece com o mar./Pois
o sol desaparece./ O mundo todo escurece./As águas dão pra amar-
gar” (Cit., p. 6).
Folhetos há que concelebram o exclusivismo doutrinário
dos representantes da Igreja Católica Apostólica Romana, comentan-
do e interpretando as teses papistas sobre as reformas sociais (com
destaque para a análise do percurso da Reforma Agrária por todo o
país) e outras. Na glosa de glorificação beatífica encontramos A se-
gunda chegada do papa no Brasil e sua visita a Irmã Dulce, O
doloroso atentado contra o papa João Paulo Segundo e A gloriosa
chegada de Irmã Dulce no Céu, ocasião em que um sempre sur-
preendente trovador pede perdão a Deus pelo pecado da imaginação,
presumindo e antecipando-se a hipóteses divinas. E justificando-se
previamente face à produção de folhetos imaginosos: “Que isto é arte
de viver/Pra de fome não morrer/Nem roubar ao meu irmão/(...)/
Antes julgar para o bem/De que julgar para o mal” (Cit., 8).
Repórter documentarista de crimes, MFS purga com seus
folhetos a ambiência de desvios morais, denunciando a banalização da
violência homicida. Em O crime misterioso ou o homem que tomou
80 facadas, descrevendo o macabro assassinato no antigo bairro do

108
Cajueiro, em Itabuna, em 7 de dezembro de 1958, a vítima é assim
referida: “Furado mesmo a miúdo/Como quem fura um mamão/
(...)/Fizeram com o pobre homem/Como faz com melancia”. Os títu-
los se sucedem numa seriação de horrores: Os crimes de Emilio Ca-
roba e o milagre da promessa, Os crimes em Candido Sales antiga
Nova Conquista (com o idealista abstrato pronunciando-se pelo de-
sarmamento: “Em vez de usar um revólver/Use o Novo Testamento”),
O direito de Matar — formulação pacifista invocando a fábula em
defesa do desarmamento: “Nós pensamos que as armas/Servem para
nos salvar/Mas é engano amiguinhos/Só é pra nos condenar/Porque
elas dão a nós/O direito de matar” (Cit., 6).
O vezo moral induz a totalidade das conclusões firmadas
nesses folhetos. Em O direito da mulher, o trovador inova com o
reconhecimento dos direitos de igualdade sexual, atribuindo à mu-
lher mecanismos sociais de equiparação profissional e equidade de
direitos e deveres. Mas o texto também adverte para a exacerbação
feminista, com as hipérboles da praxe, que resulta numa mulher for-
mulária, liberada para cometer os mesmos vícios masculinos:

Se você beber cachaça


Eu também quero beber,
Se você for namorar
Não tenho tempo a perder,
Tanto aqui e como além
Eu vou namorar também
Para todo mundo ver. (Cit., 2)

A ordem moral permanece como principal reforço ideo-


lógico e filosófico nos folhetos de Minelvino Francisco Silva. Veja-se
como ele abre O filho que matou o pai, e mãe para ficar com a
erança, que reproduz carta do presumível assassino (José M. Souto
Maia, “sem retoque, segundo o jornal A Tarde”): “O diabo antiga-
mente/Com chifres como quiabo/Atentava a todo mundo/Em tudo

109
metia o rabo/Porém o povo de hoje/É quem atenta o diabo”. Depois
apurou-se ser a carta apócrifa e o verdadeiro assassino, um irmão
de José M., Marcelo, o criminoso que matou os pais e incriminou
o irmão deficiente mental pelo incidente. Em As quatro misérias
deste mundo (datado de “Itabuna, 26 de setembro de 1968”), dé-
cimas decassilábicas, compostas em ritmo de martelo agalopado,
testemunham uma das mais notórias referências poéticas de MFS
no âmbito do ludismo medieval, incluídos o mote e suas glosas:
“Jogo, dança, cachaça e mulher ruim/São as quatro misérias deste
mundo”.
O inventário dessas considerações morais tangencia um
sem-número de assuntos. A História de João Besta descreve as tro-
pelias do tosco João, parvo de doer, homem mais besta, impossível.
A História de um rico orgulhoso escarnece de valores negativos
como orgulho, soberba e ausência de caridade. A História do fim
do mundo e julgamento final é versão do trovador-apóstolo para o
Apocalipse cristão, ambiência escatológica e simbólica que se esten-
de a Uma história contada por Jesus, Lázaro Leprozo e um rico
avarento. O debate sobre valores cristãos se superpõe à História
dos quatro irmãos usurários. Na disputa por um caroço de milho,
os irmãos ganham um boi, que esmaga três deles, fazendo evoluir
a predominância de motivações fantásticas na narrativa em verso
popular. O irmão sobrevivente assim festeja o fatídico usucapião:
Respondeu o usurário:/Sai daqui velha ruim/Comida de velha é
terra/Ou então grama ou capim,/Enfrento todo embaraço/Mas não
te dou um pedaço/Nem que tu me faça assim” (Cit., 5). O assim
determina o gesto de cortar a garganta, o que acaba acontecendo ao
avarento e à velha.
O moralismo adstringente faz-se acompanhar das instân-
cias de riso como em A língua de minha sogra, folheto em oitavas,
rimado em ABCBDDDB, hilariante nas peripécias e situações típicas
dos quiproquós, aí incluído o conselho ortodoxo que o trovador (nada
apóstolo...) prescreve aos que sofrem com as sogras:

110
Quem tiver sogra ruim
O remédio é dar bofetada,
É um remédio tão bom
Que logo fica domada,
E mulher conversadeira
Má criada fuxiqueira
Que se mete a lambanceira
O remédio é dar pancada (Cit., 8)

A contraversão virá no folheto A razão das sogras e porque


elas são linguarudas, que encena os motivos da irascibilidade atri-
buindo-os ao desmazelo de genros ou noras para com seus parentes.
Um MFS copista atrai para seus folhetos notícias de jornal, os entreou-
vidos nas ruas e feiras e os relatos de outrem. Na narrativa sobre O que
faz o mau vizinho e os crimes da feirinha (caso sucedido em Vitória
da Conquista), as considerações judicativas analisam em perspectiva
ética o que a errância moral acarreta à vida em comunidade: “A igno-
rância é irmã/Gêmea da incompreenção/Prima carnal da disordem/E
filha da perdição/É neta da inconsciência/Amiga da maldição” (Cit., 8).
Em A marreta da morte é tão pesada que a pedreira da vida não
agüenta, o próprio título do folheto já é mote em dois versos decas-
sílabos. O mote percorre a integralidade da narrativa, introduzindo-se
aí um caráter inovador para a composição (e glosa) seguindo décimas
decassilábicas. O livreto sugere uma prática democrática da morte, que
a todos alcança — os fracos e fortes, poderosos e pequenos, santos
pecadores, e reis, papas, profetas, políticos, anônimos cidadãos e até
lastimados poetas como Bocage, Camões, Leandro e Athayde:

Sem protesto, sem choro e sem duelo


Seja preto, moreno ou amarelo,
Pode ser sua cor até cinzenta
O guerreiro mais forte ela enfrenta
Sua vida ela leva empacotada (Cit., 6)

111
Em Os menores transviados, folheto refletindo os dramas
sociais produzidos pelo abandono familiar e pelo Estado, Minelvino
descreve comportamentos e analisa criticamente a sociedade per-
missiva responsável por esses dramas, defendendo a pedagogia do
cinturão para bem educar os filhos. O trovador insinua ter sido o li-
vrinho escrito em 1961, em Brasília, e publicado em “Itabuna-Bahia,
27 de junho de 1979”. Em iguais períodos, reflete com desalento:
“Está passando do tempo/De termos ordem e progresso” (Cit., 7).
A crítica de comportamentos sociomorais também orienta A moda
da mini-saia e a garota Braza Viva, descrito à luz de fenômenos
universais de desagregação: “Em Saigon a guerra é feia/matam pra
mais do “contrato”/o Egito com Israel/vive sempre em desacato/Via-
tinã morre gente/que só cabelo de gato” (Cit., 7). Os signos apocalíp-
ticos são apreendidos das Escrituras e, conforme Minelvino citando o
“velho Nostradamus”, das profecias de que não chegaríamos a 2000
(o folheto é de 1966 ou 1967, salientando que “para inteirar 2 mil/
não falta nem trinta e três” — Cit., 7). Igual senso de desproporção
comportamental e insuficiência de exemplaridade moral percorre A
mulher que bateu no marido de sandalha japoneza. Já em A morte
de Maçú vitima de um candomblezeiro o desnivelamento resvala
para o preconceito de origem religiosa, com o final do folheto reve-
lando temor e precaução do trovador, que invoca o bom senso dos
afetados: “Agora, meu folhetinho/Aqui eu vou terminar/Pedindo aos
candomblezeiros/Que queiram me desculpar/Não vão me botar por
baixo/Do seu tremendo despacho/Com raiva pra me matar” (Cit., 8).
Ambientado “no reino de Sião”, mas livremente inspirado
na canção dramática de Vicente Celestino, “Nobreza de um coração
de mãe e a loucura de um filho apaixonado” reproduz as instâncias
do Coração materno, de Celestino e Gilda de Abreu. Sua abertura
desloca o trágico para o lírico: “Amor de mãe é tão grande/Não se pode
comparar,/É maior do que a terra/Mais profundo que o mar,/Mais
suave que a brisa/Numa noite de luar” (Cit., 1). Tematicamente, não
se altera a reprodução: Adriano, apaixonado por Rita Aragão, investe

112
contra o coração de sua mãe, arrancando-o com violência. O cordel
acrescenta ao drama o penhor materno intervindo pelo filho prestes a
ser enforcado, livrando-o da morte justamente por tê-la assassinado.
Na linha de folhetos descrevendo desvios de ordem mo-
ral por influência do alcoolismo, O poder da cachaça contra a lei
do Criador é alegórico, passando a voz à Cachaça, que protagoniza
um humor ingênuo projetando uns curiosos mandamentos para ob-
servância do consumidor etílico. A narrativa de proveito e exemplo
permanece extensiva a’ O rapaz que comeu a orelha do amigo com
cachaça, título ampliado no interior do folheto para O rapaz que
comeu a orelha do amigo com sal, limão e cachaça. Aqui MFS espe-
cula e amplia anúncio escandaloso, extraído da leitura de notícia no
jornal O Repórter, de Goiânia, em 6 de outubro de 1977. Encerrando
sua catilinária contra o uso de bebidas alcoólicas, reafirma o trovador,
em verve apocalíptica e regeneradora:

Pois quem toma um pouquinho


Um dia toma um poucão
Desconhece seus amigos
Solta logo palavrão
Ou toma tapa na cara
Ou vai dormir na prisão (Cit., 8)

O moralista impregna suas criações desse apontamento de


males oriundos dos vícios. A fonte desses males, para o trovador, não
é quase nunca é de origem externa, mas decorrente da intimidade
humana com o universo das perversões de origem, geralmente atri-
buídas ao vocabulário desviante próprio de indivíduos extraviados da
religião libertadora. Reclamação e sofrimentos de uma prostituta
reorienta a voz do relato, encaminhando-a à própria meretriz, que
monologa sobre seus espelhos e reflexos. A fala do texto em oitavas
registra o discurso da desviada, que reconhece: “Taca de pai é conse-
lho,/Taca de mãe é espelho/Que mostra como aparelho/A buraqueira

113
da vida/Pra gente se desviar/E não ir se atolar/Na lama pra se acabar/
Como eu aqui perdida” (Cit., 7). Nas décimas de A resposta do direi-
to de nascer avultaram algumas novidades estilísticas na composição
dos folhetos: o ritmo de galope, as pertinentes indagações e a produ-
ção por encomenda, mas sem conotação política. O tema proposto
por outrem é então desenvolvido pelo trovador obedecendo a impera-
tivos do arrazoado e referendo contra o aborto.
Em outra ponta da moralidade irônica, MFS narra O resul-
tado de quem vende fiado”, décimas contendo agudas advertências
ante um mundo submergido ao caos moral, ausência de caráter (co-
mido por cachorros) e vergonha (lambida por gatos). O trovador não
apenas adverte, mas igualmente admoesta, recriminando a quem fia
e, por consequência, assim lavando as mãos:

Quem quizer ser bom que morra


Ou então vá para guerra
O bom aqui nessa terra
Termina como gangorra
Ou trepado numa zorra
Se arrastando pelo chão
E se quizer ter razão
Quem vender o seu fiado
Està bastante arriscado
Ir até para prisão (Cit., 1)

Usando do recurso da alegoria, Minelvino movimenta per-


sonagens como Consciência, Vergonha, Caráter, Firmeza, Critério,
Sincero, Opinião, Certeza, Cerimônia, criaturas destinadas à morte,
afogadas no São Francisco. Firmadas no presente, ao contrário, se-
rão também personas e vozes alegóricas da Descaração, Injusto, In-
decente, Inconsciente, Relaxidão, Senvergonhêsa, Imoral, Perverso,
Tratante e Feitiço. Do drama do fiado não escapa o próprio trovador,
que conclui: “Quem vende [fiado] perde a razão/Quem compra faz

114
anarquia”. Na trilha desses e de outros tantos descaminhos, o poeta
se indigna contra As safadezas de hoje em dia. E com o mote “É a
maior safadeza”, reúne todos os males recriminando o nudismo, o
top-less, a maconha, o homossexualismo, o fiado, o furto no peso, o
aborto, o adultério e outros ingredientes da degenerescência moral e
social que leva o poeta popular ao limite da intolerância.
A sensibilidade minelvina para os dramas sociais, especial-
mente os que atingem os fracos e desprotegidos, faz o trovador, de for-
ma recorrente, investir na denúncia e na sátira. Em Os sofrimentos
do pai de família e a marreta da carestia (título depois alterado, à
mão, pelo autor, em razão da mudança temática, para Os sofrimentos
do pai de família e a Mulher Preguiçosa), sétimas heptassilábicas
reproduzem a crítica à inflação e ao descontrole de preços, lembran-
do-se que a moeda ainda era o cruzeiro:

O dinheiro se sumiu
Ninguém sabe onde ele entrou
Só se vê gente queixando
Que o dinheiro exalou
A malvada carestia
Aumenta de dia a dia
E agora foi que danou (Cit., 1)

N’A tragédia de dois ladrões e morte de Cancelão, MFS


narra a morte do poeta popular Tranquilino Ribeiro de Oliveira, o
Cancelão, falecido em setembro de 1974, em Eunápolis, conforme
esclarece o próprio autor no rodapé da página 1. A comoção pela
lembrança do amigo, que lhe contara o episódio envolvendo os dois
ladrões, não impede MFS de desenvolver o relato com a verve cos-
tumeira, apimentada pelo pitoresco: “Com três dias depois disto/Foi
ele encontrado nu/Numa roça de mandioca/Parecendo um cururu/
Comendo mandioca crua/Mais do que um boi zebu” (Cit., 6). Obceca-
damente afiliado ao espírito regenerador do Apocalipse, em O tremor

115
de terra em Ibicaraí e os sinais do fim dos tempos, repete o advento
do destino final dos cristãos. De forma inconsciente, o trovador reite-
ra o jesuíta Antonio Vieira que, no século 17 e num dos sermões do
Advento, confirma parábola de Jesus Cristo segundo a qual, Passará o
céu e a terra. Assim começa o folheto sobre o tremor de terra em Ibi-
caraí, justamente numa micareta. Minelvino intervém no folheto im-
presso, substituindo estrofes por outras escritas à mão e papel colado
por cima do material gráfico. Registram-se diferentes motivos para o
tremor, segundo opiniões correntes, mas MFS se reserva ao anúncio
de suas particulares suspeitas de crente: “E eu digo que aquilo/Pra
senhoras e senhores/É o sinal do fim dos tempos/Sem meter medo
aos leitores/Porque não é ainda o fim/É o princípio das dores” (Cit.,
5). As anotações finais escritas à mão informam, do ponto de vista
técnico, que especialistas “disseram pela televisão que a terra afastou
dois graus do eixo” (Cit., 8).
A frequência da ordem moral permanece dominante n’A
vida de Romãozinho (Escrito à mão, MFS acrescenta: O menino que
levantou um falso à mãe e virou bicho). O falso a que alude é atri-
buição de adultério e a mãe inocente é assassinada pelo marido, pai
de Romão. Este, excomungado pela mãe, vira bicho acostumado a
remexer panelas e pratos e transformar comida em cocô. A estrofe
final serve ainda como peça de aterrador merchandáising: “Quem
não comprar este livro/Tem de cair na cilada/Armada por Romãozi-
nho./Vai ser grande a emboscada/Sofre o que o Preto sofreu./Come o
que ele comeu/Pensando ser carne assada” (Cit., 8). A ambiência de
desordem ética transparece sugerida por MFS como extensão d’Os
vinte mandamentos da lei de Satanaz. Relatando A vida sofredora
de um maconheiro, o narrador cede a voz ao próprio protagonista,
que monologa sobre suas desventuras até deixar o vício, convertido
à Igreja Universal do Reino de Deus. A história real, segundo MFS,
pertence ao próprio, Manoel Bonfim dos Santos, que a encomendara
ao poeta e não lhe pagou, aplicando-lhe o calote. Denunciando o este-
lionato, MFS assim se vinga do esbulho e do viciado: “Manoel Bonfim

116
dos Santos/Este livro não pagou/Pois, me mandou escrever/E depois
me “enrolou”/O pastor de sua Igreja/Eu contei toda “peleja”/Ele nem
siquer ligou” (Cit., 8).
Outros títulos como A briga de um mudo com um embria-
gado, Um cabaré no Inferno, Uma caçada de Lubizome na Lapa, O
caranguejo que apareceu na Paraíba anunciando o fim do mundo,
O diabo que apariceu na Barra do Rocha e a rural misteriosa —
em que a rural, ao invés de carro, era a habitação do Demônio — etc.
confirmam a enormidade material dos folhetos intensificando temá-
ticas reflexivas da expiação teológica como maneira de alevantamento
ascético para a ordem cristã. N’A caveira misteriosa e o pecado da
língua conclui-se que “Língua é o castigo do corpo” (Cit., 1). Em Um
carnaval no Inferno, MFS usa vocabulário e imagens um pouco mais
sugestivos da ousadia estilística: “Um rapaz em Jacobina/Brincando
em um cordão/Tinha uma mulher por traz/Ele aí correu a mão/Pe-
gou uma traíra mole/Como um cambalião” (Cit., 8). N’A carta de
um jumento para o Senhor Governador, um manifesto de jumentos
investe contra o abate e a comercialização de carne de jegue no Estado
da Bahia. N’O casamento apulso do macaco com a preguiça, um
mesmo estratagema trovadoresco é utilizado como peça de marketing:
“Quem não me comprar livro/Uma coisa eu vou dizer:/Vai casar com
uma preguiça/E a onça vai comer/E se escapar da onça/De fome tem
que morrer” (Cit., 8).
Mas a legitimação da ordem moral não se submete exclu-
sivamente ao crivo religioso. O trovador manifestaria sempre uma
preocupação recorrente: a luta contra o analfabetismo, o primado
dos folhetos por uma pedagogia de paz e de concórdia entre os indi-
víduos, por uma espiritualização das letras humanas, a literatura de
cordel concorrendo para a elevação civilizacional das pessoas. Tudo
isso parece galvanizar-se n’O encontro de um trovador com uma
fera monstruosa. O trovador é ele mesmo, MFS, e a fera monstruosa
é o analfabetismo. A obra celebra a atividade de trovadores e repentis-
tas como linha auxiliar imprescindível na pedagogia da alfabetização,

117
sublinhando a enorme contribuição de Leandro Gomes de Barros e
demais poetas do cordel. Em trecho do folheto, MFS diz ter comple-
tado 39 anos de idade. Nascido o poeta em 1924, logo se deduz que o
folheto é de 1963. Aliás, discorrendo poeticamente sobre o seu ofício,
não raro MFS teoriza. Em Os falsos profetas, por exemplo, raciocina
teoreticamente sobre os estilos:

O poeta popular
Que se meter a escrever
Somente história verídica
Morre a fome pode crer
Porque o povo não gosta
Nem mesmo pegar para ler

Por essa razão talvez se deva atribuir a enorme variedade


temática dos folhetos. Na História da carne de égua em Conquista e
a morte de Piléria, manifesta-se o trovador em repúdio ao abate de
éguas e jumentos para consumo humano. Na História da cobra de
sete cabeças que apareceu na Lapa depois da enchente, as sete ca-
beças são identificadas como os vícios sociais ou ideológicos (o álcool,
o jogo, o namoro no escuro, o roubo, o desrespeito subversivo, a ma-
conha, o mau católico), enquanto o pistoleiro é alcunhado de “em-
preiteiro da morte” (Cit., 5). O fabular e o maravilhoso permanecem
fermentando imaginários: História da jibóia do Pará que atraiu o
caçador, História da jumenta que teve um menino na Fazenda Ba-
talha, História da moça que levantou um falso ao diabo, História
da porca que apareceu no Carnaval de Itabuna cantando: Rala
o pinto (onde se combinam o fantástico e o surreal, em misto de
assombração e gaiatice), entre outros títulos.
Um dos primeiros folhetos de Minelvino Francisco Silva, a
História de João Danado o homem que matou o diabo (título depois
alterado para A vingança de João Danado o homem que escravisou
o diabo) começa por uma contenda entre vizinhos, evoluindo para as

118
façanhas heroicas de um vingador, incluídas as extraordinárias hipér-
boles do gênero. Acabada a munição, João armou-se com uma vara
de cerca, potente e enorme, e “Para os contrario marchou/Deu-lhe
uma porretada/Que trinta e dois derrubou//Deu-lhe outra cacetada/
Derrubou uns dezesseis/Na terceira cacetada/Abateu noventa e seis/
Repetiu outra e mil/Cairam de uma só vez” (Cit., 9). Com efeito, terá
razão o trovador em suas prerrogativas revisoras: é vingança e o diabo
não é morto, mas escravizado pela força do imaginário e potência do
heroi. Quinze páginas movimentam o fôlego épico, ao cabo das quais
MFS anuncia: “Leiam a história do alferes Tiradentes o heroi da In-
confidência”. Na página 16, “Procure conhecer os livros do trovador
MFS” A fada misteriosa, A segunda vida de Cancão de Fogo e sua
chegada no Céu, O touro da Floresta Negra, O valente João Caba-
-Mundo e a Serpente Negra, A fada da Serra Negra, A princesa da
Serra Misteriosa, As princezas do Reino Encantado, O reino do Vai
não Torna e o Gigante Encantado, O mau ladrão ou os sofrimentos
de Maria, O ideal misterioso, As proesas do Amigo da Onça ou as
bravuras do Mestre Coelho e muitos outros.
Na História do diabo que apareceu no Estado de Minas
Gerais, MFS sugere a fonte de onde extraiu o relato, assegurando-se
da prévia defesa ante uma possível acusação de inverossimilhan-
ça: “Aqui eu vou terminar/Este livrinho fagueiro./Quem achar que
é mentira/Não se queixe do troveiro,/Queixe-se de quem contou/
Também de quem publicou/Lá na revista O Cruzeiro” (Cit., 8). Da
mesma série de folhetos sobre fenômenos e metamorfoses sob ins-
piração da exemplaridade moral, a História do homem que virou
burro porque escarneceu das Santas Missões mandando bandeja de
capim para o altar, ajusta a punição que não tardaria: “Pois o ateu
se virou/Num bicho feio esquesito/Tinha cauda como burro/As per-
nas como cambito/A cara como morcêgo/E chifre como o maldito”
(Cit., 5). Igual sintonia com as narrativas de proveito e exemplo será
alcançada na História do homem que virou cavalo ou o grande
exemplo de um criminoso, de registro parabólico, destacando-se

119
ações de mistério envolvendo Jesus Cristo. Na História do maca-
co que quis se virar gente, farra e facécia contestam a ciência e,
sobretudo, Darwin e sua teoria da evolução. Outro folheto também
contestaria o Evolucionismo num filme norte-americano que dis-
cute a pedagogia sobre o assunto. O homem que atirou no sol e
desceu de chão abaixo traz fenômeno temático semelhante ao de
um conto do poeta simbolista baiano Artur de Sales, prefigurando o
drama do sertanejo ante a inclemência do sol. Minelvino, no entan-
to, pune o indivíduo, soterrando o herege, inexoravelmente vincula-
do à pedagogia da passividade triunfante. No mesmo ciclo temático,
O homem que foi buscar uma caveira meia noite no cemitério
combate o vício do jogo; O homem que matava onça de chicote
ou O homem que matou uma onça de chicote pensando ser um
cachorro relata peripécias de um valente equivocado, matando por
engano o animal que vinha comendo suas ovelhas.
Seguindo uma variante à sisudez desses temas, MFS su-
cumbe ao fácil espetaculoso, produzindo um folheto de escândalo,
considerado como de vendagem certa. Assim se apresenta O homem
que teve uma criança no Estado de Alagoas, que, no entanto, amplia
o raio das reflexões morais do autor sobre o mundo e suas danações.
A moral sermonária é para persuadir, convencer e sofismar a pretexto
dos valores cristãos, em cujo interior não se cogita da aceitação ou
debate de aspectos psicológicos ou sociológicos aplicadas ao homos-
sexualismo, aos cabelos grandes ou a outras naturezas consideradas
inversão ou desvio da norma. Estão nesse caso alguns títulos: A moça
que mordeu o nariz da Mãe pensando que era Luiz Gonzaga, A
moça que namorou com o diabo, pensando ser Roberto Carlos, A
moça que xingou a mãe e virou serpente, A mulher que morreu
mascarada e quis brincar carnaval na porta do Céu — onde MFS
arremata, com graça: “Quem duvidar deste livro/Vá a Lucifer pergun-
tar”... Em A moça que casou-se com outra pensando ser um ra-
paz, ou o homem que teve 4 crianças em S. Paulo”, MFS desenvolve
curiosa teorética sobre o ofício de escrever:,

120
O poeta nunca mente
Eu digo, afirmo e sustento;
O poeta quando escreve
Qualquer um acontecimento
Se não viu com os próprios olhos
Porém viu com o pensamento (Cit., 1)

Por fim, não raro apresentando uma curiosa e discreta


misoginia em seus folhetos, Minelvino Francisco Silva confirma vezo
antigo entre poetas e pensadores, que inconscientemente, ou não,
sacralizaram o espaço de afirmação feminina como território livre de
sonhos. Séculos antes de Minelvino, aliás, Hipócrates considerava a
mulher criatura úmida e encharcada, fecundo varal, poço de filhos;
Hesíodo, uma espécie de central única de malefícios; Aristóteles, um
defeito da natureza, o macho mutilado, cuja incompletude impres-
cinderia do homem; Tomás de Aquino, um ser humano inacabado,
de inteligência curta, indesenvolta. Bem mais modesto, diríamos, em
A mulher que tentou comer um foguetão assado pensando ser um
mocó, Minelvino tão somente opõe as culturas urbana e tabaroa, com
peças pregadas a roceiros e matutos, homens e mulheres inibidos e
atemorizados em face do novo.

As capas, xilogravuras e contracapas

Por necessidade de superação funcional de sua obra, Mi-


nelvino Franciscio Silva municiou-se muito cedo da composição das
capas de seus folhetos em xilogravura, matéria complementar ao
universo objetual do que tinha a oferecer em efeito e atrativo ao en-
volvimento do leitor. Munido da técnica consagrada pelo pernambu-
cano José Soares da Silva (que alterou o nome para José Cavalcante e
Ferreira), o Dila, o trovador baiano, de exercício em exercício, fez da
arte popular da escultura em madeira um aprimoramento constan-
te, havendo mesmo algumas situações em que sua xilogravura vale

121
como uma peça em si mesma, autônoma, para além da funcionalida-
de como ilustração eventual.
Raríssimas são as capas dos folhetos minelvinos sem a
ilustração em xilo, estando neste caso as peças promocionais ou cele-
brativas (a foto do político vitorioso em eleição, o retrato da cidade ho-
menageada, a reprodução de um painel artístico, o reclame adicional
sobre o assunto de tratamento do folheto e pouquíssimos outros). No
geral, de forma quase exclusiva, é a xilogravura que ilustra e vende,
estabelecendo um contato de imediato apelo ou empatia indispensá-
vel à aquisição do produto.
A imensa maioria das peças reproduzem, antecipada-
mente, o principal motivo, assunto ou tema do folheto, ilustrando
protagonistas ou situações dramáticas sugeridas pela narrativa. Ul-
trapassam, essas representações artísticas, algumas vezes, a moti-
vação temática para valorizar-se utiludicamente como arte popular
individual. O traço seguido por Minelvino é o da convenção cordelis-
ta, do naturalismo de uma ou outra cena sugerida pelo assunto ou,
mais agudamente, revestido do pathos expressionista, comungan-
do pistas, conflitos, ou fantasias enunciadas pelo relato em verso.
Os caracteres xilogravurados realizam uma complementaridade da
feição escrita, texto e gravura casados para realimentar uma im-
pressão gráfica e repercussiva. Por isso a reprodução xilo e seus
contextos de aproveitamento gráfico veio sendo progressivamente
revalorizada, reaproveitada, aliás, como ilustração de outros meca-
nismos artísticos (capa de discos, livros, rótulos, telas, imagens, o
cinema, o teatro, a fotografia etc.).
Por esse viés de incorporação temática, algumas xilogravu-
ras de MFS imprimem-se sob aspectos simbolistas, alegóricos, patéti-
cos, pontuando-se até por uma certa morbidez, como em O disastre
do caminhão de Ilhéus (datado de “Itabuna, 26 de agosto de 1956”),
cuja capa traduz a máscara da morte em figuras no centro de um car-
ro sinistrado e flagrando uma ambulância com a inscrição: “Cuidado!
A vagar sinão vai ter!”

122
Numa breve reconstituição de elementos temáticos e con-
teudísticos, algumas peças xilogravuristas e as contracapas dos folhe-
tos ocupam um relevo especial, desempenhando papeis de extensão
e complementaridade. As contracapas exercem uma importância
capital nessa produção, divulgando folhetos, anúncios de utilidade
pública, benditos religiosos, lembretes de advertência moral, da ética
social, religiosa e ideológica, glosas de poemas e canções populares,
informes políticos, históricos e sociológicos, celebrações e comemo-
rações, notadamente consagradas ao universo trovadoresco. É quase
nula a incidência de folhetos com a contracapa em branco. Quando
não apresenta uma motivação extra, o trovador-apóstolo ocupa o es-
paço com benditos.
Uma das características melhor acentuadas por Minelvino
Francisco Silva em suas contracapas é a variedade dos assuntos. Alguns
textos se repetem, reforçando mensagem anteriormente veiculada.
Outros se impõem por seu ineditismo ou iniciativa de renovação am-
pliada dos apelos. No folheto Justiça e desordem de Lampião, editado,
aliás, com uma xilogravura e duas capas em cores diferentes (rosa e
verde-cana, talvez duas edições para influir no espírito popular não só
pelo tema, mas também pela imagem), a contracapa traz um título
que já é um mote (Já rimei e tá rimado/Não quero reclamação) e as
décimas interativas do trovador interpondo assuntos bizarros e curio-
sos. O livrinho, datado de “Itabuna, 10 de dezembro de 1975”, glosa
antromorficamente as exagerações do cotidiano, culminando com o
mote de provocação dialógica, desde que não admita contestação:

Vi um caçador zangado
Pegar uma onça de mão,
Vi um mosquito enfezado
Derrubar um avião,
Vi um carrapato inspirado
Cantar na televisão,
Vi um percevejo fardado

123
Comandando um batalhão
Já rimei e tá rimado
Não quero reclamação

No mato vi um veado
Afinando um violão
Vi um canário arrepiado
Cantando um samba-canção,
Beija-flor do outro lado
Engulindo um gavião,
Vi um socó traspassado
No dente de um camarão
Já rimei e tá rimado
Não quero reclamação

Vi um rato malcriado
Dirigindo um caminhão,
Mucuim embriagado
Dizer tanto palavrão,
Vi um mico depravado
Ser preso na detenção
Vi um caçote afogado
Morrer lá no ribeirão,
Já rimei e tá rimado
Não quero reclamação

Esta certamente é uma das muitas circunstâncias curio-


sas em que a contracapa revela qualidade tão superior sobretudo se
cotejada com o assunto do folheto. O mesmo se poderia dizer d’A
luta do velho Papai Noel com um padre da renovação, cujo texto,
de 6 páginas, complementado por artigo do padre Almir Simões e,
reproduzido por MFS ainda nas últimas páginas (7 e 8) do folheto,
culmina na contracapa, em experiência dialógica de surpreendente

124
efeito popular, com o artigo do padre aplicando uma surra eficaz na
empulhação mistificatória do Papai Noel como metonímia e alegoria
da Operação Consumo, legitimando a festa do Natal como única e
exclusiva representação do nascimento do Menino Deus dos cristãos.
A Minelvino não importa o estilo do folheto desde que pos-
sa veicular mensagens que considera úteis ao seu ofício de trovador.
Na contracapa de A vitória do MDB na pessoa do Sr. Fernando Go-
mes, por exemplo, noticia-se a 1ª Feira Regional de Literatura de Cor-
del, organizada pela Fundação Cultural do Estado da Bahia e prevista
para acontecer no período de 3 a 13 de novembro de 1976. No folheto
O cajueiro, um poema à lua apela para iluminar as ideias, poesia e
inspiração do trovador.
No ABC do Mobral na cidade de Itabuna, MFS home-
nageia equipe da comissão municipal da Fundação, repudiando o
que chamou de “dialeto do analfabetismo”, e reproduzindo uma
imagem do inconsciente feliz a propósito do fenômeno de prestígio
antipedagógico. Os versos, aliás, reiteram homenagem em ode à co-
missão e ao objetivo de extinguir o que o trovador denomina “praga
do analfabetismo”:

Xarope faz bem a guela


Leite faz bem o pulmão
MOBRAL faz bem nas cidades
De toda nossa nação,
Acabando o negro abismo
Do grande analfabetismo
De toda população

A exemplo do satírico Manoel Pessoa da Silva, que fez furor


em versos na crônica baiana do século 19, na contracapa do ABC dos
tubarões, MFS ironiza com um Baião político aqueles que muito
prometem antes das eleições e os que compram votos para se ele-
gerem. O mesmo folheto, sarcasticamente, compara o Brasil ao mar

125
sem peixes e a pobreza desamparada equivalendo a uma sardinha
consumida por tubarões. No devocionário O choro de Itabuna depois
da enchente, a contracapa comenta com graça a invasão fluvial em
Camacan e sua repercussão ao mesmo tempo positiva e particular:
“Com isso o tucunaré/Do jardim foi quem gostou/Que foi se embora
nas águas/E até hoje não voltou” (Cit., 2). Na contracapa da História
da enchente de 1981 em Itabuna, MFS apela para a construção de
um canal na rua em que mora a fim de escoar as águas pluviais. O
apelo é circunstanciado por um relatório — o que radica o aproveita-
mento de todos os espaços no folheto, que o trovador aproveita para
veicular ideias, sensibilidade social ou devocionária. Sob qualquer
forma, todavia, MFS não abre mão do humor contingente, mesmo
em face de tragédias: como n’A enchente do Rio de Janeiro e os
sofrimentos dos cariocas, em que serve, na contracapa, um poema
otimista em resposta ao pessimismo de seu colega Antonio Teodoro
dos Santos. A graça espontânea transfigura-se entre a consternação e
a culpa, deixando evolarem desejo e decreto certamente implausíveis:
“Se eu fosse um presidente/Deixava na presidência/Uma lei feita e
assinada/Pra nunca ter violência/Os três dias de Carnaval/Ser três dias
de penitência” (Cit., 6).
Na contracapa do folheto O amor do filho da raposa com
o filho da galinha, curiosa asserção minelvina sobre O valor da mu-
lher contraria vigorosas teses misóginas circulares no mundo ociden-
tal, vigentes desde Hesíodo. Diz MFS, em surpreendente exercício de
virtuosismo decassilábico, que

A mulher é um anjo sem segundo


É a luz que melhor beleza enserra,
Sem mulher todo homem nesta terra
Detestava os prazeres deste mundo
Pois a terra seria um vaco fundo
Se faltasse a mulher que nele habita
Sem mulher toda terra era esquesita

126
Sem mulher não há riso e não há festa
Sem mulher neste mundo nada presta
Se a mulher é a prenda mais bonita

Já a contracapa d’A vitória de Tancredo Neves e a derro-


ta de Paulo Maluf revela o tirocínio do trovador-apóstolo, seguro de
argumentos num

DEBATE DE UM CATÓLICO COM UM PROTESTANTE

O protestante pergunta ao católico: Para que serve


o batismo? Responde o católico: Para arrependimento
de pecado. Diz o protestante: E que pecado tem uma
criancinha com um mês de nascida para ser batizada,
quando Jesus foi batizado com 30 anos?
Responde o católico: E que pecado tinha Jesus
mesmo com 30 anos para ser batizado?
Diz o protestante: Foi para cumprir a lei.
Diz o católico: Isto mesmo, o católico batiza
as crianças com um mês de nascida para
cumprir a lei de Jesus, que
antes não existia o batismo, e sim a circuncisão
e o próprio Jesus cumpriu essa lei com 8 dias de
nascido, com sua apresentação no templo e a
purificação de Nossa Senhora.
São Lucas (2,21).

Complementa a contracapa a notícia histórica sobre o


“Resultado da Eleição para Presidente da República/Em 15 de ja-
neiro de 1985/Paulo Maluf 180 votos/Tancredo de Almeida Neves
480 votos”.
O que se depreende dessas circunstâncias editoriais é que
todos os assuntos são passíveis de atenção pelo trovador, desde os mais

127
distintos recursos de acesso, mantendo-se fiel depositário da informa-
ção e de suas malhas repercussivas. No folheto promocional História
do hospital de Ibirataia doado pelo Funrural, a contracapa é uma
ode ao presidente do Sindicato Rural, José Antonio da Costa. N’O re-
sultado da mulher falsa ao marido, a contracapa anuncia os efeitos
do progresso na cidade de Pau Brasil, sob a administração de novos
prefeito e delegado. N’O encontro de dois faladores: Minelvino Fran-
cisco Silva e Lucílio Miranda Bastos, a contracapa verbera contra os
males e vícios do cigarro, em poema de Manoel d’Almeida Filho. A
contracapa de O encontro de Minelvino Francisco Silva com Otacílio
Ramos da Silva é anúncio comercial da Eletrônica de Bom Jesus da
Lapa. E na contracapa d’O encontro de Zé Papa-Jaca com Chico Pa-
pa-Caranguejo (sobre disputa e emulação entre as cidades de Itabuna
e Ilhéus), MFS anuncia folhetos O poeta e a natureza, João Valentão,
A fada da Serra Negra, A Princeza da Serra Misteriosa, O dedal mis-
terioso, O mistério das princezas do reino encantado, O homem que
matou 14 de um tapa, O feiticeiro do reino do Monte Branco, Peleja
de Minelvino Francisco Silva com Manoel Peixoto e A onça tapuia
— folhetos, aliás, que nem sempre encontramos no espólio do poeta.
E como evidência de que até os acidentes mais prosaicos
motivaram o poeta popular ao exercício de sua atividade, na contraca-
pa d’O poder do rei dos peixes e a inocência de uma princesa, Mi-
nelvino conta em verso as agruras uma vez experimentadas a fim de
aproveitar um clichê na impressão de um folheto. Título do poema: O
sofrimento de um impressor com um clichê desajustado.
Numericamente, os assuntos tratados nas contracapas
exibem um relevo distintivo de categoria estilística. Os pouco fre-
quentes celebrativos não passam de uns dois ou três. Em Os me-
nores transviados, a contracapa celebra O dia da cidade de Ita-
buna, ode que também acompanha o folheto História da região
cacaueira. A contracapa da de História de João Acaba-Mundo e
o dragão do Reino Encantado é poema de Exaltação ao sul da
Bahia. Também pouco expressivos em termos numéricos serão os

128
temas relacionados a assuntos extravagantes, relato fabuloso e o
maravilhoso do gênero híbrido. A contracapa de A morte de Ma-
ria de Lurdes e a prisão do monstruoso tarado narra a história
assombrosa d’O homem que morreu e ressuscitou. Na Peleja de
Zé Andorinha com João Cabeludo, a contracapa descreve a fá-
bula d’O casamento da filha do Jabuti, ampliando a ambiência
do imaginário no duelo entre repentistas, duelo final vencido por
Andorinha nos mesmos moldes do troca-letras do Cego Aderaldo.
Minelvino ainda acrescenta anúncio do extraordinário e maravi-
lhoso no folheto O bicho de Sete Cabeças.
Onde a contracapa de um folheto alcança talvez sua maior
ressonância é no Alto Repórter Super-Mentira, criação apensa a
algumas contracapas, glosando o noticiário espetaculoso de emis-
soras sensacionalistas. O senso de humor e a picardia enumerativa
são marcas estilísticas de MFS, tal como se exprime na contracapa
de folheto sobre a vitória eleitoral do prefeito de Itabuna, Ubaldo
Dantas:

Senhoras e senhores, aqui fala o Alto Repórter Supermentira, diretamente


dos seus estúdios edifício arranha chão nº nada numa gentileza da Compa-
nhia inimiga do trabalho. Rio, um edifício de 152 andares desabou violenta-
mente, matando 646 moriçocas, deixando um saldo de 1545 hospitalisadas.
São Paulo: Uma bicicleta chocou-se com um avião, morrendo 163 passa-
geiros da bicicleta, enquanto os do avião sairam todos em paz. Japão: Um
caminhão carregado passou por cima de uma japonesa, quando um japonês
correu para dar socorro, foi tarde, da japonesa só encontrou as correias.
Buenos Aires: Um trem de ferro que seguia para esta capital, ao passar por
um pontilhão foi tragado por uma cobra sucuruju que ali estava esperando
de bote armado e engoliu o trem de ferro com todos os passageiros. Itabu-
na: Uma moriçoca enguliu um guarda da Malária com todos os materiais e
droga para matar mosquitos. Volta Redonda: Um ônibus viajava de São Paulo
a Fortaleza, chocou-se com outro que seguia o destino contrário, passando
um por dentro do outro, nada sofrendo os ônibus nem os passageiros, ape-
nas morreram as pulgas paulistas e as pulgas cearenses que iam na roupa
de cada um. E atenção para última notícia: Florianópolis. Um candidato fez
sua brilhante campanha eleitoral, depois de eleito comprou um caminhão

129
de bananas e deu uma banana para cada um. Aqui se despede o Alto Repór-
ter Supermentira prometendo voltar no momento que tiver outra mentira
muito maior, muito bom dia e até lá.

Exemplar da natureza dessas contracapas utilizadas como


“Serviço de Utilidade Pública” (muitas delas repetidas em diferentes
folhetos) pode ser percebido n’O conto do pacote ou o ABC dos mar-
reteiros, de 15 de junho de 1972. No espaço reservado à contracapa,
MFS ostenta um anúncio informando o público do cordel sobre pessoas
desaparecidas. No romance A flecha de Cupido traspassou dois cora-
ções, o poeta anuncia que está à procura de seus irmãos residentes no
município de Jequié. Em O amor de Nelson e Léo, publicidade do editor
Minelvino anuncia “completo sortimento de romances, folhetos, orações
e Jornaes de modinhas com grande desconto para revendedores”.
Em outra ponta, mas ironicamente perceptível como de
utilidade pública, é a contracapa de Os encantos dos amores ou o
casamento de Minerva, que flagra um justificante MFS satirizando
os candidatos no Baião da política de 55, incluindo música de Luiz
Gonzaga, Paulo Afonso, glosando Ademar, Juscelino, Juarez Távora e
Plínio Salgado:

Estou vendo meu Brasil


Num completo desespeiro
Veja o nosso operário
Sofrendo sem ter dinheiro

Vejo o Brasil subindo a bandeira


E Ordem e Progresso, sair na carreira

Vejo o granfino
Aumentando a riqueza
E a falta de pão
Acabando a pobreza

130
A carestia infeliz traiçoeira
Deixando o pobre na quebradeira.

O Brasil vai vai vai vai (Bis) (Pratraz)

Uma busca de explicação do cruzeiro novo tenta esclare-


cer ao público a nova moeda em 1967, a contracapa servindo-se de
notícia extraída do jornal O Globo, de 9 de fevereiro daquele ano.
O folheto tem título sintomático: A confusão do cruzeiro novo e,
na contracapa, a Explicação... de MFS recomenda levar aos bancos
as notas de cruzeiro para trocar por cruzeiro novo e evitar prejuízo.
Em O disco voador que apareceu na praia de Ilhéus, a contracapa
oferece, como serviço de utilidade pública, um ABC do Código Postal
Brasileiro. A maldade de mau vizinho e as mortes de dez inocentes
traz na contracapa um Recenciamento do Estado da Bahia em 1980,
confirmando dados do IBGE, que aponta a existência de 9.514.800
habitantes no interior do Estado e Salvador com 1.400.000. As cida-
des mais populosas do interior aparecem como sendo, no tempo da
informação transmitida por MFS: Feira de Santana (275.279), Vitória
da Conquista (172.479), Itabuna (154.018), Ilhéus (127.643), Jua-
zeiro (117.172), Jequié (116.415), Alagoinhas (109.353) e Jacobina
(103.451). O trovador se assegura de sua fonte: o jornal Diário de
Itabuna, 12 de novembro de 1980. N’O encontro de Lampião com
o padre Cícero no Céu, a contracapa transcreve o código postal das
capitais brasileiras. E, finalmente, O rapaz que comeu a orelha do
amigo com cachaça traz na contracapa uma Explicação do dinheiro
velho e do novo, incluindo tabela de conversão e um parágrafo final
glosando a notícia com ingenuidade e aparato lúdico: “Morou? Mo-
rais! Se não morou, não mora mais”.
Em número ligeiramente superior é o conjunto de contra-
capas parodiando o cancioneiro popular. As expressões parodísticas
variam de intensidade icônica ou simbólica e não guardam qual-
quer relação com os motivos de cada folheto. No ABC de Lampeão

131
escrito pelo seu próprio punho, um insólito Baião do paradeiro
desconvencionaliza o queixume sarcástico com a ironia deslocada
para o humor ingênuo que aponta descaminhos da política social e
econômica dos governos. O Baião do paradeiro tem como base a
música de Triste partida, do cearense Patativa do Assaré, populari-
zada por Luiz Gonzaga:

Triste paradeiro
Estamos passando
É pobre penando
Sem ter o que comer,
Não acha um emprego
Não acha uma trilha
E pai de familia
Só falta é morrer.

Se queixa o chofer
Se queixa o artista,
E propagandista,
Se queixa o pedreiro
Se queixa o carpina
Se queixa o servente
E toda essa gente
Neste paradeiro.

Se queixa o ambulante
E o estacionado,
Cada um calado
Que nada apurou,
Com tanto imposto
Que tem a pagar
O que vai contar
Quem o confiou.

132
E a carestia
Não fala n’ela
Se botar tabela
Piora inda mais
Não acha a carne
Não acha farinha,
Não acha galinha
E o pobre o que faz?

Também gasolina
Se dana aumentar,
Para piorar
Em todos rincões,
E mais um perigo
Pra todas cidades
Se as autoridades
Soltar os ladrões.

A nossa Bahia
Neste sofrimento
É grande o tormento
No Estado inteiro
Peço ao Presidente
Que corte esta sina
Mande uma vacina
Contra o paradeiro.

N’ A assinatura da Reforma de Baze, a contracapa aplaude


ideias reformistas de João Goulart, mas ressalvando invasões de terra ou
ações de esquerdistas, e parodiando música de Teixeirinha, Brasileiro
de verdade. Em A baixa da carne fresca e a tristeza dos vendedores,
a contracapa pratica curiosa paródia da música do Trio Nordestino, Pro-
curando Tu, aludindo à Baixa e o desaparecimento da carne fresca:

133
Ó carne Fresca
Onde é que tu tá
Onde é que tu tá
Onde é que anda tu
Fui nos açougues
Procurando tu
Procurando tu
Procurando tu

A carne fresca
Já barateou
Mais já exalou
Sem ninguém saber

Qual é o canto
Que ela foi ficar
Pra o povo ir buscar
Pra a gente vender

Só a SUNAB
Poderá dar jeito
Porque mete o peito
Pra fazer valer

O fazendeiro
Se ver obrigado
A vender o gado
Pra o povo comer

Ó carne fresca
Onde é que tu tá etc.

134
Três e sessenta
Agulha com osso
Isso é um colosso
O povo a dizer

Filé mignon
Custa desenove
Nem que fosse nove
Eu não vou querer

Contra filé
Custa dezesseis
Figado custa seis
Dá pra entender

Carne de pá
Cinco e sessenta
Com muita pimenta
Dá para comer

Ó carne fresca etc.

Uma mesma disposição parodística é seguida por MFS na


contracapa d’O desaparecimento do dinheiro e os sofrimentos dos
profissionais, com a música do Procurando Tu servindo para lasti-
mar a ausência de dinheiro no bolso do trabalhador. Na contracapa
de As greves no Brasil e a eleição de Fernando Collor, o Baião da
política dá o tom escarnecedor, parodiando o Xote das meninas:

Quando se vê propaganda de política


É um sinal que está próximo a eleição
Os candidatos quando querem ganhar votos
Vem prometendo a pobreza cada qual um avião

135
Falando alto não quer mais conversar baixo
É comício e mais comício se vê na televisão.

Eles só quer que a pobreza vá votar...

De manhã sedo já tá trajado


Igualmente um grande lobo
De cordeiro mascarado,
Abraça o tabaréu
Se mostrando delicado
E diz vota comigo pra prefeito
Ou deputado.

Eles só quer que a pobreza vá votar...

Ai seu doutor, diz o tabaréu


Meu é do senhor não precisa escarcéu
Quando é eleito, para recompensar
Manda todos se estourar
Lá na casa do chapéu.

Eles só quer que a pobreza vá votar Bis

O folheto Nova explosão do salário mínimo anuncia, em


glosa engraçadíssima, o Enserramento do jogo do bicho, que acar-
reta prejuízos e alívios: “O veado se cobriu de luto por que o jogo do
bicho acabou e ele perdeu todo cartaz. O touro ficou muito contente
porque ninguém vai fazer mais confusão com o nome de sua fiel
esposa”. A última moda para 1977 e o casamento da raposa tem
como contracapa uma Farofa do F, extraída do Almanaque Renas-
cim. N’O encontro do rei das feras com o bicho homem, a contraca-
pa parodia a sonoridade de A ema gemeu, também curiosíssima peça
de contestação a nossos hábitos eleitorais:

136
A urna gemeu, chamando quem quer votar
A urna gemeu, chamando quem quer votar
Virgem! foi um gemido triste meu Deus
Fiquei quase a chorar
Será que a carestia, meu Deus, ainda vai se danar

Todos já sabe que a urna quando geme


Quase todo mundo teme que tudo vai aumentar
Oi! a carestia, imposto e tudo mais, se vira no Satanás
quando o outro ir governar

Meu Brasil, meu Brasil


Vou votar, vou votar
Dou um voto, dou um voto
Pra os corruptos se acabar

Um jacaré que aparece no bairro Lomanto, em Itabuna,


motiva o trovador para a glosa de uma canção popular na contracapa
de As safadezas de hoje em dia. N’O suicídio de um farrista em
Vila Nova e uma carta aos seus colegas, MFS inova na contracapa,
perenizando a glosa paródica de Coração de luto iniciada na página 8
do folheto. E finalmente n’O filho que matou o pai, e mãe para ficar
com a erança, parodiando a letra de Homem valente não chora com
a música de Quem é do mar não enjoa, Minelvino constroi um de
seus mais sólidos textos de contrafação parodística:

Homem valente não corre ai não corre


Nem nunca apanha nem morre, ai não
morre.

Quem tiver mulher bonita


Prenda no pé do fogão
Que a turma da jovem guarda

137
Se transforma em gavião.
Quem tiver mulher bonita
Muito nova e muito bela
Deixar vestir mini-saia
Diga que ficou sem ela.

Quem tiver mulher bonita


Não deixe andar sosinha
Porque o gavião carrega
Pensando ser andorinha.
Quem tiver mulher bonita
Precisa andar reparando
Sinão ela vai se embora
E deixa o cabra sobrando.

Eu gosto de mulher feia


A feia é que é mulher
Porque passea á vontade
Ninguém olha, ninguém quer.
A mulher feia é que é boa
Que vai pra todo lugar
Ninguém quer olhar pra ela
Com medo de se assombrar.

Eu sou o maior valente


Por isso que estou aqui
Nunca briguei com ninguém
Nunca matei nem morri

Ao abraçar temáticas de ascese moral, Minelvino deixa


fluirem distintas manifestações de seu credo católico apostólico
romano, derivando, nos folhetos e nas ilustrações de contracapa,
para as agudezas do senso religioso a que segue. Ao número extra-

138
ordinário de folhetos sob essa orientação, o trovador, não satisfeito,
amplia os assuntos, estendendo-os também como matéria das con-
tracapas. Mesmo quando tangencia aspectos críticos das reformas
sociais necessárias ao desenvolvimento do país, MFS o faz sob o in-
fluxo religioso, como se observa na contracapa do Bendito do Bom
Jesus e a Reforma Agrária, onde um agudo civilista cristão assim
se reconhece:

Só mesmo Jesus nos salva


No seu glorioso nome
Só mesmo a reforma Agrária
Dar pão para quem tem fome

Tanta terra devoluta


Sem nenhuma produção,
E o pobre morrendo de fome
Sem ter casa e sem ter pão

Os ricos tomaram as terras


Da baixa até o rochedo
E os pobres desabrigados
Somente chupando o dedo

Um pobre faz uma roça


Em terra desocupada
Vem de noite os pistoleiros
Tocam fogo na morada

Pedimos ao Bom Jesus


E Maria Concebida
Pra os pistoleiros deixarem
Do pobre tirar a vida

139
Conforme se lê, e malgré-lui, MFS era partidário da Teologia
da Libertação, conquanto o lastro de suas prerrogativas reivindicatórias
percorresse sempre o desejo do poeta de alcançar as reformas impres-
cindíveis, mas pelas vias pacíficas, reforçadas por atos jurídicos que
zelassem pela harmonização de interesses conflitantes entre latifundi-
ários e posseiros. Experiente e versado na História Sagrada, que conhe-
cia integralmente (em 1975, confessaria ao autor deste ensaio, ter lido
a Bíblia, “do Gênesis ao Apocalipse”, umas quatro vezes...). O conheci-
mento manifesto dos Evangelhos e da vida dos santos, da forma mais
simples e despojada possível, era a marca distintiva de seu caráter de
pessoa amável e trovador-apóstolo. Sempre renovando seus motivos
temáticos, na contracapa d’A vitória de Tancredo Nevez e a derrota
de Paulo Maluf, ministraria um curioso Debate de um católico com
um protestante, em que demonstra apreciáveis conhecimentos de te-
ologia dogmática. Em A morte e o enterro do Prezidente Tancredo
Neves, a contracapa ostenta ilustrativo Bendito de Santa Luzia, que
confirma a sensibilidade do trovador-apóstolo para sucessivos trechos
da hagiografia católica, a exemplo dos santos Pedro, Paulo, Jorge, Fran-
cisco, Agostinho, Sebastião, Cristóvão e Bernardete. Ortodoxo quanto
ao cristianismo primitivo, MFS assimilava os preceitos e interditos pa-
pais quanto ao divórcio, aborto etc. No folheto O caminhão sinistrado
ou os quatro disastres de Itabuna, a contracapa exibe curiosíssimo
anúncio (datado de “Itabuna, 13 de novembro de 1958”), dando conta
de um informe bizarro com sainete de taumaturgia:

ATENÇÃO A moça de Itaberaba avisa a todos os devotos de Nossa Senho-


ra das Graças, que ela não se casou nem se casará e convida a todos
para a festa no dia 27 deste.

A moça devota, líder espiritual no povoado místico de


Alagoas, distrito da cidade sertaneja de Itaberaba, Bahia, conduzi-
ria por anos os misteres da fé e da doutrina mariológica respeitada
pelo cordelista. Os caracteres ascéticos seriam assim predominantes
na heráldica particular de MFS, que tudo pretenderia coletivizar. Na

140
contracapa de A chegada do Prezidente Tancredo Nevez no Céu,
um Bendito de São Francisco de Canindé, padroeiro dos trabalha-
dores (o pescador, o motorista etc.), destina-se à súplica de proteção
para os devotos romeiros e os atingidos pelas enchentes ou secas. Na
Estória da rainha Rosinalva ou a tragédia do príncipe Emiliano,
a contracapa absorve lições do real e contrapõe-nas com as virtudes
e desavenças descortinadas entre os humanos. Uma (dentre outros
exemplos em distintos folhetos) Campanha de amor ao próximo é
desfechada na História de Antonio Conselheiro e a guerra de Ca-
nudos. Já a contracapa de Uma história contada por Jesus, Lázaro
Leprozo e um rico avarento investe em delicada questão teológica,
que costuma dividir católicos e protestantes. O texto No céu exis-
te mulher? primeiro choca pela insinuação misógina da indagação,
depois esclarece aludindo à concreta presença da Virgem Maria no
Paraíso.
Em outra ponta, no folheto A morte de Maçú vitima de um
candomblezeiro, a contracapa atenta para uma inusitada mensagem
entre conciliatória e mercadológica: “Alô! Alô! Senhores Candomble-
zeiros interessados Minelvino Francisco Silva avisa a VV. SS. que não
escreve por despeito nem proposital, sim para ganhar o pão de cada
dia. Se VV. SS. desejarem um folheto ao lado das suas artes ou religi-
ões, cooperem com a edição do folheto intitulado: ‘Quem fala do Pai
de Santo’”. Isso, num extremo de interpretação maliciosa, muito se
assemelharia ao jornalismo marrom praticado em cordel por Cuíca
de Santo Amaro... A saudação ao ano de 1986 vem contida na con-
tracapa de Nobreza de um coração de mãe e a loucura de um filho
apaixonado. Já a d’O rapaz que namorou errado no carnaval de
Itororó emite erudita transcrição de Minelvino sobre a Origem do
Carnaval conforme o “Pequeno dicionário católico, página 44”, ci-
tando as saturnais romanas (17 a 23 de dezembro), as festas a Pã (15
de fevereiro) e Baco (16 de março), e incluindo os trios na Antiguida-
de e as máscaras carnavalescas, cujo tríduo transcorria quarenta dias
antes da Páscoa e no início da Quaresma.

141
O vício do alcoolismo é combatido por um soneto de MFS na
contracapa de As palhaçadas de Zé Bêbinho o filho de João Cacha-
ça. Uma Exortação a conversão, segundo a Bíblia Católica, livro do
Eclesiástico, capítulo 17, versículo 21, é apresentada na contracapa de
Os sofrimentos do pai de família e a marreta da carestia. Sobre este
mesmo assunto, aliás, concentra-se a contracapa de A caveira miste-
riosa e o pecado da língua, que traz ainda um manifesto de MFS pela
concórdia, paz e amor ao próximo, além do desejo autoral por um pacto
federativo para fazer baixar a carestia.
Minelvino nos acrescentou, assim, em quantidade e qua-
lidade notáveis, um rico manancial, extensivo e intercomplementar,
oriundo de suas contracapas, espaço ocupado para divulgar versos,
anúncios, repentes, letras de música, poemas e demais peças pro-
mocionais de folhetos e convocação de encontros de trovadores e
violeiros. O capítulo dessa usança de contracapas é particularmente
sensível numa produção que, além do mérito intrínseco, exprime
todo o potencial do cordelista na divulgação de sua arte. Na contra-
capa da História da onça encantada e o homem destemido, por
exemplo, teoriza sobre a verdadeira destinação do criador popular.
Em A riqueza do poeta, mais confessional e intimista, a expressão
não é de soberba, mas de reconhecimento de uma identidade: “Je-
sus me deu a riqueza/Que pouca gente contém/Eu dou, eu vendo,
eu empresto/Eu mando pra muito além/Quando morrer levo toda/
Nada deixo pra ninguém”.
Uma das maiores dessas contribuições é o poema O Reino
da Lua, que aparece na contracapa do folheto O homem do nariz
de sete palmos que apareceu em Salvador. À semelhança da Pa-
sárgada de Bandeira, MFS projeta na Lua a instância paradisíaca dos
poetas, invocando e convocando imaginários (no exemplo seguido
pela canção de Gilberto Gil) para povoar o satélite com movimentos
humanistas. O poema implica a acepção de um modelo de sociedade
libertária, a um tempo de tom faceto e gracioso e especulando sobre
como seria viver na Lua. Leia-se o poema, em oitavas heptassilábicas,

142
um trabalho composto no mesmo ano da primeira viagem dos cos-
monautas ao satélite, isto é, 1969:

O REINO DA LUA

Vou contar uma viagem


Que fiz uma ocasião
Botei a sela num raio
Escangalhei um trovão
Encabrestei um relampo
Botei bride e cabeção
Fiz uma carga de nuvem
E subi pra amplidão

Cheguei no reino da Lua


Fiz uma admiração
Que água do rio é leite
E cai chuva de feijão
As fôias do mato é carne
Os talos é macarrão
A terra lá é farinha
E as pedra é requeijão

A lei do Reino da Lua


Vou dizer como é que é
Um home pra ser home
De brio, cartaz e fé
Precisa ser muito forte
Que imite Sansão até
É obrigado ele ter
Sessenta e cinco muié

143
Menina de lá da Lua
Faz até admirar
Menina nasce de noite
De manhã qué namorá
Meio dia já é noiva
Começa os pai aprontá
E antes do sol se pô
É obrigado a casá

As moça de lá da Lua
Faz graça até se contá
Quando gosta dum rapaz
Começa logo a beijá
Se namora de manhã
De tarde tem qui casá
No outro dia tem fio!...
Só cabelo de preá

Ali no reino da Lua


Vi coisa de admirá
Agora é que vou dizer
Pruquê não fiquei pru lá
Pruquê tem uma lei
Qui eu não quis aceitá
As muié pare dez fio
E os home dá de mamá

O poema reúne relato fabuloso, utopia lírica, visionarismo


redentorista e messiânico, anedotário gracioso e idílico e linguagem
imagética, feições estilísticas que avultam na produção de Minelvi-
no nos folhetos e em suas contracapas. A variedade dos motivos é
a característica mais marcante dessas contracapas, pontificando o
merchandáising dos folhetos. Na História do português inocente

144
e a “Ponte que caiu”, MFS apela ao colecionador de cordel: “en-
riqueça sua coleção...” Na história d’A muriçoca que enguliu um
caçador, a contracapa exibe flagrantes temáticos e rítmicos à som-
bra inspiradora do romance O sertanejo, de Alencar. Em O direito
da mulher, um soneto de MFS, O sopro do Criador, ostenta na
contracapa um misto de lírica sagrada com renascença humanista
e primado neobarroco:

O SOPRO DO CRIADOR

O meu corpo do nada foi criado


Mas o sopro que veio do Criador
Fez em mim um espírito elevado
De ciência, caricia e de amor.

Volta ainda esse espírito ao seu Autor


Como volta um soldado duma guerra,
Pra dar conta dos feitos de valor
Ou dos erros que fiz aqui na terra

Prossegui pelas vias do pecado,


Mas depois conheci que estava errado
Resolvi no momento abandonar.

Hoje peço perdão ajoelhado


Ao meu Deus pelo erro praticado,
Tenho fé que ele vai me perdoar

Minelvino tinha na inteireza do ofício uma de suas caracte-


rísticas maiores, além da consciência, dignidade e crença na pedagogia
dos folhetos como signos de aprendizado, alfabetização e legitimidade
moral. Em pelo menos três contracapas desses folhetos, o trovador
descreve o seu nascimento. A História do fim do mundo e julgamento

145
final (versão minelvina para o Apocalipse, verdadeira obsessão em sua
obra) apresenta uma variante, em quartetos:

O NASCIMENTO DE MINELVINO FRANCISCO SILVA

29 de novembro
Quando o dia amanheceu
O galo cantou dizendo:
Mais um poeta nasceu.

O sol fez cair das folhas


O orvalho matutino,
Os passarinhos cantavam:
Hoje nasceu Minelvino

O relâmpago no espaço
Mostrava tão forte luz
Dizendo: nasceu na terra
O cantor do Bom Jesus

A chuva caía fina


Naquele ditoso dia,
Como se fosse uma chuva
Somente de poesia.

Pela noite os pirilampos


Iluminavam a floresta,
Dizendo Miné nasceu
Vamos fazer uma festa.

A lua de lá do céu
Seu lençol branco estendia
Em homenagem a Minelvino
Que nessa hora nascia.
146
As estrelas clareavam
De vez em quando piscando
Pois ao trovador apóstolo
Estavam homenageando.

Por não ter outras palavras


De carinho e de amor
Por isso agradeço a Deus
Muito obrigado Senhor.

Por sessenta e cinco anos


Que completo no momento
Muito obrigado meu Deus
Por este acontecimento.

Pela minha inspiração


De poeta do Nordeste
Muito obrigado meu Deus
Por tudo quanto me deste

Mesma estrutura límpida e espontânea observamos nas


sextilhas de registro autobiográfico afixado nas contracapas dos fo-
lhetos História de Antonio de Lisboa e a sereia do fundo do mar e
A palestra de Tancredo Nevez com Getúlio Vargas no Céu sobre a
Reforma Agrária. O texto é o mesmo, descrevendo resumidamen-
te a trajetória existencial do nascido em Mundo Novo e radicado em
Itabuna. A diferença única é que na História... o ano de nascimento
é 1926, corrigido para o efetivo 1924, conforme certidão definitiva
recolhida pelo poeta em cartório. Por ser mais esclarecedora e atual,
a contracapa de A palestra... revela a autorizada

147
AUTOBIOGRAFIA DE MINELVINO F. SILVA

Minelvino Francisco Silva, nasceu em 29 de novembro de 1924. “Por


engano foi registrado como 20 de setembro de 1926”. Numa fazenda
denominada Olhos d’água de Belém, sendo proprietário descendente
de judeu, próximo ao arraial do Palmeiral, município de Mundo Novo,
Estado da Bahia. filho de José Francisco da Silva e Laura Maria de Jesus,
ambos bahianos. Em 1929 Minelvino resolveu aprender a ler. Entrando
numa aula noturna, onde estudou um mês e pouco, pois seguiu por
conta própria, pedindo lição a um e a outro, assim que aprendeu assu-
letrar, começou a ler os livrinhos de literatura de cordel e hoje é autor
de centenas de obras de cordel conhecidas em todo Brasil e exterior,
como sejam: Estados Unidos, França e Japão. Minelvino reside em Ita-
buna, no Estado da Bahia, onde chegou em 11 de dezembro de 1948.

Eu e Jesus em Belém
Nascemos quase num dia
Ele em Belém da Judéia
Eu em Belém da Bahia
Ele pregava o Evangelho
E eu prego a poesia.

Por ordem do Pai Eterno


Jesus nasceu em Belém
Lá na terra dos judeus
Bem proximo a Jerusalém
E o Belém que eu nasci
Era de judeu também

Vinte nove de novembro


De 24 eu nascia,
Nas terras do Mundo Novo
Pra meus pais grande alegria
Meu pai chamado José
Minha mãe, Laura Maria

148
Pela vontade do Pai
Sem parte eu ter com hebreus
Nem por meus merecimentos
Ou seja os bons atos meus
Tornei-me irmão de Jesus
E também filho de Deus

A sua misericordia
Me levou pra sua luz,
Portanto com paciencia
Quero levar minha crus
Até chegar na presença
Do Santo mestre Jesus

Deixando isto bem claro


Pra ficar bem compreensivo
E não fazer confusão
Ficando bem positivo
Jesus é filho legítimo
E eu sou filho adotivo

Atento a todas as solicitações de inspiração popular, em


contato com o mundo físico e social, MFS tanto descreve Uma via-
gem ao sertão — poema em sétimas publicado na contracapa da
História do boi ladrão e o delegado fiel — quanto devolve homena-
gem a professores e alunos de um colégio itabunense (CIOMF), que
estudaram sua obra, reconhecimento que emerge da contracapa da
História de João Besta. A temerosa explosão de uma caminhonete
de fogos em Jitaúna no domingo, 14 de abril de 1991 socializa na
contracapa a justeza da concessão do título de Cidadão Itabunense
a Minelvino Francisco Silva em 28 de julho de 1989, após 41 anos
de fixação na cidade, exibindo ainda um soneto declamado por MFS
quando do recebimento da honraria. Em Um roubo em Canavieiras

149
ou injustiça de um tenente, a contracapa descreve as humilhações
sofridas pelo poeta desde o furto de que foi vítima numa pensão ao
desrespeito acintoso do delegado local.
Na contracapa da História do Touro Branco Encantado,
Minelvino incursiona por curiosos relevos de estilo e linguagem,
questionando o divórcio entre a grafia e a pronúncia da letra X. Ana-
lisando os aspectos confusos da reforma ortográfica e da pronúncia
do X nas circunstâncias da fala popular, o poeta arrisca-se pelos me-
andros do idioma, ampliando questionamentos e ilustrando-os com
exemplos e situações em que o X é confusamente pronunciado. Vale
a pena a transcrição do poema decassílabo.

“A CONFUSÃO DO X”

Acabou-se a metade dos acentos


Na fonética, isto assim ficou melhor
Mas o X sendo ainda letra mágica
A pronúncia do povo é bem pior

O valor deste X será menor


Quando escreve este X pra ser um Z
Na pronúncia será muito pior
Quando obriga este X servir de C

Quando o X vale ainda como Q


Para o povo que tem pouca instrução
Este X valer S e valer Z
Este X está fazendo confusão

Este X deve ter um só valor


Como X e X mesmo e nada mais
No futuro virá um professor
Pra acabar deste X o seu cartaz

150
Na contracapa d’ As desordens de Pedro Mineiro, MFS ex-
plica seu ser múltiplo, em função da necessidade e economia de seu
ofício. No poema O que sou, o poeta diz que “Tem hora que sou tipó-
grafo/Hora que sou repentista/Tem hora que sou xilógrafo/Hora sou
propagandista/Tem hora que sou fotógrafo/Hora que sou desenhista”.
E poderia completar com o que dele achamos: “Sendo eu todas as ho-
ras/em todo o tempo um artista”. Preocupado sempre com a recep-
ção leitora aos folhetos, MFS justifica, na contracapa da História do
barbeiro que fez a barba do Cão, a elevação dos preços dos folhetos
em função dos preços do papel para impressão. O mesmo comporta-
mento irá adotar (confessando-se obrigado a reajustar os preços dos
livrinhos) na contracapa de Vida e morte de Sansão e a falsidade
de Dalila. Na História do valente Joaquim Azougue, o terror da
zona de Jacobina, a contracapa traz uma Classificação dos livros
da Editora Luzeiro, em vendagem, nomeando, em primeiro lugar,
Manoel d’Almeida Filho; em segundo, Antonio Rufino do Nascimento;
o terceiro, Isaías Moreira Cavalcante e o quarto, Minelvino Francisco
Silva, com três livros: O gigante Quebra-Osso, Zé Pretinho e o Cego
Aderaldo e O cachorro dos mortos.
Outro signo distintivo da obra de Minelvino (de que resultou
um pacto com Rodolfo Coelho Cavalcante) é sua legendária campa-
nha contra livros pornográficos. Ao assunto dedicaria as contracapas
de A morte da viuva Precilia ou o fazendeiro que mandou matar
a irmã e cortar uma orelha (protesto e advertência contra “folhetos
imorais”), A morte de Francisco Alves e a chegada no Céu (contra
livros pornográficos e os delitos de quem faz e de quem lê) e Os crimes
em Candido Sales antiga Nova Conquista, onde emite Um conse-
lho aos vendedores de Livros Imorais, vazado nos termos seguintes:
“Portanto meu amigo, vamos arrancar o mal pela raiz, queimando ou
condenando todos os livros que não dão bom exemplo”.
O folheto Em homenagem a Itabuna e aos seus habitantes
é o que melhor põe em relevo a competência mercadológica de MFS.
A capa reproduz em foto o painel de Lênio Braga na lateral do antigo

151
Banco Econômico, na Praça Adami; a página 12, um soneto A caminho
da prosperidade; da página 13 à 16, um Catálogo dos livros de Minel-
vino Francisco Silva até março de 1955, anunciando novidades como
O almoço de Zé Grilo e O encontro de Cancão de Fogo com Pedro Ma-
lazarte e, na contracapa, o soneto Gratidão dedica-se a homenageando
Luiz Gonzaga. No ABC da maconha e o desacerto do maconheiro, a
contracapa glosa o mote “Se eu mandar um cantor pra o cemitério/Ou
gemendo ou chorando tem que ir”, expondo um viés autoritário pouco
frequente no trovador-apóstolo, mas simbiótico com o inconsciente tex-
tual do ABC. Na contracapa de Os conselhos de sua mãe, MFS ironiza
a função social do poeta popular na sociedade brasileira, com destaque
para a crônica de dificuldades geradas pela sobrevivência:

O dinheiro é um touro bravo


Que faz bastante manobra,
Faz que vai, volta de novo
Pra todo lado se dobra,
E o dinheiro do poeta
É como perna de cobra.

A contracapa d’Os pistoleiros em Vila Nova anuncia livros


de MFS em Vitória da Conquista, “com um maravilhoso sortimento de
romances, folhetos, etc”. Vila Nova é a atual Anagé e a data do folheto
é “Vitória da Conquista, 26 de novembro de 1956”. O marketing direto
é uma constante em Minelvino, tanto que, na contracapa da História
do homem que virou cavalo ou o grande exemplo de um crimino-
so, anuncia a venda de folhetos pelos Correios, contrarrecibo. Mas o
estilo cauteloso do trovador adverte (contracapa irônica d’O resultado
de quem vende fiado):

Atenção Só vendemos fiado a criança de 150 anos em diante. Vindo


acompanhada dos seus pais, avós, bisavós, trisavós paternos, maternos
munidos dos seus documentos legais, e uma ordem especial assinada
por meu irmão que nasceu morto.

152
Minelvino Francisco Silva, elogiado pelo romancista Paulo
Dantas em programa de televisão em São Paulo, reconhecido, divulga
o fato na contracapa d’O disastre do caminhão de Ilhéus (datado de
“Itabuna, 26 de agosto de 1956”). E aproveita para nomear outros co-
legas trovadores do sul da Bahia: Manuel Peixoto, Otaviano Curvelo de
Souza, João Nobre, Hermes Gomes, José S. Silva, Raimundo Barbosa,
Laurindo Gomes Maciel e Eléus Leonardo de Sá. Tal comportamento
robustece a expressão generosa com que alia seu estilo de poetar,
associando ao seu outros nomes de trovadores nacionais no esfor-
ço comum de divulgar a narrativa popular em versos e empenhar-se
pelo acolhimento dos folhetos na comunidade letrada.
Para MFS as fronteiras entre literatura canônica (acadêmi-
ca ou erudita) e literatura popular facilmente se dissolveriam. Em
ambas reconhecia valores positivos, fazendo circularem ideias que
apontavam para uma feliz contiguidade estilística. Daí o concurso
enaltecedor que sua obra percorre, redimensionando os trovadores
numa mais justa recepção crítica. Assim como consagra os cordelis-
tas, Minelvino festeja (contracapa da Estória do papagaio criminoso
e o macaco pistoleiro) o Rui Barbosa jurista e escritor, em ode de
quatro estrofes de quatro versos decassilábicos. Um soneto em louvor
de Castro Alves é tema da contracapa d’O pedido de Francisco Alves,
depois da chegada no Céu. E n’O monstruoso crime de José Carlos
dos Santos e a prisão de PC Farias, a contracapa homenageia a escri-
tora itabunense Geny Xavier. Tal ecletismo, portanto, autoriza MFS a
cotejar sua obra com a de seus pares em sucessivos folhetos, cristali-
zando um estilo especial de camaradagem entre os poetas populares,
conforme assinalado na contracapa d’A revolta de Mão Branca e seu
encontro com o bandido Rifle Certo, quando divulga o I Congresso
Nacional de Poetas de Cordel no Rio de Janeiro, de 14 a 16 de março
de 1980.
A predominância do marketing direto aplicado a uma mais
ampla divulgação da literatura de cordel e de seus cultores encami-
nha MFS a um modelo de composição sistêmica nas contracapas,

153
estas travestidas do valor potencial do folheto como retransmissor de
interesses pedagógicos e de informação geral. Veiculando notícias, co-
mentários, críticas, sugestões, recomendações, notas de curiosidade,
causos humorísticos e de pedagogia moral, acompanhados sempre
da fala e oralidade proverbial do trovador, manifesta-se o poeta popu-
lar em tons de uma mansa e risonha ironia, a linguagem cumulada
de pureza, sensibilidade social e popular, espontaneidade e autenti-
cidade naturais e desprovidas de qualquer soberba, ou arrogância.
Bastante comuns, aliás, na impressão das contracapas de
MFS são seus informes sobre o desaparecimento de colegas. O espaço
correspondente ao folheto Estória do peixe, o homem e a raposa,
noticia a morte do trovador Antonio Pereira de Queirós em Jequié, 17
(ou 27) de julho de 1976. As preocupações do trovador-apóstolo ser-
vem ainda para legitimar a atuação de colegas como José Bernardo da
Silva que, na contracapa de A guerra do Juazeiro e o poder do Padre
Cícero, recebe de Minelvino o atestado de um autêntico criador e não
apenas aquele usufrutário e mero adquirente dos direitos sobre os
originais de João Martins de Athayde.
No folheto A vitória de Fernando Henrique Cardoso, novo
presidente do Brasil, a contracapa lastima, em três décimas, com
mote e versos heptassilábicos, Eu vi a morte chorando, porque ma-
tou um poeta:

Eu vi a morte contente
Porque matou um soldado
Um sargento e um delegado
Com um cabo e um tenente
Um Governo e um presidente
Um prefeito e um atleta
Um juiz e um profeta
Depois ficou soluçando
Eu vi a morte chorando
Porque matou um poeta

154
Vi a poesia chorar
Com a metrificação
Vi também a inspiração
Tristonha se lamentar
Vi a rima soluçar
Seguindo por linha reta
Porque era a sua meta
Eu fiquei admirando
Eu vi a morte chorando
Porque matou um poeta

Vi Rodolfo recitando
Vi Zé Camello cantar
Leandro Gomes glosar
João Athayde prosando
Com Zé Pacheco falando
Que nunca foi um pateta
Não perderá sua seta
No alvo que está apontando
Eu vi a morte chorando
Porque matou um poeta

MFS renova e redimensiona essa reverência a todos os ar-


tistas populares do verso, da canção e do repente. É assim que, na
contracapa d’As cartas apaixonadas do Programa de Fazenda em
Fazenda, aplica nota dez a trovadores como Rodolfo Coelho Caval-
cante, Francisco Amaral, Manoel d’Almeida Filho, a xilogravuristas
como José Cavalcante Dila, ao sanfoneiro Vavá dos 8 Baixos, ao poeta
e professor Manoel Teixeira Santos, ao tipógrafo Nozor Oliveira, ao
contista Odilon Pinto de Mesquita, ao datilógrafo Ronaldo Cardoso,
ao desenhista Sinézio Alves e a outros tantos profissionais das artes
populares. A graça minelvina inspira-se na interlocução direta, por
vezes com rara malícia:

155
Quem toca fogo no mundo
Para minha opinião
É a moça e o rapaz
Namorando no portão
O rapaz suspende o mundo
E a moça baixa o tição

Na contracapa d’O sonho do Presidente José Sarney com


o Presidente Tancredo Nevez no Céu, uma Homenagem póstuma a
Rodolfo Coelho Cavalcante torna-se poema de exceção em quartetos
decassilábicos:

Meu amigo Rodolfo Cavalcante


Que na terra viveu sem mostrar falha,
No cordel no Brasil foi um gigante
Ganhador da vitória e da medalha

Sua pena serviu como metralha


Defendendo a bandeira do civismo
Venceu todo obstáculo da batalha
Derrotando com o analfabetismo

Condenou no seu livro o ateísmo


Mas um dia um chofer sem compaixão,
Atirou meu amigo no abismo
Com um carro sem freio, sem direção.

Tenho fé no Autor da Criação


Que no Céu ele está muito contente,
E quem fez esta grande ingratidão
Será sempre punido eternamente

156
Mesmo tom de elegíaca homenagem se imprime na con-
tracapa d’Os assaltantes de Banco no Estado da Bahia e o lincha-
mento de um deles em Firmino Alves. N’A vingança de Ismael pelo
amor de Angelina, a contracapa reproduz biografia e versos de Ro-
dolfo Coelho Cavalcante. A admiração e o preito devotados a Rodolfo
fariam o poeta grapiúna, na contracapa da História de Zé Valentão
e sua luta com Olegário Piadista, reproduzir carta ao prefeito de
Ribeirão Preto (SP), agradecendo a homenagem de uma rua com o
nome de Rodolfo Coelho Cavalcante. A admiração e o preito perma-
neceriam na transcrição d’Os dez mandamentos do trovador, com-
postos por Rodolfo e compartilhados integralmente por Minelvino,
que os reproduz na contracapa de um dos folhetos como expressão e
decálogo da dignidade e consciência do ofício, ética no trabalho e na
vida social e apurada técnica:

OS DEZ MANDAMENTOS DO TROVADOR

1º Amar a Deus, o próximo e a poesia sobre todas as coisas


2º Não jurar pelos editores [Ver sarcasmo e boutade]
3º Guardar respeito as obras alheias
4º Honrar a sua profissão
5º Não matar a métrica da poesia
6º Guardar castidade dos títulos de obras alheias
7º Não furtar os enredos dos outros
8º Não levantar falso a quem quer que seja
9º Não desejar a prosperidade dos versos alheios
10º Não cobiçar dos outros as suas glórias

Na História do cangaceiro João Serra Negra, a contraca-


pa entoa curiosíssimo louvor ao poeta popular. No final MFS indaga
do leitor, conclamando-o, com ar gaiato: “Gostou? Então pague”.
A contracapa d’A história da princesinha do mar e a bruxa da
solidão transcreve completo relatório do Congresso de Trovadores

157
e Violeiros em Jequié, 26 de março de 1956. Na da História dos
quatro irmãos usurários, ode ao nascimento do trovador Manoel
d’Almeida Filho. Em Firmeza de dois corações e a espada vence-
dora, elegia de MFS ante as sucessivas mortes de colegas trovado-
res. A mesma temática acompanha a contracapa d’A invasão dos
ciganos em Várzea Nova, aí incluído um poema, em parceria com
Azulão Bahiano. Na História de Mão Branca, o matador de bandi-
dos no Rio de Janeiro, Minelvino noticia a criação da Casa de Cul-
tura São Suruê, pelo militar e escritor potiguar Umberto Peregrino,
destinada a estudos e pesquisas sobre literatura popular. O temero-
so desastre em Jitaúna, no dia da Micareta divulga o I Congresso
Nacional dos Poetas da Literatura de Cordel em Brasília, 1978. Os
vinte mandamentos da lei de Satanaz, um festival de Trovadores
e Violeiros em fevereiro de 1956, em Itabuna. N’O diabo que apa-
receu na Barra do Rocha e a rural misteriosa, mais um Encontro
de Trovadores do Nordeste.
No folheto História da moça que levantou um falso ao
diabo, a contracapa interpõe curiosas décimas de MFS glosando o
mote “Foi Gregório de Matos na Bahia/que inventou o martelo agalo-
pado”. O trovador mistura apreciável cultura geral e cultura poética,
adicionando preciosas informações sobre os fundadores das ciências,
em versos decassilábicos, estrofes e glosas bastante criativas:

Foi Alberto o inventor do avião,


Foi Guilherme que o rádio inventou
Já à luz Otto Von concretizou,
Alma viva de toda invenção,
Desde o rádio, o radar, a televisão,
Thomas Édison a lâmpada no passado
Inventou com carinho e com cuidado,
Marco Pollo inventou a geografia,
Foi Gregório de Matos na Bahia
Que inventou o martelo agalopado

158
A Inglaterra inventou o trem de ferro
E o barco a vapor o americano,
Pra chegar nos confins do oceano
Sem conflito vechame ou mesmo berro,
Este assunto aqui eu não encerro
Que Evaristo da Veiga é bem falado
Inventou o jornalismo no passado
E Daguerre inventou a fotografia
Foi Gregório de Matos na Bahia
Que inventou o martelo agalopado

Tubal-Caim foi o primeiro ferreiro


Os instrumentos de som da geração
De Jubal o seu primo ou seu irmão
Pra tocar de dezembro até Janeiro,
Dai vem a viola e o violeiro,
Que acompanha o trabalho improvisado
Disto tudo Noé ficou lembrado,
Do saltério e de sua melodia,
Foi Gregório de Matos na Bahia
Que inventou o martelo agalopado

Em sua proverbial e missionária campanha de divulgação


da poesia popular e dos trovadores, MFS não se esquiva de promover
colegas baianos. A contracapa d’O rapaz que se apaixonou por ou-
tro, por força de Bruxaria, comemorando o dia do trovador, home-
nageia Cuíca de Santo Amaro, e na d’A incrível história de Isaura e
Ailton, o menino morto que voltou a terra do Estado de São Paulo,
o homenageado é Bule Bule, singularizando-o com uma xilogravura
em que o poeta de Antonio Cardoso aparece com sua inseparável vio-
la: “Aqui está o violeiro/Antonio da Conceição,/Conhecido Bule-Bule/
com a viola na mão,/É um gênio no repente/está sendo o Presidente/
De nossa Associação”.

159
Poetas de outros Estados também mereceriam merecendo
os louvores do trovador-apóstolo. Na contracapa d’O poder da ca-
chaça contra a lei do Criador, biografia do repentista João Ferreira
da Silva. Na da História da mulher da língua grande, poema Meu
sonho pacifista, de Cícero Pedro de Assis. Em seu penhor e tributo,
MFS democratiza os folhetos a ponto de ceder espaço aos colegas.
A contracapa d’O filho que matou a mãe por causa de um pé de
mandioca, por exemplo, transcreve um acróstico de Alípio Bispo dos
Santos, desejando Feliz Natal e um Próspero Ano Novo, no período
1975/1976. E Minelvino, na contracapa d’O preguiçoso que se virou
cachorro a fim de não trabalhar, homenageia o pintor itabunense
Galeno, descrevendo-lhe um breve perfil biográfico e artístico.
Mas talvez a culminância dessa generosa acolhida de MFS
ao intercurso com seus pares trovadores esteja exposta na contracapa
da Estória dos três irmãos usurários e o laço do diabo, onde MFS
apresenta duas Cartas em versos, fazendo interlocutores José Bernar-
do da Silva (“Juazeiro do Norte-CE, 31 de maio de 1971”) e o próprio
Minelvino Francisco Silva (Sem data nem local). A carta de José Ber-
nardo tem o seguinte teor:

Meu prezado Minelvino


Eu sempre vivo lembrado
Dos grandiosos favores
Que a mim foram dispensados
Peço a nosso bom Deus
A ti faça compensado

Ana minha cônjuge


Consorte da minha vida
Manda um fraterno abraço
A esta mansão querida
Que por mim ela jamais
Daí será esquecida

160
Para Antonio e os demais
Garotos que não me lembro
Um abraço e lhe espero
Aqui no mês de setembro
E para meu aniversário
No dia 2 de novembro

Cantar versos e vender


A todo povo romeiro
Que chega aqui em setembro
Pra visitar Juazeiro
E olhar o monumento
Do nosso bom conselheiro

MFS assim respondeu ao colega cearense:

Amigo José Bernardo


Eu tive o prazer de ler
Os teus versos tão amigos
Para me agradecer
O que fiz aqui por ti
Sem nada eu poder fazer

Para mim foi um prazer


A sua chegada aqui
Agradeci a Jesus Cristo
Pela vitória que vi
A que eu mais desejava
Desta vez o conheci

A minha chegada aí
Isto não é bem certeza
Porque o Nosso Senhor

161
O Autor da Natureza
É quem sabe do futuro
Por ser o Pai de grandeza

O folheto traz a data final de “Itabuna, 13 de janeiro de


1976”, mas MFS aduz uma nota, após sua carta-resposta, dando con-
ta de que “Quando foi em novembro de 1972 Minelvino recebeu uma
carta que José Bernardo tinha viajado para Eternidade no dia 23 de
outubro de 1972”.

Antologia

A literatura de cordel é, por natureza, manifestação de


oralidade, que ganha o estatuto da forma escrita, mas permanece
registro da cultura oral, com ênfase na mímesis e no palimpsesto.
É ressurgência da tradição dos relatos épicos em seu formato mais
tradicionalmente vinculado à origem da narrativa em verso, cujas
matrizes poderíamos resgatar dos grandes poemas épicos. Por isso,
forma e conteúdo obedecem ao império da transfiguração e da catár-
sis. Razão e instinto, imaginação e reinvento do real são distinguidos
pela forma e expandidos para a impressão gráfica. Os trovadores (po-
etas populares disciplinados pela poética clássica e pelo imaginário
medieval) reverberam e repercutem ideários, expressões sentimen-
tais e anímicas do povo de que se originam. Justamente por conta da
fidedignidade da tradição oral, optamos por transcrever os folhetos de
MFS ora antologiados (75 dentre mais de 500) obedecendo ao critério
de sua grafia original, absorvendo integralmente os textos e corrigin-
do tão somente os equívocos de impressão. As intervenções, rasuras e
emendas de MFS escritas à mão, sobrepondo alterações ao texto, nem
sempre foram levadas em conta no processo editorial aqui seguido,
dadas as razões de natureza filológica, exegética e literária.
Por quase cinquenta anos de atividade na narrativa popular
em versos (exatos 49, entre 1949 e 1998, quando morre o trovador),

162
Minelvino Francisco Silva testemunhou quase meio século da vida
brasileira, baiana e grapiúna, frequentando assuntos e motivações te-
máticas relacionados com a poética, a sociedade, a religião, a moral,
a ética, a formação social e mais desejos, sonhos, aspirações de uma
coletividade, cujo intérprete (o trovador) se fazia perscrutador de mo-
delos sociais mais consentâneos com a ética religiosa que abraçava:
o catolicismo.
Politicamente conservador e ancorado numa ortodoxia
moral bebida no espectro cultural de que era originário, claro que
MFS reflete o mundo à sombra do pensamento doutrinário da Igreja
Católica Apostólica Romana, orientando sua obra para a experiência
nuclear dessa ortodoxia. Mas esse conservadorismo político e ideoló-
gico — que se horizontalizaria na perspectiva modelar dos costumes
sociais preservados incólumes — deixava margem a que o poeta tam-
bém refletisse sobre o panorama de exclusões da sociedade brasileira.
Orientava-o o modelo trabalhista de governar “para os pobres” — e
aí Getúlio Vargas ocuparia uma liderança incontestável, e com Getúlio
os que a ele se associassem ou por ele se deixassem influenciar — e
o narrador popular descreveria uma busca infatigável pelas reformas
imprescindíveis ao desenvolvimento nacional. A principal dessas re-
formas, a agrária, mereceria de MFS um estatuto privilegiadíssimo,
desde que reforma promovida e consolidada sob ditames legais, sem
invasões, nem conflitos — e também sem latifúndios improdutivos.
Na obra de MFS são poucos os folhetos com data de publi-
cação explícita (aliás, característica comum aos demais trovadores).
O coordenador desta edição e da antologia que se segue lembra que,
em 1975, recomendava ao criador do ABC dos tubarões a necessida-
de de datá-los, e ora atesta que, desde então, os livrinhos passaram a
conter data de impressão, de forma um pouco mais regular. Alguns
desses folhetos seriam baseados em acontecimentos reais ou relata-
dos ao poeta popular, que os revestiria de formato cordelístico. Alguns
dos não aqui antologiados apresentam-se em tamanho reduzido à
metade do tamanho tradicional, à semelhança da medida de 1/16 do

163
livro, digamos, canônico. Se, dos mais de quinhentos títulos, apenas
75 deles foram elencados para compor essa amostragem da produção
minelvina, isso não significa que outros aqui não pudessem estar.
A natureza da edição não comportaria um número maior e os aqui
selecionados demonstram à exaustão a variedade de modelos e estilos
seguidos por MFS em seu tão rico quanto extraordinário labor.
A seleção de textos que compõem a presente antologia não
se preocupou em alinhar obras-primas, apenas exprimir os diferentes
signos e modelos praticados por um poeta antenado com a disposição
especular do espírito coletivo. Os folhetos perlaboram dialogicamente
com o leitor, antes de se mostrarem virtuoses no gênero. O virtuo-
sismo, aliás, está daqui distante, seja do ponto de vista técnico, ou
ornamental.
A antologia começa, portanto, com a inclusão dos primei-
ros folhetos produzidos por MFS (para preservá-los do desapareci-
mento e indicar as matrizes de composição e evolução seguidas nos
demais), acompanhados dos outros tantos de que foi capaz de criar
o gênio narrativo de MFS, notadamente nos gêneros de relato de ins-
piração histórica, doutrinária, de exemplaridade moral, de engenho e
fabulação, textos obedientes à classificação tradicional das narrativas
de apelo maravilhoso, de conselhos, santidade, profecias, gracejos,
acontecidos, carestia, fenômenos, pelejas, bravura ou valentia, ABCs,
política etc. Respeitamos aqui, integralmente, os textos originais com
suas grafias e idiossincrasias, seus relevos de linguagem, lacunas ver-
bais, usos arcaicos, de maiúsculas e minúsculas, acentuação, pontu-
ação etc., não só por identificá-los como marcas de estilo, também
para preservá-los em seu saber e sabor de origem nitidamente po-
pular e espontânea, o que muito servirá aos interesses de estudos
linguísticos e filológicos em outros momentos percorridos por outros
tantos estudiosos.

