A Modernizacao Urbana Do Centro de Vitoria ES Cons
A Modernizacao Urbana Do Centro de Vitoria ES Cons
A Modernizacao Urbana Do Centro de Vitoria ES Cons
74 • GEOGRAFARES, nº 6, 2008
então enorme: num curto espaço de tempo, Com o desmonte do berço histórico da
outras cidades deram início a seus ciclos cidade, praticamente desapareciam todos
de reformas, todas centradas no tripé os marcos da fundação do Rio e do seu
sanitarismo-circulação-estética” (Abreu, primeiro século de existência, além de
2001, p. 41). uma enorme e tradicional área residencial”
(Silveira, 1998, p. 13). O prefeito Carlos
Essa questão da modernização urbana Sampaio “[...] empreende o arrasamento
proporcionada pelas reformas realizadas do Morro do Castelo, justificando-o pela
em várias cidades e iniciadas nas primeiras melhoria das condições de aeração e
décadas do século XX, coincide com as higiene” (Rezende, 1999, p. 50).
transformações urbanas no próprio Centro
das cidades, conforme podemos observar A capital paulista, a partir das primeiras
na passagem abaixo, extraída de Campos décadas do século XX, também foi
(2004, p. 7): marcada pelo mesmo processo de
modernização urbana que modificou
Os núcleos antigos, que seguiam reunindo profundamente a cidade do Rio de
atividades administrativas, comerciais e Janeiro, e em particular o seu centro.
religiosas, passavam, a partir do final do
Durante a primeira gestão da prefeitura
século XIX, a exercer o papel de centro da
de São Paulo no século XX, é possível
cidade. Ao mesmo tempo em que deixavam
de ser preferidos para uso residencial verificar como a questão da modernização
pelas camadas sociais privilegiadas, suas da cidade tornou-se fundamental para o
casas antigas, subdivididas como cortiços, prefeito Antônio Prado. “Durante a sua
passavam a abrigar a população mais longa administração (1899-1910), vários
pobre. Assim estabeleceram-se os temas
melhoramentos urbanos e a política de
da diferenciação e da deterioração, que
maquiagem embelezadora da cidade
balizariam a partir de então a trajetória
das áreas centrais nas cidades brasileiras. foram concretizados” (Moraes, 1994, p.
Percebe-se como a temática do centro, que 52). Em outro trabalho, Campos (2003,
propiciava a multiplicação dessas expressões, p. 4) sintetiza o que ocorreu com o
se impunha com as reformas urbanísticas da centro principal paulistano, no período
época: a Avenida Central e a Reforma Passos,
que caracterizou como sendo o de sua
no Rio de Janeiro, e as obras de remodelação
formação, ou seja, de 1870 a 1930:
da área central, em São Paulo.
GEOGRAFARES, nº 6, 2008 • 75
(1889) e no decorrer das primeiras décadas estudo sobre o urbanismo modernizador
do século XX. Souza (1999, p. 85) aponta e a modernização da cidade de Natal –
que “[...] a república, de maneira geral, aponta que as obras desse plano “[...]
marcou uma nova fase para as cidades pretendiam superar o seu passado
brasileiras e, em especial, para as cidades colonial símbolo de atraso para as suas
gaúchas”. A autora, em seu trabalho sobre elites, retirando-a do século XVIII e
a cidade de Porto Alegre, descreve que colocando-a no século XX” (p. 2). Para
a capital do Estado foi administrada de esta autora esse Plano “[...] transformou-
1897 a 1924 pelo mesmo governante, José se no símbolo maior das intervenções
Montaury de Aguiar Leitão. Conforme urbanísticas durante as três primeiras
Souza (1999, p. 86), o referido governante décadas do século XX” (p. 06). A cidade
“[...] articulou uma política de reformas de Salvador – no período estudado
visando adequar a cidade aos novos por Almeida (2000) que compreende
tempos”, pois “[...] a cidade tinha que a República Velha (1890-1930) – foi
parecer moderna, estava no ideário da fortemente influenciada pelo discurso
época”. Para atingir tais objetivos o higienista, que acabou sendo responsável
prefeito “[...] contratou a elaboração do pelo processo de modernização do
primeiro plano de urbanismo da cidade, seu espaço urbano. Esse discurso é
o chamado ‘Plano de Melhoramentos’, propagado pelo desenvolvimento da
concebido em 1914 pelo engenheiro- medicina social que pretende, através de
arquiteto João Moreira Maciel, tendo intervenções urbanas, “sanear” a cidade.
