Nascimento, 2009 (Pos-Critica)
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RESUMO
O presente texto tem como objetivo analisar algumas questões sobre a formação de professores/
as e educadores/as, articulando as principais tendências/concepções do campo de atuação
profissional, com as principais vertentes filosóficas, inseridas nas discussões contemporâneas da
modernidade e pós-modernidade. Assim, são apresentadas quatro vertentes em relação à formação
de professores/as e as tendências da Educação Ambiental. Para isso, uma incursão na trajetória da
Educação Ambiental é apresentada, a fim de entender essa trama entre as concepções filosóficas
e as tendências com as quais nos deparamos diariamente nos espaços formativos e informativos.
Dessa forma, no sentido de situar a Educação Ambiental, bem como a inserção dos educadores/as
ambientais como sujeitos militantes e engajados, é que apresento algumas das bases conceituais,
que orientam suas escolhas teórico-metodológicas e práticas.
PALAVRAS-CHAVE
Então, a crise do paradigma dominante efervescência nos anos 90. Sua proposta está
tem, como atravessamento, a turbulência inserida em uma “[...] nova epistemologia da
profunda no modelo da racionalidade cognitivo- prática voltada ao conhecimento profissional”
instrumental. Segundo Santos (1988), tal (CARVALHO, 2002, p. 24), em que sua linha
racionalidade científica passa por um período de pensamento está direcionada à reflexão na
de instabilidade irreversível, de forma que é a ação, num movimento recursivo (ação-reflexão-
partir da Modernidade que se irá transcender a ação), em que se valoriza muito mais o pensar
própria Modernidade. na ação, a fim de repensar as estratégias. Assim,
Essa tendência que considera a prática
Nesse sentido, os paradigmas moderno pedagógica fundamental para a formação do/a
e pós-moderno (dominante e emergente professor/a reflexivo/a e pesquisador/a não
respectivamente), segundo Carvalho (2002, a articula com outros contextos formativos,
p. 21), “[...] influenciam na atualidade as como a formação inicial ou mesmo o contexto
político (TRISTÃO, 2007b, p. 4).
tendências/concepções sobre o professor
como profissional”. A autora apresenta quatro Já o profissional crítico é aquele inserido
tendências e propostas, dentro dessa perspectiva no engajamento das decisões políticas, de
transitória: 1) o professor/a como profissional forma a intervir nas práticas pedagógicas
competente; 2) como profissional reflexivo; 3) e desencadear a construção de uma nova
como profissional orgânico-crítico; e 4) como realidade. Essa tendência vê esse professor/a
profissional pós-crítico. Tristão (2007) faz uma como um intelectual orgânico, que é uma idéia
articulação dessas tendências com a Educação defendida por Antônio Gramsci, e a pedagogia
Ambiental. crítica se faz presente nessa vertente.
ambiente escolar e não escolar brasileiro. Essa Educação Ambiental Complexa, Educação
inserção tem como campo de possibilidades as Ambiental Para a Sustentabilidade, dentre
recomendações emergentes de conferências, tantas outras que tenho presenciado e que são
dos fóruns e demais espaços de deliberação, apresentadas e defendidas por diversos autores.
articulação e produção de saberes que se Segundo Layrargues (2004), essa diversidade
propõem a discutir as questões ambientais e a de nomes retrata um momento da sociedade em
proposição de políticas públicas. que há necessidade de ressignificar os sentidos
identitários e fundamentais dos diferentes
Se fizermos uma análise da trajetória da posicionamentos político-pedagógicos.
Educação Ambiental no Brasil, observando as
crescentes discussões em torno da inserção da Todas essas nomenclaturas também
dimensão ambiental na educação, perceberemos evidenciam que a Educação Ambiental está em
que, como na pesquisa realizada por Samyra construção e se auto-organizando historicamente,
Crespo, do Instituto de Estudos da Religião sendo seu enfoque nas práticas educativas
(ISER).30 Essa temática já está, de alguma relacionadas com a questão ambiental. Todo
forma, presente no cotidiano do brasileiro, mas esse processo de ressignificação faz parte da
é claro que existem fragilidades em relação à construção desse campo epistemológico que,
forma como está sendo realizada nos diversos sendo uma dimensão da educação, também
contextos formativos e espaços/tempos – apresenta muitas de suas tendências.
na associação de moradores, na escola, na
cooperativa de agricultores, pescadores, etc. Assim, Tristão (2004), ao abordar a
sustentabilidade, faz um resgate sócio-histórico
Tais fragilidades estão, conforme da construção do campo epistemológico da
Guimarães (2004) nos fala, intrinsecamente Educação Ambiental, mencionando Sorrentino
relacionadas com o atual modelo civilizatório, (1995), no que diz respeito às diversas
e os contextos formativos não são, de forma classificações das “[...] educações ambientais
alguma, neutros. Ao contrário, estão de alguma como a: conservacionista, educação ao ar
maneira contribuindo para essa hegemonia (de livre, gestão ambiental e economia ecológica”
racionalidade-instrumental), objetivando-a com (SORRENTINO, 1995, apud TRISTÃO,
fins conteudistas e informativos e não numa 2004, p. 57). A autora acrescenta que essas
educação emancipatória e crítica. denominações se apresentam a partir de duas
grandes bases em que a Educação Ambiental
Dessa forma, no sentido de situar a foi construída: o ambientalismo e a militância.