164
O ensaísta Jorge de Souza Araujo e Minelvino Francisco Silva (1975)

165
Carta de MFS a JSA em 1976.

166
167
Minelvino com
a esposa e filhos
(1975)

Minelvino em sua oficina, portando um componedor tipográfico.


Ao lado, uma guilhotina (1975)

168
Minelvino, a prensa
manual e uma
xilogravura

Reunião de
folhetos

169
Algumas das xilogravuras que ilustram os folhetos de MFS

170
171
Jornal Oficial

172
Texto da Resolução nº 22, extraída do Jornal Oficial do Município de
Itabuna, nº 1263 de 8/12/1956

173
Cartaz com autoxilogravura de Minelvino Francisco Silva

174
PRIMEIROS MOMENTOS

175
ENXENTE DE MIGUEL CALMON E O DISASTRE DO
TREM DE ÁGUA BRANCA

Setembro de 19491

Leitores por obsequio O véu do templo rasgou-se


Leia o livro com atenção Com as aguas do infinito
A tragedia da enxente Homens, mulheres e crianças
Quero dar a descrição Era num chamego aflito
Panorama doloroso Correndo de lado á lado
De doer o coração. O oceano enraivado
Causava todo conflito
A cidade meus leitores
De Miguel Calmon neste dia Valei-me Nossa Senhora
Parecia um mar revolto Gritava um pelajando
Casas mais casa caia Para ver se salvava
Era uma desolação Gritava outro chorando
O clamor da multidão Valei-me meu São José
Neste doloroso dia. Bom Jesus de Nazaré
Gritava um soluçando.
Caiu a Rua das Flores
Ficando a pobreza em vão O Sr. Dr. Pelonha
Uns lado da Rua da Palha Foi um heroi da Historia
Desapareceu então Arriscou a propria vida
Naquele dia sombrio Isto temos na memória
Inundou todo baxio Deus revogou o castigo
E demoliu a Estação. Livrou todos do perigo
Naquela tremenda hora.

1
Primeiro folheto de Minelvino Francisco Silva

177
Agora meus bons leitores Iremos não têm conversa
Deixemos por um instante Acabe quem se acabar
A historia da enxente Na Barra de Mundo Novo
Passemos outro flagrante Chegue a hora que chegar
Sobre o desastre de trem Sejamos alviçareiros
De Agua Branca convém Pra levar os passageiros
Eu narrar concretizante. Nós temos que viajar.

Partindo de Jacobina Quando chegou no lugar


Dez horas menos seria Por Agua Branca chamada
Chegando nas Baraunas A chuva caia grossa
Enquanto a chuva caia Em toda aquelas quebrada
O maquinista cismado A Bomba dagua caiu
Todo conflito surgiu.
Ora, responde o chefe Para a cena malfadada.
Deixe de supertição
Seguimos com fé em Deus A grande destruição
Está acabada a questão No momento começou
Prosseguiu o maquinista: O imenso pontilhão
A morte nos faz a pista Toda a agua devassou
Quando chega a ocasião E carregando em seguida
A linha desprotegida
Porém o chefe do trem Num pessimo estado ficou
Que é homem e não mulher
E tendo por compromisso De 11 á doze quilometros
O seu dever de mister A maquina desenvolvia
Disse para o maquinista Quando chegou no local
Vamos fazer uma revista A tragedia acontecia
Seja lá o que Deus quizer O trem caiu no abismo
Neste grande cataclismo
Houve um drama de agonia.

178
A maquina saltou da linha O pobre de Miguelzinho
Das classes desengatou Foi quem sofreu aflição
O povo gritava tanto A chuva caindo sempre
Que todo mundo ficou Numa grande proporção
Sem saber o que fazer Ele chorava e dizia
Foi um supremo sofrer Valei-me Virgem Maria
Neste martirio de dor. Pela Sagrada Paixão

Felizmente meus leitores Manoel Peixoto tambem


Digo isto com razão Meu colega e camarada
Só morreu o maquinista Viajava neste dia
Naquela tragica aflição Naquela terrivel estrada
Por sua hora ser chegada Não sabia com lhaneza
Sua mente era avisada Ia vender miudezas
Da grande consumação Na dita feira da Barra.

Agora volto leitores Na hora que o trem virou


Ao inicio da historia Peixoto disse: negrada
O estrago da enxente Saltemos fora da classe
No espaço de uma hora Se não vae na enxorrada
Naquele mar de tristeza Foi pegando seu malote
Quem sofreu foi a pobreza E logo deu um pinote
Na sua trajetoria Saindo na retaguarda.

A Igreja desta vez O maquinista encontraram


Do pessoal não cabia No posto da profissão
Quem nunca foi a Igreja Com oito dias depois
Teve esta primazia Morto como um cidadão
Embora gritando tanto Digno conceituado
Chamava por todo o Santo Foi nobre, bastante honrado
E pela virgem Maria Morreu pela multidão

179
Volto de novo a enxente Assim como Tu Senhor
Conforme estava dizendo Livrou Pedro da aflição
A Igreja estava cheia Quando ele sucumbia
O povo só se benzendo Nas aguas do Rio Jordão
Com tantos lamentos tantos Salvae este povo aflito
Chamavam mais de mil santos Que chora neste conflito
E o tempo escurecendo. Desta grande inundação

Eu como um pobre poeta Ó Rabi da Galiléia


Minh’alma se estremecia Manso e Divino Cordeiro
Só o nome de Jesus Livrae-nos do sofrimento
Eu toda hora dizia Deste diluvio altaneiro
Valei-me meu Salvador As aguas se revoltaram
Sêde nosso Bom Pastor Neste pesado aguaceiro.
Livrae-me desta agonia
E assim caros leitores
Oh! meu Salvador do mundo A minh’alma com lhaneza
Que salvaste Madalena Rogava ao Filho de Deus
Salvae o povo que sofre Que é autor da Natureza
Nesta dolorosa cena Para que tudo calmasse
Vós que sois a Caridade E o silêncio voltasse
Tendes de nós Piedade Eu isto tive a certeza
Do diluvio e da Gehena

180
M—inha historia finaliso
I—nda este verso improviso
N—este folheto analiso
E—ra um dia de Juizo
L—eitores amigos meus
V—i gente quasi morrendo
I—nfante num mar gemendo
N—os meus olhos revendo
O— fim de mundo, meu Deus.

F—iquei aflito pensando


R—efletindo imaginando
A— tudo presenciando
N—o meu caderno anotando
C—omo rude trovador
I—nstante a instante anotava
S—obre o quadro que pairava
C—om Jesus minh’alma estava
O—rando ao Deus Criador.

S—alve a musa que inspira


I—rradia a nossa lira
L—evando pro mundo inteiro
V—iva expressão da Enxente
A—qui só peço um cruzeiro.

FIM

181
A PRISÃO DE UM POETA EM PINDOBASSÚ2

Com o meu saber diminuto Cheguei em Pindobassú


Começo agora escrever Um dia de Segunda Feira,
Um caso que aconteceu-me Vendendo livro de historias
Para todo mundo ver Vendendo qualquer asneira
O trabalhador hoje em dia No outro dia cedinho
Perdeu toda garantia O Delegado Milinho
É sujeito até morrer Prendeu-me desta maneira:

Porque este mundo velho De Domingo pra segunda-feira


Hoje está tudo mudado Furtaram neste logar
Tem escola pra gatuno Uns 40 e tantos contos
Anda até documentado Segundo eu ouvi contar
Aquele que trabalhar E eu como não sabia
Pra seu pudor não manchar Fui a prisão neste dia
É quem mais sofre coitado Sem a ninguem agravar

Carater caiu da moda No dia de Terça Feira


Capricho o vento levou, Eu segui pra estação
Opinião e criterio Às 10 horas mais ou menos
Tudo isso se acabou, Encontrei um cidadão
Gatuno civilisado Que era o proprio Delegado
Sendo bem documentado Disse-me ascelerado:
É quem tem todo valor — “Bote o malote no chão!”

2
Segundo folheto de Minelvino Francisco Silva

182
Me disse: “Abra esta joça, Cheguei na Delegacia
Quero ver o que tem dentro!” Foi chegando o Delegado
Eu abri logo o malote Naquele mesmo momento
Naquele mesmo momento Junto com quatro soldado(s)
Ele tudo examinou Olharam a mercadoria
E depressa perguntou: Repararam o que havia
“Onde está seu documento”? Eu vendo tudo calado

Eu lhe respondi: Senhor, Eu disse nesse momento:


Eu não tenho documento, — “Saiba Senhor Delegado
Tenho a minha certidão Que ando assim ambulante
Mostrei naquele momento Porem não sou relachado,
Minhas faturas de compra, Nunca manchei meu pudor,
Respondeu ele: Esta pompa Sempre honro o meu valôr
Não vale mil e quiento(s) Sou pobre porem honrado”

Chamou José Badolaque Respondeu Zé Badolaque


Um soldado rancoroso Nesta mesma ocasião:
Disendo leve este aí — “Sua presença demonstra
Cabra muito audaciôso Você não é bom assim não,
Que anda sem documento Por uma coincidencia
Aí naquele momento Negociar sem licença (1)
Saí como um criminôso De qualquer forma é ladrão”

Eu saí, caros leitores,


Com o soldado nesta hora
Direto para a prisão
Isto sem haver demora
Eu que de nada sabia (1) Não existe esta “lei” de cobrar licença
No pensamento disia: para se vender livros ambulantes, há o
imposto do chão, em feiras livres. — O
Valei-me Nossa Senhora!!! editor.

183
Nesta hora, meu leitor Veio o tal prato, leitores:
Eu fitei para o soldado TRIPA ASSADA COM FEIJÃO
Me chegou tanto do ódio Eu petisquei um pouquinho
Que cheguei ficar pasmado E disse: Não quero não,
Mas não podendo lutar Tinha comigo outro prêzo
Para da afronta vingar Comeu fazendo gracêjo
Tive que aguentar calado Daquela “esculhambação”

Pegaram a minha malêta Todo o meu dinheiro estava


Mandaram a Coletoria Lá na mão do Delegado
Me botaram na prisão Duzentos e dez Cruzeiros
Umas 10 horas do dia, Era o que tinha apurado
Telegrafei ao Joazeiro O telegrama chegou
Foi o calculo mais certeiro Aí foi que me soltou
Graças à VIRGEM Maria!!! Eu saí com um soldado

Umas três horas da tarde Fui de novo ao Delegado


Chegou o soldado Alvino E o meu dinheiro entregou
Falou de lá do portão Tambem a tal “calçaragem”
Disendo “Seu” Minelvino Dez Cruzeiros descontou
Olhe eu sou o carcereiro Alvino disse tambem:
Como o Senhor tem dinheiro — “Eu quero qualquer ‘xerém’
Um geito bom eu lhe ensino Que hontem ele almoçou”

Eu aqui dou a comida “Quanto é que ele lhe deve”?


E faço um preço barato Perguntou o Delegado
Tambem vou lhe perguntar: “Vou descontar Dez Cruzeiros
— “O Senhor gosta de fato?” Que sou muito ‘camarado’
Eu disse: “Nunca comí, Eu tenho um bom coração (1)
Mas, estando prêzo aqui Se fosse numa pensão
Prepare lá este prato!” Ele pagava dobrado”.

(1) Que Deus o livre — O Editor

184
Assunte, caro leitor O coletor em que falo
Bonita comparação, Seu nome é Pedro Luiz
Pra ele tudo é igual Este já é falecido
A Pensão com a Prisão Assim o povo me diz
Vêja só que idea atôa Jesus há de perdoar
E “aquela” comida “Bôa” Botá-lo em bom logar
Que cadeia!... Que pensão!!! Na Glória seja feliz

O Delegado me disse Escute leitor amigo:


Com toda filosofia: Este mundo presta mais?
“Seu malote eu já mandei Com quem merece faser
Hontem pra coletoria Deste geito não se faz
Vá com ele se arrumar Gatuno documentado
Se o coletor lhe entregar Anda “bonito” alinhado
É sorte em demazia” Ainda tem todo cartaz

Eu fui a Coletoria Prendem qualquer ladrão


Conversei com o coletor Que anda civilisado
Na hora que fui falando Por andar muito decente
Ele a “mala” me entregou E tambem documentado
Me perguntou a historia Não podem nada faser
Eu que tinha na memoria Diz logo: Pra que prender?
Contei o que se passou O geito é ser deportado

Este disse: “Que horror! Vêjam bem caros leitores


Você sofreu um bocado Que bela tapeação
Ai se você quizesse Quando eles vão deportarem
Processava o Delegado Um ladrão de profissão
Isto é uma cousa injusta Dão dinheiro pra viagem...
Ele sabe quanto custa Ainda pagam a passagem!
Ultrajar um homem honrado”?! Reparem se é ou não?

185
É este um dos motivos Povo de Pindobassú
Que ninguem quer trabalhar Peço desculpa, pois bem,
De todas as profissões A culpa não é de vocês
“A melhor hoje é roubar” Nem do Coletor tambem
Lhe juro caro leitor Agravei quem me agravou
O homem trabalhador Porque me desrespeitou
Vai prêzo sem se queixar Como se eu fôsse um ninguem.

Escreví este livrinho FIM


Porque me vi obrigado
A vergonha que sofrí
Apesar de ser honrado Leia na capa do fim do livro. — O Editor
Antes fosse um ladrão
Para dar uma lição
Neste rustico Delegado

186
O ENCONTRO DO POETA COM A NATUREZA

Musa deusa dos poetas Planetas e mais planetas


Mostrai a tua grandeza No espaço atravessemos
Inspirai meu pensamento Até que a linda fonte
Com rima, metro e beleza Ainda lonje avistemos
Para eu versar uma história Com mais um quarto de hora
Do Poeta e a Natureza Na dita fonte cheguemos

Certa vez meu pensamento Eu com o meu grande amigo


Numa tarde pura e fria Comecemos nos banhar
Fez uma longa viagem Naquela agua tão fria
Antes de finda-se o dia De fazer admirar
Para ir tomar um banho Depois tomemos a roupa
Na fonte da poesia Fiquemos a palestrar

Voando pelo espaço Ali naquele momento


Nas meigas azas do vento Surgiu um grande clarão
Apreciando a miragem Eu sem saber o que era
Com ele fui no momento Senti grande comoção
Para a fonte da poesia Apariceu uma dama
Bem perto do firmamento De chamar mesmo atenção

187
Seus olhos eram brilhantes Disse ela: meu aluno
Seus dentes eram marfim Pergunte o que desejar
Sua face linda e corada Sobre o céu ou sobre a terra
Duma beleza sem fim Sobre o vento ou sobre o mar
Os seus cabelos de ouro Pronta estou pra responder
Parecia um querubim O que você perguntar

Usava um lindo colar Ó professora querida


Pra melhor encantamento De tanta sabedoria
Com um vestido azulado Quero saber se está certo
Com a cor do firmamento A nossa Geografia
Veio de lá sorridente Que a terra é um grande globo
Abraçou meu pensamento Que roda por noite e dia

Logo ai meu pensamento Diz que a terra é um globo


A ela me apresentou Que faz sua rotação
Ela então disse pra mim: O mesmo ao redor do sol
As suas ordens estou Faz sua revolução
A sua linda mãosinha Sustentado sobre o eixo
A minha mão apertou Que faz admiração

Eu quase perco o sentido Disse ela: meu aluno


Diante tanta beleza É uma realidade
E disse: se for possivel Que a terra tem rotação
Quero saber a sua alteza Vai e volta de verdade
Como é seu lindo nome? Porem sempre diferente
Disse ela: NATUREZA Do que pensa a humanidade

Eu disse: minha professora Pois em vez dum grande globo


Eu tenho o maior prazer Fazendo sua rotação
De a vós pessoalmente É a terra um grande disco
Hoje aqui eu conhecer Eu faço a comparação
Tambem algumas perguntas Rodando reproduzindo
A vós pretendo fazer Toda sua gravação

188
Dignissima professora Ó destinta professora
Faça favor de explicar Desculpe minha expressão
Esse disco está rodando De ficar vos abusando
Sem ter aonde apoiar, Com tanta perguntação
Onde ele está seguro Disse ela: não tem nada
Pra não se desmantelar? Tudo eu dou explicação

Disse ela: meu aluno Professora sempre eu tenho


Esse disco imaginário Um pensamento profundo
Roda por cima das aguas Dizem que lá por debaixo
A direita e ao contrário Da terra tem outro mundo
Que separa dia e noite E tambem tem habitante
Porque isso é necessario De pensamento fecundo?

Para que tú compreendas Disse ela: meu aluno


Dou-te uma prova acertada Lá tem outra habitação
Pois lá mesmo em tua terra Mas é tolice dos homens
Tem a lagoa encantada Querer conhecer então
Com u’a mata no meio As terras de outros mundos
Por todos admirada Que não darei permissão

Ali na hora marcada A natureza terrestre


Aquela mata tão bôa É mesmo calma e excelente
Encosta terra com terra A natureza do rio
Igualmente uma canôa É bastante diferente
Quando chega sua hora A natureza do mar
Vai pra o meio da lagôa Não tem terrestre que aguente

É este o maior exemplo Para ir no outro mundo


Que todo planeta terra Nem mesmo um homem de mola
Está em cima do mar É saber a cor do vento
Como um disco se enserra Furar com faca de sola
Por uma força divina É tirar um peixe d’agua
Montanha, planice e serra E criar numa gaiola

189
Então minha professora A infeliz ambição
Já estou bem explicado Nos ricos logo chegou
Porèm diz os cientistas Tomaram conta das terras
E eu fico encabulado Por todo canto cercou
Diz-me se o planeta lua O pobre ficou sem nada
Tambem será habitado? E assim continuou

Disse ela: meu aluno Agora querem ir a lua


Darei toda explicação Para direito explorar
Pois a lua é habitada Pra vê se acham um jeitinho
Por tão grande multidão Da lua toda cercar
Se acaso você visse Para quem precisar luz
Causava admiração Ser obrigado a pagar

Os habitantes da lua Por causa destas e outras


São somente os imortais Que nosso Pai de grandeza
Que esperam o julgamento Não permite essa licença
Por ordens Celestiais Devido a grande esperteza
São aqueles que se foram E se Deus não da licença
Da terra pra nunca mais Que dirá a Natureza...

Os homens querem ir à lua Minha bela professora


Mas é a pura ilusão Ainda vou perguntar
Pois isso Deus não combina Só a terra é quem se move
E nem eu dou permissão Como um disco sobre o mar
Devido a grande imprudência O sol se move tambem
E tão tremenda ambição Ou fica num só lugar?

A terra ficou pra todos A terra, o sol e a lua


Pra d’ela se alimentar São três discos a rodar
Com suor do proprio rosto Todos três em paralelo
Até quando se virar Não pode se encostar
Em terra e pra mesma terra Que entra em curto circuito
O corpo torna voltar E o mundo vai se acabar

190
O sol é sempre o mais alto A Natureza depressa
Por ser o mais luminoso Deu um sopro em meu ouvido
Para os homens conhece-lo Acabou todo cansaço
Esse é o mais duvidoso Fiquei restabelecido
Só se for com uma ordem E o carrinho corria
De Nosso Pai Poderoso Que só se ouvia o zunido

Minha amada professora Passei em tanto planeta


Se vós quizesse levar Que faz até confusão
Eu convosco num planeta Passei no planeta Júpiter
Para de perto ir olhar Saturno, Marte e plutão
Quando eu chegasse na terra Pois o carrinho corria
Tinha muito o que contar Muito mais que um avião

Disse ela: meu aluno A Natureza sentada


Para que fique completa Só manejando o volante
Agora nossa palestra Do Cadilac de nuvem
Vou seguir por linha reta Aquela jovem galante
Irei contigo na lua Até cheguemos na lua
Só porque tú es poeta Uma cidade brilhante

Um Cadilac de nuvem Quando cheguemos na lua


Naquele instante chegou Vi coisa que nunca vi
No seu volante de vento O calçamento das ruas
Aquela dama pegou Era pedras de rubí
Eu sentei juntinho d’ela Com os tijolos de ouro
E ela o carro embalou São feito os predios dali

O carro saiu correndo A Natureza me disse


Cortando todo o espaço Naquele mesmo momento:
Passando nuvem e mais nuvem Irei mostrar-te os poetas
Sem ter nenhum embaraço Que esperam o julgamento
Devido a velocidade E lá no planeta terra
Começou a da-me um cansaço Viveram em padecimento

191
Cheguemos num edificio Salve, salve a Natureza
Ela uma campa toucou Nossa bela professora
Ali foi chegando um guarda Que vem chegando da terra
E desta forma falou Tambem de tudo é autora
Que deseja sua alteza? Hove uma salva de palmas
A Natureza explicou Nessa hora encantadora

Quero ir no apartamento Nesse instante a professora


Dos poetas do passado A eles me apresentou:
Que viveram lá na terra Este aqui é um poeta
Cada um mais inspirado Que vir aqui desejou
E esperam o julgamento Houve outra salva de palmas
Por nosso Pai adorado Que no salão rebuou

O guarda disse: pois não De onde é o colega


Com muito grande prazer Um poeta assim dizia
Vos mostrarei os poetas Eu respondi: meu amigo
Pois é este o meu dever Sou um filho da Bahia
Disse ela para mim Então é meu conterraneo
Você vai compreender O poeta respondia

Naquele mesmo momento Como é o vosso nome


Peguei um elevador A ele assim perguntei
Com a minha professora Disse ele: Castro Alves
Pra um salão encantador Eu bastante admirei
Aonde vi os poetas Com muito grande prazer
Cantando hino de amor A sua mão apertei

Louvando ao Pai Criador Sou Minelvino Francisco


E a Santa Virgem Maria Um trovador popular
Cada um desses poetas Que pedi a Natureza
Recitava poesia Para aqui me transportar
Quando viram a Natureza Pra quando eu chegar na terra
Cada um d’eles dizia: Ter bastante o que contar

192
Disse ele: Minelvino Eu respondi: meu irmão
Como vai nossa Bahia Estou vivo de verdade
Eu disse: está muito bôa A Natureza me trouxe
A terra da poesia Por uma felicidade
Seu nome imortalisou Para poder me explicar
Se fala por noite e dia Como é a eternidade

Teve o Primeiro Congresso Disse ele: meu irmão


Que fez o mundo abalar Aqui tudo é diferente
Somente de violeiro Não é igualmente a terra
E trovador popular Que eu cantava repente
Lá nos pés de sua estátua Aqui só canto louvores
Fomos todos recitar Ao Bom Pai Onipotente

Disse ele: sendo assim Eu cantava lá na terra


Minha terra se elevou Pois precisava comer
Com prazer muito agradeço E aqui não precisamos
Quem amim apresentou Nem comer e nem beber
Sua alegria foi tanta! Só com as graças de Deus
Que de contente chorou Vive tudo com prazer

Naquele belo salão Me despedi dos poetas


Zé Pachêco aparecia Que tinha pra mais de mil
E João Martins de Ataide E falei pra Natureza:
Com a maior alegria Ó professora gentil
Apertei a mão dos dois Eu quero vê os heróis
Que ha muito tempo não via Que morreu pelo Brasil

Chegou Antonio Marinho Disse ela: muito bem


Nessa mesma ocasião Tem o guarda nosso guia
Foi dizendo: Minelvino Peguemos um elevador
Responde com exatidão Que correndo em demasia
Tú estás vivo ou morto Cheguemos em um salão
Aqui nesta região? De grande soberania

193
Nessa hora a Natureza Esse cujo Juscelino
Um vulto me apresentou Mostrando seu ideal
Este aqui é o Tiradentes Construiu em nossa terra
Por esta forma falou Uma nova capital
Morreu pela liberdade Denominada Brasilia
Seu nome imortalisou Para todo pessoal

Bastante admiradissimo Essa nova capital


Eu apertei sua mão Para dizer a verdade
E disse: senhor Alferes Para um é uma vitória
Eu tenho satisfação Pra outro infelicidade
De conhecer um herói E assim vive lutando
De minha bela nação Toda aquela humanidade

Disse ele: seu poeta Ali chegou outro vulto


Me explique de verdade De um bem forte ideal
Portugal inda manobra Iluminado dos raios
O Brasil sem piedade Do fogo celestial
Fazendo coisa impossivel Eu perguntei quem sois vós?
Com a nossa humanidade Sou Pedro Alves Cabral

Eu respondi: seu Alferes Eu respondi: seu Cabral


Saimos da escravidão Grande vulto varonil
Vosso sangue derramado Eu tenho o maior prazer
Libertou nossa Nação Por tantas vitórias mil
Vós foste um segundo Cristo De falar com o heroi
Pela nossa redenção Que descobriu o Brasil

Seu Alferes, o Brasil Aminha alegria é tanta


Tornou-se um Brasil menino Que estou emocionado
Que elegemos um homem Dou graças a Natureza
Por nome de Juscelino E Jesus sacramentado
Que é vosso conterrâneo De vir falar com os herois
Homem forte dum bom tino Daquele tempo passado

194
Cabral então respondeu
Eu compri minha missão
Mandada por Deus Eterno
Em meu papel de cristão
Fui descubrir o Brasil
Formando grande nação

O Dr. Lauro de freitas


Nesse instante ali chegou
O guarda e a Natureza
A ele me apresentou
Quando falei em seu nome
Ele assim me reclamou

Não me chame de doutor


Trate-me como um irmão
No estado da Bahia
Quem ganhou na eleição
No ano quarenta e nove?
Quero esta explicação

195
SEGUNDO VOLUME DO POETA E A NATUREZA

Respondi: Reges Pacheco O seu nome no Brasil


Foi ele o governador É lembrado noite e dia
Juracy foi para traz Quando se fala em cultura
Com a morte do senhor Seu nome logo anuncia
Senhor Antonio Balbino Como escudo do Brasil
Foi depois seu sucessor E orgulho da Bahia

Agora em cinquenta nove Despedi de Ruy Barbosa


Juracy foi o eleito Pra Natureza falei:
Em toda nossa Bahia Minha bela professora
Tudo que faz é bem feito Bastante alegre fiquei
Abriu jogo no Estado Mas inda quero ir num canto
Mesmo a torto e a direito Que agora imaginei

Ali chegou Ruy Barbosa Disse ela meu aluno


Por esta forma dizia: Eu desejo te levar
Meu irmão e conterraneo Em qualquer reino ou planeta
Tive bastante alegria Que você imaginar
Será que o povo inda lembra O que não souber pergunte
Do meu nome na Bahia Que tudo eu sei explicar

Eu respondi meu irmão Eu respondi: professora


Foste um grande pioneiro Já falei com os trovadores
O seu nome é conhecido Palestrei com os poetas
Do Brasil ao estrangeiro Homens improvisadores
E tornou-se forte escudo Desejo falar agora
Para o povo brasileiro Com todos os inventores

196
Disse ela: nesse instante Fiquei um pouco a pertado
Iremos lá com prazer Mas uzei o meu repente
Estarei sempre a teu lado Ao lado da professora
A fim de te protejer Falei pra toda essa gente
E tudo eu posso explicar Saúdo vòs os alunos
Que possa comprender Do bom Pai Onipotente

Peguemos nesse momento Sou um poeta popular


Outro lindo elevador Que em nome dos trovadores
Devido a velocidade De lá do planeta terra
Eu fiquei de toda côr Que sofrem seus dissabores
Com um minuto cheguemos Saudando o planeta lua
Num salão encantador Com todos os inventores

Ao nosso Pai Criador Houve uma salva de palmas


Estavam todos orando Que no salão rebuou
Aconteceu que na hora De todos estes presentes
Que ali fomos chegando Um moço se levantou
Enserraram a oração Se aproximando de mim
Estavam só terminando A minha mão a pertou

Na hora que fui entrando Você sabe quem sou eu?


Ao lado da Natureza Eu lhe respondi que não
Houve uma salva de palmas Eu sou de Minas Gerais
Com a maior gentileza Àquele velho torrão
Só se ouvia era riso Sou eu o Santos do Mont
Ninguem falava em tristeza Inventor do avião

A Natureza me disse: Nessa hora a sua mão


Demonstre ai seu valor De novamente apertei
Faça uns versos de improviso Dizendo: meu caro irmão
Se ès improvisador Eu sempre te admirei
Saudando todos alunos De te vê pessoalmente
De nosso Pai Criador Ainda mais estimei

197
Disse ele: seu poeta Toda aquela minha ideia
Como vai minha invenção? De construir o avião
Eu respondi: está bôa Foi pra elevar minha terra
Dando a maior produção Dando maior produção
Tú fizeste um bom anzol Nunca pensei que ela fosse
Para pescar “tubarão” Pra fazer destruição

Santos do Mont, nessa hora Meu irmão, lhe respondi


Soltou forte gargalhada Tenho no meu ideal
Eu lhe disse: é brincadeira Que tudo tem dois caminhos
Tenha calma camarada Que é o do bem e o do mal
Tua invenção lá na terra Segue no mal quem quizer
É bastante admirada Disse ele: é natural

Já tem avião a jato Tú fizeste a invenção


De grande velocidade Foi somente para o bem
Helicoptero pra andar Qum usa-la para o mal
Bem baixinho pela cidade No julgamento do alem
Já tem avião de guerra Cada responde por si
De grande capacidade Disse ele: muito bem

E assim cada vez mais No final desta palestra


Vai chegando a perfeição Outro moço ali chegou
E no assunto de guerra Era Guilherme Marconi
Tornou-se tua invenção A minha mão apertou
A arma mais poderosa Eu apertei a mão d’ele
Pra fazer destruição E a palestra aumentou

Disse ele: meu irmão Eu disse assim para ele:


Eu estou arrependido Eu tenho o maior prazer
De ter feito o avião De vê o inventor do radio
Sem nunca ter no sentido E de perto conhecer
Que todo homem na terra Embora foi bem dificil
Não está compreendido Para esta gloria obter

198
Ele disse: meu irmão Como é a estação
Com toda realidade Faça favor de explicar?
Nada se arranja facil Rapaz lá tem tanta coisa!
Um tudo é dificuldade De fazer admirar
Pra se arranjar o que é bom É tanto dos aparelhos
Eu respondi: é verdade Que eu não sei nem contar

Responda-me como vai O radio se evoluiu


Na terra minha invenção? De chamar mesmo atenção
Como é que vai o radio Já tem gravador de discos
Se causa admiração Grava voz do cidadão
Se meu nome tem prestigio Com a agulha e um pik-up
Na bôca da multidão Reproduz a gravação

Meu irmão, lhe respondi Disse ele: sendo assim


Agente falta é endoidar É mesmo de admirar
Como foi que tú fizeste Se eu voltasse pra terra
Aquela invenção sem par Para com radio lutar
Se ouvir numa caixinha Depois de tanta reforma
Gente falar e cantar Era preciso estudar

Os vivos tomaram conta Terminando esta palestra


De toda tua invenção Chegou outro cavalheiro
Já temos Radio-emissora Foi dizendo aos vinte anos
Até no alto sertão Na terra fui um vaqueiro
Inspirado em tua ideia Depois tornei-me inventor
Fizeram a televisão Por um poder verdadeiro

Como é a televisão Inventei o trem de ferro


Isto será coisa bôa? Pra que desse produção
Eu disse o recepitor Em toda minha Inglaterra
A sua voz bem entôa De sul a norte e sertão
Alem de ouvir bem a voz Depois serviu para o mundo
Ainda vê a pessôa Aquela minha invenção

199
Respondi: sua invenção Eu respondi: meu amigo
Foi de grande utilidade Sua invenção não parou
O mundo em peso admira Depois de anos e anos
Sua invenção de verdade O exercito aproveitou
Temos estrada de ferro E o automovel perfeito
Pra toda e qualquer cidade Pronto de tudo montou

Depois de muita palestra Hoje temos automovel


Enrique Ford chegou Ônibus, gipe e caminhão
Foi dizendo: seu poeta Taxi, moto, cadilac
As suas ordens estou De chamar mesmo atenção
Eis a pequena pessôa Foi um dos grandes progressos
Que o automovel inventou Pra toda e qualquer nação

Eu apertei sua mão Naquele mesmo momento


Dizendo: eu tenho prazer Outro moço ali chegou
Do inventor do automovel Foi dizendo: seu poeta
Pessoalmente aqui vê Como vai, como passou
Você trabalhou bastante Eu perguntei com quem falo?
Para o carro se mover Ele assim me explicou

Disse ele: lá na terra Seu poeta, disse ele


Não fui bem recompensado Ou trovador da Bahia
Com a minha invenção O meu nome é Gutemberg
Aquele povo atrasado Que lutei por noite e dia
Me odiaram dum jeito Sou inventor da imprensa
Quase vou apedrejado De toda tipografia

Assim que viram meu carro E assim de novamente


De por si movimentar Eu apertei sua mão
Disseram ser diabólica Dizendo: seu Gutemberg
Quizeram me a pedrejar Eu tenho satisfação
O prefeito proibiu De falar com o autor
Fui obrigado a parar De tão belissima invenção

200
Como vai minha invenção Foi chegando OUTO VON
Depois que eu a deixei? Com os seus olhos azús
Vai muito desenvolvida Que tambem aqui na terra
Desta maneira falei Condúziu a sua cruz
Elevou-se cem por cento O maior dos inventores
E tudo mais expliquei Porque inventou a luz

A nossa imprensa na terra Eu apertei sua mão


Não tem mais dificuldade Por esta forma a falar
Não é como vós fizeste Grandioso OUTO VON
No tempo da antiguidade Podes mesmo se orgulhar
Hoje se imprime o jornal Porque a sua invenção
Com toda facilidade Está em primeiro lugar

Temos maquina linotipo Porque com a luz e força


Que faz a composição Tudo no mundo se faz
Outra máquina especial Sua invenção lá na terra
Para fazer impressão Tem grandecissimo cartaz
O papel, imprime corta Com sua invenção na terra
Sem o impressor por a mão Marcone foi para traz

Alem da máquina automatica Depois de toda palestra


É tocada a energia Eu aí encaminhei
De uma eletricidade Para minha professora
De força que a terra cria Por esta forma falei
Porisso nosso jornal Eu quero vê os meus pais
Lá circula todo dia E tudo a ela expliquei

Disse ele: muito bem Disse ela: meu aluno


Se evoluiu de repente Você vai me desculpar
À minha invenção na terra A onde estão os teus pais
Foi limpa perfeitamente Eu não posso te levar
Se eu voltasse pra lá Se você falar com eles
Ia aprender novamente Nunca mais torna voltar

201
Eu respondi: professora Assim que sai do carro
Da terra estou muito além Pra ela tornei a falar
Aqui no reino da lua Minha bela professora
Nada falta tudo bem Ainda vou perguntar
Mas, eu não vendo meus pais Algumas coisas da terra
Não quero vê mais ninguem Que me faz encabular

E por isto professora O que você imaginar


A mim queira desculpar Pode crer que tudo sei
Porque aqui neste reino Pergunte o que desejar
Não pretendo mais ficar Que tudo te explicarei
Para meu planeta terra Você e seu pensamento
Agora eu quero voltar Tudo foi eu que os criei

Descemos de novamente Minha amada professora


Pelo mesmo elevador Eu só vivo a imaginar
Disse ela para o guarda: Porque que a terra cria
Muito obrigado senhor Um fruto pra alimentar
Vou agora para terra E juntinho cria outro
Levar este trovador Que só serve pra matar?

Peguemos o cadilac Sobre esta criação


E seguimos a viagem Meu pensamento é sem fim
Para o planeta terrestre Pois a terra cria tudo
Não me faltou a coragem Eu fico pensando assim:
Eu ficava na janela Porque cria um tão bom
Apreciando a miragem E o outro tão ruim?

Correndo horrorosamente Até os frutos dos campos


Até que a terra avistei Que a terra cria a granel
As florestas e montanhas Cria um tão saboroso
Já bem perto observei Que é doce que só mel
Com a bela professora Já cria outro juntinho
Aqui na terra cheguei Que amarga que só fel?

202
Porque nasce uma pessôa Deus me livre, professora!
Tão amiga, tão bondosa Compreendi o vosso aviso
Em todo assunto falando Não quero saber mais nada
É bastante valorosa Falar a verdade é preciso
Sendo irmã já nasce outra Se assim continuar
Perversa e maliciosa? Já vi que perco o juizo

A Natureza me disse Logo aí a Natureza


É uma realidade Para mim se dirigiu
A terra cria de tudo Apertando minha mão
Por ordem da Divindade Saudosa se dispediu
E nada existe na terra Entrando no cadilac
Sem a sua utilidade No espaço se sumiu

As coisas daqui da terra Quando ela foi se embora


Que você vê todo dia Eu com saudade fiquei
Tem um fruto aqui que mata Que eu estava acordado
Já tem outro ali que cria Todo esse tempo pensei
Se não fosse necessário Mas eu estava dormindo
Nenhum dos dois existia E nessa hora acordei

Eu te levei lá na lua A Natureza com isto


Aonde viste beleza A todos quiz explicar
Dando uma explicação Que todos homens na terra
Que sou quem tenho grandeza Deverão se conformar
Porque o teu pensamento Que o que foi feito na terra
Não é mais que a Natureza N’ela tem que se acabar

Eu sou tua professora Os que pensam ir a lua


Eu mesmo quem te criei É uma pura iluão
Eu te levei para a lua Lá pode ser habitado
E tudo te expliquei Mas por outra geração
Se quer ir no outro mundo Nós somos filhos da terra
Agora te levarei Não adianta ambição

203
Senhores, quem duvidar
E quizer ter a certeza
De toda minha historinha
Vos aviso com franqueza
Vá na fonte da poesia
E pergunte a Natureza

Minha bela professora


Fez eu ficar vacilando
Será que tudo é assim mesmo?
Inda estou imaginando
Leitores comprem o livrinho
Vão estudar direitinho
Aqui eu vou terminando

204
AS PROESAS DE ZÉ BUFÃO

Tem homem mais do que outro O homem estava vendendo


Em tudo que se pensar Esse cavalo arreiado
Tem na coragem, na força Quando um senhor foi chegando
No saber e no andar Bastantemente trajado
Na destreza e no dinheiro Foi olhando o animal
Tem até para bufar Perguntou interessado:

Na lavra diamantina Quanto custa este cavalo?


Denominada Ventura, O homem foi perguntando,
Meu Pai contou-me que um dia Custa 50 mil rèis,
Viu uma pobre criatura O dono foi lhe falando
Fazer uma aposta com outro Você quer qu’eu ofereça?
Que a gente até esconjura O homem foi replicando

Tinha um homem com um cavalo Ofereça, disse o moço


Que estava todo arreiado Tem direito a oferecer
E tambèm disposto a venda Eu sò dou cinquenta bufas
Estava ali preparado Se o senhor quer receber
Pra quem quizesse compra-lo Eu comprarei seu cavalo
E tivesse o apurado Para todo mundo ver

As coisas naquele tempo O dono do animal


Era um preço de rachar, Achou que aquilo era horrivel
Um cavalo muito bom Cinquenta bufas assim
Depois do dono arreiar Disse consigo: é incrivel
Pra dar 50 mil rèis Cinquenta bufas contadas!
Era de admirar É inteiramente impossivel

205
Disse o homem eu dou o cavalo O homem soltando as bufas
Mas, vamos testimunhar Começou a se vexar
Se não der as cinquenta bufas Foi o sargento e pediu
O senhor vai se enrascar Pra bufar mais a vagar
Porque o valor do cavalo Porque daquela maneira
O senhor tem que pagar Arriscava até errar

Ali foi juntando gente O bufão dali avante


Nesta mesma ocasião Bufava mais compassado
De sargento a inspetor Soltando de vez em quando
Delegado e escrivão Um peido mais reforçado
Ali de cabo pra baixo Em tempo de atingir
Tinha grande multidão A cara do delegado

Afinal testimunharam Dando 25 bufas


E mandaram começar O homem deu pra tremer
O homem soltando as bufas Porque viu que seu cavalo
Pra o delegado contar Daquela vez ia perder
Vamos ver se ele perde Ficando muito assustado
Ou então se vai ganhar Começou se esmorecer

Ele bateu na barriga O bufão continuou


Afroxou o cinturão Danadamente bufando
E começou a soltar E o sr. Delegado
Os seus tiros de canhão Ligeiramente contando
O povo dava risada O escrivão ao seu lado
Que se enrolava no chão No papel tudo anotando

O delegado contava Tinha trinta e cinco bufas


O escrivão anotando Que o escrivão anotou
O sargento estava ali O dono do animal
Daquilo se admirando Sua cabeça coçou
E o inspetor com um espeto E disse consigo mesmo:
Pegando bufa e espetando Este bufão me roubou

206
O bufão continuando Zé Bufão naquele instante
Danadamente bufava Quiz logo se alterar
E o sr. Escrivão O delegado lhe disse:
No seu papel anotava Não precisa se vexar
Quando o sr. Delegado Pois você perdeu aposta
Contando lhe ordenava Por tanto tem que pagar

E assim continuou O bufão naquele instante


Bufando danadamente Bastantemente zangou
Para ganhar essa aposta Bateu a mão na cintura
No meio de toda gente Um grande punhal puxou
Para mostrar que tambem E foi em cima do outro
Era um pouco inteligente Para mostrar que ganhou

Nessa hora ja estava O cabo que estava ali


O promotor e o juiz Temendo a destruição
Para ver naquela aposta Pegou ele pelo braço
Quem era mesmo o feliz Tomou o punhal da mão
O dono do animal Mas, ele deu um bofete
Já se julgava infeliz Deu com o cabo no chão

Afinal cinquenta bufas O bufão enfurecido


Já tinha ali completado Se tornou um disastrado
O bufão disse pra o moço: Deu outro grande bofete
Tome uma de agrado Derrubou o delegado
E deu uma bufa tão grande O cabo se levantou
Fedendo a chifre queimado Tristonho e todo melado

O dono do animal Um sargento foi na guela


Lhe disse perdeu a aposta Daquele cabra bufão
Eu não pedir o agrado Foi dizendo: se entregue
Creio que aqui ninguem gosta Se renda logo a prisão
Estes cinquenta mil réis O bufão deu uma bufa
Vai sair de suas costas Botou o sargento no chão

207
O sargento deu lhe um sôco Cento e dez eu ofereço
Depois que se levantou Ao governo do estado
Para arrancar-lhe o pescoço Duzentas ao presidente
Zé Bufão se abaixou Por ser mais conceituado
O cabo para o bufão Cem para os veriadores
De novamente avançou Trinta a cada deputado

O inspetor não se fala Depois que disse isto tudo


Que tomou uma murraça Começou ele a bufar
Bem na caixa do catarro Bufou a noite todinha
Daquelas mesmas que assa Ninguem mais soube contar
Ficou ele dez minutos Bufou da bôca da noite
Rodando no meio da praça Foi até o sol raiar
Com uma hora de luta Meu Pai contou-me este caso
Sempre pegaram o valente
E eu gravei na mimoria
Levaram para cadeia
O dono do animal
Para não ser renitente
Foi quem levou a vitoria
Ele sorria e chorava
Zé Bufão deu mais 50
E de raiva rangia dente
A quem não gostar desta historia
Chegando lá na cadeia
O bufão disse zangado Agora meus bons amigos
Vou dar mais cinquenta bufas Termino minha narração
Agora pra o delegado Quem não comprar este livro
Cinquenta para o sargento Vai sofrer dessepição
E trinta a cada soldado Ganharà 50 bufas
Bufadas por Zé Bufão
Secenta para o inspetor
Cinquenta pra o escrivão FIM
Cinquenta para o tenente
Cinquenta pra o capitão
Quarenta pra o promotor Não deixe de ler A Mulher que Morreu
Mascarada
Dou de gratificação

208
FOLHETOS DE ACONTECIMENTOS
POLÍTICOS E COMOÇÃO POPULAR

209
A POLITICA D’AGORA

Implorando a Jesus Cristo Para ir para o Catête


Que me dê inspiração Gastavam muitos dinheiros
Para fazer um livrinho Brigadeiro e Cristiano
Com delicada atenção Gastaram muitos cruzeiros
Falando sobre os politicos Quem ganhou foi seu Getulio
No tempo da eleição. O maior dos Brasileiros

Já fazia aborrecer O pessoal udenista


Se vêr os radios cantar Já estão discalqueados
Seu Juracy Magalhães Porque Juracy perdeu
Pra Bahia governar Tão todos apaixonados
Em propaganda politica Em tempo de armar cordas
Era em que se via falar. Para morrer enforcados.

Só foi melhor a politica Nós queremos um Bahiano


Pra quem tinha tipografia Pra Bahia governar
Em propaganda politica Como seu Regis Pacheco
Trabalhavam noite e dia No meu modo de pensar
Os tipografos ganharam Candidato Cearense
Dinheiro em demasia. Pode ir pra o Ceará.

Boletim por todo canto Meus amigos trabalhistas


Eles todos espalhavam Ficamos todos contentes
Com propaganda politica Que veio de novo ao Catête
Muito dinheiro gastaram Nosso amado Presidente
Mais uma esmola a um pobre Getulio Dorneles Vargas
Nem um deles nunca davam. Pra socorrer toda gente.

211
No seu gordo cavalinho Quando Lauro faleceu
Getulio vem esquipando Muita gente se alegrou
Direto pra o Catête Dizendo nós ganha agora
Café Filho acompanhando Tudo para nós chegou
Cristiano e Brigadeiro Porem tudo foi errado
Ficaram quase chorando. E eles todos se enganou.

A U. D. N. dizia Esta politica este ano


Que Brigadeiro ganhava Já era uma confusão
Que Juracy Magalhães Cada qual que discursava
A Bahia governava Querendo ter mais razão
Pensando que seu Getulio Até que chegou o dia
Nunca se candidatava. De fazer a votação.

Getulio candidatou-se No dia 3 de outubro


Eles ficaram zangados Foi tudo realizado
Os udenistas disseram Reunia os eleitores
Nós estamos desgraçados Da cidade e povoado
Porque o Getulio Vargas Pra depois da votação
Vai deixar todos enrascados. Saberem do resultado.

Outros diziam ao contrario Muitos que com a U. D. N.


A U. D. N. vai ganhar Foram se qualificar
Seu Juracy Magalhães Diziam abertamente
Ele é quem vai governar Se Juracy não ganhar
E seu Eduardo Gomes Eu vou-me embora daqui
Este é quem vai triunfar. Não fico neste lugar.

Faziam grandes comicios Um matuto disse ao outro


Muita gente se juntavam Meu compadre Julião
Falando sôbre os partidos Vamos votar com Getule
Muitos ali se zangavam Cum toda satisfação
Iam na guela um do outro Seu Juracy Magalhães
Assim se estapiavam. A nois não presta atenção.

212
Istá certo meu cumpadre Mais quando abriram as urnas
Só voto pra seu Getule Muitos com todo orgulho
Pra ele vim pú Catête Iam contar todas chapas
Meu Jisus Cristo ajude Sem precisar de barulho
Dê fôça Getule Vaga 50 pra Brigadeiro
Cubra ele de virtude. 110 pra seu Getulio.

Adepois da votação Eu sôbe que um politico


As urnas foram abrir Na Capital da Bahia
Cem votos pra seu Pacheco Este era comunista
Cinquenta pra Juracy Abertamente dizia
Para o pobre Mangabeira Se o P. R. P. perdesse
4 e 5 achavam ali. Ele lá não residia.

Duzentos pra Cristiano Que quando apuraram os votos


Trezentos pra Brigadeiro O seu radio anunciou
Oitocentos pra Getulio Os outros todos perderam
Se via no dianteiro O P. T. B.quem ganhou
Quinhentos pra Café Filho Ele deu um bofetão
Este digno cavalheiro. Que o radio esbagaçou.

Todas cidades Bahianas Teve deles de ficar


Cada urna que abria Bastantemente zangado
Getulio na dianteira Em tempo de se morder
Era logo o que se via Ou morrer envenenado
Os udenistas coitados Porque Juracy perdeu
Cada vez se maldizia. Nos votos bem disputado.

Diziam que os paulistas Eu pesso desculpa a todos


Pra Getulio não votava Que perdôe minha expressão
Que o partido Trabalhista Que não escrevo por despeito
Um voto não arranjava Escrevo por precisão
No estado de S. Paulo Escrevo meu folhetinhos
Era o que todos falava. Para adquirir o pão.

213
Pesso não fazer censura
Com o pobre trovador
Quando os vossos partidos
Forem tambem vencedor
Eu faço um folhetinho
Dando a vós todo valor.

Vou terminar meu livrinho


Implorando os cavalheiros
Que comprem o livro e o Baião
Do maior dos Brasileiros
Compre o livro eu dou o samba
Me pague só dois cruzeiros.

214
VITÓRIA TRABALHISTA

Brasileiro! Trabalhista! Votemos com o Trabalhista


Patriota da Nação! Digo com força e valôr
Votemos com o P. T. B. Sem Getulio no governo
Com grande satisfação Lhe juro, trabalhador
Que é o partido de Getulio, Juro, protesto e sustento
Votemos com todo orgulho E o que agora apresento
P’ra ser Chefe da Nação É o trabalho não têr valôr

Trabalhista consciente Mais vote sinceramente


Não perca tempo, vá votar Sêja homem de valôr
No Partido Trabalhista Não se venda por besteira
Pois é quem vai triunfar Que é o papel de traidor
Não se iluda Trabalhista Votemos no Trabalhista
Votemos no Getulista Seja um firme Getulista
É êste quem vai ganhar Que é o nosso defensor

Alerta pobrêsa em massa Aquêle que vende o voto


Vamos nos qualificar Por qualquer uma ninharia
No Partido Trabalhista Lhe digo caro leitor
Que Getulio vai voltar É a maior covardia
Ao Catête de novo Relaxando seu pudôr
P’ra governar nosso povo E rebaixa o seu valôr
Vamos todos trabalhar Cada vez de dia a dia

215
Sou um trabalhista pobre Fui um dia uma viagem
Posso não ter um cruzeiro Lá para o alto sertão
Porém a minha palavra O povo só quer Getulio
Não se vende por dinheiro! O leitor preste atenção:
Dinheiro, caro leitor Mangabeira e Ademar
Não compra o trovador O poéta popular
Dêste folheto fagueiro Não vendeu nenhum tostão

Alerta, pobreza, alerta! Portanto êle é o Maior


Trabalhista brasileiro! Falo sem pedir segredo
Votemos em Getulio Vargas Na arte de trovador
O homem do mundo inteiro Eu nunca temí enrêdo
Do pobre operariado Porque sou um getulista
Do cégo e do aleijado Do Partido Trabalhista
Não se iluda cavalheiro Digo e garanto sem mêdo

O colega Rodolfo Coelho


Não se iluda com dinheiro
Que é poeta preparado
Não se iluda com parola
Este é um getulista
Não se iluda com conversa
Que está sempre ao seu lado
Pode emborcar em aviola
O poéta que escrever
Nosso partido é Getulio
Um livro contra Gêgê
Votemos com todo orgulho Dos outros é condenado
Não vá entrar em gaióla
Getulio, nome estimado
O dinheiro compra tudo Getulio, nome querido
Mais não compra opinião De todos é conhecido
A palavra de um homem De todos é adorado
Que tem consideração Getulio é nome falado
Dinheiro nenhum não paga. Por toda localidade
Votemos em Getulio Vargas Quer na roça ou na cidade
O homem do coração Este nome valoroso
Este coração bondoso
De todos tem piedade

216
Getulio, nome garboso Getulio caro leitor
Homem de sabedoria Já nasceu para governar
Deu Abôno de Família Sabe bem disciplinar
Com seu coração bondoso A quem é merecedor.
Com um poder glorioso Excelentíssimo Senhor
Acabou com os Cangaceiros, Getulio Vargas, falado
Assassinos e desordeiros De todos é adorado
Daquele tempo passado. Por seu coração fiel
Hoje são civilisados Como o anjo São Miguel
Graças a Deus verdadeiro Tão sublime idolatrado

Quem foi que deu garantia Getulio Vargas é bondoso


A todos os operarios? Getulio é uma beleza
Quem aumentou seu salário? Seu coração de grandeza
Leia bem esta poesia! Confia no poderoso
Quem deu a sabedoria É o homem mais ditoso
Muito querer aos sabidos? Que no Brasil foi nascido
Não seja desconhecido: De todo mundo é querido
Vamos votar trabalhista De todo mundo é estimado
Só quem não é Getulista De todo mundo é presado
Que é mal agradecido Seu nome é reconhecido

Se Getulio não voltar O pobre que não tem nada


Agora nesta eleição E de Getulio falar
Pode crêr que no Sertão Merece outro pegar
A guerra vai começar. Dar até umas pancadas
Porque eu passei por lá: Dar-lhes umas borrachadas
Armas de fogo e facão E depois tornar soltar
Lotava um caminhão P’ra nunca mais defamar
Eu me puz a imaginar Quem não é merecedor
“Se Getulio não voltar Se eu fosse policiador
Irá ter outro Lampião” Eu garantia exemplar

217
No seu tempo Dr. Getulio Só quem fala de Getulio
Auxiliou muita gente É somente o burguês
Quando era Presidente Quando junta dois ou treis
Sem precisar de barulho! Metem êle em embrulho
O candidato é Getulio Querendo fazer barulho
Não tem quem diga que não P’ra Getulio não voltar
Agora na eleição Com mêdo dêle acabar
Tira muitos do engano Com esta devassidão
Sujeitos bárbaro e profano É tanta descaração
Getulio dá uma lição Que faz vergonha contar!

Getulio, estrela brilhante Deixe está que Getulio volta


É um coração valoroso P’ra a bandalheira acabar
Por ordem do Poderoso Quem ganha sem trabalhar
Getulio sai triunfante P’ra estes assim não gosta
Com o seu coração amante É estes que pego aposta
Crente na religião. Como só votam do contra
É nesta ocasião Porque não pagam o que compra
Quem o não gosta se acabar P’ra esses aí é espeto
Vai comprar veneno e tomar Porém quem anda direito
Escute se é ou não Nada ruim não encontra

Votemos no P. T. B. O capitão de areia


Que é partido de Getulio Nunca quer p’ra ele votar
Só vai cair em embrulho Porque não quer trabalhar
Quem votar no P. S. D. A vida toda vadeia
O partido U. D. N. Roubando as cousas alheia
Eu nunca fui com a pinta Estes só querem comunista
Não vejo quem me desminta No Partido Trabalhista
O partido é o Trabalhista Nada não podem roubar
Nenhum dos outros não pinta Se roubar vão apanhar
Isto já levo de vista

218
O partido é o Trabalhista Povo dos outros partidos
Haja lá o que houver Vocês queiram desculpar
Homem, menino, mulher Que nesta minha profissão
Tudo isto é Getulista Quero cruzeiro arranjar
Queremos ser queremista Comprar uma roupa bonita
É a voz do mundo inteiro Também quem for Getulista
Diz o povo brasileiro: Se gostou vai me pagar
“Nós queremos é Getulio”
Sem precisar de barulho FIM
É o homem do mundo inteiro
Jacobina, Abril de 1950
Getulio é competente
Só nasceu para governar
Outro remédio não há
P’ra não ser o Presidente,
Querido de toda gente
Com seu porte varonil,
É o homem do Brasil
Getulio Vargas, falado
Com os trabalhistas ao lado
Deste Senhor tão gentil

219
A MORTE DO PRESIDENTE GETULIO VARGAS

A 24 de Agosto Outro dali já sofria


Quando o dia amanheceu Sentimento absoluto
Um negro manto cobriu Receber inesperado
Ligeiro o sol se escondeu! Um golpe deste tão bruto.
O mundo em peso chorou Porque não tinha outro jeito
Qual a noticia vagou: fazia logo o enfeito
Getulio Vargas morreu! Da sua porta de luto.

Se via gente chorar Ouvi no Reporter Esso


Sentindo grande agonia, Que a tragedia fatal
Já outros, que eram contra, Dessa morte de Getulio
Saltavam de alegria, No Brasil foi sem igual,
O reporter anunciava, Que deixou emocionado
João Café Filho falava Bastante atemorizado
O que seu peito sentia. Metade do pessoal.

A multidão getulista Logo assim que foi deposto


Se vendo assim sem defeza Que o catête entregou
Chorava e semal dizía Seguiu pra seu gabinete
Pois via a grande fraqueza, Pensando o que se passou,
Chamava por todo santo Pedindo a Jesus, clemência,
Dizendo todos em pranto: Mas a sua paciencia
Morreu o Pai da pobreza. Naquele dia esgotou.

220
Dr. Getulio pensava Quando acabou de escrever
Ficar desmoralisado Aquela carta fechou,
E por seus adversarios De dentro de uma gaveta
Ficar bastante vaiado, O seu revolver apanhou.
Com isso se desgostou Sem ter ninguem pra dar geito
A sua pena apanhou Apontou o próprio peito
Bastantemente inspirado E um tiro disparou.

Escreveu em um papel Assim que o povo escutou


Ao punho de sua mão Aquela grande explosão
Porque ia se suicidar, Deles que ficou parado
Fez toda declaração Ali no meio do salão
Pedindo ao Pai de grandeza Snr. Lutero correu
Para olhar para a pobreza E lá na porta bateu
De sua bela nação. Com toda disposição.

Disse ele: meus amigos, Quando êle chegou no quarto


Não posso mais governar, Que ouviu a explosão
Direto pra vida eterna Getulio estava caído
Eu pretendo viajar, E com um terço na mão,
Só me resta um sentimento Já tinha perdido a fala,
É o do meu prometimento Traspassado por uma bala
Eu a vós não poder dar. Em cima do coração.

Mas dou minhas gotas de sangue Como não ficou seu peito
A bem de nossa nação. Traspassado pela dor
Dou minha carne, dou meus ossos Vendo seu querido Pai
De todo meu coração. Nesse Estado de horror,
Vou pra terra da verdade Com o peito dilacerado
Minha alma pra eternidade Com a propria mão alvejado
Meu corpo pra o frio chão. Dum projetil matador.

221
Aí correu a notícia Deus ajude que eu minta,
Por todo mundo a espalhar: Que seja mesmo ao contrario,
Morreu o Pai da pobreza! Que venha tempo melhor
Só via gente chorar, Pra todo pobre operario
Logo a cidade fechou E venha a justiça reta
O povo se aglomerou Feita direita e diréta
para de perto ir olhar. Pra todo proprietario.

Após isso num momento O Dr. João Café Filho


Foi o corpo embalsamado, Promete a todos fazer
Lá na cidade São Borja O que Getulio fazia
Foi êle sepultado Quando estava no poder,
Com grande acompanhamento, Promete sem ter orgulho
Naquele triste momento Todas ordens de Getulio
Foi tudo penalisado. Ele nunca desfazer.

Morreu o Pai da pobreza, Mas é dificil cortar


Da nacionalidade, Por onde o outro riscou:
Devia os pobres juntarem Sendo ao lado da pobreza
E cobrir de luto a cidade Conforme o outro marcou
Demonstrando sentimento Pois há quem possa empatar
E temeroso tormento E tem mêdo de chegar
Sofrendo na orfandade. Ao que Getulio chegou.

O pobre sem conciência. Pois aqui neste planeta


Que vive sempre a dizer Quem vier fazer o bem
Que Getulio não prestava Sempre olhe para traz
Nada fez em seu poder, Porque o mal aí vem,
Lhe odiava bastante O bom sempre é massacrado
Vamos ver d’agora avante Por muitos sempre odiado
O que vai acontecer. Não tem porque nem porém.

222
Até o Filho de Deus Assim como foi na terra
Que era santificado No céu também é querido
Desceu do céu para terra Vós conceda a salvação
Pra nos salvar do pecado, Não deixai ser desvalido
Veio aqui fazer o bem Esse homem de nobreza.
Não ofendia ninguém. Que o homem da pobreza
Foi logo crucificado. Não deixou desprotegido.

Agora, meus bons amigos, O pão nosso nos dai hoje


Vamos fazer oração Amanhã e todo dia.
Para a alma de Getulio Livrai a Getulio Vargas
Nosso Chefe da Nação, Daquela grande agonia,
Para Deus lhe perdoar Tenha dele compaixão
Lhe conceder um bom lugar, Lhe conceda a salvação
A santissima salvação Pela santa virgem pia.

Pai nosso que estás no céu Senhor, perdoa suas dividas.


Teu nome é santificado, Eu peço por piedade,
Venha a Getulio o vosso reino Como ele perdoava
Perdoando o seu pecado, A língua da humanidade
Pelo vosso Santo Amôr Que ate falso levantava
Perdoa esse pecador Para ver se êle deixava
De ter se suicidado. Seus filhos na orfandade

Seja feita, ò! Senhor Deus Não deixai, ó! Senhor Deus,


Como quis vossa vontade, Que êle caia em tentação
Perdoai Dr. Getulio Livrai Getulio do mal
Tenha dele piedade Lhe conceda a salvação,
Que a paciência esgotou Lhe dê o reino da glória
E aqui se suicidou Que ele tenha a vitoria
Por causa da humanidade Em vossa Santa mansão.

223
AVE MARIA Digno fruto de um ventre
Tú nasceu pra governar
Ave Maria, cheia de graça E uma parte do Brasil
O Senhor será contigo, Não soube recompensar
Getulio Dorneles Vargas Os favores merecidos
Nosso verdadeiro amigo, de um cidadão popular.
Que nasceu entre as mulheres.
E pouco teve inimigos. FIM

224
A CARTA DE GETULIO

Brasileiros trabalhistas, Não me acusam, insultam-me,


Cumprindo assim meu dever Tudo a me caluniar,
Na minha arte poetica Não me dão direito a nada
Que Deus veio me oferecer, Querem minha voz sufocar,
Eu terei êxito peculio, Impedir a minha ação
Sobre a carta de Getulio Para o bem da multidão
Em verso vou descrever. Humilde, não trabalhar.

O nosso Getulio Vargas Sigo o triste destino


Quando viu que não podia Que a mim sempre é imposto
Dar direitinho à pobreza Isso depois de dez anos
O que sempre pretendia Tudo me causou desgosto,
Sentiu bastante tormento Pois a espoliação
E escreveu num momento Se eu reclamar me dão
O que seu peito pedia. Até tapona em meu rosto.

Escreveu: mais uma ves, Dos grandes grupos economicos


Ele a carta começou, E também dos financeiros
A força que os interesses E dos internacionais,
Contra o povo coordenou De todos os brasileiros
Sobre mim desencadeam Fiz-me chefe da nação,
São muitos que me odeiam De uma revolução
E assim continuou. De todos os cavalheiros.

225
Iniciei o trabalho Quiz criar a liberdade
De uma libertaçao No Brasil todo em geral
E instaurei um regime Que podia intitular:
Para ver minha nação Liberdade Nacional,
Ficar toda em liberdade, Ficaria uma beleza
Era esta minha vontade E através de uma riqueza
De todo meu coração. Que temos em mineral.

Mas depois dum certo tempo A Petrobraz por exemplo


Tive que renunciar, Mal começa a funcionar
Voltei ao Catête outra vez A onda de agitação
Meu povo foi me levar, Dá começo a atrapalhar,
Todos comigo nos braços Foi primeiro a Petrobraz
Era abraços e mais abraços E depois a Electrobraz
Fui outra vêz governar. Fizeram obstacular.

Grupos internacionais Não querem que o operário


Esses eram aliados Seja livre e liberto,
E os grupos nacionais Pois não querem independencia
Esses eram revoltados, Isso eu conheço de perto.
Porque nenhum não queria Querem ver nossos irmãos
Regime de garantia Pegando cobras com as mãos,
Ficaram muitos zangados. Sofrendo lá no diserto.

A lei dos maiores lucros Eu assumi o governo


Foi detida no congresso, Na inflacionária,
Sobre o salario minimo Dos que todos os valores
Se via grande regresso Do trabalho destruia,
Odio desencadearam Porque eu era ao contrário
Contra mim muitos falaram, Valorisava o operario
Me desejavam processo. Nenhum assim não queria.

226
As emprezas estrangeiras Para defender o povo
Uns lucros exagerados De ficar desamparado,
Davam quinhentos por cento Nada mais vos posso dar
Conforme os calculos traçados. Darei meu sangue gelado
Nas suas declarações Pois as aves de rapina
Eram mais de cem milhões Desejam sangue, e imagina
Por ano, seus resultados. De ver meu corpo acabado.

Veio a crise do café, Só sugando os brasileiros


Para nós valorisou Desejam continuar,
Esse principal produto, Ofereço em holocausto
Até pra nós melhorou Meu corpo pra sepultar,
Não podiamos perder Pois a opressão é sem freio
De seu preço defender, Só assim achei um meio
A opressão mais aumentou. De convosco sempre estar.

A resposta que tivemos E se vos humilharem


Foi violenta pressão Minha alma há de sofrer
Sobre a nossa economia, Estarei ao vosso lado
Por esta justa razão Quando a fome bater
Obrigou-nos a ceder, Lá por toda vossa porta,
Pois não podemos vencer Rogo a Deus que os conforta
A triste situação. Livrai-vos de padecer.

Resistindo uma agressão Sentireis em vosso peito


Tenho lutado dia a dia Mais tarde grande energia
Constante eu suportando Para lutar por vós mesmos
Tão temerosa agonia, Sofrendo grande agonia
Eu a mim renunciava E também por vossos filhos
Porque eu não desejava, Que seguem nos mesmos trilhos
Ao povo, o que eu padecia. Padecendo dia a dia.

227
Sentireis no pensamento Eu era escravo do povo
A força pra reação, De toda localidade,
Quando vilipendiarem Mas hoje fico liberto
Sentirei no coração No reino da eternidade
Os meus grandes sacrificios, E escravo de ninguém
Trabalharei por meus patricios Seja o meu povo também
Contra a negra escravidão. Terá sempre a liberdade.

Manterão e ficará As infamias e calunias


Nessa terra brasileira Meu ânimo não abateram,
Meu nome por toda parte Os que pensam desse geito
Que será vossa bandeira Podem crer que já perderam,
Para com ela lutar Minha vitória é tão forte
Para poder se salvar Que ofereço minha morte
Em nossa terra altaneira. Mas outros não me venceram.

Quem tiver odio de mim Governei 18 anos


Respondo com meu perdão E não fui recompensado,
Mas desejo que minha pátria Todo povo brasileiro
Mantenha libertação, Unisse todo a meu lado
Talvez que nenhum se zangue Livrava meu padecer
Cada gota do meu sangue Impedia de tudo ver
Sentirão no coração. O Brasil todo enlutado.

Os que ficam aí pensando Vivi num mar de amargura


Que assim me derrotaram Ao lado dos operários,
Estão mesmo equivocados Resolvi dar aos meus filhos
Desta vez se enganaram, Galardão dos seus salários,
Entrarei para a história Agora darei meu sangue
Terão de ver minha vitória Sugado pelos contrários.
Desta vez se atrapalharam.
FIM

228
A VITÓRIA DE JUSCELINO E JOÃO GOULART

Meus amigos e patricios Juarez ficou atraz


Peço um pouco de atenção Com seu cavalo cansado
Que vou escrever um folheto Fez 2 milhões e danou-se
Com muita satisfação Mas tudo sem resultado
Falando do Presidente O Plinio desde a partida
Pra governar a nossa gente Vendo a batalha perdida
Cidadão calmo e decente Ficando muito zangado.
Que venceu na eleição.
Danton Coelho do outro lado
Ademar ia na frente Bastantemente corria
Dizendo: em todo pagode Montado num jabuti,
Todo mundo me respeita Milton Campos, numa gia
Comigo ninguem não pode João Goulart experiente
Sou eu que vou triunfar Corria sempre na frente
Sou eu que vou governar Juntinho ao Presidente
Todos tem de respeitar Montado numa cutia
Estes fios do meu bigode.
Viva o nobre Juscelino
Juscelino ouvindo isto Nosso amado Presidente
Começou a se zangar Que venceu na eleição
Esporou o seu cavalo Estou bastante contente
E fez ele disparar
Este nobre cidadão
Que a poeira voou
Governa nossa nação
Por todos logo passou
Sem fazer perseguição
E por fim quase arrancou
Desde o rico ao indigente.
O bigode de Ademar.

229
Juscelino meu amigo Um quilo de carne verde
Eu te peço por favor Custa vinte e dois cruzeiros
Não maltrate o operario Sendo sêca é trinta e oito
Seja um distinto senhor Morre a fome os brasileiros
Tenha um bom golpe de vista Com os preços dos cereais
O Partido Trabalhista A exploração é demais
Ao homem progressista Eu não aguento jamais
Dê o que é merecedor. Com todos meus companheiros.

Juscelino meu amigo Bacalhau quarenta e oito


Te peço por caridade A jabá custa cinquenta
Que faça muitas industrias O toucinho de trinta e cinco
Em toda e qualquer cidade Nem satanaz não se aguenta
Para os pobres se empregar E assim continuando
Todo mundo trabalhar De dia a dia aumentando
Licitamente o pão ganhar E os pobres todos brincando
Pra matar a necessidade. Quando acha um dia é quarenta.

Eu te peço Juscelino Muitas vezes o Presidente


Como chefe da Nação Deseja realisar
Faça um jeito de acabar Uma coisa que mais tarde
Com vagabundo e ladrão Venha o pobre melhorar
Que vivem perambulando Há de ter impedimento
A um e a outro enganando Naquele mesmo momento
Muitos até atacando Com muito contentamento
Aos outros sem compaixão Tem muitos para impatar.

Meu amigo Juscelino O Brasil está errado


Te faço mais um pedido No meu modo de pensar
Sobre esta carestia O povo dói a cabeça
Que traz o povo abatido Para fazer melhorar
Desde da carne ao requeijão Conforme o que já pensei
Isto custa um dinheirão O calculo que planejei
Da mesma forma o feijão De acordo com esta lei
E muito mais o tecido. Ninguem pode consertar.
230
Porque quem manda o Brasil Quando formasse um decreto
Não é só o presidente Todos tinham que assinar
E por isso muitas coisas O Presidente ordenou
Porque tem muito mandão Todos iam executar
Não concorda opinião Seguiam todos seus planos
Por esta justa razão Sem haver odios nem danos
Prejudica muita gente. Isto depois de dois anos
Nova eleição começar.
Qualquer um quando é eleito
Para chefe da nação Se o povo se agradou
Que forma qualquer decreto Dos feitos do Presidente
Para o bem da multidão Ele era reeleito
Na camara dos Deputados Seu governo ia a frente
Estão com ele zangados E se não, desocupava
Bastantemente infezados O Catete entregava
Botam o decreto no chão. O outro se ingressava
Pelo gosto dessa gente.
Um diz: eu quero é assado
Outro diz: eu quero é assim Pra governo do estado
Outro diz: eu quero é crú Fazia uma eleição
E finda a coisa ruim, Uma vez por cada ano
Afinal o resultado? Na mesma situação
Nem cuzido, nem assado Só assim se endireitava
Tem que ficar encruado Nosso Brasil melhorava
É o que resulta por fim. Estes homens trabalhava
A bem de nossa nação.
Agora aqui vou dizer
Como é minha opinião, Nas eleições no Brasil
Bastava dois candidatos Tem quinhentos senadores
Para Chefe da nação Quatro, cinco a Presidentes
Da mesma forma o Prefeito Vinte mil vereadores
Depois de todo este pleito Cada um quer ser exato
Qualquer um que fosse eleito Mas com estrategica de gato
Governava a multidão. No Brasil tem candidato
Muito mais do que eleitores,
231
Desse jeito nossa terra Porisso meus bons amigos
Nunca pode melhorar Esta é minha opinião
O dinheiro da nação Enquanto nosso Brasil
É somente pra pagar Não chegar a conclusão
A todos estes senhores: Do jeito que estou falando
Deputados, senadores Conforme estou explicando
Com tantos vereadores Nada vemos melhorando
Comendo sem trabalhar. Fica tudo em confuzão.

FIM

232
A VOLTA DE JUSCELINO

O Brasil se estremeceu Para da serviço ao povo


E começou declamar Que precisa trabalhar
Uma linda poesia Acabando a carestia
De fazer admirar Em todo e qualquer lugar
Recitando os versos seus A bem da classe operaria
Dizia: com fé em Deus Trazendo a reforma agrària
Juscelino vai voltar Juscelino vai voltar

Temos presidêncialismo Tanta greve no Brasil


Acabou o parlamentar Pensando de melhorar
Nenhum regime estrangeiro Cada greve os tubarões
Nós queremos o imitar Se dana o preço aumentar
Pra fazer muita melhora O pobre fica na mão
Com fé em Nossa Senhora Pra acabar esta inflação
Juscelino vai voltar Juscelino vai voltar

A carestia danou-se Quando se trata de greve


Que ninguem pode aguentar Os grandes pra marretar
E o tal salário mínimo Esconde á mercadoria
Acabou de derrotar Pra melhor preço pegar
Os preços de tudo o engole Só vendem na marretagem
Para acabar êste mole Contra esta malandragem
Juscelino vaivoltar Juscelino vai voltar

233
Se vem o salário minimo Quem o chama comunista
Dez cruzeiros aumentar Talvez não possa provar
Para o infeliz operário Quando pôr em prato limpo
Que está pra se acabar Arisca se condenar
Redobra na carestia Pra melhora verdadeira
Diz o povo em agonia: Desta terra brasileira
Juscelino vai voltar Juscelino vai voltar

Vive os pobres se acabando Os pobres de passar fome


Morrendo de trabalhar Não podem mais suportar
Para enricar tanta gente A corda já esticou
Lá sentada em seu lugar Agora tem que quebrar
Contra tanta inconsciência Se Deus der a permissão
Ao lado da inocência Pra salvar nossa Nação
Juscelino vai voltar Juscelino vai voltar

Eu sou contra o comunismo Êle tem capacidade


E nem quero ouvir falar De um regime inventar
Mas o proximo como a si Ser discutido na câmara
Cada um devia amar E todos possam apoiar,
Considerar como irmão Nem de mais e nem de menos
Pra melhor situação Pra melhor dos pequenos
Juscelino vai voltar Juscelino vai voltar

Pra poder da nosso voto Vive tudo esmantelado


Devemos investigar Nada pode controlar
Com quem estamos votando Uma coisa hoje é um preço
Para não nos enganar Amanhã querem dobrar
Pra melhora do Brasil O pobre é quem paga o pato
Diz militar e civil: Para fazer tudo exato
Juscelino vai voltar Juscelino vai voltar

234
No seu govêrno passado Pois construiu a Brasilia
Não se viu nada aumentar De fazer admirar
Todo dia e tôda hora Socorreu aos nordestinos
Foi um govêrno exemplar Que estavam a se acabar
Tudo foi mesmo excelente Dê no ferro, dê no zinco
Pra melhorar novamente No ano sessenta e cinco
Juscelino vai voltar Juscelino vai voltar

O terreno de Brasilia Quando êle entrou em Brasilia


Quando beneficiar Era úm inculto lugar
Paga as contas do Brasil Um diserto tão horrivel
E pode ao mesmo elevar De fazer gente assombrar
Sem precisar de auxilio Transformou-o em capital
Para da um novo brilho Para melhora geral
Juscelino vai voltar Juscelino vai voltar

O que será de nòs pobres Construiu muitas estradas


Se eleger sem pensar Ainda pôde asfaltar
Um cabeça sem juizo De Minas para Brasilia
Que não pense em prosperar Corre carro sem parar
Só queira destruição? A viagem é um encanto
Pra salvar nossa Nação Vê se escrito em todo canto
Juscelino vai voltar Juscelino vai voltar

Fez coisas em quatro anos Se vê em Belo Orizonte


Que estava a governar Em todo e qualquer lugar
Que outro governo em 15 A gente passa de ônibus
Não pôde realisar É o que pode enchergar
Neste torrão soberano De frente e mesmo de banda
Concretisando seu plano Só se vê é propaganda
Juscelino vai voltar Juscelino vai voltar

235
A Bahia e Pernambuco Deus mandou para Bahia
Alagoas, Ceará Chuva pra todo lugar
Paraiba, Maranhão A farinha já baixou
Minas, São Paulo e Pará E ainda tem que baixar
Piauí e Espirito Santo Só a carne vai medonha
Diz o povo em todo canto: Para a ela da vergonha
Juscelino vai voltar Juscelino vai voltar

O Rio Grande do Sul É greve, greve e mais greve


Mato Grosso e Paranà Por todo canto a rolar
Rio, Santa Catarina Um faz com necessidade
De Goiás a Amapá E outros pra chatiar
No Rio Grande do Norte Todo mês e todo dia
Diz o povo inda mais forte: Pra acabar esta anarquia
Juscelino vai voltar Juscelino vai voltar

Governou Minas Gerais E foi assim meus amigos


Fez um tudo prosperar Que vi o Brasil declamar
No govêrno do Brasil Uma linda poesia
Já não precisa falar Em linguagem popular
Nêste torrão brasileiro Transcrivi os versos dele
Diz todo povo mineiro: E tambem digo com êle:
Juscelino vai voltar Juscelino vai voltar

Os preços dos cereais Poeta conversa muito


Está mesmo de matar Mas sabe profetizar
Carne, um quilo mil cruzeiros E quando diz uma coisa
Pobre não pode comprar Sò Deus para revogar
Pra melhor situação Pode o ouro virar zinco
Depois da proxima eleição Porém em sessenta e cinco
Juscelino vai voltar Juscelino vai voltar

FIM

236
A MORTE E O ENTERRO DO
PRESIDENTE TANCREDO NEVES

O Brasil está de luto Para ser o Presidente


Chora todo varonil. Com idéia vencedora,
Chora o rico, chora o pobre, Fazer uma nova República
O militar e o civil, Que fosse mais criadora,
Por perder Tancredo Neves Em defeza dos humildes
Esperança do Brasil. A classe mais sofredora.

O poeta também chora Votação esmagadora


Com a caneta na mão, Foi Dr. Tancredo eleito,
Para escrever o que sente O seu plano de governo
Dentro do seu coração, Estava muito bem feito,
Por ver Tancredo ir se embora Todo Brasil aprovou
Deixando nossa Nação. Achando muito direito.

A vinte e um de abril Escolheu seu ministério


De oitenta e cinco, um mineiro Pra governar toda gente,
Um Presidente querido O Dr. José Sarney
Deste País brasileiro, Pra ser Vice-Presidente,
Foi atender um chamado E todas autoridades
De Nosso Pai Verdadeiro. Cada vez muito contente.

O Dr. Tancredo Neves Pra o dia 15 de março


Demonstrando seu valor, A posse estava marcada,
Deixou a Belo Horizonte O Brasil todo esperando
Onde foi governador, Esta vitòria alcançada,
E se ingressou na política Mas só Deus sabe o futuro
Com heroísmo e amor. E nós não sabemos nada.

237
Quando foi no dia 14 Estava Dr. Tancredo
O Brasil extremeceu, Numa cadeira sentado,
Pois Dr. Tancredo Neves E a dona Risoleta
Pela noite adoeceu, Tambèm estava a seu lado,
Foi obrigado a operar, E mais dois kilos em peso
Todo mundo entristeceu. O Dr. tinha aumentado.

O Dr. José Sarney Com esta boa notícia


Dia 15 se empossou, Acalmou a multidão,
Mas não teve aquele brilho Mais tarde o rádio bradou
Que todo mundo esperou, Tambèm a televisão:
O Dr. Tancredo Neves O Dr. Tancredo Neves
Nessa noite se operou. Sofreu outra operação.

E a previsão dos mèdicos No hospital de Brasilia


Antes de o operar, Parece até brincadeira,
Era uns 4 ou 5 dias Fez primeira operação
Pra ele recuperar A segunda e a terceira,
Então de sete até oito Fez a quarta, fez a quinta
Podia então se empossar. Quase faz a derradeira.

E assim mesmo fizeram Vendo que não dava jeito


A primeira operação, Fazer mais operação,
Que estava passando bem Falaram com os parentes
Falava pra multidão, Botaram num avião,
Que estavam no pé do rádio Seguiram para são Paulo
Ou mesmo a televisão. Com uma dor no coração.

Sem se ver o Presidente Do Coração o Instituto


Passou dias e mais dias, Nosso Tancredo internaram,
O povo sem se conter Ainda mais uma vez
Nas setas das agonias, Os médicos lhe operaram,
Para acalmar todo povo Não deu um bom resultado
Mostraram as fotografias. Porèm não se conformaram.

238
Com isso estava chegando Mandaram buscar um médico
O meado do outro mês, De lá da América do Norte,
Todos 35 médicos Pagando toda despesa
Cada um seu plano fez, Do alimento ao transporte,
Controlaram uns com os outros Que podia o pasciente
E operaram outra vez. Com ele até dá mais sorte.

As máquinas das novas técnicas Os médicos continuavam


Cada vez mais para frente, Dia noite a trabalhar,
Estavam todas ligadas Para ver se achava um jeito
Ao lado do Presidente, Do Presidente salvar,
Para ajudar o coração A vida tão preciosa
E os pulmões certamente. Para o Brasil governar.

Enquanto isso o Brasil Mas o médico americano


Prosseguia em oração, Não teve mais condição,
Católicos e protestantes Pois achou o pasciente
E toda religião, Já na sétima operação,
Pedindo a Deus que salvasse só os milagres de Deus
A vida desse cristão. pra fazê-lo ficar são.

Promessas e mais promessas E assim cada um mèdico


Muita gente atè fazia, Um boletim assinava,
Isto de várias maneiras Dizendo: está bem melhor
Para ver se resolvia, Com pouco já piorava,
E Dr. Tancredo Neves E o pobre Dr. Tancredo
Daquela vez não morria. Cada vez mais se acabava.

Um homem em Pernambuco Da boca dos populares


Controlou com a familia, Muita noticia saía,
E pôs uma cruz nas costas Dizia um: com certeza
Deixando a casa e a mobilia, Isto é feitiçaria,
E saiu de Pernambuco Pra matar o Presidente
Para a Igreja de Brasilia. E aumentar a carestia.

239
Mas antes da eleição Chegando lá em Brasilia
Foi mesmo de amargar, O povo estava esperando,
Perguntaram ua cartomante Na mais profunda tristeza
Quem era que ia ganhar? Muita gente soluçando,
Nem Maluf e nem Tancredo Por perder Tancredo Neves
Vai o Brasil governar. O povo todo chorando.

A vinte e um de abril Passou a noite todinha


A data memorial, Por esta vez derradeira,
De nosso heroi Tiradentes Para ver o Presidente
Em nossa terra natal, O povo fazia fileira.
Disse um médico: já está morto No outro dia seguiu
Óh! que anuncio fatal... Para a capital mineira.

Ai foi grande tristeza Chegou em Belo Horizonte


Em nosso Brasil inteiro, O povo estava esperando,
O luto por oito dias Com flores, gritos e chôros
Neste País brasileiro, Quando o corpo foi chegando,
E um dia de feriado Mais de dez mil motoqueiros
Por decreto verdadeiro. Foram o corpo acompanhando.

O corpo do Presidente Da Liberdade o Palácio


Mandaram embalsamar, Colocaram o Presidente,
Botaram num avião O povo querendo ver
Para São Paulo deixar, Avançavam para frente,
E seguir para Brasilia E por fim morreram cinco
Para o povo o visitar. Inda feriu muita gente.

E assim mesmo fizeram E para São João del-Rei


Botaram num avião, No outro dia seguiu,
O corpo do Presidente Onde Tancredo nasceu
Nessa triste ocasião, O povo se reuniu,
Deixando o povo paulista Querido como Tancredo
Na maior lamantação. No Brasil nunca se viu.

240
E a D. Risoleta
Seu esposo acompanhou.
Chegando lá na Igreja
Veio o padre o encomendou,
Depois do povo ter visto
No cemitèrio o enterrou,

FIM

241
A PALESTRA DE TANDREDO NEVES COM GETULIO VARGAS
NO CÉU SOBRE A REFORMA AGRÁRIA

Já peguei na minha pena Saíram os dois passeando


Já tirei o meu chapèu, Chegaram em um jardim,
A Deusa da Poesia Todo bem iluminado
Me cobriu com o seu véu. Uma riqueza sem fim,
Sem soberba e sem orgulho Os bancos eram brilhantes
Pra escrever sobre Getulio Feitos só de diamantes
Com Tancredo lá no céu. Cravejados no marfim.

Tancredo chegou no céu As casas eram de ouro


Foi por Jesus recebido. Com as portas de esmeralda,
De todos os seus pecados As janelas de rubi
Ele foi absolvido Cada qual bem cravejada,
Admirando a beleza Para quem levou de vista
Onde não se ver tristeza Os ripões prata dourada.
E nem chôro nem gemido.
Ali naquele jardim
São Francisco de Assis Daquela santa mansão,
Disse: agora meu irmão Não precisa a luz eletrica
Vamos aqui passear Deste mundo de ilusão,
Nesta sagrada mansão, Tem a mais finissima luz
Pra você ver a beleza Sò o clarão de Jesus
Por obra da Natureza Clareando a multidão.
Do Autor da Criação.

242
São Francisco de Assis Me diz a Reforma Agrària
Com Tancredo palestrando, Será que vai funcionar?
Todas aquelas belezas Eu fiz aquele projeto
A ele estava mostrando, Mas não pude executar.
Naquelas ruas tão largas Disse Tancredo a sorrir:
Foi quando Getulio Vargas Deixei esse abacaxi
Também ali foi chegando. Pra Zé Sarney descascar.

Foi dizendo: alô Tancredo! Eu fiz aquele projeto


Que grande satisfação! Disse Getulio a Tancredo,
Eu me encontrar com você Pra melhora do Brasil
Aqui na santa mansão, Da baixa até o rochedo,
Só mesmo o poder da luz Arrisca estourar uma guerra
Do santo Mestre Jesus Os ricos com tanta terra
Que nos deu a permissão. E os pobres chupando o dedo.

Meu irmão, disse Tancredo Não que eu quizesse fazer


Em também tive alegria, Da maneira comunismo,
De me encontrar consigo Tomar as terras dos ricos
Em grande soberania, Depois fazer bandalhismo
Sò mesmo o poder de Deus Quem faz assim se inguiça
Com todos prodigios seus Eu queria fazer justiça
E as bênçãos de Maria. Dentro do cristianismo.

Getulio disse: Tancredo As terras improdutivas


Cometi grande pecado, Ou que não dão produção,
Naquele tempo na terra E os donos dessas terras
Eu me vi apavorado, Delas não tem precisão,
Por causa das orações O governo desmembrar
Das enormes multidões Ou então mesmo comprar
Eu fui por Deus perdoado E vender pra multidão.

243
E quem tiver mil alqueles Já soube que lá na terra
De terreno bem cercado, Depois que eu vim para aqui,
E paga o imposto de cem Mil familias se juntaram
Que é o que está cadastrado, Foram fazenda invadir,
Manda o governo medir Santa Catarina o Estado
A sobra destribuir Zé Sarney muito zangado
Com quem está necessitado. Expulsou todos dali.

Meu irmão, disse Tancredo: Fez o que devia fazer


Eu quiz fazer isso aí, Porque eu tambèm faria,
Na vespera da minha posse Que a Reforma Agrária é
Em Brasilia adoeci, Projeto de garantia,
Os mèdicos muito lutaram Para ajudar os posseiros
Porém não me empataram E também os fazendeiros
De vir me parar aqui. Viverem em doce armonia.

Mas, deixei José Sarney Depois que José Sarney


Que assumiu meu lugar, O projeto organisar,
E sua Reforma Agrária O INCRA coloca o povo
Ele vai realisar, Cada qual no seu lugar,
Isto eu digo com certeza E explica a rapaziada
Pra melhora da pobreza Se vai ser de mão beijada
Custe lá o que custar. Ou quanto tem que pagar.

Porque difato a pobreza Eu também soube aqui


Padece sem compaixão, Pelas más compreenções,
Sem ter a onde morar No Pará os fazendeiros
Falta água e falta pão, Pediram 15 milhões
Pode estourar uma guerra, Sò de armas estranjeiras
E por isso lá na terra Para enfrentar as barreiras
Está assim... de ladrão. Relativo as invasões.

244
Getulio disse: Tancredo Tancredo disse: Getulio
Foi pena tu não ficar Isto foi realidade,
No Brasil mais uns dez anos Nada mais posso fazer
Pra Reforma executar, Por aquela humanidade,
Resolver a coisa pública A não ser uma oração
E sua Nova República Pra eles a salvação
Botar para funcionar. Da Santíssima Trindade.

Só assim os Brasileiros Quando ele disse assim


Iam ter um melhor Brasil, No momento me acordei,
A queda da carestia Meu relógio despertou,
Pra militar e civil, Eu na cama um pulo dei,
Confiando no teu nome Todo sem jeito, bisonho
O pão para quem tem fome Vim saber que foi um sonho
Salvava pra mais de mil. Que no momento eu sonhei.

Mesmo assim José Sarney Quem disser que é mentira


Que está a governar, Que não foi realidade,
Vai fazer alguma coisa Eu tenho minha testemunha
Que o povo vai gostar, Aqui dentro da cidade,
Você a ele escolheu Com palavra de conforto
E não se arrependeu Meu irmão que nasceu morto
Não vai decepsionar. Afirma toda verdade.

Você naquele Brasil Agora meus amiguinhos


Teve bastante cartaz, Meu livro eu vou terminar,
O povo gostou dum jeito Pague só um mil cruzeiros
Que me passou para traz, Para o poeta ajudar,
Foi muita gente a morrer E aguarde a Reforma Agrária
Porque queriam lhe ver Que coisa extraordinária
Já morto em Minas Gerais. Mas ela vai triunfar

FIM

245
FOLHETOS DE DISPUTA, DEBATE, DUELO,
ENCONTRO, PELEJA OU DESAFIO ENTRE CANTADORES

247
HISTÓRIA DO VII ENCONTRO DOS POETAS DA
LITERATURA DE CORDEL EM LARANJEIRAS
E A MORTE DE UM TROVADOR

Elevo meu pensamento Os folhetos mesmo simples


No Santo Deus de Israel É dificil pra fazer,
Pedindo o consentimento E se os fizer é dificil
Pra neste simples papel Encontrar quem revender,
Escrever o sétimo encontro Ficam lá nas pratileiras
Dos poetas de cordel. Para barata comer.