como uma de suas principais preocupações “A construção da cidade moderna, ou
os trabalhos de reforma e ampliação do pelo menos, de uma imagem moderna
porto” (p. 86). da cidade, é moldada, assim, sobre o
discurso médico que ora, implícita, ora
É importante frisar que não foram somente as explicitamente, informa a ação do Estado
cidades das regiões Sudeste e Sul do país que sobre o espaço urbano” (Almeida, 2000,
conheceram o processo de modernização em p. 05).
seus espaços urbanos. No Nordeste algumas
cidades – principalmente as capitais estaduais A Revolução de 1930 representou uma
– também foram marcadas por esse processo. nova fase de transformações nas cidades
O trabalho de Moreira (1999, p. 142) mostra brasileiras. “Com a instauração do novo
que “[...] a exemplo do que ocorreu nas regime, e com a afirmação do novo pacto
principais capitais brasileiras, o Recife passou de forças que ele trouxe, as cidades e as
por uma ampla reforma urbana que resultou populações urbanas assumiram um grau
na remodelação completa do bairro portuário, de importância nunca antes verificado”
denominado Bairro do Recife, entre 1909 e (Abreu, 2001, p. 44). Esse autor, em
1914”. Mais à frente o autor segue dizendo outro trabalho em que propôs pensar
que “[...] esta intervenção procurou extirpar a cidade no Brasil do passado, lembra
a imagem do Recife como cidade colonial e que foi na “[...] organização interna das
prover uma imagem de cidade bela, próspera cidades, e especialmente das grandes
e civilizada” (p. 143). cidades, que as mudanças foram mais
rápidas e mais gritantes” (Abreu, 1996,
Na cidade de Natal (RN) também ocorreu p. 175). Já Leme (1999), em seu estudo
– principalmente na década de 1920 – um comentado anteriormente, destaca que o
significativo processo de modernização período entre 1930 a 1950 é marcado pela
urbana, destacadamente na gestão do elaboração de planos “[...] que propõem a
prefeito Omar O´Grady (1924-1930), articulação entre os bairros, o centro e a
quando é implementado o Plano Geral extensão das cidades através de sistemas
de Sistematização em 1929. O trabalho de vias e sistemas de transportes” (p. 25).
Eduardo Rodrigues Gomes
de Ferreira (1999) – que propôs um
76 • GEOGRAFARES, nº 6, 2008
No caso da cidade de São Paulo, Silva decide pela aceitação de suas propostas
(2004, p. 7) observa que “[...] o período com modificações”. Em 1930, a primeira
de 1930 a 1945 foi crucial não só pelo comissão do Plano da Cidade é criada,
volume de obras empreendidas, mas mas sendo em 1931 “[...] extinta pelo
também porque essas obras delinearam Prefeito Pedro Ernesto ao mesmo tempo
o modelo de desenvolvimento urbano que o Plano Agache é descartado” (p. 2).
adotado pela cidade, nas décadas É somente no início da gestão do prefeito
seguintes”. E o exemplo maior desse Henrique Dodsworth em 1937, que a
modelo, caracterizado pelas obras comissão do Plano da Cidade é recriada.
na estrutura urbana (com destaque O objetivo do plano é a modificação do
para o sistema viário) é o Plano de Centro da cidade,
Avenidas, realizado na gestão do prefeito
Prestes Maia (1938-1945). Para Silva [...] pelo estabelecimento racional de outras
(2004, p. 8) “[...] Prestes Maia era vias que, traçadas respeitando o sistema em
xadrez, permitiriam resolver os problemas
totalmente alinhado com os ideais de
de tráfego. A urbanização da área do Morro
desenvolvimento urbano rodoviarista, do Castelo é retomada nessa época, e seu
expansionista e liberalizante em relação desmonte é finalmente concluído. [...] Junto
aos interesses da promoção imobiliária”. com a urbanização do Castelo, a Comissão
Na visão de Leme (1992, p. 74) o do Plano da Cidade marca, no centro da
objetivo central de Prestes Maia era “[...] cidade, uma das obras que melhor reflete
a capacidade de execução da Prefeitura à
formular o projeto da cidade moderna,
época, a abertura da Av. Presidente Vargas
industrial. Do Plano de Avenidas emerge (REZENDE E ALVES, 2004, p. 6-7).