Educação Ambiental brasileira, bem como a Logo, as mais diversas tendências de Educação
inserção dos educadores/as ambientais como Ambiental têm como base ora a militância ora o
sujeitos militantes e engajados, apresento ambientalismo ou os dois conjuntamente.
algumas das bases conceituais, que orientam
suas práticas teórico-metodológicas. Carvalho (2004) afirma que os que
convivem com a Educação Ambiental podem
A Educação Ambiental tem sido o centro constatar a surpreendente diversidade sob
de muitas discussões, a começar por suas o guarda-chuva dessa denominação. Sendo
diversas nomenclaturas como: Ecopedagogia, assim, a leitura de alguns autores/as sobre
Alfabetização ecológica, Educação Ambiental as tendências da Educação Ambiental e da
Crítica, Emancipatória, Transformadora, profissionalização da formação do professor
fizeram com que eu as dividisse, para fins
didáticos, em três grandes “guarda-chuvas”:
30 Pesquisa realizada por Crespo, intitulada “O que o brasileiro tradicional, crítica e pós-crítica. Esclareço
pensa do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável”.
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que meu intuito não é delimitar uma fronteira Educação Ambiental? Quem é esse público?
entre tais tendências, até porque essa “linha” é Que fundamentos teórico/práticos estão falando
tênue e ora estamos/somos inspirados por uma para esse receptor?
tendência, ora estamos/somos por outra, porque
somos praticantes e encarnados nesse processo Conforme Ellsworth (2001), há uma
dinâmico e permanente que é a construção relação entre o que está do lado de “fora” (nos
do conhecimento e de nossa identidade. cursos de formação, os materiais didáticos, os
Além disso, , neste trabalho, usei três grandes filmes socioambiental-educativos, os encontros,
vertentes, conforme mencionado, para situar a os eventos, etc. e o que está na “psique humana”
Educação Ambiental a partir delas. (p. 12), o que está dentro de cada sujeito, numa
relação em que “[...] há uma necessidade de
endereçar uma comunicação para alguém”
(p. 24). Nesse sentido, trarei as tendências
EDUCAÇÃO AMBIENTAL E SEUS da Educação Ambiental tecidas durante esta
ENDEREÇAMENTOS pesquisa.
Essa perspectiva é simplista, pois não O importante para essa vertente não é
leva em consideração a complexidade da pensar processos educativos que associem a
sociedade, mas, dá importância à soma das mudança pessoal à mudança societária como
ações individuais, lembrando o famoso jargão: pólos indissociáveis na requalificação de nossa
Cada um fazendo a sua parte! Nessa linha de inserção na natureza e na dialetização entre
pensamento, a relação sociedade/natureza, de subjetividade e objetividade; mas sim pensar
acordo com Tristão (2007), é abordada de forma na transcendência integradora, a transformação
comportamentalista, dualista e reducionista. da pessoa pela ampliação da consciência que
rebate nas condições objetivas, como caminho
Uma Educação Ambiental único para se obter a união com a natureza e
conservacionista resulta dessa perspectiva, para reencontrar uma essência pura que ficou
na qual a ênfase na conservação da natureza, perdida em nossa objetivação na história.
com medidas desde alarmantes a pontuais, faz
com que as questões ambientais sejam vistas Esses aspectos levantados por Loureiro
e tratadas como um problema ecológico, não resultam na ênfase na dimensão individual
considerando, de certa forma, as dimensões (as vivências práticas de sensibilização são
bastante recorrentes), fazendo com que o sujeito
social, econômica, ética, política e cultural. O
não compreenda a sua relação com o meio
sujeito praticante dessa tendência se aproxima
ambiente, com os outros sujeitos e consigo
dos técnicos e educadores/as dedicados aos
mesmo. Além disso, como podemos observar,
aspectos ecológicos preservacionistas e
a Educação Ambiental é entendida como um
conservacionistas.
ato comportamental e pouco relacionado com
Loureiro (2004), ao abordar a questão o coletivo. Dessa forma, fica comprometida
da Educação Ambiental no Brasil, faz uma a “[...] problematização e transformação da
reflexão muito pertinente sobre como a realidade da vida, despolitizando a práxis
educativa” (LOUREIRO, 2004, p. 80).