Pois os livros de cordel Tem tido muitos Congressos


No assunto cultural, Afim de colaborar
Estão bastante elevados Com os versos de cordel
Do sertão a capital, Para eles melhorar,
Mas caídos na vendagem Porque do jeito que vai
Para todo pessoal. Terà que se acabar.

Nossos poetas são pobres O Governo sergipano


Para fazer a impressão Que jamais pensou asneiras,
Em papel especial Augusto do Prado Franco
Que chame mais atenção, Passou baixas e ladeiras,
Da classe fraca e da forte Fez o Encontro de “Cordel”
Com melhor ilustração. Na cidade de Laranjeiras.

Este è o primeiro fracasso Bem perto de Aracaju


Pra nosso povo leitor, O Sr. Governador
Por outro lado tambèm Convidou de todo Estado
o poeta ou trovador Poetas e cantador
Para comprar seus livrinhos Para aquele festival
Não acha revendedor. De grandioso valor.

249
Poetas da Paraiba Pois com a chegada d’ele
Tambèm veio violeiro Naquele mesmo momento
Do Estado do Pernambuco Os colegas o abraçaram
Cada um mais prazenteiro Com todo contentamento,
Os poetas da Bahia A festa continuava
Também do Rio de Janeiro. Sem nenhum constrangimento.

Sebastião Nunes Batista Quando foi no dia nove


Dignissimo professor, Ia ter a reunião,
E nos versos de cordel Denominada SIMPÒSIO
Demonstrava seu valor Para qualquer cidadão
De poeta inspirado Discutir tese em defesa
Das rimas conhecedor. Desta nossa profissão.

Basta dizer que è filho De nove meia pra dez


Do velho Chagas Batista O SIMPÒSIO começou,
E irmão de Paulo Nunes Um componente da mesa
Trovador e repentista, Bem inspirado falou,
Que no Anàpolis Goiàs Em defesa do “cordel”
Prossegue na mesma pista. E todo povo apoiou.

Professor Sebastião Depois passou a palavra


No Rio deixou sua equipe, Professor Sebastião,
Passou Feira de Santana, Que pegou o microfone
Passou pelo Jacuípe, Com delicada atenção,
Até chegou em Laranjeiras Sobre os velhos repentistas
No Estado de Sergipe. Começou a explanação.

Dia 8 de janeiro Nos antigos cantadores


De oitenta e dois o ano, Falava entusiasmado,
Sebastião foi chegando Recitava versos deles
No Estado de Sergipano, Cada qual maìs engraçado,
Abraçou os seus colegas O povo dava risadas
Do velho Estado bahiano. Achando muito adequado.

250
Ele falou em Romano E assim mesmo ele fez
E Inácio da Catingueira, Nessa hora dolorosa,
Falou em Chagas Batista, Pôs o corpo num avião
Naquela època fagueira, Com a alma tão penosa
E muitos e muitos outros Mandou entregar no Rio
Desta terra brasileira. Là na Casa Rui Barbosa.

Já de dez pra onze horas Com esse acontecimento


Sebastião desmaiou, Para todo trovador,
Dr. Antônio Garcia Foi um grande sentimento,
No momento o segurou, Foi o maior dissabor,
E começou dar massagem A doçura do principio
O povo se aglomerou. No fim virou-se em amargor.

Pôs ele em cima da mesa A festa continuou,


E começou dá massagem, Porém na realidade,
Fez um teste bôca a bôca Já não tinha o mesmo brilho,
Com desmedida coragem. A mesma vivacidade,
Porèm não pôde empatar Sem poder mais esquecer
Aquela santa viagem. Da triste fatalidade.

Trouxeram a maca depressa Agora no proximo encontro


Com a maior brevidade, Neste Pais brasileiro;
Botaram-o numa ambulância Seja em Sergipe ou Bahia,
Com muito boa vontade, Ou no Rio de Janeiro,
Mas a alma do poeta Precisamos abordar
Já estava na eternidade. É o assunto financeiro.

Levaram-o pra Aracaju Precisa estudar um meio


O Sr. Governador Pra saida o livro ter,
Mandou logo embalsamar Se os nossos estudantes
O corpo do professor Não comprar livros pra ler
E para o Rio de Janeiro Os poetas de cordel
Mandar com tristeza e dor. De fome tem que morrer.

251
Ou então pra não morrer Esta vida que è nossa
Abandona a profissão, Afirmo nos versos meus,
Vai pegar na picareta, Precisa compreendermos
Trabalhar na construção, Pra não ser como os ateus,
Vai puxar cobra pra os pés Nossa vida está segura
Depois que pegar com mão. Sò na palavra de Deus.

Para a familia inlutada Meu divino Salvador


Do nosso Sebastião, Faço minha oração:
Aceitem meus sentimentos Sebastião là no céu
De todo meu coração Imploro, der o perdão,
E de todos meus colegas Leve ele para à glória
Daquela reunião. Vivendo sempre em vitória
Até a ressurreição

FIM

Você sabia que todo dia 4 de outubro


é o dia Nacional do Trovador? Que de
Tres para quatro de outubro de 1982
vamos fazer uma festinha de trovadores
em Itabuna?

252
HOMENAGEM AO DESENHISTA, CARICATURISTA,
ESCULTOR E DECORADOR, SINÉZIO ALVES

É um grande desenhista Vai ele em todo Congresso


Do Estado da Bahia, Nacional de trovadores,
Que admira a poesia, Expandindo seus valores
Ainda mais o repentista, Porque gosta do progresso,
Considera um grande artista, Fazendo o maior sucesso
Seja letrado ou caipira Quando sua caneta tira
Que a natureza o inspira, E no papel quando gira
Seja João, Paulo ou Enézio, Desenha Pedro ou Memèzio,
Eu admiro Sinèzio Eu admiro Sinèzio
E Sinèzio me admira. E Sinèzio me admira.

253
OS REPENTES E PROESAS DE BOCAGE

O poeta quando escreve Bocage com esta carta


Sente uma grande alegria Não se temia de nada
Que a Deusa dos Poetas Do rei, a rainha, a tudo
Com sua soberania Levava de embrulhada
Nos traz a inspiração Nunca respeitava uma cara
Pra fazer a poesia. Que não desse uma xarada.

Poristo aqui vou contar Bocage estava demais


Uma historia engraçada O rei deu pra perseguir
Das proezas de Bocage Armava toda cilada
Ele era camarada Para Bocage cair
Mas quem fosse a ele estava Bocage topava tudo
Com a vida atrapalhada. Sabia bem se sair.

Naquele tempo de rei O rei mandou um recado


Que tinha soberania Pra Bocage aparecer
Quando dava uma palavra Disse o rei com esta agora
Dava mesmo e garantia Sei que ele vai perder
Era palavra de rei Desta ele não se sai
Ali não mais voltaria. Com certeza vai morrer.

O rei deu para Bocage Disse o rei: é para vir


A carta de liberdade Nem de noite nem de dia
Dando o direito a trovar Nem a pé e nem montado
O que tivesse vontade Como é que ele ia?
Mas o dia que errasse Nem vestido e nem nú
Ia morto de verdade Mas, Bocage resolvia.

254
Disse Bocage: eu irei Disse Bocage: é o diabo
Porem vou me aprontar Com esta eu não me aguento
Diga ao rei que me espere Fazer um macho dar leite?
Que lá eu tenho que chegar É fazer careta ao vento
Se eu não resolver o caso É fazer cósca em pedra
Ele pode me matar. Ou encebar um pensamento.

Bocage em uma tarrafa Disse Bocage: esta agora


Ligeiro ali se vestiu Eu tenho que resolver
Amontou-se em uma porca É sob pena de morte
E para o palacio seguiu Que tenho que aparecer
Chegou ali as seis horas Se eu não resolver o caso
O povo todo sorriu. Com certesa vou morrer.

O povo lá no palacio Quando foi no outro dia


Estava lhe esperando Bocage estava deitado
Quando deu seis horas em ponto Levantou às sete horas
Bocage ali foi chegando Lavou o rosto folgado
Fez a sua continencia Sentou e tomou café
Foi desta forma falando: Em casa bem descansado.

Pronto seis horas em ponto Quando foi às nove horas


Não é noite nem é dia Bocage pra lá seguiu
Não estou nú nem vestido Bem na frente do palacio
Olhe minha montaria! Num pé de arvore subiu
O povo batia palmas O rei saiu na janela
Tudo ali lhe aplaudia. Bocage olhou e sorriu.

Disse o rei: tu ganhou esta Disse o rei: que é do leite


Mais tem outra pra fazer Que mandei você tirar?
Amanhã às cinco horas Disse ele a majestade
É pra tú aparecer Muito vai se admirar
Pra tirar leite nuns bois Papae pariu esta noite
Pra o povo todo beber. Mamãe está louca a chorar.

255
Disse o rei: o que é isto Bocage ali foi chegando
Que eu nunca ouvi falar O rei mandou ele entrar
Quem já viu homem pari? Disse o rei: estou doente
Bocage: aí é que está Poristo mandei chamar
Se é que homem não pare Tú és muito experiente
Leite tambem boi não dá. Poristo vai me curar.

Um dia o rei mandou Disse o rei: o mal que sofro


Para Bocage um recado É não sentir gosto e nem cheiro
Pra ele chegar urgente E não poder falar a verdade
Até ali no reinado Vivo neste desespero
Dizendo com esta agora Você tém que me curar
Eu deixo ele enrascado. Com um remedio certeiro.

Disse o rei: vou inventar Disse Bocage, eu dou jeito


Que estou muito doente É já, eu vou preparar
E eu mando chamar ele Um remedio lá em casa
Para vir aqui urgente E já eu torno a voltar
Só ele cura o meu mal O rei tomando o remedio
Pois ele é experiente. Ligeiro tem que sarar.

Ligeiramente a Bocage Ficou o povo esperando


O rei mandou um recado Tudo ali em confuzão
Que viesse com urgencia Dizendo: este remedio
Que ele estava adoentado Ele não arranja não
Bocage veio atender Se ele é bom quero ver
Um pouco desconfiado. Ele ganhar a questão.

Bocage disse ao rei Bocage chegou em casa


Quer me pegar na cilada Dentro da privada entrou
Ele comigo não ganha Pegou um pouquinho de esterco
E eu topo qualquer parada Ligeiramente embolou
Eu sei que isto é trama Preparou treis comprimidos
Não é doença nem nada. Para o palacio voltou.

256
Foi entrando no palacio Sentiu gosto e sentiu cheiro
Com o remedio na mão E tambem falou a verdade
Deu ao rei para engulir Bocage dizia ao povo:
E disse: é já está são Dei remedio à majestade
Disse o rei: se eu não sarar Estava muito doente
Tú vai morrer sem perdão. Já está sem novidade.

O rei enguliu a primeira Disse o rei para Bocage:


Logo ai desconfiou Você é um desgraçado
Cortou a outra no dente Bocage: é isto mesmo
Ligeiramente cheirou É com que sou recompensado
Foi conhecendo o que era Gastei minha merda contigo
O rei aí se danou. Foi até mal empregado.

O monarca se danou Bocage aí viajou


E disse, isto é o diabo Numa rua ia passando
Bocage aí disse: voute O dono de uma loja
Como este doente é brabo Dali estava mudando
É o efeito das pilulas Bocage entrou e sentou
Pra dar remedio eu me gabo. Ficou ali palestrando.

Disse o rei: qual é remedio O moço arrumando os trens


Perverso sem coração E com Bocage a conversar
Me deu merda pra engulir? Abaixou-se no balcão
Disse Bocage: está são E começou a urinar
Falou a verdade agora O curioso Bocage
Desta vez não mentiu não. Foi a ele perguntar.

Disse Bocage: está são Mijando dentro de casa?


Dá primeira que enguliu Bocage lhe perguntou
Sentiu o gosto da merda Disse ele: é Bocage,
Cheirou a outra e sentiu Meu pessoal já mudou
O cheiro e falou a verdade Já foram pra outra casa
Está sarado e sadio. Eu amanhã tambem vou.

257
Poristo é que estou mijando Passando em uma rua
Por que daqui vou mudar Uma dona lhe chamou
A casa fica vazia Bocage muito safado
Ninguem aqui vem morar Da porta se aproximou
Bocage disse: está bem Apertou a mão da dona
Sendo assim eu vou cagar. Sorrindo a comprimentou

O moço entrou lá pra dentro Ela ficou na janela


Bocage o balcão saltou Com Bocage a palestrar
Ligeiro no meio da casa Vai palestra e vem palestra
Bocage logo cagou Começaram namorar
Tornou saltar o balcão Bocage andava atraz disto
E bem calmo ali ficou. Não podia dispensar.

O moço dono da loja O marido desta dona


No momento ali chegou Tinha feito uma viaje
Viu a merda fedorenta Ela estava em casa só
A Bocage perguntou Safadinha de corage
Quem seria este safado Acertou logo um namoro
Que aqui dentro cagou? Neste dia com Bocage.

Bocage disse fui eu Pensando ela que o marido


Que aí dentro entrei Não voltava neste dia
Vi você aí mijando Feixou a porta e entrou
Então eu também mijei Na hora do meio dia
Tú vai amanhã, mijou Foi palestrar com Bocage
Eu que vou hoje caguei. Toda cheia de alegria.

Aí foi dando até logo Eles estavam deitados


Também foi se retirando À vontade palestrando
O moço dono da casa Quando menos esperavam
Ficou danado xingando Na porta estavam chamando
Bocage saiu sorrindo Era o marido da dona
E do moço anarquizando. Que ali ia chegando.

258
Ela conheceu a fala Bocage disse: eu não tusso
Disse: é o marido dela Se eu tussir vou pegado
Não tinha outra saida Se esse homem me pegar
Que hora apertada aquela Eu sei que estou derrotado
Mandou Bocage deitar O que na vida eu estimo
Dentro de grande gamela. Desta vez vai arrancado.

Bocage ali na gamela A mulher disse: eu já vou


Ficou bastante encolhido Marido vem me ajudar
A mulher cobriu com roupa A gamela está pesada
Pra tapiar o marido Eu não posso arribar
Depois foi abrir a porta Ele arribou a gamela
Ele estava aborrecido. Ela saiu foi lavar.

Sempre a mulher é jeitosa Disse ele: esta gamela


Sabe muito tapiar Eu achei muito pesada
Deu um beijo no marido Disse ela: é roupa suja
E começou carinhar Por baixo roupa molhada
Disse eu estava arrumando Vou a fonte e volto já
Roupa suja pra lavar. Trago tudo ensaboada.

Disse o pateta a mulher Com o peso da gamela


Tú hoje não vai lavar A mulher ía tremendo
Domingo é um dia santo Bocage dentro calado
Não se pode trabalhar Todos seus calculos fazendo
Disse ela eu levo a roupa Se chegar sair na porta
Só para ensaboar. Deste bruto eu me defendo.

Bocage lá na gamela No meio da casa um sepo


Não podia se bulir A mulher se entropeçou
Alem disto estava nú Caiu com gamela e tudo
Não podia se vestir Até os joelhos ralou
Com uma cosquinha na guela Debaixo da panaria
E não podia tocir. Bocage se levantou.

259
Levantou-se mesmo nú A mulher foi ao marido
E jogou-se porta afora E muito lhe tapiou
Bocage não levou roupa E a roupa de Bocage
Mas mesmo assim foi embora Dentro do pote botou
Correndo que só um trem Foi pra fonte buscar agua
Bocage foi dando o fora. Lá com Bocage encontrou.

Quando a mulher levantou-se Lá na cacimba de baixo


Que viu Bocage correndo Com Bocage ela encontrou
Disse ela: ola marido: Deram uma big palestra
Respondeu estou vendo E depois ela voltou
Disse ele: foi castigo Bocage de lá sumiu
O diabo que vae correndo. E desta se arrenegou.

Disse ele: hoje é domingo Mas ele era curioso


Não se pode trabalhar Arranjou uma namorada
Tu apanhou tanta roupa Era filha de uma cega
Pra ir na fonte lavar Mas a cega era danada
Aquilo é o diabo Das que falava por cinco
Que veio pra castigar. Quando estava zangada.

Ela disse: vae maldito A cega não estava em casa


Infeliz amaldiçoado A moça foi se soltando
Vai pra cacimba de baixo Mandou Bocage entrar
Vai satanaz condenado Ele entrou e foi se sentando
Vai pra cacimba de baixo Sentou-se numa cadeira
E fica do outro lado. Ambos ficou se beijando.

Bocage nesta carreira Com pouco vinha a ceguinha


Foi parar do outro lado A moça disse: danou
Foi pra cacimba de baixo Fica aí de quatro pés
Como ela tinha mandado Para eu ver que jeito dou,
Ficou lá nú escondido Bocage ligeiramente
Um pouco desconfiado. De quatro pés se prostou.

260
A velha assim perguntou: Bocage saiu na porta
Com quem estava prosando? Ligeirinho caiu fora
A moça disse: mamãe Não quiz saber mais de nada
Eu estava era comprando Nem tão pouco ter demora
Um presente pra senhora Seguiu no caminho de casa
Creio que vai ficar gostando Num instante foi embora.

Então mostre, minha filha O rei tinha tres perguntas


O que foi que tú comprou. Pra qualquer que decifrasse
Disse a moça: foi um banco Ganhava um grande premio
Que muito me interessou Que dava pra enricar-se
Pra senhora lavar roupa E depois dava a princesa
E pra Bocage apontou. Para com ela casar-se.

Bocage de quatro pés Todo dia vinha gente


Tirou a camisa ligeiro Para as perguntas dizer
A velha passou a mão Por fim não adivinhava
Nas costas dele primeiro, O rei mandava prender
E disse este banquinho Terminava indo a forca
Foi feito no estrangeiro. Só vinham ai pra morrer.

Disse a velha: que beleza! E nesta cidade havia


Tú comprar este banquinho Um tal de João pequenino
Para eu lavar minha roupa Que vivia mindigando
Gostei mesmo direitinho Este pobre peregrino
Até pra correr a agua Disse: hoje vou ao palacio
Eu vejo aqui o reguinho. Para cumprir meu destino.

Vou apanhar ali uns panos João disse: amanhã eu vou


Que eu quero inaugurar, No palacio apresentar
E seguiu lá para um quarto E na hora das perguntas
Sua roupa foi apanhar Que o rei me perguntar
Disse Bocage: o diabo Eu que me importa que morra
É quem quer mais esperar Se eu não adivinhar?

261
E na hora das perguntas A segunda é pra dizer
João se apresentou Quanto a terra está pesando.
O rei lhe fez as perguntas A terceira é pra dizer
E o seu praso marcou O que ele está pensando,
Deu três dias pra João Eu que não sei responder
João a casa voltou. Por isto estou chorando.

Quando João chegou em casa Bocage disse: que nada


Já estava arrependido Deixe que vou resolver
As perguntas era dificil Dê-me tua vestimenta
João disse: estou perdido Pra contigo eu paricer
Ali começou a chorar E as perguntas do rei
Fazendo um grande alarido. Deixa que vou responder.

João sentado na porta Bocage vestiu a roupa


Estava se lastimando Para o palacio marchou
Naquela hora Bocage Com a roupa de João
Por João ia passando, Muito serio ali chegou
Porque tu chora João? Disse pronto, majestade
Foi Bocage perguntando. As vossas ordens estou.

Disse João: é três perguntas Disse o rei: vá me dizendo


Que eu tenho que responder Quanto é o meu valor
É sob pena de morte Quanto é que pesa a terra
Se as perguntas não dizer Vá me dizendo o senhor
Terminou-se a minha vida O que é que estou pensando
Nos três dias vou morrer. Diga logo por favor.

A primeira é pra dizer Jesus Cristo rei do céu


Quanto é que vale o rei, Venderam por trinta dinheiro
Isto é pergunta dificil O rei da terra vale quinze
Que jamais responderei. Isto é um plano certeiro
Não tenho a quem implorar O povo se levantaram
Só a Deus implorarei. E palma pra ele bateram.

262
Disse o rei: e a terra Disse o rei: ora Bocage
Me diga que peso dar, Se eu vou me ocupar
Disse êle é muito facil Em a ti fazer perguntas
É o senhor arretirar Antes ir secar o mar
O que tem em cima dela Tú já respondeu todas
Que hoje mesmo eu vou pezar. Não tenho o que perguntar.

Disse o rei: que homem é este Bocage no seu repente


Este homem é danado Era bastante afamado
Responde todas perguntas O Rei lhe deu cárta branca
Como que tem decorado Em todo aquele reinado
Só falta uma pergunta Mas quando errasse no verso
Mas eu deixo ele enrascado. Havia de ser degolado.

Disse o rei: responde-me Porisso toda moçada


O que é que estou pensando, Vivia tudo a tentar
Bocage lhe respondeu Armava toda cilada
Que com João está falando Pra ele se atrapalhar
Mas não sou João sou Bocage E fazer um verso errado
Que aqui está conversando. Para o Rei lhe degolar.

Disse o rei: não è João Um dia vinha Bocage


Que comigo está falando? Num bom cavalo montado
E que está respondendo Passeiando direitinho
O que estou perguntando? Bastantemente trajado
Disse Bocage: é isto mesmo Duas moças lhes esperavam
Que o rei está pensando. Cada, com um plano formado.

Mas não sou João sou Bocage Disse uma: seu Bocage
Que aqui vim responder Desta vez sua casa cai
As perguntas de João De onde é que tú vem
Para ele não morrer Pra onde é que tú vai?
Se tem mais vá perguntando Eu venho do nariz da mãe
Que todas eu vou dizer Vou para o ouvido do pai.

263
Bocage lhe respondeu Quando olhou para estrada
Esta pequena charada Viu um grande cavaleiro
E disse mais uma quadra Montado num bom cavalo
Que é um pouco pesada Era esse um fazendeiro
A moça logo saiu Que ia para cidade
Bastante descabriada. Bem lorde e cheio de dinheiro.

Um dia estava Bocage Vinha ele bem metido


Sem um tostão na algibeira Com um bom chapéu mangueira
E ia ter no palacio Foi avistando Bocage
Uma otima brincadeira Com aquela brincadeira
Só lhe faltava um chapéu Ele parou o cavalo
Pensou por esta maneira. E disse desta maneira:

Disse ele está danado Porque é que tú está


Eu me comparo com um réu Com este chapéu no chão
Se eu não for nesta festa Segurando com cuidado?
Porque me falta um chapéu Disse êle: cidadão
Porém eu vou tomar um Com sua chegada agora
De qualquer um tabaréu. Alegrou meu coração.

Agarrou um chapéu velho Porque aqui eu peguei


Pela estrada marchou A sabiá da Rainha
Bem no meio do caminho Que escapoliu da gaiola
Ligeiramente ele obrou Anteontem à tardinha
Botou o chapéu em cima Vou ganhar cinco mihões
Com cuidado segurou Levando esta bichinha.

Dizendo: espera bichinha O senhor segura aqui


Que não te deixo vôar Que vou buscar a gaiola
Vou esperar uma pessôa Pra botar esta danada
Que possa aqui segurar Pra ver se assim controla.
Pra eu ir buscar uma gaiola Porém aquela conversa
Para te engaiolar. Era somente parola.

264
Nessa hora o fazendeiro Eu agora vou pegar
Do cavalo se apeiou Este tal de passarinho
Bocage entregou o chapeu E vou até ao palacio
O manata segurou Porque já sei do caminho
Bocage saiu andando Cinco milhões eu recebo
Mas novamente voltou. E fico pra mim sosinho

Disse ele ao fazendeiro: O velho pegou o chapéu


Queira o chapéu me emprestar E começou arribar
Para eu ir lá no palacio Prá pegar o passarinho
Essa gaiola buscar Com um cuidado sem par
Fiqui aí que vou correndo Foi agarrando o tal pássaro
Ligeiro torno voltar. Sentiu a mão atolar.

Nessa hora o fazendeiro Quando o velho foi pegando


Tirou o chapéu lhe entregou Viu atolar sua mão
Bocage seguiu viagem O velho disse: danou-se
Que nem para traz olhou Mas que cilada do cão?
Seguiu direto pra festa Mas como foi que caí
Bem a vontade ficou. Nos laços deste ladrão.

O fazendeiro que viu Bocage chegou na festa


Bocage muito custando Decentemente trajado
Com duas horas que ele A música estava por conta
Estava ali esperando O baile muito animado
O fazendeiro com isto Bem na porta estava o Rei
Bastante foi se vexando. Com a Rainha a seu lado.

Disse ele: aquele cara Bocage pediu licença


Me mandou eu segurar Que ali queria entrar
Este chapéu para ele Pois naquela brincadeira
Ir a gaiola buscar Ele queria dançar
Já completou duas horas Disse o Rei que não podia
E nada dele chegar. A razão foi explicar.

265
Disse o Rei para Bocage Disse o rei para Bocage:
O nosso meio é decente Que grande infelicidade
Você dançar sem gravata Você vir pra aqui despido
Ninguem ficará contente Está doido de verdade?
Vá buscar uma gravata Não senhor estou cumprindo
E volte de novamente. A ordem da majestade.

Bocage ligeiramente O Monarca se lembrou


Pra sua casa voltou Que mandou ele ir buscar
Tirou logo a roupa toda Uma gravata primeiro
Uma gravata amarrou Para depois vir dançar
Para o palacio do rei O recurso aí agora
Ligeiramente voltou. Foi ver o baile acabar.

Bocage seguiu direto Uma certa ocasião


Para o palacio real Sua Real Majestade
Nuzinho como nasceu Fez outra festa bacana
Chegou lá no festival Naquela localidade
Entrou e saiu dançando De Principe, Rei e Princesa
Pois tinha ordem legal. Tinha de toda cidade.

As moças correram todas A coisa estava animada


Nesse grande burburim Príncipes ali recitando
Rebentaram o contra-baixo Todas familias Reais
Pisaram no tamburim Estavam ali escutando
O pobre do violão A Rainha estava ao lado
Duma só vez levou fim. Do Monarca apreciando.

O rei foi a toda pressa Mais tarde a bela Rainha


Pra saber o que aconteceu Um pouco facilitou
Quando foi vendo o marmanjo Foi se virar um pouquinho
O monarca conheceu E grande bufa soltou
Que o mesmo era Bocage Foi um fedor tão horrivel
Nuzinho como nasceu. Que até mosquito entontou.

266
A Rainha envergonhada Bocage neste momento
Correu logo do salão Lá para sala marchou
O povo tapou o nariz Chegando falou ao povo
Nessa mesma ocasião Como o Monarca mandou
Foi esta a maior vergonha Para ver sua poesia
Pra o Rei daquela nação. O povo todo parou.

O Rei ficou imaginando Bocage disse: senhores


Naquela hora mesquinha Nada mais aconteceu
Passar naquele momento Quero explicar que a bufa
Esta vergonha todinha Que a nossa rainha deu
Tentou tirar toda culpa Não foi ela quem bufou
De sua esposa Rainha. Quem deu a bufa foi eu.

Mandou ir chamar Bocage Com os versos de Bocage


Para ver que jeito dava Toda aquela multidão
Pra recitar uns versinhos Soltou tanta gargalhada
Para ver se minorava Que se embolou pelo chão.
A vergonha que a Rainha A rainha envergonhada
Naquela hora passava. Quase morre de paixão.

Com pouco chegou Bocage Naquele mesmo reinado


O rei lhe participou Uma viuva existia
A bufa que a Rainha Chamava-se D. Costa
Naquela hora soltou Que só de festa vivia
Disse Bocage: está certo Na casa desta viuva
Eu vou ver que jeito dou. Era festa todo dia.

Vou recitar uma poesia Tinha três filhas bonitas


Do principio até o fim Chamava aqueles senhores
Tirando a culpa todinha Caixeiros e jornalistas
Botando em cima de mim Funcionarios e Doutores
O povo fica sabendo Dentistas e Deputados
Que nada teve ruim. E muitos Vereadores.

267
Ia tambem engraxate Parou todo movimento
Servente e carregador, Quando Bocage chegou
Malandros e dorme-sujo Deram a ele uma cadeira
Toda classe sem valor Bocage aí se sentou
Ficavam na retaguarda Se conservando tristonho
Vendo este frevo de horror. Ali no canto encostou.

Na casa de dona Costa Dona Costa perguntou


Este frevo todo dia Aquele é mesmo o poeta?
Os visinhos dali de perto Pensei que fosse outro homem
À noite nenhum dormia Que seguisse em linha reta
De tanto toque e cantiga Que fosse um homem disposto
E tanta da gritaria. Mas veio aqui um pateta.

Certa vez a dona Costa Porém eu vou nesse instante


Em Bocage ouviu falar Mandar êle conversar
Que era o rei do improviso Dizer alguma piada
Na arte de versejar Para nós apreciar
E para dizer piada Ou então qualquer poesia
Não tinha com quem comparar. Pra ver se sabe trovar.

Mandou depressa um convite Dona Costa foi marchando


Para o poeta afamado Para o poeta afamado
Que para dizer piada E disse: Sr. Bocage
Era bastante falado Poeta muito falado
E no verso da poesia Diga aí uma piada
Ele era o mais respeitado. Que seja de nosso agrado.

Quando foi no dia seguinte Disse Bocage: o que sei


A festa estava rolando É coisa da antiguidade
O povo cantava samba De quando houve o diluvio
Os instrumentos tocando Naquela localidade
No meio desta zuada Disse ela: esta é bacana
Bocage ali foi chegando. Vamos gostar de verdade.

268
Noé foi um ancião. Noé agarrou o bode
Bocage continuou Bateu um pau pelas costas
Ele era um servo de Deus E disse: cabra safado
E Deus a ele avisou Agora dou-te a resposta
Que construisse uma arca Quer fazer de minha arca
Bem direitinho lhe falou. A casa de dona Costa?

Pois ia ter um diluvio Isto aqui é um arca


Que ia tudo acabar Respeita cabra safado
Ele com toda familia Na casa de dona Costa
Na arca podesse entrar Tú és bem acostumado
Que a arca sobre as aguas Chatiar a noite toda
Teria que flutuar. Ninguem dormia sossegado.

Também de todos os bichos Bocage neste momento


Ele levasse um casal Nem acabou de falar
Todos os tipos de aves Dona Costa foi lá dentro
Todo e qualquer animal Mandou a festa acabar
Levasse dentro da arca E nunca mais ela fez
Toda fera irracional. Festa naquele lugar.

Então no dia seguinte Bocage foi o maior


Noé a arca aprontou No verso da poesia
De todas aves e feras Toda questão que pegasse
Ele um casal colocou Somente ele vencia
O bode foi abusando Ninguem naquela cidade
Quando a arca flutuou. Com Bocage podia.

O bode zuando tanto Senhores todos este livro


Sem deixar ninguém dormir Não afirmo ser exato
O povo disse a Noé Porque tem muitos malandros
O que se passava ali Com estratégica de gato
Noé bastante zangado Faz coisa que o Cão duvida
Resolveu ir repelir. Bocage é quem paga o pato.
FIM
269
OS CANTADORES DO NORDESTE

Antigamente a poesia, meu amigo Alvarenga Peixoto, um cidadão


Nesta terra ninguèm dava valor, Foi poeta dos mais inteligentes,
Pois chamavam de louco o trovador Mas um dia aderiu-se a Tiradentes
Da poesia o povo era inimigo, Só afim de salvar nossa Nação,
Esse pobre vivendo sem abrigo Esse pobre acabou-se na prisão
E assim cada vez se maldezia Sua esposa morreu de agonia
Hoje o povo conhece e aprecia, Pela seta da grande nostalgia,
Considera esse homem inteligente, Hoje todo poeta està contente,
O soldado, o sargento e o Presidente O soldado, o sargento e o Presidente
Todos eles são fãs da poesia. Todos eles são fãs da poesia

O Camões, um poeta tão profundo Castro Alves, um heròi da abolição


Pelo povo de hoje admirado, Convidou a José do Patrocínio,
Porèm quando no tempo atrasado Se juntaram os contra o latrocínio
Muita gente o chamava vagabundo, Pra acabar com a negra escravidão,
O Bocage, outro vate tão fecundo A princesa Isabel deu permissão
Muitas vezes sò não se maldizia E assim o poeta da Bahia
Porque tinha a maior filosofia, Trabalhando com pràtica e teoria
Hoje todo Brasil è diferente. Libertou para sempre aquela gente
O soldado, o sargento e o Presidente O soldado, o sargento e o Presidente
Todos eles são fãs da poesia Todos eles são fãs da poesia.

270
O Gregorio de Matos no passado Foi Nicândo o primeiro trovador
Pelos versos de sua inspiração, Do Brasil com sua publicação,
Encerraram esse pobre na prisão Ugolino que era o seu irmão
Em Angola foi ele degredado, Foi do Norte o primeiro cantador,
E depois de ser tão martirisado Nos seus versos cantava sua dor
Ordenaram ele vir para a Bahia, Porque nosso Brasil não conhecia
Sua terra que tinha simpatia Esta hética ou arte de poesia,
Mas morreu em Recife de repente Porém hoje conhece e está contente,
O soldado, o sargento e o Presidente O soldado, o sargento e o Presidente
Todos eles são fãs da poesia. Todos eles são fãs da poesia.

Leandro Gomes de Barros, e Athaíde Zé Camelo o poeta conhecido


Foram grandes poetas populares Que escreveu o Pavão Misterioso,
Divertiram com versos muitos lares Trovador Cotinguiba, caprichoso,
Cada um là no céu hoje reside, João Melquides, que foi muito aplaudido
Um lugar que só Deus é quem preside O Firmino Teixeira, foi querido
Onde nunca ninguém sofre agonia, Escreveu Zè Pretinho em poesia
Sò se ver é beleza e alegria Com o Cègo Aderaldo em cantoria
Com as graças do Pai Onipotente, Demonstrando ser muito inteligente,
O soldado, o sargento e o Presidente O soldado, o sargento e o Presidente
Todos eles são fãs da poesia. Todos eles são fãs da poesia.

Zè Bernardo, Hermes Gomes de Oliveira Vivos temos Rodolfo e Minelvino,


Zè Pacheco e também Josè Diniz, Cada um leva a cruz por um só trilho:
Americo Marcelino, a morte quiz Erotildes, Manoel D’Almeida Filho,
Carregar desta terra brasileira, João Ferreira. Expedito e Zé Silvino.
Josè Gomes (Cuica) e o Teixeira Diomédes, João Nobre e Zé Quirino,
Que pra o povo seus versos escrevia, O Raimundo Barbosa com alegria
Desde o sul ao Nordeste da Bahia Escrevendo pra o povo que aprecia:
Se escuta dizer por toda gente: Cada qual mostra ser inteligente.
O soldado, o sargento e o Presidente O soldado, o sargento e o Presidente
Todos eles são fãs da poesia. Todos eles são fãs da poesia.

271
Tem o Gerson Lucena e Zé Vieira, Passarinho, Sabiá e Larangeira,
Paulo Nunes, Enéias, João Josè. Curiò, Asa Branca e Juriti,
O Delorme Monteiro, mostra fé, Beija-Flor, Gavião e Bentivi,
Paulo Lopes, tambem Manoel Pereira, Zé Viana, João, Pedro Bandeira,
Antonio Teodoro é dianteira, José Alves Sobrinho, Luiz Pereira,
Expedito em Juazeiro tem valia, Josè Braga e Moisés que certo dia
Abraão nunca perde a garantia, Teve a vez de dizer em cantoria
Diz Batista de Sena: estou contente, Que o povo dali ficou contente:
O soldado, o sargento e o Presidente O soldado, o sargento e o Presidente
Todos eles são fãs da poesia. Todos eles são fãs da poesia.

Quero agora falar aos violeiros Tem o velho poeta Limoeiro,


Conhecidos no Norte, repentista Neve Branca também o Palmeirinha,
Otacilio e o irmão Dimas Batista, O Ricardo que mora em Serrinha.
São dois grandes poetas brasileiros, João Quindingues poeta brasileiro,
Lourival e o Pinto são luzeiros Andorinha que canta o ano inteiro,
Cada um mais falado em cantoria, Bule-Bule e Limeira da Bahia,
Os Bandeiras não perde em poesia, Valdir Teles e Gaivota que um dia
Zè Francisco é gigante no repente, Os chamaram de Aguia do repente,
O soldado, o sargento e o Presidente O soldado, o sargento e o Presidente
Todos eles são fãs da poesia. Todos eles são fãs da poesia.

Cezanildo, Apolônio e Juvenal, Alguèm nos pediu que cantasse um tema


Caboquinho, Dadinho e Oliveira, Eu canto e tu cantas com capacidade,
Barra Nova, Abdias, Zé Ferreira, Porque nossa vida tem mais vaidade,
Azulão, João Ageu e Lourival, Mas a morte chega trazendo o problema,
Cantadores de fama nacional A matéria forte trassado o esquema
O Benoni Evaristo e Zé Maria, Vive nesta terra para batalhar,
Ivanildo que é grande em cantoria, Mas ele rebola para suportar
Grita o Pedro Cezário e Zè Vicente: Que as vezes a foice repete o seu corte
O soldado, o sargento e o Presidente A vida dormindo nos braços da morte
Todos eles são fãs da poesia. Eu canto em galope na beira do mar.

272
B. Eu gosto da vida, mas desprezo a morte Z. Eu sei que esta vida é mesmo um embrulho
Porque nossa vida tem muita certeza Ela vai, ela volta, ela vira, ela vem,
Quando a morte chega, vem com ligereza São estes os segredos que a vida tem
No fio da vida ela dá um corte Dentro dos segredos as vezes mergulho
Dentro dum caixão se pega um transporte O homem na terra é quase um fasfulho
Para o cemitério iremos morar, Vive batalhando para desfrutar
E desta maneira eu quero falar As vezes na terra começa a pecar
Que a morte malfeita ninguèm se sucega Sem lembrar depois dos pecados seus
Que a vida prospera e a morte carrega Na eternidade ele conta a Deus
Nos dez de galope na beira do mar. São estes os trabalhos da Beira do mar

Z. Eu falo a você que a vida navega B. Da morte eu não quero os mistérios seus
De dia e de noite vivo conformado, Da vida eu quero a sua beleza
E a morte que volta de ferro afiado Na água que desce pela correnteza
Porque nesta vida as vezes entrega Vai tirando o flúdio dos grandes plebeus
E ele não ver porque sempre trafega Trazendo a beleza desses versos meus
Por cima da terra só a palmilhar Eu adoro a vida em primeiro lugar
E as vezes um homem gosta de reinar Mas também na morte eu preciso falar
O rei da coroa honra o seu critério A vida è o riso e a morte é a mágua
Transforma-se em pó lá no cemitèrio A vida è o barco e a morte è a água
São esses os mistérios da beira do mar. Levando a pessoa pra beira do mar

B. Não gosto da morte pelo seu impèrio Z. Aqui desta vida eu não magua
Que leva a pessoa em plêna mocidade Vivo satisfeito com o dever da qual
Carrega a criança aqui da cidade Digo para o povo em assunto geral
Da morte eu não quero saber do mistério Que a nossa vida as vezes bichaba,
Deixando dizer no mesmo critério, O barco perfeito penetra na água
Mas também na vida preciso falar Que bem satisfeito vive a navegar
Eu adoro a vida em primeiro lugar E a morte chegando pra lhe acabar
Com a vida eu me abraço, O sol se encobre e a vida se acaba,
Com a vida eu me embrulho O sol se afasta e a vida se embarga
A vida é feijão e a morte é gorgulho São esses trabalhos da beira do mar.
Nos dez de galope na beira do mar.

273
B. A india Iracema da Ibiababa
Trazendo a origem do nosso terreno,
A india bonita com seu pè pequeno
Que o proprio Alencar na história se agaba
Esta tradição sei que não acaba
Mas para a morte eu quero mudar
E também na vida eu quero falar,
A vida é clareza de todo arrebol
A vida é a flor e a morte é o sol
Muchando a roseira da beira do mar.

Z. Eu sei que esta vida é mesmo um lençol


Cobrindo questão com patifaria
As vezes cantando com mais alegria
Cantando na vida puxa o arrebol
Mostrando o clarão deste rico sol,
A morte è uma pedra que da pra milhar
Catullo da qual gostou de cantar
Porque seu valor jamais se some
O corpo morreu ficou só o nome
São estes os trabalhos da beira do mar.

274
ENCONTRO DE ZÉ PAPA-JACA
COM CHICO PAPA-CARANGUEJO

Escutem bem meus amigos Z. Bom dia seu paspalhão


Uma historia verdadeira Não venha com seu gracejo
Que vou escrever agora Eu já sei você quem é
Com minha rima fagueira Nada de mal lhe desejo
De Ilheús com Itabuna Sò não posso é da valor
A título de brincadeira Comedor de caranguejo

O velho Zé Papa-jaca C. Não é certo seu desejo


Residia em Itabuna A precisão lhe consome
Negociando com jaca Quem vive comendo jaca
Nessa terra grapiúna Não tem cartaz nem tem nome
Lutando por noite e dia De quinta pra sexta feira
A procura da fortuna Todos viram lubizome

Chico Papa-caranguejo Z. Tú vives morrendo a fome


Lá em Ilhéus residia Vai ao mangue por capricho
Era ele um pescador E na casa do vizinho
E pescava todo dia Vai pedir sal em cochicho
Um cesto de caranguejo Comedor de caranguejo
Lá no mercado vendia Pode matar que é bicho

Chico Papa-caranguejo C. Quem vive comendo jaca


Um certo dia encontrou Começa se empalidecer
Com o velho Zè Papa-jaca Fica logo cabeludo
Desta maneira falou: As hunhas dão pra crecer
Bom dia seu Papa-jaca E dizem que vira bicho
A discussão começou Antes do dia amanhecer

275
Z. Quem vive dentro do mangue C. Quem se alimenta com jaca
Com um grande sexto na mão E vive assim nesta lida
Apanhando caranguejo Sem comer um caranguejo
Tão feios que só o cão A pessoa enfraquecida
Um homem deste é um bicho Vai cair do pé de jaca
Não pode ser um cristão Termina perdendo a vida

C. Quem vive vendendo jaca Z. Jaca é comida forte


Inda mais da roça alheia Para qualquer cidadão
Merece que a policia O homem que come jaca
Dê uma surra de peia Se transforma num Sansão
Tome as jacas jogue fora Que com um braço suspende
E mande o para cadeia Todo e qualquer caminhão

Z. Vendedor de caranguejo C. Quando eu como caranguejo


Nunca pode andar na linha Pego curisco com a mão
Quando o mangue não da nada Prendo relâmpago num vaso
A sua sorte é mesquinha Boto cangalha em trovão
E termina indo preso Mato baleia de sôco
Porque vai roubar galinha Boto chocalho em cação

C. O homem que come jaca Z. No dia que como jaca


Vive de barriga inxada Se alguem me aborrecer
Mela a barba e o bigode Os rios correm pra cima
Numa visgueira danada Faço a maré se encher
Se a mulher der um beijo Pescador de caranguejo
A bôca fica pegada De fome tem que morrer

Z. E quem come caranguejo C. Eu pegando um Papa-jaca


Essa comida horrorosa De acordo o meu desejo
Se for um homem casado Aperto ele na hunha
Com uma mulher dengosa Igalmente a um pecevejo
Se ele der um beijinho Depois corto faço isca
Termina tuberculosa Para pegar caranguejo

276
Z. E um Papa-caranguejo C. Itabuna é terra bôa
Se a meu jeito o pegar Terra de hospitalidade
De cima dum pé de jaca Terra de Firmino Alves
O malvado eu vou soltar Que foi para a eternidade
Quando cair fica pronto Cada vez mais Itabuna
Para os cachorros puxar Aumenta a prosperidade

C. Papa-jaca come jaca Z. Os Ilhèus do mesmo modo


Por não ter o que comer Para mim è um encanto
Fica de barriga inxada O Malhado e a Conquista
Sem poder nem se mecher Não sei como crescem tanto
Vai nascer um pé de jaca Terra de D. Eduardo
Na cova quando morrer O bispo que virou santo

Z. Comedor de caranguejo C. A cidade de Itabuna


Este sim é um caso serio Esta mesmo colossal
Come tanto caranguejo Cada vez mais predios novos
Quando for pra o necrotéiro Construção especial
Os caranguejos carregam Itabuna já parece
Da cova no cemitèrio Uma nova capital

C. Meu amigo Papa-jaca Z. A cidade de Ilhéus


Vamos aqui terminar Vai seguindo seu caminho
Esta nossa discussão Com três estações de radios
Vou outro assunto puxar Desenvolve direitinho
A cidade de Itabuna Onde tem um bom mercado
Quero agora elogiar Pra o grande e o pequenininho

Z. Você muda eu tambem mudo Amigo te agradeço


Não quero mais discussão De todo meu coração
Quero falar sobre Ilhèus Já vi que um Papa-jaca
De todo meu coração Tem força e disposição
Agradecendo este povo Sabe falar direitinho
De finissima educação Dentro da educação

277
Z. E um Papa-caranguejo Chico Papa-caranguejo
Agora posso afirmar Demonstrando educação
Que é homem cem por cento Abraçou Zé Papa-jaca
Em todo e qualquer lugar Com muita satisfação
Inda mais tem seu valor Todos dois dando risadas
Na cidade a beira mar Acabou-se a discussão

FIM

278
O GRANDE DEBATE DE BENTIVI DA FLORESTA COM
GAVIÃO DA BAHIA

Uma centelha descendo Na Capital da Bahia


Lá do céu da poesia Por nome São Salvador
Brilhou em meu pensamento Foi chegado Bentivi
Pra versar a cantoria Pra mostrar seu valor
De Bentivi da Floresta Procurando Gavião
Com Gavião da Bahia Assombro de cantador

O Gavião da Bahia Na casa de um senhor


Era muito inteligente Hospedou-se Bentivi
Quando pegava a viola Pois era seu conhecido
Juntava ali tôda gente Que a tempo morava ali
Nunca encontrou cantador E de lá de Pernambuco
Que lhe desse no repente Sabia tudo dali

E o outro antigamente Almoçaram de persi


Era Bentivi da Mata Entraram em conversação
Cantador pernambucano Bentivi foi perguntando
Que quando não bate empata Por este tal Gavião
E dizia: o nó que eu der Disse o amigo: eu conheço
Cantador nenhum disata É um cantador de profissão

Eu vou rasgar a gravata Então arranje o salão


Bentivi pensou um dia E và logo convidar
Dêsse grande cantador Êsse tal de Gavião
Do Estado da Bahia Para comigo cantar
Se êle for gavião Vou tirar pena por pena
Vou pelar com agua fria Pra êle me respeitar

279
Eu quero ti avisar Já tinha mais de oitenta
Bentivi neste momento Pessôas lá no salão
Gavião para cantar Para vê naquele dia
Não esgota o pensamento Essa grande discussão
Bentivi abra teus olhos De Bentivi da Floresta
Gavião sempre é sangrento Com o famoso Gavião

Seja êle rabugento Vinte horas no salão


Eu quero é que vá chamar O gavião foi entrando
Se êle for gavião O povo estava sentado
Hoje aqui quero pegar Logo foi se levantando
Arrancar pena por pena Êle foi saudando a todos
Pra todo povo vaiar Desta maneira cantando

O moço mandou chamar Boa noite meus senhores


O Gavião da Bahia Deste tão nobre salão
Para a noite em sua casa Vim atender um convite
Fazer uma cantoria Dum ilustre cidadão
E cantar com Bentivi E acabar com Bentivi
Um gênio da poesia Somente de beliscão

O Gavião recebia Com a viola na mão


O convite de persi O Bentivi se ergueu
E disse pra o portador E falou pra o gavião
Conforme o que vejo aqui Que o salão estremeceu
Não tenho medo de águia Gavião abra teus olhos
Quanto mais dum Bentivi Quem te avisa sou eu

Diga a êle que aí G. Se ninguem nunca bateu


Vou ver se êle me aguenta Neste magro Bentivi
Se for fraco e não souber Lutando com Gavião
Onde é que està a venta Não tem pra onde fugir
Quebro a aza e quero o bico Vou tirar pena por pena
Nunca mais come pimenta Depois de tudo engulir

280
B. Mas eu posso me sair G. É feio o teu sofrimento
Que isto não me atraza Que Bentivi atrevido?
Você para me engulir Te tranco hoje nas unhas
É melhor engulir braza Sem atender teu gemido
Pois vai ficar sem muela, Te quebro osso por ôsso
Sem o fato e sem a aza Pra não ser tão enchirido

G. Diga logo onde é sua casa B. Não queira ser atrevido


Pra onde vai, donde vem Aqui dentro do salão
Se pensa voltar daqui Responda se quer cantar
Ou se segue mais alem Ou se quer a discussão
Pois sem minha permissão No tiro ou na peixeira
Não canta aqui com ninguem No sôco ou no empurrão

B. Eu sigo para o além G. É somente a educação


Sou cantador pernambucano Que o bahiano admira
Se pensa que aqui me vence Vamos cantar um pouquinho
É bom tirar do engano Cada qual de sua lira
Vim bater num gavião Com pronuncia em português
Aqui no solo bahiano Que ninguem diz ser mentira

G. Arranco cano por cano B. Sem ter ódio e sem ter ira
Deixo pelado no chão Vamos cantar um quadrão
Pra saber que na Bahia Para ver se alegra um pouco
Sò canta com permissão O povo deste salão
Ou uma carta assinada Depois vamos no martelo
Com o nome de Gavião Vê quem tem inspiração

B. Eu não quero permissão G. Pode bater o bahião


Agradeço no momento E da começo a cantar
De um pobre gavião Mas é um quadrão moderno
Todo rôto e fedorento Para o povo apreciar
Que anda de galho em galho Conhecido em todo Norte
Magro, pelado e nogento Por quadrão da beira mar

281
B. Eu garanto acompanhar B. Chegando na pescaria
Mas você segue na frente Seja de noite ou de dia
Dizem que o gavião Enfrentando a ventania
Não tem cantador que aguente Começa logo a pescar
Mas Bentivi te acompanha O peixinho a beliscar
E vai atè no oriente Porém vem o tubarão
O pobre fica na mão
G. Não falo da vida alheia No quadrão da beira-mar
Mas quando chego na areia
Que vejo tanta sereia G. Eu vou mudar de cistema
De maiô tudo a brincar Pra resolver o problema
Eu fico só a olhar Cantando com outro tema
Admiro a boniteza Pra o povo deste salão
Aquela tôda beleza É no dedo, è no bordão
No quadrão da beira-mar È no bordão é no dedo
Pra cantar não tenho medo
Em oito pès de quadrão
B. Eu fui a Copa Cabana
Vi uma menina bacana
B. Tem hora que sou rochedo
Com essa linda praiana
Tem hora que sou degredo
Comecei a namorar
Tem hora que sou penedo
Terminando de banhar
Tem hora que sou leão
Fui até a casa dela Tem hora que sou dragão
Por fim me casei com ela Tem hora que sou cordeiro
No quadrão da beira-mar Tem hora que sou ligeiro
Nos oito pés de quadrão
G. O pescador na jangada
Seguindo sua jornada Hora que sou um guerreiro
Enfrenta dura parada Hora que sou brasileiro
Pras ondas fortes rasgar Hora que sou estrangeiro
Vai muito longe pescar Hora que sou um Sansão
O vento forte soprando Hora que sou o bordão
Êle segue improvisando Hora que eu sou a prima
Um quadrão da beira-mar Sou a viola e a rima
Que canta oito em quadrão
282
B. Sou mais do que um doutor B. Tenho prática e teoria
Mais do que governador E tenho repentes mil
Mais do que um professor Canto com cantador bravo
Mais do que tabelião E com cantador gentil
Mais do que um capitão Eu canto em todos Estados
Com soldado e com tenente De nosso caro Brasil
Mais do que um presidente
Pra cantar oito a quadrão G. Eu bato pra mais de mil
Bentivís assim doente
G. Bentivi agora mesmo Que não aguenta cantar
Vou mudando meu baião Fica chateando a gente
Para cantar um martelo No bico do Gavião
De chamar mesmo atenção Não tem Bentivi que aguente
E se ver que não aguenta
Corra logo do salão B. Não sejas tão imprudente
Puxe logo teu martelo
B. Eu não temo assombração Quero vê se tú suporta
Na arte de violeiro O Bentivi em duelo
Se vier como leão Onde êle põe o bico
Sai manso como cordeiro Corta mais do que cutelo
Eu perco a fè do doente
Quando muda o traviceiro G. Pra que da um Bentivi tão pequenino
Para o bico dum forte Gavìão
G. Eu não mudo o traviceiro Pego êle e arranco o coração
Mudo só de cantoria Fìgado e bofe que o pobre perde o tino
Pra saber se Bentivi Pra saber que sou Gavião ferino
Tem repente e poesia Quando eu pego a meu jeito està pegado
E se tem capacidade Se maldiz e lastima o condenado
Para cantar na Bahia Eu seguro com êle pela guela
Quebro as azas e arranco-lhe a muela
No martelo de dez agalopado

283
B. Hoje eu pego este brouco Gavião G. Quando as aguas não ir mais para o mar
Corto unha e canela por canela Quando o porco deixar de ser imundo
Pego êle agarro pela guela Quando o Rio São Francisco não ser fundo
E cabo com êle à beliscão Quando um pato nas aguas se afogar
A cabeça eu esfrego pelo chão Quando um peixe em gaiola se criar
Pra deixar de ser tão desaforado Quando sol lá no céu ficar parado
Depois digo: conheça mácriado Quando o vento ficar paralisado
Você hoje se vira em biribiri Quando um gato almoçar junto com cão
Pra saber que o pequeno Bentivi Bentivi baterá em Gavião
É dureza em martelo agalopado Em matéria de dez agalopado

G. Bentivi tú procuras teu lugar B. Se um dia o macaco virar gente


Não se meta lutar com Gavião Se um dia o veado não correr
Do contrário terá destruição Se um dia o doente não gemer
Sôbre um bico possante se acabar Se um dia Lusbel virar-se crente
Gavião sua arte é devorar Se um dia o leão não for valente
Todo pàssaro conhece do tratado Se um dia um grilo for soldado
E por isso já vive assombrado Se um dia o elefante for formado
Quanto mais este pobre Bentivi Se um dia um preá virar dragão
Vou o pegar quebrar aza e destruir Nesse dia eu direi que Gavião
Na matéria de dez agalopado Da em mim em martelo agalopado

B. É preciso a galinha criar dente G. Não duvido do rio correr pra cima
É preciso uma cobra nascer mão Não duvido do mar todo secar
É preciso o sul virar sertão Não duvido dos peixes não nadar
É preciso um mofino ser valente Não duvido de manga virar lima
É preciso um calangro ser tenente Não duvido da mãe vira-se em prima
É preciso um cachorro ser educado Não duvido de pedra virar pão
É preciso o mar ficar parado Não duvido perdiz virar cancão
É preciso um leão virar quatí Não duvido um tatú ler um gibí
É preciso saber que Bentivi Sò duvido êste pobre Bentivi
É espêto em martelo agalopado Em martelo açoitar um Gavião

284
B. É mais facil se ver um boi voando G. Seu Bentivi da Floresta
É mais facil uma paca saber ler Que diz que sabe cantar
É mais facil a guariba escrever Se metendo a valentão
É mais facil urubú se ver cantando Agora vou lhe pegar
É mais facil uma pulga improvisando E arrancar pena por pena
É mais facil montar num sucuri No galope a beira-mar
É mais facil teiù virar acarí
É mais facil casar com uma sereia B. Na arte de improvisar
É mais facil açoitar uma baleia Eu estou de prontidão
Que em martelo açoitar Bentivi Pode vir como quizer
Estou a disposição
Quando ver o espaço escurecendo Vou tirar pena por pena
Quando ver o oceano revoltar Das costas do gavião
Quando o sol lá no céu se apagar
Quando ver tôda terra estremecendo G. Peguei um Bentivi dei um beliscão
Quando ver todo povo se benzendo Joguei para cima subiu no espaço
Quebrou a cabeça, o pescoço e cachaço
Se acabando de medo ajoelhado
Subiu pelo ar como um fuguetão
Vendo chôro ali por todo lado
Na velocidade de um avião
Quando escuta o estouro do trovão
Ninguem sabe aonde êle foi se parar
Quem conhece assim diz: o Gavião
Porque no espaço não poude ficar
Está cantando um martelo agalopado
Por não atravessar o ecuador
Depois me disseram que um pescador
B. Quando ver o relâmpago vadiando Viu êle cair lá dentro do mar
No espaço fazendo caracol
Quando ver apagar-se a luz do sol B. Uma certa vez peguei um Gavião
As estrelas ficar pestanejando Querendo passar para o estrangeiro
Vento forte cada vez mais soprando Eu voei por cima pelo nevoeiro
No espaço fazendo um poeirão Peguei na cabeça dei um beliscão
O relâmpago clareia a amplidão Batendo com a aza, dando bofetão
Diz o povo que passa por ali: Aquele bichão começou a cançar
Tudo isto é porque o Bentivi Para o estrangeiro não pôde passar
Deu uma surra danada em Gavião Que sua viagem logo atrapalhei
Quebrei dêle as azas ali derrubei
Morreu afogado lá dentro do mar
285
G. Peguei um Bentivi de là da Floresta B. Já dei um mergulho lá no oceano
Com um pè no pescoço e outro na aza Para conversar com uma sereia
Com bico, com unhas, só mandando braza Mas logo encontrei tão grande baleia
E disse pra êle: agora o que resta Puxei para fora porque sou tirano
Veja um Gavião pra quanto êle presta Chegando na areia fiz logo meu plano
Peguei o bichinho e sair pelo ar Chamei todo povo para observar
Dentro do oceano que fui o atirar Dei carne a todos a té se fartar
Daì em diante findou-se a contenda Todo povo ali ficou admirado
Os peixes com êle fizeram merenda Como um Gavião nogento e pelado
Brincando e pulando lá dentro do mar Joga um Bentivi là dentro do mar

B. Um dia nas zonas do alto sertão G. Meu amigo Bentivi


Com uma armadilha que eu mesmo inventei Pode cantar na Bahia
Com inteligencia num pau eu armei Receba a chave simbólica
Com pouca demora peguei um Gavião De destrancar cantoria
Peguei no pescoço daquele bichão E um documento assinado
Com força e com jeito consegui quebrar Dando tôda garantia
O bicho morrendo começou a ciscar
Peguei pela perna deste deshumano Aqui termina o livrinho
Levei pelo espaço joguei no oceano Traçado pelo meu tino
Os peixes comeram lá dentro do mar Em 31 de Dezembro
Sessenta e um eu termino
G. Pego um Bentivi piso no pescoço O livro de Bentivi
Seguro nas azas agarro na guela Escrito por Minelvino
Abro o pelas costas arranco a muela
Porque Gavião é um cabra osso FIM
Quando ver sangue pra êle é um colosso
Não há Bentivi que possa o aguentar
Mas quando está magro sò faço o matar
Seguro nos pès e sigo a jornada
Atiro o malvado na agua salgada
Pras os peixes comerem lá dentro do mar

286
PELEJA DE FRANCISCO DE ASSIS MEDEIROS
COM MINELVINO FRANCISCO SILVA

Presado leitor a vós peço De Porto Alegre a Recife


Um pouco de atenção Não ficou povoação
Vou escrever para todos Que eu não andace em todas
Uma grande discussão Com bastante precaução
Que tive com um cearense Procurando um cantador
No Estado do Maranhão. Que não temece questão.

Em um dia resulvi De lá fui a João Pessôa


Percorrer o mundo inteiro Procurando um cantador
Percorri todo Brasil Para no verso da lira
Só não fui no Estrangeiro, Tambem mostrar meu valor
Procurando um cantador Ahi me deram noticia
Que désse no meu tempeiro. De um grande trovador.

São Paulo, Belo Horizonte, Quem me deu essa noticia


Belém, Vitória, Amapá, Me disse assim: sem agrado
Niteroi e Curitiba, Francisco de Assis Medeiros
Goiânia e Cuiabá, É um cantador afamado
Natal, Manaus, Boa-Vista Pra ir discutir com êle
Não ficou canto por là. O Senhor tome cuidado.

Procurando um repentista Porque no verso da lira


Para eu tirar-lhe o calor Nunca temeu valentão
Remechi Aracajú, Quem vem discutir com êle
Maceió e Salvador, Ele amarra num mourão
Theresina e Fortaleza; Toma cafe com chibata
Procurando um cantador. Almoça com cinturão.
287
Eu perguntei no momento O hoteleiro pergunta
Onde mora esse Senhor? Como chama-se o Senhor?
Disse ele: em Joazeiro Minelvino Francisco Silva
Que reside o trovador. Falei com força e valor,
Estado do Ceará, Ando aqui na vossa terra
Que chama tira-calor. Procurando um trovador.

Eu segui pra Joazeiro Ele ficou me olhando


Na manhã do outro dia Com gesto de mangação,
Na pista do trovador Disse: Francisco se hospeda
Que por nome conhecia Tambem aqui na Pensão
Eu vou tirar tua fama Quem vem discutir com ele
No pensamento dizia. Vai certo para a prisão.

Eu saltei em Joazeiro O Hoteleiro mandou


A um guarda fui perguntando Muita gente convidar
Por Francisco de Assis Tambem mandou um emissario
Ele foi me respostando: Para o Francisco avisar
Ele foi pra S. Luiz, Que chegou um cantador
Por lá está passeando. Que veio lhe insultar.

Eu disse muito obrigado Me chamaram para dentro


Naquela ocasião Me sentei lá no salão
Fui saltando ali do carro Recostado no sofá,
Fui pegando o Avião Com minha viola na mão.
Pra Capital São Luiz Tinha gente em quantidade
Estado do Maranhão. Para ver a discussão.

Na Capital São Luiz Ali naquele momento


No momento que cheguei Uma voz estremeceu,
No hotel dos Viajantes Com o som de uma viola
Neste momento hospedei Que doeu no peito meu
Pelo trovador Francisco Eu senti tanto remorço
Depressa eu perguntei. Que o corpo me estremeceu.

288
Bom-dia meu caro amigo, F. — Eu me vendo aperriado
Como chama-se o Senhor? Faço a luz do Sol faltar
Minelvino Francisco Silva Faço o mundo escurecer,
Sou tigre devorador, O vento paralizar.
Sou poeta sem cultura Vai cair chuva de fogo
Mas não temo cantador. Dia e noite sem parar.

Sou Francisco de Assis M. — Eu chegando a me zangar


Medeiros, meu sobre nome Faço quem não quer querer
Eu mato Burra de Padre Levante ócaso, orizonte
Os urubús é quem come. Faço tudo escurecer,
Pego Alma e amarro Quem vem discutir comigo
Com couro de lubisome. Arrisca a vida perder.

M. — Já peguei uma pesadeira F. — Eu chegando aburrecer


Que veio querer me pegar Sou forte como um leão
Prendi em uma garrafa Mato canguçú de tapa
Que até hoje ela está lá Bóto sela em Dragão.
Pedindo por todo Santo A fera mais temeroza
Para eu tornar soltar. Eu mato de bofetão.

F. — Sou como Pantera Negra M. — Eu ronco como um trovão


Sou um Leão devorador No dia que estou zangado,
Na hora que estou zangado Pego corisco de mão
Eu pegando um cantador Faço o ar ficar parado
Na ponta do cinturão O sol apaga seus raios
Depressa eu tiro o calor. Todos morrem asfixiado.

M. — Eu pegando um cantador F. — Já me vi aperriado


Na hora que estou zangado Fiz a terra revirar
Dou dez surras todo dia Virei o mundo asavésso
Adepois de algemado Montanha, planice e mar.
Caindo nas minhas unhas Todo mundo ia morrendo;
Diga que está desgraçado. Depois tornei concertar.

289
M. — Numa noite de luar M. — Mato Grosso, S. Paulo e Paraná,
Na véspera de São João Rio Grande, Bolivia e Goiaz,
Peguei um rosario bento Amazonas tambem Minas Gerais
Montei num genio tufão, Espirito Santo, Bahia e Pará,
Voando pelo espaço Pernambuco, Sergipe e Ceará
Amarrei a mãe do cão. Piauí, Alagoas, Paraiba,
São Luiz, Porto Alegre e Curitiba
F. — Já peguei um valentão Fortaleza, Recife e Salvador
Que veio me insultar No martelo é que eu pego um cantador
Marrei ele num mourão Desta vez êle ou morre ou se arriba.
Pra puder me respeitar
Cortei um pedaço da lingua F. — Bôa Vista, Vitoria e Cuiabá
Nunca mais poude falar. De Manaus, Goiania e Natal
Povôado, Cidade e Capital
M. — Disculpe eu lhe chamar Niteroi, Teresina e Amapá
Senhor Francisco Medeiros;
Desta vez não ficou canto por lá
Vamos cantar o Brasil
Procurando um cantador afamado
Como uns dignos Brasileiros.
Séndo forte, afoito e malcreado
No martelo agalopado
Dessa vez esse pobre eu vou marrar
Eu canto trinta Janeiros.
Para o couro das costas eu tirar
No martelo de dez agalopado.
F. — Eu sou como Oliveiros,
Carlos Magno e Roldão.
M. — Eu pegando um Poèta Cearense
No martelo agalopado
Marro ele num touco no terreiro
Eu sou terror do sertão.
Pucho logo uma estaca do chiqueiro
Pode vir quem quizer,
Como eu fiz com um cantor Piauiense,
Nunca timi valentão.
Em Vitoria hoje aqui você nem pense
Vai sofrer numa tremenda prisão,
Já mandei preparar um alcapão
Pra prender os cantores malcriados
Dar dez surras depois de algemados
Sair dizendo o Baiano é um leão.

290
F. — Já peguei um cantador na Bahia M. — Estou vendo que tú é valentão
Marrei êle num pé de uricuri Dum Baiano hoje aqui vai apanhar
Todo povo ficaram a surrí Pé e mão com cabeça eu vou marrar
Pois surrei de manhã pra meio dia Mando logo amarrar em um mourão
O lugar que eu já vi mais covardia Dou uma surra de urtiga e cansanção
Que ali ninguem veio me reclamar Fica o povo dali horrorisado
Eu surrei faltou pouco pra matar Quando eu pego um cantor assim malcriado
Nos meus pés me deu bença ajoelhado Fica manço igualmente um cordeiro
Pra deixar de ser bruto e malcriado Apanhando de Junho até Janeiro
E aprender um cearense respeitar. Pra deixar de ser tão disaforado.

M. — Fui um dia no Rio de Janeiro F. — De um tapa que eu der te esbandalho


Fui até lá no Campo Aviação Dou soquêite que os dentes saltam fora
Vinha um YAK lotado de alemão Boto a séla e te rasgo de espora
Pra acabar todo povo Brasileiro De um murro que eu der te escangalho
Dei um pulo com o corpo tão maneiro Seu poéta sigura o velho galho
Dei um murro no monstro tão danado Que no verso da lira eu sou terror
Que caiu com cem leguas esbagaçado Quando eu pego a meu geito um cantador
No momento me fez arrepender Marro êle num pé de gameleiro
Os contrários tirei mandei prender Algemado eu deixo o ano inteiro
Dessa vez ficou tudo encarcerado. Sou igual um leão devorador.

F. — Foi no ano de trinta a trinta e seis M. — Dou-te um bofetão


Que o nosso Brasil ia se acabar No pé do ouvido
Vinha um grande navio pelo mar Sugeito atrivido
Cheio de Russo, Alemão e Japonez Ti boto no chão
Um exercito Suéco e um francez Do teu coração
Vinha cheio de metralha e de canhão Eu ranco um pedaço
Eu depressa fiquei de prontidão Ti faço um bagaço
Revirei o navio no alto mar Ti mato amarélo.
Todos eles ficaram a se afogar O meu martelo
Dessa vez deram carne ao tubarão. É de puro aço.

291
F. — Eu quebro-te um dente M. — Eu pego um cearense
Com uma bofetada Marro num mourão
Aventa amaçada Dou de cinturão
Ti deixo doente Ele se convence
Sou como a serpente Cantor não me vence
Quando chega ira Ainda eu doente
No verso da lira Porque no repente
Eu sou verdadeiro Sou cobra assanhada
Surro um ano inteiro Sou onça enfesada
Um cantor caipira. Sou uma serpente.

M. — Ti amaço o nariz F. — Eu pego um Baiano


Ti arranco o bigode Agarro na guela
Seu cara de bóde Arranco a titela
Sugeito infeliz Jogo no oceano
Má hora que eu quiz Meu genio é tirano
A ti conhecer Quando estou zangado
Mais tú vai saber Cantor malcriado
Quem é um baiano Eu pego um facão
Que luta um ano Ranco o coração
Sem ninguem vencer. E faço um guizado.

F. — Sou féra valente M. — Já peguei um duro


Sou tigre ou leão Era um valentão
Sou como um Dragão Marrei o bichão
Feróz renitente Lá no pé do muro
Sugeito insolente Em noite de escuro
Tiro uma correia Montei nessa hora
Ti ranco uma orelha Rasguei de espora
Deixo amofinado Fiz dele um cavalo
Ficando covardo De tanto esporal-o
Peior que uma ovelha. Morreu sem demora.

292
F. — Tu és caviloso M. — Eu ranco o pescoço
Um sugeito imundo Eu capo, eu acino,
És um vagabundo Cantor Minelvino
Cabra mentiroso É um cabra osso.
Eu fico nervoso Cantor velho e moço
Com tanta parola Poéta afamado
Te quebro a viola Estou acostumado
De um bofetão Dar de cinturão
Vai pra estação Boto na prisão
Pedir tua esmola. Deixo encarcerado.

M. — Te passo a rasteira F. — Sou guerreiro forte


Te boto no chão Sou féra valente
Pucho o cinturão Sou como serpente
Em toda carreira Sou igual a morte
Boto meu cachorro Do sul para o norte
Tu gritando eu morro Você se atreveu
O cão agarrado Porém já morreu
Ti deixo marcado Vai a sepultura
Com a marca do zorro. Nunca tem ventura
Quem canta mais eu.

F. — Sou como Sansão M. — Quem luta comigo


Tenho força por seis Da luto a mulher
Mato deseceis Pois nem Lucifer
De um bofetão Salva do Perigo
Uma ocasião Em verdade, eu digo:
Peguei um cantor Eu pego um leão
Dei surra de horror Dou de bofetão.
Deixei amarrado Veja um cantor
E disse malcriado Todo trovador,
Tu viu meu valor? Me toma benção.

293
F. — Meu amigo Minelvino M. — Muito bem caro Francisco
Eu dou por finda a questão Não quero mais duvidar
Deixemos pra decidir Você é um cantador
Em outra ocasião Que paga a pena cantar
E mesmo já faz trez dias Se aumentasse um pouquinho
Dessa nossa discussão. Eu ia me retirar.

FIM

294
PELEJA DE MINELVINO FRANCISCO SILVA
COM UMA MULHER MISTERIOSA

Não tenho mêdo do bicho Logo assim que fui entrando


Por mais que seja ferino Com minha mala na mão
Não tenho mêdo do homem Ouvi uma voz de mulher
Por mais que sêja assassino Num quarto desta pensão
De quem mais eu tenho mêdo Chamando pelo meu nome
É de mulher e menino Para entrar em discussão

Porque com êsses dois sêres Eu respondi: Dona moça


Homem nenhum tem razão Com quem è que estou falando
Se apanhar è covarde Me diga como é seu nome
Se bater perde a questão Para eu ir me preparando
Não tem jeito para o pobre Se ès casada ou solteira
Não sofrer dessepção Que vem assim me insultando
Pois com lingua de mulher Misteriosa
Nem o diabo se aguenta
Devido eu ter tanto mêdo
Quem sou eu não interessa
Encontrei uma em cinquenta
Não queira se intrometer
Que quase que me tirava
Tambem como é meu nome
Todo cabelo da venta
Não me interessa dizer
Era no ano cinquenta Se não sabe improvisar
Là no Norte da Bahia Trate logo de correr
Chegando eu em Bonfim
Numa certa hospedaria
Sem querer mesmo enfrentei
Uma luta em poesia
295
Minelvino Minelvino

Dona moça no improviso Todo mundo faz chalaça


Pode vir como quizer De vê um corpo despido
Seja moça ou seja velha Duma mulher pela rua
Seja mesmo lucifer Aprocura do marido
Eu nunca corri de home Com mêdo de Minelvino
Pra correr duma mulher? Corre que perde o vestido

Misteriosa Misteriosa

Seu Minelvino Francisco Não tem rôgo nem pedido


Ainda está enganado Aqui hoje a coisa è feia
Se não tem mêdo de homem Em suas costas direto
Aqui será humilhado Minha chibata vadeia
Porque de uma mulher E depois de tudo isto
Daqui só sai apanhado Mando meter na cadeia

Minelvino Minelvino

Se eu vivesse embriagado A senhora cai na peia


Caido lá pelo chão Comigo se atrapalha
Inda não acreditava Improvise e metrifique
Quanto mais que vivo são Olhe, não dê uma falha
Vou tirar sua coceira Porque se errar o verso
Na ponta do cinturão A minha peia trabalha

Misteriosa Misteriosa

Vai sair só de calção Eu nunca dou uma falha


Que todo mundo acha graça Porque tenho inspiração
Pois quando vê o perigo Já estou acostumada
Pra não subir na fumaça Com a viola na mão
Corre tanto que por fim Açoitar cantador forte
Acaba perdendo a calça Que se diz de profissão
296
Minelvino Minelvino

Pode Joana ou João Mas eu não sou fanfarrão


Homem, mulher ou menino Eu luto de frente a frente
Que vier cantar comigo Sendo homem eu corto a lingua
Vai sair em desatino Sendo mulher imprudente
Pra respeitar o cartaz Eu dou um sôco na bôca
Do trovador Minelvino Que quebro dente por dente

Misteriosa Misteriosa

Se for grosso fica fino Mas comigo é diferente


Se for fino vai morrer Eu te agarro na béca
Quem eu pego está pegado Com um cacête na mão
Não tem pra onde correr E grito: lá vai sapéca
Eu pegando està seguro Se acaso escapolir
Tem que desaparicer Corre que perde a cuéca

Minelvino Minelvino

A senhora pode crer Por João, Antonio e Manéca


Que está muito enganada A senhora toma váia
Comigo a pamonha é grossa O seu barco contra amim
E a parada é pesada No pôrto logo se encàia
Mulher comigo, ou apanha A senhora corre tanto
Ou corre ou fica enrascada Que quebra o cordão da sáia

Misteriosa Misteriosa

Eu estou acostumada Ou no sertão ou na práia


Pegar homem valentão O senhor topa mulher
Tirar a camisa dele Que lhe pega na orelha
E puxar-lhe o cinturão E leva pra onde quer
Da surra de tirar sangue Pra não zombar mais de mim
Depois meter na prisão E nem de outra qualquer
297
Minelvino Minelvino

Se caso for lucifer O homem é rei sobre a terra


Eu tenho forte oração Que Deus deu a permissão
Somente com três palavras Assim que fez o primeiro
Você perde a questão E deu o nome de Adão
E se não for morrerà Pra governar todas as feras
Na ponta do cinturão Desde o cordeiro ao leão

Misteriosa Misteriosa

Não temo sua oração Se o homem è rei das feras


Porque não sou satanás A mulher é a rainha
Mas quando canto repente Deus fez a perfeitamente
Me chega fúria vorás Da forma que lhe convinha
E hoje a seu Minelvino
Tão cherosa e tão dengosa
Vou mostrar como se faz
Tão gentil e bonitinha
Minelvino
Minelvino
Vou acabar seu cartaz
Hoje aqui nesta pensão Sendo assim és toda minha
Dum tombo derrubo a porta Não quero mais pelejar
Te arrasto pro salão Me considero vencido
Pra respeitar Minelvino Não quero mais protestar
Em toda repartição Quem não gosta de mulher
O satanás vai levar
Misteriosa
E assim com este verso
Seu Minelvino Francisco A discussão terminei
Topo o que dér e vier Uns dizem que tomei taca
Mas mudamos de assunto Outros dizem que empatei
Pra outro assunto qualquer Viajei no outro dia
O senhor defende o homem Sem saber com quem cantei
E eu defendo a mulher
298
Eu aviso aos meus colegas Eu não gosto de mulher
Que não queiram discussão Porque mulher me atrasa
Com a classe feminina Juntem todas as mulheres
Que da atrapalhação Pretas, brancas cor de braza
Porque de qualquer maneira Joguem todas as profundas
O homem não tem rasão Quer-dizer: de minha casa

FIM

299
PELEJA DE PEDRO GOIABEIRA
COM MARTIM REDIMUNHO

Senhores quem é poeta Pedro Mota Goiabeira


Só um defeito contem Viajando pra o sertão
Tem horas que fala tanto Do estado da Paraíba
Que abusa até alguem Uma certa ocasião
Outras horas fica mudo Encontrou com Redimunho
Que não fala com ninguem. Numa noite de São João.

Eu agora estou disposto G — Bôa noite Redimunho


Com vontade de falar Eu sempre ouço falar
Minha lingua está coçando Que nunca perdeu em rima
Pedindo para eu contar E sabe metrificar
Uma peleja fantástica Nem tambem nunca apanhou
Para quem apreciar. No galope a beira mar

Pedro Mota Goiabeira R — A trinta anos que canto


Era um cantor afamado Nunca temir cantador
No estado da Paraíba No galope a beira à mar
Foi êle o mais respeitado Não temo superior
No galope á beira mar No som de minha viola
Foi o maior do estado. Sempre mostro meu valor.

Martim da Cruz Redimunho G — Eu também sou cantador


Era um cantor de verdade Tambem sei improvisar
Residia no Piauí Vamos cantar um galope
Naquela localidade Vamos ver quem vai cansar
O cantor que fosse a êle Você vai seguir por dentro
Fazia até piedade. E eu por fora do mar.

300
R — Eu canto em qualquer lugar G — Certa ocasião dormir no relento
Brincando com a poesia Me escanhei no vento e voei para o céu
Pode vir de todo jeito Bem embarbelado estava meu chapéu
Em forma de cantoria Na porta do céu batí com talento
Eu cantando o beira mar São Pedro saiu naquele momento
Vou até o romper do dia. Foi abrindo a porta e mandou eu entrar
Puxou uma cadeira e mandou me sentar
G — Já me ví zangado peguei um tufão Chamou São Francisco e São Sebastião
Montei no malvado e para o Céu voei São Lucas; São Jorge e São Damião
Segurei na bride quando esporei Pra ouvir meu galope por fora do mar.
Veloz como bala voei na amplidão
Cheguei lá em cima peguei um trovão R — No dia que estou um pouco aperriado
Montei novamente e tornei a voar Toda embarcação no mar não navega
Chegando na lua fiz ele parar O mar fica bravo a onda carrega
Falei com São Jorge naquele momento Se afunda o barco que foi rebelado
E disse pra ele: desça do jumento O vento assoprando todo malcriado
Pra ouvir meu galope por fora do mar. As nuvens se abaixam e começam a pingar
O trovão ribumba se ver faiscar,
R — De um só mergulho vencí uma guerra O mundo escurece não fica um clarão
Lá no alto mar eu fui mergulhei Ninguem pode olhar para amplidão
Um submarino eu desmantelei Faço tudo isto lá dentro do mar
Que vinha acabar com tôda minha terra
Um monstro aparelho que só uma serra G — Um dia eu estava um pouco aperriado
Desparafusei para agua entrar Peguei um transporte e fui ao inferno
Todos tripulantes fiz se afogar Dei sôco nos cães de velho a moderno
A guerra acabou-se ninguem brigou mais Deixei o inferno todo esbagaçado
Botei os contrarios todos para traz O rei do inferno deixei rebentado
São coisas que faço lá dentro do mar. Pedindo a mim pra não lhe matar
O bicho chorava e se pôz a gritar
Eu disse pra ele: aguenta o rojão
Vou lhe enserrar num grande alcapão
Nos dez o galope por fora do mar.

301
R — Eu dando um mergulho lá no oceano G — Um dia as seis horas lá em Juazeiro
Eu pego torpedo e faço em pedaço Com um namorado na beira do rio
Rebento com tudo meu pulso é de aço Tinha u’a mocinha que estava com frio
E mostro ao povo como sou tirano Os dois se abraçando em um disespeiro
Industria contraria que fazem num ano Eu só estava vendo era cheiro e mais cheiro
Só gasto um segundo para rebentar Na bôca um do outro chegavam agarrar
Pregando com a mão faço esbagaçar Ali só se ouvia era beijo estalar
Na força não temo o proprio Sansão Entre um e outro não passava cisco
Rebento navio rebento canhão Findaram casando no rio São Francisco
Rebento com tudo lá dentro do mar. Na areia macia bem longe do mar.

G — Já ví u’a mocinha com um namorado R — Já ví uma velha toda sacudida


Os dois palestrando seguiram pra o banho Banhando na praia de lá de Itaípe
Eu que não gostei achei aquilo extranho Falando fanhosa que estava com gripe
Peguei uma chibata e segui de malvado Com um velho de um lado bem intrometida
Dei logo uma surra no cabra safado A velhinha estava até resolvida
O cabra era mole saiu a chorar Chamando o velhinho para namorar
Peguei a mocinha e fui exemplar Saíram eles dois foram palestrar
Dei logo uma surra naquele momento O velho e a velha de lá palestrando
E disse pra ela: eis o casamento Gostaram da prosa e foram casando
Que faço a malandro por fora do mar. Na areia da praia da beira do mar.

R — Já ví um vigario em Copa-Cabana G — No dia que o povo quer me aborrecer


Com uma garota e todo sacudido Eu faço virar toda embarcação
Brincando com ela todo intrometido Rebento automovel trem e caminhão
De fato a garôta era muito bacana Até bicicleta eu faço abater
Simpática e tão bela a linda praiana Motores e ônibus para todos ver
Falei com o padre pra se retirar Até avião não deixo vôar
Fiz uma carranca fingindo brigar Voando escondido eu vou derrubar
Ele foi embora deixando a donzela Eu dou dia Santo e fecho a cidade
Brincando na areia eu fiquei com ela Isto para mim não é novidade
Na praia bacana da beira do mar. Nos dez a galope por fora do mar.

302
R — Tem dia e momento que estou zangado G — Os nomes das feras pretendo dizer
Dou logo um mergulho lá no oceano As feras terrestres de lá da montanha
Pego uma baleia porque sou tirano A onça pintada é uma fera tamanha
E saio para fora com ela agarrado Que só com estouro faz negro correr
Eu mato a malvada e depois com cuidado Mas o rei leão faz ela temer
Boto muita gente para retalhar Que urra nas selvas faz tudo assombrar
Dou carne ao povo até se fartar Tem o javalí iena e jaguar
O povo conhece que sou ferino Tem o crocodilo tem o elefante
Prendo valentão amarro assassino Que em sua tromba ninguem vai avante
Quando vou a praia da beira do mar. São feras valentes de fora do mar.

G — Uma ocasião vi um sergipano R — De peixe maior que tem no oceano


Um pouco zangado bem aborrecido Temos a baleia e tambem o cação
Dizendo que viu um cabra atrevido Contando a sardinha até tubarão
Que estava abraçando a filha de um baiano Ninguem neste mundo contará num ano
U’a moça segura na mão de um praiano Tem um peixe grande que chama caiano
Chamando pra areia pra ir palestrar Tem o tal bom-nome vermelho e tauar
Peguei um cacête fiz eles chotar Tem o peixe boto de admirar
Corrir com os manatas e fiquei com elas Que este acompanha a embarcação
Dei um passo a frente e peguei nas mãos delas Defende o navio com a tripulação
E ficamos brincando por fora do mar. É um grande amigo lá dentro do mar.

R — Ví u’a mocinha lá em Salvador G — Conheço a piaba e conheço a piranha


Um dia a tardinha segui para o banho Conheço a traíra iúiù e acarí
Ela dava carreira de todo tamanho Conheço o piau e tambem lambarí
Brincando na areia com um condutor Tem o surubim que não se acanha
Eu estava espiando por ser trovador Os peixes miudos êle abocanha
Aquela mocinha alí se banhar Seja pocomom ou então cambotar
Banharam a vontade até se cansar Seja sarapó ou seja jundiar
Sairam pra areia os dois se sentaram Vai ele engulindo de um só vez
Uma grande amizade alí controlaram Dez, doze, até quinze e até dizesseis
E casaram na praia da beira do mar. O galope só presta é por fora do mar.

303
R — É tanta beleza que tem no oceano G — Os pássaros do mato de pena que vôa
Chegando no cais qualquer uma pessôa Tem o zabelê iambú e perdiz
Avista navio avista canôa Tem a saracura e tem a cordiniz
Avista saveiro com um mastro bacano Tem tantos dos pássaros que vive é atôa
Por força divina do Pai Soberano Marreca e carão que é da lagôa
O vento começa a embalançar Cancão e juriti eu não deixo ficar
Carregando a onda pra areia beijar Jacú raquã gosto de caçar
Pra lá e pra cá fica embalançando Com minha espingarda que sempre sou
Rapazes e moças todos se banhando Mato papagaio e maracanã
Na areia da praia da beira do mar. O galope só presta é por fora do mar.

G — Bastante admiro a grande beleza R — Goiabeira amigo eu vou lhe dizer


Que tem na floresta ao romper do dia Que neste galope sou bem resolvido
Nos bosques tão verdes só ver-se alegria Mas hoje apanhei estou convencido
Que parece o riso da mãe natureza Emborco a viola para todos ver
Ali nessa hora se acaba a tristeza Nem mais uma estrofe eu posso fazer
Só em ver as aves nas selvas cantar Não tem no oceano mais o que eu falar
Tão lindos gorjeios que faz alegrar Já falei em peixe em muito lugar
Naquela floresta ninguem fica triste Já falei em barco de todo tamanho
Tristeza nenhuma ali não existe Já falei em praia já falei em banho
O galope só presta é por fora do mar. Não canto mais nunca por dentro do mar.

R — No dia que estou um pouco aborrecido G — Amigo e colega você apanhou


Encosto canôa saveiro e navio Mas cantou direito e animou toda gente
Faço cair gelo ninguem aguenta o frio Gostei direitinho de ver teu repente
O mar fica bravo e todo enfurecido Perdeu pois o tema não lhe ajudou
Quem for contra mim o esforço é perdido Presado colega você já cansou
Que até o vento eu faço parar Porisso aconselho que vá descansar
Se acaba afogado quem for navegar Procure uma cama e vá se deitar
Os outros se acabam morre asfixiados Eu que estou forte sigo meu caminho
Para todos outros não ser tão ousados No verso da lira cantando sosinho
Faço tudo isto na beira do mar. No velho galope por fora do mar.

304
G — Eu quero seguir falando em viajem G — Eu gosto também do pau de arara
Desde o automovel até caminhão Quando eu vou pra casa que venho do sertão
De caminhonete até avião Ajeito minhas malas pego um caminhão
De alimôsine por tôda paragem Se acaso só trago coragem e a cara
Viagem de trem é barata a passagem Se o motorista para mim encara
Com pouco dinheiro pode Viajar Dizendo: as passagens aqui vou cobrar
Pra minas, pra Rio, pra qualquer lugar Eu falo pra êle pra me dispensar
Pra o Norte, pra o Sul, até pra São Paulo Ele cala a boca dali vai embora
Viaja à vontade sem sentir abalo Acelera o carro e sai sem demora
Nos dez a galope por fora do mar. Nos dez a galope por fora do mar.

G — Que bela viagem é de avião G — Fui em Alagôas somente pra ver


Por cima das nuvens proximo ao firmamento Os grandes milagres de Nossa Senhora
Se olha pra baixo naquele momento Vi tantos milagres ali toda hora
As vastas florestas se vê o azulão Que só a gente vendo para poder crêr
Ninguem mais divide as matas do chão Vi bem de pertinho já posso dizer:
Pra todos os lados que agente olhar Vi louco sarando e mudo falar
Vê dois firmamentos em baixo e no ar Vi tanto aleijado sosinho caminhar
Agente sentado só observando Por força divina da Mãe Soberana
Por dentro das nuvens vôando vôando Trabalha segunda e toda semana
Vôando por cima por fora do mar. Curando seus filhos por fora do mar.

G — Falando em viagem sigo novamente G — Só com agua benta ela faz sua cara
Dou todo valor a viagem de trem Que molha a cabeça e dar pra beber
A locomotiva nesse vai e vem O pobre cristão sai logo a dizer
Me inspira bastante para meu repente Dou graças a Deus e a Santa Virgem Pura
Olhando as paisagens me sinto contente Estou são peritimo diz a criatura
Os montes e serras eu vejo passar A virgem das Graças eu devo louvar
Os passaros nos campos eu vejo vôar Se ponhe de joelho e começa a rezar
O trem dar um apito bastante saudoso Depois se levanta dali vai se embora
Já perto de casa eu fico animoso Dando muitas graças a Nossa Senhora
Cantando o galope por fora do mar. Em dez a galope por fora do mar.

305
G — Tenho visto louco todo algemado R — Botei a sela no vento
Lá em Alagôas chegar furioso Naquele mesmo momento
Tomar agua benta e dizer animoso Bati nele com talento
Dou graças a Deus que estou curado E voei pra amplidão
Pegar o microfone e dizer animado Peguei o sol com a mão
A Virgem das Graças que veio me curar Para todo mundo ver
Portanto eu devo pra ela rezar Para todos conhecer
E pra seu bento filho de noite e de dia
Meus oito pés a quadrão.
Louvando a Jesús e Virgem Maria
Nos dez a galope por fora do mar.
G — Um cálculo pude fazer
G — Meu colega Redimunho Desejei a conhecer
Apresente um testemunho Conforme via dizer
Tú desencaiba eu acunho Os mistérios da amplidão
Enxada lá no sertão Fui no reino de plutão
E chegada a ocasião Fui na casa de cupido
De nós dois experimentar Onde fui muito aplaudido
Quem é bom para cantar Pra cantar oito a quadrão.
Os oito pés a quadrão.
R — Fui ao reinado de marte
R — Meu amigo Goiabeira Aonde cantei com arte
Do jeito que você queira Foi gente de toda parte
Canto de qualquer maneira Que fêz admiração
Porque tenho inspiração Superlotou o salão
Aqui dentro do salão Dando viva ao meu repente
Para o povo apreciar
Sorria ali toda gente
Só não canto beira mar.
Com o meu oito a quadrão.
Mas canto oito a quadrão.

G — Na arte de improvisar G — Eu não sou inteligente


Improviso sem errar Porém sou experiente
Sem precisar me vexar Sou um cantador decente
Com minha viola na mão Canto em qualquer salão
Sobe lá na amplidão Não sou um tabelião
Meu amigo pensamento Porque nunca tive escola
Vai e volta num momento Porém tenho minha caixola
Pra cantar oito à quadrão. Pra cantar oito a quadrão.
306
R — Eu nem nunca tive escola G — Não nasceu pra dar em mim
Nem tenho bôa caixola Só Deus para dar-me fim
Só tenho minha viola Veja este cabra ruim
É muita pouca inspiração Que não tem compreensão
Mas ronco como um trovão Parece até uma canção
No verso de minha lira Este cara de viúva
Muita gente me admira Obrando no meio da chuva
Rimando oito a quadrão. Nos oito pés a quadrão.

G — Quando eu pego um cantador R — Goiabeira meu amigo


Depressa tiro o calor Tornaste meu inimigo
Dou-lhe surra de horror Eu vou lhe dar um castigo
Somente de cinturão Em outra ocasião
Boto o malvado no chão Já é tarde e com razão
Agarro logo na guela O povo já quer dormir
Rebento tôda custela Portanto finda-se aqui
Nos oito pés a quadrão. Meus oito pés à quadrão.