a cidade fluidez, da comunicação. Nela o
automóvel ganha e domina o espaço da Na passagem abaixo podemos perceber
cidade”. É importante frisar que as obras o significado da abertura da Avenida
de Prestes Maia estavam focadas na área Presidente Vargas – inaugurada em 1944
central de São Paulo, conforme podemos – para o Rio de Janeiro:
perceber nas palavras de Diêgoli (1999,
p. 44): “A grande quantidade de novos Na década de 1940, na administração do
projetos para a área central da cidade de prefeito Henrique Dodsworth - que abrangeu
São Paulo comprova que Prestes Maia todo o período do Estado Novo (1937-1945)
não pensava em criar um novo centro; - quando a população do Rio de Janeiro
já ultrapassava 1.700.000 habitantes,
ao contrário, por meio dos projetos
outra profunda intervenção urbana abriu
demonstra sua intenção de reafirmar uma via monumental de acesso ao centro:
a importância dessa região como o a Avenida Presidente Vargas. Mais uma
‘coração’ da cidade”. obra de inspiração haussmaniana, mais
uma evidência de uma política urbana
O pós-1930 também modificou o espaço nitidamente intervencionista, a construção
da Presidente Vargas, acarretou a derrubada
urbano da capital do país (Rio de
de uma seqüência de quarteirões antigos
Janeiro), principalmente no período do e centenas de casas e prédios (SILVEIRA,
Estado Novo (1937-1945). É importante 1998, p. 13).
comentar que no final da década de 1920
o urbanista francês Donat Alfred Agache Outras cidades brasileiras, além de São
foi contratado para desenvolver o Plano Paulo e Rio de Janeiro, foram marcadas
de Remodelação e Embelezamento da entre 1930 a 1950 por transformações
cidade (o Plano Agache). Mas Rezende urbanas relevantes, em função de
e Alves (2004, p. 02) apontaram que planos elaborados nesse período. Em
“[...] a conclusão do Plano Agache Porto Alegre, na gestão do prefeito A modernização urabana
coincide com a Revolução de 30 e a José Loureiro da Silva (1938-1943), do centro de Vitória(ES):
considerações preliminares sobre
descontinuidade administrativa acarreta é desenvolvido o Plano de Diretor ou a Geografia do passado de uma
cidade
a sua avaliação por uma comissão que
GEOGRAFARES, nº 6, 2008 • 77
2 - “The Growth of the City: de Urbanização pelo arquiteto Arnaldo clássicos que apesar de não analisar
Na Introduction to Research
P r o j e c t ” , Publication of the
Gladosh, “[...] que havia trabalhado com especificamente a Área Central dessas
American Sociological Society, 18 Agache na elaboração do plano do Rio de cidades, são contribuições pioneiras na
(1924), pp. 85-97. Janeiro, em 1930” (Souza, 1999, p. 94). geografia. O primeiro é o trabalho de
3 - “Centrifugal and centripetal Na cidade de Natal, em 1935, é elaborado Charles C. Colby 3 de 1933, que analisou
in urban geography”. In: pelo escritório de Saturnino de Brito o como dois tipos de forças (centrífugas e
Mayer, H. & Kohn, C. F.
(Orgs.) Readings in urban Plano Geral de Obras, que “[...] abrangia centrípetas) interferem na constituição
geography. Chicago. The aspectos relacionados ao abastecimento dos padrões de organização interna
University of Chicago Press,
1933. d’água, esgotamento sanitário, anteprojeto da cidade. O trabalho de Malcolm
de melhoramentos urbanos e aberturas de J. Proudfoot4 é outra contribuição
4 - ”City Retail Structure”. In: In:
Mayer, H. & Kohn, C. F. (Orgs.)
avenidas e construção de praças” (Costa, fundamental elaborado pela geografia
Readings in urban geography. Chicago. 2000, p. 63). Já a cidade de Recife, nas urbana norte-americana na década de
The University of Chicago Press, 1958. décadas de 1930 e 1940 “[...] foi objeto de 1930. “Malcolm Proudfoot foi o pioneiro
(publicado originalmente em Economic
Geography, XIII, October, 1937, Clark uma série de estudos, planos, pareceres e no estudo dos padrões gerais do comércio
University, Worcester, Mass). formulações do urbanismo moderno, em de varejo e dos serviços dentro das áreas
5 - “Delimiting the CBD”. Economic suma, foi objeto de um discurso específico urbanas” (Mayer, 1976, p. 89). O estudo
Geography, 1954, 30(3). sobre a questão urbana que procurava de Malcolm Proudfoot, realizado em
6 - Horwood, E. M. & Boyce, R. R. conduzi-la à tão almejada modernidade” nove cidades norte-americanas, propôs
Studies of the central business district (Moreira, 1999, p. 153). uma classificação da estrutura varejista
and urban freeway development.
em cinco tipos considerados ideais:
Seattle, University of Washington,
1959. Outra questão teórica, além do processo de Distrito Central de Negócios (Central
modernização urbana, é pertinente de ser Business District), Centro Periférico de
discutida no presente trabalho. Trata-se do Negócios, Eixos Principais de Negócio
conceito de Área Central. e Rua do Comércio do Bairro, e Grupo
de Lojas Isoladas.
