Nascimento, 2009 (Pos-Critica)

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EDUCAÇÃO AMBIENTAL E FORMAÇÃO DE PROFESSORES/AS E EDUCADORES/


AS AMBIENTAIS A PARTIR DAS VERTENTES: TRADICIONAL, CRÍTICA E PÓS-
CRÍTICA

RIBEIRO, Flávia Nascimento29

RESUMO

O presente texto tem como objetivo analisar algumas questões sobre a formação de professores/
as e educadores/as, articulando as principais tendências/concepções do campo de atuação
profissional, com as principais vertentes filosóficas, inseridas nas discussões contemporâneas da
modernidade e pós-modernidade. Assim, são apresentadas quatro vertentes em relação à formação
de professores/as e as tendências da Educação Ambiental. Para isso, uma incursão na trajetória da
Educação Ambiental é apresentada, a fim de entender essa trama entre as concepções filosóficas
e as tendências com as quais nos deparamos diariamente nos espaços formativos e informativos.
Dessa forma, no sentido de situar a Educação Ambiental, bem como a inserção dos educadores/as
ambientais como sujeitos militantes e engajados, é que apresento algumas das bases conceituais,
que orientam suas escolhas teórico-metodológicas e práticas.

PALAVRAS-CHAVE

Educação Ambiental. Formação. Tendências filosóficas.

INTRODUÇÃO Segundo a autora, no processo de


transição paradigmática em que vivemos
Neste artigo abordarei a concepção (da Modernidade à Pós-Modernidade), não
(ou concepções) de Educação Ambiental, há um hiato na formação dos profissionais
tomando como ponto de partida as bases do da educação; ao contrário, coexistem alguns
pensamento filosófico presentes nas vertentes desafios, que são inseridos em sua formação,
das teorias: Tradicional, Crítica e Pós- como aqueles presentes nos princípios
crítica. A intenção é articular essas vertentes do paradigma dominante, como a “[...]
às tendências que influenciam a formação racionalidade cognitivo-instrumental, que se
de professores/as, a Educação Ambiental e a apresenta atrelada ao princípio do conhecimento
formação dos educadores/as ambientais. Para regulação/dominação do Estado e do mercado”
isso, fundamentei-me em Carvalho (2002), (CARVALHO, 2002, p. 16), mas, também,
que aborda o processo formativo dos docentes, nesse momento transitório, há a instauração de
engendrado nas perspectivas do pensamento outro paradigma, que Santos (2000) chama de
sócio-histórico e filosófico. emergente, contrário ao paradigma dominante.

O autor nos diz que o paradigma


emergente pressupõe um conhecimento
científico (paradigma de um conhecimento
29 Educadora Ambiental; Graduada em Pedagogia e Especialista
em Educação pela UFES; Mestre em Educação e Doutoranda em prudente), mas é concebido em comunhão
Educação na linha de pesquisa Cultura, Currículo e Formação com o paradigma social (para uma vida
de educadores/as. Atua no Núcleo interdisciplinar de Pesquisa decente), promovendo uma interlocução entre o
e Estudos em Educação (NIPEEA), da UFES. E-mail: fnrflu@
yahoo.com.br conhecimento científico e o social.
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Então, a crise do paradigma dominante efervescência nos anos 90. Sua proposta está
tem, como atravessamento, a turbulência inserida em uma “[...] nova epistemologia da
profunda no modelo da racionalidade cognitivo- prática voltada ao conhecimento profissional”
instrumental. Segundo Santos (1988), tal (CARVALHO, 2002, p. 24), em que sua linha
racionalidade científica passa por um período de pensamento está direcionada à reflexão na
de instabilidade irreversível, de forma que é a ação, num movimento recursivo (ação-reflexão-
partir da Modernidade que se irá transcender a ação), em que se valoriza muito mais o pensar
própria Modernidade. na ação, a fim de repensar as estratégias. Assim,
Essa tendência que considera a prática
Nesse sentido, os paradigmas moderno pedagógica fundamental para a formação do/a
e pós-moderno (dominante e emergente professor/a reflexivo/a e pesquisador/a não
respectivamente), segundo Carvalho (2002, a articula com outros contextos formativos,
p. 21), “[...] influenciam na atualidade as como a formação inicial ou mesmo o contexto
político (TRISTÃO, 2007b, p. 4).
tendências/concepções sobre o professor
como profissional”. A autora apresenta quatro Já o profissional crítico é aquele inserido
tendências e propostas, dentro dessa perspectiva no engajamento das decisões políticas, de
transitória: 1) o professor/a como profissional forma a intervir nas práticas pedagógicas
competente; 2) como profissional reflexivo; 3) e desencadear a construção de uma nova
como profissional orgânico-crítico; e 4) como realidade. Essa tendência vê esse professor/a
profissional pós-crítico. Tristão (2007) faz uma como um intelectual orgânico, que é uma idéia
articulação dessas tendências com a Educação defendida por Antônio Gramsci, e a pedagogia
Ambiental. crítica se faz presente nessa vertente.