R — Tú ganhou em beira mar


Agora quer se julgar
Agora quer se mostrar
Perante a população
Mas aqui neste salão
Vou lhe dar uma bôa surra
Todo povo te emburra
Nos oito pés a quadrão.

307
PELEJA DE MANOEL JOSÉ BASÍLIO (PARAIBINHA)
COM MINELVINO F. SILVA

Enquanto o tempo não passa O nosso primeiro encontro


Vou aproveitar meu plano Foi no Núcleo Bandeirante
No meu modo repentista Por caso que êle tinha
De cantor paraibano Ali um alto-falante
Que tive com um bahiano Cantando livros na feira
Eu achei interessante
Sou Manoel José Basilio
Que canto pelo meu tino Cheguei e fiquei de fora
Comecei a ler romance Escutando êle cantar
Desde o tempo de menino Nisto chegou um amigo
Em tôda parte encontrava Comecemos prosear
História de Minelvino No assunto de cantiga
De trovador popular
Quando lia uma história
Achava tão bem rimada Disse assim o meu amigo
A minh’alma de prazer Este rapaz é decente
Ficava superlotada Està sendo meu vizinho
Dizendo: um belo dia Fazem três dias somente
Eu topo este camarada Até falei para êle
Que você canta repente
Mas como tudo no mundo
Tem o seu dia de prova Já que você está aqui
Estava eu em Brasilia Vou apresentar a êle
Que é a capital nova Nisto pegou em meu braço
Quando ali chegou um bahiano Levou-me a presença dêle
Que também gosta de trova Dizendo: olha o cantor
Que sempre lhe falo nele
308
Quando êle me apresentou Ali o dono da casa
E falou quem era eu Pôs na sala uma bandeja
O trovador Minelvino Dizendo: peço ajudar
Alegre me recebeu Esta dupla sertaneja
Me deu ali o seu nome Agora preste atenção
Eu tambèm lhe dei o meu Que vai sair a peleja

Nisto fala o nosso amigo O bahiano que já tinha


Luiz de Gonzaga Lima Custume de cantoria
Disse já vi que vocês Pediu licença a todos
Todos dois conhecem rima Que no salão existia
Vão cantar hoje lá em casa E disse: Paraibinha
Que nòs lá também estima Hoje chegou o teu dia

Nesta hora despedi-me P. Eu também na poesia


Sai direto pra casa Sou um pouco acostumado
Fui buscar minha viola Para cantar, meu colega
Mas sai pisando em braza Precisa tomar cuidado
E meu coração dizendo: O cantor que me enfrenta
Quem tem fé não se atraza Topa serviço pesado

A noite eu segui direto B. Sou Minelvino falado


Quando cheguei no salão Poeta de idèia forte
Lá já tinha muita gente Anzol que não perde a ferra
Para ouvir a discussão Navalha boa de corte
Depois chegou Minelvino No assunto de repente
Com a viola na mão Sou eu o leão do Norte

Houve uma salva de palmas P. Eu gosto que seja forte


Quando Minelvino entrou Para não pedir a rôgo
Disse um viva o bahiano Que eu sou igual a gêlo.
Outro, o bahiano chegou Da àgua que apaga o fogo
Atè a minha viola Hoje encontraste o baralho
Na hora desafinou Que deu certo no teu jogo

309
B. Eu não sou ponto de gôgo P. Minelvino você é
Que qualquer pancada mata Repentista que assunta
Dizem que tua viola O que diz no seu repente
Tem duas cordas de prata E qualquer palavra ajunta
Quebro ela o dono apanha É junta, è mão, è pè è dedo
Conto certo dia e data É dedo, é mão, é pé, é junta

P. Não sou Bentivi da Mata B. Toda palavra se ajunta


Mas faço uma imitação Para fazer o repente
Sou igual a um curisco Agora eu vou mudar
Quando cai de um trovão Que já ti vejo doente
Infeliz do cantador Eu já vi que você hoje
Que cair na minha mão Vai sair de couro quente

B. Você diz que é bonzão P. Na presença desta gente


Então desmanche este enredo Que nos ouve em discussão
Se não fizer com cuidado Vou falar uma verdade
Aviso que apanha cêdo Todos me prestem atenção
É dedo, é mão, é junta, é pé Na Bahia este bahiano
É pé, é junta, é mão, é dedo. Passou muita precisão

P. Colega não tenho medo B. Agora eu tenho razão


De cantar neste salão A verdade eu vou dizer
Vou desmanchar teu enredo Tu deixaste a Paraiba
Porque tenho precaução Pra de fome não morrer
É mão, é pé, é junta, é dedo Pois em tua terra passa
É dedo, é junta, é pè, é mão Quinze anos sem chuver

B. Colega, tu tens razão P. A Bahia é de doer


Eu já vi que você é Isto aí ninguém me engana
Agua que apaga o fogo Lá tem bahiano que passa
O tempero do café Só a custa de banana
É pé, é mão, é junta, é dedo Compra um quilo de farinha
É dedo, é junta, é mão, é pé Pra passar uma semana

310
B. Lá na Bahia tem cana Nessa hora Minelvino
Tem côco, jaca e dendê Disse fazendo um gracejo
Tem banana e melancia Eu canto dentro do mar
Tôda fruta de comer, Para mim isto è um queijo
Ainda tem Minelvino Paraiba canta fora
Pra dar uma surra em você Porque êle è sertanejo

P. Com o V escrevo vitima P. Da maneira que eu vejo


Com o L é legítima Hoje vou até no centro
E com o M marítima Minelvino pode entrar
E com o P é Patrão Sabendo que também entro
Com o N escrevo não Eu canto fora do mar
Com G escrevo Glória E você canta por dentro
Com H escrevo història
Com o Q faço quadrão B. Meu navio viaja com muita atenção
Porque é veleiro e não perde o trilho
Carrega o feijão a batata e o milho
Nessa hora todo povo
Carrega o milho a batata e o feijão
Disse assim: pode parar
Carrega arroz tambèm macarrão
Porque vocês no quadrão
Pra quem não conhece é de admirar
Todos dois é de amargar
Chegando no porto vai descarregar
Vamos ver quem é que vence
Esta grande carga de mercadoria
No galope a beira-mar Voltando o navio nesse mesmo dia
Galope só presta por dentro do mar
Mas houve combinação
Do pessoal nessa hora P. Vou fazer galope do meu improviso
Disseram: os cantadores Do meu improviso vou fazer galope
Podem seguir sem demora No tope, na baixa, na baixa, no tope
Um canta dentro do mar Cantando ligeiro porque é preciso
O outro canta por fora Você Minelvino perde seu juizo
Porque no galope eu sou de amargar
Você não conhece, vai se atrapalhar
Porque meu rojão de cantor decente
De banda de quina, de lado de frente
Galope sò presta por fora do mar
311
B. Gosto de viver na beira da práia P. Gosto da viagem de aeroplano
Pescando lagosta, siri, camarão A gente viaja por cima nos ares
Garôpa, abacora e o tubarão Em baixo se avista a terra e os mares
Tuninha, agulha pescada e arraia É bonito, é decente afirma o meu plano
Nas águas bacanas da cor de cambráia Mas sei que faz medo a você bahiano
As ondas forçosas pegam requebrar Pois não tem custume vai se afobar
Seguro meu barco para não virar Eu vou a Belém e vou te levar
Vou continuando minha pescaria Você vai gostar da boa viagem
Só volto pra casa no amanhecer do dia No fim tu me diz na camaradagem:
Galope só presta por dentro do mar Galope sò presta por fora do mar

P. Gosto de viver é no meu sertão B. Agora colega aqui vou mudando


Montado a cavalo e bem animado Vou seguir agora por outra estrada
Correndo nas serras campeando gado Falando em Jesus e na Biblia Sagrada
Quando chega o tempo de apartação Quando neste mundo vevia pregando
Correndo atraz de um barbatão O seu evangelho ao povo ensinando
Pega todo gado se leva a vagar Se alguem quisesse no céu se engressar
Se pega bizerro sò para ferrar Deixasse esta vida de se condenar
Depois de ferrado se solta no mato E muitos que ouvia e acreditava
O bicho ligeiro igualmente a um gato Ao Divino Mestre logo acompanhava
Galope sò presta por fora do mar Pregando evangelho por dentro do mar

B. É porque meu colega nunca viajou P. Seguindo Jesus direto a Judéia


Por dentro das águas do mar tranzatlântico Foi logo encontrando com uns pescadores
Passar o pacífico também o atlântico Pegando peixinhos naqueles setores
Passando nas águas que nunca passou Vendendo depois pela galiléia
Porque em navio nunca se embarcou Jesus disse a êles tôda a sua idèia
Quando eu for a cuba eu vou te levar Agora é homem que vamos pescar
Península e Cabo eu vou te mostrar Deixaram os barcos pra o acompanhar
Você não conhece fica conhecendo Daí endiante seguiram a Jesus
Na àgua marinha o navio correndo Pois acreditaram que êle era a luz
Galope sò presta por dentro do mar Pregando evangelho por dentro do mar

312
B. Cumprindo Jesus a sua missão P. São Pedro, S. Judas, Tiago, S. João
Pelo oceano para uma cidade Assim que avistaram Jesus caminhando
Mais tarde soprava forte tempestade Por cima das águas, já iam gritando
Pra todos discipulos foi grande aflição Pensando que era uma assombração
São Pedro, São Judas, Mateus, São João Sou eu, disse o Mestre, Pedro disse: então
Foram ligeirinho o mestre acordar Conseda Senhor que eu vá te encontrar
Ele se acordou e mandou parar Jesus ordenou, Pedro foi andar
Tôda ventania logo ali parou Por cima das águas, foi logo afundando
Com os seus discipulos Jesus viajou Jesus tirou êle e sairam andando
Pregando evangelho por dentro do mar Pregando evangelho por dentro do mar

P. Uma certa vez là em Nazaré B. Depois que Jesus na cruz padeceu


Numa sinagoga chegava Jesus E o Pai Eterno o ressucitou
Embora que êle do mundo era a luz Aos onze discipulos se apresentou
Mas daquele povo ninguém tinha fé Pedro viu de longe logo conheceu
Deram a Biblia a êle para ler de pé Vestiu logo a roupa porque se temeu
Pra todos ouvir e apreciar Que estava nu no barco a pescar
Sôbre êle mesmo começou a falar O Mestre com êle começou a falar
Aquela assistência disso não gostou Na vista de todos dizendo assim:
Quizeram o matar Jesus viajou Tú és o Pastor pra século sem fim
Pregando evangelho por dentro do mar De minhas ovelhas, na beira do mar

B. Depois dum milagre que fez o Senhor Todo povo bateu palmas
Foi orar sosinho no cimo dum monte Disse um rapaz educado:
Disse aos seus discìpulos: cada se apronte Minelvino canta bem
E sigam no barco pra outro setor Paraíba è afamado
Atendendo a ordem do seu Diretor Quero agora um desafio
Entraram no barco e sairam a remar Em martelo agalopado
Mais tarde Jesus pra os acompanhar
Seguia nas águas na força do vento
Sem se afundar naquele momento
Pregando evangelho por dentro do mar

313
P. Meu colega me preste atenção B. Este cabra chegou em Jacobina
Que agora o assunto já mudou E falou que era duro em cantoria
Tu vais ver no martelo quem eu sou Foi cantar na casa de Zé Maria
Sei que tu não aguenta meu rojão Nesse dia apanhou de uma menina
Porque hoje eu te dou de bofetão E saiu lastimando sua sina
Que o povo lamenta teu estado Foi cantar com um bahiano preparado
Porque deixo o teu corpo retalhado Nesse dia o seu couro foi tirado
E o sangue correndo sem parar O coitado sofreu que sò cavalo
Se acaso um dia tu sarar Atè eu já cansei de açoitá-lo
Não quero mais um martelo agalopado Na matéria de dez agalopado

B. Eu pegando a meu jeito um cantador P. Este cabra chegou em João Pessoa


Dou-lhe surra que êle desconfia E falando que era repentista
Nunca mais quer saber de cantoria Foi cantar com Otacilio Batista
Sai dizendo: perdi o meu valor Começou a soltar palavra atoa
Nunca mais vou zombar de trovador Nesse dia a surra foi tão boa
Que na sala deixou-me envergonhado Que o pobre ficou envergonhado
Quando um dia lembrar-se do passado Nunca mais foi cantar em meu Estado
Sai dizendo assim a todo mundo E dizendo assim a todo mundo
Minelvino è um cantador profundo Na Paraiba tem cantador profundo
Na matéria de dez agalopado Na matéria de dez agalopado

P. Já peguei um poeta da Bahia B. Este homem inventa de cantar


Dei-lhe tanto que êle esmoreceu Mas não sabe o que é geografia
Depois disso a viola êle vendeu Perguntaram se êle conhecia
Nunca mais quiz saber de cantoria Ele ai começou a gaguejar
Encontrei-me com êle outro dia Nessa hora pediu para mudar
Êle ainda falou-me no passado Já dizendo que estava encomodado
Me contando que tinha abandonado Foi cantar um mourão desafiado
A profissão de cantar de uma vez Começou mas não soube cantar nada
E com este bahiano interou três Inda vem me dizendo que é parada
Que açoito em martelo agalopado Na matéria de dez agalopado

314
P. Tenho dó deste pobre trovador P. Dou por finda a nossa cantoria
Que só vem da Bahia levar couro Pois è tarde, é hora de parar
Vem afoito no fim termina em chôro Outra vez que nòs dois nos encontrar
Jà porque nunca foi bom cantador Vamos ter discussão em geografia
Ele està precisando de um professor Para quem conhecer a poesia
Que na rima está muito atrasado Deve está satisfeito e obrigado
Quando êle aprender mais um bocado Nessa hora eu peguei o apurado
Pode ser que possa cantar comigo Logo aí eu chamei meu companheiro
Já porque Paraiba é um perigo Entreguei-lhe a metade do dinheiro
Na matéria de dez agalopado Terminou-se o martelo agalopado

B. Paraiba tù ès um cantador FIM


Que o povo admira o teu rojão
No momento aqui neste salão
Brasilia, DF, 25 de janeiro de 1961
É preciso mostrar o seu valor
Neste tema que dou para o senhor
Fazer versos com prática e teoria
Pois aqui no salão tudo aprecia
Tuas rimas, teus versos, teu repente
O soldado, o sargento e o presidente
Todos eles são fãs da poesia

315
PELEJA DE ZÉ ANDORINHA COM JOÃO CABELUDO

Em São Luiz existiu José da Silva Andorinha


Um cantador afamado Morava no Pernambuco,
Por nome João Cabeludo Quem fosse cantar com ele
Que era muito falado Saia quase maluco,
O cantor que fosse a ele Ele tirava o miolo
Saiu doido e assombrado. Deixava só o combuco.

Cantador de todo canto José da Silva Andorinha


Sempre a noticia sabia Um dia de segunda-feira
Que o tal João Cabeludo Soube a notícia de um homem
Era mestre em cantoria Um cantador de primeira
E quem cantasse com ele Que pra martelo e repente
Ganhava grande anarquia. Estava de orelha inteira.

Foi espalhando a noticia Esse cantor residia


Começou gente a chegar Na capital São Luiz
Com bôa viola no peito Toda questão que entrava
Para com ele cantar, Saia sempre feliz,
Depois saia na carreira Já era considerado
Querendo até se enforcar. Pelo maior do Paiz.

Foi se espalhando a noticia Zé Andorinha sabendo


Deste grande cantador A fama desse durão
Na cidade de São Luiz Que morava em São Luiz
Terra de todo cantor Estado do Maranhão
Que no repente e martelo Disse ele: eu vou pegar
Nunca achou superior Esse malvado de mão.

316
Vou dar-lhe uma bôa surra Quando ele disse assim
Para esfriar seu calor Levantou-se o Campeão
Rebento a viola dele Sou eu aqui o bomzinho
Para acabar seu furor Que enfrento qualquer questão
Ele tem que conhecer Se veio disposto pra luta
Eu como superior. Segura as armas na mão.

José da Silva Andorinha A. — Eu sou José Andorinha


Pegou logo um avião Que venho lá do sertão
Direto pra São Luiz Já venho bem prevenido
Estado do Maranhão Para enfrentar a questão
Atraz de João Cabeludo Pra pegar um cabeludo
Para propor discussão E cortar o cabelo a facão.

No mesmo dia foi chegado C. — Cantador velho afamado


Na capital São Luiz Faço correr pra cozinha
Com sua viola enfeitada Sem acertar com a porta
Porque o destino assim quiz Emboca na camarinha
Atraz de João Cabeludo Eu pego e açoito três dias
O campeão do país. Quanto mais uma andorinha.

Foi se encontrando com ele A. — Eu sou uma andorinha


Em uma festa cantando Porem tenho disposição
Tomando muita cerveja, Eu estou acostumado
Todo povo apreciando, A dar surra em gavião
Quando José Andorinha Mato de bico, serpente
Tambem ali foi chegando. Mato de soco um leão.

Bôa noite minha gente C. — Eu pegando uma andorinha


Foi dizendo o cantador, Não dá nem para gostar
Quem é João Cabeludo? Porque aperto na mão
Que vim tirar-lhe o calor, Faço ela esbagaçar
Para ele conhecer Até as pennas se acaba
Que tambem sou trovador. Assim que eu apertar.

317
A. — Vamos mudar de assunto C. — Agora seu Andorinha
Para um assunto gentil Responda que quero ver
Responda com rapidez Qual foi o fruto do Eden
Como um forte varonil Que fez Adão padecer?
Quantos governos já teve Se não disser dereitinho
O nosso caro Brasil. Com esta há de perder.

C. — São 16 Presidentes A. — Este fruto não existe


E tudo muito muito capaz, Isto aí está provado,
Deodoro da Fonsêca Foi o vicio da materia
O Dr. Venceslau Braz Que fez o grande pecado
Epitacio, Afonso e Washington De Deus o consentimento
E Prudente de Morais. Já vinha antes traçado.

C. — Artur da Silva Bernardes Deus queria que a geração


Sr. Eurico Gaspar Crescesse e multiplicasse,
Que tirou seus 4 anos Não podia multiplicar
No Catete a governar Se a serpente não tentasse,
José Linhares e Hermes Pois esse foi o motivo
Outro governo exemplar. Do mesmo Deus concordasse.

C. — O Dr. Nilo Peçanha C. — Muito bem, gostei de ver


Francisco e Manoel Ferraz Disse tudo que sabia
Peixoto e Getulio Vargas Faça-me outra pergunta
Nosso governo da paz Em termo de cantoria;
Agora João Cafe Filho Que vou ver se lhe respondo
Tambem bastante capaz. No verso da poesia.

A. — Muito bem seu Cabeludo A. — Seguindo o assunto da biblia


Gostei de ver seu cantar Que você me perguntou,
A historia do Brasil Vou fazer uma pergunta
Você soube decorar Se este livro estudou,
Faça me uma pergunta, Me diga qual foi a jovem
Pra ver se sei explicar. Com quem Caim se casou?

318
C. — Esta ai está dificil A. — Eu pego um Cabeludo
Para eu lhe explicar Faço um desmantelo
Pois na biblia não explica Arranco o cabelo
Para a gente decorar Acabo com tudo
Porem vou fazer um calculo Deixo cego e mudo
Não sei se vai lhe agradar. Se põe a chorar
Para eu não matar
C. — Eu suponho que nesse seculo Vira uma galinha
Que o mundo foi formado Pedindo: Andorinha
Irmão casar com irmã Deixe eu escapar.
Isto não era pecado,
Suponho que foi com a irmã C. — Eu pego uma andorinha
Que Caim foi espôsado. Agarro na guela
Arranco a moela
A. — Está muito direitinho Deixo miudinha
A tua imaginação, Toda salgadinha
Achei muito de acordo Corto bem miudo
Esta tua explicação, Com pena com tudo
Eu quero ver no martelo Tem que se acabar
Se tú aguenta rojão.
Pra não insultar
Mais um Cabeludo
C. — E no martelo é que quero
Agora te experimentar
A. — Quando estou zangado
Bater na safra três dias
Pego um cantador
Para ver fogo voar
Pode puxar o que quizer Tiro-lhe o calor
Que garanto acompanhar. Deixo amarrado
Todo algemado
Boto na cadeia
Meto-lhe a peia
Fica a soluçar
Para respeitar
Toda coisa alheia

319
C. — Já me vi zangado A. — Peguei um poeta
Peguei um trovão Noite de lua
Levei ao mourão Deixeio o na rua
Deixei amarrado Feito um pateta
Surrei o malvado Peguei a reta
Que a terra tremeu Deixei o malvado
O vento gemeu Mandei um soldado
Veio a nuvem escura Meter na prisão
Quando dei soltura Meter o facão
Desapareceu. Deixar encarcerado.

A. — Numa Sesta-Feira C. — Já peguei um duro


Correndo no campo Era um valentão
Peguei um relampago Levei o bichão
Metir-lhe a madeira La pra o monturo
Que voou poeira Lá no pé do muro
O sol se sumiu Mandei a negrada
A lua pediu Dar de bofetada
Para eu lhe soltar Naquele alvoroço
Fui desamarrar Não ficou nem osso
O vento enguliu. Desse camarada.

C. — Já fiz um horror A. — João Cabeludo


Dormi no relento Vai hoje apanhar
Peguei o pensamento Porque vou pegar
De um cantador Cortar barba e tudo
Com um cavador Cabelo a miudo
Tirei o juizo Eu vou arrancando
Ficou indeciso Quem ver vai alarmando
Deixei o malvado Por onde passar
Todo maxucado Vi João apanhar
Com a cara de riso E sair chorando.

320
C. — Eu pego andorinha A. — Amigo João Cabeludo
Rebento as azas Gostei de ver seu cantar
E jogo nas brazas Vamos mudar pra cestilho
Apanho a farinha Pra o povo mais se agradar
Dou minha galinha Fazer pergunta um ao outro
Para devorar Pra ver quem sabe explicar.
Com até fartar
Pra todos dizer: Os assistentes acharam
Tú tem que aprender Muito bôa opinião!
A João respeitar. Para cantarem em cestilho
Que agradava a multidão
A. – Este cabeludo Com versos pra dar risadas
Vai ficar pelado O povo desse salão.
Vai bofetiado
Fica pelancudo C. Responda minha pergunta
Cego doido e mudo Quem lhe pergunta sou eu
Eu dei um tiro num Lifo
Diz a seu amigo
E o Lifo não morreu
Que cantei comsigo
Quero que você me diga
Pela tardezinha:
O Lifo, que grito deu?
José Andorinha
Nada fez comigo.
O pessoal deu risadas
De se enrolar pelo chão,
C. — Tú és caviloso Uns diziam: ele responde,
Es um vagabundo Outros diziam que não,
Es sujeito imundo E assim ficou o povo
Cabra mentiroso Em completa confuzão.
Es um curioso
Sem compreenção Mais ou menos 10 minutos
Mêto o cinturão O povo dando risadas
Bato todo dia As moças lá na cosinha
Tiro a ousadia Deram tantas gargalhadas
Só no cansanção. Que os cantores ficaram
Com as violas paradas.

321
Depois os homens pediram A. — Quero que você me diga
Pra aquelas moças parar, No verso da poesia:
Para escutar Andorinha Encontrei o velho Felix
Esta pergunta explicar Com um fole velho outro dia
Daremos outras risadas Tanto fedia o fole velho
Se por acaso ele errar. Como o velho Felix fedia.

Então com este pedido Com este verso a moçada


As moças todas pararam Se enrolou pelo chão
E para ouvir a resposta Risadas e mais risadas
Bem direitinho escutaram No meio daquele salão
No prato dos dois cantores O cantor ficou parado
Muito dinheiro botaram. Com sua viola na mão.

A. — O Lifo quando gritou C. — Danou-se esta pergunta


Porque o tiro doeu Parece uma anarquia
Pois ele é feito de carne Se encontrar com o velho Felix
O tiro lhe ofendeu Com um fole velho meio dia
Foi este o justo motivo Tanto fedia o velho Felix
Do Lifo o grito que deu. E o fole velho fedia.

O povo ai bateu palma A. — Respondeu bem direitinho


E deu aperto de mão A pergunta sem errar
Uns diziam: Andorinha Você canta direitinho
Ele é quem vence a questão, E sabe pronunciar
Outros diziam de lá Faça-me outra pergunta
Quem ganha hoje é João. Pra ver se posso explicar.

C. — Respondeste muito bem C. — Nunca achei um cantador


Direito sem gaguêjar Para isto descifrar:
Pergunte-me uma agora Meu pai tem uma lazarina
Do geito que desejar E quer deslarazinar.
Que vou ver se lhe respondo Um deslarazinador
O que você perguntar. É bem dificil encontrar.

322
A. – Pra dizer esta pergunta C. —Amigo a tua pergunta
Tú nunca achou cantador Foi muito ligeiramente
A Lazarina do velho Sei que canta direitinho
Vai encontrar seu autor, E és muito experiente
Eu vou deslarazinar A pergunta de socó
Sou deslarazinador. Me repita novamente.

C. — Responda outra pergunta A. — Já cantei em Fortaleza


Que eu vou lhe perguntar: João Pessôa e Maceió
Uma arara faladeira Em Recife e Terezina
Ha dias quero comprar Já cantei no Piancó
Agora quero que diga: Pra um socó sosinho coçar
Qual arara falará. Coceira em sete socó.

A. — Resido lá em Recife C. — Vou responder sua pergunta


Já cantei no Ceará Porque sei pronunciar
Já cantei em Mato Grosso Os vocábulos portuguezes
Já cantei em Paraná Todos eu sei explicar
Porem não sei lhe dizer Sete coçó de soqueira
Qual arara falará. Pra um cocó cosinho socar.

C. — Respondeu exatamente O povo se enrolou


Pergunte agora outra a mim Pelo chão naquela hora
Que já cantei na Italia E o João Cabeludo
No Japão e em Berlim Papocou de porta a fora
Esta nossa discussão Quebrou a viola nas pedras
Um dos dois perde por fim. E correu foi se embora.

A. — Escute seu Cabeludo O velho João Cabeludo


O que vou lhe perguntar Não quis mais ser cantador
Preste atenção direitinho Mudou-se logo pra roça
Me responda sem errar, Hoje é agricultor
Sete socó de coceira Pague só 4 cruzeiros
Pra um socó sosinho coçar. A qualquer revendedor.

FIM
323
O ENCONTRO DE ZÈ BERNARDO DA SILVA
COM MINELVINO FRANCISCO

A quatorze de outubro Porèm êle com modestia


De sessenta e oito, então Isto não quiz aceitar
Na casa de Minelvino Dizendo que o poeta
Foi chegando um cidadão Ninguem o pode ensinar
Junto com seu companheiro Seja mau ou seja bom
Que vinham do Juazeiro O poeta vem de dom
Do Padre Cícero Romão Sem ninguém nada explicar

José Bernardo da Silva M. Mas o que eu quero chegar


Foi êste o recem-chegado É relativo ao saber
Que depois de Ataìde De quem nunca teve escola
Foi êle o mais respeitado E sabe ler e escrever
Por suas publicações Deve o que sabe aos senhores
Professor das multidões Nos versos dos trovadores
Do nosso país amado Foi como veio aprender

Depois da apresentação Z. B. Durante a minha infancia


Deste velho trovador Eu fui bastante educado
O campo foi minha escola
Que com 66 anos
O mestre Dr. Machado
Vivendo neste labor
A volta ali era preta
Suas trovas espalhando
Porque a dona caneta
Foi Minelvino o abraçando
Tinha um pêso danado
Chamando de professor
O papel era sem fim
Ambos puxavam por mim
Que eu ficava suado

324
M. Fui educado bastante Z. B. A êles devo o que sei
Na escola do trabalho Os antigos trovadores
Quebrando pedra ou cascalho Os seus versos de valores
A lição dava constante Foi o que eu estudei
Tôda hora e todo ínstante Muitos atè decorei
Para não ser castigado Assim mesmo gaguejando
Tinha bastante cuidado Hoje vivo publicando
Suava por todo canto Alguns versos que escrevi
O meu pai trabalhou tanto Do jeito que aprendi
Que eu já naci cançado A muitos vivo ensinando

Z. B. Assim neste vai e vem M. João Martins e o senhor


Ligeiro me acostumei Leandro Gomes tambèm
Então aquelas lições Zé Camelo e mais alguèm
De perci eu decorei Os chamo de professor
Em tudo me pratiquei E dou bastante valor
Apesar de calejado Aprendi nos livros deles
Com o corpo todo embembado Por isso afirmo que aqueles
Sabe là o que è isso? Que não poderam estudar
Sofri no arduo serviço E sabe o nome assinar
Mas sem gastar me formei O que sabem devem a êles

M. Eu sendo quase um formado Z. B. Seu Minelvino Francisco


Porèm no analfabetismo No Juazeiro do Norte
Vi que isto era um abismo Ouvi falar no seu nome
Deixei garimpo de lado Que era um moço muito forte
E aprendi ler gaguejado No assunto de poesia
Nos versos dos trovadores Pra vim lhe vê na Bahia
Hoje pra todos leitores Peguei direto um transporte
Escrevo verso decente
Tirado de minha mente
Pra meus admiradores

325
M. Eu também tive esta sorte M. Eu tenho propriedade
De encontrar o senhor De fazer admirar
Que sò conhecia o nome Já escrevi tanto livro
Deste homem de valor Que já não sei mais contar
Homem calmo de juizo Escrevo por diversão
Sendo o rei do improvizo Quando vem a inspiração
Na arte de trovador Não è por necessitar

Z. B. Não sou improvisador Z. B. Seu Minelvino Francisco


Apenas faço escrever Eu vim aqui na Bahia
Qualquer assunto em história Para vê sua pessoa
Para todo povo lêr Que de nome conhecia
Não me falta inspiração E estou maravilhado
Quando chega a ocasião De aqui ter lhe encontrado
Faço versos pra valer Mostrando tanta alegria

M. Eu também para escrever M. O senhor vir a Bahia


Atè escrevo um pouquinho Foi pra mim satisfação
A minha humilde caneta O maior prazer foi meu
Rabisca de vagarinho De todo meu coração
Da minha pròpria memória Por vez este cavalheiro
Escrevo livros de história Residente em Juazeiro
Pra o grande o pequenozinho Do Padre Cícero Romão

Z. B. Nunca mais fiz um livrinho Z. B. Padrinho Cícero Romão


Pois não há necessidade Foi quem mandou eu escrever
Porque de João Ataide Os meus livros de histórias
É minha a propriedade E pela praça vender
Nesta jornada comprida O seu conselho tomei
Trabalho o resto da vida Nos versos me dediquei
Inda não faço a metade A fim de me defender

326
M. Conforme ouço dizer M. Nossa Senhora das Dores
Que a cidade de Juazeiro Que dali é Padroeira
Está bem desenvolvida Também é medianeira
Cresce mais do que coqueiro Entre o filho e os pescadores
Botou Crato para traz Portanto damos louvores
Com muitas braças a mais A mãe de todo Cristão
Assim diz todo romeiro Que chamamos com razão
Santa Mãe de Piedade
Z. B. Sim, difato Juazeiro Juazeiro é a cidade
Està um pouco elevado Do Padre Cìcero Romão
Temos estação de ràdio
E banco pra todo lado Z. B. Onde o Beato Lourenço
Na cidade juvenil Ali está sepultado
Temos Banco do Brasil O verdadeiro e aprovado
Com tudo bem equipado De acordo o que eu penso
O romeiro queima incenso
M. Então senhor Zé Bernardo Na cova dêsse cristão
Não chamo pra discussão Pra êle faz oração
Porque muito lhe respeito A Divina Majestade
Tenho bastante atenção Juazeiro é a cidade
Quer um tema de amisade Do Padre Cícero Romão
Juazeiro é a cidade
Do Padre Cícero Romão M. Agora aceite um abraço
Com respeito e com amor
Z. B. O Juazeiro do Norte O senhor é um trovador
Coração do Cearà Que vence de passo a passo
Onde canta o sabià Sua garganta é de aço
E o canário bem forte E de ouro o seu pulmão
Foi a onde eu tive a sorte Tem bastante inspiração
De ter uma proteção Aqui provou de verdade
Do Autor da Criação Juazeiro é a cidade
E fiz o que tinha vontade Do Padre Cícero Romão
Juazeiro è a cidade
Do Padre Cícero Romão FIM

327
DEBATE DE RODOLFO CAVALCANTE
COM MINELVINO FRANCISCO SILVA

Dia 30 de outubro M. Foi Jesus Mestre profundo


De 73 o ano, (1973) Que na terra anunciou
Na casa de Minelvino E São Marcos publicou
Foi chegando um alagoano Os sinais do fim do mundo
Que é Rodolfo Cavalcante Seja rico, pobre ou imundo
Um trovador militante O Bom Jesus vem julgar
Em nosso solo bahiano Vão todos ressuscitar
Para nunca mais morrer
Depois que se abraçaram É a razão de eu dizer:
Começaram a palestrar O MUNDO VAI SE ACABAR
Sobre a vinda dum cometa
Que estava pra chegar R. O Senhor do firmamento
Seguindo um proverbio antigo Com o seu saber profundo
Minelvino disse: amigo Em seis dias fez o mundo
O MUNDO VAI SE ACABAR Pelo verbo e o pensamento
Com todo deslumbramento
O Rodolfo respondeu: Nada ele achou ruim
Isto è tolice pra mim E por este modo assim
Já existe esta conversa Sendo Deus Realidade
Desde o tempo de Caim Se transforma a humanidade
Vai a ultima geração O MUNDO NÃO TERÁ FIM
Para minha opinião
O MUNDO NÃO TERÁ FIM

328
M. O sol não dar claridade R. Se Deus mandou acabar
A lua perde o clarão Nada fez com fundamento
As estrelas cairão Desde a terra ao firmamento
O Cristo em sua majestade Deus soube tudo criar,
Aparece em verdade Não posso me conformar
Pra vivo e mortos julgar Quem pensa de Deus assim,
Todos vão se apresentar Mesmo o homem mais ruim
Ao Cristo filho de Deus É de Deus a semelhança
Afirma até São Mateus: Devido a nova aliança
O MUNDO VAI SE ACABAR O MUNDO NÃO TERÁ FIM

R. A má interpretação M. A todos os fariseus


Que o mundo vai se acabar Jesus na terra falou:
Faz muita gente negar Pratiquem o que Deus mandou
O Autor da Criação Para ser filhos de Deus
Tudo marcha em evolução Mas com os malfeitos seus
Desde Adão, Eva e Caim Não podem se afiliar
Quem ao contràrio pensa assim Continuando a pecar
Faz de Deus ser imperfeito Terão uma triste sorte
Quem sò faz tudo perfeito Que o pecado gera morte
O MUNDO NÃO TERÁ FIM O MUNDO VAI SE ACABAR

M. Desde o tempo de Noè R. Todo e qualquer cataclismo


Que aquela multidão Que se passa em toda terra
Abraçava a corrução Mesmo fome, peste e guerra
Em Deus ninguém tinha fé Tem seu fundamentalismo
Fazia anarquia atè Somente quem ao pessimismo
Deus pensou de castigar Acha que tudo é ruim,
Mandou Noè fabricar Coitado, quem pensa assim!
A a arca que salvaria Morre primeiro a semente
E assim Noè dizia: Pra nascer fruto excelente...
O MUNDO VAI SE ACABAR O MUNDO NÃO TERÁ FIM

329
M. Quando visse em toda terra R. Se houver fogo em Sodoma
Assim disse o Mestre amado Desde a cidade a masmorra
Terremoto em todo Estado Da mesma forma em Gomorra
guerra e rumores de guerra Quase destruiu-se Roma,
Destruir vales e serra Entretanto o povo toma
Podia nos preparar Tudo tim-tim por tim-tim
Que estava pra chegar Vai interpretando enfim
O dia de ver o fim Ao pé da letra sem par
E por isso eu digo assim: Que o mundo vai se acabar
O MUNDO VAI SE ACABAR O MUNDO NÃO TERÁ FIM

R. Diz a Escritura Sagrada M. Sodoma foi destruída


Que a grande consumação Devido a devassidão
Será a continuação Veio sua destruição
De uma terra renovada, O povo perdeu a vida
Por certo a Mansão Sagrada Por muitos hoje é esquecida
Desce com Jesus por fim E continuam a pecar
Se a terra vai ser jardim Bater, matar, desonrar
Como eu posso acreditar É somente o que se ver,
Que o mundo vai se acabar? Por isso torno a dizer:
O MUNDO NÃO TERÁ FIM O MUNDO VAI SE ACABAR

M. Se desce o fogo Celeste R. Disse o proprio Jeová


Pra queimar toda impureza No mais sublimado tom:
Que a terra tem com certeza “Tudo que fiz está bom
De Leste Sul e Oeste Assim quero como está”
Desde o Sertão ao agreste Um dia o Filho virà
Tem que se purificar Com Arcanjo querubim
Pra Jesus poder pisar Pelo toque de clarim
E conosco residir Veremos sua Majestade
Por isso que digo aqui Porém na realidade
O MUNDO VAI SE ACABAR O MUNDO NÃO TERÁ FIM

330
M. Depois de Exterminada R. Por certo as calamidades
Toda impureza que tem Haverão, isto acredito,
De Nova Jeruzalém Pois na Bíblia está escrito
A terra è denominada É a Verdade das verdades,
Será de Deus a morada, Diversas humanidades
Mas antes disto chegar Filhas do Pai Eloim
Pra o fogo purificar Voltarão ao seu jardim
Todos terão que sofrer Iguais ao homem primeiro
Não deixarei de dizer: Sendo Deus Pai Verdadeiro
O MUNDO VAI SE ACABAR O MUNDO NÃO TERÁ FIM

R. A Divina Providência M. Vamos fazer caridade,


Na sua sabedoria Perdoar o nosso irmão,
Fez tudo com armonia Vamos fazer oração,
Dentro da maior ciência Vamos deixar a maldade,
Sò um ser sem consciência Vamos seguir com a verdade,
Pensa que Deus é ruim, Vamos pedir e rogar
Eu não posso crer assim, A Deus pra nos perdoar,
A terra por sua vez Vamos deixar o pecado
Há de ter outro jaez... Por que o tempo é chegado
O MUNDO NÃO TERÁ FIM O MUNDO VAI SE ACABAR

M. O homem foi feito um santo R. Creio num Deus de bondade,


Para alegria de Deus Creio no Autor dos autores,
Com todos os anjos seus Creio em Deus pelos fulgores
E abençoou com seu manto, De toda sua Eternidade!
Mas o homem pecou tanto Creio em Deus que é a Verdade
Que Deus não quiz tolerar E está dentro de mim!
Resolveu a exterminar Por isso termino assim:
Porém salvando Noé Sendo Deus toda concordia
Disse Jesus e eu dou fé: Creio na misericordia
O MUNDO VAI SE ACABAR O MUNDO NÃO TERÁ FIM

331
M. Peço a Deus Pai, a Deus Filho
E ao Deus Espirito Santo
Cobre-me com o vosso manto
Que eu tenha bastante brilho
Não sair fora do trilho
Para a vida de pecar
E quando Jesus voltar
Me leve no meio dos seus,
Termino os versinhos meus:
O MUNDO VAI SE ACABAR

FIM

332
FOLHETOS DE PROVEITO E EXEMPLO,
EXTRAÇÃO MORAL E EXORTAÇÃO

333
O DIREITO DA MULHER

Já peguei na minha pena Mas a mulher resolveu


Para o que der e vier Passar o homem para traz,
Com a permissão de Deus O homem para a mulher
Farei tudo que eu quizer Virou uma fera voraz
Conforme meu pensamento Nem um nem outro se dobra
Vou escrever no momento É cobra engulindo cobra
O direito da mulher. Que parece uns animais

A mulher é uma rosa Diz a mulher: não aceito


No jardim da Natureza Viver na escravidão,
Feita pela mão Divina Dominada por você
Com tanta delicadeza Sujeita a seu cinturão
Revestida de amor Preciso a vida gosar
Por ordem do Criador Ir pra onde eu desejar
E a maior gentileza. Sem a sua permissão.

E deu ela para o homem Se voce beber cachaça


Para ambos se amar, Eu tambèm quero beber,
A carne da mesma carne Se voce for namorar
Para não se separar, Não tenho tempo a perder,
Os ossos dos mesmos ossos Tanto aqui e como além
Sendo os dela igual os nossos Eu vou namorar tambèm
Para ser feliz um lar. Para todo mundo ver.

335
Se voce for para o jogo Se voce fizer se trouxa
Eu tambèm quero jogar, E cortar uma volta e meia,
Se voce for para a dança Pra não me dá a mesada
Eu também quero dançar, A coisa aí vai ser feia,
Se voce quizer intriga Será um homem infeliz
E arranjar uma rapariga Porque eu vou ao juiz
Tambèm vou raparigar. E lhe meto na cadeia

Se voce me abandonar E assim muitas mulheres


Vai perder longe a porfia Tem esta concepsão,
Porque a lei do civil De agir desta maneira
Me dar toda garantia Achando està com razão,
Voce vai me dá a mesada Mas assim não é aceito
Calado sem dizer nada Porque em vés do direito
Sou eu quem marco a quantia É uma esculhambação.

Eu tendo a mesada certa O direito da mulher


Para que mais trabalhar? È a mulher educada,
Eu vou andar cime-nua Que se esforçou nos estudos
Pra os homens se apaixonar Para ser uma formada,
É você là se esforçando Que nunca se escandaliza
E eu por cà namorando Tornando se uma juiza
Você tem que se lascar. Ou mesmo uma advogada.

Vou usar aquela moda Jà temos mulher Prefeita


Que tem na televisão E mulher vereadora,
Da nossa novela Brega Já temos mulher ministra
Com a música peladão, Sem falar em professora
E nu com as mãos nos bolsos Em nossa terra adorada
De homens velhos e moços Temos mulher Deputada
Vou chamar tudo atenção. E mulher aviadora.

336
Temos mulher Delegada A mulher està superando
Pra fazer qualquer prisão, O homem de mais a mais,
Temos mulher motorista Na prudência, ou no emprego
Agindo na direção, A mulher tem mais cartaz
Mostrando sua coragem Pode dà por onde der
Seguindo pela rodagem O certo é que a mulher
Dirigindo um caminhão. Passou o homem para traz

Temos mulher que dirige O direito da mulher


A toda classe de gente, Cada vez mais redobrou,
Que manda no Delegado, Até a calça do homem
No Sargento e no Tenente Agora a mulher tomou,
Sò falta ter no Brasil Dando no pobre uma váia
Ou militar ou civil Oferece a sua sàia
Uma mulher Presidente. Com o homem anarquisou.

E quando as autoridades Se o homem procura emprego


Fizer convenção bem feita, O empresário não quer
E apresentar uma mulher Dizendo: não tenho emprego
Por todo povo é aceita, Aqui pra homem qualquer,
Para ser a Presidenta Nòs não queremos barbado
Isto já nem se comenta Para ser nosso empregado
Pode chamar já eleita. Nós só queremos mulher.

Se elege um Presidente Atè mesmo na Igreja


De um Estado qualquer, Que Bom Jesus confiou,
Nada faz por nossa terra A direção para o homem
Sò pra ele é de colher A metade abandonou,
Tenha santa pasciência Mas a mulher quando viu
Precisa na presidência A sua vaga assumiu
O governo da mulher. E assim continuou

337
Se agente vai uma missa A mulher está querendo
Sò encontra a Igreja cheia, Ter mais esta garantia,
Mas somente de mulheres Que com 25 anos (de trabalho)
Homem pra missa bambeia, Ter aposentadoria,
Diz o padre junto a cruz: Pra poder se descansar
Valei-me meu Bom Jesus Sua luta amenizar
E a Mãe de Deus das Candeia Atè chegar o seu dia.

Se um homem perde a calma O direito da mulher


E numa mulher bater, Cada vez mais se apraz,
A policia num momento Faz o maior movimento
Vai este pobre prender, Crescendo de mais a mais
Algemado pé e mão Seus direitos não se somem
Pra sofrer lá na prisão Mas o direito do homem
É triste o seu padecer. É cada vez para traz.

E se apanhar de mulher Se nossa Constituinte


Quando dér parte a policia, Este projeto aprovar,
Fica logo encarcerado O direito da mulher
Até fazer a perícia, Vai cada vez melhorar,
Diz o Dr. com alarde: Em nossa terra adorada
Pra deixar de ser covarde O homem não està com nada
Vai apanhar sem caricia. Sem ter pra quem apelar.

E assim o pobre homem Atè Dr. Zé Sarney


Que quer ser muito cortez No seu modo de falar,
Não quiz bater na mulher Fala na mulher primeiro
Por mais raiva que ela fez Pra mulher valorisar:
Apanha e perde a porfia Brasileiras e brasileiros
E là na Delegacia Daí vai continuar.
Ainda apanha outra vez.

338
Já está chegado o tempo Eu sou ao lado do homem
Da mulher ir trabalhar, Em todo assunto qualquer,
O homem ficar em casa Menos de fazer desordem
Pra das crianças cuidar Ao lado de lucifer.
Cumprindo assim seu destino Meus pensamentos não somem
A mulher ter o menino Porque não gosto de homem
E o homem dá de mamar. Eu sò gosto è de mulher.

FIM

339
O DIREITO DE MATAR

O direito de nascer A formiga tão pequena


Já cansei de escutar Faz atè admirar
É coisa que não tem fim Cria os filhos pequeninos
Nunca mais quer se acabar Ninguem sabe o que é que dar
E por isso escrevo agora É prova que não existe
O direito de matar O direito de matar

Quando Deus formou o mundo A pequena beija-flor


Com terra, floresta e mar Que a flor vive a beijar
Fez o homem e a mulher Sem ter leite sem ter nada
Deu direito de si amar Para os seus filhos criar
Mas a nenhum Êle deu Mesmo assim sò vota contra
O direito de matar O direito de matar

O Caim matou Abel A pulga pequeno inceto


Apenas pra se vingar Que é só pra atormentar
Deus o amaldiçou Morde agente a noite inteira
E mandou ele ir vagar Que não deixa sussegar
Mas com tudo proibiu Ela è sempre uma inimiga
O direito de matar Do direito de matar

A onça tigre nas selvas A muriçoca tambem


Tem os filhos vai criar A noite tôda a zoar
Com todo zêlo e carinho Bem no ouvido da gente
Se põe os amamentar Que não deixa cochilar
É provavel que não tem Quem quizer que fale a ela
O direito de matar No direito de matar

340
A barata é outro inceto O sapo disse: óra bolas!
Que nos faz repugnar Não tem de que me assustar
Entra dentro das panelas Eu dentro duma lagôa
Faz coisa de admirar Ninguem pode me alcansar
E xinga quem for ao lado Por isso não tenho medo
Do direito de matar Do direito de matar

Uma pulga deu um sôco O rato já não se fala


Que só faltou derrubar Que sò vive de roubar
Na cara do mucuim E diz que o gato é ruim
Por ele ir se ouzar Tem ódio pra se acabar
Dizer a ela que tinha Diz que ele não devia
O direito de matar Ter o direito de matar

O pombo com pombinha Pra todo e qualquer ladrão


Leva a vida a se beijar Que só vive de roubar
A pombinha põe os ovos Rouba um e rouba outro
O pombo è quem vai chocar Afim de não atrapalhar
Ambos torcem e votam contra Eu votava que tivesse
O direito de matar O direito de matar

A galinha disse ao galo: Uma cobra por exemplo


Você sosinho vai ficar Para seus filhos criar
Eu vou desaparicer Sem ter peito, sem ter perna
Para nunca mais voltar Sem ter mão pra alimentar?
Porque bem perto aí vem Mas mesmo assim ela é contra
O direito de matar O direito de matar

O tatù disse a tatùa: E ainda o carrapato


Agora vou me enterrar Que começa se engordar
Em um buraco bem fundo Quando pega está seguro
Para ninguem me pegar Só deseja se enterrar
Porque vem o caçador Êle é sempre um inimigo
Com o direito de matar Do direito de matar

341
Até a pròpria policia Jesus mandou seus discipulos
É uma ordem de rachar Duas espadas comprar
Quando prende um criminoso Mas na hora da prisão
Que se entregou sem lutar Mandou as embanhinhar
Depois de preso acabou-se Porque era proibido
O direito de matar O direito de matar

Quando agarra um ladrão O Judas Iscariotes


Que leva a vida a roubar Foi a Jesus entregar
Mete logo o cacitete Aos sacerdotes pagãos
Faz ele sapatiar E depois foi se enforcar
Mas respeita tôda vida Porque viu que tinha dado
O direito de matar O direito de matar

O médico quando se forma Portanto meus amiguinhos


Primeiro tem que jurar Vamos bem imaginar
Que a sua profissão Não queiram comprar revolver
É para a vida salvar Para a policia tomar
E nunca fazer apêlo Conheçam que é proibido
Pra o direito de matar O direito de matar

Nos diz a Biblia Sagrada Nós pensamos que as armas


Que nós devemos amar Servem para nos salvar
O pròximo como a nós mesmo Mas è engano amiguinhos
Mas poucos querem aceitar Só é pra nos condenar
Porque gostam e admiram Porque elas dão a nòs
O direito de matar O direito de matar

O povo samaritano Se estamos com um revolver


Não quiz Jesus hospedar Não queremos tolerar
Os seus discipulos pediram A fraqueza dum irmão
Permissão para vingar Pois queremos nos vingar
Mas Êle não permitiu E usa logo na hora
O direito de matar O direito de matar

342
A cachaça é outra arma Os filhos que xingam os pais
Do satanaz se vingar Já não è nem bom falar
Porque depois que està èbrio Pois ê um super-pecado
Tudo pode praticar Deus não vai abençoar
E se arma com a arma A quem aqui so deseja
Do direito de matar O direito de matar

O baralho é um anzol Diz São João Evangelista


Do inimigo pescar Quando Jesus vir julgar,
Porque quem vive com ele Os que morreram afogados
Só quer aos outros roubar O mar tem que apresentar
E daí vem o desejo Só porque ele não tinha
Do direito de matar O direito de matar
A mulher que mata o filho A morte no último dia
Não tem mais do que julgar
Tem que gemer e chorar
Porque Jesus já julgou
Num grande lago de fogo
Não tem mais jeito pra dar
Deus manda a precipitar
Porque usou contra o filho
É caçado o seu mandato
O direito de matar
Do direito de matar
Matar os filhos no ventre
Jesus não vai perdoar Meu amado Bom Jesus
Os que não tiver pecado Faça sempre eu me humilhar
Pode atè apedrejar Seguindo na vossa lei
Pra saber que é proibido Instruindo a quem comprar
O direito de matar Livro de minha autoria
Viver contra dia a dia
Os pais que xingam seus filhos O direito de matar
É um pecado sem par
Já pecou e repecou FIM
Não tem mais o que pecar
É mesmo que ter usado
O direito de matar

343
AS FAÇANHAS DO JOGO DO BICHO

Nenhum castigo merece Homem não compra feijão


Quem fala a pura verdade Para o dinheiro poupar
E agora eu vou falar E nem tão pouco a farinha
A pura realidade Carne nem é bom falar
É sobre o jogo do bicho Deixa os filhinhos com fome
Que evadiu nossa cidade Para o bicho ir jogar

É um infelicida Vou acertar no milhar


Esta tal de jogatina Diz ele nesta iluzão
No bolso da humanidade Porque sonhei com uma cobra
Fazendo carnificina Fazendo risco no chão
Tirando o ultimo tostão Mas, mentira, em vez de cobra
Com sua fome canina Só o que dà é leão

Homem, mulher e menino Outro já passa a semana


Vive em tempo de endoidar Em um serviço pesado
Todo dinheiro que apanham Para não morrer de fome
Em vez de se alimentar Compra na venda fiado
Procuram logo um cambista Quando recebe o dinheiro
No jogo vão arriscar Vai se lascar no viado

A mulher rouba o marido, Mulher diz: eu para o bicho


O empregado, o patrão, Impenho atè os anéis
O afilhado, o padrinho, Pois a semana passada
A irmã rouba o irmão Tirei um conto de reis,
Para jogarem no bicho Na iluzão de ganhar
Naquela triste iluzão Tem de perder mais de dez

344
Até os proprios meninos Agora meus bons amigos
Não compram mais picolé Pra quem vamos apelar?
Muito pior pirulito O nosso governador
Nem tão pouco acarajé Deu ordem para jogar
Todo dinheiro è pra cobra Portanto joguem no bicho
Touro vaca e jacaré E deixem a cobra fumar

Se queixa o dono da loja Quem perde é porque possui


Se queixa o dono do bar, Quem não tem não pode dar
Se queixa atè o fotògrafo Como diz Cancão de Fogo
Que nada pôde arranjar No seu modo de pensar
Porque o jogo do bicho Eu não jogando o que é meu
Veio com tudo arrazar Quem quizer pode jogar

Se queixa a banca de carne Se vê homem neste mundo


E o vendedor de feijão Que comparo com um cégo
Até o vendedor de fumo Fazendo coisas erradas
Sai gritando a multidão: Que eu até arrenego
Porque não acho quem compre Mas, cabeça sem juizo
Ando com o fumo na mão Só é cabeça de prego

Devido o jogo do bicho Tem uns que fazem promessa


Nada está tendo valor Para no jogo ganhar
Se queixa a banca de roupa Creio que Deus nos ajuda
Se queixa o carregador É no trabalho a lutar
Se queixa quem pede esmola Pois, ele é reto Juiz
E muito mais o trovador Não pode em jogo ajudar

Se queixa até as farmacias Nossos jornais de Itabuna


Se queixa o tabelião Combateram a jogatina
Se queixa a Caixa Economica Mas, não poderam vencer
Se queixa até o escrivão Esta tão negra rotina
Se queixa toda cidade Que veio á nossa cidade
Num paradeiro do cão Fazer tão grande ruina

345
Infelismente esses dias Cavalo sendo soldado
Quem resolve é a bicharada Elefante, capitão
Brevimente nós veremos Borboleta, professora
Cobra sendo deputada Educando a multidão
Veado sendo prefeito O perú ser marechal
E a vaca delegada O porco, tabelião

Leão sendo presidente Senhores, peço desculpas


O touro ser ditador Deste folheto eu fazer
Cachorro ser secretario Porque o jogo do bicho
Urso ser veriador A mim fez adoecer
Macaco, fiscal geral Com uma febre nos bolsos
E burro governador Que estou para morrer

FIM

346
HISTÓRIA DE JOÃO BESTA

Quem nasce para ser besta No dia do casamento


Suas mãos enchem de calo O povo estava bebendo,
Nasce pata e nasce rabo Outros estavam dançando
Sua testa nasce um galo A festa estava fervendo,
Será besta toda vida João pra dormir com a mulher
Nunca pode ser cavalo. De medo estava tremendo.

João Besta era um rapaz Depois que a festa acabou


Que em tudo dava cabo. Que o povo vai, mas, não vai
Chamava carne era cane Saindo de vagarinho
E trocava por quiabo, João também quase que sai.
Pra ser besta verdadeira Pra não dormir com a mulher
Sò faltava nascer rabo. Ia pra casa do pai.

As moças da redondeza A mulher agarrou ele


Queriam gostar de João, Não deixou ele sair,
Porèm ele envergonhado Trancando todas as portas
Não dava satisfação, Para ele não fugir,
Pra conversar com uma moça Levou-o para cama a marra
Era olhando para o chão Para com ela dormir.

Até que um certo dia Com poucos dias João Besta


Uma moça se arriscou, Estava se melhorando,
E pegou João apulso Com as instruções da mulher
Na boca dele beijou. Cada vez mais ensinando,
João perdeu mais o medo João Besta ia aprendendo
E com ela se casou. Cada vez mais se estirando.

347
Até que com nove mezes A mulher disse: você
Dele nasceu uma filhinha, O seu juizo é atraz.
A mulher ficou alegre Igual ao motor da Kombe
Com aquela garotinha, Para tudo é incapaz,
Deram seu nome Francisca No mundo tem muitos bestas
Que chamavam de Chiquinha. Você é besta de mais.

Um dia João foi a feira Duas panelas de barro


Para banana vender, Và na cidade comprar,
E também fazer a feira Outra vez deixe perder
Relativo o que comer, Pra com elas não chegar,
A mulher deu uma encomenda Que vou lhe quebrar no pau
Para João Besta trazer. Atè que você rinchar.

Disse ela: dez agulhas João chegou na cidade


Você vai trazer da feira, Veja o que aconteceu,
Para remendar sua roupa Comprou logo as panelas
Que rasga calça e algibeira, E disse: o que faço eu?
Não sei como rasga tanto No caçuá elas perde
Parece atè brincadeira. Como as agulhas pedeu.

João Besta foi para a rua João pensando, e pensando


As dez agulhas comprou, Até que por fim acertou,
Sem embrulhar e sem nada Furou os fundos das panelas
Nos caçuàs despejou, E numa vara enfiou.
Que quando chegou em casa Botando a vara no ombro
Sua mulher perguntou: Para casa viajou.

Cadê as agulhas, João Chegando lá a mulher


Que mandei você comprar! Vendo as panelas furadas
Disse ele: eu botei Disse. João você é doido
Lá dentro do caçuá, Ou se faz com palhaçadas?
As agulhas tinham perdido Tomou de João as panelas
Nada mais pôde enontrar. Deixou ao chão rebentadas

348
A mulher disse João Mas João ficou pensando
Você aqui vai ficar, Em tudo que aconteceu,
Olhando nossa filhinha Viu a menina calar
Para não deixar chorar, Nunca mais se moveu
Eu vou ligeiro na rua Ele aí desconfiou
As minhas coisas comprar. Que a menina morreu.

A mulher seguiu pra rua Ele aí ficou pensando


Ficou a menina brincando, Como é que vou contar,
E João tomando conta O caso dessa menina
Para ela sempre olhando, Quando minha mulher chegar
Mais tarde aquela menina Pois eu matei a menina,
Abre a boca chorando. A mulher vai me matar.

Ele pegou um brinquedo Eu vou me suicidar


Para ver se calentava, Pra não ver a confusão,
Porèm aquela menina Naquele mesmo momento
Com isso não contentava, Pegou u’a mão de pilão,
Quanto mais ele insistia E jogava para cima
Mais a menina chorava. Deixava cair no cão.

Ele pegou um alfinete Pois ele tirou o corpo


E a pobre segurou, Da pancada se livrou,
Na moleira da menina Jogando a mão de pilão
O alfinete enfiou, Ele aí continuou,
A menina deu um grito E uma perua choca
E no momento calou. A mão de pilão matou.

João ai ficou alegre Ele disse: está danado


Dizendo: agora acertei, A mulher vai me matar,
Remédio pra não chorar Já que matei a perua
Foi este mesmo que dei, Os ovos eu vou chocar,
Minha mulher vai gostar Deitou se em cima dos ovos
Do remédio que inventei. Começou tudo a quebrar.

349
Quando ele está deitado A mulher voltou depois
A sua mulher chegou, Chorando e se maldizendo,
A sua filhinha morta Porque a sua fihinha
A pobre logo encontrou. Tão criança foi perdendo,
E João chocando os ovos E o tal de João Besta
Da perua que matou. Atè hoje está correndo.

A mulher pegou um pau A mulher dizia chorando


Meteu a pancada em João Horrivelmente zangada:
Ele ai saiu correndo O infeliz do João Besta
Sem rumo e sem direção, Foi pra casa da “pelada”
E a mulher atraz dele É melhor viver sozinha
Batendo sem compaixão. Do que mal acompanhada.

FIM

350
OS HORRORES DO CARNAVAL

Pra escrever pornografia Sai a turma de malandro


Deus me falte a inspiração Cantando assim na folia;
Mas vou escrever um livrinho A maçã que Adão comeu
Combatendo a corrupção Era a pura fantazia
Que se ver no carnaval A maçã igual aquela
A grande devassidão. Até eu tambem queria.

O pessoal hoje em dia Pois hoje os pais de familias


Pouco teme o Salvador São quem dar a liberdade
Só quer viver mergulhado Pras filhas pegar os homens
Na corrupção de horror Pelas ruas da Cidade
Um livro religioso Se alguem der um conselho
Muito pouco dar valor. Diz que é civilidade.

O povo de hoje em dia Os pais compram fantazia


Só quer viver na orgia Para as filhas ir brincar
De circo, cinema e festa A moça dar uma risada
O passeio é todo dia E diz: eu vou descontar
Donzelas, moças e velhas Hoje com o meu namorado
Só quer viver na fulia. Faço coisa de amargar.

No maldito carnaval A mulher traja de homem


Sai o cordão a cantar Homem traja de mulher
Tanta cantiga indecente Ali vira um comunismo
Que faz vergonha escutar Pra o rapaz é de colher
Outro com mascara de cão Nos tres dias de carnaval
Que chega me arrepiar. Pegam em donzela onde quer.

351
Se eu tivesse uma noiva Eu gostei duma mocinha
E a visse mascarada Que era linda donzela
No outro dia eu dizia Amava-o de coração
Mas você é relachada Pensava em casar com ela
Vá pra casa do chapéu Por causa de um carnaval
Que você não vale nada. Sou hoje inimigo dela.

Quem quizer ver coisa feia Encontrei ela na rua


Nos días do carnaval Com a cara toda pintada
Dá meia noite em diante Se abraçando com os homens
Vá num salão festival Feita a pior relachada
Zé chupa o beiço de Dória Tomando vinho e serveja
Morluce o de Lourival. E já quase embriagada.

As moças embriagadas Eu disse: vote danada


De tomar vinho e gritar: Comigo assim não vai não,
Importa que a mula manque Porque panela furada
Nós queremos rosetar Nunca cozinha feijão
E depois de rosetadas Não vou dar murro em côcô
Não tem mais geito pra dar. Vá fazer besta do cão.

E marcha que acho horrivel Existe mulher casada


Que cantaram no cordão, Que de doida pra brincar,
Com o diabo no corpo. Deixa os filhos com o marido
Por isso não canto não E vai se fantaziar
É cantiga escandalosa Pra ir pular no cordão
Para minha opinião. Com os homens se beijar.

Uns se trajam de caboclos Eu conheço uma casada


Correndo pelo caminho Que só vivia em função
Abraçando com as caboclas No dia do carnaval
Com todo agrado e carinho Brincou tanto em um cordão
Quando é com nove mezes Tomou cana embriagou-se
Aparece um caboclinho. Foi um serviço do cão.

352
A malandragem alarmaram Eles todos mascarados
Nesse día em plena rua Brincando em um cordão
O nome da casadinha Forarm com a cara um do outro
Pela procedencía sua E naquela ócasião
Os malandros aproveitaram Beijo vai e beijo vem
Naquela noite de lua. Feito a pintura do cão,

Só se ver no carnaval Quando não tinha mais geito


Coisas feias de horrores Eles foram conhecer
Moças com os seios de fora A moça deu uma vertigem
Que faz vergonha e clamores Que só faltou foi morrer
Mostrando as coixas aos homens O moço deu um passamento
Conquistando seus amores. Caiu no chão a tremer

Para mim o carnaval Este nosso mundo velho


É o caminho da desventura Está cheio de perversidade
Rapaz agarra com moça Moça andando quase nua
E agarra na cintura Pelas ruas da cidade
Quando pensa que é cedo Agarradas com os rapazes
E tarde, a coisa está dura Com toda imoralidade

No carnval meus amigos Neste tal de carnaval


Toda indecencia se ver Não tem mais separação
Os pais agarra com filhas Donzela com prostituta
Tudo ali sem conhecer É grande a devassidão
Irmão deflora a irmã Malandros amassa todas
Mascarados sem saber com toda esculhambação

Um caso até duvidoso Quando é no outro día


Outro dia se passou Quatro e cinco a conversar
No estado do Pernambuco Quem tem as pernas bonitas
Um velhinho me contou Eles vão logo falar
Dum rapaz que a propría irmã Quem tem maior ou menor
Num carnaval deflorou. Vão todos a comentar.

353
Um diz ao outro: fulano Essa mulher diferente
Você sabe o que é que há? Foi chegando em um Bar
Eu peguei numa coisona! Foi sentando-se na mesa
Que me fez admirar Sem ninguém lhe convidar
Eu cheguei encher a mão Toda cerveja da mesa
Mas nada pude arranjar Comecou ela a tomar.

Responde o outro: qual nada Foi bebendo, foi bebendo


Você é um bôbalhão, Vinte garrafas secou
Eu com aquela fulana Tornaram encher novamente
Que você viu no cordão Pois o povo admirou
Discontei todo dinheiro Duas caixas de cerveja
Que gastei nesta função. A mulher, todas tomou.

Diz o outro: eu também Um menino nessa hora


Com aquela moreninha Por nome de Eliezer
Peguei em todos lugares Ali naquele momento
Pois ela é muito mansinha Olhou prá os pés da mulher
Também fiquei satisfeito Viu cada com metro e meio
Com aquela garotinha. Disse ele é Lucifer.

Em São Paulo apareceu O povo todo dali.


Numa noite de luar Chamou por Nossa Senhora
U’a mulher diferente A mulher lhe respondeu:
Por esta forma a cantar: Ainda mais esta agora
Eu tambèm estou aí Deu um estouro e sumiu-se
Estou aí, o que é que há? Isso sem haver demora.

Altura demaziada Quando a mulher se sumiu


Uma coísa de horror Que o moço foi olhar,
Cada pé um metro e meio As garrafas todas cheias
Abraçada com um tambor. Sem nada mesmo faltar
Com duas pintas na cara O moço ficou com medo
E na cabeça um pirror. Em tempo de se assombrar.

354
Vou terminar meu livrinho
Com toda pontuação
Sou um rapaz moralista
Sou contra a devassidão
Quem gostar de carnaval
Desculpe minha expressão.

FIM

355
A LINGUA DE MINHA SOGRA

A lingua de minha sogra O meu sogro também era


Cortava como tesouza, De fazer admirar,
Fazia grande explosão Porque era um trem de risco
Como bomba arrazadora, E era outro de riscar,
De todo mundo falava Esse era um valentão
Com todos se intrigava Foi jagunço no sertão
Quem a visse comparava Foi cabra de Lampião
Com uma metralhadora. Sabia bem pelejar.

Tinha barba, tinha bigode A onde estava eu metido


Falava grosso de mais, Porèm sem nada saber,
Que quando virava a sàia Que o velho com a velha
Com a frente pra tràs, Eram duros de ruer,
O bigode se bolia Porque todos genros deles
E a barba se abria Os seus modos para aqueles
Ela estava nesse dia Que não dessem bênça a eles
Pior do que satanàs. Lhes botavam pra correr

Então todos os seus genros Afinal realizei


Ela era acustumada, Esse tal de casamento,
A bater em todos eles Na santa Igreja Católica
Eu não sabia de nada, Recebemos o Sacramento,
Gostei duma filha dela Pensando que me casava
Que era linda donzela Meu sofrimento acabava
Por fim me casei com ela Minha sorte melhorava
Fui cair nesta embuscada. Aumentou mais meu tormento

356
Com dois dias de casado Então com esta conversa
A mulher me explicou, Minha mulher se zangou
Pra chamar minha sogra mãe E logo de ter casado
Foi logo o que me falou, Comigo se disgostou,
E chamar meu sogro, pai E ficou muito zangada
Minha calça quase cai Por essa conversa errada
Inda ficou vai, não vai Foi dormir de madrugada
Do ódio que me chegou. A desdita começou.

Eu respondi a mulher: Com três dias depois disto


No meu modo de pensar, Fui pra roça trabalhar,
A minha sogra eu respeito Aconteceu que minha sogra
Porém não pra bença dar, Veio em casa passeiar,
Minha mãe Deus já levou Eu que de nada sabia
O meu pai Jesus chamou Quando foi ao meio dia
Como è que agora eu vou Direto pra casa ia
Novos pais tornar arranjar? Na hora de almoçar

Disse ela: sendo assim Quamdo fui chegando em casa


Este nosso bem querer, Com ela fui encontrando,
Vai se transformar em nada Fui saudando direitinho
Porque eu vou lhe dizer: Com ela fui abraçando,
Se tu dér bom dia a ela Ela de cara fechada
Chegando na casa dela Com a testa enfarruscada
Ela vai na tua guela Como quem estava zangada
E te bota pra correr. Foi logo assim me falando

Eu lhe respondi: que nada, Eu não gosto de um gênro


E ela faz o que quer? Que vem comigo falar,
Eu nunca corri de um homem Sem primeiro dá a bênção
Pra correr duma mulher? Se de mãe não me chamar
Essa velha está danada Não posso ter amisade
Mas ela está enganada Lhe digo logo a verdade
Talvez que nesta jornada E dou bastante vontade
Ela toma é ponta-pè. De uma surra lhe dar
357
Eu lhe disse: minha sogra! Tornei ir fazer a janta
A minha mãe já morreu, Não tinha por quem esperar,
Lhe tenho muito respeito Que quando ela chegou
Conheço o direito meu, Que eu fui aconselhar,
Me perdoe, não se acanhe Ela ainda mais se zangou
Tomo bênção pai e mãe Todo nome me xingou
A senhora não estranhe Nessa hora se danou
Que minha mãe já faleceu. Foi um para pra acertar.

Com isto a velha minha sogra Eu disse: não faça isto


Comigo se intrigou Vamos fazer por viver,
Deu hora de ir embora Ela respondeu: que nada
Ela aí se regressou, Faço o que eu quizer fazer,
Minha mulher màcriada Se você me maltratar,
Ficou bastante zangada Minha mãe eu vou chamar
Não fez comida nem nada E meu pai vem lhe pegar,
Nem mais comigo falou. E bater pra você crer.

Eu fui ao pè do fogão Com esta conversa feia


Fui assar minha carninha, O meu sangue se agitou,
E tambèm fazer cafè Quando ela disse assim
Para tomar com farinha, Minha paciência esgotou,
Pois a “coisa estava dura” Disse soltando uma graça:
Porque essa criatura Venha toda tua raça
Nem siquer ali não vinha. Lá do sitio atè a praça
Pra poder saber quem sou.
Voltei pra roça outra vez
Cheguei de noite cansado, Quando foi no outro dia
A mulher não estava em casa Fui pra roça trabalhar,
O fogo estava apagado, Ela foi contou minha sogra
E a mulher passeando Para ela acreditar
Nas casas de mim falando Que eu tinha batido nela
Com meu nome fuxicando E rasgado a roupa dela
Fiquei bastante zangado Nunca vi mulher daquela
Para história acrescentar.
358
O meu sogro nessa hora Eu estava lá na roça
Se armou com um facão, Com uma fome de matar,
A sogra tambèm armou-se Meio dia não fui em casa
Com u’a mão de pilão, Estava pra me acabar,
Atè mesmo meu cunhado Quando em casa fui entrando
Se armou com um machado A mulher foi me falando:
Vinha bastante zangado O que andas conversando
Colèrico como um leão. Hoje é pra sustentar.

Para vir bater em mim Eu disse: vá pro inferno


Vinham todos bem armados, Que já estou mais que zangado
Por causa deste fuxico Vá futucar o diabo
Vinham bastante zangados Que vive desocupado
Até minha cunhadinha Quando eu disse assim pra ela
Contra mim vinha ruinzinha Ela veio na minha guela
Com a trempe da conzinha Eu botei o braço nela
Vinham todos preparados Vi tombar pra o outro lado

Um garoto primo dela! Aí vei a turma toda


Esse era um tanto mau, Nessa mesma ocasião,
Se armou legeiramente Uns armados de machados
Com uma colher de pau Outros de mão de pilão,
Seguiram pra minha casa Minha sogra vinha na frente
Cada qual rastando a aza Como fera renitente
Como quem pisava em braza Com uma bruta serpente
Para me fazer mingau. Fazia a comparação.

Eu estava trabalhando Eu aí saltei de costa


Eles em casa chegaram, Quando ela veio esperei,
Para ficarem escondidos Dei um soco no ouvido
Bem direito controlaram Que com um sò derrubei,
Para quando eu chegar O meu sogro valentão
A mulher me insultar Eu peguei botei no chão
E a luta começar E tomei logo o facão
Lá num quarto se trancaram Por esta forma gritei:
359
Agora è que vamos ver Peguei a velha minha sogra
Na luta quem vai ganhar, Queria a lingua cortar,
Dei 1 tombo em meu cunhado Com uma tezoura cèga
Que pelo chão vi rolar, Tambèm a barba raspar,
Ali vinha minha cunhadinha Minha mulher foi chegando
Com a trempe da cozinha Chorando se acabando
Eu disse: venha bichinha Por todo santo rogando
Que preciso te ensinar. Para a tal velha eu soltar.

Ai dei-lhe um ganga-pé A mulher disse: marido


Com pena, dei de vagar Pelo bem do Criador,
Mas ela tomou dez quedas Não faça assim com mamãe
Sem poder se aprumar, Pelo sangue do Senhor
Caindo e se levantando Pela Sagrada Paixão
Pelo chão se embolando Por esta imagem da mão
Quando aprumou foi gritando Não bata mais mamãe não
Nunca mais quero brigar. Pelo bem do Salvador

A minha sogra atrevida Eu te garanto, marido


Ficou melhor da pancada. Eu nunca mais fuxicar,
Tornou vir de novamente Nunca mais conto fuxico
Como uma fera assanhada, Para tu não se zangar,
Dei um sôco que estalou Nem mamãe te diz mais nada
A velha no chão rolou Ela mesma foi errada
Na sáia se urinou Por Maria Imaculada
E ficou no chão deitada. Deixe ela sucegar.

O meu sôgro que tambèm Eu aí fiquei com pena


Tomou um bom bofetão, Tive muita compaixão,
Fez um trabalho na calça E soltei a minha sogra
Que enche logo o calção, Dizendo: cara do cão
E saiu se embolando Pois, comigo niguèm pode
Pelo chão se arrastando Quase que neste pagode
Desta maneira gritando: Eu cortava o teu bigode
Não quero brigar mais não. Direitinho mesmo a facão.
360
Ela respondeu: meu genro Foi dessa vez que as sogras
Agora acabei de crer, Vendo o caso por piora,
Foi o homem que encontrei Ficaram boas para os genros
Que me fez esmorecer, E ruizinhas para noras
Você è homem inteirado Porque com macho é macete
És o meu genro estimado Se bolir cai no cacête
Somos todos a teu lado Toma surra de porrête
Para não te aborrecer. Isto sem haver demora.

Meu sogro chegou dizendo: Quem tiver sogra ruim


Tu ès homem destemido, O remèdio è bofetada,
Contra te não hà mais nada É um remédio tão bom
És o meu genro querido Que logo fica domada,
Não quero mais malquerência E mulher conversadeira
Vou ter muita paciência Má criada fuxiqueira
Vou ter muita obediência Que se mete a lambanceira
Que agora encontrei marido. O remédio é dar pancada

Daí avante ficaram Graças a Deus Minelvino


Bons que dinheiro achado, Achou uma sogra boa.
Tanto o velho como a velha Por não ter a lingua grande
Atè mesmo meu cunhado Pra falar conversa atoa
Minha mulher ficou uma cêra Pela filha se doer
Não quiz mais ser fuxiqueira Fazendo só disprazer
Não gostou da brincadeira Sou obrigado a dizer:
Que o serviço foi pesado É uma santa pessoa.

Minha mulher daí em diante Uma sogra sendo boa


Não quiz mais me maltratar, Não será coisa melhor
Quando eu vinha do trabalho Mas tambèm sendo ruim
Ela estava a me esperar Não terá coisa pior,
Com uma chícara de cafè É um sofrimento eterno
Água morna para dá O cão bota no caderno
Tudo pronto estava até Lá nas chamas do inferno
De fazer admirar. Pra sair todo suor.
361
Eu peço desculpa as sogras A Lingua de Minha Sogra
Se feri o seu conceito, Agora vou terminar,
Porque uma sogra boa Quem se dér por agravado
Merece todo respeito A mim queira desculpar,
Isto é arte de viver Só falo com quem merece
Porque precisa comer Que o direito escurece
Poeta pra se manter E contra os genros se cresce
Dá “murro” de todo jeito Sem razão querer brigar.

FIM

362
A RAZÃO DAS SOGRAS E PORQUE
ELAS SÃO LINGUARUDAS

Os homens falam das sogras A sogra fala do genro


As mulheres ainda mais Que sò vive de enrolada
Que a sogra é faladeira Que passa a noite na rua
E tem a língua voraz Só chega de madrogada
Segue aqui a razão das sogras Querendo quebrar a porta
Pra moça, velho e rapaz Com a maior ciumada

A sogra fala do genro A sogra fala do genro


Que casou com a filha dela Que leva vida a beber
E deixa passando fome Junto com seus companheiros
Por uma qualquer “cadela” E deixa a mulher sofrer
Tornando-se irresponsável A falta de tudo em casa
De sua filha donzela Sem ter um jeito a fazer

A sogra fala do genro A sogra fala do genro


Que não limpa o seu nome Que deixa a mulher penar
Que se atola na cachaça E ele no meio das moças
E seu dinheiro consome Sem procurar seu lugar
Deixando a mulher em casa Dizendo que é solteiro
Se acabando de fome Querendo alguma enganar

A sogra fala do genro A sogra fala do genro


Que não quer se esforçar Que deixa a mulher sosinha
Só leva a vida a dormir Vai pra festa pela tarde
Sem querer mais trabalhar Só chega de manhãsinha
Sò produzindo familia Sem deixar feijão em casa
Para a sogra sustentar Quanto mais carne e farinha

363
A sogra fala do genro A sogra fala da nora
Que não tem um bom pensar Que o marido chega em casa
Que casa sem ter uma casa Não acha comida pronta
Com a sogra vai morar Todo serviço se atraza
Sem dar nada para a feira Se ele quizer comer
Para a dispesa ajudar Vai assar carne na brasa

A sogra fala da nora A sogra fala da nora


Que è sò espalhar o pé Quando pratica ação feia
De manhã não se levanta Quando o homem chega a noite
Para fazer o café Não encontra pronta a ceia
E quando o marido chama Ela na casa dos outros
Briga mais do que saqüé Falando da vida alheia

A sogra fala da nora A sogra fala da nora


Que não sabe cozinhar Quando é descuidadosa
Se bota o feijão no fogo Quando é conversadeira
Chama mãe pra temperar Ou quando è preguiçosa
Se deita e agarra no sono Quando è muito briguenta
E por fim deixa queimar Ou quando é muito sebosa

A sogra fala da nora A sogra fala da nora


Que sò vive de fuchico Quando é muito xingadeira
A onde não lhe pertence Xinga os filhos todo instante
Ela chega e mete o bico Por qualquer uma besteira
E tem a boca mais dura E diz cada palavrão
Do que âmago de angico A titulo de brincadeira

A sogra fala da nora A sogra fala da nora


Que não varre a casa dela Quando não sabe lavar
Vive o lixo na varanda Nem sequer pregar um botão
Dando no meio da canela Muito menos engomar
Se a varanda vive assim Até pra lavar um lenço
Quanto mais prato e panela É obrigado a pagar

364
A sogra fala da nora Ela abraça aquele genro
Quando ela està errada Com amor e muito brilho
O marido viajando Considera um grande amigo
E ela toda emposada Não quer que saia do trilho
Nas esquinas palestrando Ela é a segunda mãe
Com toda rapaziada Ele é um segundo filho

A sogra fala da nora Da mesma forma a mulher


Quando ela é vaidosa Seguindo por certa trilha
Quer joia de alto preço A sogra fica contente
Quer casa bem luxuosa É uma estrela que brilha
Sem o pobre homem ter É uma segunda mãe
Quantia tão vultuosa E um segunda filha

È por isso meus amigos A sogra tem com os netos


Que a sogra è linguaruda O maior contentamento
Pois se o genro é errado Cada neto è um tesouro
A nora também ajuda Afirma sem fingimento
E a sogra fala mesmo Tudo é felicidade
Que è “um deus nos acuda” Tudo é encantamento

Se o genro andar direito O Eclesiastico afirma


Ela não pode falar Com amor e com carinhos
Se falar ninguèm apoia Que os netos são as coroas
Pois não vai acreditar De todos os dois velhinhos
Mas a certeza è que ela Que viveram as suas vidas
Sò fala se der lugar Seguindo nos bons caminhos

Mas se o genro trouxer Por isso meus amiguinhos


A mulher bem direitinha Quero aqui aconselhar
A sogra gosta bastante Que a nossa sogra e sogro
E fica dele amiguinha Nós devemos respeitar
Que pode atè se chamar Pra ser completa a alegria
Uma segunda mãesinha Do nosso querido lar

365
Eles são pais duas vezes E tambèm a filha dela
De nossos belos filhinhos Eu me orgulho em dizer
Precisa que eles façam Que luto por noite e dia
Bem redobrados carinhos Para não vê-la sofrer
Pois eles desejam vê-los Se as vezes passou fome
Guiados nos bons caminhos Porèm não deixei morrer

A minha sogra è tão boa Agora aqui meus amigos


Não tem com que comparar Meu livro vou terminar
Sò porque eu nunca fui Quem quizer ter sogra boa
Pra casa dela morar Não procure maltratar
E nem dei despesa a ela Nem ela, nem sua filha
Pra comigo se zangar Para não se atrapalhar

FIM

Itabuna, 29 de fevereiro de 1976

366
A MALDADE DE MAU VIZINHO E AS MORTES
DE DEZ INOCENTES

Senhores um mau vizinho Se ele era um desumano


É um sofrimento eterno A mulher nem se comenta
Que destroe qualquer um lar Pra fuxicar com os vizinhos
O cão bota no caderno Era uma forte pimenta
Morar junto a um mau vizinho Dessas que quando se zanga
Antes morar no inferno. Morde o beiço, acende a venta

Se o homem compra um terno Certa vez desta sangrenta


Começa se melhorando Uma perua sumiu
O infeliz mau vizinho Procurou por todo canto
Fica logo o invejando Pra onde foi ningém viu
Botando todo defeito Disse ela: minha perua
Horrivelmente vaiando O vizinho jà engoliu

Fica até caluniando Ela nada pressentiu


Chama o pobre de ladrão Porèm depressa maldou
Com defeitos e chacotas Dizendo: foi o vizinho
Sem a menor precisão Que a perua roubou
Para ver se bota ele E a casa de Manoel
No caminho da perdição Com cuidado investigou

No interior do sertão Manoel Francisco matou


Do Estado alagoano Um pássaro là no roçado
Morava Manoel Francisco Conhecido por macuco
Cidadão calmo e humano Gordo e bastante pesado
Seu vizinho Raimundo Isidro Comeu um quarto e o resto
Perverso, vil e profano Deixou lá dependurado

367
Com o seu gênio malvado Não estou com brincadeira
A tal mulher de Raimundo Seu vagabundo ladão
Foi vendo a banda do pássaro Me pague minha perua
Fez um pensamento imundo E deixe de confusão,
Quem comeu minha perua Manoel Francisco zangou-se
Foi este vil vagabundo. Agarrou logo um facão

Ligeiro chamou Raimundo E disse: cabra vilão


Gritando muito alarmada Precisa me respeitar.
Para ir ver uma banda Este nome de ladrão
Da perua pendurada Voce tem que me provar
Era uma prova que ela Raimundo pegou uma foice
Ali não estava enganada E começaram a lutar

Raimundo foi com a malvada Para Raimundo matar


E pela janela olhou Manoel descia o facão
Uma banda de macuco Raimundo pra se livrar
Là no fogão avistou Saltava que só leão
Disse ela: é minha perua Descia a foice em Manoel
Este infeliz roubou Mas só encontrava o chão

Raimundo a Manoel chamou Manoel dizia: então


Dizendo assim: seu ladrão Sujeito desaforado
Você pague minha perua Vou abrir tua cabeça
Não venha com confusão Pra deixar de ser ousado
Ou nòs emenda os bigodes Dizia o outro è mentira
Pra ver quem ganha a questão Cabra cretino e safado

Manoel alto do chão Só se ouvia o trincado


Respondeu desta maneira: Da foice com o facão
Amigo e senhor Raimundo Faisca voava longe
Não venha com brincadeira Quase imitando a explosão
É coisa que não aceito Da faísca quando cai
É brincar de roubalheira No ribumbar do trovão

368
Um queria ser durão Cada pedrada de horror
Queria o outro ser forte Botando gente no chão
Se facão é perigoso Um ali perdia a orelha
Foice não hà quem suporte O outro perdia a mão
E prosseguiram eles dois Tirada a golpe de foice
Numa batalha de morte E a golpe de facão

Vizinho do sul e do norte Cada um como um leão


Corriam para apartar Lutava sem se cansar
Porém não sendo possivel Da foice saia fogo
Puzeram tudo a brigar Que chegava clarear
Uns a favor, outros contra Pois nenhum deles queria
Que foi um “pau pra virar” Na luta se acovardar

Danou-se tudo a brigar Via-se o fogo voar


De pedra, foice e cacete Da foice com o facão
Quem escapava da foice Um irmão de Manoel
Ia morrer no porrete Chegou nessa ocasião
Tinha atè colher de pau Passou a foice em Raimundo
E perna de tamborete Jogou o pescoço no chão

Negro baixava o cecete Chegou um tal de Elesbão


Que um gritava: ai meu braço Pior do que um curisco
Outro caia adiante De um só golpe que deu
Cortado pelo cachaço Degolou Manoel Francisco
Outro rolava no chão Que a cabeça saltou
Lascado pelo espinhaço E saiu fazendo risco

Mulheres davam no aço Ficou saltando no cisco


Com trempe e machucador E ali o pau quebrou
Homem com estaca de cerca Toda aquela vizinhança
Nessa briga de horror A luta continuou
Sò via gente cair De foice, pau e facão
Como boi no matador A batalha se travou

369
O povo todo atacou Correu a triste noticia
Só se ouvia gritar Por todo canto em geral
No meio daquela briga Senhores um mau vizinho
Cabeça longe voar É uma chama do mal
O sangue ali já corria Quem tiver um mau vizinho
Fazendo a terra alagar Tem um diabo infernal

Tinha perto um caçuá É um exemplo fatal


Foi quando um corpo partiu Esta batalha tão feia
Saltando sem a cabeça Pra todos os maus vizinhos
E em cima dêle caiu Que cuidam da vida alheia
A perua da intriga Quem vive caluniando
Estava dentro e saiu Vai se parar na cadeia

Quando a má vizinha viu Essa nossa lingua é peia


Disse: olhe minha perua Fala até do Pai Eterno
Ó! que coisa temerosa! Precisamos refreà-la
Que grande maldade crua No verão e no inverno
Já tinha dez degolados Senão ela nos carrega
Caídos no meio da rua Para as chamas do inferno

Parou a luta tão crua Do velho atè o moderno


Por ter chegado a policia Aviso neste livrinho:
Prendeu logo a má vizinha Renuncie-se a si mesmo
Com sua negra malicia Pra seguir no bom caminho
Levou para o delegado E ter bastante cuidado
Que concluiu a pericia Para não ser mau vizinho

370
Por causa de mau vizinho Mau vizinho neste mundo
Muitos tem ido a prisão Faz a maior desventura
Outros caído no pau Sem ser da conta ele fala
Sem a menor precisão Inda pratica loucura
Tem muitos là na cadeia Lezando e caluniando
Outros de baixo do chão Vivendo sempre cavando
A cova pra sepultura

FIM

371
A MARRETA DA MORTE É TÃO PESADA,
QUE A PEDREIRA DA VIDA NÃO AGUENTA

Essa morte é cruel sem coração Matou nosso querido Abraão


Porque rouba a alegria e nossa paz Com seus filhos: Isac e Jacó
Só a negra tristesa ela traz Tambem Sara com seu sobrinho Ló
Por matar nosso amigo, ou nosso irmão E matou rei Davi e Salomão
Desde a morte de nosso pai Adão Com Moisès, Josué e com Arão.
Que tornou-se malvada e tão sangrenta A malvada marreta bem atenta
Sua marreta é tão sanguenolenta! Cada vez mais a mais a morte aumenta
Faz a gente dizer desesperada: Contra nós sua grande marretada,
A marreta da morte è tão pesada A marreta da morte é tão pesada
Que a pedreira da vida não aguenta. Que a pedreira da vida não aguenta

Matou nosso profeta Geremias, Matou nosso profeta Eliseu,


Matou nosso profeta Ezequiel, Matou nosso profeta João Batista,
Matou nosso profeta Daniel, Matou nosso João Evangelista,
Matou nosso profeta Zacarias, Matou nosso Jesus, o galileu
Até mesmo o profeta Malaquias Sò Elias e Enoc não morreu
Que levava uma vida santa e lenta Como alguém que da terra se ausenta
Pela grande marreta violenta Ou por outra no céu se aposenta
Cada um teve a nuca esfacelada, Deus livrou desta hora tão minguada,
A marreta da morte é tão pesada A marreta da morte é tão pesada
Que a pedreira da vida não aguenta. Que a pedreira da vida não aguenta

372
Matou nosso São Pedro e São Tomè, Matou o nosso João Paulo Primeiro,
Matou nosso Tiago e São Matias, Matou nosso querido Paulo Seis,
Matou Santa Isabel e Zacarias, Antes disso matou João Vinte e Três,
Matou nosso São Paulo e Barnabé, Com os papas jà fez um grande aceiro,
Matou Nossa Senhora e São José, No assunto de papa estrangeiro
Pois pessoa nenhuma fica isenta Cuja morte matou mais de noventa
De cair na marreta violenta, No momento que ela se apresenta
Que não pode aqui ficar parada Jà a cova està bem preparada,
A marreta da morte é tão pesada A marreta da morte é tão pesada
Que a pedreira da vida não aguenta Que a pedreira da vida não aguenta.

Matou nosso querido São Mateus, A chegada da morte no Brasil


Matou Làzaro com Marta e Maria, Foi difato um clamor, um caso sèrio
Matou Santa Verônica que era a guia Mandou tanta pesca pro cemitèrio.
De Jesus que falava aos fariseus Que num instante matou pra mais de mil
Ensinando no templo a lei de Deus Da marinha, aeronáutica e civil
Para que todo mal se afugenta, Uma hora de vida não aumenta,
Como é que as ovelhas se aracenta E a morte com sua ferramenta
Pra nenhuma depois ser desgarrada Chega logo com a cara enfarruscada
A marreta da morte é tão pesada A marreta da morte é tão pesada
Que a pedreira da vida não aguenta Que a pedreira da vida não aguenta

Nossos papas de nossa santa Igreja Matou o nosso Dom Pedro Segundo
Cada um duma vez ela matou: Matou o nosso Dom Pedro Primeiro
Pio XI, Pio XII, ela os levou, Não valeu nada mais o seu dinheiro
Prosseguindo assim nesta peleja Ao sentir esse golpe tão profundo,
Com a gente ainda ela graceja Dom João Sexto foi para o outro mundo
Demonstrando que è nossa parenta Deixou logo esta terra tão nogenta
Pois conhece o lugar que tem a venta A princesa Isabel, sua parenta
Diz assim e dà uma gargalhada Também fez a viagem empacotada,
A marreta da morte é tão pesada A marreta da morte é tão pesada
Que a pedreira da vida não aguenta. Que a pedreira da vida não aguenta

373
Presidente Prudente de Moraes, O poeta Bocage, o português,
Com Caxias, Seabra e Floriano, Seu colega Camões da mesma terra
Pra lutar cada um mais veterano, Descreveram planice, morro e serra
Discutiam o saber de mais a mais, Até quando chegou a sua vez,
Mas a morte calada veio por traz Que a morte chegou com rapidez
Da maneira que sempre se apresenta No seu carro puxando uns oitenta
Com uma força que tudo se arrebenta Foi dizendo ao poeta: se acalenta
Mandou eles pra cova jà cavada, Que poesia não vai escrever mais nada
A marreta da morte é tão pesada A marreta da morte é tão pesada
Que a pedreira da vida não aguenta. Que a pedreira da vida não aguenta.