Esse conceito é um tema relevante dentro
da análise epistemológica da geografia Conforme ressalta Motta (2001, p. 9)
urbana, mas é importante esclarecer “[...] o primeiro artigo preocupado
que os estudos pioneiros relacionados exclusivamente com a área central é de
à Área Central têm origem na Escola 1954”, trata-se do trabalho de Raymond
de Chicago, corrente da sociologia Murphy e James Vance 5 que tinha como
urbana norte-americana, na década principal preocupação à delimitação do
de 1920. Dentre esses mencionamos distrito central de negócio da Área Central
o estudo de Ernest W. Burguess 2 de da grande cidade norte-americana. Um dos
1923, sobre as zonas concêntricas, na atributos fundamentais observados nos
qual propõe uma classificação, para as estudos sobre esse tema está relacionado
cidades norte-americanas, pautada em com a sua segmentação em: núcleo
cinco zonas: Distrito Comercial Central, central, também conhecido como core,
Zona de Transição, Zona Residencial ou Central Business District (CBD); e a
Independente, Zona de Boas Residências, zona periférica do centro, também conhecida
Zonas dos Rotinizadores (Burgess 1923, como frame, zona em transição ou zona de
apud Schnore, 1976). obsolescência.
84 • GEOGRAFARES, nº 6, 2008
2001. 161 f. Dissertação (Mestrado em FREITAS, J. F. B. Aterros e decisões políticas
Arquitetura) – Faculdade de Arquitetura, no município de Vitória: efeito cascata. In:
Universidade Federal de Minas Gerais, SEMINÁRIO DA HISTÓRIA DA CIDADE E
Belo Horizonte, 2001. DO URBANISMO, 8, 2004, Niterói. Anais...
Niterói: UFF, 2004, 1 CD-ROM.
CAMPOS, C. M. Construção e
desconstrução do centro paulistano. In: GONÇALVES, C. S.; PRADO, M. M.
ENCONTRO NACIONAL DA ANPUR, Viver Vitória: proposta para o resgate da
10, 2003, Belo Horizonte. Anais... Belo identidade cultural da cidade por meio da
Horizonte: ANPUR, maio, 2003. 1 CD- ROM, memória. 1995. 260 f. Projeto de Graduação
ST4. – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo,
Universidade Federal do Espírito Santo,
______. Da praça à centralidade: evolução
Vitória, 1995.
da idéia de centro na cidade brasileira.
In: SEMINÁRIO DA HISTÓRIA DA GONRING, R. Cidade e Porto: café e
CIDADE E DO URBANISMO, 8, 2004, minério na configuração dos limites urbanos de
Niterói. Anais... Niterói: UFF, 2004, 1 CD- Vitória. 2003. 105 f. Monografia (Graduação)
ROM. – Departamento de Geografia, Universidade
Federal do Espírito Santo, Vitória, 2003.
CAMPOS JR, C. T. O capitalismo se
apropria do espaço: a construção civil em LEME, M. C. da S. A formação do
Vitória. 1993. 219 f. Tese (Doutorado em pensamento urbanístico no Brasil, 1895-
Arquitetura) – Faculdade de Arquitetura e 1965. In: LEME, M. C. da S. (Org.).
Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Urbanismo no Brasil. 1895-1965. São Paulo:
Paulo, 1993. Studio Nobel, FUPAM, 1999. p. 20-38.
ABSTRACT:
At the end of the first decade (government
Jerônimo Monteiro) of the twentieth
century are beginning Centre in its
urbanization, which changed its colonial
characteristics with changes in spatial
organization of the urban core of the
city. The decade of 1920 is another
period marked by significant changes
in the urban centre, with emphasis
on the administration of Florentino
Avidos. At the end of the decade of
1940 is formulating the plan Agache
which proposed a large landfill in the
Bay of Victoria, which has resulted
only the early 1950, the government
of Jones dos Santos Neves. From that
landfill materialized up the process
of verticalization of the Centre,
consolidating it with the formation of
the Central Area of Victoria.
A modernização urabana
do centro de Vitória(ES):
considerações preliminares sobre
a Geografia do passado de uma
cidade
GEOGRAFARES, nº 6, 2008 • 87