A formação do professor/a, como A quarta e última tendência apresenta o/a


profissional competente, tem como princípio o professor/a a partir da perspectiva pós-crítica,
domínio de técnicas, de forma a atingir metas inserindo-o/a no debate pós-moderno. De
conforme condições estabelecidas, nas quais acordo com Carvalho (2002, p. 26),
essa formação, segundo Carvalho (2002, p. 23), [...] a tradução do professor como um
“[...] é referida a uma noção de competência profissional pós-crítico, por sua abertura e
como alternativa à qualificação, sendo recriada incompletude, traz em si a forma do concebido
e atualizada pelas equipes de recursos humanos e vivido pós-estrutural, pós-moderno, que, não
se opondo ao crítico, busca ampliar e repensar
das grandes corporações capitalistas como os campos de possibilidade do saber, fazer e
critério para avaliação de acesso e permanência poder do professor como profissional.
no emprego”.
Articulando essas quatro vertentes
Essa idéia de profissional competente em relação à formação de professores/as às
acaba sendo incorporada à dinâmica da tendências da Educação Ambiental, farei uma
instituição escolar, em que se consideram pequena incursão na trajetória da Educação
as competências, as “[...] habilidades Ambiental, a fim de entender essa trama entre
desvinculadas das dimensões de lugar, de uma as concepções filosóficas e as tendências com as
inserção no meio ambiente, de tempo e espaço quais nos deparamos diariamente nos espaços
[...]” (TRISTÃO, 2007b, p. 3), numa concepção formativos e informativos.
de eficiência, proativa e utilitarista.
É notável que a dimensão socioambiental
A segunda tendência traz a idéia de um esteja inserida no cotidiano de muitos
professor como um profissional reflexivo, que professores/as e educadores/as e que, com
aparece na década de 80, mas emerge com maior o passar dos anos, em especial das últimas
duas décadas, ela venha se disseminando no
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ambiente escolar e não escolar brasileiro. Essa Educação Ambiental Complexa, Educação
inserção tem como campo de possibilidades as Ambiental Para a Sustentabilidade, dentre
recomendações emergentes de conferências, tantas outras que tenho presenciado e que são
dos fóruns e demais espaços de deliberação, apresentadas e defendidas por diversos autores.
articulação e produção de saberes que se Segundo Layrargues (2004), essa diversidade
propõem a discutir as questões ambientais e a de nomes retrata um momento da sociedade em
proposição de políticas públicas. que há necessidade de ressignificar os sentidos
identitários e fundamentais dos diferentes
Se fizermos uma análise da trajetória da posicionamentos político-pedagógicos.
Educação Ambiental no Brasil, observando as
crescentes discussões em torno da inserção da Todas essas nomenclaturas também
dimensão ambiental na educação, perceberemos evidenciam que a Educação Ambiental está em
que, como na pesquisa realizada por Samyra construção e se auto-organizando historicamente,
Crespo, do Instituto de Estudos da Religião sendo seu enfoque nas práticas educativas
(ISER).30 Essa temática já está, de alguma relacionadas com a questão ambiental. Todo
forma, presente no cotidiano do brasileiro, mas esse processo de ressignificação faz parte da
é claro que existem fragilidades em relação à construção desse campo epistemológico que,
forma como está sendo realizada nos diversos sendo uma dimensão da educação, também
contextos formativos e espaços/tempos – apresenta muitas de suas tendências.
na associação de moradores, na escola, na
cooperativa de agricultores, pescadores, etc. Assim, Tristão (2004), ao abordar a
sustentabilidade, faz um resgate sócio-histórico
Tais fragilidades estão, conforme da construção do campo epistemológico da
Guimarães (2004) nos fala, intrinsecamente Educação Ambiental, mencionando Sorrentino
relacionadas com o atual modelo civilizatório, (1995), no que diz respeito às diversas
e os contextos formativos não são, de forma classificações das “[...] educações ambientais
alguma, neutros. Ao contrário, estão de alguma como a: conservacionista, educação ao ar
maneira contribuindo para essa hegemonia (de livre, gestão ambiental e economia ecológica”
racionalidade-instrumental), objetivando-a com (SORRENTINO, 1995, apud TRISTÃO,
fins conteudistas e informativos e não numa 2004, p. 57). A autora acrescenta que essas
educação emancipatória e crítica. denominações se apresentam a partir de duas
grandes bases em que a Educação Ambiental
Dessa forma, no sentido de situar a foi construída: o ambientalismo e a militância.
Educação Ambiental brasileira, bem como a Logo, as mais diversas tendências de Educação
inserção dos educadores/as ambientais como Ambiental têm como base ora a militância ora o
sujeitos militantes e engajados, apresento ambientalismo ou os dois conjuntamente.
algumas das bases conceituais, que orientam
suas práticas teórico-metodológicas. Carvalho (2004) afirma que os que
convivem com a Educação Ambiental podem
A Educação Ambiental tem sido o centro constatar a surpreendente diversidade sob
de muitas discussões, a começar por suas o guarda-chuva dessa denominação. Sendo
diversas nomenclaturas como: Ecopedagogia, assim, a leitura de alguns autores/as sobre
Alfabetização ecológica, Educação Ambiental as tendências da Educação Ambiental e da
Crítica, Emancipatória, Transformadora, profissionalização da formação do professor
fizeram com que eu as dividisse, para fins
didáticos, em três grandes “guarda-chuvas”:
30 Pesquisa realizada por Crespo, intitulada “O que o brasileiro tradicional, crítica e pós-crítica. Esclareço
pensa do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável”.
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que meu intuito não é delimitar uma fronteira Educação Ambiental? Quem é esse público?
entre tais tendências, até porque essa “linha” é Que fundamentos teórico/práticos estão falando
tênue e ora estamos/somos inspirados por uma para esse receptor?
tendência, ora estamos/somos por outra, porque
somos praticantes e encarnados nesse processo Conforme Ellsworth (2001), há uma
dinâmico e permanente que é a construção relação entre o que está do lado de “fora” (nos
do conhecimento e de nossa identidade. cursos de formação, os materiais didáticos, os
Além disso, , neste trabalho, usei três grandes filmes socioambiental-educativos, os encontros,
vertentes, conforme mencionado, para situar a os eventos, etc. e o que está na “psique humana”
Educação Ambiental a partir delas. (p. 12), o que está dentro de cada sujeito, numa
relação em que “[...] há uma necessidade de
endereçar uma comunicação para alguém”
(p. 24). Nesse sentido, trarei as tendências
EDUCAÇÃO AMBIENTAL E SEUS da Educação Ambiental tecidas durante esta
ENDEREÇAMENTOS pesquisa.