Foi Getulio, foi Jango e Juscelino Leandro Gomes de Barros, trovador


Residirem na terra da verdade, Que fazia livretos de cordel
Pois a morte chegou com brevidade Trabalhava direto com o papel
Cada um fez comprir o seu destino, E com isso mostrava o seu valor
Seja grande com ela, ou pequenino Porque era difato um bom autor,
Ela pega e segura pela venta Mas a morte por ser sanguenolenta
Com dez dias, com trinta ou quarenta Já olhava pra ele bem atenta
Ela mete a marreta na queixada. Disse: eu vou mostrar este camarada
A marreta da morte é tão pesada Que a marreta da morte è tão pesada
Que a pedreira da vida não aguenta. Que a pedreira da vida não aguenta.

Marechal Costa e Silva, com Castelo João Martins de Athayde que comprou
Cada um foi viver na outra vida, O direito a viuva de Leandro,
Pois a morte ordenou essa partida Pra fazer os livrinhos como Nicândro
Sem protesto, sem chôro e sem duelo Melhorando de quando começou
Seja preto, moreno, ou amarelo, Mas a morte tambèm o atrapalhou
Pode ser sua cor atè cinzenta Que calada chegou meteu a venta
O guerreiro mais forte ela enfrenta Nessa hora tão negra e tão sangrenta
Sua vida ela leva empacotada A marreta da morte é tão pesada
A marreta da morte è tão pesada Que a pedreira da vida não aguenta.
Que a pedreira da vida não aguenta.

374
Zé Bernardo comprou os seus direitos Diz João, canhecido Evangelista
Começou os seus livros editar Que a morte no fim irá morrer
Para todo Brasil a espalhar Em um lago de fogo derreter
Os seus livros impressos tão bem feitos Para todo cristão levar de vista,
Igualmente Athayde, tão perfeitos, A marreta se queima e sai da lista,
Mas tambèm a idade sua aumenta O Satan nunca mais aqui atenta
E a morte também se apresenta Que um anjo o amarra pela venta
Trouxe logo pra ele a embaixada, E a morte será desbaratada,
A marreta da morte è tão pesada Acabou-se a marreta tão pesada
Que a pedreira da vida não aguenta. Que a pedreira da vida não aguenta.

FIM

375
A MULHER QUE BATEU NO MARIDO
DE SANDALHA JAPONEZA

Me contou um motorista E assim na bebedeira


Dando-me tôda certeza Entrava por noite e dia
Que jà viu uma mulher Enquanto tinha dinheiro
Mostrando sua destreza Ele em casa não ia
Deu uma surra no marido E a mulher, coitadinha
De sandalha japoneza Não comia nem bebia

Porque aquele marido Quando acabava o dinheiro


Vevia sò na cachaça Ele pra casa voltava
Caindo Bêbado na rua Se a porta estava fechada
Todo povo achando graça Com um ponta-pé derrubava
O dinheiro que ganhava Pedia comida a mulher
Subia assim na fumaça O barulho começava

Não se importava com roupa Ela dizia: fulano


Nem comida pra mulher A onde acha comida
Aquela pobre vevia Porque você não comprou
Como uma santa qualquer Està bonita esta vida
Êle acabava o dinheiro Ele a ela respondia:
Na avenida Vai Quem Quer Mas que burrinha atrevida!

Quando chegava num bar Avançava contra ela


Mandava logo descer Porque assim respondia
Cerveja Brama e cachaça Pegava pelos cabelos
Pra seus colegas beber Horrivelmente batia
E a pobre mulher em casa E assim aquela pobre
Sem roupa e sem dicomer Nas unhas dele sofria
376
Quando êle estava são Quando foi um certo dia
A sua esposa querida Em noite de escuridão
Ia lhe aconselhar Ele saiu para rua
Ele dizia: inchirida Na vespera de São João
Não tem nada de você Fazer farra com os colegas
Se importar com minha vida Como era a profissão

Aquela pobre mulher Entrando de bar em bar


Pra de fome não morrer A noite tôda bebeu
Era obrigado os parentes Andou por onde bem quiz
A ela ir socorrer Até quando aborreceu
Dando sempre um sapatinho Bebendo e falando asneira
O que vestir e comer Atè o dia amanheceu

Gente aconselhava ela As nove horas do dia


Para o marido largar Assim que o sol esquentou
Mas ela então respondia Bebendo com os colegas
Não pretendo o abandonar O seu dinheiro acabou
Eu já peguei minha cruz Êle bebaço e com fome
Atè o fim vou levar Pra sua casa voltou

E assim cada vez mais Chegando disse: mulher


Esse marido bebia Bote aì o que comer
O dinheiro que ganhava Porque eu estou com fome
Na hora que recebia Que estou para morrer
Se mandava para rua Disse ela: não compraste
Só vinha no outro dia Tambèm nada pode ter

No outro dia de tarde Êle ainda estava tonto


Era quando êle chegava De cachaça e alcatrão
No momento que na rua Avançou pra cima dela
Todo dinheiro acabava Irado como leão
Chegava como uma fera Ela pegou o pela perna
A sua esposa xingava Bateu com êle no chão

377
O bicho caiu no chão Quanto mais êle chorava
Que só tatú no mundè Mais a mulher o batia
A mulher pegou na perna O marido ali no chão
Com tôda coragem e fé Tanto chorava e gemia
Pra dá êle um bom exemplo O povo que estava olhando
Tirou a sandalha do pé Gostosamente sorria

Quem toma muita cachaça Depois duma boa sova


De sempre se atrapalha Aquela mulher soltou
A mulher bem prevenida O marido que já bêbado
Não podia mostrar falha E bêbado mesmo apanhou
Sustentou o pela perna Devido a cachaça e sono
E tamancou-lhe a sandalha Ali mesmo se adornou

Os vizinhos ouviram os gritos A mulher arrependida


Correram pra socorrer Depois ali foi chorar
Pensando ser a mulher E foi cuidar dum mingau
Que apanhava pra valer Pra seu esposo tomar
Quando viram que era o homem No outro dia as 6 horas
Disseram: deixa bater Que êle foi se acordar

O cabra soltava grito Ele disse pra mulher


Que o povo achava até graça Eu essa noite sonhei
A mulher com a sandalha Que a morte me batia
Mostrando que tinha raça E eu bastante apanhei
Dizia: cabra safado De não beber mais cachaça
Ainda vai beber cachaça? Por todo santo jurei

O marido respondia: Já vi que a tal cachaça


Já estou para morrer É laço de satanaz
Morte não me bata mais Perder até a vergonha
Que nunca mais vou beber Aquela maldita faz
Sò gastarei meu dinheiro De hoje em diante digo:
Com o que vestir e comer Já bebi não bebo mais

378
Pois a morte me batia Quando ela disse isto
Na mais tremenda cruêza O marido se ergueu
E eu estava indefeso Pediu perdão a esposa
Devido a grande fraqueza Dos erros que cometeu
Mentira, foi a mulher Naquele mesmo momento
Com a sandalha japoneza De tudo se arrependeu

A mulher disse sorrindo Então aquele senhor


São estes os votos meus Tornou-se um homem decente
Que abandone a cachaça Foi cuidar de sua casa
E os maus amigos teus Abandonou aguardente
Esse foi um grande exemplo Foi viver com sua esposa
E um aviso de Deus Cada um muito contente

Veja quanto você ganha E assim todos os homens


Que cá pra nos melhorar Que tiver sua mulher
E nossa casa não tem Deve ter um sò amor
Nem cadeira pra sentar E não a outra qualquer
Nem roupa para vestir Para não cair no laço
Nem sapato pra calsar Armado por lucifer

Com cachaça e maus amigos A mulher do mesmo modo


Você estava iludido Deve ter um sò amor
Deixava a casa em abandono Ao seu estimado esposo
Sem atender meu pedido Nunca manchar seu pudor
Se não fosse pai e mãe Porque isto é mandamento
De fome eu tinha morrido De nosso Pai Criador

379
Eu aconselho as mulheres Marido mau pra mulher
Da cidade ou camponeza Faz a infelicidade
Que tiver marido assim Sua e de sua esposa
Que trilha na incerteza Inda mais pensa em maldade
Não vá usar o remédio Levando os para o tormento
Da sandalha japoneza Vivendo no sofrimento
A falta da lealdade

FIM

380
A RESPOSTA DO DIREITO DE NASCER

Uma senhora casada Para que mulher quer filho?


Que veio aqui me falar Sem ela poder criar-lo
Para eu inprovizar Muito menos educa-lo
Uma histórinha engraçada Analfabeto, sem brilho?
E queria publicado Está errado esse trilho
O assunto eu vou dizer Não queiram se aborrecer
Para o senhor escrever, Com isso que vou dizer
Os homens muitos não gosta, Para morrer de trabalhar,
Quero que faça a resposta Por isso deve evitar
Do direito de nascer. O direito de nascer.

Eu que vivo da poesia Praque cavalo sem cela?


Não deixo nada passar, Praque cela sem cavalo?
Para me alimentar Praque filho sem educa-lo,
Trabalho por noite e dia Praque casa sem janela?
Sou natural da Bahia Praque feijão sem panela?
Só vivo de escrever, Praque vida sem comer?
Por isso vou responder Não adianta viver,
Sua palavra bendita Muitos tem espectativa
Porque é que se evita Porisso é que muitos priva
O direito de nascer. O direito de nascer.

381
Praque cão sem caçador? Praque policia, sem farda
Praque Doutor sem doente? Praque maquina sem fotografo
Praque casa sem ter gente? Praque gráfica sem tipografo
Praque casar sem amor? Praque cidade sem guarda,
Praque livro sem leitor? Praque trem sem retaguarda
Praque vida sem viver? Praque mundo sem chover
Praque brigar pra correr? Praque tanto padecer
É esta a pura verdade Por essa desarmonia
Que privam hoje a metade Que muitos privam hoje em dia
Do direito de nascer. O direito de nascer.

Praque trem sem ter estrada? Praque igreja sem cruz


E um fumador sem cigarro Praque rima sem rimar
Praque rodagem sem carro? Praque cama sem prestar
Praque Cidade parada Praque noite sem ter luz,
Praque conta toda errada Praque salvo sem Jesus
Praque comprar sem vender, Praque diz o que não ver
Praque pagar sem dever É a razão de eu dizer
Praque verso sem poesia As mulheres tem razão
Porisso privam hoje em dia De privar, sem compaixão,
O direito de nascer. O direito de nascer.

Praque loja sem fazenda Quero ver como é que cria


Praque galo sem cantar Quatro, cinco filhos, seis
Praque crente sem orar Quatorze até dezesseis
Praque ferreiro sem tenda Que sofre de dia em dia
Praque venda sem ter venda Que grandiosa agonia
Sem ter mesmo o que vender Que faz os pais padecer,
Praque livro sem se ler Querem logo o que comer
Praque carro sem chofer Que tire donde tirar
Porisso priva, mulher, Querendo pode evitar
O direito de nascer. O direito de nascer.

382
Praque cofre sem dinheiro Praque cinema sem tela
Praque feixe sem ter noz Praque moça sem conceito
Praque cantor sem ter voz Praque velho sem respeito
Praque arma sem guerreiro Praque barco sem ter vela,
Praque tenda sem ferreiro, Praque noite sem estrela
Pra dar seu braço atorcer Praque luto sem morrer
Praque vontade sem ter, Praque chorar de prazer
Pois isso não vale nada Porisso que a humanidade
Porisso priva a casada Priva toda liberdade
O direito de nascer. Do direito de nascer.

Praque passaro sem gaiola Praque um crente sem fé


Praque sabio sem cultura Praque um barco perdido
Praque samba sem gravura Praque mulher sem marido
Praque beque sem ter bola Praque um homem sem pé,
Praque viver com parola Praque barco sem galé
Praque chorar sem querer Praque máquina sem coser
Praque gosto sem praser Praque dança sem beber
Pra viver sempre a penar, Praque um cègo ou aleijado,
Porisso deve evitar Já vem a tempos privado
O direito de nascer. O direito de nascer.

Praque galo sem galinha Estamos no fim do mundo,


Praque caixão sem defunto Estamos para findar
Praque rima sem assunto Estamos para acabar
Praque carne sem farinha É um abismo profundo
Praque anzol sem linha É gente leproso, imundo,
Praque dente sem morder É somente o que se ver,
Praque morte sem morrer É gente a se maldiser,
Porisso que a multidão É gente se acabando
Priva hoje com razão Porisso que estão privando
O direito de nascer. O direito de nascer.

383
Praque filhos, hoje em dia, Não queiram render familia
Para criar mal criados Não vão por esse caminho
Para ser mal educados Não queiram tanto padrinho
Pra não ter sabedoria Não sigam por essa trilha,
Pra sofrer em demasia, Não queiram filho nem filha
Para arte que aprender Não queiram se arrepender
Roubar os outros, beber Não queiram se maldizer
Pra cair no meio da rua Não queiram se atrapalhar,
Reclamando a sorte sua Porísso não deve dar
Do direito de nascer. O direito de nascer.

Muitos vivem arrependidos Vivem muitos a chorar


Muitos até se aperreia Vivem muitos padecendo
Muitos vão para cadeia Vivem muitos maldizendo
Muitos perdem seus sentidos, Vivem muitos a pensar,
Muitos ficam resolvidos, Vivem muitos sem aguentar
Muitos vivem a padecer Vivem muitos a sofrer
Muitos querem até morrer Vivem muitos a correr
Muitos se maldiz da sorte Vivem muitos pelejando,
Muitos querem até a morte Porisso que estão evitando
Que o direito de nascer. O direito de nascer.

Tem muitos desesperados As mulheres empregadas


Tem muitos sem esperança As mulheres pobrezinhas
Tem muitos sem confiança As mulheres fracasinhas
Tem muitos que estão zangados, As mulheres despresadas
Tem muitos descalquiados As mulheres fracassadas
Tem muitos sem se conter As vive pra não morrer
Tem muitos sem se manter As vive sem se conter
Tem muitos que estão atôas As come se trabalhar
Por isso privam, patrôas, As pobres devem privar
O direito de nascer. O direito de nascer.

384
Os que já tiver nascido Agora vou terminar
Não adianta matar Mudando de opinião
É obrigado a criar Que não sou de algodão,
Tenha ou não tenha marido, Porisso vou explicar
O caso está resolvido Para todos, se agradar,
Não está mais por fazer, Vou tudo contradizer
Ou pra morrer ou viver Todos precisam viver
Tem que isso suportar A vida material
Que é obrigado a dar Isso é muito natural
O direito de nascer. O direito de nascer.

FIM

385
OS SOFRIMENTOS DO PAI DE FAMILIA
E A MULHER PREGUÇOSA

A vida hoje é pesada O cacau caiu de preço


Que comparo com uma cruz E o povo se consome
Que o pobre pai de familia Carne cinco, seis cruzeiros
De dia a noite conduz Só tubarão é quem come
Pra poder ganhar o pão E a pobre da sardinha
Luta mais do que leão Que não entra nesta linha
Sua mais do que cuscús Arrisca morrer de fome

Com filho e mulher nas costas Além dêsse sofrimento


Sofrendo por noite e dia Pela falta do dinheiro
Pra resolver seu problema Piora cada vez mais
É a maior agonia Nosso País brasileiro
Todo canto a coisa é preta Cada vez o pobre cai
Pois só encontra a marreta Porque aonde êle vai
Da malvada carestia Só encontra é marreteiro

O dinheiro se sumiu Uma chícara de café


Ninguém sabe onde êle entrou Faltando um dedo pra encher
Só se vê gente queixando Custando trinta centavos
Que o dinheiro exalou Isto aí è de doêr
A malvada carestia Sendo no bar é quarenta
Aumenta de dia a dia O pobre não se aguenta
E agora foi que danou Com tão grande padecer

386
Um pão era 10 centavos É tanto do tranca rua
Vinte agora está custando Que tem em tôda cidade
Tem lugar que custa trinta Roubando as coisas dos outros
O pobre está se acabando Que faz até piedade
Pela falta do dinheiro O seu futuro é cadeia
E ainda o marreteiro E depois morrer na peia
Cada vez mais marretando Por sua infelicidade

Se vê o custo de vida O govêrno deu uma ajuda


Nas cidades do sertão Para criança estudar
Que a gente acha que o sul Deu escola gratuito
É a maior exploração Isto veio muito ajudar
É mais barato a comida Mas tem pai que ainda tarda
Três cruzeiros a dormida Pois o livro e a farda
Se paga numa pensão Nem todos podem comprar

No Sul o preço é o dobro Porque o maior problema


Da comida ate a cama Nesse tempo é o pirão
Quem é forte enche o bucho É tanta gente sofrendo
O fraco morre na lama Que faz dó de coração
Tudo aqui è carestia Aumentando dia a dia
Porque o sul da Bahia Ia a malvada carestia
O povo conhece a fama Marretando a multidão

Se tem quatro ou cinco filhos Se vai procurar emprego


Leva a vida a brincar Não tem quem queira o empregá
Porque a lei proibiu Se vai vender qualquer coisa
O menor se empregar O povo não quer comprar
É pai e mãe trabalhando Ainda vem o imposto
Os filhos malandriando Termina tudo em desgosto
Muitos dão para roubar O pobre falta é chorar

387
E assim continuando Ninguém na terra dar jeito
È crìtica a situação Pra carestia acabar
Para achar qualquer serviço Porque não há produção
Precisa ter pistolão Pra tudo baratear
Mesmo pra ser um servente Vamos dar graças a Deus
Precisa ser boa gente Com todos prodigios seus
Que tenha bem proteção Mesmo assim caro ainda achar

Quando chega conseguir E assim o pobre homem


Esse trabalho bacana Leva esta cruz penosa
Pra ganhar trinta cruzeiros Sobe serra e desce serra
No correr duma semana Na hora mais tenebrosa
Recebe a mincha quantia Vai a frente, vai atraz
Diz a negra carestia: E o homem sofre mais
Eu quero ver quem me engana Se a mulher for preguiçosa

Trinta cruzeiros somente A mulher que lava roupa


Para uma feira fazer A mulher que faz cuscús
Para 8 ou dez pessoas A mulher que ajeita os filhos
Numa semana comer Não deixa como avestrús
E pagar aluguel de casa Tudo em casa é resolvido
Êsse pobre se atrasa Está ajudando o marido
Pois não pode resolver Levar a pesada cruz

Com que vai comprar remédio Mas a mulher que não quer
E a roupa pra vestir Nem mesmo água apanhar
Como é que paga a luz Quanto mais ir lavar roupa
Donde é que vai sair Tudo precisa pagar
O dinheiro pra o carvão Nem siquer apaga a luz
E tambèm para o sabão Vive montada na cruz
Para poder resistir? Para o marido arastar

388
Se o marido mandar Os filhos do mesmo modo
Qualquer trabalho fazer Segue esse mesmo rojão
Ela se zanga dum jeito Só quer achar tudo pronto
Que é capaz de bater Desde a roupa até o pirão
Naquele pobre marido Digo a verdade não nego
Faz um tão grande alarido Pois nenhum quer dar 1 prego
Que faz a terra tremer Numa barra de sabão

Vai pra casa do vizinho Correm pra televisão


Com a maior confusão Quando a noite vai chegando
Fala tanto do marido Para assistir suas novelas
Que faz até compaixão Que estão acompanhando
Não tem roupa pra vestir O pai sosinho a lutar
Não tem cama pra dormir Ninguém quer lhe ajudar
Não tem sapato nem pão Sò êle a cruz carregando

E alèm de tudo isto De 10 pra onze da noite


Se dana pra ciumar Já não pode resistir
Levanta falso ao marido O pobre pai tão cansado
Que faz vergonha contar Vai se deitar pra dormir
Que êle tem 2, 3 mulheres Quando um filho vida torta
Dar roupa, prato, e colheres Com força bate na porta
Somente a ela não dar É obrigado êle abrir

Pra o homem de compreensão Aconselho a todos filhos


Essas coisas ainda passa Que tenham compreensão
Pois êle não dar ouvido E a mulher preguiçosa
Sobe tudo na fumaça Precisa ter compaixão
A grande fraqueza dela Pelas bênçãos de Jesus
O pior é quando ela Ajude levar a cruz
Se dana a beber cachaça Que homem não é o cão

389
Os quatro filhos que tenho Peço desculpas as mulheres
São brilhante certamente Se acharam rigorosa
Meu futuro na velhice Esta escrita que publico
Com a fé no Onipotente Somente em rima sem prosa
Nenhum ser mau Êle deixe Aquela que não gostar
Porque eu peço é um peixe E ao poeta xingar
Ele não dar uma serpente É A MULHER PREGUIÇOSA

FIM

390
HISTÓRIA DA MULHER CIUMENTA
QUE COMEU O MARIDO ASSADO

Deus fez a mulher no mundo Contou-me um companheiro


Com bastante perfeição Que estava na pensão
Com sua sabedoria Duma senhora no Rio
Da costela de Adão A tempos que longe vão
Para que amasse o homem Faltou carne na cidade
De todo seu coração Foi a maior confusão
A carne não se achava
Porém tem muitas mulheres Mesmo por preço nenhum
Que seguem errada esta linha Tinha que comer batata
Porque o homem não pode Com abóbora girimum
Comprar peru nem galinha Com caranguejo e cirí
Ela deseja comer Acarí ou gaiamum
Ele assado com farinha
E assim continuou
Aqui eu conto esta história A carne sempre faltando
Que contou-me um companheiro O povo por todo canto
Que é hoje um grande astrólogo A tal carne procurando
Chama-se Abilio Ribeiro E os jornais da cidade
Disse que levou de vista Esta falta anunciando
Lá no Rio de Janeiro
Quando foi um certo dia
Você sabia que o ciúme é Que chegaram na pensão
uma arma destruidora? Cada um hòspede dali
Alegrou seu coração
Porque tinha tanta carne
Que fez admiração

391
A mesa estava repleta Para a policia local
De carne fresca á vontade Ligeiro telefonou
Cada hóspede se sentou Naquele mesmo momento
Na maior anciedade Toda patrulha chegou
Pois carne naquela época Dizendo: não sai ninguèm
Era a maior novidade Todas as portas fechou

Deram começo a comer Naquele instante agarraram


Mas achando diferente Logo a dona da pensão
A carne mole de mais Levaram pra o delegado
Muitos tiveram na mente Fazer a interrogação
Que em vez de carne de gado Quem foi que ela matou
Ia ser carne de gente Sem a menor compaixão

Ninguém falou coisa alguma E assim que o delegado


Sò fizeram o mau juizo Foi a ela interrogando
Pois falar sem dar a prova Ela com a cara mais limpa
Era o maior prejuizo Foi toda história contando
Mas um estudante médico Como matou o marido
Teve este mesmo aviso E tudo foi explicando

Cujo estudante pra médico Disse ela: ele me disse


Estava pra se formar Que ia me abandonar
Dessa carne duvidosa Arranjar outra mulher
Começou desconfiar E com ela se casar
Pegou um pedaço e no quarto Por isso que o matei
Foi depressa examinar Pra todo povo almoçar

Pegando seu aparelho Como a senhora o matou?


Que era muito bacana Perguntou o delegado,
Assim que fez o exame Disse ela: o matei
Atestou ser carne humana Com uma corda enforcado
Disse ele: nesta casa A fim de não fazer sangue
Tem uma fera tirana Tive bastante cuidado

392
Onde a senhora guardou As ondas tinha o levado
O resto da carne humana? Mas depois tornou trazer
Disse ela: na dispensa Como pedindo justiça
Que tenho muito bacana Pra criminosa prender
Para os meus hóspedes comer Disse então o delegado:
Todo resto da semana Você merece morrer

Comeste também da carne? Mas como Jesus proibe


Perguntou o delegado Uma lei para matar
Disse ela: eu comí Você vai para a cadeia
Um pedaço bem assado Pelo seu erro pagar
E achei muito melhor Cem anos e mais um dia
Do que mesmo cozinhado Pra poder se libertar

Vamos lá na sua dispensa E assim a mulher monstro


Pra ver se isso é verdade Foi para a penitenciária
Chegando lá foram vendo Pagar pelo seu pecado
A grande barbaridade Pra não ser tão ordinária
O homem feito em pedaços Para ver se se arrepende
Sem a menor piedade Deixa de ser sanguinária

Cadê a cabeça e os pès Agora ouça os conselhos


Aonde jogaste então? Deste humilde trovador
Disse ela: eu botei O marido e a mulher
Todos dentro dum sorrão Deus os fez para o amor
E joguei dentro do mar E não pra cair no laço
Pra não fazer confusão Do infeliz tentador

Entre aqui logo no carro Uma mulher ciumenta


O delegado falou É a casa da maldade
Và me mostrar onde foi É inimiga da ordem
Que esse sorrão jogou Da lei, da prosperidade
Foram chegando na praia Da fé e da salvação
Ele o sorrão avistou É uma infelicidade

393
Uma mulher ciumenta Ele quer que todo homem
É sombra de lucifer Não seja como os ateus
É um carro sem ter freio Se case e viva feliz
Na descida sem choufer Com todos os filhos seus
E um homem ciumento Sendo uma familia santa
É pior do que a mulher Abençoada por Deus

Vamos deixar o ciúme Se for isto uma mentira


Vamos ter compreenção Merece a gente pegar
Deus não quer que um casal Este cabra que contou
Só viva em separação Para o poeta rimar
Por isso mesmo ele fez Dar cem cruzeiros a ele
Dona Eva para Adão E depois tornar soltar

FIM

394
FOLHETOS REPERCUSSIVOS DE FENÔMENOS
SOCIAIS, MORAIS, ESCATOLÓGICOS

395
A CARTA DE UM JUMENTO PRA
O SENHOR GOVERNADOR

Eis aqui a novidade Disse o outro: não adianta


De chamar mesmo atenção Pois o urubu já falou
Os jegues se reuniram E a matança de jegue
Do sul atè ao sertão Cada vez continuou
Revoltados contra os homens O outro jegue chorando
Fizeram a reunião Meteu os pés levantou

Quinhentos e tantos jegues E disse: então meus colegas


Se juntaram num sò dia O que devemos fazer?
Pra falar sôbre a matança Vamos procurar um meio
De jegue aqui na Bahia Que possa nos defender
E por isso estão sofrendo Dos matadores de jegue
A mais tremenda agonia Senão nòs vamos morrer

Todos eles reunidos Pois contra o bicho homem


Disse um: meus companheiros Nòs não podemos lutar
O que devemos fazer Quem tem chifre, quem tem unha
Contra esses carniceiros Nunca pôde triunfar
Que querem nos devorar Nós não temos nada disso
Como uns leões verdadeiros? Como se pode enfrentar?

Um jegue velho chorando Outro jegue soluçando


Levantou ligeiramente Foi dizendo: é um horror
Dizendo: caros colegas E chamou um jegue velho
Eu tenho na minha mente Venha cá seu professor
Pra nós irmos a Brasilia Vamos escrever uma carta
Dar uma queixa ao Presidente Pra o Sr. Governador
397
Todos jegues aceitaram Enquanto não tinha asfalto
Fazer um abaixo assinado Sob o meu ponto de vista
E mandar diretamente Agente se confiava
Pra o governador do Estado No amigo motorista
Para decretar um artigo jamais nos atropelava
Se inda não foi decretado Até deitados na pista

Então aquele jumento Agora tem o asfalto


Que a tempos foi professor Tudo veio se renovar
Pegou a sua caneta Vou falar aos meus colegas
Com muita arte e valor Pra não mais se confiar
E escreveu: Saudações Nos amigos motoristas
Ilustre governador Que dirigem a cochilar

Somos os jegues que estamos Nós já fomos motoristas


Na lista para morrer Tanto aqui e como além
Para ir nas feiras livres Até hoje tenho cuidado
A nossa carne vender Com quem vai e com quem vem
Todo esse povo comprar Viajava dia e noite
E enganado comer Sem atropelar ninguém

Com tanto boi que existe É tanta perseguição


Se ver em toda cidade Com os jegues nas estradas
Os açougues cheios de carne Já outros vivem pegando
Para toda humanidade Os jegues pelas chapadas
Ainda vem nos matar Botando no caminhão
Sem a menor piedade Levando pra charqueadas

Os chofés tambèm se queixam A nossa amiga Policia


Que nós vive atrapalhando Tem feito até punição
Porque as vezes no asfalto Tem pegado matadores
A gente fica estudando Levado para a prisão
Eles batem o carro em nòs Mas mesmo assim eles teimam
Porque andam cochilando Matando sem compaixão

398
Prenderam um na Ubaitaba Nòs para ajudar os homens
Outro lá em Coaraci Nossa vida é trabalhar
Prenderam dois em Ilhéus Podemos carregar àgua
Conforme o ràdio daqui E tudo que precisar
Prenderam um em Eunápolis Acho que não há motivo
Ninguém vem me desmenti Deles querer nos matar

Mas mesmo assim esses homens somos nós os pobres jegues


Cada qual descompreendido Levando a vida a sofrer
Agarram os jegues nos campos E os homens nos matando
Para matar escondido Pra todo povo comer
E vende a carne na feira Só mesmo o Governador
Cada um mais atrevido Poderá nos defender

Em nome daquele Homem Na cidade de Itabuna


Que foi nascido em Belém Foi passando um caminhão
E montou-se num jeguinho Superlotado de carne
Pra ir pra Jerusalém Pra vender a multidão
Não deixe matar os jegues E um rabo de jumento
Nem aqui e nem além Deixaram cair no chão

O Pai Dele tinha dito Nesse momento juntou


Para o homem não matar Todo aquele pessoal
Ègua, cavalo e jumento Pegaram o rabo do jegue
Para se alimentar Levaram para o jornal
E os homens resolveram Que deu uma reportagem
A sua lei violar Sobre o assunto afinal

Portanto mais uma vez Ilustre Governador


Ao Sr. Governador Não estou nada inventando
Estamos todos pedindo Estou escrevendo a verdade
Nos livre deste horror Do que está se passando
De irmos cair na faca Na vossa digna pessoa
Como boi no matador Estamos nòs confiando

399
Se o Senhor não der um jeito Ainda peço desculpas
A nossa sorte é mesquinha Ao Sr. Governador
Os homens fazem conosco Dos erros que escrevi
Como fazem com galinha Peço desculpas ao senhor
Nos matam na faca céga E mesmo que a muitos anos
Para comer com farinha Deixei de ser professor

Pra não tomar vosso tempo O jegue não escreveu


Vou dar a terminação Esta carta em poesia
Assinam todos os jegues Porque Deus não deu a ele
Do sul atè o sertão Poetica sabedoria
Pois carta grande de mais Porem se ele escrevesse
É falta de educação Era assim que escrevia

FIM

400
O ENCONTRO DE LAMPIÃO COM
O PADRE CÌCERO NO CÉU

Pegando na minha pena Pra cima de Lampião


Primeiro tiro o chapéu A turma toda avançou
Para escrever um livrinho Lampião meteu-lhe o rifle
Pra granfino e tabarèu Que vinte cães derrubou
O encontro de Lampião Tiro vai tiro vem
Com Padre Cícero no cèu A batalha começou

Lampião chegou no inferno Acabaram a munição


Botou mesmo pra quebrar Se toparam a ferro frio
Deu porrada no porteiro Lampião com seu punhal
Por não deixar ele entrar Igual um touro bravio
Ali começou uma luta Enfrentava corpo a corpo
De fazer admirar Esse forte desafio

Esta noticia chegou Metia o punhal em cão


Aos ouvidos do chefão Que via o bucho rasgar
Que chamou todos os negros E o fato pelo chão
Formou grande batalhão Na hora se derramar
Todos eles bem armados E um golpe em Lampião
Pra brigar com Lampião Nenhum podia acertar

Uns vinham armados de rifle Chegou um diabo moço


De facão e de peixeira Com uma peixeira na mão
Outros de mão de pilão Dizendo: vou arrombar
Era grande a cabroeira O peito de Lampião
Lampião disse sorrindo: Lampião passou a perna
Para mim è brincadeira Jogou o cara no chão
401
Chegou um diabo velho Lampião foi pra o sertão
Que se chamava prazer Mas para a surpresa dele
Lampião meteu o punhal Ele via todo povo
Que viu o bicho gemer E o povo não via ele
Com a dor da punhalada Pôs ele se encabular
Viu seu calção logo encher Com um negocio daquele

Veio uma diaba moça Se falava com o povo


Que se chamava Despacho Ali ninguèm respondia
Lampião disse pra ela Entrava num botequim
Saiba que sou bicho macho Uma cachaça pedia
Meteu o punhal na negra Ninguèm lhe dava atenção
Que a calça caiu por baixo Porque a ele não via

Chegou uma diaba velha Ficou ele na estrada


Com um cachimbo na mão Pra o carro o atropelar
Dizendo: eu vou rebentar O carro por cima dele
A cara de Lampião Passava sem businar
Lampião passou a perna Conheceu que estava morto
A velha rolou no chão Começou ele a chorar

Afinal todos os cães Disse ele: agora sim


Não poderam se conter O que eu devo fazer?
Sairam todos correndo Eu pensei que estava vivo
Pra poder se defender Que nunca ia morrer
Porque contra Lampião Acreditei que estou morto
Só iam mesmo sofrer Sem ter pra onde esconder

Lampião ficou sozinho O que eu devo fazer


Não achou com quem brigar Jà que sou um grande réu
Disse: eu vou para o sertão usar de humildade
Pra ver se posso encontrar Deixar o rifle e o chapéu
Com meu amigo Curisco Ir procurar meu Padrinho
Pra novo grupo formar Que um dia foi para o cèu

402
Meu padrinho Padre Cícero Eu vou chamar seu padrinho
Passou a vida a rezar, Para vir aqui lhe ver
Jà eu fui muito ao contrário Vocês dois dialogando
Passei a vida a matar É fàcil se entender
Mais ele pode pedir Depois lhe apresenta ao Mestre
A Deus pra me perdoar Pra ver o que pode fazer

Naquele mesmo momento São Pedro ligeiramente


Tão grande escada ele viu O Padre Cícero chamou
Com destino para o céu Lampião em pè na porta
Pela escada subiu O Padre Cicero chegou
Procurando Padre Cicero Lampião banhado em prantos
Naquele instante partiu Nos seus pés se ajoelhou

Chegou na porta do céu Meu padrinho Padre Cícero


Naquele instante bateu Agora me arrependi
São Pedro assim que foi vendo Porque vim ter a certeza
Na hora o reconheceu Que lá na terra eu morrí
Isto é você Lampião? E vim pedir ao senhor
Ele assim lhe respondeu: Pra ficar consigo aqui

Sou eu difato, meu santo Padre Cícero respondeu:


Que vivi na escuridão Não sou eu que sou a luz
Só me confiando em arma Eu apenas lá na terra
Para matar meu irmão, Conduzi a minha cruz
Eu quero ver meu padrinho Só quem pode te salvar
O Padre Cícero Romão É o Santo Mestre Jesus

São Pedro disse: difato A lei de Deus nos ensina


Você foi um perigoso Pra todos observar
“Matou pra mais do pedido” Que serve o arrependimento
Naquele mundo enganoso Antes da morte chegar
Seu padrinho aqui está Você foi morrer primeiro
Bastante vitorioso Deixou a porta fechar

403
Porém Deus é poderoso Sentaram là num salão
Ninguém a Ele atropela Começaram a palestrar
Ele è o Autor da lei Lampião disse: Padrinho
Mas não è sujeito a ela Ouví na terra falar
Desmancha quando quizer Que os católicos brasileiros
Seja esta ou seja aquela Foram a Vòs canonisar

Dali levou Lampião Meu padrinho està sendo o santo


A presença do Senhor De sua predileção
E ele pediu perdão Com isto estão espalhando
Dos seus pecados de horror A nova religião
Jesus lhe disse: esperamos E esta homenagem deles
Pelo teu acusador O senhor aceita ou não?

O cão estava doente O padre lhe disse: não


Sofrendo até do pulmão Porque não posso aceitar
Das pancadas que levou Eu fui católico romano
Na briga com Lampião Pretendo continuar
Por isso pro céu não foi Eles querem arma um laço
Fazer sua acusação Para o meu povo pegar

Depois disse o Bom Jesus A Biblia Sagrada, hoje


Eu fui nascer em Belém Não é coberta de véu
Pra salvar o pecador Onde Jesus disse a Pedro
Não para acusar ninguèm Sem precisar escarcéu:
Se ninguém te acusou Quem te ligares na terra
Eu não acuso tambèm Será ligado no céu

Lampião naquele instante Quem se desligar de Pedro


Deu um pulo de alegria Que se desligar da cruz,
Dizendo: bendito seja Desliga da salvação,
O Nosso Deus que nos cria Porque desliga da luz,
O Padre Cìcero Romão Porfim està desligado
E a santa Virgem Maria Do Santo Mestre Jesus

404
Senhores neste livrinho
Mostrei muita inspiração
O encontro do Padre Cícero
Lá no céu com Lampião
Não tem nada de verdade
Foi uma imaginação

FIM

405
O ENCONTRO DE UM TROVADOR
COM UMA FERA MONSTRUOSA

O meu pensamento é livre Eu sou o Analfabetismo


É brilhante e è fecundo Qui não topo prufessô
Remecheu todo huniverso Quem anda vendendo livro
No correr de um segundo Eu tenho o maior horrô
Para escrever sobre a fera Meu disvejo è devorá
Mais temerosa do mundo Todo e quarqué trovadô

Cuja fera monstruosa Os antigos trovadô


Não teme nem a fusil Com eles tudo lutei
Quando ela entra em luta Nenhum pôde risisti
Devora pra mais de mil Qui para traz os passei
É a fera mais valente Fartava você agora
Que tem em nosso Brasil Qui aqui devorarei

Viajava um trovador O trovador disse a ela


Os seus livrinhos vendendo Vitòria você nem pense
Quando chegou na estrada Porque eu sou trovador
Viu a terra estremecendo Là do Sul itabunence
Essa fera monstruosa Você venceu meus colegas
Foi a êle aparicendo Mas amim você não vence

Disse ela ao trovador Dizendo isto pegou


Você que vive a vendê Um livro com u’a mão
Êsses tá de foêtìm E dele fez um escudo
Qui eu não seio praque Naquela grande aflição
Si prepare e segure Atírou a letra A
Qui agora vou lhe comê Na cabeça do dragão

406
Quando a letra bateu A fera disse pra ele
Ele quiz esmorecer Agora vou lhe cumer
E o moço aproveitando Disse o rapaz: è mentira
Atirou a letra B Eu posso me defender
Logo imediatamente Ela aì partiu pra ele
Tamancou-lhe a letra C Ele então botou-lhe o L

O dragão lhe respondeu: Disse a fera: trovadô


Eu não seio o que é isso Eu a qui serei perene
Voce vem me jogá peda Respondeu ele: que nada
Mais voce hoje eu inguisso Mandou-lhe o mê ou o eme
Nem qui voce seja duro Na cabeça do dragão
Ou saba fazer feitiço E depois mandou-lhe o ene

Dizendo isto, outra vez Disse a fera: tú é duro


Pra o moço logo avançou Mais não pode me vencer
A letra D e o È O moço disse: eu lhe mostro
O rapaz logo atirou Passou-lhe o Ó e o P
Na cabeça do dragão Bem nos dentes do dragão
Que o galo levantou E depois passou-lhe o Q

O dragão quase que cai Disse o moço: outras feras


Porèm tornou se erguer Mais valentes jà venci
O rapaz aproveitando Meteu o R pela cara
Jogou o F e o G Que viu a fera cair
O dragão entontiou Quando foi se levantando
Mas não quiz esmorecer Passou-lhe o T e o Sì

A fera partiu pra o moço Disse a fera: trovadô


Querendo o engulir Nunca vi um cuma tù
Mas ele saltou de costa Qui na luta inté parece
Sapecou-lhe o H I Com cobra surucucú
Quando a fera veio de novo O trovador respondeu:
Meteu-lhe jota ou o J Tome agora a letra Ù

407
A fera já bem cançada Porque o analfabetismo
Sem poder se defender Tem ódio dos professores
O trovador disse a ela: E odeia ainda mais
Tome lá a letra V A classe dos trovadores
Tome o X no pé do ouvido Que publicam seus livrinhos
E na venta a letra Z Humildes educadores

Aquele pobre poeta Correndo todo Brasil


Com isto se fracassou Vive essa fera voraz
Pois as 24 letras Lutando contra o progresso
Desta vez se acabou Perseguindo mais a mais
O monstro já quaze morto Engulindo os jornalistas
Com isso se melhorou Com todos os seus jornais

Aquele pobre que viu Pois, é tanto do jornal


Que letra não tinha mais Que d’uma vez se sumiu
Correu para se livrar Nunca mais apariceu
Daquela fera voraz Pra onde foi ninguem viu
E ela se melhorou Com certeza foi a fera
Enfiou o pé atraz Que á eles enguliu

O trovador que correu Os pobres dos professores


Com o seu livro na mão Vivem sempre a lutar
Foi parar no Ministèrio Sem arma suficiente
De Cultura e Educação Para essa fera enfrentar
Para pedir uma arma (tipografia) Luta de dia e de noite
Para enfrentar o dragão Mas sem poder dominar

Porisso caros amigos As crianças brasileiras


Se o gorvêrno não ligar Aconselho mais a mais
Ajudando os trovadores Que a proveite os esforços
Para eles batalhar Dos seus estimados pais
Contra o nalfabetismo Aprendam ler pra lutar
Êle vai nos devorar Contra esta fera voraz

408
Porque o analfabetismo Hoje tenho 4 filhos
Cada vez mais nos faz guerra Cordas do meu coração
Para aprender a leitura Para estudar eu arrasto
Suba morro e desça serra A barriga pelo chão
Pois a tal ignorância Mas com fé em Jesus Cristo
Pesa mais do que a terra Hei de dar educação

Ao senhor pai de familia Quando eu for pra eternidade


Este conselho eu vou dar Que Deus mandar me chamar
Contra essa grande fera Nada deixando pros filhos
Nunca deixe de lutar Mas se a leitura ensinar
Faça o que for possível Ficam eles bem armados
Para o seu filho estudar Para essa fera enfrentar
Meus amigos e leitores
No tempo de minha infância Faço aqui um paradeiro
Escola não frequentei Se não hover um socorro
Porèm depois de rapaz Impulso forte e fagueiro
Com a força que botei Leitura vai se acabar
Aprendì muito pouquinho Ver a fera devastar
E essa fera enfrentei Ao nosso País inteiro

409
HISTÓRIA DA MULA DE PADRE QUE APARECEU
NO ESTADO DE SERGIPE

Meus amigos vou contar Corria arredor do engenho


Um caso que se passou Num trinca-trinca danado
No Estado de Sergipe Dando urros de horror
Que o povo admirou, E coices pra todo lado
Lá na fazenda Sobrado Quem fosse ali trabalhar
Ficou o povo assombrado Era capaz de assombrar
Muita gente horrorisou. Se não fosse preparado.

No engenho São Tomé, Porém tudo neste mundo


Numa certa ocasião Que seja bom ou ruim
Tínha uma Mula de padre Tudo que teve principio
Que fazia assombração, Um dia há de ter fim,
Toda noite de luar A coisa mais impossivel
Ela ia se virar E por mais que seja incrivel
Pertinho, num areião. Vai destruindo festim

Então todos operarios Aquela historia assombrosa


Só faltavam se assombrar, Já tinha se espalhado
De 6 horas em diante Que já chamavam o engenho
Ninguem queria ficar Era engenho mal assombrado
Porque a mula chegava Ninguem queria trabalhar
E quando ela rinchava Com medo de se assombrar
Fazia a terra abalar. Vivia tudo assustado.

410
O dono do dito engenho Ali juntaram eles todos
De muita disposição Que estavam de prontidão,
Disse: isso é covardia, Agarraram esta tal mula
Vão se armar de facão E derrubaram no chão
Não quero que esmoreça Com as cordas que levaram
Que a mula sem cabeça Num instante amarraram
Nós pega hoje é de mão. A tal mula pé e mão.

Reuniu 50 homens A bicha se viu amarrada


De coragem, bem armados, Abriu a bôca a urrar
Cada um levou um laço E guinchadas de urina
Todos eles preparados Se via longe voar,
Pra o engenho São Tomé Disse o dono do engenho:
Seguiram todos de pé Serviços muitos hoje eu tenho,
Como eram acostumados. Vou botar pra trabalhar.

As 11 horas da noite Vou botar pra môer cana


Foram eles todos chegando Quando não tiver mais graça
No referido areião Eu prendo no meu quintal
E foram todos cercando Que na cerca nada passa
Todos eles bem armados Vou saber o que ela come
E de laços preparados Depois pego um lubizome
Pela tal mula esperando. E boto pra tirar raça.

Quando foi as 12 horas E dali seguiu com ela


Viram u’a mulher chegar Toda aquela multidão
Tirou a roupa avesso Botaram pra môer cana
E no areião se deitar, Cada um com um ferrão,
Pra lá e pra cá espojou-se Porém nenhum ferruava
Num momento transformou-se Porque o engenho rodava
Num grande monstro sem par. Muito mais que um pinhão.

411
De 20 carros de cana A mula deu uma risada
Que o carreiro botou E começou a cantar
Com duas horas somente Importa que a mula manque
Toda cana se acabou Eu só quero é rosetar
A mula deu pra rinchar, Rodando em toda carreira
Começou a se avexar E cantou mulher rendeira
Assim que o galo cantou. E o baião de Propriá.

Passando mais duas horas A mula sempre cantando


O galo tornou a cantar Com a voz de assombração,
Disse a mula fala pau: Cantou a Lua Bonita
Eu não posso aqui ficar, Depois cantou meu Pinhão,
Se não me soltar daqui Foi a maior novidade
Ninguem chupa nada aí Ao depois cantou Sodade
Porque eu vou me soltar. Com o ritimo de baião.

Quando a mula disse isto Disseram os trabalhadores:


Eles ficaram assombrados, Você aì vai ficar
Ficaram lá de bem longe Que nós vamos dando o fora
Bastante aterrorisados, A mula disse: vai dar
A mula de lá gritando: E deu um geito no rabo,
Vai levando, vai levando, Eta mulher do diabo
Eles ficaram parados. Começou ela a cantar.

A mula sempre gritava: A mula rodava tanto


Ninguem chupa nada aí, Que um pinhão não ganhava,
Se chupar eu chamo o guarda Há sinceridade nisto?
Que corre tudo daqui, De vez em quando gritava:
Acho bom vim me soltar Venham logo me soltar
Antes do dia clarear, Que eu quero rosetar
E começou a sorrir. Por esta forma falava.

412
O galo cantou de novo A mula saiu correndo
A mula deu pra urrar, Desta forma assim gritando:
Deu um coice na moenda Ninguem chupa nada aí,
Com vontade de quebrar E com a moenda arrastando
Que derrubou a menor, Saiu em toda carreira
Ela estava na maior Gritando desta maneira:
Que não poude se soltar. Vou levando, vou levando.

Disse ela: fala pau Ficaram todos os homens


Que não aguento massada Que a tal mula pegaram
Vou quebrar estas moendas Bastante atemorisados
Que já estou é danada, Pra suas casas voltaram
Dizendo isso a sorrir: Aquela historia horrorosa
Ninguem chupa nada aí Da mula misteriosa
Que eu vou chamar o guarda. A todo povo contaram.

Então naquele momento Espalhou esta noticia


O galo tornou cantar Isso por todo lugar,
Só faltava duas horas No engenho São Tomé
Para o dia clariar, Ninguem quiz mais trabalhar,
E a mula se vexou Todo povo de Sobrado
Duma só vez avançou O engenho mal assombrado
Para o engenho arrancar. Foi preciso abandonar.

Com esse primeiro tombo Quem me contou este caso


O engenho se abalou Fui uma senhora incapaz
A mula voltou de costa De inventar uma mentira,
E novamente avançou. Ninguem desminta jamais
Deu um tombo tão danado Ela é uma sergipana
Que foi tão demasiado Que a ninguem não engana
Que o engenho todo arrancou. E mora em Minas Gerais.

413
Quem não comprar este livro
Ou vir me falar fiado
Eu vou rogar uma praga
Que é triste seu resultado
Sofre o que a mula sofreu
O que ela padeceu
Lá na Fazenda Sobrado.

FIM

414
HISTÓRIA DA PORCA QUE APARECEU NO CARNAVAL
DE ITABUNA CANTANDO: RALA O PINTO

Neste mundo tudo existe Quando era pela noite


Ninguém deve duvidar, Ficavam ali três vigias,
No mato existe caipora Cada um com um revolver
Que faz gente se arear, Mostrando suas energias
Isto ninguém desconhece Para livrar dum ladrão,
E também alma aparece Ficavam ali de plantão
De fazer gente assombrar. As noites e todos dias.

Existe mula de padre Numa certa meia noite


E lubisome também, Um vigia extremeceu,
Existe espíritos maus Que uma porca e cinco pintos
Tanto aqui e como alèm, No momento apareceu,
Coisa que a gente não ver Naqueles tristes instantes
Mas que pode aparecer Cada um dos vigilantes
Na hora pra mais de cem. De medo tudo tremeu.

A construtora CEPEL A porca disse pra eles


Fazendo uma construção, Não tenham o menor cuidado,
De estrada de rodagem Nòs sò queremos saber
Numa certa ocasião, Quando è o dia marcado,
Na cidade de Itabuna Da festa do pessoal
Na região grapiúna Que se chama o carnaval
Pra toda população. Conhecido antecipado.

415
Os vigilantes com medo Desceu com as mãos e pés
Naquele instante correram, Cada um mais espinhado,
Todos três dos seus revòlveres Correndo sangue dos braços
Naquela hora esqueceram O calção todo rasgado,
O medo foi tão danado Igual a mala sem alça
Cada um apavorado Também o fundo da calça
Os três revòlveres perderam. Estava todo melado.

Um daqueles vigilantes Agora no carnaval


Bem ativo e bem ligeiro O povo estava brincando,
Teve um medo tão enorme No Bloco do Rala o Pinto
Que subiu num espinheiro A turma estava pulando,
E não pôde mais descer O trio elétrico destinto
Ficou em cima a tremer Só tocava rala o pinto
Chamando seu companheiro E os fuliões pinotando.

Ficou ele là em cima Quando foi a meia noite


Nesse grande padecer Sabe o que aconteceu?
Chamando seus companheiros Uma porca e cinco pintos
Para ir lhe socorrer, Nesta hora apareceu,
Naquele triste penar Naquele mesmo recinto
Sem poder ali ficar E cantando rala o pinto
Também sem poder descer. O povo todo correu.

Atè que seus companheiros O pessoal assombrado


Os gritos foram escutando Horrivelmente corria,
Já era madrugadinha Os que estavam de sàia
O dia já vinha raiando, Se embaraçava e caia,
Pegaram a máquina e botaram Os outros pisoteava
E bem direito ajeitaram Uns gemia, outros chorava
Desceu ele se agarrando. Naquela grande agonia.

416
Moças com as fantazias Foram chamar a policia
Que estavam bem ornadas, Pra aquele escândalo acabar,
Quando viram aquela porca E ver que porca era aquela
Cantando e dando risadas, Fazendo o povo assombrar,
Todas elas se assombraram Porque daquela maneira
As fantazias rasgaram Na expressão verdadeira
Correram todas peladas. Não podia continuar.

Atè rei Mômo na hora Chegaram 12 soldados


Que não esperava o mandu, E cada um se benzeu,
Ver uma porca cantando Nem de polícia eu gosto
E fedendo a urubu, A porca assim respondeu,
Com 5 pintos atrás Não assombro até o quinto
Gritou: isto é o satanás Porque vim junto com pinto
Também foi correndo nu. E dali desapareceu.

A porca naquela hora Portanto tenham cuidado


Continuava cantar Porque pode acontecer
Os pintos acompanhando Nos carnavais do Estado
De fazer admirar Essa porca aparecer,
Deixe a cueca e o cinto Até mesmo em Salvador
Rala o pinto, rala o pinto Demonstrando o seu valor
Que eu também quero ralar. Para todo mundo ver.

Foram ao bêco do fuxico No carnaval de Conquista


Para beira rio voltaram, Ela pode apresentar,
Cantando e dando risadas Sua mùsica rala o pinto
A multidão se espalharam, E seus pintos a pular,
Fulião caia gritando Produzindo a maior graça
Outros por cima pisando No meio daquela praça
E assim continuaram. Fazendo o povo assombrar.

417
Em Jequié está sujeito A porca não vai perder
A porca chegar cantando, Também em Ibicaraì,
Rala o pinto, rala o pinto No dia do micareta
E a pintaiada pulando Ela està chegando aì
Na praça dando risada Com seus pintos à brincar
E toda rapaziada E muita gente assombrar
Que ver vão se assombrando. Daí até Ibicoí.

Na cidade de Itajuipe A porca não vai deixar


No micareta este ano, A festa em Buerarema,
É arriscado a porca ir Levando os seus 5 pintos
Com seu fedor deshumano Pra resolver seu problema
Com os seus pintos atrás E rala o pinto cantar
E pular de mais a mais Todos pular e dançar
Atè que “lascar o cano” E recitar seu poema.

Coaraci nos seus festejos O carnaval de Ilhèus


É arriscado a porca ir A porca não vai faltar,
Com seus pintos preparados Lá é que vai ser de “colher”
Para com ela seguir Para ela aproveitar,
Pra fazer a multidão, As turmas de moças nuas
A maior assombração Andando soltas nas ruas
E melhor se divertir. Pra ela tudo assombrar.

Na Uruçuca também Também na Ubaitaba


Arrisca a porca chegar, Ela està de prontidão,
Com os seus pintos atrás Para ver quem meche mais
Para na festa encontrar Quem è melhor fulião,
O povo desabrigado Que goste desse recinto
Que for na festa encontrado De bloco do rala o pinto
Para ele carregar. Pra fazer assombração.

418
Em Ubatã nem se fala Em Ipiaù tambèm
Que a porca já anotou, Ela não vai dispensar,
Quando o carnaval chegar Vai cantar o rala o pinto
Ela tambèm já chegou, Pra todo povo escutar,
Com toda a sua pintaiada Quem disser que é besteira
Ela já vai preparada Vai tomar uma carreira
Por isso já anunciou. Assim que a porca chegar.

FIM

419
HISTÓRIA DE ZÉ VALENTÃO E SUA
LUTA COM OLEGÀRIO PIADISTA

Gosto do homem valente Esse tal Zè Valentão


Neste País brasileiro, Como o povo o chamava,
Que luta pela justiça Era valente de um jeito
De nosso Paí Verdadeiro, Que ali onde morava,
Para mim não tem cartaz Ele dava feriado
Quando o homem é desordeiro. E o povo todo guardava.

Pois, difato o desordeiro Com um revolver na cinta


Sò luta contra a verdade, E tambèm uma peixeira,
È inimigo da Ordem Batia em todos os homens
Irmão da perversidade, Daquela terra fagueira,
Só dar valor a mentira Por qualquer uma tolice
A traição e crueldade. Ele descia a madeira.

Só fala nome imoral Quando faziam uma festa


Na fúria de sua ira, Primeiro o que convidava,
Arma traição a verdade Era seu Zè Valentão
Bota a justiça na mira, Que na frente se achava,
Um desses não tem coragem Pois, do contrário ele ia
É valente de mentira. E aquela festa acabava.

Com todos estes defeitos Se homem olhasse pra ele


Existia um cidadão, No meio daquele recreio,
Numa pequena cidade Ele perguntava logo:
De là do alto sertão, Me acha bonito ou feio?
Por todos jà conhecido Ali começava a briga
De nome Zè Valentão. Sem proposta e sem peleio.

420
Se por acaso dissesse Um moço ali jà me disse
Que ele era bonito, Que viu a gaiola no ar,
Ainda era pior Com o canarinho dentro
Que ele soltava um grito, Vou ver se posso alcansar,
Capaz atè de arrancar Deixe esta sua piada
As pirâmides do Egito. Pra outro dia eu contar.

Eu não sou nenhuma moça Não sei por que Olegário


Pra você me conquistar, Numa noite de São João
Vou quebrar a sua cara Desentendeu com o homem
Pra poder me respeitar, De nome: Zè Valentão,
Aì o cara ou corria E começou uma disputa
Ou tinha que apanhar. De chamar mesmo atenção.

Porém existe um ditado Zè Valentão gritou logo:


Do velho Chico Botelho: Vou lhe matar na pancada,
Quando a casa està molhando Olegário respondeu:
Precisa fazer um retelho, Para mim isto é piada,
E a moita que não se espera Vou lhe provar que você
Dali é que espirra o coelho Não è valente e nem nada.

Ali morava um rapaz De hoje para a manhã


Que era um bom motorista, Você tem que me pagar,
Um contador de piada Sua fama de valente
Daquela não realista, Desta vez vai se acabar,
Por isso o povo o chamava Ali juntou muita gente
Olegàrio Piadista. Para não deixar brigar.

Certa vez ia Olegário Olegário foi se embora


E o seu colega o chamou: Pra fazer sua aventura,
Conte aqui uma piada Comprou uma banana d’água
Ele na hora falou, Grande e bastante madura,
Não posso que meu canário Como se fosse uma faca
Com a gaiola voou. E colocou na cintura.

421
A noite numa esquina Chegando ao Pronto Socorro
No meio da escuridão, Zè Valentão a tremer,
Olegário Piadista E gritava em toda altura:
Esperava o valentão, Seu doutor eu vou morrer!,
Com a banana na cintura Mande chamar minha mulher
De chamar mesmo atenção. Para ultima vez eu ver.

Mais tarde Zé Valentão Passava a mão na barriga


Por ali logo passava, Estava toda melada,
Que ía beber na venda Pensava que era as trípas
De nada mais se lembrava, Que cada estava furada,
Disse Olegário: eu não disse Dava gritos de horror
Que tu hoje me pagava? Em uma altura danada.

Meteu a mão na cintura O doutor examinando


E a banana puxou, Disse: o senhor se engana
Bateu na barriga dele Só foi uma brincadeira
Que a banana esbagaçou, De mau gosto e bem profana
Zé Valentão deu um grito! Bateram na sua barriga
Este infeliz me matou. Foi somente uma banana.

Socorro! gente, socorro! Portanto, cale esta boca


Que caí numa emboscada, Deixe esta covardia,
Estou com o fato de fora Que o senhor está sãozinho
Não posso fazer mais nada, Pode sorrir de alegria,
Olegàrio foi embora Lhe bateram essa banana
Correndo e dando risada. Pra atestar sua valentia.

Ali juntou muita gente Se fosse mesmo uma faca


Com a maior compaixão, Era mesmo um caso sério,
Arrumaram logo um carro Neste momento o senhor
Botaram Zè Valentão, Estava no necrotério
Levaram ao Pronto Socorro A manhã ía morar
Comprindo a lei de cristão Lá dentro do cemitèrio.

422
Zè Valentão nessa hora Zé Valentão no outro dia
Levou a mão ao nariz, Dali foi pegando a pista
Quando passou na barriga! Do povo dessa cidade
Disse: sou um infeliz, Desapareceu da vista,
Não me matou Olegário O povo deu parabens
Somente porque não quiz A Olegàrio Piadista.

O povo deu uma váia FIM


Naquela localidade,
Onde està a valentia
Que arrotava de verdade?
Foi obrigado ele ir embora
Daquela bela cidade.

423
HISTÓRIA DO PORTUGUÊS INOCENTE
E A “PONTE QUE CAIU”

Esta vida aqui na terra Na linguagem brasileira


É uma vida atribulada, Sofría sempre maltrato,
Se a gente ficar pensando Pois achava tão dificil
Nesta vida amargurada, Mesmo pra mais do contrato
Morre até antes do tempo Se alguèm dissesse: “sapo”
Por fim não vive nem nada Só compreendia sapato.

Uma história interessante E com isso o português


Vou dizer como è que é, Um pouco triste vivia,
No assunto de gracejo Que os sutaques do Brasil
Nos chama atenção até, Ele não compreendia,
É da puta que pariu E com isso os brasileiros
Là dentro do cabarè. O matava de anarquia.

Quando o homem português Pois aquele português


De nada mesmo sabia, Era difato um recruta,
Aqui em nosso Brasil Levava tudo de eito
Nada mesmo conhecia, Na base da força bruta,
Dava cada “passo errado” E a mulher sem marido
Que todo mundo sorria. Aprendeu chamar de puta.

Certo tempo um portugês Certa vez os seus colegas


Que inda era um solteirão, Pra mostrar “como é que è”
Chegou aqui no Brasil Convidaram o português
Uma certa ocasião, Para ir pra o cabarè,
Começou a trabalhar Ele aceitou o convite
Pela sua profissão. Com toda coragem e fé.

424
Mas uma mulher da vida O soldado compreendeu
Estava pra ter criança, Que aquilo fosse maldade,
A data de dar a luz E falou: esteja preso
Ela saiu da lembrança, Por sua incapacidade,
E jà tinha chegado o tempo Sò porque desrespeitou
De descarregar a pança. Toda nossa autoridade

Ela bastante contente E levaram o português


No cabarè foi dançar, Para a delegacia,
Chegou lá caiu na dança Chegou là o delegado
Começou se requebrar, Perguntou o que havia.
E o português là na porta O que foi que ele fêz
Sò de longe a observar. Para ir pra inxovia?

Quando foi a meia noite Desacatou todos nós


A pobre mulher sentiu, Um soldado assim falou
As dores de ter criança Como foi que ele disse?
No meio da casa caiu, O Delegado indagou,
E a metade do povo O soldado direitinho
Nessa hora escapoliu. Naquele instante explicou.

Foi um tremendo alvoroço Na rua do meretricio


O povo se atropelava, A meia noite surgiu
Batendo uns com os outros Um corre-corre danado,
Ali no chão se enrolava, Eu perguntei se ele viu
Se valia das canelas Ele respondeu a mim:
Na hora que levantava. Foi a puta que pariu.

O português foi correndo Por isso eu trouxe ele preso


Com a policia encontrou, Pra o senhor o investigar
O que foi que aconteceu? Porque foi esse motivo
Um soldado perguntou, D’ele a mim desacatar
Foi a puta que pariu, Se deve ir ao xadrex
O português lhe falou. Ou então deve soltar.

425
Foi chegando outro soldado Chegando em casa, os amigos
E falou por sua vez: Perguntaram o que se deu,
Examinei todo caso Que foi se parar em “cana”
Deste moço português, O que ele respondeu?
A mulher teve criança Ele contou aos amigos
No cabaré de Garcês. Um tudo que aconteceu.

Jà levamos ela agora Eu estava no cabaré


Là para a maternidade, Quando uma puta caiu.
Já está tudo resolvido Todo povo ali correu
Com toda realidade, E a policia me viu,
O português não merece Perguntou, eu respondi:
Ser preso sem piedade. Foi a puta que pariu.

O delegado achou graça Porque falei a verdade


Naquele instante sorriu, Me levaram ao delegado,
Perguntou ao português: Me perguntou tanta coisa
O que foi que o senhor viu? Fui bastante investigado,
Ele respondeu de novo: Quase que alèm de preso
Foi a puta que pariu Ainda sàio apanhado.

Todos soldados na hora Por isso deixo o Brasile


Caíram na gargalhada, Vou pra minha terra natale,
Viram que o português Porque quem fala a verdade
Não tinha culpa de nada, Não merece nenhum male,
Difato a puta pariu Pos isso eu grito e sustento:
Não era história inventada. Viva nosso Portugale.

O delegado mandou Chegou là em Portugal


O português ir embora, Falou pra todos da aldeia:
Ele deu graças a Deus Ó Brasile è muito bom
E tambèm Nossa Senhora Mas a verdade ele odeia,
Da terra de Portugal Porque quem fala a verdade
Ali foi caindo fora. Vai se parar na cadeia.

426
O Brasile dar valor Todo povo brasileiro
É quem a todos engana, Que aquela história viu,
Quem vende gato por lebre Relembrando o português
E abacaxi por banana, Que difato não mentiu,
Quem fala só a verdade Quando ver uma coisa feia,
A policia leva em cana. Grita: puta que pariu!

Eu escapei de apanhar FIM


Na terra de Aparecida,
Voltei pra meu Portugale
A minha terra querida,
E aqui quero viver
O resto da minha vida.

427
HISTÓRIA DO HOMEM QUE VOMITOU SETE URUBÚS

Senhores eu sempre fui Dizia o povo alarmado


Um amigo da verdade Com grandiosa aflição
Vou escrever um folheto Que um duente no hospital
Para toda humanidade Fez tremendo assombração
Mostrando que a mentira Vomitou sete urubús
È uma infelicidade Pretos da côr de carvão

É um ditado antiguissimo Aí correu a noticia


Que ouço o povo falar Por toda aquela cidade
Que a mentira só vale Quando um dizia é mentira
Atè a verdade chegar Outro dizia: é verdade
Mas antes disso tem feito Todos querendo saber
Muita gente se acabar Desta grande novidade

Pois, a palavra verdade Aquele povo mais simples


É estrela encandecente Começou logo a chorar
É a luz abençoada Dizendo: é porque o mundo
Pelo Pai Onipotente Agora vai se acabar
E a mentira é a treva Outros saiam correndo
Criada pela serpente Para ir se confessar

Numa cidade estrangeira Repercutiu a noticia


Denominada Pombal Logo no reinado inteiro
Espalhou-se uma noticia Na Italha, na Alemanha
Na bôca do pessoal E no Paiz brasileiro
Que abalou todo reino Na Russia, Bélgica e Japão
Por todo canto afinal E todo reino estrangeiro

428
Atè que um jornalista Para falar ao dentista
Daquela mesma cidade Êsse moço viajou
Pra fazer uma reportagem Quando encontrou o dentista
Contando a realidade A mesma coisa falou
Quiz saber bem direitinho O dentista direitinho
Aonde estava a verdade Desta maneira esplicou

Perguntou quem tinha contado Eu não falei que foi seis


Este caso verdadeiro Eu disse cinco somente
Disseram que quem falou E os urubús que saiam
Tinha sido o jardineiro Do bucho desse duente
O jornalista seguiu Ia saindo e voando
Naquele mesmo roteiro Sumia ali de repente

Encontrou o jardineiro O senhor viu com seus olhos


E assim lhe perguntou: Este drama verdadeiro?
O senhor viu o doente O dentista disse: não
Que disse que vomitou Mas afirmo companheiro
Sete urubùs no hospital Que soube no hospital
Que o povo se assombrou? Por bôca lá do porteiro

O jardineiro lhe disse O jornalista saiu


O povo quer aumentar Direto pra o hospital
Foi seis urubús somente Foi encontrando o porteiro
Que vieram me contar E perguntou afinal
Que o duente vomitou O caso daquele homem
E fez tudo se assombrar Assombro do pessoal

E quem contou ao senhor? O porteiro disse: não


Perguntou o jornalista De vista não o levei
Pra saber da certeza Somente 4 urubús
Eu venho seguindo a pista Foi só o que eu falei
Respondeu o jardineiro; Se teve mais urubú
Quem disse foi meu dentista Desta conversa não sei

429
E quem contou ao senhor E quem contou a irmã?
Dando esta garantia! Perguntou êle ligeiro
Que já está parescendo Que hoje tirei o dia
Com mentira ou herezia Para seguir no roteiro
Disse o porteiro: se minto Disse ela: quem contou-me
É por bôca do vigia Foi o nosso infermeiro

O jornalista seguiu O jornalista seguiu


Logo o vigia encontrou Com o enfermeiro encontrou
E sobre o caso do homem Do mesmo jeito dos outros
No momento perguntou Ele logo o interrogou,
O vigia nessa hora Aquele moço educado
A sua história contou Ao jornalista explicou

Quatro urubùs, eu não disse O povo aumenta de mais


Apenas falei assim Eu disse um somente
Que foram três urubús E assim mesmo eu não vi
A freira falou a mim Me disse o doutor Vicente
O povo sai aumentando O povo sai aumentando
Já vì que gente ruim Fazendo a vez da serpente

O jornalista sorriu O moço pediu licença


E disse desta maneira Pra falar com o doutor
Esta histôria é de morte Porque do caso direito
Parece até brincadeira Queria ser sabedor
Pediu licença e entrou Chegou lá falou pra êles
Para falar com a freira Como homem de valor

Chegando falou a freira O doutor disse: seu moço


Ela assim lhe respondeu: Aumentaram pra xuxú
O povo aumenta de mais Eu disse que um duente
Pois assim nada se deu Num hospital no Perú
Somente dois urubùs Vomitava todo dia
Foi só o que aconteceu Preto que só urubú

430
O jornalista sorriu Senhores vou terminar
E disse: que pessoal! Os versos de minha lira
Inventar tanta mentira Que a força superior
Tudo do proprio ideal Toda hora me inspira
No outro dia a verdade Para eu falar a verdade
Publicou no seu jornal E condenar a mentira

Nossa lingua é arma atômica FIM


Assim diz a escritura
Que faz a infelicidade
Da mais nobre criatura
Mas se não tiver cuidado
Leva o dono a sepultura

431
HISTÒRIA DO MACACO QUE QUIS SE VIRAR GENTE

Disse o apóstolo São Paulo Depois de milhões de anos


Descendente dos hebreus, Que toda terra esfriou,
Quando pregava o evangelho As árvores e os animais
Là na terra dos judeus, Cada um por si gerou,
Que a sabedoria humana E com o decorrer dos tempos
È loucura para Deus Cada se aperfeiçoou.

Eu admiro a ciência Todos animais da terra,


E a ela dou valor, Todos os peixes do mar,
Quando ela está ao lado Cada monstro tão horrivel
Da santa lei do Senhor, De fazer admirar,
Segundo a Bìblia Sagrada O macaco era tão feio!
Do nosso Pai Criador. Da macaca se assombrar.

Porèm sou contra a ciência Depois de anos e anos


Que fala bem da Natura, Tudo foi se elevando,
Sem falar do seu Autor, Macaco caiu o rabo,
Formando falsa figura, O pêlo foi se afinando,
Para mim esta ciência A cara ficou redonda
È uma completa loucura. Em gente foi se virando.

A falsa ciência afirma Esta história é errada,


Que a terra pra se formar, Para mim não tem valor,
Era uma bola de fogo Porque não pode existir
Lá no espaço a queimar, Uma obra sem autor,
Milhões de anos queimando Nada é feito por si mesmo
E milhões para esfriar. Neste mundo enganador.

432
A verdade està na Bìblia Depois Deus viu que Adão
Relativo a criação, Naquela terra altaneira,
Deus criou o cèu e a terra Sozinho não dava certo
Com bastante perfeição, Nessa terra tão fagueira,
Mas a terra era sem forma Resolveu fazer a mulher
E existia escuridão. E dar-lhe por companheira.

Deus mandou: exista a luz Adormeceu logo Adão


E a luz logo se criou, Tirou d’ele uma costela,
O sol, a lua, as estrelas, Com seu divino poder
Todo mundo iluminou, Fez Eva mulher tão bela
Mandou que formasse o mar Só mesmo Deus pra fazer
E logo o mar se formou. Uma peça como aquela.

Apareceu logo a terra, Esta é, que é a verdade


Deus mandou que se criasse Que devemos ensinar,
Arvores que desse semente A todos os nossos filhos
E toda a terra alastrasse, Em todo e qualquer lugar,
Desse sementes e frutos Que Deus è o autor de tudo
Crescesse e multiplicasse. Que se possa imaginar.

Somente com a palavra Baseada nessa parte


Deus fez todos animais, Que Deus deu o sono a Adão,
Fez todos peixes do mar: A verdadeira ciência
O manso, o medio e o voraz Fez sua imaginação
Mandou que multiplicasse E criou a enestesia
E crescesse mais a mais. Pra fazer operação.

Depois de està toda pronta A Bíblia diz que as palavras


Esta grande criação, Que a gente diz com furor,
Pegou um bolo de barro Gravadas ficam no espaço
Ali fez o homem Adão, Para no dia do rigor,
Sua imagem e semelhança Ser elas reproduzidas
Com a mesma perfeição. Diante do Criador.

433
A verdadeira ciência Os homens americanos
Com isso foi estudar, Fazendo uma esperiência,
E construiu um aparelho Fizeram um grande foguete
De fazer admirar, Da grandiosa potência,
Por nome de gravador N’ele botaram um macaco
Para as palavras gravar. Para ver sua inteligência.

A ciência com a Bíblia Ensinaram dirigir,


É uma luz que vem da luz, Para o macaco aprender,
Quer fazer um aparelho Aonde apertava o dedo
Que o passado conduz, Depois da luz acender,
Para gravar as palavras Ia saindo amendoim
Que nos disse o Bom Jesus. Para o macaco comer.

A verdadeira ciência O foguete no espaço


Levou o homem na lua, Dali desapareceu,
E as palavras da Bíblia Com muitos dias de vôo
Deixou là na face sua, Esse foguete desceu,
Em uma placa de prata Doze horas o macaco
Que para sempre flutua. Depois que chegou morreu.

Diz a Bìblia que Moisès Construiram o Apollo 11


No Monte Nebo morreu, N’ele Armistrong voou,
Foi sepultado ali mesmo Na terra virgem da lua
Conforme Deus concedeu, O homem vivo pisou
E a cova de Moisés E correu por lá de gipe
Ali desapareceu. Que a poeira levantou.

A ciência mentirosa E portanto està provado


Que n’ela eu não acredito, Que macaco não foi gente,
Diz que Moisés sepultaram E nem gente foi macaco
Nas pirâmides do Egito, Pois é muito diferente
Isto é tão grande mentira Só que tem que todos dois
Que revolta o infinito. São obras do Onipotente.

434
Difere muito o macaco Que o macaco està certo
Da origem de Adão: Já virou isto um ditado,
Um, Deus fez com a palavra, Quem está certo é o homem
Outro, Deus fez com a mão O macaco està errado,
Para ser o rei das feras Pois êle nunca foi gente
Deu esta autorização. No velho tempo passado.

Por isso nunca o macaco Jà è ousado o macaco


Pode ao homem dominar, Querendo ser inteligente,
O homem domina ele, E com a velha conversa
Faz ele domesticar, Que ele aqui já foi gente,
Para provar a verdade Ainda mais ousado estava
Jamais aprendeu falar. Mostrando-se bem contente.

Se o homem e o macaco Mas agora eu digo a ele


Existissem eternamente, Que saia desta enrascada:
Dava até para fazer Deixe esta onda, macaco,
Uma idéia diferente, Que ela é muito pesada,
Que o macaco evoluia-se “Tire o cavalo da chuva”
E por fim virava gente. Que você não è de nada.

O homem com 80 anos Na América do Norte tem


Já virou terra, morreu, A campanha popular,
Macaco com vinte e cinco Para todos professores
O urubu jà o comeu, Nas aulas não ensinar,
Està provado que isto Que o homem vem do macaco
Aqui nunca aconteceu. Pra criança acreditar.

435
E eu faço meu apelo Macaco nunca foi gente
Como humilde trovador Foi feito antes de Adão,
Deste País brasileiro, Saltando dum pau pra outro
Para todo professor Isto é sua profissão,
Não ensinar esse êrro, Lamentando o dissabor,
Em nome do Criador. Vivendo neste labor,
Até o fim da geração.

FIM

436
O MATUTO VENDENDO RÔLA ASSADA

Pretendo contar agora Tambem encontra vendendo


Uma historia engraçada Rabudo caxinguelê
Viajei para Bahia Um passaro que não se pega
Numa estação na estrada Denominado sofrer
Eu mais comadre Perôla Quem este passaro pegar
Vi um vendedor de rôla Pelo cabo vai chorar
O geito foi da risada Bastante se maldiser

Na linha de Vila Nova Eu passei no Itarerú


Quem dèsce para Bahia Mas minha comadre Perôla
Passa no Itarèrú Vinha um matuto na classe
Perto de Santa Luzia Gritando êta cebola
Vou escrever o passado Olhei para o marmanjão
Vendem passarinho assado Ele trazia na mão
Parece atè anarquia Uma espetada de rôla

De toda caça do mato Dizendo quem quer comprar


Se encontrava ali assado Não to vendendo to dando
Rôla, prequito e preá Minha rôla é tão gostosa
Tatú tambem muquiado De gorda já tá minano
Araponga e sabiá U’a muié mim comprou
Encontra Tamanduá Dipois qui viu o sabou
Tambem ali retalhado Ficou se admirano

437
Dois mil reis u’a rôla disse A rola especiá
Quaiquer um pode comprar Estou vendendo barato
Depois que ver o gosto dela Pruveita qem quer comprar
Garanto qui vai gostar A minha rola é gostosa
U’a véa mem comprou Pois ela é tão saborosa
Gostou qui chega chorou Qui as muiè chega gostá
Pra eu tornar ir levar
A mãe deste tal matuto
Uma moça disse assim Gritava do outro lado
Dou um mil reis nesta miuda Disendo eu tenho perequito
Ele disse não senhora E tambem sofrer assado
Esta ai é quem ajuda O meu perequito è gostoso
Vender a rola maior E bastante saboroso
O efeito da menor O povo riram um bocado
É o mesmo da grauda
Comadre Perôla disse
A moça não fez questão Meu compadre eu vou comprà
Logo a tal rola comprou Eu lhe disse minha comadre
Ai tirou 2 cruzeiros Deixa esta rôla pra là
E o matuto intregou Mas minha comadre gostou
Naquela ocasião Dà rôla assada e comprou
A rola caiu no chão Pra tambem esperimentar
Logo de cuspe melou
Mandou chamar o matuto
A moça pisou em cima Com a espetada de rola
Com o sapato esfregou Naquele mesmo momento
E jogou pela janela Minha comadre Perôla
Disse o matuto danou Comprou uma rôla maior
Nem polvor de minha rola Depois comprou u’a menor
Logo no mato jogou Eu disse comadre é tôla
E saiu dali gritando

438
O matuto ai saiu Comadre jogue isto fora
A propaganda fasendo Ela aí me respondeu
Dizendo: a rôla barata Pois dura assim que è boa
E saiu oferecendo E a rola toda comeu
Vendendo a dona perôla Dizendo: ho rola gostosa
Todo mundo cai na rôla Pra deixar de ser teimosa
Mesmo assim saiu disendo Vamos ver o que aconteceu

Comadre me ofereceu Já bem perto de Serrinha


Naquela ocasião Ela pegou a se queixar
Eu respondi: Deus me livre Com uma dor de barriga
Não gosto esta bicha não Em tempo de não agüentar
Vou comprá priquito assado Toda hora na privada
Ai saí desfarçado Foi a tal da rola assada
Comprei um na estação Que fez lhe distemperar

Aí o trem deu partida O trem chegou em Serrinha


Eu não sei do resultado Fui obrigado a ficar
Se vendeu as rôlas todas Porque comadre Perola
Aquele matuto errado Não aguentou mais viajar
Minha comadre Perôla Comadre muito orgulhosa
Foi comer desta tal rôla Achando a rola gostosa
Foi narrar todo passado Aí que viu amargar

Pois minha comadre Perola Pra ir para pensão


Com o diabo da uzura Na cidade de Serrrinha
Comeu rola a tarde toda Comadre estava tão bôa
Com tanta da gustusura Que nao guentou ir sozinha
Comeu uma rola inteira Fui obrigado a pagar
Quando foi na derradeira Um carro para levar
Ela já estava dura Pra uma pensão que tinha

439
Chamei ali um Doutor Foi preciso ir ao médico
Este veio na mesma hora Pra ele lhe receitar
Receitou minha comadre O pai gastou um bucado
Isso sem haver demora Pra esta moça salvar
Quando os remedios tomou Só parece evenenada
Minha comadre sarou Esta tal de rola assada
Eu disse vamos embora Que vende neste lugar

Eu disse minha comadre Eu como macaco velho


Agora ficou ciente Não vou cair em cilada
Que rola em estação Por isto comprei piriquito
Não é comida de gentê? Não quiz a tal rola assada
Ela deu uma risada Minha comadre comprou
E disse a tar rola assada Ao depois arrenegou
Não quero mas este ente Dizendo: vote danada

Eu cheguei em Salvador A todos os viajantes


Na estação de Calçada Eu quero vos avisar:
Que fui saltando do trem Passando por Itarerù
Encontrei um camarada Não queira rola comprar
Eu contei todo ocorrido Pra não impatar a viagem
Do que foi acontecido E não perder a passagem
Ele deu logo risada Pra onde for viajar

Ai passou a me contar Quem disser que è mentira


Tudo quanto aconteceu E querendo duvidar
Que uma moça em Itarerù Um dia no Itarerù
U’a rola desta comeu Ele terá que passar
A rola fez mal a ela E da rola do matuto
A pobre desta donzela Feio, nojento e bruto
Bastantemente sofreu Ele vai participar

440
Termino aqui meu livrinho
Do idioma Brejeiro
Pedindo que os amigos
Ajude um brasileiro
Pra puder ganhar o pão
Luta que só um leão
Pague somente 2 cruzeiros.

FIM

441
A MULHER QUE TENTOU COMER UM FOGUETÃO
ASSADO, PENSANDO SER UM MOCÓ

Senhores queiram escutar E o gôsto do mocó


um caso de fazer dó era só o que sentia
duma pobre camponeza pra ela estava tão bom
do sertão do Ciridó que a bôca d’água enchia
que foi assar um foguete oh! que mocó saboroso
pensando ser um mocó no pensamento dizia

Morava Manoel Coió Saiu naquela agonia


naquele rude sertão chegando em casa ficou
trabalhando em sua roça se lembrando do mocó
plantando milho e feijão que ninguém lhe ofertou
mas relativo o comercio ficou somente pensando
era um grande bôbalhão e a vontade apertou

Parecia um Zé Mamão Para o marido falou


Manoel Coiò na Cidade dizendo:tù vais comprar
dava bença aquele povo um mocó neste momento
que mostrasse mais idade pra amanhã nós almoçar
nos seus pés se ajoelhava se eu não comer mocò
com tôda sinceridade sei que vou me acabar

Dona Gilda Solidade Seu Coió ao escutar


a espôsa de Coiò o que a espôsa dizia
um dia foi numa casa viu que ela estava grávida
e viu comendo mocó e nessa grande agonia
ela não pediu um pouco se não comesse mocó
temendo um grande pitó ela ou a criança morria

442
Porém êle não sabia o gerente que escutou
Onde vendia mocó o que o matuto dizia
para seguir pra Cidade achando ser uma tôlice
pegou depressa um aiò gostosamente sorria
saiu pensando consigo: e disse o senhor encontra
aqui é que está o nó é ali na delegacia

Botou de lado o aiò Aquele pobre seguia


e seguiu para Cidade Como criança inocente
pensando onde encontrava Chegou na delegacia
essa grande novidade foi encontrando o tenente
se encontrava na loja êle disse: tem mocó?
ou no bar da mocidade perguntou ligeiramente

Com tôda burralidade Naquela hora o tenente


chegou o pobre Coió Vendo êsse pobre roceiro
na Farmacia São Gerônimo falando essas toulices
agarrado ao aiò no seu cistema grosseiro
e disse pra o farmacêutico: mandou êle ir procurar
o sinhô vende mocó? na casa dum fogueteiro

o homem que estava sò Seguiu o pobre roceiro


achou que fosse anarquia conduzindo o seu aiò
e disse: só tenho aqui chegou lá o fogueteiro
é Tônico Biologia estava cheio de potó
a onde vende mocó o pobre chegou e disse:
é ali na tipografia o senhor vende mocó?

Com grandiosa alegria sem compaixão e sem dó


o pobre homem marchou o homem disse: pois não
pra mesma tipografia pegou uma caixa là dentro
que o farmacêtico ensinou repleta de foguetão
o sinhô vende mocó? contou doze e entregou
ao gerente perguntou ao matuto boubalhão

443
Cobrou logo um dinheirão Faisca longe voava
o pobre trouxa pagou lá por cima do fogão
pegando todos foguetes pois o barulho era feio
pra sua casa voltou da duzia de foguetão
com espantosa alegria correndo dentro de casa
na velha casa chegou nessa maior confusão

A sua espôsa entregou Antes da grande explosão


a duzia de foguetão começaram a sair
ela disse: ò! que beleza encontraram a porta aberta
que grande satisfação pra êles se divertir
vou assar todos agora voaram pelo espaço
para eu comer com pirão e começaram explodir

Quando levou pra o fogão Dona Gilda ao ouvir


os foguetes pra assar dos foguetes a explosão
os bichos pegaram fogo disse para seu espôso
que fêz tudo se assombrar mas que homem boubalhão
a mulher caiu de costa trazer mocó sem matar
desta maneira a gritar: ou que bestagem do cão

Chega! Mané, vem pegar Manoel lhe disse: então


que os mocó quer ir embora porque você não matou?
Manoel Coiò agarrou foi assar os mocós vivos
os mocós na mesma hora por isso a cobra fumou
com pouco se viu queimado correram foram se embora
saiu doido porta a fora que jeito agora é que dou

Valei-me Nossa Senhora Foi você que me enganou


Coió assim exclamava disse dona Solidade
pega os mocó Manoé quando se compra mocó
a mulher assim gritava mata primeiro em verdade
corria tudo assombrado para não fazer em casa
quando foguete estourava a maior perversidade

444
Com tôda adversidade M.ocó é tão diferente
aumentava a discussão F.oguetão já nem se fala
depois chegou um vizinho Se comer um foguetão
desta mesma região Isto a guela se entala
Manoel contou a êle Leva fim duma só vez
o principio da questão Vê o bucho virar três
A bôca logo se cala
Que sua querida espôsa
desejou comer mocó FIM
êle foi comprou uma duzia
trouxe dentro do aiò
mas quando botou no fogo
não ficou ali um só

Quase queima o seu gogó


correndo e dando explosão
sendo assim, disse o vizinho:
você bancou o boubalhão
em vez de comprar mocó
você comprou foguetão

Depois desta explicação


Manoel compreendeu
e disse você está certo
pelo que aconteceu
sò podia ser foguete
o besta mesmo fui eu

Com o que aconteceu


o pobre Manoel Coiò
e a dona Solidade
do sertão do Ciridó
daquela vez nunca mais
desejou comer mocó

445
TEMAS EXTRAÍDOS DE OUTRAS ARTES

447
ABC DA AZA BRANCA

A D
Agora eu vou contar Dois ano qui eu era noivo
Os leitores preste atenção E istava pra casar
De todo meu sofrimento Com minha quirida Rosinha
Pras bandas de meu sertão A fulôr desse lugar
De sêde morreu meu gado Quando eu falo em Rosinha
Até meu pobre alasão Meus ôios pega chorar

B E
Bom istado Pernambuco Eu só fartava doidá
É minha terra natá Vendo meus bicho acabano
Mal a sêca dura entrou Pois eu já pidir o véio
Querendo tudo arrasá Pá casar no fim do ano
Asa-Branca bateu asa E o sole de proposta
Prús mundão do Ciará Cada vez mais aomentano

C F
Com enormi solequente Fui na casa de meu sogro
Nesse tempo de verão Pá dizer vou viajá
Foi tão grande o prijuiso Vou arranjar um dinheiro
Qui tive no meu sertão Prús mundão das capitá
Tudo qui eu tinha acabou-se Fui dispidi de Rosinha
Ná sinza de S. João Rosinha pegou chorá

449
G K
Guilherme disse Rosinha Kirida a deus de novo
Eu ti peço pru favor Dei um aperto de mão
Qui tu lá nas capitá Ela pegou a chorá
Não vá querer outo amor Náquela ocasião
Eu fico aqui no sertão Mi dixe tu não se esqueça
Sofrendo da mesma dor Do nosso véio sertão

H L
Haí Fumo coveçar Leitor agora analise
Lá prá fora do camin Qui sodade de matá
Entonce eu disse Rosinha De deicha o meu sertão
Mi dá agora um beijim Pá vim para a capitá
E ela naquela hora Qui sódade de Rosinha
Me deu um beijo semfim Qui não posso suportá

I M
Ia beijando Rosinha Meus bicho tudo acabou
Quando vi que ia passano Eu dissi lá pá Bahia
O pai dela ná estrada Que era um lugá bom
Pru Rosinha pricurano Erao qui tudo disia
Eu dei mais um beijo nela Se jisus me a judar
E fui me arrítirano Muito breve eu vortaria

J N
Já disse e torno diser Nesse dia viajei
Vou pra lá pás capitá Ni um tal de caminhão
Eu vou arrumá dinheiro Qui vinha cheio de muié
Pá conde vim nós casá Numa tal de lotação
E tornei dá ôto beijo Trepei em riba com elas
Para puder viajá E dissi do meu sertão

450
O S
O Carro corria tanto Sete meses ja fasia
Naquele mundão semfim Qué eu de casa sai
Era tanto sucavão A sodade me apertano
Quase me quebra o fucim Com vontade de parti
As muié saculêjava Muito relampo e truvão
Caia em riba de mim Pra meu norte um dia eu vi

P T
Porem de preça cheguemo Toda noite relampeia
Na cidade do Salvador E veijo o ronco do truvão
A capitá da Bahia Asa branca bateu asa
Terra de nosso Senhor Já vortou pra meu sertão
Eu nunca pensei na vida Eu disse eu vou mimbóra
De subi de levador Vou cuidá da pratação

Q U
Quando eu vi o levador Um carro logo peguei
Fiquei bastante a birmado Para depois viajar
Cousa lindra cuma aquela Lá para meu pernambuco
Eu nunca tinha sonhado Qui é minha terra natá
Com o levador lacerda Com minha quirida Rosinha
Eu fiquei todo encantado Agora vou me casar

R V
Ruim só lá o qui achei Vamicês caros ouvintes
No méio da murtidão Sabe o qui me aconteceu?
Foi a moça que me dixe Vou contar toda derrota
Naquela ocasião Qui tudo com min se deu
Qui eu não pudia subi Rosinha casou com outro
Qui tava de pé no chão E de mim se esqueceu

451
X Z
Xingando fiquei zangado Zangado aqui termino
A infame da Rosinha Toda minha narração
Porque ela me jurou Em garganta de muié
Que era minha queridinha Ninguem não vá nisso não
E tão de pressa deu a outro Pois contei tudo direito
Seu amor qui me convinha O que sofri no sertão

FIM

452
TEMAS BIZARROS, ANTROPOMÓRFICOS

453
O CASAMENTO DA RAPOSA COM O VEADO

Quando o jegue era chofer Mosquito dizia ao touro:


E governava a rodagem O que eu prometo faço
O papagaio locutor Se você me aborrecer
Num estùdio de folhagem E eu chegar descer meu braço
O macaco e o sagüim Na broca do seu ouvido
Veviam da malandragem Você se vira em bagaço

O galo era cantor O coelho em sabedoria


A galinha dançarina O gato tinha destreza
Urubú era marchante A cobra tinha prudência
Na pedreira da campina Macaco tinha esperteza
Sabiá era poeta Cachorro na valentia
Sujeito de classe fina Curuja na boniteza

O galo cantava samba O canarinho era músico


Sagüim tocava viola Araponga era ferreiro
Galinha sapatiava O cancão guarda do mato
Como quem tivesse mola Cara-cará boiadeiro
O galo só de calção O pato empregado a bordo
Galinha só de... bermuda O cururù feiticeiro

Juriti vendia milho O vagalume no rio


O gavião vaquejava Focalisava a candeia
Nambú por ser vergonhosa Para o Martim Pescador
Só a cabeça ocultava Pescar piaba e moreia
Deixando o resto de fora O periquito Cara-suja
E assim continuava Falava da vida alheia

455
Veado por ser bonito E a raposa tambèm
Bem satisfeito vevia Sentiu grande comoção
Cabelo bem penteado Quando foi vendo o veado
Enfrentava a boemia Teve tão grande afeição
Aonde tivesse festa Como se fosse uma seta
Veado não a perdia Cravando seu coração

Tinha uma raposa môça Veado chegou pra ela


Filha de um raposão Chamou-a para dançar
Que era a mais linda Ela aceitou, pois estava
Dali daquele grotão Por isso mesmo a esperar
Quando ela ía uma festa Ambos sairam dançando
Chamava bicho atenção De fazer admirar

A sua côr raposada Começaram êsse namôro


Cabelo bem pentiado Naquele mesmo momento
Falava a lingua selvagem Veado falou pra ela
Num bonito fraseado Se dava o consentimento
Capaz de apaixonar De pedir ao raposão
O coração dum veado A mão dela em casamento

Uma vez teve uma festa Raposa disse que sim


Na casa do tatuí Veado então viajou
Foi todo bicho do mato Na casa do raposão
De veado a jabuti No outro dia chegou
Menos onça e leão A raposa em casamento
Todo bicho estava alí Com o pai dela falou

Que quando estavam dançando O velho chamou a raposa


A raposa ali chegou E perguntou se queria
Veado quando a viu Ela lhe disse que sim
Seu corpo se arrepiou Com a maior alegria
E por aquela raposa Faltava a raposa velha
Ele se apaixonou Pra saber se consentia

456
Pra voltar no outro dia Além de ser fedorenta
O veado foi embora O seu escândalo é de raça
Quando a raposa chegou Lhe faz a maior vergonha
Contaram na mesma hora Quando ela beber cachaça
Raposa velha zangou-se Tira a roupa e fica nua
Entrou dentro e saiu fora Sorrindo no meio da praça

Dizendo; só o que faltava! Com tudo isto o veado


Meu velho ter combinado Ali não se encomodou
A minha filha casar-se Voltou a casa da noiva
Com um moço desasuntado Com a mãe dela falou
Eu vou consentir minha filha! Só depois de muito custo
Ir se casar com um veado? Raposa velha aceitou

A raposa môça disse: Marcaram o dia e a hora


Ele é um moço de bem Para ser o casamento
A velha então respondeu: O velho raposo estava
Nenhum veado convém Com todo contentamento
A familia dos veados Mandou fazer os convites
Não tem valor dum vintem Naquele mesmo momento

Veado chegou em casa Convidou a raposada


Disse pra mãe estimada Que ali por perto tinha
Que estava sendo noivo Era pra ser uma festa
Da raposinha adorada, Da forma que lhe convinha
Disse a veada: meu filho Mas cada uma raposa
Você caiu na embrulhada Levasse uma galinha

Tem tantas das veadinhas O veado também fêz


Que tem o corpo maneiro Por tôda aquela paragem
Como sejam tuas primas Convites a todos veados
Que moram no taboleiro, Daquela terra selvagem
Ir se casar com raposa Quando foi no outro dia
Com todo aquele mau cheiro? Chegou tôda viadagem

457
Cento e cinquenta veados Veado dizia consigo:
Chegaram ali num momento Que coisa mais perigosa
Para assistir o casório Que mau custume horroroso
Com todo contentamento Que moça defeituosa
E o tamanduá bandeira Minha mãe bem me dizia
Pra fazer o casamento Que raposa é escandalosa

Tamanduá ordenou Estavam nesta fulia


Rapôsa pegar na mão Dois cachorros apontaram
Do seu esposo Veado Estavam são os veados
Com sincera devossão Na carreira dispararam
Jurando pelo bigode Porém as raposas bêbadas
E a barba do garrafão Os cachorros agarraram

Ambos naquele momento Chegaram dois caçadores


Ali estavam casados Com os cachorros de caça
Cachaça, vinho e cerveja Fizeram pau nas raposas
Tinha de todos os lados Que estavam achando graça
Que veio do taboleiro O certo é que das raposas
Pela turma dos Veados A cabaram com a raça

Naquela grande alegria Veado ficou viuvo


Começou a batucada Deixou mais a vaidade
A noiva bebeu cachaça Quando alguém lhe dava pêsame
Começou dar gargalhada Pela a contrariedade
Que atè encomodava Ele dizia amiguinho
Tôda aquela bicharada Foi minha felicidade

A raposa velha bêbada Eu agora vou seguir


Também ali gargalhava Os conselhos dos meus pais
O velho dava risada Tomei ódio de rapôsa
Que pelo chão se enrolava Rapôsa não tem cartaz
Veado vendo isso tudo É muito certo o ditado:
Arrependido chorava Cada qual com seus iguais

458
Mais nunca veado quiz
Fazer atrapalhação
Se misturar com raposa
Imunda que só cão
Livrou-se da palhaçada
Veado com a veada
Agora faz união

FIM

459
ELEIÇÃO NA FLORESTA

Pretendo aqui escrever O burro era o juiz,


Com a pouca inspiração O jegue seu secretario,
Um folhetinho engraçado Gafanhoto era soldado,
Do dia da eleição Ganhava um bom salario
Que teve lá na floresta E o Kagado Jabuti
A tempos que longe vão. Que era seu emissario.