tendência tradicional influenciou, de certa
forma, o movimento ambientalista, em que Em suma, essa vertente de Educação
os sujeitos militantes não tinham percepção Ambiental
da Educação Ambiental como um processo
[...] não contempla a perspectiva da educação
educativo, resultante de um movimento se realizar no movimento de transformação
histórico. Isso contribuiu para uma prática do indivíduo inserido num processo
descontextualizada e voltada para a resolução coletivo de transformação da realidade
de problemas ambientais, mas apenas de ordem socioambiental como uma totalidade dialética
em sua complexidade. Não compreende que
física e biológica. a educação é relação e se dá no processo
e não, simplesmente, no sucesso da
Assim, os aspectos social, econômico, mudança comportamental de um indivíduo
cultural e político, em geral, não fazem parte (GUIMARÃES, 2004, p. 27).
da agenda de ações nessa perspectiva, e o seu Outra perspectiva, que contribui para a
ponto de equilíbrio está no indivíduo, a fim de superação dessa visão dicotômica e simplista
que alcance sua condição como ser humano das questões ambientais, é a que recebe
harmônico e integral. Cabe ao ato educativo as denominações de Educação Ambiental
ser o eixo para a mudança de comportamento Crítica, Emancipatória e Transformadora. Eu
compatível com um determinado padrão as denomino como transgressoras da lógica
idealizado de relações coerentes entre sociedade dominante e coloco sob o guarda-chuva que
e natureza. Segundo Loureiro (2004, p. 80),
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tem como eixo a Teoria Crítica,32 cuja dimensão de sua história, agindo e refletindo sobre a sua
educativa carrega como premissa uma crítica realidade e transformando-a. Loureiro (2004, p.
à sociedade de consumo e à racionalidade 81) acredita que essa tendência:
instrumental.
Baseia-se no princípio de que as certezas
Em relação à teoria e prática, há um são relativas; na crítica e autocrítica constante e
movimento dialético, que considera as ciências na ação política como forma de se estabelecer
e os valores culturas interligados. No tocante à movimentos emancipatórios e de transformação
crítica à ciência, é revolucionária, porque visa social que possibilitem o estabelecimento de
à superação da idéia dicotômica entre sujeito novos patamares de relações na natureza.
e objeto. Essa tendência tem como objetivo o
desvelamento da realidade, inserindo o processo Dessa forma, ela é vista como uma
educação transformadora da realidade, por
educativo nela. Além disso, contribui para a
meio de ações individuais e coletivas. Portanto,
transformação da sociedade contemporânea, de
busca redefinir o modo como nos relacionamos
forma questionadora, no âmbito sociopolítico.
conosco, com o meio ambiente e com os
Para Loureiro (2004, p. 66-67), o contexto outros sujeitos, num movimento de diálogo
formativo dessa vertente no Brasil se dá a partir e compreensão dessas dimensões, de forma
de uma matriz em que a educação é vista como um interconectada.
elemento de transformação social, ocorrendo de Outro aspecto relevante dentro dessa
forma integrada e desencadeando mudanças de perspectiva é quanto aos procedimentos
valores e atitudes com ação política. Para isso, o metodológicos, que têm na “[...] participação
sentimento de indignação, quanto às formas de e no exercício da cidadania princípios para a
dominação do capital, tem que estar presente, a definição democrática” (LOUREIRO, 2004, p.
fim de que os sujeitos compreendam a dinâmica 82), em relação às práticas sustentáveis, à nossa
organizacional complexa da sociedade, por sobrevivência e à do planeta, historicamente
meio, também, do exercício da cidadania. situado.
Nesse sentido, pensar a Educação Pensar a educação como transformadora
Ambiental nessa tendência é tratá-la como é admiti-la como práxis social, desenvolvendo
sendo originária das Pedagogias críticas e uma abordagem multidimensional e integradora
emancipatórias. Muitos autores/as e educadores/ dos problemas sociambientais, entendendo
as ambientais trabalham dentro dessa esse processo educativo como um processo
perspectiva. Assim, a Educação Ambiental libertador (sair do processo que Paulo Freire
crítica (transformadora, emancipatória e denominou de Pedagogia bancária, para a
libertadora) tem pontos de destaque na educação, Pedagogia questionadora e reflexiva).
como processo permanente, coletivo e inserido
no cotidiano, sendo os sujeitos construtores A construção de um projeto político
fundamentado nessa concepção de Educação
Ambiental, segundo Carvalho (2004, p. 18),
32 A Teoria crítica está vinculada às reflexões e formulações
“[...] seria o de contribuir para uma mudança de
produzidas pela conhecida Escola de Frankfurt “[...] ela foi valores e atitudes, contribuindo para a formação
criada por um grupo de intelectuais, com o objetivo de contribuir do sujeito ecológico”, em que a prática educativa
com pesquisas que permitissem a compreensão crítica e global
da sociedade contemporânea. Para isso, se utilizou da teoria
esteja fundamentada na formação desse sujeito
e do método dialético formulado por Karl Marx em diálogo praticante individualmente e socialmente e
com outros pensadores, dentre eles Weber, Hegel e Freud, em situado historicamente. Por fim, Lima (2004, p.
busca da construção de uma visão integradora de ciência e 104) traz contribuições relevantes em relação a
filosofia e de uma atuação transformadora das relações sociais”
(LOUREIRO, 2005, p. 325). essa tendência.
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