Para ser o presidente O Tigre por ser valente


Foi candidato o Veado Este era Pecevista
Com o ilustre Leão Viu que não era partido
Que é o rei afamado Se uniu com o Penecista
O Cachorro e o sariguê Penecista e PCT
Pra governo do estado. Vão bater no Pecevista

O partido do Leão Disse o Sapo: eu só voto


Era este o P N C Pra governo do estado
O partido do Veado No candidato Cachorro
Este era P C V Que é um senhor ilustrado,
O Cachorro penecista Não está vendo que eu não vou
Pecevista o Sariguê. Dar meu voto a um Veado?

O gato do mato era Assim fez o Sariguê


Para ser vereador, Pra os incetos se enganar
O macaco, deputado, Mandou fazer boletim
O canguçú senador, Pela floresta espalhar
O coelho tabelião Para ver por estes meios
Mestre Sapo era eleitor Podia voto arranjar.

460
Não votem no tal Cachorro O Veado e o Sariguê
Pra governo do estado, Pra ver se podiam ganhar
Alem de ser lambanceiro Mandaram 5 milhões
É muito disassuntado Para os votos comprar
Pois ele sendo o governo Dava 10 contos de reis
Nós estamos desgraçados. Para com eles votar.

Aqueles ignorantes Sairam comprando votos


Que nunca viu eleição, Com os seus vereadores
Aplaudia o veado Foram em toda Florestas
Falavam do rei Leão Comprando os eleitores,
Porque eles do veado Quando a sorte não quer
Nenhum tinha informação Não se avança, leitores.

Porem quem já conhecia Porem todos eleitores


Todos feitos do Veado Que a eles garantia
Só votava no Cachorro O dinheiro do Veado
Pra governo do estado Era o que eles queria
Pra presidente o Leão E votava pra o Leão
Que era conceituado E Sariguê não sabia.

Cachorro fez seu discurso Carrapato era eleitor


Nesta mesma ocasião Votava com o sariguê
Dizendo: vos apresento Ruduleiro penecista
Pra presidente o Leão Votava com o PNC
Que é homem destimido Pois eu, dizia a Raposa
E de consideração. Só voto com PCV.

Ficaremos agradecidos O Cachorro é vagabundo


Quem a nós acompanhar Não tem consideração,
Porque somos da pobreza Porque êle é pucha-saco
Quem a nós querer votar Só chaleira o Rei Leão,
Agora tem uma cousa, Porque é igual a ele
Precisa nos respeitar. Perverso, sem coração.

461
Sariguê fez um discurso Embora que o cachorro,
Dizia muito exaltado: Êle é meu inimigo
Vamos votar, meus amigos Porem êle é respeitado
No candidato Veado, Que do homem é amigo,
Porque é homem da paz O veado tem vitoria
Esse senhor ilustrado. Só se for por um castigo.

Rei Leão é orgulhoso Então ai foi chegando


Do coração de serpente, O dia da eleição
Ele é muito poderoso Contaram todos os votos
Mas é muito renitente, No fim da resumição
Por qualquer uma tolice O tal veado perdeu
Devora qualquer vivente. Quem ganhou foi o Rei Leão.

Foi chegando o Tatú-Péba O Veado e o Sariguê


Já querendo dar esporro, Nenhum ficou convencido
Disse: eu não tenho voto Quem naquela eleição
Para votar com Cachorro Eles tivessem perdido
Para o Dr. Sariguê Logo xingaram o Cachorro
Ser governo, eu mato e morro. Sujeito muito atrevido

Nessa hora Ouriço Caxeiro O Cachorro ali zangou-se


Tambem vinha ali chegando E deu-lhe um bofetão
Deu bom dia a tatú-peba Na cara do Sariguê
Que estava discursando No meio da multidão,
Pediu alí a palavra Foi um barulho horroroso
Dessa forma foi falando: No fim daquela eleição.

Eu só voto com Cachorro Ali trincou-se o tempo


Pra governo do estado, De tiro, faca e punhal
Que não vou perder meu tempo O candidato Veado
Pra votar num veado Ganhou logo o florestal
Pois alem da covardia Usou de sua oração
Tem um modo desgraçado. Como isso é natural

462
Sarigué ali foi preso Veado daquela vez
Foi logo para a cadeia, Emendou-se da questão
Tudo isso acontece Dizia que nunca mais
Quem entra em questão alheia Se metia em eleição
Pois 3 surras ele levava Se maldisia da sorte
Era almoço, janta e cêia. Naquela lamentação.

Sariguê assim dizia Agora vou terminar


Quando estava prisioneiro: Com muito gosto e prazer
Eu fico agora acordado Custa aqui só 2 mil reis
Pra Veado e marreteiro Se alguem deseja lêr,
Pra tarado vagabundo 2 mil reis só mata um
Assassino desordeiro. Se comprar sóda e beber.

Quando Sariguê foi solto


Encontrou com o Veado
Disse: oh! seu vagabundo
Você é um desgraçado
Quem vota com 24
Fica desmoralisado.

463
UM FUTEBOL NA CIDADE DOS PASSAROS

Meu povo da me licença Ema jogava de beque


Que agora eu vou contar No Time Esporte Sertão
Um jogo de futebol Jaburù era o goleiro
Para quem apreciar Na ponta esquerda o cancão
La na cidade dos passaros O nambú na meia direita
De fazer admirar Na esquerda o gavião

Era dois times famosos Centrefor era o sofrer


De grande admiração Centerafo jurity
Esporte Clube Sulista Rafo direito o periquito
Com Esporte Clube Sertão Rafo esquerdo o bibiry
Cada qual mais afamado O pato ponta direita
Nesta grande animação O juiz o bentivy

O Esporte Clube Sulista Cada um time animado


Jogava muito animado Para mostrar seu valor
Macuco era o goleiro Cada um deles queria
Mutum um beque afamado Ser o melhor jogador
Centrefor o curujão Papagaio no microfone
Que estava entosiasmado Era o melhor locutou

Na meia direita jogava Naquele mesmo momento


Tambèm a dona araquã Urubú também chegou
Que marcava o zabelê De calção e de chuteira
Pois do esporte era fã Mas nenhum time aceitou
Canário na meia esquerda Dizendo: negro è por fora
Marcando guriatã O urubú se zangou

464
Ainda tentou lutar Vamos mudar de assunto
Mas foi logo recolhido Sigamos por outra estrada
Pelo mestre gavião Deixamos o curujão
Foi bastante repelido Abraçando a namorada
O certo é que do esporte E vamos falar agora
Urubù foi escluido No jogo da passarada

Naquele instante chegou Movimenta a bola


O mestre cara-cará Cancão controlou
Com a madame curuja Depressa chutou
Torcendo ambos de lá Sofrer controla
Cantava de improviso E a bola rola
O poeta sabiá Periquito tomando
Foi controlando
Ali na arquibancada Diblou o sofrer
Estava de admirar
E ao zabelê
Arara com o papagaio
Foi logo passando
Começaram a namorar
Caga-sêbo e beija-flor
Zabelê pegando
Já estavam a se beijar
Chutou para o gô
O pombo com a pombinha Araquã pegou
Num namôro tão danado Foi adiantando
Que entre os dois não passava E foi diblando
Nem pensamento encebado Mestre gavião
O pato beijava a pata Diblou o cancão
Com o pescoço arrepiado Ema chutou
A bola exalou
Curuja naquele instante Là na amplidão
Se agarrou com o curujão
Trocando beijos e mais beijos
De chamar mesmo atenção
A pombinha se escondia
Com medo do gavião

465
Caindo a bola Mutum foi marcar
Nambú estancando Com satisfação
E foi chutando Porèm gavião
Curujão controla Para atrapalhar
E a bola rola Tentou pegar
Bibirì chutou A bola passou
Direto ao gô Bibiry controlou
Como um maluco Diblou araquã
Porém o macuco Na hora tomou
A bola agarrou
Canário pega
Macuco chutando Foi controlando
A bola pra o campo E foi chutando
Que metendo o tampo Ao nambú entrega
Mutum foi pegando Que se arrenega
E foi adiantando Que tropeçou
Pra sua fã A bola passou
Que é guriatã Araquã controla
Foi gritando: desça Chutou a bola
Pegou de cabeça Gavião pegou
A dona araquã
Gavião chutou
A bola passou Para o jurity
Para o nambú Mas o bibiry
E o jaburú Na frente chutou
Ali cutou E adiantou
A bola voltou Para o gavião
E o gavião Porém o cancão
Pegou de mão Chutou em seguida
Jurity grita Que foi rebatida
O Juiz apita Pelo curujão
Na marcação

466
A bola voltando A bola voltando
Isso novamente Em movimento
Zabelê na frente Nesse momento
Saiu controlando Nambù pegando
Logo foi passando E foi passando
Para o gavião Pra o zabelê
Que passou a cancão Mas o sofrer
Com um chute maluco Chutou em gô
Porém o macuco Macuco pegou
Agarrou com a mão Pra todos vê

Jogou ali Vem de novo a bola


Pra o gavião Já em movimento
Mas o cancão Nesse momento
Tomou dali Periquito controla
Passou a jurity E a bola rola
Que controlou
O pato pegou
Ema chutou
Logo controlou
Do meio do campo
Passou ao cancão
Que voou tampo
E o gavião
Mas fêz um gô
Fêz o primeiro gô
Foi a maior gritaria
De lá da arquibancada E aqui meus bons amigos
A siriema gritava Termino minha narração
Mesmo bastante alarmada: Esporte Clube Sulista
Com o esporte do sertão Foi quem perdeu a questão
Vocês nunca arranjam nada Pois foi mesmo um lero
Apanhou de dois a zero
Aqui no segundo tempo Do Esporte Clube Sertão
Vão agora disputar
Para vê quem vai perder FIM
Ou então quem vai ganhar
E para o campo de novo
A bola tornou a voltar
467
HISTÓRIA DO PAPAGAIO MALABARISTA

Caros apreciadores O moço seguiu pra venda


Que valorizam o artista O louro ficou olhando
Na arte de escrever Bote ai uma bicada;
Ou então um repentista Sebastião foi falando,
Falo aqui d’um papagaio O vendeiro nessa hora
Que era malabarista Logo foi o despachando

No sertão do Piauí O moço tomou a bicada


Uma dona de pensão E pagou na mesma hora,
De nome Maria Júlia De que é que quer o trouco/
Mulher de Sebastião Disse êle sem demora
Tinha ela um papagaio Dê-me todo de cigarro
De chamar mesmo atenção Foi saindo e foi embora

O papagaio era o tal Sebastião viajou


Tudo que visse contava Foi para cása almoçar
Sebastião era o dono Chegou sentou-se na mesa
E no louro acreditava, Almoçou de se fartar
Na vista daquele louro Depois emtrou para um quarto
Segredo, ninguem falava Na cama foi se deitar

Certa vez Sebastião Sebastião se deitando


Sua gaveta puxou Num grande sono pegou
Foi apanhando 1 mil réis O papagaio desceu
E para a venda marchou E a gaveta puxou
O louro em cima da casa Foi emcontrando um cruzado
Por um buraco espiou Ele depressa o agarrou

468
Debaixo da sua aza O louro ficou calado
O louro foi colocando Como quem não estava vendo
A moèda de cruzado De que é que quer o trouco
E dali foi caminhando Minha rosa, và dizendo,
Com pouco na mesma venda Eu quero agora um pavio,
Ele foi tambem chegando O louro foi respondendo

O papagaio subiu O vendeiro deu risadas


Para cima do balcão: Deste louro presepeiro
Bote ai uma bicada, Que bebeu o querosene
Falou por esta razão, Mas, conhecendo o roteiro
O vendeiro admirou-lhe Pediu de trouco um pavio
A grande disposição Pra se virar candinheiro

Disse o vendeiro consigo: Outra vez o papagaio


Eu engano este safado Entrou lá para privada
Eu vou botar querosene E ficou bem à vontade
E ele bebe enganado Para fazer palhaçada
Pensando que è cachaça Quem fosse bater na porta
Pra deixar de ser ousado Ele dava uma charada

Foi pegando o querosene Um hóspede dessa pensão


no copo um pouco botou Chegou na porta e bateu
Dizendo: tome minha rosa Ouviu esta voz, tem gente
Ao papagaio entregou Que là dentro respondeu
O louro bebeu um pouco O homem ali foi voltando
De tudo desconfiou Pois era o direito seu

Caminhou pra là e pra cà Mais tarde o homem voltou


Ali soltou um cruzado, Que vinha muito vexado
O homem dono da venda Chegando bateu na porta
Achando aquilo emgraçado Já um pouco afadigado
Sorriu e disse: meu louro Ouviu responder: tem gente
Hoje està endinheirado! Falando um pouco alterado

469
O homem nesse momento O homem disse: eu agora
Para traz se regressou Vou novamente a privada
E sua dor de barriga Abro a porta duma vez
Cada vez mais apertou E pego este camarada
O homem disse consigo: Que está me chateando
Agora foi que danou Dou-lhe muita bofetada

O homem não suportou O homem chegando là


Aquela grande massada Tornou bater novamente,
Foi depressa na cuzinha Ouviu a voz responder
Falou com uma empregada Que homem mais imprudente
Quem será que está morando Já disse mais d’uma vez
Alí dentro da privada? Que nessa “joça” tem gente

Morando não pode ser O homem empurrou a porta


A empregada falou: Sem nada mais escutar
E qual é este motivo O louro disse: ou seu peste
Que o senhor perguntou? Você quer me chatiar?
O moço nesse momento Se eu tivesse aqui nú
Toda história contou Como nós ia acertar/

Quando eu chego na privada O homem disse: eu ja sei


Bato na porta somente Sua valentia eu já vi
Um là de dentro responde Jogou êle porta a fora
Dizendo que ali tem gente Ele siscou por ali
Està defecando pedra E disse á infeliz
Se acaso for vivente A minha pistola aqui

A moça deu gargalhada O moço sebastião


Dizendo nesta razão: Com qualquer um apostava
O louro lhe enganou Pra aquele louro falar
Isto não é gente não Tudo que ele ordenava
É um louro que nós temos Pois, o que ele mandasse
Que faz pintura do cão Aquele louro falava

470
Um Dia chegou um hòspede Respondeu Sebastião:
Hospedou-se na pensão Para todo mundo ver
Da senhora dona julia Ele fala até dez vezes
E do senhor Sebastião Para o senhor conhecer,
A noite depois da janta Disse o moço: meu amigo
Entraram em conversação Eu em tal não posso crêr

Vai palestra e vém palestra Pra ver se ele è bonzinho


Um dizia: eu dou valor Vamos agora apostar,
A homem forte e valente Perco quinhentos mil rèis
Que seja heroi lutador Para em meu nome falar
Por fim tocou no assunto Tambem ganho do senhor
De louro conversador Se êle se atrapalhar

Quando tocou neste assunto Se o louro pronunciar


Respondeu Sebastião: O meu nome direitinho
Eu tenho um desses aqui Fico-lhe acreditando
Que faz pintura do cão Que ele fala bonzinho,
Fala tudo q’eu mandar Então como è seu nome?
Sem ter atrapalhação Respondeu êle: Zezinho

Quando faço uma viagem Hora! esta que besteira!


Deixo ele para olhar Vamos agora cazar
O que se passar aqui Duas notas de quinhentos
Fica ele a observar E mandar um segurar
Quando chego vem a mim Este aí está no papo
Depressa tudo contar Pode até me entregar

Disse o rapaz: eu sò creio Cada um puxou uma nota


Que o senhor não se consome De quinhentos e cazou
E seu louro é falador Entregaram a um rapaz
Se êle falar o meu nome, Esse logo segurou
Nunca vi rastro de alma O moço sebastião
Nem couro de lubisome Ao outro perguntou:

471
Quantas vezes quer que eu mande Zesinho ali foi embora
Pra falar no nome seu Alegre e muito animoso
Disse o moço: de três vezes Deixando Sebastião
Se não falar já perdeu Como um leão furioso
O senhor perde o direito Porque o seu papagaio
Os quinhentos serà meu. Fez passar por mentiroso

Sebastião disse ao louro: Quando Zesinho foi embora


Minha rosa chame Zésinho, Sebastião foi marchando
Disse ele: o tabaréu, Agarrou o papagaio
Demorou mais um pouquinho Foi desta forma falando:
Sebastião lhe falou Era Zesinho infeliz
Com todo agrado e carinho Que eu ati estava ensinando

Chame Zésinho minha rosa Os meus quinhentos mil réis


Sebastião foi falando Que em ti fui apostar
Tabaréu da calsa rôta, Perdir-os de uma só vez
O louro foi replicando Agora vou lhe matar
Botou o ouvido pra um lado Vou torçer o seu pescoço
E ficou só escutando Para poder me vingar

Jà sò faltava uma vez Torceu o pescoço do louro


Pra Sebastião ganhar E jogou de porta a fora
Ou então para perder Isso Já era de noite
Começou a se zangar Foi se deitar sem demora
Foi dizendo; minha rosa Dona Julia já deitada
Escute o que vou falar Nada viu naquela hora

Chame Zesinho, minha rosa Cinco horas da manhã


Quem está mandando sou eu, Ele ouviu là no poleiro
O louro ficou calado As galinhas batendo azas
Zesinho disse: perdeu Num completo disespêro,
Entregue-me o dinheiro Pensou ele: o que será
Porque ele agora é meu Que está no galinheiro?

472
Sebastião ligeirinho Aquele louro era o tal
O poleiro foi olhar Ali naquela pensão
As galinhas todas mortas Não tinha coisa que visse
Foi que ele pôde encontrar Que não prestasse atenção
Restava um frango que o louro Todo bem feito ou mal feito
Acabava de matar Contava a Sebastião

O papagaio com o frango A dona daquele louro


Na guela estava sangrando Tinha bastante cuidado
Dizendo assim: infeliz Com todo e qualquer segredo
Eu estava te ensinando Para não ser alarmado
Que’ra pra chamar Zezinho Precisava ser oculto
Bem direitinho explicando Daquele louro malvado

Por tua causa infeliz Certa vez dona Maria


Que perdir o meu dinheiro Imaginando o por vir
Para tú chamar Zezinho Pôde estudar um recurso
Pensando ser verdadeiro Para poder se sair
Perdir quinhentos mil réis Disse assim consigo mesmo:
Por causa deste imbusteiro Eu faço o louro mentir

Sebastião quando viu Anoite apagou a luz


Abrandou seu coração Deixando na escuridão
Pegando o louro levou O marido viajando
Com muita satisfação Là para o alto sertão,
Se arrependeu do que fez Disse ela com o louro:
E levou-o para a pensão Eu engano este ladrão

O moço Sebastião Encheu um caco de braza


Continuou amizade Detràs da porta ficou
Com seu lindo papagaio Passou ali no escuro
Amava mesmo em verdade Ligeiramente puxou,
Nunca mais tentou mata-lo Santa Bárbara e São Jerônimo
Sem aver necessidade O papagaio falou

473
Pensando de ser relâmpago Daí avante esse moço
O papagaio falava: Não quiz mais acreditar
Santa Bárbara e São Jerônimo No que o louro contava
Quando aquela luz passava Não quiz mais nem escutar
Deite jeito o pobre louro Dona Maria se pôs
Dona Maria enganava Fazer coisa de amargar.

Depois ela com a luz Sebastião viajou


Dali foi se retirando Pra o estado da Bahia
Chegando là em seu quarto Ele era motorista
Ligeiro foi se deitando, Sempre viagem fazia
Que era chuva e relâmpago E levou o papagaio
O louro ficou pensando Atraz na carroceria

Quando foi no outro dia Vinha o carro carregado


Que Sebastião chegou Com uma carga de algodão
O louro ligeiramente Vinha vender na Bahia
A ele tudo contou: Os produtos do sertão
Aqui choveu d’uma forma Sebastião no volante
Que o povo se assombrou Controlando a direção

Minha rosa, que mentira! Umas cinquenta galinhas


Você está inventando, O moço tambem comprou
Dizendo que aqui chuveu Em cima do caminhão
Você está caducando? Logo todas colocou
Como foi que aqui chuveu E seguiu puxando 80
E vejo a poeira vôando Que a poeira vôou

Assim era as outras coisas U’a moça na boléia


Que tú vinhas e contava Sebastião ia levando
E eu como um boubalhão Chegou no meio do caminho
Em ti sempre acreditava Sebastião foi cobrando
Tudo era a pura mentira Um beijo pela passagem
Que êste besta inventava A moça foi se zangando

474
A moça disse pra êle Pegou na crista de outra
Que cortasse a ousadia Desta maneira a dizer:
Pois ela não aceitava, Você dar-me um beijo agora
Aquela patifaria, Ou diga se quer decer?
O louro tudo escutando Ela não lhe respondeu
De là da carroceria Tornou mais se enfurecer

Ou me dar um beijo ou desce Pegou na crista com força


O chofer assim falou, Deu-lhe um forte balão
A moça não quiz beijar Que a galinha caiu
Sebastião se zangou Debaixo do caminhão
Parou o carro e a moça O chofer que nada via
Lá na estrada deixou Prestava pouca atenção

O papagaio escutando Mais tarde o carro parou


Toda aquela discussão Sebastião foi olhar
De lá da carroceria Só restava uma galinha
Em cima do caminhão E o louro a perguntar:
Reparou bem direitinho Você quer me dar um beijo
Prestou bastante atenção Ou diga se quer ficar?

O caminhão viajou Que diabo é isto louro?


O papagaio ligeirinho Perguntou Sebastião
Na crista d’uma galinha O louro disse: eu não sei
Pegou e apertou um pouquinho Ou me beija ou vai pra o chão
Ou você me dar um beijo Eu estou aqui comprindo
Ou fica aqui no caminho As ordens do meu patrão

A galinha nada disse Sebastião nessa hora


O louro aí se zangou Jeito não tinha pra dar
Agarrou logo na crista O louro só fez aquilo
Com toda força puxou Porque viu ele falar
Deu um balão na galinha Se quiz achar as galinhas
Fóra do carro jogou Foi obrigado a voltar

475
Fez a volta em seu carro O louro malabarista
Dali voltou procurando Cada vez mais se danava
Uma ali outra aculá O qu’ele visse falar
O chofer ia encontrando Ligeiro tambem falava
Umas mortas, outras vivas Fosse coisa de segredo
Foi ele tudo juntando Ele depressa alarmava

Muito adiante com a moça Os recrutas todo dia


Sebastião encontrou Iam tomar instrução
Ele aí se arrependeu Todas as manhãs bem sêdo
Daquilo que praticou Ali perto da pensão
Parou o carro e pra ela O louro là da gaiola
Desta maneira falou: Prestava toda atenção

Senhorita me perdôe Ele que via o sargento


E suba aqui novamente Dizer: direito recruta
Que lhe levo gratuito Se ajoelha e faça fôgo
E tambem honestamente Imfrente sem medo a luta
Inda sou seu defensor Ele ouvia os estampidos
Porque é uma inocente Naquela grande disputa

Disse ela: não senhor Um dia pelas seis horas


Já estou bem inteirada Um curujão foi passando
De tudo que me oferece Agarrou o papagaio
Já estou muito obrigada Com ele saiu vôando
Pra malandro desordeiro O louro se viu pegado
Eu vivo bem acordada Bem assim saiu gritando

O chofer seguiu viagem Me solta cabra da peste


Terminou-se a discussão Se você não já ouviu
Chorando de arrependido Ouça agora o que lhe digo
Por praticar esta ação E diga que pressentiu
Para não ser mais chofer Vá pegar o papagaio
Vendeu o seu caminhão Lá da ponte que caiu

476
O curujão nem ligava Um dia o malabarista
Seguia com ele agarrado Ficou lá pelo terreiro
Dizendo no pensamento: As 6 horas mais ou menos
Eu hoje como um guisado Ele subiu pra o poleiro
O louro sempre gritando: Foi dormir com as galinhas
Me solta seu condenado Em cima no galinheiro

Naquela grande aflição Quando foi as cinco horas


O louro ai se lembrou Que o dia clariou
Gritou: faz fôgo recruta O galo desceu primeiro
Fez como quem atirou E là embaixo ficou
O curujão assustado Desceu logo uma galinha
Nessa hora lhe soltou O galo se aproximou

O papagaio salvou-se Rastou aza junto dela


Daquele pássaro malvado Outra galinha decia
Dizendo: quase que eu O galo ia encontra-la
Ia sendo devorado Da mesma forma fazia
Assim mesmo o Padre diz O louro no agasalho
Para não se andar armado Por esta forma dizia:

Se eu não tivesse armado Que trabalho infame é este?


Eu tinha sido comido Se respeite cabra ousado
Por um muleque malvado Eu vou dar parte a policia
Eu tinha sido engolido Pra você ser encanado
Porém comigo enrascou-se Respeite ao menos minha porta
Porque não tirou partido Muleque desassuntado

O louro muito ferido Mais tarde dona Maria


Tornou a voltar pra pensão Saiu até no terreiro
Chegando dona Maria Viu o louro no agasalho
E tambem Sebastião Com aquele converseiro
Trataram dos ferimentos Ela foi ver o que era
Até êle ficou são Chegou atè ao poleiro

477
Ela viu o papagaio Então a dona Maria
Do agasalho gritando, Chegando lá na pensão
Desce pra cá minha rosa: Contou o caso ao esposo
Ela foi logo chamando, Que era Sebastião
Disse êle: eu desço nada Ele sorriu d’uma forma
Só si eu tivesse bestando Que se enrolou pelo chão

Daqui agora eu não desço Certa vez o papagaio


Nem mesmo sendo amarrado Querendo ser cavaleiro
Porque embaixo estou vendo Acordou-se as 5 horas
Um disordeiro afamado Foi para o meio do terreiro
Eu daqui observando Ali vinha uma raposa
Já estou quase assombrado Com seu modo traiçoeiro

Dona Maria adulou A raposa abaixadinha


Até êle resolveu E o louro sem esperar
Já tinha contado a ela Ela deu um pulo em cima
Um tudo que acontenceu Logo pôde aboucanhar
Foi vôando lá de cima Enguliu o louro vivo
Para o chão logo desceu Inteiro sem mastigar

Assim que o louro desceu Terminando de engulir


Naquela mesma horazinha, E dali se retirou
O galo correu pra cima O louro pela barriga
Como quem disse: esta é minha Da raposa viajou
Rastou aza junto dele Passando todas as tripas
Pensando ser uma galinha Até que sempre acertou

O papagaio lhe disse: O louro disse: danou-se


Falando um pouco zangado, Eu quero ver uma cousa
Tu já viu galinha verde!... Desta vez não tenho fé
Respeita as caras safado, Que eu baixe a fria lousa
Pra tarado e marreteiro Rompeu atè que chegou
Eu vivo bem acordado No fiofó da raposa

478
O louro ali não saiu Nessa hora o caçador
Porque a tripa apertou A sua arma apontou
O louro disse consigo: Na cabeça da raposa
Agora foi que danou, Deu um tiro e derrubou
Só com a cabeça fora Chegando lá reparando
Aquele louro ficou O papagaio encontrou

Aquela pobre raposa Abriu ligeiro a raposa


Horrivelmente corria Tirou o louro pra fora
Se enrolava no chão Estava daquele jeito
Como um cachorro gania Ele lavou sem demora
Soltava uivos tão altos E com o malabarista
Que muito longe se ouvia O caçador foi embora

Um caçador que estava Chegando contou o caso


Naquela mata caçando, Como tinha se passado
Com os gritos da raposa Que no bucho da raposa
Ele foi se aproximando O louro tinha encontrado
Mas adiante avistou A mulher com aquele louro
Ela no chão se enrolando Tomou bastante cuidado

O caçador que já vinha Ficou são o papagaio


Com o sangue um pouco quente Se danou mais pra falar
Foi fazendo a pontaria Falava por quatro ou cinco
Ouviu a voz d’um vivente: Que fazia admirar
Atire bem na cabeça Se alguem lhe aborressece
E veja que aqui tem gente Ele danava a xingar

O caçador que no tiro O tempo estava de crise


Nunca foi homem ruim Esse velho imaginou
Escutou mais um momento Mudar-se pra outro canto
Ouviu dizer mais assim: Ligeiro se preparou
Pode atirar na cabeça Pra seguir no outro dia
Olhe este chumbo em mim Sua viagem arrumou

479
O velho tinha um macaco O macaco na garupa
Pior do que satanaz O velho também montou,
Boliçoso que sò ele Fique quiéto Vicente
Astuto e muito sagaz O velho recomendou,
Perverso por natureza Com a mulher e os filhos
Inda mais que Barra-Baz O caçador viajou

O velho tinha uma égua Viajaram e viajaram


Que inda era esbrabejada Passando numa lagôa
Era muito bôa de carga Disse o macaco consigo:
Mas, nunca arrumava nada Aqui a hora está bôa
Quem futucasse a garupa Vou futucar esta égua
Daquela égua malvada Pra ver se a poeira vôa

Porque a bicha saltava A égua nesse momento


Era um serviço do cão O macaco futucou
Jogava coice e patada A bicha saiu saltando
Só findava a confusão E o papagaio gritou:
Quando botasse o que tinha Ou égua doida da peste!
Em cima dela no chão E assim continuou

O velhinho foi pagando A égua saiu saltando


Cuja ègua e encabrestou Que a poeira voava,
Botando a cagalha em cima Ou égua doida da peste!
Bem direitinho apertou Sempre o louro assim gritava,
Botou a carga de mala E o macaco na garupa
De novamente arrochou Cada vez mais futucava

Depois da carga arrochada A bicha metia os tampos


Botou o louro no meio Danadamente pulando
E disse: agora minha rosa Relinchando e dando coice
Sustente a égua no freio E o macaco futucando,
Se aprume bem direito Tá doida bicha maluca
Poque o caso està feio Se ouvia o louro gritando

480
O louro estava amarrado Portanto vou de pés mesmo
Era obrigado a ficar Porque da vida preciso
Fazia esforço bastante Montando neste animal
Mas, não podia voar Vai me causar prejuizo
O macaco futucava Porque se égua é doida
Pra ver a égua saltar Macaco não tem juizo

O arrocho se quebrou O velho achou engraçada


As malas despedaçaram Esta piada que viu
Todas panelas de barro Tornou arrochar a carga
Com a queda se quebraram Tudo logo decidiu
Sò o louro e o macaco Botou o louro no ombro
Que na cangalha ficaram Sua viagem seguiu

O papagaio amarrado Por fim no ponto marcado


Bem no birro da cangalha O pobre velho chegou
Como tambem o macaco Com toda sua familia
Porém não mostrava falha E assim continuou
Futucando a égua velha Mas a fome e a quebradeira
No seu papel de canalha Cada vez mais se danou

A muito custo o velhinho O velho tinha um compadre


Aquela égua pegou Que era forte fazendeiro
Endireitou a cangalha Pois, tinha gado à vontade
O pobre louro tirou Solto ali no taboleiro
Surrou bastante o macaco O pobre muito preciso
Divido o que praticou Fez logo um calculo certeiro

O velho ajeitou a carga Disse o velhinho: eu de fome


Mandou o louro montar É que não devo morrer
Disse ele: eu sou maluco! Meus filhos todos chorando
De tornar me arriscar? Sem ter nada pra comer
Não sou eu que monto em égua Eu mato um boi de compadre
Pra macaco futucar E ele não vai saber

481
Pegando sua espingarda Quando foi um certo dia
Que muito perto encontrou O vaqueiro procurando
Um boi do compadre rico Aquele boi do patrão
Ele atirou e o matou Ia ao povo perguntando
Tratou com bastante pressa Na casa do caçador
Pra sua casa o levou Foi o vaqueiro chegando

O louro desde o principio Não tinha ninguém em casa


Que estava observando O vaqueiro perguntou:
A conversa sob o boi Quede teu dono minha rosa
Ele estava decorando O papagaio falou:
Tudo que o velho falava Se é o caso do boi
Ele ficava escutando Meu senhor foi quem matou

O velho disse a mulher: A fome estava danada


Vamos o couro enterrar Meu senhor muito apertado
Deste boi de meu compadre Deu um tiro no seu boi
Para ele nem sonhar Pra nós comer cozinhado
Porque se ele souber Se o senhor quer ver o couro
Vai me prender ou matar Está ali enterrado

Lá na porta da cozinha O vaqueiro foi olhar


Ligeiro o velho cavou Aonde o louro mostrou
Um buraco muito fundo Cavou a terra e o couro
Aquele couro enterrou Naquele instante encontrou
Da gaiola o papagaio Nessa hora olhou o ferro
Tudo isto observou Para fazenda voltou

O boi do compadre rico Chegando lá o vaqueiro


Ninguèm mais podia achar Contou um tudo ao patrão
O vaqueiro procurava O que o louro falou
Mas nada de encontrar Ele viu com exatidão,
Daí avante o vaqueiro O rico mandou prender
Não cessou de procurar O pobre como ladrão

482
Quando o pobre caçador Deixou o louro pelado
Estava bem à vontade Pela janela atirou
Pensando que estava tudo Depois contou a mulher
Sem pequena novidade O caso que se passou
Com pouco chegou a policia Que foi aquele infeliz
E o prendeu de verdade Que com o vaqueiro arengou

Perguntou ele a policia:


Porque me levam a prizão? Quando foi no outro dia
Disseram todos soldados: O louro estava molhado
Tú ainda fala ladrão Tremendo ao pé da parede
Dizia o louro: olha o ferro! Porque estava gelado
Fazendo um risco no chão E ali pertinho dele
Passou um pinto pelado
Levaram ele a cidade
Chegando lá confessou O louro disse pra o pinto:
Contou tudo direitinho Foi todo nosso o azar
Do jeito que se passou, Tú tambem contou do boi
O compadre teve pena Pra meu senhor se zangar
Na mesma hora soltou E tambem ti despenou
Pra nunca mais fuchicar?
O homem chegando em casa
Zangado quase a chorar O pinto saiu calado
Agarrou o papagaio E o louro ali ficou,
Começou a despenar O velho ficou com pena
Dizendo: ti faço isto Aquele louro apanhou
Pra nunca mais fuchicar Porém ele ficou mudo
Que nunca mais conversou

483
Meu irmão que nasceu morto Meus senhores e senhoras
Disse que levou de vista Finda aqui minha historinha
Conheceu muito este louro Será mesmo uma beleza
Que deste drama é o artista Interessante coizinha
Interei de minha mimória Leitor fique analizando
E escrevi a história Ver um papagaio beijando
Do Louro Malabarista A bôca d’uma galinha

FIM

484
CORDEL MARAVILHOSO, FABULOSO,
DE FADAS E ENCANTAMENTOS

485
HISTORIA DA CEGONHA ENCANTADA
E O REINO DOS MISTERIOS

Andando meu pensamento Ficando muito zangado


Passeando nos impérios Por ela não lhe amar
Dos reinos imaginários, O feiticeiro ficou
Conhecendo os hemisférios Em tempo de se enforcar,
Viu uma linda cegonha E daquela princesinha
No Reinado dos Mistérios. Resolveu a se vingar.

Se deram casos funérios O feiticeiro sem par


Naquele lindo reinado, Se achava revoltado
No tempo que havia fada Com aquela princesinha,
E feiticeiro afamado; Ele amar sem ser amado
Foi encantada uma jovem Disse consigo: eu encanto
Por um bruxo vil, malvado. Princesa, rei e reinado.

Filha do rei João Machado Com o seu gênio malvado


Essa linda princesinha Todo reinado encantou,
Que naquele lindo reino Em uma linda cegonha
Teve uma sorte mesquinha, A princesa se virou,
Porque um bruxo encantou E numa grande montanha
Princesa, rei e rainha. O reino se transformou.

Por aquela princesinha Todo reino se virou


Era o bruxo apaixonado Numa montanha elevada,
Daquela linda donzela Num pé de árvore a rainha
Quis se fazer namorado, Ali ficou transformada,
Porém ela não querendo Sofrendo barbaramente
Tornou-se ele um malvado. Nessa montanha encantada.

487
Naquela árvore alojada Esse reino assombrador
Ficou a linda cegonha Por todos era temido,
Para cumprir sua sina Quem passasse por ali
Nessa montanha tristonha Saia louco varrido,
Mesmo assim ela vivia Por reinado dos mistérios
Cantando muito risonha. Ficou ele conhecido.

Nessa montanha medonha O feiticeiro atrevido


Aquela ave cantava Ali ficou à vontade
As seis horas da manhã Ficou de peito lavado
Um belo hino entoava, Com esta barbaridade
Quem ouvisse aquele hino Por ter feito do reinado
Logo ali se apaixonava. Tão grande infelicidade.

A cegonha assim cantava: Lá no país da Saudade


Ó meu Deus que triste sina Tinha um príncipe de valor
Eu viver nesta montanha Por nome de Herculano
Igualmente uma assassina, Era um nobre caçador
Já fui tão bela princesa Que na força e na coragem
E hoje sou peregrina. Não tinha superior.

Aquela bela menina Certa vez um lenhador


Vivia a se lastimar, Contou uma novidade
Naquela linda montanha A esse príncipe Herculano
Passava a vida a cantar, Com toda sinceridade
Nem caçador por ali D’uma cegonha encantada
Era capaz de passar. No tempo da antiguidade.

Era capaz de assombrar Contando a realidade


A qualquer um caçador Assim disse o lenhador:
Que passasse por ali, No Reinado dos Mistérios
E ouvisse o som do tambor Não existe um caçador
Corria com tanto mêdo Que vá caçar na montanha
Que fazia até horror. Pra não correr com terror.

488
Dizem que ouvem tambor Porque o catimbozeiro
Lá em cima na chapada Não há quem possa o vencer
Daquela grande montanha Tem duas grandes serpentes
E gente da gargalhada Para a gruta guarnicer
Onde tem uma cegonha Quem foi naquele perigo
Misteriosa encantada. Sem remissão vai morrer.

Aquela ave dourada Não pode se defender


Ninguém a pode matar Naquela gruta o vivente
Quando ela entôa um canto Porque se lutar bastante
Faz até gente chorar E vencer uma serpente
Quando o caçador a ver Vem a outra e devora
Ela torna se encantar. O pobre ligeiramente.

Dizem que esse lugar Daquela cobra valente


Era um lindissimo reinado Se o cristão se livrar
Que ha tempos foi destruido Vem outra muito pior
Por um bruxo vil malvado Se êle poder a matar
E por Reino dos Mistérios O feiticeiro o encanta
É hoje denominado. Pra ninguém desencantar.

Perguntou muito vexado Herculano ao escutar


O belo principe Herculano: Disse: obrigado velhinho
Meu velhinho, onde reside Amanhã para esse reino
O feiticeiro tirano Vou seguindo no caminho
Que encantou o reinado Vou tirar todo esse povo
Princesa e o soberano? Do sofrimento mesquinho.

Dizia Pedro meu mano Naquela hora o velhinho


Que o grande feiticeiro Disse: nobre cavalheiro
Reside lá numa gruta Não vá lá nesse reinado
No cimo dum grande oiteiro Do forçoso feiticeiro
Para ir falar com ele Que êle a vos mata ou encanta
Não existe um cavalheiro. Com seu poder verdadeiro.

489
Disse o principe: eu sou guerreiro Apreciando a miragem
Não posso me desviar Naquele horrendo diserto
Pra qual lado é esse reino Procurando o feiticeiro
Faça favor de mostrar Pra o pegar de corpo aberto
Que vou matar esse bruxo E sobre aquele reinado
E tudo desencantar. Queria contar o certo.

O velho quase a chorar Já estava muito perto


Disse ao principe: meu senhor Ele avistou um rochedo
Fica para o lado leste E sobre êle uma gruta
Esse reino encantador Que parecia um degredo
Onde reside esse bruxo O principe deixou o cavalo
Feiticeiro de valor. E subiu pelo penedo.

O guerreiro sem temor Na gruta desse rochedo


Foi logo se preparando Quando êle foi chegando
Com uma possante espada Aquela gruta tão lisa
Ele foi logo se armando Êle ficou reparando
Mandou pegar seu cavalo Nessa hora um furacão
Ligeiro foi arreiando. Vinha da gruta assoprando.

E depois foi se montando Êle foi se preparando


O seu destino tomou A sua espada puxou
Para o Reino dos Mistérios Nessa hora uma serpente
Herculano viajou A êle se apresentou
Nem o rei nem a rainha Com a bôca escancarada
O principe partecipou. Pra cima dele marchou.

Seu cavalo esporiou O principe se desviou


E seguiu sua viagem Deu um golpe de espada
Com sua espada na cinta Para arrancar o pescoço
Não lhe faltava coragem Daquela fera assanhada
Subindo serras e montes A fera que era dextra
Admirando a paisagem. Livrou-se da cutilada.

490
Deu-lhe uma rabicada Quando a espada furou
Para matar o rapaz A serpente esmoreceu
O principe por ser ligeiro Soltou um urro tão grande
E tambem muito sagaz Que o monte estremeceu
Livrou-se daquela fera Deu um salto para um lado
Dando um salto para traz. Caiu no chão e morreu.

Aquela fera voraz Outra fera apariceu


Avançou de novamente Pior do que a primeira
Para pegar o guerreiro Foi dizendo para o moço:
E espedaça-lo no dente Mataste minha companheira
O moço botou a espada Porém aqui no momento
Na cabeça da serpente. Eu farei tua caveira.

Faisca de fôgo ardente Para mim é brincadeira


Viu clarear no espaço Eu nunca temi a nada
Como tivesse batido Matei uma mato dez
Num grosso trilho de aço Minha hora está chegada
A espada do guerreiro Mato hoje até o bruxo
Quase que vira em pedaço. No gume de minha espada.

O monstro sem embaraço Disse a fera endiabrada:


Foi em cima do guerreiro Você está enganado
Para agarrar na garganta D’um aperto que eu lhe der
Desse nobre cavalheiro Lhe deixo bem preparado
Queria mostrar o poder Com olhos fora da caixa
Do forçoso feiticeiro. Osso por osso quebrado.

Porém o principe ligeiro O principe disse zangado


Com sua espada esperou Deixe de falar besteira
Quando a fera foi a êle Venha logo pelejar
Que a bôca escancarou Que não sou de brincadeira
Dentro da bôca da bruta Pra estas feras valentes
A sua espada empurrou. A minha espada é certeira.

491
A Serpente traiçoeira Ai a fera partiu
Foi em cima do rapaz Para o guerreiro agarrar
Para pegar pelo meio Dentro da bôca da fera
E mostrar como se faz O moço pôde acertar
Com uma furia estupenda Bateu a espada de ponta
Parecendo o satanaz. Que viu a fera tombar.

Dando um salto para traz Sentou-se pra descansar


O principe se desviou Quando a serpente caiu
Deu um golpe na serpente Com pouco um grito horroroso
Porém ela se livrou Naquela gruta êle ouviu
O moço disse: bichinha Um velho todo andrajoso
Tú saberás eu quem sou. Naquele instante saiu.

Um grande golpe vibrou O velho os dentes rangiu


Naquela bruta serpente E disse: principe vilão
Mas ela se defendeu Você matou minhas serpentes
Do golpe ligeiramente, Querendo ser valentão
Deu um golpe no guerreiro Mas não salva da espada
Para pegar o valente. Que trago na minha mão.

O guerreiro experiente O principe disse: isto não


Deu um salto para traz Já saberás eu quem sou
Pôde se livrar das presas Quero saber se você
Daquela fera voraz É o bruxo que encantou
A serpente furiosa O Reinado dos Mistérios
Pior do que satanaz. Que tudo petrificou?

Igual a esta jamais Sou eu, o bruxo afirmou


Outra serpente existiu Só afim de me vingar
O principe com sua espada Da princesinha Eliete
Um grande golpe mediu Porque não quiz me amar
No pescoço da malvada Encantei todo reinado
Que fôgo longe caiu. Pra ninguém desencantar.

492
Só vim contigo lutar O principe sempre gritando
Porque tú és protegido Se entrega feiticeiro
Da fada branca da Lua Conheça que na espada
És muito favorecido Eu sou terror de guerreiro
Só por isto meu poder Se não quer ser degolado
Se acha muito abatido. Seja meu prisioneiro.

Por ser muito resolvido Respondia o feiticeiro:


Falou o principe zangado: Você está enganado
Você hoje desencanta Quem vem aqui neste reino
A princesa e o reinado Não terá bom resultado
Do contrario morrerá Porque de qualquer maneira
Pra deixar de ser malvado. Há de ser estrangulado.

O feiticeiro entalado O principe disse: malvado


De raiva nem mais falou Hoje tú vais encontrar
Puxou a espada, e o principe Um poder superior
D’um pulo se levantou Que pode te dominar
Com sua espada na mão Os crimes que praticaste
E a luta começou. Agora tens que pagar.

Ali o ferro trincou E tornaram a se topar


O principe com o feiticeiro Suas possantes espadas
Se um era bom no ferro Brincando pelo espaço
O outro, ferro ligeiro No jogo das cutiladas
Se um dava golpe certo Com meia legua se ouvia
O outro, golpe certeiro. Aquelas grandes pancadas.

Só se via o fumaceiro Por monte, serra e baixadas


Os dois guerreiros lutando Quem ouvia o barulhão
Ambas espadas na pedra Tigre corria assombrado
De vez em quando acertando Dava topada em leão
Fumaça, pedra e faisca Peitava zebra e elefante
Por todo canto voando. Botava tudo no chão.

493
Pior do que um dragão No chão alí se estendeu
O feiticeiro lutava O principe logo agarrou
Pra ver se vencia o principe Na abertura do marmanjo,
Porém nada aproveitava Por esta forma o falou:
Quando êle descia a espada Agora tú vais pagar
Já o principe se livrava. Os crimes que praticou.

O principe se esforçava O feiticeiro rogou


Pro feiticeiro alcançar Pra sua vida poupar,
No gume de sua espada O principe disse infeliz
Para a cabeça lascar Só posso não te matar
Porém o vento sòmente Se o Reino dos Mistérios
Êle encontrava no ar. Garantir desencantar.

Depois de muito lutar Se você não aceitar


O feiticeiro cansou Não tem rôgo nem pedido
O principe botou a espada Pra minha espada de aço
O bruxo se atrapalhou Não ir beijar seu ouvido
Só a espada do bruto Abrindo de meio a meio
Naquela hora quebrou. Pra deixar de ser bandido.

Quando o pedaço vôou Já se achando vencido


O bruxo pois-se a tremer O bruxo pois-se a rogar
Valeu-se das “santas” pernas Ó distinto cavalheiro
Saiu doidinho a correr Não quera-me degolar
De gruta a dentro a procura Que garanto nesse instante
Dum canto pra se esconder. O reino desencantar.

O principe sem se temer Sou capaz de preparar


Atraz do bruxo correu Um líquido bem preparado
Pega alí, pega aculá E consigo ir ao reino
E sua espada bateu Que está petrificado
De pano nas costas dêle Desencantar logo o rei
Que o bruxo se esmoreceu. Com todos do seu reinado.

494
O principe disse: malvado Líquido preto, mau intento
Tua vida vou poupar Daquele bruxo malvado
Pra fazer teu preparado Para encantar qualquer reino
Pra o reino desencantar Ou mesmo qualquer condado
Será cortado e queimado Líquido verde esperança
Se este plano falhar. D’um reino desencantado

Depois de tudo avisar Aquele bruxo afamado


Ao feiticeiro soltou Logo alí se ajoelhou
Disse ele: me acompanhe Concentrou o pensamento
O principe lhe acompanhou Uma oração rezou
Pra o interior da gruta O garrafão d’água verde
Êle na frente marchou. Ligeiro se transbordou.

Naquele instante chegou O feiticeiro o pegou


Num grande e lindo salão Se dipoz a viajar
Tinha tão grande coivara Para o reino dos Mistérios
Fazendo grande clarão Pra êle desencantar
Tinha caveira de gente O feiticeiro na frente
Que fazia assombração. Para o principe acompanhar.

Tinha ali um garrafão Para o bruxo acompanhar


O depósito da magia O principe não protestou
O feiticeiro com êle Pegou logo uma corrente
Fazia o que bem queria Os braços dele amarrou
Qualquer um reino encantava Seguro no garrafão
Com sua feitiçaria. Seguir na frente obrigou.

Uma oração fazia O principe ali se montou


Concentrando o pensamento Em seu cavalo arreiado
O garrafão se enchia E seguiu com esse bruxo
Dum líquido grosso cinsento Já vencido e amarrado
E depois empretecia Para ir desencantar
Naquele mesmo momento Aquele belo reinado.

495
O bruxo todo algemado Naquele instante a rainha
Horrivelmente sofria Para o principe assim falou:
Viajou um mês inteiro Muito obrigada guerreiro
Não comia e nem bebia Que nosso reino salvou
Até chegaram no reino O principe vendo a princesa
Que a cegonha residia. Logo se apaixonou.

O garrafão da magia O monarca perguntou


O bruxo ali despejou Guerreiro nobre e honrado
Naquele mesmo momento Responda o que tú desejas
Uma oração rezou Do meu pequeno reinado
Ouviu-se um grande estrondo O que tú achar mais lindo
O reino desencantou. Com ele é gratificado.

A montanha se virou Brilhante pra todo lado


Em um belissimo reinado Tinha grande quantidade
De rei, rainha e princesa Barras de ouro nem falo
Foi tudo desencantado Que tinha mesmo á vontade
Deram mil graças a Deus Tinha pedra prciosa
E ao principe denodado. Da mais alta qualidade.

O rei muito admirado Sua real magestade


Chegou naquele momento A minha sorte é mesquinha
Dizendo: nobre guerreiro A vós eu peço desculpa
Salvaste meu sofrimento E outro tanto a rainha
Com todo meu pessoal Mas estou apaixonado
Deste tão grande tormento. Por vossa bela filhinha.

Naquele mesmo momento Desta linda princezinha


Chegou a bela rainha Eu bastante afeiçoei
Sorrindo de alegria Senti meu corpo tremer
Com sua linda fihinha Assim que lhe reparei
Se transformou a cegonha Se não me casar com ela
Numa linda princesinha. Eu hoje me enforcarei.

496
Assim respondeu o rei O belo principe voltou
É ótima esta união Para os seus pais avisar
E disse filha querida Que teve a maior vitória
Qual é sua opinião? Pra o reino desencantar
Disse ela: está aceito E com a filha do rei
De todo meu coração. Voltava pra se casar.

Com muita satisfação Sofrendo pra se acabar


Disse o rei nesse momento: Nas garras da magestade
Aceito-vos como genro O pobre do lenhador
Com todo contentamento Lá no País da Saudade
Agora vamos marcar Numa prisão horrorosa
A data do casamento. Que fazia piedade.

Com esse consentimento Por uma infelicidade


Da majestade real Quando êle o principe falou
Marcaram pra quinze dias Sôbre o reino dos Mistérios
Pra se unir o casal Alguém de fóra escutou
Enquanto o principe voltava E contou a magestade
Pra avisar seu pessoal. Um tudo que se passou.

O feiticeiro infernal O principe logo exalou


Continuava amarrado Sem dizer pra onde ia
Disse o principe majestade Pegaram logo o velhinho
Aqui está o malvado Meteram na enxovia
Que fez a infelicidade Se o principe nunca voltasse
De todo vosso reinado. Aquele pobre morria.

Então o rei João Machado A majestade dizia:


Uma porta destrancou Infeliz tú vais sofrer
Num grande alçapão de ferro Porque fizeste meu filho
Aquele bruxo enserrou Daqui desaparecer
Ficando lá para sempre Com histórias mentirosas
Até quando se acabou. Por isso tens de morrer.

497
Se meu filho aparecer Faltava um mês pra morrer
Tú sairás da prisão O pobre do lenhador
Nesse periodo de tempo Cada vez mais o monarca
Sofrerás sem remissão Dava castigo de horror
Do contrário tua morada Para matar o velhinho
É dentro do frio chão. Com todo ódio e rancôr.

Naquela grande aflição O pobre do lenhador


Ficou o pobre velhinho Sofria pra se acabar
Padecendo horrivelmente Até completar o tempo
Sem ter agrado e carinho Do belo principe chegar
Pedindo a Deus que salvasse Sem ninguém dá nem notícia
Do sofrimento mesquinho. Onde êle foi se parar.

Aquele pobre velhinho O rei para se vingar


Sofrendo sem remissão Daquele velho malvado
Todos os dias tomava Que fez o principe ir morrer
Um banho de cansanção Naquele infeliz reinado
Almoçava com chibata Que o bruxo feiticeiro
Jantava com cinturão. A tempo tinha encantado.

Ó Virgem da Conceição Para matar enforcado


Dizia ele chorando O pobre do lenhador
Vós tenha pena de mim Mandou lavrar a sentença
Que estou me acabando Daquele velho impustor
Nessa infeliz prisão O monarca estava igual
Minha vida exterminando. Um leão devorador.

Vós estais apreciando O doutor Claudionor


Meu horrivel padecer Que era esse o Juiz
Minha mãe Maria Santissima Homem muito justiceiro
Não deixai eu perecer Naquele belo país
Fazei com que esse principe Lavrou a sentença a pulso
Breve venha aparecer. Daquele pobre infeliz

498
O seu destino assim diz Chegando numa cidade
Dizia assim o doutor Bem perto do seu país
Vai ser agora enforcado Disseram: por vossa causa
Este velho lenhador Vai morrer um infeliz
Por ter iludido o filho Amanhã irá a forca
Do ilustre imperador. Está na mão do juiz.

Gente que fazia horror O principe disse: o que fiz


Pra ver o velho morrer Para este pobre ir morrer?
A forca já estava armada Disseram: sua majestade
E o pobre velho a tremer Viu vós disaparecer
Dizendo: meu Jesus Cristo Supôz que foi o velhinho
Vós queira me defender. Que fez vosso padecer.

O monarca mandou ler Para o velho defender


A sentença com cuidado Dessa grande crueldade
Quería provar que o réu Como é que eu aviso
Era bastante culpado Sua real majestade?
O povo gritava: enforca Disse um velho: siga a toda
Este infeliz condenado. Para o País da Saudade.

Em seu cavalo arreiado As quatro horas da tarde


Enquanto isto seguia Da manhã do proximo dia
O belo principe Herculano O pobre vai ser enforcado
Passando por travessia Com a maior tirania
Montes, planicies e serras O principe de tão tristonho
Viajava todo dia. Agua dos olhos corria.

Com grandiosa alegria Só correndo noite e dia


E bastante ansiedade Se vós lá quizer chegar
Herculano viajava Para da forca tremenda
Para o País da Saudade Aquele pobre salvar
Contente por encontrar Já foi lavrada a sentença
A maior felicidade. Para amanhã enforcar.

499
Deus a mim vai ajudar, Muita gente a soluçar
Disse o principe impaciente Quando a policia arrastou
Que meu cavalo não canse Até chegar lá na forca
Que eu chegue ligeiramente E o povo acompanhou
Antes de ser enforcado O carrasco com a corda
Aquele pobre inocente. O pobre velho laçou.

Herculano para frente Quando o monarca ordenou


Seu cavalo esporiou Para o carrasco enforcar
Saíu em toda carreira O infeliz condenado,
Que a poeira vôou Ouviu um moço gritar
Viajou a noite toda Cavalgando a toda pressa
Que nem sequer cuchilou. Que via poeira vôar.

Quando o dia clariou O rei mandou pra parar


O principe mais se afligia Com aquela execussão
Esporiava o cavalo Pra ver qual era a notícia
No pensamento dizia: Que trazia o cidadão
Vou salvar o pobre velho Que vinha em toda carreira
Com fé na Virgem Maria. Que só via o poeirão.

Pois já era meio dia Toda aquela multidão


E o velho lá na cidade Ficou atenta esperando
O rei estava fazendo O carrasco com a corda
A maior barbaridade Ficou ali segurando
Arrastando-o pelas ruas Com pouco o principe montado
Com toda perversidade. No recinto foi chegando.

Sem a menor piedade O rei assim foi gritando:


O rei mandou arrastar Olhe meu filho estimado!
O lenhador para a forca Graças a Deus que meu filho
E o povo acompanhar Por lá não foi devorado
O carrasco estava pronto Vamos ver o que se faz
Para o velhinho enforcar. Com este infeliz malvado.

500
O principe muito cansado E esta história todinha
Com o rei se abraçou Este velho me contou
Depois sentou-se um pouquinho Mas que eu não me arriscasse
Até que se descansou Ele me recomendou
O monarca muito alegre Eu fui por minha vontade
Ao seu filho interrogou. Ele não me obrigou

Foi este réu que contou Ainda Deus me ajudou


A ti tão grande ilusão Que me saí na empreza
Que te fez um forasteiro Desencantei o reinado
Sem a menor precisão? Com rei rainha e princesa
Com isto fazer teus pais Voltarei pra me casar
Sofrer tão grande aflição. Com a flôr da natureza.

O principe respondeu não É rainha em gentileza


Ele é meu grande amigo Um encanto em formusura
Peço a vós que solte êle Parece que herdou de Vênus
Pois não merece castigo A sua linda candura
Por êle salvei um reino E eu sou apaixonado
Dum temeroso perigo. Por aquela criatura.

Esse reino era antigo Eu fiz toda esta ventura


Que vevia transformado Por causa deste velhinho
Numa montanha medonha Que me contou a história
Por um bruxo vil malvado E eu segui no caminho
Por Reinado dos Mistérios Porisso que o considero
Era alí denominado. Como um grande amiguinho.

Vivia tudo encantado O rei aquele velhinho


O rei princesa e rainha Depressa mandou soltar
Em uma linda cegonha E aquela corda assassina
Se virou a princesinha Ligeiro mandou cortar
Veviam naquele reino Reduziu depois em sinza
Comprindo a sorte mesquinha. Pra ninguém mais enforcar.

501
Todo povo ao escutar Alí a festa rolou
A voz do imperador Com grandiosa alegria
Derrubou ligeiro a forca O monarca discussou
Com todo ódio e rancor Demonstrando o que sentia
Cortou tudo e tocou fôgo Por seu filho ter chegado
No suplício de horror Graças a Virgem Maria;

Ouviu o som do tambor Uma linda poesia


A música toda bradando O velhinho recitou
O rei, o velho e o principe Dando mil graças a Deus
Na frente iam prosando Que da forca lhe salvou
Toda polícia em fila Com tão grande piedade
Atraz de todos marchando. Que todo povo chorou.

Com pouco foram chegando Quando a festa terminou


Lá no palacio real O principe seguiu viagem
O rei, o velho e o principe Levando o pobre velhinho
Com o batalhão naval Com grande camaradagem
O exercito e a marinha Para o Reino dos Mistérios
Junto a todo pessoal. Seguiu com toda coragem.

A rainha Marival Admirando a paisagem


Com o principe se abraçou O belo principe chegou
Ele foi tomando a bênção No Reinado dos Mistérios
Ela logo abençoou Com o rei se abraçou
Sua alegria foi tanta Eliete a princesinha
Que de contente chorou. Com o principe se casou.

502
Três dias festa rolou Meus amigos o velhinho
Naquele lindo reinado Ficou com o principe morando
Dando viva ao belo principe Se viu na toda riqueza
Heroi forte denodado Inda mais vendo aumentando
Com poucos tempos o principe Luxou o resto da vida
Na côrte foi coroado. Vivendo vida florida
Até que foi se acabando.

FIM

503
HISTÓRIA DA PRINCESA DO REINO
DA BRANCA AURORA

A Deusa da Poesia Chamava se Martha Linda


Lá do seu reino onde mora Aquela bela princesa
A mim fez uma visita Era a figura de vênus
Dizendo sem ter demora Divido a grande belesa
Conte a história da princesa Mas a sina que ela trouxe
Do Reino da Branca Aurora Causava grande tristeza

Pra satisfazer a ela Naquele belo reinado


Agora nesse momento Foi grande contentamento
Vou contar pra todo Povo Vivia o rei muito alegre
O que vi no pensamento Naquele feliz momento
Relativo uma princesa Mas tudo isso mais tarde
E todo seu sofrimento Se vira em padecimento

No reino da Branca Aurora Visitas e mais visitas


Tinha um rei muito falado De todo canto chegava
Urias era seu nome No palacio imperial
Naquele belo reinado Visita ali não faltava
Tratava bem o seu povo O povo do reino todo
Com puro amor e agrado A criança visitava

Se o rei era bondoso Ao completar quatro anos


Ainda mais a rainha Esta linda criancinha
Com dez anos de casada Por ser esperta e sadia
Só teve uma filhinha E por ser ela sosinha
E è sobre esta criança Era o tisouro do rei
Que minha historia encaminha E muito mais da rainha

504
O monarca tão alegre A princesa Martha Linda
De fazer admirar Era uma jovem querida
Encomendou um prezente Mimosa como uma flor
Pra sua filha Ofertar Là da campina florida
Era uma fonte de ouro Se comparava a roseira
Para a princesa brincar Daquela mais florecida

Uma boneca de ouro Jà no quarto aniversário


Para ela encomendou Que Martha Linda inteirou
Um papagaio lindissimo Justamente quatro anos
Pra sua filha comprou A princesa completou
O ourive fez direito O rei pegou os presentes
Como o monarca mandou E a filhinha entregou

O ourive trabalhou A linda fonte de ouro


Mas construiu uma fonte Foi a princesa entregando
Toda de ouro massiço O papagaio cantava
Com a paisagem de um monte E a boneca dançando
E fez o desenho do sol A princêsa recebendo
Brilhando no orizonte Começou logo brincando

Fez a boneca de ouro Passava o dia brincando


De fazer admirar Que o povo admirava
Tambem de ouro massiço Tocava a mão na bonèca
Para a princesa brincar Ela bastante dançava
Quando tocasse com o dedo Em sua fonte de ouro
Ela se punha a dançar Seu papagaio cantava

Aquele ourive afamado E assim a inocente


Depois que tudo aprontou Brincava ali todo dia
Se estava ao gosto do rei Que atè os anjos do céu
Ele logo perguntou Sentia grande alegria
O rei gostando bastante De verem a linda princesa
Muito dinheiro pagou Naquela doce armonia

505
Martha Linda com dez anos Portanto filha querida
Era a deusa da meiguice Deves assim responder
Um dia ouviu uma voz Se acaso for uma sina
Dizer lhe querida misse Para você padecer
Queres sofrer quanto moça Preferes a mocidade
Ou então quer na velhice Pra na velhice vencer

A jovem ficou calada Quando foi o outro dia


Nada quiz lhe responder A jovem estava a brincar
Quando foi no outro dia Em sua fonte de ouro
Tornou a voz lhe dizer: Ouviu a voz perguntar
Quer passar bèm na velhice Tú queres sofrer em moça
Ou quer em moça sofrer? Ou quando a idade chegar

A jovem ficou calada Martha Linda respondeu


Porem consigo dizia Se minha sina è ser pobre
Isto aqui tem um misterio Eu quero que seja em moça
Valha-me Virgem Maria Que a pobresa me cobre
Correu contou ao pai dela A sua maior vingança
O que ali existia Para mais tarde eu ser nobre

Disse ela papaizinho Quando foi no outro dia


Ouço uma voz me dizer Que Martha Linda chegou
Se quero ser rica em velha Em sua fonte de ouro
Ou quero em moça sofrer? Um gavião lhe pegou
Já duas vezes me fala E voou pelo espaço
Eu nada quiz responder Com um segundo exalou

O rei lhe disse: filhinha Quando o rei com a rainha


É um misterio em verdade Procuraram pra almoçar
No caso de sofrimento Aquele bela princesa
Antes ser na mocidade Que não poderam encontrar
Porque sofrer na velhice Deram gritos de alarmes
É uma barbaridade E se puseram a chorar

506
Chegou ligeiro a policia Assim como vós salvou
Pra saber da novidade Jonas de se acabar
Perguntando que é que hà No ventre d’um grande peixe
Sua Real Majestade Nas fortes ondas do mar
O rei contou a historia Vós salvai minha filhinha
Cercaram toda cidade Para os meus braços voltar

Procuraram a princesinha Com o vosso santo nome


Por todo canto que havia Davi venceu um gigante
Mas não poderam encontrar São Jorge matou a serpente
O povo todo dizia Uma fera horripilante
Que daquela linda flor Livrai tambèm minha filha
Ninguem noticia daria De um cruel traficante

Voltou depressa a policia E assim continuava


Por esta forma a dizer A oração da rainha
Sua Magestade Real Rogando a Deus e a Virgem
Creio que deve apreender Por sua bela filhinha
Todo povo deste reino Cada vez mais reclamando
Para a jovem aparicer A sua sorte misquinha

O rei bastante tristonho No dia que a princesa


Porem disse isto não Na fonte estava brincando
Não quero prender ninguem E um Pàssaro misterioso
A Virgem da Conceição Sem ela vê foi chegando
Tome conta de minha filha Agarrou nos braços dela
Faça o que for de rasão Seguiu no espaço vôando

A rainha soluçando No Reino da Serrania


Dizia Deus poderoso Assim que o pássaro chegou
Tomai conta de minha filha Num castelo muito lindo
Supremo pai glorioso O pássaro ali a deixou
Salvai-a oh Deus de bondade Martha Linda ficou muda
Dos laços do catingoso Que nada mais conversou

507
Naquele lindo castelo A rainha mãe do principe
Ninguem ali existia Era igualmente um dragão
Meio dia a mesa posta Falsária, vil, fuchiqueira
Para Martha aparecia Um ente sem compaixão
E também cama patente Por sua causa o monarca
Hornadamente e macia Foi pra debaixo do chão

Tudo ali tinha à vontade Aquela velha rainha


De fazer admirar Uma fera furiosa
Tinha cama pra dormir Tinha a mesma natureza
Banheiro pra se banhar Duma coral venenosa
Tinha livro para ler Seu filho era o contrario
E pedir o que desejar Alma santa e virtuosa

Martha Linda ali vivia Aquele bondoso principe


Cheia de felicidade Chamava-se Vitorino
De nada sentia falta Era uma alma bondosa
Pois tudo tinha à vontade Desde o tempo de menino
Chorava a falta dos pais Só para fazer o bem
Divido a grande saudade Veio trassado o distino

Mas depois se consolava Certo dia Vitorino


Escutando a melodia Passando là no castelo
Da passarada a cantar Admirando bastante
Mas ela os pássaros não via Achando um prédio tão belo
Com isto ia-se a tristesa Quando avistou Martha Linda
E lhe chegava alegria Ficou bastante amarelo

Naquele mesmo reinado Era uma jovem tão linda


Tinha um principe solteiro Como um anjo do Divino
Que o rei tinha morrido Que desceu do cèu a terra
Ele era o único herdeiro Com seu brilho matutino
De tudo que existia Pra cair na simpatia
Naquele reino estrangeiro Deste principe Vitorino

508
Vitorino apaixonado A rainha disse ao principe
Da jovem se aproximou D’onde é esta princesa
Deus vos salve sua altesa Você sabe se ela é
Vitorino assim saudou Decendente de nobresa?
A jovem estava calada O principe disse: eu não sei
Calada mesma ficou Que é muda por natureza

Deus vos salve sua altesa E como é que você


O principe tornou a falar Quer com ela se casar
A jovem ficou calada Pra casar com moça muda
Mas acenou pra ele entrar E melhor se respeitar
Foi puxando uma cadeira Neste tal de casamento
Para ele se sentar Não venha mais me falar

O principe disse: princesa O principe disse: Mamãe


Desculpe eu vir indagando Perdão pra seu filho amado
Neste tão belo castelo Sempre fui obediente
Com quem è que estás morando? E vivo sempre a seu lado
Que estava ali sosinha Mas não casando com ela
Ela foi logo acenando Sei que morro apaixonado

O principe se despediu Quando foi no outro dia


E dali se retirou Com o Juiz conversou
Chegando, contou a rainha Os papéis do casamento
O caso que se passou Ligeiramente aprontou
Que viu uma linda princesa Mandou buscar a princesa
Que ele se apaixonou E com ela se esposou

Disse o principe: minha Mãe Na festa do casamento


Fiquei hoje embriadado Foi grandiosa alegria
Vi uma linda princesa Vitorino com a princesa
Que fiquei maravilhado De tão contente sorria
Se não me casar com ela E a mãe do principe de raiva
Sei que morro apaixondo Se unhava e se mordia

509
Com tal acontecimento Com pouco tempo a princesa
A velha ficou zangada Logo gràvida apariceu
Fungava e rangia os dentes O principe se alegrou
Bastantemente infezada Com o que aconteceu
Fazendo o mesmo papel E a malvada rainha
Duma serpente assanhada Inda mais se enfureceu

O principe ficou morando Vitorino viajou


Jùnto a Mãe com a mulher Para um distante reinado
Isto ai para a rainha Antes falou com a rainha
Era mesmo de colher Pra tomar todo cuidado
Porque fazia com a nora Com Martha Linda (a esposa)
Pior do que Lucifer Para ele ir sucegado

Quando o principe Vitorino A rainha disse ao principe


Pra qualquer canto saia Que não tivesse maldade
Ela pegava a princesa Que ela tratava a nora
Horrivelmente batia Com toda amabilidade
Ela coitada era muda Podesse ir descansado
Ao principe nada dizia Com toda sinceridade

O castelo da princesa Pra o reino da União


Onde o pàssaro lhe deixou O principe se dirigiu
Dali desapareceu Martha Linda com saudade
Quando ela se casou Bastantemente sentiu
Ninguem sabe pra onde foi E a malvada rainha
Paresse que se encantou De tão contente sorriu

Martha Linda coitadinha Disse ela eu agora


Vivia tão desgostosa Vou cobrar toda vingança
De só viver dominada Vitorino viajou
Por uma sogra horrorosa Vou começar sem tardança
Um satanaz batisado Maltratar esta infeliz
Uma coral venenosa Pra ver se perde a criança

510
Daì avante se poís Mostraram a ela dizendo
A princesa maltratar Olha imunda o que se deu
Mandava ela a cozinha O teu filho foi um sapo
Os pratos todos lavar Que agora mesmo nasceu
Aprontar toda comida Disse a princesa consigo:
Para as escravas jantar Meu Deus o que faço eu?

Aquela pobre princesa A comida que a rainha


Nada bem feito fazia Dava pra ela almoçar
Porque ela foi criada Era carne muquiada
Com a maior fidalguia Salgada com rosalgar
Porisso a sogra infeliz Para a princesa morrer
Bastantemente batia E ela livre ficar

Ao completar nove mêses Quando a princesa almoçava


A princesa deu a luz Em vez de sentir tormento
A uma linda criança A comida envenenada
Que imitava a Jesus Servia de alimento
Mas a sogra fez igual Cada vez mais engordava
Ao inimigo da cruz Ficando com mais talento

Quando o menino nasceu Com três dias depois disso


Que a parteira pegou Vitorino foi chegando
Ela tinha controlado A princesa de resguardo
E a parteira aceitou O principe foi encontrando
Guardou a criança, e um sapo Como a rainha bem quiz
À princesa apresentou Foi tudo ao filho contando

511
Disse ela: meu filhinho Que Martha deu luz a sapo
Cansei de te avisar Eu não posso acreditar
Que com esta rabugenta Acreditava se visse
Não quisesse se casar Pra poder me conformar
Porque ela no futuro Disse a rainha: é o mais facil
Iria te envergonhar Agora vou o mostrar

Ela deu luz a um sapo


Para todo mundo ver
Estamos tendo cuidado
Para o povo não saber
O principe disse: minha Mãe
Eu em tal não posso crêr

512
2º VOLUME DA PRINCESA DO
REINO DA BRANCA AURORA

Chegou lá dentro num vazo Assim que ela nasceu


O grande sapo apanhou A tal parteira ocultou
E voltou ligeiramente Um sapo feio horroroso
Ao principe logo mostrou A parteira apresentou
O principe olhou diritinho Dizendo: eis o teu filho
Porém não acreditou A pobre se horrorisou

Disse ele minha Mãe Naquele mesmo momento


Tenha santa paciência A rainha mandou chamar
Com a pobre Martha Linda Um escravo com urgência
Não uze de violência E mandou logo pegar
Mamãe peço que perdôe Aquela linda criança
Da minha Martha toda inocência E jogar dentro do mar

A rainha ficou zangada Aquele escravo levou


E dali se retirou O pequenino caixão
O principe todo contente Com a criança chorando
Com a esposa abraçou Fazendo até compaixão
Daí avante a rainha O escravo ouvindo isto
Cada vez mais se danou Lhe cortava o coração

Agora vamos falar Disse a rainha ao escravo


Como a malvada rainha Tenha bastante cuidado
Fez com o filho de Martha Isto aì é um segredo
Uma linda criancinha Pra jamais ser revelado
Que a parteira escondeu Se revelar qualquer tempo
Naquela hora mesquinha Serà morto degolado

513
Seguiu ele com o caixão O leitor deve lembrar
Direto pra beira mar Do pássaro misterioso
Seu coração traspassado Que carregou Martha Linda
Em ver a criança chorar Do seu reino tão ditoso
E ele sem ter recurso Pra beber na terra alheia
Pra aquela pobre salvar Esse fel tão amargoso

Chegou ele a beira mar Foi aquele mesmo pássaro


Proseguiu uma oração Que nessa hora mesquinha
Oh Jesús Pai Poderoso Chegou ali no momento
E a Virgem da Conceição Igual a quem adivinha
Condusam este inocente A garrou o caixãozinho
Pra vossa santa mansão Com a linda criancinha

Dizendo estas palavras Rasgando todo espaço


O caixaãozinho atirou Com a criança vôou
Nas fortes ondas do mar Pra o reino da Branca Aurora
Mas ele não afundou Que rapidamente chegou
Com pouco um pássaro gigante Na porta do rei Urias
O caixãozinho agarrou A criança colocou

Aquele pàssaro gigante No outro dia bem sedo


De onde veio ninguem viu Que o rei foi se acordando
Foi pegando o caixãozinho Pelo choro de criança
Pelo ar se dirigiu Em sua porta chorando
O escravo observou O monarca pra olhar
Até quando ele sumiu Logo foi se levantando

Aquele escravo voltou O monarca abriu a porta


Bastante penalisado Chegando atè ao portão
Seu bondoso coração Foi vendo um lindo garoto
De dor ficou traspassado Em um pequeno caixão
Mas nada disse a ninguem Chorando pra se acabar
Temendo ser degolado Prostrado ali sobre o chão

514
O rei muito admirado Vamos voltar novamente
Depressa se aproximou Pra falar em Martha Linda
Daquela linda criança No reino da Serrania
E nos seus braços tomou Com a rainha Almerinda
Foi entregando a rainha Padecendo porém breve
Em todo caso contou Seu sofrimento se finda

Disse ele: desde cedo Daì avante a rainha


Ouvi um menino chorar Ainda mais maltratou
Eu não pude mais dormir A pobresinha princesa,
Me levantei fui olhar Pois o principe viajou
Encontrei este menino Pra o Reino das Campinas
Chorando pra se acabar E a princesa ficou

A rainha nesse instante A princesa Martha Linda


Foi dizendo: coitadinho Ficou grávida novamente
Isto è arte de mendiga E a rainha Almerinda
Que largou o pobrizinho Do coração de serpente
Agora vamos cria-lo Contra aquela inocente
Com todo agrado e carinho Tornou-se mais renitente

E assim o garoitinho Disse ela: tú agora


A rainha foi criar Desta vez vai me pagar
Tudo ali tinha á vontade Porque agora teu filho
Sem nada mais lhe faltar Ele não pode escapar
Daì avante a rainha Porque de taca e maltrato
Começou mais se alegrar Todos dois quero matar

Porque naquele palacio Começou a judiar


Reinava a maior tristeza Que fazia compaixão
Todo coberto de luto Obrigava a trabalhar
Por motivo que a princesa Lá pelo pé do fogão
Dali desapariceu De vez em quando uma surra
Fazendo grande surpresa Taponas e empurrão

515
Com nove mêses completos O portador foi seguindo
Ela tornou ter criança Com o pequeno caixão
Uma criança mimosa Chegando a beira mar
Ali nasceu sem tardança Fez outra linda oração
Linda como um queirubim E jogou o caixãozinho
Lá da Arca da Aliança Com uma dor no coração

Quando a criança naseu Assim que ele jogou


A rainha controlou O pàssaro tornou agarrar
Com a mesma infeliz parteira Seguiu levando o caixão
Que a trajédia formou Com a criança no ar
Escondendo a criancinha O moço fitou o pássaro
E um sapo apresentou Atè não pôde enchergar

Dizendo olha infeliz Para encurtar a história


Bicha imunda fedorenta Três já completava
Tornou pari outro sapo Pra jogar dentro do mar
Sujeita escrôta e nojenta A infeliz sogra ordenava
Uma mulher como esta Sapo e caranguejeira
Nem o diabo aguenta Ela aos pais aprezentava

Tù devia se casar O portador quando ia


Era com o anjo Lusbel As crianças atirando
Não com meu filho querido Nas fortes zondas do mar
Sujeita imunda e cruel O pàssaro iam agarrando
Estou vendo tú pari Na porta do rei Urias
Brevemente é um cascavel Ia todas colocando

Pelo mesmo portador Depois de todos os tramas


Mandou a criança levar Que a rainha formou
Num pequeno caixãosinho Um dia pelas seis horas
E jogar dentro do mar Quando o principe ali chegou
Cinco horas da manhã Ela banhada de lágrimas
Antes do dia raiar Para ele assim falou

516
Oh meu filhinho querido Obrigou a pobre Martha
Queira agora me escutar Aquela linda princesa
Vou lhe fazer um pedido Ser escrava dos escravos
Creio que não vai faltar Sem ninguem fazer defeza
Esta tua imunda esposa A pobre toda andrajosa
Você deve abandonar Sentia grande tristesa

Já estou envergonhada Martha Linda foi comprir


Divido tanta sujeira A sua sorte mesquinha
Essa moça é só parindo Sendo escrava dos escravos
Sapo e caranguejeira Daquela infeliz rainha
Por tanto já não suporto Mudaram logo seu nome
Divido tanta porqueira Para Bicho da Cosinha

O principe bastante triste Ficou Bicho da Cosinha


Sem ter um jeito se quer Sofrendo pra se acabar
Pra descobrir a trajédia Trabalhando noite e dia
Armada por Lucifer Levava a vida a chorar
Respondeu para a rainha Mais sempre resignada
Faça là o que quizer Sem nunca disesperar

O principe muito tristonho Tempos e tempos depois


Bastante contrariado Um dia o principe chegou
Fez uma longa viagem Tinha esquecido o passado
Para um distante reinado Nem nunca mais se lembrou
Para poder se esquecer De sua esposa querida
De todo aquele passado E assim continuou

Assim que o principe saiu A muito tempo depois


Aquela infeliz rainha Hia o principe viajar
Chamou todos os escravos Pra um reino muito distante
E tambem a princesinha Resolveu presentiar
E disse: eis uma escrava A todos os seus escravos
De vocês lá na cosinha Para lhes gratificar

517
Chamou todos os escravos O principe se admirou
Homem, menino e mulher E disse nesta razão
Dizendo: cada um de vós Meus escravos tendo escravos
Faça um pedido qualquer Não está certo assim não
Que eu garanto fazer Depois eu quero saber
Pode dá lá no que der Quem deu esta permissão

Cada um escravo pedia Foi dizendo estas palavras


Para seu senhor trazer Naquela mesma horazinha
Um objeto bonito Foi olhar quem era o bicho
Para lhe oferecer Que tinha là na cosinha
O principe tomando nota Chegando foi encontrando
Para não se esquecer Com a linda princesinha

Todos escravos em fila Devido o grande maltrato


Cada um ali falou Que ele não conheceu
Pediu o que desejava Nos trajes que ela estava
O principe tudo anotou Seu coração comoveu
Passando de um a um Com esta cena que viu
Até a fila acabou Seu corpo todo tremeu

Depois ele perguntou Escrava dos meus escravos


Vejam bem se està faltando Nunca fui homem ruim
Algum escravo dos meus Amanhã vou viajar
Que não està escutando Quero que peças amim
Pra pedir o que desejar O que tú mais desejar,
Pra eu ir anotando O principe lhe disse assim

Uma escrava respondeu Aquela escrava era muda


Faltou o Bicho da Cosinha Ninguém nunca ouviu falar
Uma escrava dos escravos Porèm com a voz do principe
Que está là dentro sosinha Se pôs ela conversar
Ela também deve vir Foi dizendo: é quatro coisas
Para pedir uma coisinha Que de vós vou precisar

518
Quero minha fonte de ouro O principe vendo isto tudo
E minha boneca dourada Mas nada desconfiou
Quero aqui meu papagaio Todos os quatro objetos
E uma navalha afiada O principe ao rei perguntou
Com estes quatro objetos Disse o rei: eu tenho aqui
Fico-lhe muito obrigada Pegou os quatro e entregou

O principe seguiu viagem Disse o principe quanto custa


Pra um reino muito distante Porque desejo pagar
Comprou todos objetos Disse o rei não custa nada
Cada um mais importante O Senhor pode levar
Para ofertar seus escravos Ali baixou a cabeça
Comprou até diamante E começou a chorar

Andou em todos os reinos O principe se despedindo


Falando a rei e rainha Para o seu reino voltou
Procurando os objetos Chegando a cada um escravo
Aqueles que lhe convinha Ele um presente ofertou
Para levar de presente Depois seguiu pra cozinha
Para Bicho da Cozinha Com a escrava falou

Já regressando ao seu reino Ele entregou o presente


Chegou num grande reinado Conforme o pedido seu
Foi avistando um palacio Toda nervosa, tremendo
Que estava todo enlutado Ela a ele agradiceu
O principe se aproximou O principe fez que saiu
Até um pouco vexado Porém ali se escondeu

Quando ele chegou na porta O principe estava escondido


Três garotos lhe abraçaram Sò olhando aquela cena
Papai, Papai, olhe Papai! Quando ela abriu o pacote
Todos três assim falaram, Do louro sò tinha uma pena
O principe rei e rainha Da boneca tinha um braço
Bastante se admiraram Tão lindo como a çucena

519
Do ouro só tinha um pingo Quando ela fez o braço
Aquela escrava exclamou: Para a guela decepar
Oh minha fonte de ouro Com um golpe de navalha
Logo a fonte se formou Viu o principe lhe pegar
O louro pois se a cantar Pelo braço e duma vez
Que o principe admirou A tal navalha tomar

Oh minha boneca de ouro O principe lhe perguntou


Somente um braço te resta Um tudo que aconteceu
Não fico mais satisfeita Ela contou direitinho
Que minha boneca não presta O caso como se deu
Saltou a boneca inteirinha Do meio do caso emdiante
Dançando igual numa festa O principe lhe conheceu

Quando ela viu a boneca Abraçou com Martha Linda


Naquela hora dançar Chorando ali de verdade
Em sua fonte de ouro Dizendo oh minha querida
Seu papagaio cantar Que grande infelicidade
Disse ela agora sim Sendo escrava dos escravos
Posso me suicidar Oh falta de piedade

Foi agarrando a navalha Chamou ligeiro a rainha


Dizendo adeus velho mundo E botou na confissão
Até dia de juizo Ela contou direitinho
Tú és um mestre profundo Aquela toda traição
Não quero mais esta vida O principe disse este caso
Neste viver vagabundo Precisa ter punição

520
Disse o principe minha Mãe Martha ficou mais bonita
Perdôe este filho seu Coroada de rainha
Vai padecer a Senhora Tomou conta do seu reino
O que Martha padeceu Porque isso lhe convinha
Como escrava dos escravos Coroaram a mãe do principe
Conforme decreto eu Como Bicho da Cosinha

Trajou Martha de rainha


Nesse dia viajaram
No reino da Branca Aurora
Com poucos dias chegaram
Com os filhos pais e sogros
Todos ali se abraçaram

521
HISTÓRIA DA PRINCESA DO REINO DO PAREIRAL

Vem deusa da poesia Aquela linda príncesa


Por ordem Celestial Tinha um bom coração,
Para inspirar mínha mente Governava aquele reino
Clarear meu ideal, Sem fazer perseguição
Que vou escrever uma historia A nenhum dos habitantes
Do Reino do Pareiral. De sua linda nação.

No Rei do Pareiral Tambem naquele reinado


Havia uma princesa Ninguèm alí não brigava
Era uma fada encantada Qualquer dúvida que tivesse
Por obra da naturesa, A príncesa acomodava
Era uma maravilha De forma que tudo ali
A deusa da bonitesa. Bem satisfeito ficava.

Pois era filha do sol Em outro reino vísínho


E neta do oceano, Tinha uma fada invejosa
Porisso sua candura Que sò praticava o mal
Não vinha do genero humano Poís era mesmo orgulhosa,
Ficou naquele reinado Tentou desterrar a príncesa
Por um poder soberano. A línda jovem formosa.

Seu palacio atè a torre Porque ela tínha uma fílha


Ladrilhado de metal Feía! mesmo de amargar,
Com as cortinas de ouro Nínguem no mundo quería
E as portas de cristal, Com ela se espôsar,
Era o mais admiravel Tentou desterrar a príncesa
O Reino do Pareiral. Para a fílha governar.

522
Com a sua feitiçaria Vivia exclusivamente
A fada logo encantou Dos seus laços que armava
A príncesa numa arara Sò comia naquele dia
E assim que se transformou, Que uma caça pegava
Là para as altas montanhas Com seus laços e mundés
Bateu azas e voou. O moço se sustentava.

A filha da fada velha João Calunga era o nome


Ficou ali governando, Daquele pobre cristão,
Aos habitantes do reino Que vivia na floresta
Cada vez mais maltratando Sofrendo sem remissão
E o povo todo com ela Passando fomes horriveis
Cada vez mais se abusando. Sem ter alimentação.

Por qualquer uma tôlice Um día João estava


Mandava um pobre surrar, Sem ter o que almoçar
Encerrar numa prisão Seguiu cedinho pra o mato
Para nunca mais soltar Os seus laços foi olhar,
O povo desse reinado Mas nem um rato no laço
Levava a vida a penar. Ele não pôde encontrar.

Em outro reino distante João olhou os mundés


Um camponêz residia E muito triste ficou
Em uma gruta horrorosa Porque nem mesmo um calangro,
Numa caverna sombría Os seus mundés não pegou,
De cristão nessa caverna E se torcendo de fome
Somente ele existia. Pra sua cabana voltou.

Aquele pobre rapaz Passando num arvorêdo


Vivia ali descontente Viu uma arara gritar
Porque ele ali não tinha Ele olhando para cima,
Parente nem aderente Ouviu a arara falar:
Morava là no diserto João procura um recurso
Fazendo as vezes de serpente. Para me desencantar

523
João fícou assustado A arara lá de cima
Com essa voz que ouviu Quando esta voz ouviu
E a arara tão linda Vôou de lá no mundé
De lá de cima sorriu, De João Calunga caiu
E aquelas mesmas palavras João bastante contente
Novamente repetiu. Ligeiramente acudiu.

Disse ela: João Calunga A arara no mundé


Tenha de mim piedade Um pé debaixo botou
Quebre este meu encanto O mundé caiu por cima
Que dou-te a felicidade Dum dêdo o sangue jorrou
Transformo esta montanha Em uma linda princesa
Em uma bela cidade A arara se transformou

João Calunga respondeu João Calunga foi chegando


Por esta forma a falar: Que aquela princeza viu
Eu tenho pena de te Devido tanta candura
Mas que jeito eu posso dar? O moço não resistiu
Por isso não tenho um geito Deu uma grande tremura
Para te desencantar. Deu um desmaio e caiu

A arara respondeu Passando mais três minutos


Por esta forma a dizer: O moço se levantou
Se tu agarantir a mim Chegou tirou a princeza
De não deixar eu morrer Que no mundé encontrou
Eu caio no teu mundé Com tanta da alegria
Tenho este geito a fazer. Que até a fome passou

João logo agarantiu A princeza disse a ele:


Que ela não mataria Agora pode alegrar
E nem também no mundé Porque de hoje em diante
Ela debaixo morria, Nada a ti pode faltar
Que a levava e criava Se tu fizer um pedido
Isso com toda alegria Que agora vou lhe falar

524
João falou a princeza A princeza foi chegando,
Naquele mesmo momento De um dos bolsos puchou
Que pedisse o que quizesse Uma fita cor de rosa
Não tivesse acanhamento Fez nela um laço e apertou
Que ele pra agarantir E uma bela canção
Lhe prestava um juramento A linda jovem cantou

A princeza disse ele: Venha meu lindo palacio


Escute bem como é Com todo material,
Nunca diga que já fuí Venham meus nobres criados
Cativa de seu mundé Por ordem Celestial,
Porque sou uma encantada Venha tudo que è meu
Faço igualmente a maré Do Reino do Pareíral.

João fez mais de dez juras Quando ela disse assim


Que aquilo nunca dizia Viram o espaço nublando,
Que aquele grande segrêdo O sol escondeu seus raios
Ele nunca descobría, O ar foi todo mudando,
Tambem amigo nenhum Com pouco vinha o palacio
Ele nunca contaria Pelo espaço voando.

Disse a princeza a João: João foi vendo o palacio,


Para que não se dê mal De mêdo se assombrou
Tú nunca hás de dizer Deu um desmaio e caíu
Esta palavra infernal, A príncesa segurou
Quando disser eu me mudo O palacio foi descendo
Pra o Reino do Pareiral. Ligeiramente posou.

João levou a princeza A princesa novamente


Pra sua velha morada Tão linda e tão jovial,
Uma choupana de palha Deu outro laço na fita
Já toda dsmantelada Como que fêz um sinal
Alegre porque levava E disse: venha meu gado,
Sua princeza estimada Do Reino do Pareiral.

525
Com dois minutos somente João naquele momento
Viram a mata ressoar, Comeu até se fartar,
Vinha uma grande boíada Fícou ali na cadeira
De fazer admirar, Sem poder se levantar,
Gado de toda as raças Veío um criado e levou-o
De todo canto a chegar. Pra cama pra se deitar.

Ela pegou sua fita João daí por diante


Naquele insante cantou Acabou sua pobreza
Para vir suas galinhas, Trajou-se logo de príncipe
Ligeiramente chamou, No meio de toda riqueza,
Três mil e tantas galinhas Passava días inteiros
Nesse momento chegou. Brincando com a princesa.

Os criados da princesa Mas João nunca esquecia


Assim que foram chegando Das belas confecções
Agarraram a ferramenta De seus laços e mundés
Foram a mata derrubando, Arapucas e alçapões
A mata toda em cidade Não tirava do sentido
Ligeiro foi se virando. Suas velhas tradições.

A princesa levou João João falou a princesa


Pra mesa para almoçar, Que queria ir armar
João naquele palacio Uns laços e uns mundés
Não sabia caminhar, Pra uma caças pegar,
Escorregava e caía Porque a felicidade
Sem poder se levantar. Foi lá que pôde encontrar.

A prícesa com trabalho Disse a princesa: João


Até que por fim levou O que está te abusando?
Mandou ele tomar banho Tú não está na riqueza
Ligeiro João se banhou O que está te faltando?
Depressa trocou de roupa Disse João: é minha sorte
E na mesa se sentou. Que está me procurando.

526
Quando foi no outro dia Mas que demora foi está?
Cêdinho João viajou, Disse bastante zangado,
Para mandar sua comida A negra disse: patrão
Com a princesa falou Foi um caso cumplicado
Tambem o ponto marcado A panela derramou-se
Um tudo a ela ensinou. Nada foi aproveitado.

Quando foi ao meio dia Fui fazer outra comida


Quando negra foi tirar Que minha sinhà me mandou
A panela do fogão Para trazer ligeirinho
Para comida levar, Ela me recomendou,
A panela derramou-se A demora foi a primeira
Nada poude aproveitar. Comida que derramou.

João estava com fome João estava sentado


Armando laço e mundé Levantou-se pôs em pè
Porque foi de madrugada E disse: toda culpada
Tomou somente café, É aquela mosca sem fé
Pois João não aguentava Para fim jà foi cativa
Nem sequer ficar empé. Do meu pequeno mundè.

A negra muito vexada As quatro horas da tarde


Outra comida aprontou Quando João foi chegando
Para levar a João A princesa no terreiro
Que a princesa mandou, Estava ele esperando,
A negra seguiu viagem Antes de João falar
Quando a sinhá ordenou. Já ela foi lhe falando.

As duas horas da tarde João eu te avizei


Que a negra foi chegando Que eu sou como a maré
A onde estava João Não dissesse que jà fui
Com fome lá trabalhando, Cativa de seu mundé?
Quando ele víu a negra Vou provar que não masca
Zangado foi perguntando. Sou uma princesa de fè.

527
Naquele mesmo momento A princesa novamente
A sua fita pegou Com sua fita legal
O laço que tinha dado Foí cantando outra vez
Novamente desmanchou, Com seu gesto jovíal,
Apontou para João Disse: volte meu capote
Por esta forma falou. Pra o Reino do Pareiral.

Volte meu lindo palacio O capote abotuado


Que aqui me sair mal Para desabotuar
Volta todos meus criados Dava pulos, mas João
Com todo material, Com as mãos a segurar,
Volta meu gado e as galinhas Saltava pra todo lado
Pra o Reino do Pareiral. Mas nada de se soltar.

Quando ela disse assim A princesa vendo isso


O gado todo berrou, Novamente foi cantando:
E foi logo viajando, Pra o Reino do Pareiral
E galinha acompanhou Meu capote, vá voltando,
João saltou num capote O capote deu um sôco
Se vestiu e abotuou. Os botões foram arrancando.

João foi vendo os criados João estava seguro


No lindo palacio, entrar, Quando o capote saltou
O gado com as galinhas Deu um tombo tão pequeno
Ligeiro se retirar, Que a João derrubou
João olhava e dizia: Foi arrancando os botões
Meu capote não vai lá E num instante exalou.

O palacio num momento Aquela linda princesa


Pelo espaço vôou, Sorriu e disse afinal:
E João no seu capote Ingrato, eu nunca esperava
Aínda mais agarrou, Que me fazia este mal,
Meu capote não vai lá, Agora só há de ver-me
Por esta forma falou. No Reino do Pareiral.

528
Ela desapariceu Agora vou viajar
E João alí ficou Pelo mundo universal
Subindo tantas estrelas Vou remecher neste mundo
Que o chapéu derrubou, Toda parte terrial
Que bôca amaldiçoada Até souber onde fica
João assim exclamou. O Reino do Pareiral.

A princesa foi embora João saiu pelo mundo


Com tudo quanto era seu, A todos que encontrava
João ficou lá sosinho Quer fosse gente ou animal
Quando o dia escureceu Perguntava onde ficava
Só ouvia gritos de feras, O Reino do Pareiral,
Pensava: o que faço eu Porem ninguém lhe ensinava.

Passou a noite acordado Até mesmo um passarinho


Pensando no acontecido, Que João fosse avistando
Se maldizendo da sorte Onde ficava esse reíno
Chorava de arrependido O moço ía perguntando,
De ter faltado a princesa O passarinho não falava
O seu primeiro pedido. Saia ele chorando.

Quando foi de manhã cêdo Percorreu o mundo inteiro


Que João se levantou Sem ninguem lhe ensinar
Uma bolsa de dinheiro Onde ficava esse reino
Ali no chão encontrou Ninguem sabia explicar,
Ele apanhou, quando abriu Sentou-se alí na estrada
Bastante alegre ficou. E começou a chorar.

Quando ele achou a bolsa João estava chorando


De dinheiro alí no chão Nisso viu um gavião
Ficou bastante contente, Que vinha pela estrada,
Disse no seu coração: Do tamanho de um avião,
Agora vou pelo mundo Fez continencia ao rapaz
Comprir a minha missão. Como se fosse um cristão.

529
O gavião de tão magro Agaranto, disse ele
Não podia mais voar Vá a boiada comprar
Andava pelas estradas E mate um a um,
Calangro morto a catar, Para eu comer a vagar
Se conhecia o reinado Quando eu comer o derradeiro
O moço foi perguntar. Agaranto te levar.

O gavião disse: moço O moço numa fazenda


Hoje eu sou um peregrino, foi a boiada comprando.
Mas conheço o mundo todo Matando de um a um
E sempre fui um ferino E o gavião devorando,
No Reino do Pareiral Até matou o derradeiro
Passei quando era menino. a ele foi entregando.

João com esta conversa O gavião terminando


Alegrou seu ideal Daquele boi devorar
Disse a ele: meu amigo Dísse: monte em minhas costas
Eu sofro um terrível mal, Que eu vou experimentar
Quanto quer pra me levar Se nesse bonito Reino
No Reino do Pareiral. Eu já posso te levar.

O gavião respondeu O gavião disse assim


Por esta forma a dizer: Direito se preparou,
Meu amigo està dificil... João veio ligeiramente
Esta viagem eu fazer Nas suas costas montou,
Só tu comprando cem bois O gavião num momento
E matando para eu comer. Bateu asas e voou.

O moço disse é o facil Voando um milhão de metros


Se você me agarantir Rasgando todo espaço
De me levar nesse reino O gavião disse ao moço:
Eu trago os bois para aqui Vamos descer pra o terraço
E mato de um a um Senão arrisca nós dois
Para você engulir. Cair e virar um bagaço

530
Compre mais duzentos bois Com quatro horas de vôo
Para eu poder aguentar O moço sem se aguentar,
Daqui pra esse Reinado Foi pedindo ao gavião
Voando lhe transportar, Para ele aterrisar,
E desceu de lá de cima O gavião disse: não
No solo foi aterrisar. Estamos já pra chegar.

O moço foi novamente O gavião disse ao moço


Os duzentos bois comprou, Pra nós chegar mais ligeiro
Chegando com a boiada Vou bater mais minhas azas
Ao gavião entregou Pois é o calculo certeiro,
Foi matando um por um Pra chegar neste Reino
Até quando terminou. Que sempre fui verdadeiro.

Quando foi no derradeiro Nessa hora o gavião


Que êle foi devorando As suas azas bateu
Sacudiu as suas azas Saiu voando dum geito
Foi todo se arrepiando: Que o espaço escureceu
Monte aqui nas minhas costas O moço dizia consigo:
Foi o moço assim chamando. Meu Deus o que faço eu.

João montou ligeirinho O rapaz dizia baixinho:


Nas costas do gavião, Oh! meu Pai Celestial
Ele logo bateu azas Tenha compaixão de mim
E voou pra amplidão Livrai-me de todo mal
Ia muito mais veloz Com oito hora chegaram
Do que mesmo um avião. No Reino do Pareiral.

O moço de lá de cima O gavião numa cerra


Olhava para o terraço Que tinha perto passou
Só via tudo azulado, E João ligeiramente
Não se dividia traço, De cima se desmontou
E o gavião só voando E seguiu para a cidade
Rasgando todo espaço. O gavião lá ficou.

531
Mas antes dele sair Quem é ela? Disse a velha,
Contou logo ao gavião Respondeu: é uma princeza
O que foi que ia fazer Que um dia desencantei
Por aquela região, Recebi grande surpreza
Procurando uma princesa Chama-se Formosa munda
Dona do seu coração. Esse encanto de beleza.

O gavião disse a êle: Vivia ela nas selvas


Eu fico aqui a esperar Em uma arara encantada
Vá procurar sua amante Na grandiosa montanha
Se acaso não encontrar Castilha, denominada,
Estou a disposição Um dia desencantei-la
Quando de mim precisar. Foi minha querida amada.

O moço seguiu pra rua Vivia eu num palacio


Com uma velha encontrou, Cheio de felicidade
Bôa tarde minha velhinha Brincando com minha querida
O rapaz assim falou, Gosando sua amizade,
Tenha a mesma meu netinho, Nunca pensei que chegasse
E a palestra aumentou. Tão cêdo a infelicidade.

Disse a velha: meu netinho Ela me fez um pedido


O que é que tu procura? Por Jesus de Nazaré,
Disse ele: minha vozinha, Pelo amor da Virgem Pura
É uma linda criatura Esposa de São José,
E se eu não encontra-la Não chamasse ela cativa
Baxarei a sepultura Do meu inculto mundé.

Disse a velha: então me conte Um dia eu me esquecí


A sua louca paixão Que ela me encomendou
Disse êle: minha avozinha, Que não chamasse este nome,
Eu sofro sem remissão, Chamei e ela zangou
Eu sofro sem princesa Para este belo Reinado
Filha desta região. Veio se embora e me deixou.

532
Quando ele disse assim A velha disse: meu filho
A velha ficou parada, Agora fiquei com pena,
E disse para João: De todo teu sofrimento
A coisa está enrascada Pelo amor da pequena
Está bastante dificil É lá naquela montanha
Tú encontrar tua amada. Que existe a linda açucena.

Ela é dona deste Reino Porém eu acho dificil


Porem está transformada Para tú desencantar,
Num lindo pé de açucena, Aquela bela princeza
A jovem foi encantada E com ela se casar,
Por uma fada invejosa Porque a fada invejosa
Orgulhosa vil malvada. Vai novamente encantar.

Ela vivia encantada Disse João: eu desencanto


Tem poucos dias que chegou Com todos esforços meus,
Com certeza foi você Pois me casarei com ela
Que ela desencantou, E goso os carinhos seus,
A fada denovamente A fada não encantará
A pobre moça encantou. Por não ser mais do que Deus.

A filha da fada velha O moço voltou ligeiro


É quem está no lugar Foi contando aquela cena
Dirigindo este Reinado Ao gavião seu amigo
A todos a governar, Que sua bela pequena
Vive todos habitantes Estava ali encantada
Sofrendo pra se acabar. Num lindo pé de açucena.

João bastante vexado O gavião disse a ele,


Disse: avozinha estimada Vamos lá examinar,
Diga por Deus onde está Se encontra qualquer meio
Essa açucena encantada Que possa desencantar,
Que quero desencantar A tua bela princeza
A minha querida amada. Para com ela casar

533
Monte aqui nas minhas costas Cobras de todo tamanho
O gavião lhe mandou, Também ali vigiavam,
João naquele momento Quando a serpente dormia
Novamente se trepou, As outras cobras velavam,
Na montanha da açucena Ninguem ali chegaria
Com dois minutos chegou. Porque elas não deixavam.

Quando João foi chegando Se por acaso a princesa


Que saltou do gavião, De porse desencantasse,
Foi vendo o pé de açucena E a terrivel serpente
Que fez admiração, Ali não lhe devorasse,
O cheiro estava evadindo Uma das cobras mordia
Toda aquela região. Ela não podia salvar-se.

João foi vendo açucena O gavião disse ao moço


Correu pra lhe abraçar É triste a situação,
Saiu um jaracuçú Porém estou a teu lado
Zangado pra lhe picar, Para vencer a questão,
João saltou de um lado Eu vou engulir a fada
Para poder se livrar. Perversa sem coração,

Apareceu uma serpente Se eu tiver a vitoria


Para devorar João, Da velha fada encontrar
Ele saiu na carreira Engulo-a de uma vez
Se montou no gavião, Não deixo ela escapar,
Pra se livrar dessas feras Depois a linda princeza
Voaram pra amplidão. Podemos desencantar

Aquela fada invejosa O moço disse está certo.


Quando encantou a princesa Acho bôa opinião,
Botou uma grande serpente E se firmou diretinho,
Pra vigiar com certeza, Em cima do gavião
Pra ninguem desencantar Foi voando atraz da fada
Aquela flor da beleza. Do coração de dragão.

534
A fada estava na porta O gavião respondeu:
Se esquentando no mormaço, Eu engulo até um trem,
O gavião foi chegando Para salvar a princesa
Se abaixou no terraço Não temo mais a ninguem,
Agarrou a fada velha Engulo todas as cobras
E vôou para o espaço. E a serpente tambem,

Então naquele momento João disse: muito bem


Ninguem ali pressintiu Fiquei agora animoso,
O gavião agarrou-a Porque sei que nesta emprêsa
Em hora que ninguem viu Vou sair vitorioso,
Não deu nem tempo gritar Com este amigo a meu lado
Que o gavião enguliu De um poder glorioso.

O gavião disse ao moço Ai naquele momento


Agora preste atenção, João foi se previnindo,
Para salvar a princesa Pra onde estava açucena
Daquela negra traição, Ligeiro foram seguindo,
Só nós indo buscar agua Chegou lá o gavião
De lá do rio de Jordão. Foi a serpente engulindo.

Trazendo uma lata d’agua Começou naquele instante


Para açucena regar, A grande destruição,
Jogando agua três vezes No bico do gavião,
Podemos ela salvar, Só via cobra piar
Com dois minutos somente O gavião engulia
Ela vai desencantar. Sem pena e sem compaixão.

João lhe disse: esta certo Com dois minutos somente


É o que devemos fazer, Nem uma cobra ficou,
Mas ainda tem uma coisa Que o gavião enguliu
Que agora eu vou dizer, E outras ele matou,
A serpente com as cobras Depois que acabou com tudo
Vão botar tudo a perder. Para o moço assim falou.

535
Monte aqui nas minhas costas Com cinco horas de vôo
E alegra o coração, O gavião aterrisou
Para nós ir buscar agua No grande Rio de Jordão,
De lá do rio de Jordão, O moço se desmontou
Pra desencantar a princesa O moço ali um momento
Que tú tem toda paixão. Até que se descansou.

O gavião nesse instante Disse o moço ao gavião


Todinho se arrepiou, Como devemos pensar?
João sem perca de tempo Pois não trouxemos vasilha
Nas costas dele montou, Para esta agua levar,
O gavião no espaço Respondeu o gavião:
Bateu azas e voou. Não tem que se encomodar.

O gavião foi passando Eu levo aqui no meu bico


Bem por cima da cidade Porque sou muito sadio,
Do Reino do Pareiral Tanto faz tempo de chuva
Com toda velocidade, Como no tempo de estio,
Disse a João: brevemente Se acaso houver precisão
Tú serás a magestade. Levo a metade do rio.

João lhe disse: assim seja Foi dizendo estas palavras.


Que eu seja vitorioso, O bico n’agua botou
Desencante minha querida Umas trintas latas d’agua
Com fé em Deus poderoso, O gavião apanhou,
Que serei deste reinado Ai naquele momento
Um rei bastante bondoso. João nas costas montou.

O gavião no espaço Naquele mesmo momento


Causava admiração, O gavião foi vôando,
Vôava em velocidade Rasgando as nuvens com tudo
Muito mais que um avião, Para traz se regressando,
Para chegar ligeirinho Lá na açucena encantada
No grande rio de Jordão. Com pouco mais foi chegando.

536
O rapaz em uma pedra Casaram no mesmo dia
Que tinha perto sentou Com todo contentamento
E a ave abriu o bico Foi uma festa animada
A água se derramou Naquele feliz momento
No lindo pé de açucena Só faltou você, leitor
Que tudo ali se molhou. No dia do casamento.

Açucena deu um gemido Depois de toda esta festa


Quando a agua lhe molhou, Qnando tudo terminou,
O gavião novamente O gavião disse ao moço;
Outro tanto despeijou, Adeusinho que eu já me vou,
Botando agua de novo João com esta conversa
A jovem desencantou. Bastantemente chorou.

João que viu a prnicesa Meu amigo, disse o moço


Com ela foi abraçando, Não faça tal crueldade
Ela nas faces de João Fique morando conosco
Um beijo foi aplicando, Que nesta localidade
Mataram a garande saudade Garanto que não te falta
Que estava lhes matando. Nada mais nesta cidade.

A princesa agradiceu O gavião disse a êle:


Ao amigo gavião, Tú não sabe quem sou eu,
Que veio pra lhe savar Sou tua estrela, teu signo
Daquela grande aflição, Que sempre te protegeu
Também trazer seu querido Dezendo estas palavras
Cordas do seu coração. Dali desapariceu.

O moço com a princesa Disse João: Deus te leve


No gavião se montaram, Te livre de todo mal,
Com um minuto somente Veio-me a felicidade
Lá ná cidade chegaram, Por ordem Celestial,
Pegaram a filha da fada E foi viver com a princesa
Ligeiramente amarraram. No Reino no Pareiral.

537
Senhores minha historinha
Aqui eu vou terminar
Me paguem só 6 cruzeiros
Para o poeta ajudar
Que agente para escrever
Precisa se alimentar.

FIM

538
HISTÓRIA DE JOÃO PREGUIÇOSO
E A CABRA QUE CHOCALHA DINHEIRO

Senhores neste momento Ele de pès espalhados


No assunto fabuloso, Dormindo numa esteira,
Vou escrever um livrinho Ela tirava um chicote
Que acho ser gracejoso, De galho de catingueira,
É sobre um homem matuto Dava uma surra em João
De nome João Preguiçoso. Que levantava poeira.

Em uma certa fazenda E assim João Preguiçoso


Um preguiçoso existia, Mais a mais continuava
Casado com uma senhora Apanhando da mulher
De nome dona Sufia, Só porque não trabalhava
Mas ela que trabalhasse Atè que pensou um dia
Que ele nada fazia. Que a mulher lhe matava.

A mulher ia pra roça Pensou João Preguiçoso


E ele em casa ficava, De sair pra aventurar,
Tomando conta dos filhos E disse para mulher:
Mas tarde então se deitava A manhã vou viajar
Só acordava na hora Vou ver se ganho dinheiro
Que sua mulher chegava. Pra nunca mais apanhar.

Quando ela chegava via A mulher disse: và mesmo


Um tudo mal ajeitado: Se você nada trazer,
A panela estava crua, Vou lhe matar no chicote
O fogo estava apagado, Para todo mundo ver,
A meninada com fome Pois se não trouxer dinheiro
E tudo desmantelado. No pau aqui vai morrer.

539
João pegou um saquinho Ele recebeu a toalha
Nas suas costas botou, E seguiu com brevidade,
Despediu-se da mulher Diretamente pra casa
Com os filhos se abraçou Na maior anciedade,
E seguiu sem ter destino Dizendo: minha mulher
Pelo mundo viajou. Vai matar a necessidade.

Chegando numa cidade No meio da travessia


Com uma freira encontrando Morava uma velhinha,
Falando sobre emprego João Preguiçoso ia passando
A freira foi o empregando Jà era de tardizinha,
Para cuidar de uns pombos Pediu ele uma dormida
E ele foi aceitando. Na sua simples casinha

Trabalhou um ano inteiro A velha disse: pois não


Sò com direito a comida, João ali se hospedou,
Com a àgua e com a luz Mais tarde a velhinha disse:
E também com dormida, Um cafezinho eu não dou
Com um ano quiz ir ver Porque açuca não tem
A sua esposa querida. João pra ela assim falou:

A freira somou a conta Eu tenho tudo à vontade


Naquele mesmo momento, Foi a toalha puxando,
Pegou uma toalha e deu Botou por baixo uma esteira
Com todo contentamento, E assim foi ordenando
E disse: esta toalha Te compôe minha toalha
É ela o seu pagamento. Foi tudo se apresentando.

Quando você tiver fome Comida de todo tipo


Na hora è só estender, Nessa hora apareceu,
Numa esteira no chão A velha sentou-se junto
Por esta forma a dizer: Danadamente comeu,
Te compõe minha toalha Não pode dormir atoa
Pra comida aparecer. Um prêmio como este seu.

540
Você me dar sua toalha Meteu o tapa em João
Pra bem direito eu guardar, E ele sem reagir,
Quando for amanhã cedo Tome tapa, e tome tapa
Eu torno lhe entregar, Sem ninguém lhe acudir,
João entregou a toalha Depois duma boa surra
Sem em nada imaginar. João pôde escapolir.

Quando foi no outro dia Chegou lá a mesma freira


Aquela velha homecida, Mandou ele trabalhar,
Deu outra toalha a ele Com um ano deu uma cabra
Que era bem parecida, Bonita de admirar,
E João seguiu viagem Que chocalhava dinheiro
Sem pensar na sua vida Ele voltou pra seu lar.

Quando ele chegou em casa Dormiu na casa da velha


A mulher vinha da roça, A velha o pobre enganou,
Trazendo um feixe de bredo A sua bonita cabra
Parecendo uma carroça, E a por outra trocou,
Para seus filhos comerem Chegando em casa, a mulher
Naquela tão pobre choça. Perguntava o que levou

Ele gritou pra mulher: Ela disse: e esta cabra


Joga este bredo no mato, Foi perguntando ligeiro:
Que vou levando comida O que è que ela faz
Mesmo pra mais do contrato Neste sertão brasileiro?
Traga ligeiro uma esteira Respondeu ele animado:
E cada menino um prato. Ela chocalha dinheiro.

A mulher trouxe a esteira A mulher lhe disse: então


João a toalha botou, Mande ela chocalhar,
Te compõe minha toalha, Pois, se não sair dinheiro
Nada ela apresentou, Na taca eu vou lhe matar
A mulher pegou João Vou matar ela e comer
Pela perna e derrubou. Para me alimentar.

541
Cabra chocalha dinheiro, Teve que lhe dar a cabra
Falou com voz moderada Que chocalhava dinheiro,
Cabra chocalha dinheiro! Teve que dar a toalha
A cabra ficou parada, Num completo disespero,
A mulher pegou um pau E pau caindo nas costas
Como uma fera assanhada. Por um poder verdadeiro.

Com um porrete na mão A velha bem apanhada


Atraz de João correu, O moço mandou parar,
João se fez nas canelas Dentro do mesmo saquinho
Dalí desapareceu, Os paus tornaram a entrar,
Pra o lugar que estava freira Pra sua velha morada
Sem contar o que se deu. João se pôs a andar

E trabalhou mais um ano Quando ele chegou là


Que quando chegou no fim, A mulher pôs-se a dizer
Ela deu um saquinho de paus Vou lhe dar mais uma surra
E disse: agora è assim. Para você aprender,
Você pode se vingar Esta cabra eu vou matar
De qualquer ente ruim. Para meus filhos comer.

Você dizendo: paus fora! João disse para ela:


Esses paus dão pra saltar, Dela você ver è o cheiro,
Bate em quem você quizer A mulher quiz se zangar
Até que mandar parar, Mas ele disse ligeiro:
Ele agradecendo a freira Minha cabra eu quero ver
Regressou para o seu lar Você chocalhar dinheiro

Passou na casa da velha Dinheiro pra todo lado


E ela foi lhe encontrar, Naquela hora espalhou,
Pra roubar o que levava Quando ele disse assim
Mas, ele pôde gritar: A cabra se embalançou,
Paus fora, e aquela velha E a mulher de João
Começou logo apanhar. Com ele se abraçou.

542
Te compôe minha toalha
A mulher se estremeceu,
Comida de todo jeito
Nessa hora apareceu,
A mulher com a filharada
Gostosamente comeu.

Mas João para se vingar


Das pancadas que tomou,
Gritou: Agora, paus fora!
Ali o pau trovejou
Nas costas dessa mulher
Atè quando parou.

FIM

543
HISTÓRIA DO HOMEM QUE ENGULIU UM CAMINHÃO
E DEFECOU UM AUTOMOVEL

Neste mundo se vê coisa Duzentos e vinte contos


De fazer admirar O homem logo apostou,
A coisa mais impossivel A um tenente do exercito
Ninguem pode duvidar. Todo dinheiro entregou
Porque o mundo é completo E com todo pessoal
De tudo que se pensar. Depressa testemunhou.

Em Recife ha poucos dias O homem que fez aposta


Tinha grande multidão Pra engulir o caminhão
Apostando para um homem Seu nome era Gonsalo
Engulir um caminhão Mas tratavam Gonsalão,
Carregado de abobora, Na altura era gigante,
Milho sêco e algodão. Que fazia assombração.

O homem disse: eu engulo Gonsalão depois da apostas


Para todo mundo ver Começou êle a sorrir
Com carga, pneu e tudo. E pegou o caminhão
Se pegar me aborrecer Começou logo enguli
Engulo até chofer Deixando todo assombrado
Para todo mundo crer. Aquele povo dali.

Ali juntou muita gente Gonsalão meteu a bôca


Fez grande aglomeração A grande carroceria,
Era apostas e mais apostas Foi engulindo com tudo
Qua fazia a multidão. Como que nada sentia,
Outros só queriam ver Os assistentes com isso
Engulir o caminhão. Gostosamente sorria.

544
O chofer que viu o carro Foram chamar o doutor
Na bôca de Gonsalão Pra fazer operação
Disse logo: está danado, Para tirar da barriga
Já perdi meu caminhão Do gigante Gonsalão
E saltou dentro do carro O chofer que lá estava
Para tomar direção. Dentro do seu caminhão.

Destrancou ligeiro a máquina Quando o doutor foi chegando


Se pôz ela funcionar, Que viu o homem sentado
Ele passou uma primeira Com o caminhão na barriga
Para tirar do lugar, Zoando desesperado,
Gonsalão foi engulindo Buzinando e buzinando
Não pôde movimentar. Disse o doutor, assombrado:

Ali foi grande algazarra O diabo é quem vai


Da imensa multidão Te fazer operação,
E veio logo a policia Nunca vi dizer que um homem
Para prender Gonsalão Engulisse um caminhão!
Porque enguliu o chofer Procurem outro doutor
Dentro do caminhão. E correu com a pasta na mão.

Deram-lhe voz de prisão Mandaram chamar outro médico


Para prender com certeza. Que era mesmo afamado
Com o caminhão na barriga Pra fazer operação
Ele perdeu a destreza. Ele era muito falado,
Teve que se entregar Para tirar o chofer
Pois não tinha outra defeza. Da barriga do malvado.

Disse o tenente aos soldados: Que quando o médico chegou


Como devemos pensar Que viu o carro zuando
Para tirar o chofer Na barriga de Gonsalo
E sua vida salvar De quando em vez businando,
E na barriga do homem O médico escutou um pouco
Só ouvia o carro ‘zuar. Foi logo se horrorisando.

545
Disse o doutor: eu não faço Mais vinte e cinco tunéis
Neste bruto operação Ligeiro mandou buscar
Mas vou ensinar um remédio E na bôca de Gonsalo
Que salva a situação, Começaram a despejar,
Porque o que passa na guela Gonsalão com dois minutos
Passa tambem no botão. Deu vontade de obrar.

Vão buscar trinta tunéis Gonsalão desceu a calça


De azeite e despejar Deu um estrondo danado
Na bôca deste gigante Que o fumaceiro cobriu
Para ele defecar E azeite por todo lado,
O caminhão e o chofer Foi saindo um automovel
Só assim pode salvar. Correndo desesperado.

Trinta tunéis de azeite O automovel sem freio


Naquele instante levaram Pela estrada correu,
Na bôca de Gonsalão Só se via o poeirão
Ligeiro ali despejaram, Que o espaço escureceu,
Puzeram de um a um Gonsalão disse ao tenente:
Até quando terminaram. Só quem pega ele sou eu.

A barriga de Gonsalo Gonsalão vestiu a calça


Começou a papocar, Ligeiro foi disparando
Cada vento que ele dava E o canudo de azeite
Só via azeite vôar, Pela estrada espalhando,
Um fedor tão horroroso A carreira era tão grande
De ninguem mais suportar. Que ia quase voando.

Ali naquele momento Com dois minutos somente


Chegou tambem o prefeito O automovel alcançou
Dizendo para o tenente: Pegou no pneu trazeiro
Procure logo outro geito O automovel parou.
Que o azeite foi pouco Botou ele na algibeira
Não deu pra fazer efeito Ligeiramente voltou.

546
O chofer já pra morrer Senhores, pensem direito
Sem tomar respiração Se não foi de admirar?
Deitou-se dentro do carro Engulir um caminhão
No bolso de Gonsalão E ligeiro se transformar
Até chegou a onde estava Em um pequeno automóvel
Toda aquela multidão. Pra Gonsalo defecar!

Gonsalão chegou com o carro O chofer quando sarou


E ao tenente entregou, Nunca mais quiz caminhão,
O chofer já quase morto Quando ouvia qualquer zuada
Logo o tenente tirou. Até mesmo de avião
No Hospital Santa Cruz Pensava ser a barriga
Ligeiramente internou. Do gigante Gonsalão.
Gonsalão não tinha cadeia Quando via um caminhão
Para êle segurar,
Na estrada buzinar
O tenente mandou logo
Pensava ver o gigante
Pra êle se retirar
Corria pra se acabar
E se teimasse e não fosse
Pensando ser Gonsalão
Mandava lhe metralhar.
Que vinha pra lhe pegar.
Gonsalão pegou a reta
Isso sem haver demora Quem achar que é mentira
Todo dinheiro da aposta Que isto nunca se viu
Entregaram nessa hora. Pergunte ao profeta Jonas
Gonsalão pegou a pista Que uma baleia enguliu
Do Recife foi embora. E meu irmão que nasceu morto
Que tambem nunca mentiu.
Até hoje no Recife
Ainda falam em Gonsalão, FIM
O homem da bôca grande
Que enguliu um caminhão
E ganhou todo dinheiro
Da imensa multidão.

547
A MURIÇOCA QUE ENGULIU UM CAÇADOR
DO ESTADO DO AMAZONAS

Tudo pode acontecer Na mata do Amazonas


Não devemos duvidar, Tem coisa de admirar,
A coisa mais impossivel Tem a tal Arvore Carnívora
Não vou desacreditar, Que o vivente que passar,
Sò o que não acredito Ela se abaixa e o agarra
É somente Deus pecar. Pra toda carne sugar.

Se vê na televisão Quando ela agarra um vivente


Pra todos um incentivo. Na sua grande emboscada,
Serrar um homem no meio Quando suga a carne toda
Mostrando ser positivo, Que fica bem saciada,
Depois emenda de novo Joga longe quando a vítima
E o homem fica vivo. Estiver só a ossada.

Se ver um mágico fazer Tem a cobra que atrai


Que parece um desmantelo, Pra boca dela o vivente,
Pra todo povo em geral Pois pensa que està correndo
Atè tirar o modelo, Mas a bicha è atraente
Arrastar uma carreta Sò corre pra grande boca
Só pelo um fio de cabelo. Daquela infeliz serpente.

Por isso è que vou contar Certa vez Zuza Carneiro


Um caso que causa horror, Foi para o mato caçar,
De uma grande muriçoca Na mata do Amazonas
Que se virou num terror, Quando ouviu longe zoar,
No Estado do Amazonas Parecendo um avião
Enguliu um caçador. Vinha zoando no ar.

548
O que serà! disse ele Deu-lhe uma facãosada
A sua espingarda armou, Que uma tripa cortou,
Começou uma ventania Deu-lhe outra facãosada
Que ele se horrorisou, Que a muela arrancou,
Pau estalando e caindo Deu mais outra facãosada
Ele parado ficou. Que o fígado se separou.

Com pouco uma muriçoca Deu mais outra facãosada


Vinha no espaço voando, Com toda força da mão.
O caçador com a espingarda Que esta pôde acertar
Um tiro foi disparando, Na veia do coração,
E ela pra cima dele Começou a muriçoca
Foi no momento avançando Perdendo toda a ação.

Porque ele errou o tiro Sentiu uma dor de cabeça


E a muriçoca avançou, Começou a esmorecer,
Deu um sopro tão pequeno E a barriga doendo
Que o caçador derrubou, Não pôde mais se conter,
Ela aí abriu o bico Posou na terra e caiu
E para a boca o tragou. Com o corpo todo a doer.

Quando ela abriu o bico E o caçador là dentro


Em hora que ninguèm viu Danadamente cortava
O pobre de tanto medo Tripa bofe rim e tudo
Sentiu tão grande arrepio Bem cortadinho ficava,
A muriçoca na hora A muriçoca de dor
Agarrou ele e enguliu. Ali no chão se embolava.

E depois saiu voando Depois que o caçador


Parecendo um avião Cortou o intestino seu
O caçador jà engulido A facão, bem miudinho
Lembrou-se do seu facão, A malvada esmoreceu,
E começou a cortar Não aguentou mais voar
Tripa, bofe e coração. Abriu o bico e morreu.

549
O caçador mais cortava Foi là dentro novamente
Com toda disposição, E muita banha tirou,
Foi abrindo uma estrada Resolveu fazer um teste
No meio da escuridão, Nesse momento passou,
Com tres horas de trabalho Numa ferida que tinha
Foi avistando um clarão. Na perna logo sarou.

Ele avistando o clarão A mulher tambem sofria


Sentiu mais uma melhora, De uma forte puxeira,
Ali meteu-lhe o facão Com grande falta de ar
Isto sem haver demora, Não podia subir ladeira,
Com meia hora talvez Nada mais fazia em casa
Terminou saindo fora. Sentindo grande canceira.

Quando ele saiu fora A banha da muriçoca


Sentiu bastante prazer, Ela bebeu de manhã,
Bem perto da casa d’ele Daí não sentiu mais nada
Ele pôde conhecer, De noite jà estava sã
E deu mil graças a Deus Daquele remèdio santo
Por lhe salvar de morrer Ela ficou sendo fã.

Correu em casa depressa Zuza tirou sò de banha


A sua mulher chamou, Vinte e cinco tuneladas,
Ela veio olhar de perto Fora a banha que perdeu
Ele a história contou, Correndo pelas estradas,
Como ele foi engulido E muita gente apanhando
E como foi que escapou. Para fazer paneladas.

Zuza falou pra mulher: Quando aquela noticia


Eu agora vou tirar Em todo Estado surgiu
A banha da muriçoca, Direto a casa de Zuza
Que ela pode prestar, O povo se dirigiu,
Pra qualquer uma doença Para comprar essa banha
E eu posso aproveitar. De todo canto partiu.

550
Careca nasce cabelo
Quem aquela banha usar,
Quem è cego fica são
Começa logo a enchergar,
O homem pequeno cresce
O tanto que desejar.

Quem tiver com dor de dente


A banha faz ficar são,
Fica curado na hora
Quem sofrer do coração,
Cura Câncer e cura a Adss
De toda e qualquer Nação.

Mais tarde Zuza enricou


Não precisou mais vender
A banha da muriçoca
Pra poder se defender,
Eu agora vendo o livro
Pra arranjar o que comer.

Quem disser que esta història


É uma mentira minha,
Eu tenho minhas testemunhas
Que provam minha historinha,
Vão perguntar a Odilon
Rivaldo Deco e Mocinha.

FIM

551
O PODER DO REI DOS PEIXES E
A INOCENCIA DE UMA PRINCESA

A Deusa da Poesia Josè era um preguiçoso


Com sua mãe Natureza Que vevia de pescar
Mandaram eu escrever Mas só pegava tainha
Com bastante gentileza Para se alimentar
Relativo a inocência Se pegasse um peixe grande
De uma bela princesa Tinha preguiça de puxar

Também mostrando a grandeza Depois do peixe ferrar


Dum poder superior Quando carreira fazia,
O famoso Rei dos Peixes Um jumento é que te puxa
De muito alto valor Zé Preguiça assim dizia
No fundo do oceano O peixe cortava a linha
De todos peixes senhor E o anzol engolia

Não tinha superior Desta maneira vevia


Pois era um ser encantado Esse grande preguiçoso
Nas profundesas do mar Passando fome horrorosa
Era seu belo reinado Vevia todo andrajoso
Fazia o que bem quizesse Porém o seu coração
O Rei dos Peixes falado Era bastante bondoso

Mas era seu predicado Certa vez o preguiçoso


Castigar o orgulhoso Com seu anzol foi pescar
Valorisar os humildes Achou um peixinho pulando
Dum modo mistérioso Na branca areia do mar
Tinha êle este poder E disse pra Zé Preguiça:
De Nosso Pai Poderoso Não me deixe sufocar

552
Zè Preguiça ao escutar Quando êle disse assim
O que o peixe falou O Rei dos Peixes atiça
Pegou ele com cuidado Dum modo mistérioso
E para água o levou Seu poder que não se enguiça
No meio da onda forte E a princesa ficou gràvida
Ele o peixinho atirou Do famoso Zé Preguiça

O peixinho mergulhou A princesinha enfeitiça


E depois tornou a voltar Com êsse mágico poder
Dizendo toma esta escama Do famoso Rei dos Peixes,
O que você precisar Começou adoecer
Chame pelo Rei dos Peixes O mèdico disse a verdade
E pede o que desejar Nada mais pôde esconder

Ali tornou a mergulhar Quando o rei veio saber


O moço a escama guardou Do que estava se dando
Pescou o resto do dia Chamou a filha num quarto
E nenhum peixe pegou Foi a ela interrogando
Quando foi a tardezinha Para dizer com qual principe
Pra sua casa voltou Ela estava namorando

A filha do rei olhou O monarca foi falando:


Foi dando uma gargalhada Dizendo assim: você tem
Mangando de Ze Preguiça De contar tudo direito
Deu uma forte risada Se quizer sair se bem
Porque êle vinha da pesca Se não contar eu lhe mato
De roupa suja e rasgada E êste infame tambèm

Lá na janela apoiada Não tem porque nem porém


Parecendo um querubim Você tem que me contar
Zé Preguiça com a escama Disse a princesa: papai
Do peixe falou assim: Eu nada sei explicar
Quero que esta Princesa O rei puxou um revolver
Se torne gràvida de mim Para na filha atirar

553
Para a princesa salvar Como uma despresada
A rainha ali chegou Ali trancada vevia
Dizendo: não faça isto Neste grande sofrimento
Ao monarca aconselhou Chorava por noite e dia
Pegou no braço do rei Atè que em fim completou
E o revolver tomou Nove meses de agonia

E a êle aconselhou Quando foi um certo dia


Que a filha não matasse A princesa descansou
Pra ela ter a criança Um garoto muito forte
Que o monarca deixasse Quando a parteira pegou
Pois descobria o culpado Trazia uma carta na mão
E obrigava a casar-se Que a velha admirou

O monarca ao concordar-se Ao rei depressa mostrou


Disse assim pra aquela filha Também mostrou a rainha
Vou atender sua mãe Aquele lindo garoto
Ver se descobre uma trilha Segurando uma cartinha
Senão eu te sangrarei Escrita, e a sôbre escrita
Como quem sangra novilha Da forma que lhe convinha

Ou lhe mando pra uma ilha Tomou um choque a rainha


Para as feras lhe comer Ficando ali vai, não vai
Ou de um jeito ou de outro O rei leu a sôbre escrita
Você não pode viver De choque quase que cai
Se as feras não devorar-te Porque a carta dizia:
De fome tem de morrer EU SÒ ENTREGO A MEU PAI

A princesa foi viver Disse o rei: a coisa vai


Dentro dum quarto isolada Está facil de saber
Chorando e se maldizendo Mandou chamar todos principes
E bastante acabrunhada Para a carta receber
Sem saber como saia Desta maneira o pai dele
Daquela triste cilada Aqui há de aparecer

554
Quando isto acontecer Lá no palácio chegaram
Que o menino entregar Cinquenta homens vexados
A carta que tem na mão De ricos, mèdios e pobres
Eu mando logo chamar E outros remediados
O Padre para a princesa Pra o menino dar a carta
Com esse Homem casar Todos estavam animados

E começou a espalhar Ficaram descabriados


A noticia vantajosa Porque o menino não dava
A quem o menio desse Com sua carta na mão
A carta misteriosa Bem firme se conservava
Casaria com a princesa Os homens todos sem graça
Aquela jovem formosa Cada um se retirava

Pra casar com essa rosa E assim continuava


Vinha principe todo dia Ninguém ali mais chegou
Chegava olhava o menino Disse o rei para a rainha:
E aquela carta pedia Homem no mundo acabou
O menino nem ligava E êste menino a carta
A sua mão encolhia A nenhum homem entregou

Esta noticia corria Um guarda real falou


Pelo mundo universal Zé Preguiça está faltando
Que casava com a filha Ele não veio ao palácio
Da majestade real Sò êle tambèm chegando
Quem o menino entregasse Pra pedir o menino a carta
Aquela carta afinal E o rei foi se zangando

De decendência real Foi o rei se expressando:


Os principes se acabaram Que aquele preguiçoso
Todos os principes do mundo O que vem fazer aqui
Foram lá nada arranjaram Um tipo todo andrajoso?
Daí então os plebeus Disse o guarda: majestade
Tambèm se apresentaram Pode ser misterioso

555
Cada caso duvidoso Dali o guarda voltou
Eu tenho visto se dar Por essa mesma rodagem
Portanto aqui neste mundo Disse ao rei que Zé Preguiça
Nada quero duvidar Falou com toda coragem
Meu conselho é Zé Preguiça Que sò ia se o rei
O senhor mandar chamar Mandasse uma carroagem

O rei mandou intimar Disse o rei que malandragem


Zè Preguiça no momento Que cabra desaforado?
Se o menino desse a carta Eu devia mandar busca-lo
Sem haver constrangimento Agora mesmo amarrado
Casaria com a princesa Mas faça como pediu
Sem nenhum impedimento Aquele cabra safado

Com todo contentamento O guarda com bem cuidado


Ligeiro o guarda chegou Na carroagem voltou
No rancho de Zé Preguiça Levando traje de principe
Por esta forma falou: A Zé Preguiça entregou
Venho trazer-te a mensagem E no palácio real
Que o monarca mandou Seu Zé Preguiça chegou

Zè Preguiça replicou: Na rua o carro passou


Vá assombrar quem tem coragem O povo todo dizia
Que é que o rei quer comigo? Zé Preguiça no palácio
Leia esta sua mensagem Vai dizer tanta heresia
Eu não devo nada a êle Que vai se parar na forca
Pra que me vem com bobagem Ou então na enxovia

O guarda leu a mensagem O povo todo sorria


Zè Preguiça assim falou: Quando o Preguiça chegou
Seu guarda diga ao monarca O menino olhou pra êle
Que assim de pés eu não vou Por esta forma falou
Só vou numa corroagem Dizendo: bença papai
Desta maneira falou E a êle a carta entregou

556
O rei logo ali ficou O senhor pode avizar
Em tempo de se morder A tôda tripulação
Mandou chamar o vigário Que quando o navio furar
Pra o casamento fazer Salvem-se na aflição
Mas os três da vista dele O resto deixem que è
Tinham que desaparecer Almoço de tubarão

De raiva pois-se a tremer Nessa hora o capitão


Quando o vigário chegou Dali foi se retirando
Zé Preguiça com a princesa Ordenou aos marinheiros
Ligeiramente casou Que o navio fossem ajeitando
O rei chamou os seus servos Para seguirem viagem
Por esta forma falou: Foi tudo se preparando

Minha filha me envergonhou O rei assim foi falando


Sem eu ter jeito pra dar Com a princesa nessa hora:
Vocês preparem um navio Já tem um navio no porto
Pra todos três viajar Pra vocês três irem embora
Só assim desta maneira E nunca pense em voltar
Eu poderei me vingar Que boto de porta a fora

Depressa mandou chamar A princesa nessa hora


Ligeirinho o capitão Chorava pra se acabar
Que no momento chegou Com òdio de Zé Preguiça
E fêz recomendação Que sò pensava em o matar
Que levasse salva-vida Mas já tinha se casado
Pra tôda tripulação Foi o jeito acompanhar

O rei disse ao capitão A rainha a soluçar


Com um segredo sem par Sua filha abençoou
Com três dias de viagem Com o lindo garotinho
Mande o navio furar Chorando se abraçou
E deixe o submergir O rei com o ódio que estava
Nas zondas do alto mar Là num quarto se trancou

557
Depois de tudo marchou Gaivotas a gritar
A princesa pra pegar Era só o que ela ouvia
Aquele grande navio Aquele grande navio
Pra morrer no alto mar Horrivelmente corria
Com o seu filho nos braços Sem a princesa saber
Chorando “pra se acabar” Qual o destino que ía

Zè Preguiça a conformar Quando foi no outro dia


Dizia pra sua amada: Ia o navio viajando
Não chore minha querida No purão os marinheiros
Pode ficar descansada Iam todos trabalhando
Que vamos morrer de fome Para furar o navio
Pode ficar sucegada O capitão ordenando

A princesinha zangada A princesa cochilando


No navio ligeiro entrou Quando viu o navio tombar
Com o seu filho nos braços Ela se extremeceu
Zé Preguiça acompanhou Viu os marinheiros saltar
O navio deu um apito O capitão numa lancha
E pelo mar viajou Já ia no meio do mar

Quando o navio apitou Ela se pois a gritar


Já foi logo viajando Vendo o navio se afundando
E seguiu no oceano Viu a água no navio
Esse navio apitando Por todo canto inundando
O povo agitando lenços O Zé Preguiça dormindo
Lá no cais tudo chorando Com os gritos foi se acordando

O navio foi viajando O navio se afundando


Dia e noite sem parar E a princesa a gritar:
Cortando as ondas forçosas José, José me acode
De fazer admirar Vamos a àgua tirar
E a princesa chorando Segura aqui nosso filho
Olhando a espuma do mar Pra ver se posso o salvar

558
Zé Preguiça ao escutar José como um capitão
Mas nem estava ligando Já estava bem trajado
A princesa tão aflita Com sapato especial
E êle sò cochilando Seu terno bem engomado
A princesa agarrada José pela sua esposa
Com a criança chorando Foi logo simpatisado

Quando a água estava dando Deu em abraço apertado


Mais ou menos na cintura E deu também um beijinho
Zè Preguiça levantou-se Dizendo: eu nunca esperava
E gritou em tôda altura Que foste tão bonitinho
Valei-me meu Rei dos Peixes Vamos criar com cuidado
Demonstre tua bravura Nosso querido filhinho

Pra nos salvar da amargura Com todo agrado e carinho


Eu quero aqui um navio A princesa foi viver
Com toda tripulação Com José Ramos de Souza
Não quero calor nem frio Com muito gôsto e prazer
Quero logo avistar terra Quem chamasse Zè Preguiça
Com serra monte e baixio Ele mandava prender

Como um grande corrupio Para lugar conhecer


O barco estava rodando Seguiram no alto mar
Naquele mesmo momento Gosando as belas delicias
Foi um navio encostando Sem nada mais abusar
Do jeito que ele pediu A princesa de contente
O navio vinha chegando Levava a vida a cantar

Depressa foram passando Somente pra passear


Para a outra embarcação Seguiram para o estrangeiro
Dali seguiram à vontade Desejaram conhecer
Com muita satisfação As zonas do mundo inteiro
A princesa com o marido Pois tinham tudo á vontade
Criou mais animação Sem precisar de dinheiro

559
Cada um mais prasenteiro As vidas já nos salvou
Seguiam no alto mar Eu quero agora um sobrado
A princesa bem contente Bem feito mesmo a capricho
Com seu fihinho a brincar Tudo bem organisado
Dizia com fé em Deus Com criados pra servi-nos
Um dia hei de voltar Todo bem mobiliado

Rasgando as ondas do mar Apareceu um sobrado


O navio veloz corria De fazer admirar
Somente águas e céu Eles ali foram entrando
Era só o que se via Naquele tão lindo lar
Da princesa o sofrimento Um tudo tinha á vontade
Transformou-se em alegria Sem nada mesmo faltar

Brincava alegre e sorria Depois José foi jantar


Com seu querido filhinho Com sua espôsa e o filhinho
Então o ex-Zè Preguiça Aquele lindo bebè
Ela o chamava Zezinho Era tão engraçadinho
Ai já tratava êle E os pàis faziam a êle
Com todo agrado e carinho O mais perfeito carinho

Ele, ela o garotinho Naquele sobradinho


Seguiram no alto mar Tinha criado e criada
Numa linda Capital Ali tinha a mesa posta
Pararam pra descansar Na hora necessitada
E conhecer a cidade Tinha tudo a tôda hora
De tudo saber contar Ali não faltava nada

O navio ao ancorar Três mêses nesta morada


O Josè Ramos saltou Naquele lindo país
Pegou a pequena escama Conhecendo a capital
Por esta forma exclamou: E também tôda matriz
Meu amigo Rei dos Peixes A princesa satisfeita
Outra precisão chegou E seu espôso feliz

560
E o monarca que quiz Foi isto uma maravilha
Todos três eliminar Para os peixes bom bocado
Pensou que eles morreram Cada um deles no mar
Nas ondas do alto mar Perdeu a vida afogado
Quando o capitão chegou Por isso eu disse e repito
Passou o caso a contar Deles dois estou vingado

Mais nenhum pôde escapar José entusiasmado


Falou assim o capitão Bem satisfeito vevia
Nòs furemos o navio Com sua bela princesa
Agua invadiu o purão Folgava alegre è sorria
Nessa hora eu cair fora Com o seu lindo filhinho
Com toda tripulação Bastante se divertia

Ficou em grande aflição Quando foi um certo dia


Zé Preguiça com a princesa Pensou êle a viajar
Sò ouvi grito e mais grito Para outra capital
Naquele mar de incerteza E por lá se demorar
Creio que todos morreram Quando o rei se esquecesse
Sem ninguém fazer defeza Eles tornavam voltar

O rei disse com certeza Foi com a princesa falar


Cada morreu afogado Ela logo concordou
Tome cem libras de ouro Ele pegou a escama
Pelo serviço prestado Por esta forma falou:
Daqueles dois infelizes Meu protetor Rei dos Peixes
Eu agora estou vingado Minha precisão chegou

Eu vevia envergonhado O navio que me salvou


Com aquela minha filha Mande êle novamente
Que com aquele plebeu A mesma tripulação
Andou por fora da trilha Tudo em ordem competente
Mereceu que eu sangrasse Apareceu o navio
Como quem sangra novilha Tudo pronto exatamente

561
O sobrado de repente Ali ficou descansada
Dali desapareceu Aquela bela princesa
Ele pegou o navio Com o esposo e o filho
De acordo o gôsto seu Presente da natureza
Com a espôsa e o filho Passeando na cidade
Sua viagem rompeu Admirando a beleza

A princesa se benzeu Observando a grandeza


Seguiram no alto mar Da capital com atenção
Rompendo tôda procela Tomando banho de praia
Só via as àguas zoar Com muita satisfação
Para outra capital Passeando de automovel
Se puzeram a viajar Conhecendo a região

Sem medo de naufragar Pois aquele cidadão


O navio se dirigia Que criou-se no campestre
Quase igual a um avião A principio era discípulo
Aquela nave corria Depois se virou em mestre
A princesa do pai dela Rei dos Peixes botou êle
Jurou que se vingaria Num paraizo terrestre

No oceano corria Chamou um maestro ou mestre


Com muita satisfação Pra todo dia tocar
Chegaram em outro País Na casa de José Ramos
De chamar mesmo atenção Para o povo apreciar
O moço puxou a escama Quando completou dois mêses
E disse nesta razão: Resolveram a viajar

Tenho aqui mais precisão Ali tornou a pegar


De uma casa de morada A mesma escama falada
Pode voltar o navio E pediu a Rei dos Peixes
Que já venci a jornada Outra coisa desejada
Apareceu num momento Um navio muito possante
Uma casa mobiliada Pra seguir nova jornada

562
Cortando onda pesada Deixo fera destruida
Um grande navio chegou Para poder te salvar
O moço ligeiramente Atendendo teu pedido
Com a princesa embarcou Agora vamos voltar
Foi apitando o navio No reinado do teu pai
E pelo mar viajou Teremos nós que chegar

O navio logo apitou Fazendo volta no mar


Ligeiramente partiu O grande navio voltou
Para um reino muito longe O coração da princesa
Sua viagem seguiu De novo se alegrou
Cortando àguas e águas Com toda velocidade
No oceano sumiu O navio se regressou

José assim conseguiu O rei alegre ficou


Percorrer todo estrangeiro Pensando ter se vingado
Conhecendo as capitais Que a princesa e Zé Preguiça
Sem precisar de dinheiro Os peixes tinham rasgado
E assim desta maneira Que estavam no outro mundo
Percorreu o mundo inteiro Mas êle estava enganado

No proximo mês de janeiro Com seu instinto malvado


Dois anos ia inteirar Muito contente vevia
Disse a princesa: Zèzinho Gozando a grande riqueza
É tempo de nós voltar Bem comia e bem dormia
Para o reino de meu pai A rainha era ao contrario
Que pretendo me vingar Chorava e se maldizia

José Ramos a escutar Muitas noites não dormia


Disse: está certo querida Lembrando de sua filhinha
Para ti satisfazer Que morreu no oceano
Eu arrisco a propria vida Esta cena tão mesquinha
Enfrento a maior batalha Era um punhal que cravava
Até deixá-la vencida O coração da rainha

563
Nesse tempo a princesinha O moço que escutava
Já vinha se aproximando O que a princesa falou
As verdes àguas do mar O que è que está faltando?
Vinha o navio rasgando Logo a ela perguntou
Naquele grande reinado Ligeiramente a princesa
Foi o navio ancorando A êle tudo explicou

Assim que foram saltando Eis assim continuou:


José disse: me aprumei Veja se pode ir avante
Depois gritou: Rei dos Peixes Peça a teu Rei dos Peixes
Novamente eu precisei Um lindo pé de brilhante
Quero um palácio aqui pronto Que esteja bem carregado
Melhor do que o do rei Com fruto de diamante

Na minha terra cheguei Fica mais interessante


Quero um palácio bem feito Se arranjar um pé de ouro
Todo bem organisado Carregadinho de frutas
Que fique muito perfeito Que vale mais que um tesouro
Com mobilia nunca vista Para meu pai me pagar
Que fico bem satisfeito O seu maior desaforo

Com pouco já estava feito Rei dos Peixes, anjo louro


Um palácio encantador Disse José me convem
Todo de matéria prima Ter aqui um pé de brilhante
De grandioso valor E um de ouro tambèm
Muito melhor que o palácio Pra meu palácio ficar
Do ilustre imperador Com o do rei muito além

Um bom perfume de flor Pra não imitar a ninguém


Por todo canto exalava Eu quero aqui com certeza
A princesa nessa hora Essas árvores carregadas
Com o esposo falava Uma completa beleza
Para pedir uma coisa Pra minha querida espôsa
Que ela mais desejava Hoje infeitar nossa mesa

564
Aquela grande riqueza O moço lhe recebeu
No momento apareceu Com grandiosa atenção
Ali em cima da mesa Para sala de visita
De acordo o gôsto seu Levou o rei pela mão
A princesa de contente O rei nunca viu um palácio
Seu corpo todo tremeu Com tal organisação

A princesa se ergueu O rei prestava atenção


Pegou o pè de brilhante Todo aquele movimento
Botou num canto da mesa Fitou bem o pé de ouro
Cuja obra interessante Naquele mesmo momento
Juntinho do pé de ouro Dizia consigo mesmo:
Que ficou mais elegante Ó! que grande encantamento

Numa manhã radiante Com todo contentamento


Quando o rei se levantou José ao rei convidou
Saiu logo na janela Para um almoço bacana
E um palácio avistou Pra o outro dia marcou
Muito melhor que o dêle O rei muito admirado
Que bastante o admirou Esse convite aceitou

Quando o rei observou A princesa assim falou


Ficou muito admirado José pra nós nos vingar
E disse: eu vou ver quem é Peça a teu Rei dos Peixes
Aquele rei tão ousado Pra dois brilhantes deixar
Que veio agora invadir Para o bolso do meu pai
A côrte do meu reinado Mesmo sem êle esperar

Seguiu o rei bem vexado Quando êle se levantar


Chegou na porta bateu Pra ir se embora em verdade
Um cidadão bem trajado Eu digo: está muito bem
Nessa hora apareceu Sua Real Majestade
Que era o ex-Zé Preguiça Não carregue meus brilhantes
Mas o rei não conheceu Que tenho necessidade

565
Com esta perversidade Diamante e pepitas
Ele hà de se zangar Tudo do pé exalou
E diz que é incapaz O rei levantou da mesa
Para os brilhantes roubar Quando o almoço terminou
Eu peço licença a êle A princesa ao monarca
Do bolso vou os tirar Por esta forma falou

Quando do bolso eu puxar A sua alteza almoçou


Ele fica envergonhado Mas há uma novidade
Em tempo até de morrer Me desculpe vos falar
Bastante descalquiado Sua Real Majestade
Eu ali lhe tomo a bênção Não leve meus diamantes
E conto todo passado Que tenho necessidade

Para atender o chamado O rei lhe disse em verdade


O monarca viajou Não faça tanto alvoroço
As onze horas e meia Que não levo nada vosso
Quando êle ali chegou Somente aceitei o almoço,
A mesa jà estava posta Disse a princesa ao monarca
O monarca se sentou As pepitas vão no bolso

Bastante o rei almoçou O rei logo seu pescoço


Porèm muito admirado Começou a envermelhar
Olhando o pè de brilhante O sangue nas suas veias
Que estava assim dum lado Começou a se agitar
O rei olhava e olhava E disse: se as roubei
Mais do que embelezado Dou licença procurar

O pè de ouro encostado A princesa foi olhar


Com as frutas de pepitas Dizendo assim me convém
O rei dizia consigo: Quando eu não vejo as coisas
Mas que coisinhas bonitas? Não vou culpar a ninguém
Eu nunca vi um palácio No bolso achou as pepitas
Das riquezas tão peritas E os diamantes também

566
O rei disse: assim vai bem Nessa mesma ocasião
Eu estou desfeiteado Essa linda princesinha
Quando eu chegar no palácio Foi com o rei ao palácio
Irei morrer enforcado Abraçou sua mãezinha
A princesa ali sorriu Foi a maior alegria
E contou todo passado Para o rei e a rainha

Bença meu querido pai Naquela mesma horazinha


Sou sua filha estimada Foi grande a satisfação
Que o senhor mandou matar Foram viver sossegados
No oceano afogada Sem ter mais alteração
Por um motivo que eu E daì continuaram
Também não era culpada Numa perfeita união

Eu fiz tôda esta embrulhada Quando venceram a questão


Para o senhor conhecer Um dia um principe chegou
O poder do Rei dos Peixes Na casa do José Ramos
Quanto é grande o seu poder A êle se apresentou
Que fêz eu como inocente E disse: sou o Rei dos Peixes
A criança conseber Com José se abraçou

Quando o rei veio saber Depois o principe falou


A ela pediu perdão Tù sabes de minha fama
A princesa perdoou Eu fiz tudo com você
De todo seu coração Atè que tirei da lama
O rei chamou o seu genro Já que tu estás riquissimo
Deu-lhe um aperto de mão Quero agora minha escama

567
O moço pegou a escama Quem comprar este romance
Com muita pena lhe deu Para o poeta ajudar
Dizendo muito obrigado Se for homem, o Rei dos Peixes
Pelo que me ofereceu Vai uma escama lhe dar
O principe se despediu Com a filha de Zè Preguiça
Dali desapareceu Terá também que casar

FIM

Este romance foi escrito em 1965 e


publicado em 6 de março de 1973.

568
O SINDICATO DOS BICHOS

Os bichos lá na floresta Tambem o papa-capim


Pra fundar um sindicato Disse assim pra rei leão
Reuniu-se a bicharada Sua real majestade
De casa e mesmo do mato Eu não dou opinião
De cachorro a tatu peba Pois não entro em sindicato
Zabelê galinha e pato Que faz parte o gavião

Foi cutia e mestre gato Nessa hora o rei leão


A chamado do leão A todos deu garantia
Pra discutir em plenário Que depois do sindicato
Perante a população Reinava grande harmonia
Pra saber como fundava Vivendo todos na paz
Aquela associação Na mais ardente alegria

Pra também dar sugestão Todo bicho ali sorria


Foi mestre tamanduá Tudo bastante contente
Foi a madame preguiça O tigre do sindicato
Foi o tenente guará Ficou sendo o presidente
Foi veado e catitu O urso seu secretário
E o capitão cangambà Com seu olhar diferente

Ali chegou o preá Cavalo chegou suado


Foi logo dizendo assim: Que correu mais duma légua
Pelo jeito que estou vendo E disse pra bicharada:
Vai ser a coisa ruim Hoje a ninguem darei trégua
Com gato assim pelo meio O que eu mais sinto na vida
Não vai dar certo pra mim É ser um fio d’ua ègua

569
Foi chegando uma veada Veado ali foi chegando
Com o seu filho estimado E disse pra bicharada
Dizendo pra veadinho: D’agora avante colegas
Você ja vem bem cansado A nossa lei é mudada
O meu maior sentimento Serà preso quem chamar
É teu pai ser um veado Minha muié de Veada

O galo tambem chegou Foi chegando uma leitoa


Naquela mesma horazinha Nessa mesma ocasião
Foi dizendo: majestade Foi saudando a bicharada
Eu sigo na mesma linha Cumprimentou rei leão
Me sinto mal quando alguem E disse: sinto bastante
Me chama fio de galinha De meu pai ser um barrão

Cachorro chegou zangado Chegou um pinto pelado


Dizendo: êta pinhorra Foi dizendo: a coisa vai
Só respeito rei leão Sinto nascer numa granja
E ninguem mais nesta zorra Que um galo entra e outro sai
Quem quizer ver eu brigar tem mais de duzentos galos
Chame minha mãe de cachorra Eu não sei quem é meu pai

Chegou tambem mestre porco Urubu naquela hora


Por esta forma dizia Num pau estava trepado
Somente por uma coisa Distribuindo perfume
Não posso ter alegria Na festa pra todo lado
Por minha mãe ser uma porca Por enquanto estava neutro
E eu ser da porcaria Se conservando calado

Foi chegando o mestre gato Coruja do outro lado


Com esta conversa exata: Ali estava escutando
D’agora avante o cachorro O que os bichos falavam
A mim jamais desacata E numa folha anotando
Não quero que ele diga Usando óculos de grau
Que me casei com uma gata De quando em vez cochilando

570
O pato estava de fora O capitão Canganbá
Por esta forma a dizer: É que ninguém o marcava
Nem ser um socio eu não quero Porque se ele zangasse
Porque não posso correr A festa toda acabava
Pois os meus pès são pegados Pois se soltasse uma bomba
Não posso me defender Todo bicho embebedava

Cutia disse: eu aqui Foi discutido em plenàrio


Não acho nada ruim Como era o sindicato
Que minhas pernas são fortes Perante a todos os bichos
Não dando certo no fim De casa e mesmo do mato
Eu dando um treino nas pernas Porem teve uma disputa
Veado perde pra mim Entre o cachorro e o gato

O tigre estava na mesa O presidente falou


Pensando: a coisa está boa Para todos se unir
Quando eu sair daqui Mas na casa do cachorro
Eu sei que a poeira voa Mestre gato foi cuspir
E nem batia a pestana Cachorro deu um bofete
Olhando para a leitoa Que fez o gato cair

Gavião á muito tempo O gato se levantou


Estava numa peinha A ordem logo invadiu
Em um namoro danado Com tanta cólera e destreza
Com uma gorda galinha Que ninguem nem pressintiu
Pensando: ó! já comida Foi agarrando o preá
Você aqui já è minha E d’uma vez enguliu

O gato por outro lado O tigre muito zangado


Já namorava o preá Nessa hora aproveitou
Cachorro olhava de banda Deu um salto no cachorro
Pra o mestre tamanduà Que d’uma vez devorou
Tigre marcava a leitoa E nesse pega-me-solta
Urso marcava o guará Uma luta começou

571
O leão se irritou A cabra perdeu a sáia
No tigre botou o braço Lagartixa o porta-seio
Dizendo: cabra conheça Caçote perdeu a calça
O que eu prometo faço Naquele grande aperreio
Gavião pegou o pinto O bode perdeu a vergonha
E subiu para o espaço Macaco perdeu o asseio

O urso pegou a cabra A cobra perdeu a anàgua


Deu um grande bofetão Cachorro perdeu a cuéca
A cabra saiu rolando Coruja perdeu os òculos
Foi se topar com o barrão Corujão perdeu a beca
Ele com uma dentada Urubu perdeu o chapéu
Botou a cabra no chão Por isso ficou careca

O barrão muito zangado O galo perdeu as botas


Foi em cima do guarà Naquela apertada hora
Trepado jà se achava Agarrou logo a galinha
O poeta sabiá Dizendo: vamos embora
O guará gritou: me valha Chegando em casa só tinha
Meu compadre cangambá Em cada pè uma espora

O cangambà bem zangado Veado correu primeiro


Sua arma disparou Por não gostar de apostas
Até mesmo rei leão Agarrou a veadinha
Caiu e se levantou Não esperou por proposta
Só a catinga da pólvora Só o número 24
Todo bicho embebedou Foi escrito em suas costas

A luta se acabou Calangro perdeu a roupa


Os bichos foram correndo Correndo pra se salvar
Tambèm muitos objetos Daquela tremenda briga
Sairam todos perdendo Para poder escapar
E muitos embriagados Preguiça perdeu a coragem
Saíram quase morrendo Nunca mais quiz trabalhar

572
Rei leão ficou irado
Com aquele desacato
Mandou logo o papagaio
Anunciar pelo mato
Que nunca mais na floresta
Fundaria um sindicato

FIM

573
HISTÓRIA DO TOURO BRANCO ENCANTADO

Vou escrever uma història O vaqueiro Mizael


De um boi endiabrado Era um vaqueiro falado
Que apareceu na fazenda Com vinte anos de luta
Dum fazendeiro abastado Dizia entusiasmado:
Por todos bem conhecido Eu não preciso lição
Por Touro Branco Encantado Na arte de pegar gado

A muito tempo passado Cada um mais afamado


Um fazendeiro existiu Eram cinquenta vaqueiros
No Rio Grande do Norte Com seus cavalos de campo
Grande soma possuiu Todos dos corpos maneiros
Mais rico do que aquele Que correndo derrubavam
No mundo nunca se viu Os touros mais mandingueiros

Seu nome sempre subiu Na fazenda Três Outeiros


Pela fortuna em dinheiro Mizael foi avistando
Coronel Cloves de Souza Um touro descendo a serra
Chamava-se o fazendeiro Paus e pedras revirando
Era nome conhecido Topando touco nas pontas
Nas zonas do mundo inteiro E pela cêpa arrancando

Muito bom para vaqueiro Mizael foi reparando


Esse nobre coronel Aquele lindo animal
Porèm quando se zangava Olhou bem se tinha ferro
Virava um leão cruel Porém não viu nem sinal
Quem não andasse direito Resolveu pegar o touro
Bebia taça de fel E levar para o curral

574
No meio do florestal O touro pra chatiar
O touro saiu xotando Diminuiu a carreira
Como que de Mizael Quando o vaqueiro encostou
Ele ia anarquizando Disse o boi desta maneira:
Somente naquele xôto Vaqueiro tú não me pega
Parece que ia voando Correr atraz é besteira

Misael foi se vexando O moço em tôda carreira


Começou a se zangar Quando ouviu o boi falar
Botou o cavalo atraz Ficou tremendo de medo
Com vontade de o pegar Em tempo de se assombrar
O boi somente xotando Deu um supapo na rédea
Ninguém podia encostar Fêz o cavalo parar

Só viu poeira voar Sò viu poeira voar


Só via pau se torcendo Pra onde o touro correu
Só via folha subindo Numa carreira tão grande
Só via o touro correndo Que o monte estremeceu
Só via cisco voar Com um segundo somente
Terra subindo e descendo O boi desapareceu

O vaqueiro atraz correndo Logo o vaqueiro correu


Porèm nem perto chegava Pra casa do seu patrão
Porque o Touro Encantado Chegou là quase assombrado
Cada vez mais se estirava Dizendo nesta razão:
Horrivelmente corria Eu hoje encontrei um boi
Parecendo que voava Que me fês decepção

Sempre o vaqueiro esporava Eu suponho que é o cão


Seu cavalo pra encostar Esse touro que encontrei
Pra pegar o grande touro Para saber de quem era
Pela cauda e derrubar Pegà-lo logo tentei
Porém o touro corria Botei o cavalo atraz
De fazer admirar Até que sempre encostei

575
Eu quase que me assombrei Foi seguindo o portador
Por ver o touro falar Correndo muito vexado
Dizendo: meu bom vaqueiro Ao senhor Perna de Escala
Você pode até voltar Ele foi dando o recado
É uma pura besteira Que fosse pegar um touro
Você querer me pegar Corredor, forte, encantado

Eu não posso acreditar Pegou logo seu cavalo


Respondeu o fazendeiro Francisco Perna de Escala
Eu nunca vi boi falar Montou-se e seguiu direto
Nem mesmo no estrangeiro Pra casa de Come-Bala
Para eu crer neste caso Para ir pegar o touro
Só mesmo vendo primeiro Que Mizael diz que fala

Assim respondeu o vaqueiro: Sem medo de arrastar mala


Pra o senhor acreditar Os dois vaqueiros chegaram
Mande chamar dois vaqueiros Na casa do fazendeiro
Que o senhor confiar Por esta forma falaram:
Que irei com eles dois Pronto as ordens coronel
Sò para o touro mostrar Todos dois se apresentaram

O patrão mandou chamar Do fazendeiro escutaram:


O vaqueiro Come-Bala O vaqueiro Mizael
E também ligeiramente Me disse que viu um touro
Francisco Perna de Escala Que só pode ser Lusbel
Que nunca encontraram boi Aquele que revoltou-se
Pra os fazer “arrastar mala” Contra o Bom Deus de Israel

Na casa de Come-Bala Nem que seja o infiel


Foi chegando o portador Eu quero ele amarrado
Dizendo assim: Sr. Cloves Com tranca e uma careta
Manda dizer ao senhor Quero aqui este malvado
Que fosse pegar um touro O vaqueiro que pegá-lo
Encantado e corredor Será bem gratificado

576
Também será castigado Os vaqueiros pra o pegar
Quem o touro não pegar Horrivelmente corriam
Daqui de minha fazenda Correndo só no aceiro
Eu mando logo voar Que até de vista perdiam
E procuro outro vaqueiro Diversos dêles cansados
Para assumir seu lugar Uns para os outros diziam:

Mizael foi pra mostrar O boi corre em demasia


Aonde o boi encontrou Vamos atraz a vagar
Come Bala, com o colega Uns vão aqui rastejando
Também lhe acompanhou E outros a cortear
Mizael mostrou a êles Fazendo assim deste jeito
Aonde o boi exalou Talvez que possa o pegar

Quando o vaqueiro mostrou Cada um a concordar


Ficaram todos olhando Seguiram pelo outro lado
Com pouco um touro mugindo Adiante Come-Bala
Todos foram escutando Foi vendo o Touro Encantado
Vinha descendo da serra Botou o cavalo nêle
Paus e pedras revirando Para pegar o malvado

Quando o touro foi chegando Dali o Touro Encantado


Disse o vaqueiro: è aquele Saiu veloz como bala
O Touro Branco Encantado Era afamado o vaqueiro
Que vocês vem atràs dêle Não queria arrastar mala
Disseram os vaqueiros: nós O boi saiu onde estava
Vamos pegar logo êle Francisco Perna de Escala

Botaram os cavalos nêle Então o Perna de Escala


Com vontade de o pegar O seu cavalo encostou
O boi saiu num galope O vaqueiro Come-Bala
Que nenhum pôde alcansar Tambèm lhe acompanhou
E entraram na capoeira O touro olhando de banda
Vendo o mato abrir e fechar Desta maneira falou:

577
Bons vaqueiros quem mandou É o terror de vaqueiro
Vocês para me pegar? Esse tal boi encantado
Voltem vão dizer a êle Que pra correr na caatinga
Que me deixe sucegar Corre mais do que veado
Pois eu não pertenço a êle Creio que não há vaqueiro
Pra que manda me abusar? Que pegue aquele danado

Por ver o touro falar Sendo assim é encantado


Os vaqueiros se assombraram Ou então é feiticeiro
Naquele mesmo momento Esse touro que me falas,
Os seus cavalos pararam Assim disse o fazendeiro.
Se acabando de mêdo Eu pago muito bem pago
Para a fazenda voltaram Quem pegar o boi primeiro

Quando lá, eles chegaram Dou cem contos em dinheiro


Falaram com o patrão O vaqueiro que pegar
Cada um tremendo ainda O Touro Branco Encantado
Como estavam com sezão E com êle aqui chegar
Dizendo que aquele boi Ainda dou um fazenda
Era a pintura do cão Ao mesmo para morar

Come-Bala disse: então Começou se espalhar


Pode nos acreditar No mundo por todo lado
Que êsse boi fala mesmo A noticia dêste boi
Porque eu ouvi falar Corredor muito afamado
Dizer que não vos pertence Ganhava cem mil antigos
Pra lhe deixar sucegar Quem pegasse êsse malvado

O outro ao testemunhar Uma fazenda de gado


Disse para o fazendeiro: Para o vaqueiro morar
Coronel Cloves de Souza O coronel tambèm dava
O Touro Branco é ligeiro Para lhe gratificar
Aquele só pode ser Quem pegasse aquele touro
Encantado ou feiticeiro Que ninguém poude pegar

578
Ai começou a chegar Chegou Águia do Sertão
Vaqueiro de todo lado Que era um forte vaqueiro
De tôda parte do mundo No campo muito afamado
Vinha vaqueiro afamado Na mata ou no taboleiro
Todos querendo pegar Que não respeitava touro
O Touro Branco Encantado Que fosse até feiticeiro

O vaqueiro denodado Chegou também um vaqueiro


Que corresse em demasia Por nome de Gavião
E pegasse o barbatão Que era muito afamado
Os cem contos ganharia Là nas zonas do sertão
Porém os que não pegasse Vestido de couro novo
Ganhava grande anarquia Montado num alazão

Só um vaqueiro corria A enorme multidão


Para esse touro pegar Começou logo a chegar
Para não fazer balbúrdia Chegou Chico Pé de Pato
Nem também atrapalhar E Rezende cambotar
Quando um vaqueiro cansasse Veio Tomaz Cara Branca
Outro assumia o lugar Garantindo de o pegar

Para o touro encurralar Afinal pôde formar


Chegou um vaqueiro forte Quarenta e cinco vaqueiros
Das zonas do Ceará Todos êles em cavalos
Sem temer a própria morte Gordos, possantes, ligeiros
Montado num bom cavalo E seguiram para o campo
Por nome Águia do Norte Todos esses cavaleiros

Quando ele botava um corte Diversos catimbozeiros


Atraz de um barbatão Para esse touro pegar
Por mais que fosse ligeiro Faziam muitos feitiços
Ele pegava de mão Para o boi se atrapalhar
Dava um supapo tão grande Tinha muitos feiticeiros
Botava o touro no chão Para o boi enfeitiçar

579
Pra poder auxiliar Muito adiante encontrou
Levaram trinta cachorros Um pau de quebra-facão
Que pra pegar barbatão Que pegou Águia do Norte
Eram eles os socorros E derrubou lá no chão
Da fazenda Três Outeiros O seu cavalo seguiu
E da fazenda Três Morros Correndo com o barbatão

Lá na fazenda Três Morros O seu cavalo alazão


O boi estava pastando Muito adiante parou
Quem já conhecia o touro E o Águia do Sertão
Foi uns aos outros mostrando Naquela hora encostou
O boi olhou pra os vaqueiros Correndo danadamente
E dali foi se estirando Que a poeira voou

A turma foi disparando Em um buraco pisou


Seus cavalos atraz dêle O cavalo foi tombando
Águia do Norte gritou: E o Águia do Sertão
Sou eu que vou pegar êle Caiu no chão se embolando
Porém ele nunca viu O vaqueiro Gavião
Boi ligeiro como aquele No touro foi encostando

Botou o cavalo nêle Todos cachorros chegando


Para ver se derrubava Para na venta agarrar
O touro saiu num xôto O boi baixava a cabeça
Parecendo que voava Jogava dois para o ar
E a turma de vaqueiros Quando caiam eram prontos
Correndo lhe acompanhava Para os urubús puxar

O poeirão que voava O boi pôs-se a estirar


Ao vaqueiro atrapalhou Gavião atraz ficou
O boi chegou no carrasco Devido tanto correr
Bem fechado e embocou O seu cavalo cansou
Águia do Norte também Entropeçou e caiu
Nessa hora o acompanhou Nunca mais se levantou

580
Depois o boi encontrou Fêz seu cavalo parar
Com o vaqueiro Pè de Pato Para traz se regressou
Que pra pegar boi no campo Com dois cachorros somente
Nunca sofreu desacato O resto o touro matou
Sabia bem pelejar E o touro foi embora
Com boi correndo no mato Nenhum vaqueiro o pegou

Tinha desteza de gato Muito adiante encontrou


Esse vaqueiro afamado O vaqueiro Gavião
Nunca correu com um touro Já com a cara ralada
Que não levasse amarrado Que fazia compaixão
Boi corredor para êle Com a perneira rasgada
Virava cágado peiado E sem a manga o gibão

Atraz do Touro Encantado Relativo ao barbatão


Desembestou a correr Se puzeram a palestrar
O touro olhando de banda Vaqueiro de todo lado
Por esta forma a dizer: Começou logo a chegar
Vocês querer me pegar Cada um dêles com mêdo
Arrisca tudo a morrer Em tempo de se assombrar

Com isto deu pra tremer Por ver o touro falar


O destimido vaqueiro Ficavam encabulados
Puxou a rédea e parou Outros ali já chegavam
O seu cavalo maneiro Com os cavalos cansados
Por onde o touro passava E os vaqueiros de famas
Ia ficando um aceiro Todos bem escabriados

E ali outro vaqueiro Seus càlculos foram errados


Encostou para o pegar Para o grande boi pegar
Disse o touro: eu nem te ligo E os cem contos de réis
Por isso vou a vagar Do fazendeiro ganhar
O vaqueiro amedrontou-se Com uma bôa fazenda
Por ouvir o boi falar Ainda para morar

581
Todo vaqueiro a sonhar Outros de dentes quebrados
Com o Touro Branco Encantado Foi a maior anarquia
Todos pensando em pegar Algum vaqueiro zangado
Êsse touro endiabrado Por esta forma dizia:
Para ganhar os cem contos Nunca mais serei vaqueiro
Porém saia assombrado E seu cavalo vendia

Já muito bem contristado Essa noticia corria


Vaqueiro dizia assim: Por todo canto afinal
Aquele boi encantado Quem pegasse o Touro Branco
É geração de Caim E o levasse ao curral
Pois quem meter-se a pegá-lo Ganharia cem mil cruzeiros
É lamentável seu fim Tudo em dinheiro legal

Todos naquele interim Do sertão a capital


Do mesmo modo apoiando Que existisse um vaqueiro
O que aquele vaqueiro Que soubesse pegar touro
Ali estava explicando Corredor, forte e ligeiro
Relativo aquele touro Queria pegar o touro
Que muitos viram falando E ganhar êsse dinheiro

Foram todos se juntando E assim todo vaqueiro


Para a fazenda voltaram De todo e qualquer Estado
Mais de quinhentas pessôas Onde tivesse um vaqueiro
Chegaram lá encontraram Que fosse mesmo afamado
Deram uma vàia tão grande Seguia para pegar
Sorriram que se enrolaram O Touro Branco Encantado

Pois os vaqueiros chegaram Chegou um vaqueiro falado


Um bocado escabriados Pra pegar boi mandinguiro
Uns ali vinham tocando Montado num bom cavalo
Os seus cavalos cansados Por nome de Limoeiro
Já outros também chegavam Era um cavalo castanho
Com os narizes ralados Possante e muito ligeiro

582
O nome dêsse vaqueiro Ninguem quiz mais ir pegar
Era um tal Quebra-Pescôço Aquele Touro Encantado
Que boi correndo em sua frente Porque diziam que ele
Não precisava alvoroço Era um touro endiabrado
Que êle dava-lhe queda O vaqueiro que teimasse
Quebrava osso por osso De la voltava assombrado

Para correr mesmo em grosso O vaqueiro Romualdo


Chegaram trinta vaqueiros Em Piauí residia
Todos eles bem montados Boi de fama para ele
Em seus cavalos ligeiros Nem trinta braças corria
Para pegar boi no campo Na frente do seu cavalo
Tinham seus corpos maneiros Por nome de Ventania

Pra fazenda Três Outeiros Romualdo assim dizia


Foram todos campear No dia que eu encontrar
Por là encontraram o touro Um touro bem corredor
Tentaram logo o pegar Que correndo eu não pegar
Voltaram todos tremendo Darei meu pescoço a forca
Por ouvir o boi falar Para uma corda puxar

Aí puzeram a contar Difato para pegar


Ao coronel na fazenda Um touro mesmo falado
Disseram: caro patrão Por mais corredor que fosse
Não pode existir quem prenda No limpo ou no fechado
Aquele touro encantado Ele pegava na cauda
Que dele Deus nos defenda Virava pra outro lado

Ele veio de encomenda Era mesmo acostumado


E se nós inda tentar A derrubar barbatão
A pegar aquele boi Pegava o bicho na cauda
Para os cem contos ganhar E derrubava no chão
Desta vez ele falou De qualquer forma que fosse
De outra vai nos matar Levava ele ao mourão

583
Se qualquer um barbatão Já vieram japonêses
Começasse a remeter Para esse touro pegar
Ele pegava o ferrão Mas voltaram escabriados
Topava sem se temer Em tempo até de chorar
O bruto não aguentava Venderam até os cavalos
Era obrigado a correr Pra nunca mais campear

Ninguem podia saber Romualdo ao escutar


O que êle possuia Perguntou muito ligeiro:
Na sela de campear Me diga como é o nome
Ele tambem não dizía Desse grande fazendeiro
Mas boi velhaco pra ele E tambem dessa fazenda
No mundo não existia Que tem o boi feiticeiro

Quando foi um certo dia Respondeu o cavalheiro


Falaram com Romualdo Coronel Cloves de Souza
Que existia este boi Na Fazenda São Miguel
Velhaco como veado Que nunca disse uma couza
Por isso lhe apelidaram Para não dà garantia
Por Touro Branco Encantado Até encarando a lousa

É um serviço pesado È mais facil uma raposa


Assim falou o rapaz Dormir junto num puleiro
Perde o tempo e é vaiado Com galinha e não pegar
Quem dele correr atraz Trem ingeitar passageiro
Porque o boi corre tanto Do que Romualdo velho
Que parece o satanás Não ganhar esse dinheiro

Já cansou os animais Romualdo bem ligeiro


Dos fazendeiros francêses O seu cavalo pegou
Tem vindo vaqueiros bons Para seguir a viagem
Até mesmo polonêses Ligeiramente selou
Já vieram italianos Pra o Rio Grande do Norte
Alemães e portuguêses O vaqueiro viajou

584
O seu destino tomou Respondeu o fazendeiro:
Viajou muito embarcado O vaqueiro que pegar
Quando jà estava bem perto O Touro Branco Encantado
Saltou e seguiu montado Vai logo se melhorar
A procura da fazenda Cem conto e uma fazenda
Que tinha o touro encantado Eu tenho para o ofertar

Seguindo muito vexado Pois eu hoje irei pegar


Lá na fazenda chegou Falou assim Romoaldo
Quem é o coronel Clóve? Esse touro corredor
Romoaldo perguntou Que parece endiabrado
Nessa hora o coronel Quero ver se tiro a fama
A êle se apresentou Do Touro Branco Encantado

Por esta forma falou: Seu cálculo será errado


Sou eu mesmo cavaleiro Assim disse o fazendeiro
O que deseja de mim? O seu cavalo cansado
Explique tudo ligeiro Vai morrer no taboleiro
Sò pela fala eu já vi O Touro Branco Encantado
Que o senhor é um vaqueiro Tem o mocotó ligeiro

Coronel sou vaqueiro Chegou ali um vaqueiro


Que venho bem informado Fazendo grande anarquia
Que o senhor tem um touro Juntaram mais de cinquenta
Que parece endiabrado Só fazendo zombaria
O seu nome é conhecido Que dêsse touro, o vaqueiro
Por Touro Branco Encantado Nem mesmo a poeira via

Uma fazenda de gado Outro dali já dizia:


E cem contos em dinheiro Vaqueiro forte afamado!
O senhor dar de presente Corre atraz do touro, e volta
A todo e qualquer vaqueiro Com o cavalo cansado
Que pegar o Touro Branco Este duente não pega
Que dizem ser feiticeiro? Nem mesmo um càgado peiado

585
Falou assim Romoaldo: O vaqueiro esporeando
Patrão mande me mostrar O seu cavalo partiu
Aonde o Touro Encantado Pra pegar o barbatão
Eu possa hoje encontrar Bem veloz se dirigiu
Ele nunca viu vaqueiro Numa carreira tão grande
Comigo vai se enrascar Que a poeira cobriu

O patrão mandou mostrar Naquele instante se via


O Touro Branco Encantado O boi jà quase voando
Já na certa do vaqueiro E Romualdo o vaqueiro
Vir do campo escabriado Na anca dêle encostando
E pelos outros colegas Todos vaqueiros de fora
Ser bastante anarquisado Ficaram lhe admirando

Seguiram com Romualdo Romualdo ia encostando


Cinquenta e cinco vaqueiros Disse o touro: meu vaqueiro
Em seus cavalos possantes Você não pode pegar-me
Gordos e muito ligeiros Que tenho o corpo maneiro
Foram encontrar o touro É muito bom seu cavalo
Na Fazenda Três Outeiros Porém eu sou mais ligeiro

Disseram todos vaqueiros: Lhe respondeu o vaqueiro


O Touro Branco Encantado Se tù és mesmo encantado
É aquele que estàs vendo Dobre logo teu encanto
No pasto todo espantado Que vai ser desencantado
Romualdo nessa hora Emende logo as canelas
Respondeu: muito obrigado Porque hoje vai pegado

O vaqueiro com cuidado O touro desesperado


Foi o cavalo encostando Já corria horrivelmente
O touro para correr O cavalo do vaqueiro
Foi logo se preparando Encostou ligeiramente
Botou a cauda nas costas O vaqueiro disse ao touro:
E saiu galopeando Se pegue com São Vicente

586
Por ser muito experiente O touro ao se levantar
Sempre o vaqueiro encostou Disse ao vaqueiro: freguês
A cauda do barbatão Eu nunca encontrei vaqueiro
Ele no braço enrolou Para fazer-me o que fez
Deu-lhe um forte arrastão Eu ainda vou correr
Que o touro no chão rolou Para ver tua rapidez

Quando o boi se levantou Pode ser em dois ou três


Tornou dizer ao vaqueiro: Que tu queiras te virar
Romualdo tu pareces Assim disse Romualdo
Que és até feiticeiro Eu garanto os pegar
Mas agora vou mostrar Tanto correndo por terra
Que tenho o corpo maneiro Ou voando pelo ar

Tu podes ser mandingueiro Esse touro ao disparar


Mas te digo nesta hora Entrou no mato fechado
Te valha de tua mandinga Derrubando pau e pedra
E procure tua melhora Era um serviço danado
Que meu protetor é Deus Peitava moita de espinho
E a Virgem Nossa Senhora E saia do outro lado

O touro sem ter demora O vaqueiro Romualdo


Correndo entrou na capoeira Botou o cavalo atraz
Como bala de fusil Gritando: Touro Encantado
Ia ele na carreira Te mostro como se faz
Quem de longe estava olhando Pode atè emendar as pernas
Só via voar poeira Já tem quatro bote mais

Romualdo era “madeira” Aquele touro sagaz


Na arte de campear Horrivelmente corria
Esporeou seu cavalo Em tanta velocidade
No touro tornou encostar Que a terra estremecia
Na cauda deu um arrastão Folha de pau e poeira
Que viu o touro tombar Pelo espaço subia

587
Era tanta ventania Levante pra viajar
Parecendo um furacão Assim falou o vaqueiro
Por onde o touro passava Que irei lhe apresentar
Zoava que só trovão Na casa do fazendeiro
Donde o boi tirava o pè Pra receber minha fazenda
Bota o cavalo e mão E cem contos em dinheiro

Naquela grande aflição O boi levantou ligeiro


Para o touro derrubar Para a fazenda marchou
O vaqueiro atraz corria Tão manso como um cordeiro
Como um avião no ar O vaqueiro acompanhou
Numa grande desfilada Chegando là na fazenda
Fazendo a terra abalar Todo mundo admirou

Sò viu poeira voar Vaqueiro que duvidou


Que o ar ficou nublado De Romualdo pegar
Muito adiante o vaqueiro O grande Touro Encantado
Pegou o Touro Encantado Quando viu ele chegar
Deu-lhe uma queda tão grande Com esse touro na frente
Deixou o no chão deitado Quiz até se suicidar

Levanta Touro Encantado Os que foram anarquizar


Romualdo assim gritou Na hora que acreditaram
O que vinhas a procura Que o velho pegou o touro
Agora mesmo encontrou Todos se escabriaram
Levante e corra de novo Muitos naquela fazenda
Pra saber quem eu sou Daì nunca mais passaram

Mas o touro assim falou: As multidões se juntaram


Não quero mais duvidar Pra ver o Touro Encantado
Para correr novamente Coronel Clóves de Souza
Não quero me levantar Que era homem inteirado
Levanto pra ir contigo Deu ao vaqueiro cem contos
Para onde desejar E uma fazenda de gado

588
O vaqueiro Romualdo Não tem um meu conterrâneo
Avisou ao fazendeiro: Aqui por este lugar
Amarre o boi direitinho Agora pra minha terra
Porque ele é mandingueiro Eu pretendo viajar
Tenha bastante cuidado Ficou o povo com medo
Com este boi feiticeiro Em tempo de se acabar

No mesmo dia o vaqueiro Terminando de falar


Pra sua terra voltou O Touro Branco soprou
O coronel Clóves Souza E deu um salto tão grande
O Touro Branco amarrou Que o mourão arrancou
E uma festa brilhante Tõda cerca do curral
Em sua fazenda formou Duma só vez derrubou

Tôda moçada chegou O Touro branco exalou


E começaram a dançar Ficou o povo assombrado
A festa estava animada O coronel Clóves Souza
De fazer admirar Ficou muito encabulado
Quando foi a meia noite Vendeu tôdas as fazendas
O boi se pôs a falar:
Não quiz mais lutar com gado
Vocês estão a pensar
O vaqueiro Romualdo
De esfacelar o meu crâneo
Se virou num fazendeiro
A vocês quero provar
A fazenda que ganhou
Que faço tudo instantâneo
Sou raça do gado branco E cem contos em dinheiro
Do mundo subterrâneo Deixou de uma sò vez
A profissão de vaqueiro

589
A procura do dinheiro Meus amigos a história
Eu também vivo a lutar Foi assim que aconteceu
Quem me comprar este livro Sempre gostei da Verdade
Não queira a outro emprestar Isto ensino ao filho meu
Responda a seu companheiro Leitores, quem duvidar
Que o livro custa um cruzeiro Vá agora perguntar
Qualquer um pode comprar Ao meu irmão que morreu

FIM

Este romance foi escrito em março de


1957 e publicado em 10 de abril de 1972

590
ESTÓRIA DO PEIXE, O HOMEM E A RAPOSA

Vou contar mais uma lenda Com pouco tempo choveu


Porque assim me convem O homem pois-se a vechar
Não boto neste este título Dizendo: vou pra minha casa
Que em outro livro jà tem Minhas verduras plantar
Sò dava certo se fosse Diretamente pra casa
O Mal em Paga do Bem O homem tornou a voltar

Certa vez um homem ia Botou um saco nas costas


Por um deserto caminho Voltou no mesmo caminho
Passando num rio sêco Chegando no mesmo rio
Foi avistando um peixinho Que ele soltou o peixinho
Na lama quase morrendo Estava de canto a canto
Num sofrimento mesquinho Porque estava cheinho

O homem penalizado Ficou ele imaginando


Pegou o peixinho e levou Como devia passar
Num poço fundo que tinha Quando apareceu um peixe
Ele o peixinho atirou Tão grande de admirar
E seguiu sua viagem E gritou: porque imagina
De nada mais se lembrou Quer o rio atravessar?

Era um tempo de sêca O homem lhe disse: quero


O sol queria queimar O peixe penalisado
A todo e qualquer vivente Disse: monte em minhas costas
O homem foi procurar Que o levo pra o outro lado
Aonde ganhar dinheiro Disse o homem: Deus me livre
Pra depois tornar voltar Você me mata afogado

591
O peixe lhe disse: homem Disse o peixe: è lá mesmo
Você sabe quem sou eu? Você terà que morrer
O homem lhe disse: não Pelo bem que me fizeste
O peixe lhe respondeu Agora vou lhe comer
Quero lhe fazer o bem O pobre homem de medo
Porque sou amigo seu Começou logo a tremer

Eu sou aquele peixinho Disse o homem: meu amigo


Que estava me batendo A lei assim não convem
Numa lama aqui do rio Poderà pagar com o mal
Você passou foi me vendo Aquele que faz o bem?
Pelo seu bom coração Isto não pode está certo
Logo foi me socorrendo Nem aqui e nem além

Me Jogou no poço fundo Disse o peixe: é lei dos homens


Que muita àgua eu bebi Não è lei de animal
Sò por causa de você Que todos que faz o bem
Que de sêde eu não morri O homem paga com o mal,
Para lhe recompensar O homem disse: eu protesto
Esperando estou aqui Esta lei descomunal

Com a conversa do peixe Disse o peixe: eu vou provar


O homem se confiou Não tem porque nem porèm
Aquele tão grande peixe 3 viventes que encontrarmos
Na beira dágua encostou Perguntaremos tambèm
Disse: monte em minhas costas Lhe soltarei se um disser
E o homem se montou. Que paga o bem com o bem

O peixe saiu nadando E descendo rio abaixo


De rio a baixo descendo Um velho cão avistaram
O homem desconfiado Bebendo àgua no rio
Para o peixe foi dizendo: Eles pra junto chegaram
Você vai pra cachoeira A ele deram bom dia
Pelo jeito que estou vendo E assim lhe perguntaram

592
Então amigo cachorro Meu amigo se você
Que está sò sem alguèm Recebesse de alguem
Sozinho neste deserto Um tão grande beneficio
Sofrendo não sei por quem Ou aqui ou mesmo alèm
Num caso de pagamento Se você fosse pagar
Com que è que paga o bem? Com que pagaria o bem?

Disse o cachorro: eu só sei Disse o cavalo: o que sei


Que quando eu era moderno No tempo que eu era forte
Trabalhava pra meu dono Trabalhei para o meu amo
No verão e no inverno Pois era o melhor transporte
Agora como estou velho Hoje estou velho e doente
Me mandou ir pra o inferno Esperando pela morte

Vivo aqui passando fome Quando eu vou na porta dele


Sem achar o que comer Ele não quer nem me ver
Bebo àgua neste rio Manda meter-me o chicote
Sinto meu corpo tremer Me bota para correr
Pelo jeito que estou vendo Pra bem longe de seu pasto
De fome aqui vou morrer Pra seu capim não comer

O peixe disse: está vendo? O peixe disse: está vendo


Sò faltam duas somente Que não estou iludido?
Se disser como este cão Pois assim è lei dos homens
E não pensar diferente Daquele mais compreendido
Você vai a cachoeira Só falta um pra você
E vai entrar no meu dente Por mim ser morto e comido

E desceram rio a baixo O homem naquele instante


Foram adiante avistando Se valeu da oração
Um cavalo velho magro Dizendo valha me Deus
Que estava ali cochilando E a virgem da Conceição
Eles chegaram pra perto Salve-me deste inimigo
Assim foram perguntando: Pela sagrada paixão

593
Desceram de rio abaixo Disse a raposa: pois não
Muito adiante avistaram No mesmo canto ficou
Uma raposa bebendo E o homem foi embora
Eles pra perto chegaram Alegre que escapou,
Com que se pagava o bem No outro dia a raposa
A raposa perguntaram Na casa dele chegou

A raposa disse: o que? Com que è que paga o bem?


Eu não estou escutando, A raposa foi falando
Com que è que paga o bem? Se paga o bem è com o bem
O peixe foi replicando O homem foi replicando
Disse a raposa: eu sou surda Uma galinha bem gorda
Venha perto e vá falando A ela foi entregando

Pra falar com a raposa A raposa foi embora


O peixe muito encostou No outro dia chegou
Na berada do barranco Com que é que paga o bem?
O homem fora saltou Ela ao homem perguntou
Disse o peixe um palavrão O homem outra galinha
E dali se retirou Para a raposa entregou

O homem disse a raposa: E assim continuando


Muito obrigado amiguinha A raposa todo dia
Você salvou minha vida Ía buscar uma galinha
Desta hora tão mesquinha Com as colegas comia
Vá amanhã là em casa Atè acabou as galinhas
Que darei-te uma galinha Que o homem possuia

594
Um dia o homem chegou A raposa na carreira
Duma roça muito alèm Corria mais que um trem
Cansado, com fome e sêde E o cachorro átraz dela
E encarvoado tambem Não atendia a ninguem
Chegou a raposa e gritou: Nunca mais foi perguntar
Com que è que paga o bem? Com que se pagava o bem

Se paga o bem è assim, FIM


Gritou o cachorro: Vorás
Pegue esta “fila da ponte”
E mostre como se faz
A raposa saiu “doida”
E o cão correu atraz

595
ESTÓRIA DO PAVÃO ENCANTADO

O amor è uma semente Com um ano de casada


Que nasce no coração A princesa deu a luz
Suas folhas è o ciúme, Um principezinho tão lindo
Suas flores é a paixão, Branco dos olhos azuis
Seus frutos é a saudade Quem o visse comparava
Que mata qualquer cristão Com o menino Jesus

Por esta justa razão Foi a maior alegria


O coração amador Naquele reino florido
Enfrenta aqui neste mundo Pois o palácio real
Seja que perigo for Tinha sido enriquecido
Nunca houve quem quebrasse Com o nascimento do principe
As correntes do amor Pelos seus pais tão querido

No reino das Tres Lagoas No primeiro aniversàrio


Tinha um rei muito falado Do princepezinho fez prazer
Que governava esse reino O reinado todo em festa
Com carinho e com agrado Para todo mundo ver
Os habitantes dali Comida pra todo canto
Vivia tudo a seu lado Bebida pra escolher

Henrique Vilar Simões Foi continuando assim


Chamava-se o rei então Quando o principe completava
Casado com uma princesa Mais um ano de existencia
De bondoso coração O monarca decretava
Tão linda igual uma rosa Uma festa em todo reino
Das roseiras de Sião E assim continuava

596
No oitavo aniversário Disse umas palavras magicas
Como era acostumado E para o principe apontou
O rei decretou a festa E o principe num pavão
Em todo aquele reino Ligeiro se transformou
Homenagiando o principe E logo pela janela
O seu filhinho estimado Bateu asas e voou

Convidou todas as fadas O povo ficou imóvel


Para o palacio real Quando isto aconteceu
queria fazer uma festa A rainha deu um desmaio
Para todo pessoal Ali no chão se estendeu
Dizer que naquele reino E a bruxa feiticeira
Nunca houve outra igual Dali desapareceu

No meio desse festejo O rei quando viu o filho


O povo estava dançando Num pavão se transformar
Banda de musica tocava E voar pela janela
E as fadas recitando Sem ele poder pegar
Lindos poemas que os tristes Ali caiu desmaiado
Iam logo se alegrando Sem poder se levantar

Estavam todos contentes Com 4 ou 5 minutos


Quando uma velha entrou A rainha melhorou
Feia mais do que a morte O rei Henrique tambem
Por esta forma falou: Na hora se levantou
Venho aqui por conta própria Chegaram ali 12 fadas
Pois ninguem me convidou O rei as interrogou

Já que ninguem me chamou Queridas fadas respondam


Eu vou mostrar meu brasão O que vem ser tudo isso
Quero provar que não tem Elas disseram ao monarca
Quem impeça minha ação É a força do feitiço
O que eu faço com o pé Da Bruxa Preta Vovó
Ninguem desmancha com a mão Que fez o maior enguiço

597
Minhas fadas me respondam Pra desencantar o principe
Qual será a solução Existe uma solução
Pra desencantar meu filho Só de hoje a 12 anos
Que se virou num pavão Desencantará o pavão
Como eu salvo meu filho Uma moça camponesa
Corda do meu coração Filha d’outra região

Disse uma fada: senhor Ainda tem uma coisa


Está difato um problema Quando ela desencantar
Dificil de resolver É obrigada com ele
Este tão grave dilema Essa donzela casar
Nós todas não temos força Pois do contrario em pavão
Pra dar conta deste tema Ele torna se encantar

Quem encantou vosso filho Disse o rei: esta direito


Na bruxaria esta sò Pra salvar minha aflição
Tem mais de quinhentos anos A moça que desencante
É a bruxa Preta Vovó Meu filho do coração
Não existe quem desate Para se casar com ele
Quando ela dá um nó Eu darei a permissão

Nòs aqui as 12 fadas E assim continuou


Agora è que vamos ver Esta noticia a espalhar-se
Que jeito é que vamos dar Qualquer moça que o pavão
Para o principe não morrer Encantado ali pegasse
E um dia ele de volta Casaria-se com o principe
A majestade obter Se ele desencantasse

Pegando seu talismã As moças desse reinado


Direitinho examinou Não tinham tempo a perder
E a vara de condão Para casar com o principe
Por cima dela encruzou E a riqueza obter
Sua real majestade Quando avistava um pavão
A fada velha falou Iam logo atras correr

598
E assim continuou Quando foi no outro dia
Este serviço pesado Ela tornou a passar
Não ficou pavão por perto Foi avistando o pavão
Que não fosse agarrado Ali no mesmo lugar
Pela moçada pensando Cantando um canto penoso
De ser o pavão encantado Maria pôs a chorar

Em outro reino distante Maria chegou pra perto


Residia um camponês E o pavão continuou
Em uma mata deserta Cantando seu belo hino
De filhas só tinha tres A moça se aproximou
Eram Joana Maria, Quando foi para pegar
Antonieta e Inês Novamente ele voou

Maria sendo a mais nova Maria ficou pensando


Era sempre a mais esperta Que pavão seria aquele
Até a palavra das tres Devido tanta beleza
A de Maria a mais certa Apaixonou-se por ele
Quem a visse admirava Se o pavão era bonito
Nessa montanha deserta Inda mais o canto dele

Certa vez saiu Maria Maria ficou pensando


As ovelhas pastorar Naquele pavão dali
Quando ouviu em uma arvore Não falou para ninguem
Um lindo pavão cantar Mas não pôde resistir
Com um canto tão saudoso Passou a noite acordada
Que fez ela admirar Porque não pôde dormir

Maria ficou parada Quando foi no outro dia


Ouvindo naquela hora Ela foi de novamente
O canto daquela ave Pastorar suas ovelhas
Desta vez quase que chora Se mostrando bem contente
O pavão foi vendo ela Mas não tirava o pavão
Bateu asa e foi embora Martelando sua mente

599
Passando na mesma arvore Ela puxando o espinho
De novo o pavão cantou O pavão deu um gemido
Ela foi devagarinho E disse: minha querida
Até que aproximou Fui por ti favorecido
Quando foi passando a mão Mas agora vou voltar
Ele outra vez voou Pra casa de pai querido

Maria voltou pra casa Porque de hoje a tres dias


Tristonha quase a chorar Eu vou me desencantar
Porque aquele pavão E você é a escolhida
Ela não pôde pegar Para comigo casar
Chegando em casa a ninguém Vou dar-te uma lembrança
Ela confiou contar Para de mim se lembrar

Até que um certo dia Tirou uma pena da cauda


O pavão estava cantando A Maria logo deu
Maria foi a vagar Com seu nome por extêncio
Sem ele está esperando Ela logo recebeu
Deu um pulo em cima dele Naquele mesmo momento
E logo foi o agarrando Ele desapareceu

Quando ela pegou o pavão No reino das Tres Lagoas


Foi a maior alegria Ligeiro o principe chegou
Passava a mão pelas penas Lá no palácio real
De tão contente sorria Logo ao rei se apresentou
Dizendo: meu lindo pássaro O rei chorando de alegre
Hoje chegou o teu dia Com ele se abraçou

Vou levar pra minha casa Tambèm chegou a rainha


Só pra eu ouvir cantar Com a maior alegria
Passando a mão na cabeça Abraçou o seu filhinho
Continuou alisar Que a doze anos não via
Um espinho de larangeira Matando a grande saudade
No pavão pôde encontrar Que a muito tempo sofria

600
O rei bastante contente Quem desencantou seu filho
Por ver o filho estimado Queria gratificar
Que a doze anos estava Dando ele em casamento
Em um pavão transformado Para com ela casar
Decretou um mês inteiro Os jornais por toda parte
De festa em todo reinado Começaram anunciar

Depois de todo festejo Ai correu a noticia


Foi ao filho perguntar Por toda aquela nação
Como foi que aconteceu As moças corriam atras
Pra ele tornar voltar Pegavam qualquer pavão
Quem teve a felicidade E tiravam as penas dele
Do principe desencantar Para vencer na questão

Disse ele: foi u’a moça Um pavão custou dinheiro


Que mora na cordilheira De fazer admirar
Onde eu vivia encantado Para tirar todas penas
Nessa montanha fagueira E a moçada comprar
Puxando de minha cabeça Pra no palácio real
Um espinho de laranjeira Cada ir se apresentar

Eu dei uma pena a ela Chegava lá no palácio


Com o meu nome assinado Grandiosa multidão
E disse a ela que um dia De moças de todo canto
Com ela era esposado Saltavam da lotação
Mas só depois que eu viesse Cada uma apresentava
Neste meu belo reinado Uma pena de pavão

O rei baixou um decreto Cem até duzentas penas


Por toda aquela nação O rei pegava na hora
Que aparecesse a moça Olhava de uma a uma
Que desencantou o pavão Isto sem haver demora
Que era o principe encantado Não tinha o nome do principe
Por ente sem coração Mandava todas ir embora

601
Assim foi descabriando Continuando o serviço
Todas moças do reinado Quando foi um certo dia
Até que esta noticia Um guarda real chegou
Pra todas era um enfado Num rancho que existia
De casar com esse príncipe Em um deserto de horror
O ex-pavão encantado Onde morava Maria

As moças lá no palácio O guarda disse: ò de casa


Não quizeram mais chegar A familia entristeceu
Mandar os guardas pros campos O velho pai de Maria
O rei pôde imaginar Naquele instante correu
Pra ver se a moça da pena Gritando meu Bom Jesus
Por lá podia encontrar O que é que faço eu

Sairam mais de cem guardas O guarda disse: meu velho


Por ordem da majestade Não precisa correr não
Para procurar a moça Eu não venho lhe bater
Que teve a felicidade E nem botar na prisão
De desencantar o pavão Apenas sou emissário
Essa maior caridade Do rei de nossa Nação

Em toda casa da roça A muito custo o velhinho


Chegava um guarda afinal Com muito medo voltou
Quantas moças tinha na casa O guarda bem direitinho
Tomava nota legal Ao velho tudo explicou
Pra todas ir a presença Do principio até o fim
Da majestade real E toda historia contou

Assim todas camponesas O guarda disse: meu velho


Iam a presença do rei O rei quer gratificar
Para responder as perguntas A moça que o pavão
Que difato era a lei Ela fez desencantar
Tudo o que o rei perguntava Quer saber quem serà ela
Só respondiam: não sei Para com o principe casar

602
Quantas filhas você tem? Quando uma veste o vestido
O guarda lhe perguntou Pra siguir quarquer istrada
Tenho, tenho, tenho tres Da casa de algum vizinho
O velho assim gaguejou Pra ver quarquer batucada
Como são os nomes delas? As outra qui não tem ropa
O guarda lhe interrogou Fica no quarto trancada

O velho morto de medo Mas hoje deu diferente


Que o seu corpo tremia Antonieta e Inês
Foi dizendo: meu sinhô Lavaro o dito vistido
Não carregue minhas fia Qui lava de mês em mês
O nome é: Antoniêta Nem u’a pode sair
Inês e Joana Maria Ta trancada todas três

Meu nome è Mané Timbó O guarda disse se alegre


Minha véia Chica Preá Atè já pode sorrir
Meu pai, Chico Gavião Que sua grande pobresa
Minha mãe, Zefa Sabiá Deixará de existir
Fia de Ana Curuja Vou buscar bastante roupa
Da serra do indaiá Pra suas filhas vestir

Disse o guarda: então velhinho Se despediu do velhinho


Mande as três moças sair Mostrando amor e agrado
Para eu ver todas três Que com três dia voltava
Pra poder me dirigir Deixou o velho avisado
A majestade real Apertou a sua mão
Contar o que assisti E seguiu para o reinado

O velho disse: seu guarda O guarda foi ao palácio


O sinhor vem outro dia E contou a novidade
Proque ela não tem roupa Que encontrou uma familia
Nem Inês e nem Maria Em grande necessidade
As três só tem um vestido Sem ter roupa para ir
Vive assim nessa agonia Pra falar com a majestade

603
O rei mandou muita roupa Vivia êle encantado
E sapato pra calçar Em um bonito pavão
Depois viessem ao palacio Pelo poder duma bruxa
Para se apresentar Perversa sem coração
Porque com as três donzelas Agora desencantou-se
O rei queria falar Foi grande a satisfação

O guarda chegou na casa E procura essa moça


Do pobre velho coitado Por todo e qualquer lugar
Levando um fardo de roupa Que teve a felicidade
Dum tamanho demasiado Do pavão desencantar
E entregou para ele Para leva-la ao palácio
Com respeito e com agrado E com principe casar

O velho muito contente Maria disse: foi eu


Logo aquele fardo abriu Que esse pavão encontrei
Deu roupa para as três filhas Cantando em uma àrvore
Todo mundo se vestiu E eu me aproximei
Depois de estar bem trajadas Andando de vagarinho
Cada uma ali saiu Até que sempre o peguei

Eram três morenas lindas Passando a mão na cabeça


Que o guarda admirou Desse lindo passarinho
Maria era a mais nova Vi espinhar minha mão
O guarda mais se engraçou Eu tornei de vagarinho
A história do pavão Descobri que na cabeça
O guarda continuou Tinha ele um grande espinho

Sua majestade real Quando puxei o espinho


Deseja agora saber Aquele pavão gemeu
Qual seria uma donzela Tirou uma pena da cauda
Que teve o grande poder Naquele instante me deu
De desencantar seu filho Bateu asa foi embora
Que vivia a padecer Dali desapareceu

604
O guarda quase que cai Então na casa do velho
Quando isto tudo escutou Assim que o guarda chegou
E você tem esta pena? Aquela familia toda
A Maria perguntou Na carroagem botou
Tenho sim, respondeu ela Para o palácio real
Entrou là dentro e a panhou A carroagem voltou

Quando ela trouxe a pena Quando chegou no palacio


Que o guarda foi olhar Que o rei viu a fraquesa
Viu escrito sobre ela Daquela pobre familia
Henrique Junior Vilar Pois era grande a pobresa
Disse o guarda: é você mesma Pensou que devia o principe
Que o rei deseja encontrar Se casar com uma princesa

Ja descobri o mistério Consigo o monarca disse:


Um tudo agora ja sei Não poderá ir avante
Vou de novo no reinado Eu ir casar o meu filho
Dizer o que encontrei Com u’a moça ignorante
Trazer uma carroagem Uma tabaroa desta
Pra ir a nora do rei Pensou ele aquele instante

O guarda foi ao palacio Eu vou resolver assim


Sentindo grande emoção Eu chamo o velho atenção
Foi contando a majestade Só eu e ele num quarto
Que em certa região E faço a proposta então
Tinha encontrado a donzela Que em vez do casamento
Que desencantou o pavão Dou em dinheiro 1 milhão

O rei naquele momento Com certeza ele e ela


Mandou uma carroagem Vão o dinheiro aceitar
Para ia buscar a donzela Depois levo os dois ao publico
O guarda com bem coragem Pra ambos anunciar
Voltou pra buscar Maria Que a moça com o principe
Apreciando a paisagem Não aceitou se casar

605
E assim mesmo ele fez Maria ficou calada
Chamou o velho e explicou O rei foi logo atender
O velho chamou a filha Botando o fone no ouvido
Na hora participou Ouviu uma voz dizer:
Pra receber o dinheiro Socorro,! socorro, gente!
O velho logo aceitou Que o principe vai morrer

Maria aquela proposta Está soltando gemidos


Doeu no seu coração Que faz até compaixão
Queria casar com o principe Já està nascendo pena
Aquele antigo pavão E cauda como pavão
Que ela sentia por ele Parece que desta vez
A mais ardente paixão Vai virar-se em gavião

Porém o pai aceitou O rei falou para o povo


Nada podia fazer Foi o maior rebuliço
Contra a proposta do rei Mandou chamar logo as fadas
Nada podia dizer Para ver aquele inguiço
Seu coração nessa hora Se a Bruxa Preta Vovó
Quase pàra de bater Continuava o feitiço

O rei mandou reunir Chegaram as fadas depressa


Todo povo popular No meio da multidão
Com princesa, principe e duque Encontraram logo o príncipe
Para ouvir Maria falar Naquele nobre salão
Qual o motivo que ela Transformado quase todo
Não queria se casar No mesmo antigo pavão

Todo povo aglomerado O rei disse: minhas fadas


Maria ali foi chegando Como eu devo evitar
E disse assim: meus senhores, De meu filho num pavão
Mas o rei foi acenando Ir novamente encantar
Mandando parar, que ouviu O que eu devo fazer
O telefone chamando Para ele não voar?

606
Disseram as fadas pra o rei: Com dez ou quinze minutos
É crítica a situação O Juiz ali chegou
Nós dissemos no principio E aquele casamento
Vós não nos deste atenção Logo se realisou
Se não casar com esta moça O povo todo contente
Morrerá como pavão A festa continuou

Vós fizeste uma tragédia O principe quando disseram


Diretamente pra o mal Que ele ia se casar
Não querendo que a moça Com a moça camponesa
Entre em familia real Começou se melhorar
Porque ela è camponesa Voltou logo a forma humana
Não tem sangue imperial Não quiz mais se transformar

Se não casar ele agora Foi uma festa animada


Perder esta ocasião Naquele mesmo momento
Vai ver ele ir pra floresta O povo todo dançando
Transformado num pavão Com todo contentamento
Para salvar o seu filho Até o rei recitava
É a única solução. Sem nenhum constrangimento

O rei naquele momento As fadas diziam versos


Mandou logo anunciar Com tão forte inspiração
Que a moça com seu filho Que parecia que o povo
Resolveu a se casar Picava alto do chão
Mandou chamar o Juiz Relativo aquele principe
Para se realisar Quando ele era um pavão

607
E a bruxa quando soube Maria casou com o principe
Que o principe desencantou-se Foi viver muito feliz
Com a linda camponesa Se tornou naquele reino
Naquele dia casou-se Inspirada imperatriz
Deu um pulo e deu um grito Levando sempre a pobreza
Caiu no chão acabou-se Vestido, pão em defeza
A sua sorte assim quiz.

FIM

Itabuna 1º de janeiro de 1975

608
AS TERRAS DE SÃO SURUÊ

Saí pelo mundo a fora Os porco in São Suruê


Pra arguma coisa vim ter Aqueles mais miudinho
Pois nas terras onde morava Se mede sessenta parmo
Não me agradava o viver Da rabada pru fucinho
Pruque a fome era tanta Dá cem arrôba de carne
Qu eu só fartava morrer E duzentas de toucinho

Passando in São Suruê Galinha in São Suruê


Vi coisa qui si admira Sem querer disagerá
Prantá mio in lajêdo Pra pegar uma galinha
Da bom qui a ispiga vira É com corda de laçà
Não gosto disso contà Quando da pra remeter
Pruque parece mintira É mais do que marruá

Mandioca in São Suruê Um boi in São Suruê


Prantada sigunda-fêra As hunha é como jumento
Têça-fêra tá madura Da cem metro de altura
Parece inté brincadêra Quinhentos de cumprimento
Com três dia indiante Um couro dum boi daqueles
Jà se come machêra Cobre dez apartamento

Qüento, cebôla e artelão Um chifre dum boi daquele


E a tal pimenta de chero A gente quase não crer
Pranta fruta de manhã Cabe cem litros de pò
De tarde já dá tempeiro Para todo mundo ver
Nunca vi terra danada E só da uma cherada
Pra dá ligume ligeiro Pra um véio in São Suruê

609
Arroz in São Suruê Terra de São Suruê
É de chamar atenção É a terra da fartura
Cada pé da trinta caixa Pranta fruta de manhã
Qui faz admiração De tarde come madura
Cada carôço de arroz Tem serra de requejão
Enche quatro caminhão E morro de rapadura

É coisa de admirar Nos rios de São Suruê


Maxixe in São Suruê Só se pesca de levada
Isconde um home ditraz Camarão mata de tiro
Quem tá na frente não ver Piaba de cacetada
O maxixi mais piqueno A piaba mais piquena
Enche quatro F N M Mata um home na quexada

Quiabo in São Suruê Nas rua de São Suruê


Êsse aí nasce é atôa Corre dois rio de leite
O quiabo mais piqueno Nota de conto de rèis
Se botá numa canôa Nas porta serve é de infeite
Passa dez metro na poupa Nasce no pé duma serra
E passa dez cá na proa Um riacho de azeite

São Suruê é a terra Menino in São Suruê


Quí o pobre pode viver É um bucado ingraçado
Pranta dinheiro meio dia Menino nasce de noite
De tarde pega nascer De manhã já tá barbado
No outro dia cedinho Meio dia arranja a noiva
Jà tem nota pra cuiê De tarde jà tà casado

Terra de São Suruê As môça in São Suruê


Um home vale por dez Faz intè adimirá
Lá se vê pè de dinheiro Se namora de manhã
Carregado de papéis De tarde tem de casá
O chão istá feito lama No outro dia tem fio
De nota de cem minréis Só cabêlo de preà

610
Minina in São Suruê Terra de São Suruê
Faz graça a gente contá Tudo bom, tudo é dimais
Minina nasce de noite De noite nasce um menino
De manhã quer namorá De manhã já é rapaz
In antes do sol se pôr Vai da um passeio nas rua
É obrigado a casà In casa não vorta mais

In São Suruê as môça Pois lá in São Suruê


É que pede o casamento Vi coisa de admirá
E compra para o rapaz Riqueza qui pouca gente
Todo seu aprontamento É capaz de acreditar
De chapèu, roupa e sapato Agora vancês pregunta
No maior contentamento Pruque não fiquei por là?
As véa in São Suruê Pruque là tem um decreto
É um serviço pesado
Qui não é bom nem falá
Com noventa e cinco anos
Muié là pare dez fios
Se lembrando do passado
Home è quem da dimamá
Inda arranja numa festa
E por isso eu cai fora
Vinte, trinta namorado
Um jumento è quem vai lá
Um home in São Suruê
Tem qui ser bom no trabaio Quem não comprar êste livro
Pra sustemtar dez muié Uma coisa eu vou dizer
Casando no mêz de maio Vai ganhar tanto dinheiro
Quando for no mez de junho Que de fome vai morrer
Ter mais de trinta quebra-gaio Dando dimamar nenino
Nascido em São Suruê
Terra de São Suruê
É qui é terra qui presta FIM
Ali tem tanta muiè
Qui bate testa com testa
Quando u’a muié morre
O home faz u’a festa

611
TEMAS SOCIAIS, ECONÔMICOS,
POLÍTICOS E JORNALÍSTICOS

613
HISTÓRIA DO BOI LADRÃO E O DELEGADO FIEL

Existia um fazendeiro Ele voltou para casa


Por nome Pedro Simão No outro dia cedinho
Que tinha quinze fazendas Quando ele chegou na roça
Lá nas zonas do sertão, Estava o boi do vizinho
Era o mais rico dali, Devorando a plantação,
Do sertão do Piauí, De todo milho e feijão
Na fazenda São João. Só deixou muito pouquinho.

Pertinho dele morava Ele botou para fora


Um pobre por natureza E a cerca endireitou,
Vivendo ali da lavoura, Tapou direito o buraco
Numa tremenda pobreza No lugar que o boi entrou,
Plantando milho e feijão O tal boi sem compaixão
Mandioca e pouco algodão, A metade do feijão
Devido a grande fraqueza. Daquela vez devorou.

Um dia, o pobre velhinho, Botou de novo pra fora


Cêdo na roça chegou, O velho sem se aguentar
Um boi de Pedro Simão Aquela persiguição,
Dentro da roça encontrou, Não poude mas suportar
Ele botou para fora Pra casa do fazendeiro
E ali sem ter demora Seguiu o velho ligeiro
Toda cerca endireitou. Foi logo participar.

615
O velho chegando lá Respondeu o fazendeiro:
Falou por esta razão: Bastantemente zangado
Seja o senhor sabedor Você lá que dê seu geito,
Coronel Pedro Simão Que o meu já está dado,
Lá em minha roça um boi seu Quem se muda é o freguez
Meu feijão todo comeu Que sente por sua vez
Que faz até compaixão. Que está incomodado.

Endireitei toda cerca, O pobre saiu dali


Mas ele tornou arrombar Com uma dor no coração
Endireitei outra vez Pensando como fazia
Ele tornou derrubar, Com aquele boi ladrão,
Eu vim dizer ao senhor Que lhe deu o prejuiso
Como homem de valor Saiu ardendo o juizo
Para ver que geito dar. Sem achar consolação.

Não tenho geito pra dar, Chegando perto de casa


Respondeu o fazendeiro, Lhe veio um plano acertado,
Você lá que se arrume Disse ele: tem um geito,
Que eu não sou o cruzeiro, Vou dar parte ao Delegado,
Pra você vim se queixar, As nove horas do dia
Vá a cerca endireitar Seguiu pra delegacia
Que é o cálculo certeiro. Bastantemente veixado.

Disse o pobre: coronel, Chegou na delegacia,


Não posso mais suportar Ao Delegado salvou,
Que quando endireito a cerca Ele mandou se sentar
Ele torna derrubar, O velho logo sentou
Meu feijão, todo e meu milho, Descansou bem a memoria
Este maldito novilho Do principio da historia
Já está para acabar. Ao Delegado contou.

616
O Delegado notou O velho voltou pra casa
Que o velho tinha razão, E ficou bem a vontade
Que aquele fazendeiro O fazendeiro que soube
Devia ter compaixão Da extranha novidade
Da miséria de um pobre Nessa hora disse ele:
Porque sempre que é nobre Vou fazer a cama dele
Engole até seu irmão É hoje lá na cidade.

Volte, vá pra casa, E seguiu para a cidade


Disse assim o Delegado, Bastantemente zangado,
Chegando lá em sua roça Foi logo a delegacia
Se o boi tiver entrado Conversou com o Delegado
Dê logo um tiro certeiro Toda historia contou:
Nesse boi do fazendeiro Que o seu vizinho matou
E deixe lá estirado. O seu boi mais estimado.

O velho voltou pra casa Mas o que está dizendo?


Quando esta voz escutou, O Delegado falou,
Chegando pegou a espingarda Está dito, disse ele:
Bem direito carregou. O meu vizinho atirou
Quando foi no outro dia Em meu boi, em sua roça
Bem cêdo ele rompia, De dentro de sua choça
O boi na roça encontrou. Ele atirou e matou.

O velho ficou irado Nessa hora o Delegado


Assim que foi avistando Mandou ao pobre intimar
O boi dentro de sua roça, Para na delegacia
As plantações devorando As dez horas se achar
Dísse o velho: a hora é esta E viesse sem demora
Deu-lhe um tiro na testa Se não chegasse na hora
Foi o malvado rolando. A policia ia buscar.

617
As nove horas e meia O pobre ficou chorando
O pobre velho chegou Porque não tinha o apurado,
Foi cumprimentando a todos Se não pagar hoje mesmo
Numa cadeira sentou, Disse ainda o Delegado:
Então me conte, velhinho O senhor tem que sofrer,
Sobre o boi do seu vizinho Vai bastante padecer
Que diz que você matou. Porque vai ser processado.

Saiba vossa senhoria, O pobre saiu chorando,


Respondeu nesta razão, Com um compadre falou,
Que o boi deste vizinho O compadre teve pena
Devorou minha plantação, E o dinheiro arranjou
Me deu tanto prejuízo O pobre voltou ligeiro,
Só não perdí meu juízo Foi chegando ao fazendeiro
Por ter resignação. Todo dinheiro pagou.

Não tenho nada com isso, Ficou ele muito alegre,


Não tem de quem se queixar, Poz-se o dinheiro a contar
Você matou o boi do homem, Então disse o Delegado:
Porisso tem de pagar Agora vou lhe explicar,
Para não ser desordeiro O prejuízo do pobre
E mandou o fazendeiro O senhor por ser mais nobre
O seu dinheiro cobrar. Agora tem que pagar.

Naquele tempo passado, Isto ele achou ruim


Um boi pra ser cem mil réis Que o Delegado falou,
Só se desse vinte arrobas, Quanto custa o prejuízo?
Ser pesado até os pés Ele ao pobre perguntou,
O fazendeiro infiel Custa quinhentos mil réis
Com seu orgulho cruel Por menos nem um deréis
Cobrou duzentos e dez. O pobre assim se expressou.

618
Você é doido? rapaz!
Disse ele admirado,
O senhor tem de pagar,
Respondeu o Delegado:
Pois o senhor não gostou
Quando ele lhe pagou
O seu dinheiro inteirado?

Aí quinhentos mil réis


Ele teve de pagar
Ficou logo o boi de graça,
Foi o pobre aproveitar
Trezentos mil réis ao lado
Foi o melhor Delegado,
Que soube tudo traçar.

FIM

619
ABC DE LAMPEÃO ESCRITO PELO SEU PROPRIO PUNHO

Estes versos escriptos pelo próprio punho de Lampeão e que foram


encontrados pela força volante do comandante Bizerra, que o assassí-
nôu, nas coisas pertencentes a sua amàsia María Bonita, bem provam
que o bandido sabia ler e escrever regularmente. Dizem que Lampeão
foi aluno de um colegio em Maceiò de onde sahíu por ocasiâo do as-
sassinato do seu pai, entrando depois para a escola do cangaço.

Tipografia Popular
Aracaju Sergipe
A C
“Ama a Deus” sempre dizia Combino — Deus se é grande;
O bom padre Belchior. Bom, milagroso, clemente,
Isto diz meu Cathecismo, Podendo ajudar ao povo
(Que eu sei todinho de cór) Com um poder Onipotente...
Amo a Deus elle é grande, Mas tem tanto o que fazer
O matto é muito maior. Que se esquece da gente.

B D
Bem fazer, dízem os santos Dar sempre, nunca apanhar
Eleva a gente pro cèo, (Eis o meu grande segredo),
Livra a gente do perigo, Se sempre desconfiado,
Livra a gente do escarcèo, Ter cautela nunca medo,
E vejo os que são bondosos Sendo a vida um caso serio
Cahiram no meu mundéo. Não fazer dela um brinquedo.

620
E I
É certa a fama que gozo Inimigo sei que os tenho
De ser furor dos sertões, Mas para mim são bobagem,
Mas no Brasil ainda existem Atè hoje ainda ignoro
Muitos outros Lampeões, Se a Policia tem coragem,
Que vão devastando tudo Toda vez que me procura
Quaes medonhos furacões. Se esculhamba na viagem

F J
Fui bom, sofri mil tormentos Jurei de nunca ser prezo,
Passei torturas sem fim, Nunca fui, nunca serei,
Não encontrei um vivente Morro cravado de balas,
Que se doesse de mim. Mas nunca me entregarei
Era a maior das misèrias A estes torpes bandidos
Ter eu uma vida assim. Que não conhecem a lei.

G K
Gastei toda paciencia Kilometros aos cem, aos milheiros
Só em fazer peditòrios, Percorro a pé ou montado,
A Deus, a todos os santos, E chego calmo e sem medo,
Em egreja e oratòrios, A qualquer villa ou povoado,
— Só me vieram milagres Prendo os chefões do logar
De efeito contraditòrios Deixo tudo saquiado.

H L
Hoje creio puramente Lembro o facto mais terrivel
Em mim, no meu bacamarte, Da história da minha vida,
Nas outras armas que tenho Foi quando perdi meu pae,
Na minha destreza e arte, Oh lembrança dolorida!
Nos meus leaes companheiros Ainda hoje conservo
— Amigos em qualquer parte. No coração a ferida.

621
M Q
Minha història vou contar: Quiz agir por conta própria
Meu pai foi assassinado E o Juiz me chama e ralha:
(Quando eu era ainda rapaz) —Tudo està em boa marcha,
Por um mísero malvado, No processo se atrapalha,
Por facto tão monstruoso Confie na ação da Justiça
Fiquei quase allucinado. Que tarda mais nunca falha!

N R
Não pensei logo em vingança Recorri a todo mundo
A Justiça recorri, Fui directo a Maceiò,
Para séde da comarca Mantendo a calma de um santo
Confiante então parti, E paciencia de Job,
Ao Promotor e ao Juiz A Justiça se fez surda,
Roguei, implorei pedi. Ninguem de mim teve dò.

O S
O Juiz me garantiu Sentí que estava enganado...
Punir o vil criminoso, Não tive mais esperança...
E o Delegado também E um impeto forte terrivel,
Mostrou se bem rancoroso, No meu espírito avança:
Jurando dar providência, —Ante a falta de Justiça,
A crime tão monstruoso. Exercer minha vingança.

P T
Porem o tempo passou-se Tomei coragem. Chamei
E nada de providência! Meu irmão e disse: “Vamos
Sò me diziam: Se acalme Matar aquele assassino!”
Tenha mais calma e paciência E dito isto, marchamos
Para quem matou seu pae Com tanta felicidade
Não haverá dó nem clemencia Que, sem demora, encontramos

622
U Z
Um minuto a mais. Em frente Zuniram mais de cem tiros
Do assassino a tremer Mas eu sempre em promptidão,
Nós lhe dissemos: seja homem O meu rifle disparava
Prepare-se para morrer! Como se fosse um canhão,
Se mil vidas possuisse E cada tiro que dava
Tinha que todas perder! Era um cadaver no chão.

V TIL
Vibrei-lhe um tiro na testa Tilintei a minha espada,
E outro no coração. Fiz mesmo uma desgraceira!
Deixei-lhe o corpo em retalhos, Deixei prostrada por terra
Picadinho a facão, A covarde cabroeira,
Afora mais punhaladas Não vi o resto da força
Que lhe vibrou meu irmão. —Virou alcanfor, poeira...

X Terminei meu A B C
Xinguei as autoridades, Estou mais forte na liça;
Tornei-me um surucucù, Mato gente a todo instante,
Fiquei um bicho assanhado, Quando pàro é por preguiça,
Virei um monstro, um tutú, Esta má vida a quem deve
Botei um rifle no ombro A malfadada Justiça.
Torne-mei malvado e crú!
A Justiça brasileira
Y Muito será feliz
Yôyô um amigo nosso, Porque só crer no dinheiro
Veio logo me avisar Para sua diretriz!
Que a policia esta prompta Ella se oculta p’ro pobre!
Pra nossa casa cercar, Não liga o que elle diz!
E recebendo este avizo,
Fui logo me entrincheirar.

623
Fui Virgulino Ferreira
E porque sou Lampeão?
Si Justiça houvesse eu era
Um pacato cidadão!
Mas não quizeram assim
Pois gemam no meu facão!

Adeus Justiça de borra!


Adeus, polícia gorada!
Só converso com vocês
Com entrevista marcada!
Si querem melhor lembrança,
Dou um adeus de mão fechada!

FIM

624
A B C DOS TUBARÕES

A D
Agora vou escrever De sempre morre um burguez
Para todas multidões Perde a farinha e o feijão
Um folhetinho engraçado Porque tem muito dinheiro
Pra todas populações, Só morre de avião,
A pobreza está queixando Eu digo: Já morreu tarde!
Que está se acabando Só assim acaba a metade
Nas presas dos Tubarões Do grupo de Tubarão.

B E
Bem sabem caros amigos Eu gosto sempre da morte,
Que a pobreza hoje em dia Que tem minha opinião,
Não tem mais direito á nada Não tem bonito nem feio
É sofrendo em denmazia Pra ter ela adulação,
Só encontra è Tubarão Por isso é minha amiguinha
Pra tomar seu ganha-pão Porque vem mata sardinha
Ninguem tem mais garantia. E mata tambem Tubarão.

C F
Comparo nosso Brazil Fiquemos todos atentos
Com um verdadeiro mar Prestando toda a atenção
E a pobreza sardinha Pra escolher um candidato
Que vive sempre a nadar, Agora nessa eleição,
Sem ter alimentações Pra dar um voto seguro
E os grandes Tubarões Pra não votar no escuro
Querendo nos devorar. Para qualquer Tubarão.

625
G L
Gervasio disse outro dia, Lembramos do que se deu
Zangado igual um leão: Que chamou mesmo atenção,
Que quem quizer que ele vote No dia tres de outubro
Tem que pagar um dinheirão, Aquela grande eleição,
Que ele não é estrada Que gratis fomos votar
E nem tão pouco é escada E em vez de melhorar
Para subir tubarão. Cada vez mais Tubarão.

H M
Ha muito tempo que os homens Meus amigos sertanejos
Já perderam a retidão, Plantai muito algodão,
A gente vota de graça Não se importem com conversa.
No tempo da eleição, Nem promessas de eleição,
Quando é no fim da conta Que Deus é quem tem pra dar
Encontra faca de ponta E pode nos libertar
E chute de Tubarão. Do queixo do Tubarão.

I N
Iremos ver brevemente Nossos amigos roceiros
A grande aglomeração, Plantai muito feijão,
Promessas e mais promessas Plantai banana á vontade,
E a grande adulação Batata, abobora e melão.
Para a pobreza votar Para podermos viver
Para depois nos jogar E para nos defender
Na boca do Tubarão. Das garras do Tubarão.

J O
Jamais veremos bondade, Os nossos proprietarios,
Só vemos desolação, Que teem muita criação,
Qualquer um que fôr eleito Criai por lá muito gado
Para chefe da nação, Com toda satisfação
Imposto tem que aumentar Pra a carestia acabar
E o pobre é quem vai chiar E nós poder nos livrar
No queixo do Tubarão. Dos laços do Tubarão.

626
P T
Pra ser eleito a governo Tubarão são nossos amigos
Ou pra Chefe da Nação, Em antes da eleição
Todo mundo nos adula, Abraça qualquer matuto
Nos aperta a nossa mão, Que esteja com o pé no chão,
Quando chega no Catête Porèm depois desse pleito
Quer nos meter o cacête Qualquer um que for eleito
Vira o pior Tubarão. É o maior Tubarão.

Q U
Quando alguem quer ser prefeito Um eleitor quando vai
Chama toda multidão Na casa dum cidadão,
E promete logo a todos Que deu um voto a seu lado
Cada qual um avião, No tempo da eleição
Quando vai pra prefeitura Ele diz: não lhe conheço
Essa mesma criatura E passa o olho travesso
Vira maior Tubarão. Pior do que Tubarão.

R V
Reune toda pobreza Vai dizendo: vagabundo
Pra fazer a votação Você precísa é instrução,
Porém não votem de graça, Uma enxada de 3 libras
Tenham toda precaução, Num campo experimentação
Mesmo assim tenham cuidado Pra mandioca plantar,
Pra não serem devorados O pobre sai a xingar
Nas presas do Tubarão. Fica-te aí Tubarão.

S X
Santos do Mont no Brasil Xingando, sai o eleitor,
Fêz uma ótima invenção, Dizendo nesta razão:
Com a sua inteligência Enquanto vida eu tiver,
Construiu o avião, No tempo da eleição,
A obra mais importante Nunca mais quero abalar
E bastante interessante Os meus pés para ir votar
Para matar Tubarão. Para nenhum Tubarão.

627
Z
Z é a letra do fim
Que termino a narração,
Quem não gostar me desculpe
Toda esta minha expressão,
Quem não comprar este livrinho
Vai ser engulido vivo
Na bôca dum Tubarão.

628
A CARREIRA DA SUNAB COM MEDO DA CARESTIA

O meu nome é Carestia Quando tabelou a carne


Que sou forte e sou valente, Pra bem barato vender,
Eu desafio o Prefeito, Segurei o boi no pasto
O Delegado e o Tenente, Para não deixar trazer
O Governo do Estado Sunab tabela e tudo
Atè mesmo o Presidente. Eu fiz desaparecer

Sou uma negra peituda Não apareceu mais carne


Que não respeito ninguém, A tabela dia a dia,
Meto a taca em todo mundo Foi logo se relachando
Não tem porque, nem porém Todo povo em agonia.
Quem batalhar contra a mim Gritou logo: antes fosse
Por fim apanha tambèm. Na base da carestia.

Tinha uma tal de Sunab Eu fiquei de “bola cheia”


Que vivia a me odiar, Para mim foi de colher
Contra a mim fazia campanha E mostrei a todo povo
Mas não pôde triunfar, O valor duma mulher
Porque botei pra correr Porque tem de comprar carne
Nunca mais pôde voltar. Do preço que eu quizer.

Ela tabélou a farinha, Depois peguei um chicote


Ela tabelou o feijão, Para mostrar quem sou eu
Ela tabelou o arroz, Quiz agarrar a Sunab
Batatinha e macarrão, Ela na hora correu.
Peguei a tabela dela Para entrar na Prefeitura
Rebentei toda no chão. E contar o que se deu.

629
Eu meti o pè atraz Chegou na Delegacia
Bate aqui, bate acular, Se agarrou com o Delegado,
Ela entrou na Prefeitura E eu meti-lhe o chicote
Para de mim se livrar, Bati até no soldado
Mas eu emboquei atrás Que estava de plantão
Sò afim de me vingar. Deixando tudo apanhado.

Ela subiu as escadas Naquela luta tremenda


Embocou no gabinete, Pra saber do que se deu,
E se agarrou com o Prefeito Juntaram todos soldados
Pedindo até pelo leite Pra ver o que aconteceu,
Que mamou quando nasceu E nesta luta a Sunab
Mas eu meti-lhe o cacete. Dali desapareceu.

Tome taca e tome taca Parece até que morreu


A Sunab não aguentou. Ninguém mais ouviu falar,
Se agarrou com o Prefeito Eu tomei conta de tudo
Que também muito apanhou, Pra mandar e desmandar,
E para a Delegacia Aumento tudo que quero
Ela dali se mandou. Sem ninguém me reclamar.

Saí correndo atràs dela Eu aumento a gasolina


Dando cada chicotada Sem a ninguèm dar atenção,
De vê poeira voar Aumento a carne de gado
Das costas dessa danada A farinha e o feijão,
Para ela conhecer O toucinho e o cafè
Que minha mão è pesada. Arroz, peixe requeijão.

Veloz que só um veado Aumento o preço do pão


Esta Sunab corria, Da manteiga e rapadura,
E eu atrás com um chicote Aumento o preço da dècima
Danadamente batia, Que paga na Prefeitura,
Atè que fomos parar E para me reclamar
Dentro da Delegacia. Não existe criatura.

630
Aumento o preço da àgua, Principalmente o Governo
Aumento o preço da luz, Do Estado da Bahia,
Aumentar o butijão Jà que não pode baixar
Atempos jà me dispús O que sobe dia a dia,
Aumento o preço do milho Dê uma pisada no freio
E da massa do cuscús. Do carro da Carestia.

Todas passagens de ônibus Porque ele vive solto


No aumento eu mando brasa, Sem ninguèm poder freiar,
Aumento aluguel de tàxi, Atropela todo mundo
Aumento aluguel de casa, Sem a ninguèm respeitar,
Quero ver tudo aumentar Principalmente a pobreza
Só o salàrio se atrasa. Que não pode se livrar.

Aumento o preço do dòlar Os carros a gasolina


Que boto pra derreter, Não andam mais de oitenta,
Agora o tal de cruzeiro Para evitar acidente
Esse eu quero vê descer, A lei do trânsito os aguenta,
Descendo cada vez mais O carro da Carestia
Atè desaparecer. Puxa dois mil e noventa.

E por isso meus amigos É preciso por um freio


O Estado da Bahia, Nesse carro corredor,
È quem mais está sofrendo Pra andar mais de vagar
Na taca da carestia, Neste Paìs sofredor,
Sem ter pra quem apelar Porque do jeito que vai
Geme de noite de dia. Jà se transforma em terror.

Eu peço aos nossos Governos As coisas hoje é um preço


Eleitos nesta eleição, Amanhã jà custa mais,
Que façam todo possivel Depois jà sobe a metade
Trabalhem com perfeição, A carne, o açucar e gaz,
Contra esta carestia Os ricos ficam mais ricos
Que assola a multidão. Os pobres vão para traz.

631
A mola da carestia Que quando sai o salário
Que tudo mais determina, Aí a coisa piora,
È somente duas palavras: Porque os empregadores
Aumentou a gasolina Bota o operàrio pra fora,
Aumenta das coisas grandes O pobre quase chorando
Até a mais pequenina. Pega pista e vai embora.

Vem o aumento do açùcar Se tiver um mil operários


Do arroz e do feijão, Seissentos são despedidos,
Da carne, esta è a primeira, Ficam a penas quatrocentos
Do café e também do pão, Que vão atender os pedidos
Da farinha e do toucinho, Daquele rico patrão
Da manteiga e macarrão. Como pobres desvalidos.

Vem o aumento do gaz O patrão diz: meus amigos


O aumento da passagem, Não posso continuar
Precisa muito dinheiro Pagando o novo salàrio
E também muita coragem, Porque não posso aguentar,
Para um pobre passageiro Vou fazer uma propòsita
Fazer hoje uma viagem. Pra vê quem vai assinar.

Quando espalha a noticia: Assina o salàrio novo


Salàrio vai aumentar, Mas só recebe o antigo,
Aumenta tudo outra vez Porque nossa empresa é pobre
Sem o operário ganhar, Deste jeito eu não prossigo,
Só ganha è “pau pelo chifre”, Recebe o velho salàrio
Em tudo que for comprar. Quem quizer ficar comigo.

632
O pobre pai de familia
Fica quase alucinado,
Com a casa cheia de filhos
E ainda desempregado.
Isto è muito pior,
Vai o seu nome assinado

Meu folheto aqui termino


Fazendo uma petição,
Senhor Governo do Estado
Imploro com precisão,
Livrai o pobre da fome
Vem socorrer este nome
A todos dê proteção

FIM

633
O CARRO DA CARESTIA

Senhores mais uma vez Custando oitenta cruzeiros


Em versos de poesia Carne verde dispostada
O trovador Minelvino Com osso custa cinquenta
Vai falar na carestia É dura esta parada
Que desenfreadamente O pobre ganhando pouco
Se dana de dia a dia Termina virando em nada

As coisas antigamente Uma xícara de cafè


Eram um só preço diário Custando quatro cruzeiros
Só aumentava com ordem Um ôvo custando oito?
Do forte proprietário São tremendo os exageiros
Quando o governo ordenasse De todo geito a pobreza
Para aumentar o salário Só encontra è marreteiros

Hoje tudo è diferente Verdura hoje na feira


Se dana tudo aumentar Esta custa um dinheirão
Sem ter salário sem nada As frutas de hoje em dia
É mesmo de amargar Só andam de avião
O pobre morre de fome Dizendo: só entro agora
Sem ter a quem se queixar Em casa de tubarão

Um quilo de carne agora Uma dona melancia


Pingando agua, na feira O pobre vai apreçar
Custar cento e dez cruzeiros! Diz o dono: è cem cruzeiros
Isto não é brincadeira Sem ter direito pegar
Ainda faltar cem gramas Se não quizer cáia fora
É a maior roubalheira Não venha mais chatiar

634
A manga do mesmo jeito Agora vejam senhores
Se dana cada vez mais Cem cruzeiros um almoço
Cinco, seis, oito cruzeiros Só um pouquinho de feijão
Pobre não compra jamais Em vez de carne vem osso
Ou umbùs já estão usando É mesmo que derrubar
Patente de generais E tomar o dinheiro do bolso

Vi um maxixe na feira A cama é daquele jeito


Com um quiabo prosando Um colchãosinho de capim
Dizendo: quem fomos nós Pulga de todo tamanho
Que ninguem estava ligando Ainda mais mucuim
E hoje todos os ricos Morde o pobre a noite toda
É quem vem nos adulando Que só falta dar-lhe fim

Disse o quiabo: é verdade Zoada de muriçoca


Você tem toda razão É coisa chata qu’eu acho
Quando aqui me chega um pobre Bem no ouvido da gente
Eu fico de prontidão Não sei se é femea ou se é macho
Para pegar na abertura Que deixa o ouvido de cima
E dar muito bofetão E vai zoar no de baixo

E assim toda verdura Quando é no outro dia


Vive tudo a se julgar Que os pobres passageiros
Em casa de gente pobre Vão a dona da pensão
Nenhuma quer mais entrar Mostrando ser verdadeiros
Porque o preço é de mais Pergunta o preço da cama
pobre não pode comprar Diz ela: oitenta cruzeiros

Pra quem vive de viagem O transporte nem se fala


É de cortar coração Porque está de lascar
Pobre não pode pagar Uma passagem de ônibus
Um almoço na pensão Pobre não pode pagar
Quanto mais pagar diària Procuram um pau de arara
Com dormida e refeição Vai sua vida ariscar

635
Com um chofer adiante O pobre vai pra farmacia
O preço logo ele ajusta Com o corpo todo a tremer
Muitas vezes pede um menos Chegando dá a receita
Daquele preço que custa Ao farmacêtico pra ler
Diz ele: só faço menos Quando ele da o preço
Pra quem veste sáia justa O pobre falta é morrer

O pobre não diz mais nada Porque o preço é tão alto


Sobe naquele momento Que nem o cão o aguenta
Na dura carroceria Paresse que com a receita
Exposta a chuva e o vento O farmacêtico ainda aumenta
Tomando tombo e mais tombo Diz ele: custa dois mil
É o maior sofrimento Quatrocentos e cinquenta

Agora é que precisamos O pobre faz todo esforço


De ter o novo salário Para o remedio comprar
Porque assim prosseguindo Chegando em casa começa
Se dando tudo ao contrário Pela receita usar
Ou vai ter guerra civil Se não servir vai morrer
Ou morre todo operàrio Por não ter mais pra gastar

Se vai fazer uma consulta E se morrer sem receita


O pobre falta é chorar Um tudo está enrascado
O doutor da a receita Porque o parente do morto
Quinhentos tem que pagar Vai correr bem apertado
E diz: se não se der bem Difunto sem documento
Amanhã torne voltar Não pode ser sepultado

Paresse que a consulta Eu era contra o salário


Já é feita inconsiênte E falava todo día
O doutor pra conformar Mas, se não tivesse aumento
O pobre do paciente Em toda mercadoria
Manda voltar amanhã Porque o salario minimo
Pra não ficar descontente Muita ruina trazia

636
Mas, já que não tem um freio
No carro da carestia
Atropela todo mundo
Seja de noite ou de dia
Portanto aumenta o salário
Que é nossa garantia

O carro da carestia
Está no mundo a vagar
Atropelando a pobreza
Querendo tudo acabar
Só um forte presidente
Pra fazer ele frear

Senhores vou terminar


Meus versos em poesia
Pedindo ao presidente
Para ter a primazia
De atirar nos pnêus
Do carro da carestia

637
A MARRETA DA CARESTIA

Sou eu mesmo a marreteira A farinha é a mesma coisa


Que marreto todo dia Não deixo certo pesar
No Brasil de canto a canto Além do preço ser caro
Principalmente a Bahia. Faço a balança inguiçar
Quer saber qual é o meu nome? De todo jeito o freguez
O meu nome é CARESTIA Eu tenho que marretar

Não respeito lei nenhuma E na compra do feijão


Minha arte é marretar Eu tambèm estou aì
Protejo quem vai vender Fazendo o peso faltar
Marreto quem vai comprar Pra poder me divertir
Pois comigo é na marreta O certo è que marretado
Ninguém pode me empatar O freguez tem que sair

O meu braço é muito forte Se for comprar o arroz


Pesa mais do que carreta Eu estou em companhia
Eu defendo quem é forte Defendendo o vendedor
Quem for fraco se derreta Quer de noite ou quer de dia
Só deixo vender a carne Provando que minha marreta
É na base da marreta Se chama da Carestia

O toucinho quem for comprar O açùcar e o cafè


Eu fico logo de lado É naquele preçosinho
Do vendedor ensinando Que minha marreta gosta
Que tome muito cuidado Sem amor e sem carinho
Porque aquele freguez No medir ou no pesar
Tem que sair marretado Eu marreto direitinho

638
Nas padarias, é claro! Na Brasil-Gaz, eu também
Eu também estou ali Estou lá de prontidão
Entre o dono e os padeiros Esperando a todo povo
Faço o pão diminuir Com a marreta na mão
A minha marreta come Pra marretar um por um
Para grande não sair Nessa compra do bujão

E das empresas de ônibos A COELBA não se fala


Eu não posso me afastar Que ali eu faço morada
Porque a minha marreta Porque na conta de luz
Ali bota pra quebrar Seja amiga ou camarada
A todos os passageiros Todo mez por mim ali
Eu tenho que marretar Tem que sair marretada

Na venda da Gasolina A EMBASA é nossa casa


Eu fico bem acordada Sou amiga desse nome
E cavo de todo jeito Porque na conta de água
Pra dar uma marretada A minha marreta come
Daquelas que até o cão Meto a marreta pra ver
Solta uma gargalhada Se o cara morre de fome

Onde tem super-mercado Vou esperar na farmacia


Que dizem que é barato Quem vai pra lá pexinchar
Eu dou cada marretada Querer remèdio barato
Mesmo pra mais do contrato Sò a fim de se curar
Seja rico ou seja pobre Preparo minha marreta
Marreto com fino trato Pra esse bem marretar

Na venda, jà nem se fala Em antes disso a receita


Quem não pode ir á feira Quando ele recebeu
Eu marreto duma forma Eu já danei-lhe a marreta
Que parece brincadeira Lá dentro do bolso seu
Dou-lhe cada marretada Se o bolso não for forte
Pra ver levantar poeira Garanto que derreteu

639
Se paga aluguel de casa Até o carro de mão
O cara está atolado Eu estou fazendo parte
Porque todo fim de mês Meto a marreta no bolso
Eu estou de lado a lado Do cara mesmo com arte
Meto a marreta no bolso Pode ser Cancão de Fogo
E ele sai marretado Atè Pedro Malasarte

Se morar em casa pròpria Se fizer uma viagem


Não è feliz criatura Assim que a noite chegar
Que vou meter a marreta Eu estou là no hotel
Nas dècimas na prefeitura Pronta para marretar
Tem que sair marretado Porque da minha marreta
Porque já fiz esta jura Ninguém pode se livrar

Dou marretada também Até se o cara for preso


Se for comprar o carvão Pra sair no outro dia
Muito mais do que o gaz, Pra pagar a caçaragem
Com o preço do bujão Não pode ter alegria
Minha marreta eu já levo Pois cai tambèm na marreta
Em cima do caminhão Chamada da Carestia

Se for pegar qualquer táxi Se o cara é motorista


Eu estou aì também E no trânzito se atrapalha
Marretando o passageiro O guarda multa na hora
O que vai e o que vem Porque não pode dar falha
Seja rico ou seja pobre Na hora do pagamento
Porque não escolho quem Minha marreta trabalha

Se for pegar a carroça Se despaixar no correio


Pra alguma coisa ir buscar Um pacote registrado
Eu também estou aí Na hora do pagamento
Pronta para marretar O freguez fica assombrado
Porque da minha marreta Porque eu meto a marreta
Ninguém consegue escapar E ele sai marretado

640
E quando o fulano morre Se compro por um cruzeiro
Eu fico de prontidão Por cinco quero vender
Chorando na cabeceira Outro quer vender por dez
Por ter um bom coração Pois é este o seu prazer
Dou a ultima marretada Não se importando que os fracos
É na compra do caixão De fome pode morrer

E assim a carestia Em todo assunto falando


Só vive a nos marretar Quem vive a negociar
Desrespeita todo mundo Deseja aumentar o preço
Sem ninguém ter jeito a dar Querendo se melhorar,
Sò existe uma maneira Ganhar tres ou quatro vezes?
Pra ela se afastar É ganhar e reganhar

Se juntar o povo todo O preço de tudo aumenta


Em corrente de união Que fica extraordinário
Um tudo que for vender Muitas vezes não dà fé
fazer uma redução O que ganha um bom salàrio
A marreta e a carestia Mas o pau só vai quebrar
Vira espuma de sabão Nas costas do operário

Quem faz toda carestia Porque quem ganha pouquinho


É nossa grande ganança Pra resolver o problema
De ganhar muito dinheiro Seu e de toda familia
A vontade não se cansa Isto é difato um dilema
Querendo nos enricar Pensando bem direitinho
Quanto mais tem mais avança É muito triste este tema

641
Portanto meus amiguinhos Aqui eu vou terminar
Vamos fazer união Meus versos em poesia
Em todos os nossos preços Falando sobre a marreta
Vamos fazer redução Da malvada carestia
Pra dar condições de vida Que marreta todo mundo
Todo qualquer nosso irmão Dia e noite, noite e dia

FIM

Itabuna, 12 de novembro de 1977

642
O DESAPARECIMENTO DO DINHEIRO E
O SOFRIMENTO DOS PROFISSIONAIS

Senhores, pergunto eu O alto comerciante


Já um pouco entristecido O feirante, o barraqueiro,
Aonde està o dinheiro O tipògrafo, o logista,
De nosso Brasil querido? O engrachate, o bananeiro
Que fugiu do nosso bolso Tudo isto vive em luta
E está desaparecido! A procura do dinheiro

Eu vivo a procura dêle O jornalista, o médico


Correndo pra me acabar O fotógrafo, o jornaleiro
Êle correndo de mim O bancário, o professor
Para poder se livrar O mecanico e o ferreiro
Eu fazendo a maior força Vivem todos na carreira
Sem muito poder pegar Para pegar o dinheiro

Para pegar o dinheiro Até mesmo o clicherista


Não sei o que faça mais O prefeito, o boiadeiro
Remecho tôda Bahia Vereador, deputado
E tôda Minas Gerais Governador, fazendeiro
Ele corre em minha frente Estão nesta mesma luta
E eu vou correndo atraz Para pegar o dinheiro

E nem só eu vivo assim O operário braçal


Neste País brasileiro O artista, o barbeiro
Mais também o motorista O pensionista, o poeta
O ajudante e o Pedreiro O cobrador, bodegueiro
Tambêm vivem assim correndo Estão na mesma peleja
A procura do dinheiro A procura do dinheiro

643
O advogado, a policia Se vai procurar trabalho
O velho médico parteiro Para o dinheiro ganhar
O guarda, o velho fiscal Procura porém não acha
O encanador, funileiro Pois é mesmo de amargar
Todos eles vivem em luta Que ninguém sabe o dinheiro
A procura do dinheiro Onde êle foi se parar

Até mesmo o locutor Se vai vender qualquer coisa


Rádiotecnico, aguadeiro O povo não quer comprar
Propagandista, o palhaço Porque faltando o dinheiro
O carpina, o macineiro Não pode negociar
Vivem todos preparados Pois ninguèm sabe o dinheiro
Para pegar o dinheiro Onde êle foi se guardar

O curador, o cigano O pobre do operário


O eletricista, o coveiro Vive em tempo de chorar
O jogador de baralho Porque não acha serviço
O atleta, o jardineiro Para o dinheiro ganhar
Estão na mesma carreira Pergunta o povo em vechame:
A procura do dinheiro Onde è que o dinheiro está?

Até o homem da cobra O motorista também


O homem candomblézeiro Leva a vida de amargar
O homem bate-carteira A procura dum emprêgo
O beberrão, maconheiro E sem ninguèm querer dar
Estão correndo tambèm Tambèm pergunta aos colegas:
Para pegar o dinheiro Onde é que o dinheiro estar?

Por isso que o dinheiro O pedreiro está parado


Ja se zangou e resolveu Sem poder se alimentar
Com tanta perseguição Porque não acha trabalho
Agora se escondeu Para seu pão arranjar
Que ninguém sabe onde Pergunta para o seu mestre:
Foi que êle se meteu Onde è que o dinheiro estar?

644
O pobre carregador Mesmo o vendedor de carne
Já não é bom nem falar Vai pra feira trabalhar
Devendo aluguel de casa A carne volta a metade
Sem nunca poder pagar Por ninguém querer comprar
A sua espôsa pergunta: Ele pergunta a si mesmo:
Onde é que o dinheiro estar? Onde é que o dinheiro estar?

E também o carroceiro O vendedor de farinha


Vai pra rua se esforçar Faz atè admirar
E nem siquer um carrêgo Não vende a farinha tôda
Acha para descolar Vai a metade voltar
Pergunta pra seus colegas: Ele pergunta aos amigos:
A onde o dinheiro estar? Onde é que o dinheiro estar?

Também o chofer de praça Aonde està o dinheiro?


Passa o dia a cochilar Interroga o varonil
Na cadeira do seu táxi Ninguèm sabe responder
O povo nem “bolas”dar Nem militar, nem civil
Pergunta êle a si mesmo: Mas eu respondo: o dinheiro
Aonde o dinheiro estar? Está no Banco do Brasil

O pensionista também Ele o Banco escorrega


Não sabe onde vai parar Mais do que cêra cachoupa
Sem ter hóspede pra dormir Quem for pedir emprestado
Nem tambem para almoçar O gerente dar uma poupa
Pergunta pra sua espôsa Se for no “peito e na raça”
Onde é que o dinheiro estar? Aí é fogo na roupa

Atè a empresa de ônibus O nosso dinheiro antigo


Também vive a se queixar Quando era o que corria
Com a falta de dinheiro A gente ganhava pouco
Ninguém quer mais viajar Em muito se tornaria
Sua renda diminuiu Pois não era como hoje
Onde é que o dinheiro estar? A malvada carestia

645
É tanta da carestia Meu Irmão, meu Salvador
Que o homem até fica louco Filho de Deus Verdadeiro
Vai procurar o trabalho Sobre nòs mandai a chuva
Só de falar fica rouco Imploro Santo Cordeiro
O dinheiro levou fim Livrai-nos de peste e fome
Porque nem muito e nem pouco Vim pedir em vosso nome
A paz para o mundo inteiro
Os nossos irmãos nortistas
A pobreza os consome FIM
O sol queimando direto
Que até animal se some
Jà estão tomando apulso Itabuna 23 de fevereiro de 1971
Para não morrer de fome

No Estado da Bahia
No sertão do Irecer
Perdeu tôda plantação
O povo vive a sofrer
Comendo raiz de pau
Somente pra não morrer

No sertão do Guanambí
É o mesmo paradeiro
O povo está sustentando
Na raiz do umbuzeiro
Para escapar com a vida
Pela falta do dinheiro

A cidade de Itabuna
É o mesmo paradeiro
Jequié do mesmo modo
Conquista o mesmo roteiro
Camacan dar uma surra
Em quem falar em dinheiro

646
A GREVE DE ITABUNA

Sou trovador popular O poeta hoje não come


Desta terra grapiuna Apenas faz merendar
Rimando vivo lutando Emprego bom ninguem acha
A procura da fortuna Para o dinheiro ganhar
O povo quer que eu escreva Se for vender qualquer coisa
A greve de Itabuna O imposto é de lascar.

Eu que sou como a grauna Foi quem fez se revoltar


A minha arte é cantar A cidade de Itabuna
Poeta não se governa Teve murro a três por dois
Diz o rifão popular Naquela forte coluna
Vou escrever um livrinho Devido tantos impostos
Para meu povo estudar Que a gente até se repuna

Tem gente pra se acabar Diz o jornal que em Itabuna


Com a falta de dinheiro Começou a confusão
E a grande carestia Porque um homem na feira
Neste país brasileiro Com um saco de feijão
E a onde está pior Já tinha pago o imposto
É a zona do cacaueiro. E tirado o seu talão

Neste grande paradeiro Ficando um restinho então


Tem gente passando fome Na outra feira voltou
Se Deus não mandar um socorro Para pagar novo imposto
A pobresa se consome O fiscal ali chegou
E neste tempo de festa Ele disse que não pagava
Gente vira lubisome O mestre fisca impombou

647
O homem se revoltou Para marcar essa fau
Porque não estava direito Veio a Metropolitana
Não há tatú que se aguente Essa grande protetora
Cobrando assim deste jeito De nossa terra bahiana
Disse o homem agora mesmo Pra não ver a Prefeitura
Eu vou falar com o Prefeito Se virar numa banana.

Para acertar bem perfeito Pegava e metia a cana


Dirigiu-se a Prefeitura Quem estava na contenda
Para contar direitinho Tanto batia e apanhavam
Tudo aquela criatura Que a coisa ali era horrenda
Mas acompanhou uma turma Correram da Prefeitura
De gente de cara dura. Foram pra Mesa de Renda

Como do cão a pintura Chegando a Mesa de Renda


Se armaram sem demora Tinha um Cosme e Damião
De facão pedra e cacête Pra não deixar evadir
E seguiram rua afora Com o cacitete na mão
Avisaram a Prefeitura Deram-lhe um murro no Cosme
E fexaram na mesma hora Que viram rolar no chão

O queixoso nessa hora Ficou sosinho Damião


Que queria entrevistar Deram uma bofetada
Com o nosso honesto Prefeito Que o capacête vôou
E sua razão explicar Foi cair lá na estrada
Porem as portas fexaram Aí chegou muitos Cosmes
Ele teve que voltar Que vinha na retaguarda

A turma pra esculhambar Um Cosme deu uma pancada


Atiravam pedra e pau Assim por cima do lombo
Nas portas da Prefeitura De um feroz revoltoso
Igualmente a espirito mau Que foi um tremendo tombo
Querendo quebrar as portas Disse o revoltoso: vôte
E fazer dela um mingau Deste jeito eu me arrombo

648
A luta de ombro a ombro A turma de revoltado
Começaram a pelejar Abriram a perna a correr
De pedra, murro e cacête Os que os soldados pegavam
De fazer admirar Levavam para prender
Quando Cosme apanhava Foi uma borracha solta
Via Damião chorar Negro faltou foi morrer.

Só via a gata fumar Foi muitos deles sofrer


O povo todo brigando Lá nas grades da prisão
E o Reporter atraz deles Já bastante arrependidos
Somente fotografando Diziam nesta razão:
Como o amigo da onça Enquanto o mundo for mundo
Ele ia assim praticando Não entro em revolução

Ele com a máquina espiando Fizeram uma imitação


Deram um grande bufetão Da inconfidencia mineira
Que o camarada caiu Tiradentes só foi um
E naquela ocasião Nesta terra brasileira
Um retrato de Getulio Outra que aqui não é Minas
Do bolso caiu no chão É a terra cacaueira

Para uma publicação Gente andava na carreira


Ele uma chapa bateu Com medo de apanhar
Até o pobre Getulio Quando os Cosmes encontravam
Naquela luta sofreu Dois fulanos a falar
Porque pisaram na cara Na grande greve que teve
Mesmo depois que morreu Levavam pra incarcerar

O povo se esmoreceu Outros que a gargalhar


Porque chegou bem armado Ficavam ali todo dia
Um forçoso batalhão Lendo jornal no jardim
De Ilhéus bem preparado E fazendo grande anarquia
E armaram metralhadora Vinha Cosme e Damião
Nas ruas por todo lado Pegavam os caras prendia

649
Acabou-se a agonia Tudo com a lei se conquista
Porque o nosso Prefeito Dentro da educação
Fez um acerto com o povo Para isto temos lei
Que por todos foi aceito Em nossa bela nação,
O nosso povo ficou Embora que poucos cumpra
Divera bem satisfeito E obedeça a razão

Fez um serviço perfeito Não dou valor agressão


Como o povo assim queria Gosto de tudo com a lei
Diminuiu um poquinho Qualque um é sujeito ao erro
Nos impostos que havia Se ainda erro não sei
Voltou a nossa Itabuna Mas se um dia eu errar
Reinar paz e alegria Peço perdão que errei

Eu também assim queria Não falo e nem falarei


Como fez nosso Prefeito É contra nossa policia
Para minha opinião Com ela estou garantido
Ele fez muito bem feito Que ela aje com pericia
Que o povo tem razão O malfasejo que vir
E a policia tem direito Com sua negra malicia

Se para alguem não deu jeito Só me dei mal com a policia


Esta minha opinião Foi só em Canavieiras
Agora vou desdizer Quer dizer, só um tenente
Mudando de direção Que um batedor de carteira
A policia tem direito Me roubor e eu fui a ele
E o povo tem razão Fez eu sair as carreiras

Aconselho a multidão Senhores meu folhetinho


Como um fraco repentista Aqui eu vou terminar
Que nunca mais imagine Fica escrito meus conselhos
Formar grupo de grevista Para quem quizer tomar,
Para atacar a cidade Quem não quizer me disculpe
A pobre e a capitalista E pode continuar.

FIM
650
AS 4 MISÉRIAS DÊSTE MUNDO

Vou escrever um livrinho Pode o homem ser rico de milhão


De pensamento profundo Pode ser deputado ou senador
Dum mal que atrofia ao homem Se a mulher não souber dá o valor
Por mais que seja fecundo Que merece esse nobre cidadão
Vou citar as personagens Se com outro ela usar duma traição
Das miséria dêste mundo. Ver o pobre fica todo iracundo
Bebe, joga e se acaba num segundo
Este mote que escrevo no momento A cachaça será seu triste fim
Eu peguei de homem embriagado Jôgo, dança, cachaça e mulher ruim
Que bebia bastante apaixonado São as quatro misèrias dêste mundo
Sua vida era um mar de sofrimento
Sua casa era o véu do firmamento Vem o homem chegando de viagem
Já foi rico um primeiro sem segundo, A mulher pelas ruas passeando
Ao depois se virou num vagabundo Do marido com os outros fuxicando
Mulher falsa e cachaça foi seu fim E dando bolas pra tôda malandragem
Jôgo, dança, cachaça e mulher ruim
Um amigo lhe diz: tenha coragem
São as quatro misérias dêste mundo
Veja ali sua mulher com um vagabundo
Num namôro danado com Raimundo
Vive o homem num belo paraizo
O marido se arma e dar-lhe fim
Mas, se casa com uma criatura
Jôgo, dança, cachaça e mulher ruim
Fuxiqueira perversa e tão perjura
Que o pobre até perde o juizo São as quatro misérias dêste mundo.
Faz um ser criminoso outro indeciso
Vão cair num abismo tão profundo
Na cachaça e no jogo tão imundo
O dinheiro dos pobres leva fim
Jôgo, dança, cachaça e mulher ruim
São as quatro misérias dêste mundo

651
Quando o homem é bom de fora a fora No tal jôgo chegando um viajante
A mulher nunca dar o seu valor Perde tudo que tem do seu patrão
De acordo o que é merecedor O dinheiro, a pasta e o caminhão
Acustuma com outro ir se embora E depois fica êle agonisante
Mas o homem lhe segue sem demora Do patrão perdeu tudo num instante
Mata ela sangrada e o vagabundo Êle dar um gemido tão profundo
Depois ele medita num segundo Formecida êle bebe num segundo
A cachaça vai ser meu triste fim Já na ancia da morte diz assim:
Jôgo, dança, cachaça e mulher ruim Jôgo, dança, cachaça e mulher ruim
São as quatro misérias dêste mundo São as quatro misérias dêste mundo

Chega um homem na rua do vai quem quer No tal jogo chegando um bodegueiro
Vai num bar toma logo uma cachaça Que só vende banana açucar e pão
Com um arzinho de riso atraz de graça No baralho ele entrega o ladrão
Num momento aparece uma mulher Todo lucro que teve um ano inteiro
Logo a êle ela pede o que quizer E depois que perdeu o seu dinheiro
Porque êle é um astro tão fecundo Os ladrões dão um ponta-pé no fundo
Nunca fez o papel de um imundo Ele sai parecendo um vagabundo
Paga tudo e até êle ela dar fim Chega em casa a mulher lhe diz assim:
Jôgo, dança, cachaça e mulher ruim Jôgo, dança, cachaça e mulher ruim
São as quatro misérias dêste mundo São as quatro misérias dêste mundo

Em um jôgo chegando um cavalheiro No tal jôgo chega um pai de familia


Tem amigo colega e camarada Perde tudo que tem pra fazer feira
Tudo isto depois se torna em nada Seu dinheiro perdeu na ladroeira
No momento que acaba o seu dinheiro Chega em casa a mulher, filho e filha
Ninguem quer ser ali seu companheiro Dizem a êle: és estrela que não brilha
Cada um só lhe julga de imundo Fez agora um papel de vagabundo
Outros ali responde iracundo: A mulher diz a êle: bicho imundo
Sua presença não vale para mim Eu suponho que teu bofe é de Caim
Jôgo, dança, cachaça e mulher ruim Jôgo, dança, cachaça e mulher ruim
São as quatro misérias dêste mundo São as quatro misérias dêste mundo

652
No tal jôgo se ver o pau quebrar Ao depois de termina esta fulia
O demônio no meio está atiçando Gente morta furada e apanhada
Uns aos outros ali se esfaqueando Pra poder resolver esta parada
Muitas vêzes terminam em se matar Vão depressa para a delegacia
Quem matou na cadeia vai se parar Quem matou fica lá na inxovia
Quem morreu vai para o buraco fundo Quem morreu segue pro buraco fundo
Se acabou num abismo tão profundo É da dança que parte este oriundo
Os parentes chorando dizem assim Quem não dança de fora diz assim:
Jôgo, dança, cachaça e mulher ruim Jôgo, dança, cachaça e mulher ruim
São as quatro misérias dêste mundo São as quatro misérias dêste mundo

Pode o homem viver bem empregado Nunca hei de falar bem de cachaça
E gosar da mais pura confiança Contra amim me censure quem quizer
Mas, vivendo somente atraz de dança Nem pra homem e pior para mulher
E caído na rua embriagado Creio que ela é o símbolo da sem graça
Como um cão vive ele apedrejado Faz um pobre morrer em plena praça
Sendo um homem direito e tão fecundo Faz com que se transforme num imundo
Cai na rua igualmente a um vagabundo Faz o outro ficar nauzeabundo
Todo povo que passa diz assim: Um doutor, bacharel ou outro assim
Jôgo, dança, cachaça e mulher ruim Jôgo, dança, cachaça e mulher ruim
São as quatro misérias dêste mundo São as quatro misérias dêste mundo

No momento em que o moço entra na dança Um amigo de concideração


Pra dançar pega a moça ali na sala Quando toma a maldita aguardente
Nessa hora ela dar uma grande mala Vai falar cospe na cara da gente
Ele zanga e lhe bota o pé na pança Ainda pensa que tem tôda razão
E ali vira logo uma lambança Dá vontade de dar-lhe um impurrão
Contra ele vem Pedro e vem Raimundo Mas suporta por ser muito fecundo
Ele mete a pancada em todo mundo Ainda o bêbado lhe chama de imundo
Apanha João, Manoel, Paulo e Joaquim Puxa a faca o amigo quer dar fim
Jôgo, dança, cachaça e mulher ruim Jôgo, dança, cachaça e mulher ruim
São as quatro misérias dêste mundo São as quatro misérias dêste mundo

653
Sai um homem da roça para a feira Quando o homem vai cêdo para a praça
Ficam os filhos de fome se acabando No emprêgo vai êle trabalhar
Os pequenos com fome ali chorando A mulher se é da comida aprontar
Vem a mãe e os engana com uma asneira Vai e toma um bom copo de cachaça
O tal pai se danou na bebedeira Num momento já está tôda bebaça
Com Alfredo, Tomé, Pedro e Secundo Para casa ela volta num segundo
O que tem gasta la com vagabundo Deixa o fogo apagado e tudo imundo
Volta puro a mulher lhe diz assim: Quando chega o marido diz assim:
Jôgo, dança, cachaça e mulher ruim Jôgo, dança, cachaça e mulher ruim
São as quatro misérias dêste mundo São as quatro misérias dêste mundo

A mulher passa a roupa do marido Chega um homem em qualquer repartição


Para êle viver bem direitinho Com os amigos se senta palestrando
Êle veste uma bôa roupa de linho Quando vem a mulher lhe procurando
Toma pinga e no chão fica caido De tão bêbada tombando pelo chão
Quando volta pra casa è atrevido Faz com ele a maior esculhambação
Que a mulher chamou êle de imundo Chama ele de todo nome imundo
Já não passa de um grande vagabundo Ele tem um desejo tão profundo
Êle dar bofetada e quer dar fim De puxar o revolver e dar-lhe fim
Jôgo, dança, cachaça e mulher ruim Jôgo, dança, cachaça e mulher ruim
São as quatro misérias dêste mundo São as quatro misérias dêste mundo

Quem só vive em cima da cachaça Meus amigos aqui vou terminar


Pelas ruas bebendo e abusando Estes versos que aqui improvizei
Os meninos na esquina anarquisando Neste mote dum ébrio me inspirei
Todo povo de fora achando graça Se acaso o livrinho não agradar
Êle diz indecencia em plena praça Peço a todos para me desculpar
As familias reclamam aquele imundo Quem gostar e achar que é fecundo
Vão chamar a Policia e num segundo se defenda dum abismo tão profundo
Leva êle a cadeia e diz assim: deixe o vicio e comigo diga assim
Jôgo, dança, cachaça e mulher ruim Jôgo, dança, cachaça e mulher ruim
São as quatro misérias dêste mundo São as quatro misérias dêste mundo

654
A VASSOURA DE BRUXA NO SUL DA BAHIA

Montada numa vassoura Para comprar armamento


Uma velha no espaço Em tudo se preparar
Anda no Sul da Bahia Pra bolir com a filha alheia
Dizendo; Eu prometo e faço Depois não querer casar,
Nos frutos dos cacaueiros E gastar com advogado
Só vou deixar o fracasso. Para ninguèm lhe obrigar.

Não se lembram da Verdade Pagando o pobre operário


Muito menos de rezar Uma simples mincharia,
So confiando em cacau O pobre passando fome
Que muito dinheiro dar, Na semana todo dia,
Mas agora eu vim com ordem E pra receber o saldo
Para com ele acabar. Aí é que a gata mia.

O cacau nesta Bahia Porque muito fazendeiros


Tem dado muito dinheiro O saldo não quer pagar
Para festa escandalosa È preciso o operàrio
Para pagar pistoleiro Na cidade se queixar,
Pra tirar a vida do próximo Do Trabalho o Ministèrio
Tornando mais fazendeiro. Pra o fazendeiro intimar.

Pra comprar carro do ano Vem aquele fazendeiro


E nas estradas correr Para não sujar a barra,
Passar por cima dos pobres A Justiça do Trabalho
Sem meio de se defender, Naquele instante o agarra
Depois pagar advogado Faz pagar o operàrio
Para ninguèm lhe prender. Mas paga mesmo na marra.

655
Por isso eu venho mandada A Ceplac se uniu
Lá da casa da morrinha, Com homens do Sindicato
Para passar a Vassoura E atacaram esta bruxa
Nos cacauais desta linha Com armas de fino trato
As folhas ficam pra os donos Mas a Bruxa se defende
Mas as amêndoas são minhas Com ligereza de gato

Os fazendeiros se queixam Trezentos homens armados


Que o cacau nada deu, De botas e de podão
As folhas estão bonitas De estrovengas e foices
Mas o fruto apodreceu Cada qual com um facão,
Eu passo a Vassoura em tudo E a Bruxa deu a testa
Porque quem manda sou eu. Com a vassoura na mão.

E assim vive essa Bruxa A guerra continuando


Quer de noite ou de dia, Para a Bruxa dominar
Com a Vassoura na mão Fosse com sol ou com chuva
Causando grande agonia, Eles não podiam parar.
Para acabar o cacau E a TV Santa Cruz
Do Estado da Bahia. Anunciando no ar.

Nos cacauais de Uruçuca Também a TV Cabrália


Primeiro a Bruxa atacou, Dar a sua explicação,
Foi avisada a Ceplac Para dominar a Bruxa
Que contra ela se armou, Nesta nossa região,
Com as armas necessàrias Precisa muitos cruzados
Ela dali se mudou. Gastos de nossa Nação.

Saindo de Uruçuca Se domina a Bruxa aqui


Com sua vassoura fã, Mas ela pode mudar,
Das 5 horas da tarde Com sua negra Vassoura
Para as 5 da manhã, Vai para outro lugar,
Atacou os cacaueiros Ataca em outra fazenda
Das zonas de Camacã. Para poder se vingar.

656
Eu conheço um cidadão Sem o cacau nossa terra
Que um dia me contou Não poderá prosperar.
Que a Vassoura de Bruxa As construções na cidade
A roça d’ele atacou, Na certa tem que parar,
E ele usou uma tècnica Atè os ladrões vão embora
Que a Vassoura acabou. Por não achar o que roubar.

Limpou os pès dos cacaus Sem o cacau todas rádios


Para as folhas não ter Vão parar a programação,
Contácto com a madeira Á falta de propaganda
Tambèm a água correr Para nossa região,
Queimou pneus pela roça Vai fechar todos jornais
Defumou mesmo a valer. Tambèm a televisão.

Daí em diante os frutos Sem o cacau os Prefeitos


Nunca mais apodreceu Despacham o pessoal,
Carrega do pé as pontas Porque não entra dinheiro
De cada um galho seu, Do imposto predial
E a Vassoura de Bruxa Nem siquer taixa de feira
Em sua roça morreu. È um fracasso total.

Deus ajude aos fazendeiros Sem o cacau, todos bancos


Pra que venha aparecer São obrigados fechar,
Uma maneira que possa Para o povo não invadir
A lavoura defender E o dinheiro apanhar,
Queimar a Vassoura, e a Bruxa Pois atè mesmo a policia
Botar ela pra correr. Não empata carregar.

Sem cacau o operário Sem o cacau, todas lojas


Aqui não pode viver Se ver logo o fechamento,
Os vendedores nas feiras Pois ninguém compra mais nada
Nada mais podem vender Fica tudo em sofrimento,
A classe pobre é arriscado E temendo uma invazão
Atè de fome morrer. Ou mesmo um drama sangrento

657
Sem o cacau, na cidade Esta tècnica que um roceiro
Muita gente perde o nome, Descobriu em Uruçuca,
A luz dos postes se apaga Deve ser posta em prática
Fica entregue ao lubisome, Deixando a tècnica caduca
E cemitério não cabe Pra todos se defender
Tantos que morrem de fome Dessa Vassoura maluca.

Portanto vamos pedir Defumar os cacauais


A Deus pra nos ajudar Com fumaça de pneus
Que a Ceplac descubra Pode correr com a Bruxa
Um meio para pegar E os maus pensamentos seus
A Bruxa tomar a Vassoura Pode ser uma vitòria
Botar no fogo e queimar. Ou uma ajuda de Deus.

FIM

Itabuna 28 de 2 de 1660 (sic) = 1990

658
IMPRENSA UNIVERSITÁRIA

Impresso na gráfica da UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ - Ilhéus-BA

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