Há diversas práticas agrupadas sob o


conceito de Educação Ambiental, que têm
sido categorizadas como popular, crítica, EDUCAÇÃO AMBIENTAL E ALGUMAS
socioambiental, desenvolvimento sustentável, TENDÊNCIAS
formal, não-formal, dentre tantas outras. Sob esse
grande leque de denominações, é interessante A noção de Educação Ambiental
pensar que essas práticas educativas estão Tradicional conserva os interesses dominantes
voltadas a um tipo de sujeito e que Carvalho da lógica do capitalismo e tem como
(2004) usa o conceito de endereçamento31 para pressuposto teórico o cientificismo cartesiano,
compreendê-las. Assim, seguindo essa idéia a racionalidade, o individualismo e está pautada
abordada pela autora, nota-se que nessa idéia de na base filosófica positivista. É muito comum,
destino (endereço), nessa tendência, a tomada de medidas pontuais
e paliativas na crença de que a realidade será
[...] estão compreendidas a produção de
cada uma destas educações ambientais como
mudada, e a ênfase recairá nas pequenas ações
artefatos que são construídos dentro de uma (partes) pode mudar todo o conjunto. Logo,
dinâmica de forças sociais e culturais, poderes as fragmentações do saber e das ações estão
e contra-poderes, num círculo de interlocução, na base dessa vertente, fazendo com que a
onde o destinatário também constitui o artefato visão que o educador/a ambiental tem do
que a ele é endereçado (CARVALHO, 2004,
mundo seja traduzida por uma lente reduzida,
p. 16).
fragmentada, enfocando mais a parte do que a
Os modos de endereçamento a que totalidade, “[...] como na máquina fotográfica
me refiro relacionam-se com as tendências que, ao focarmos em uma parte, desfocamos a
da Educação Ambiental, com a formação paisagem” (GUIMARÃES, 2004, p. 27).
e profissionalização dos professores/as e
educadores/as ambientais e devem ser pensados No campo prático e metodológico, essa
de forma a questionar: a quem é destinada a tendência faz com que a prática educativa
tenha enfoque no sujeito e na sua mudança de
comportamento. Isso se dá pela transformação
31 Segundo a autora, o conceito de endereçamento provém dos do sujeito, mas ele não é levado a sair do
estudos de cinema e já foi aplicado à educação por Ellsworth estado que Paulo Freire se referia como o de
(2001). “Esse conceito é útil para destacar como se constitui,
a quem se dirige, se endereça cada uma destas educações”
consciência ingênua para a tomada de uma
(CARVALHO, 2004, p. 16). consciência crítica.
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Essa perspectiva é simplista, pois não O importante para essa vertente não é
leva em consideração a complexidade da pensar processos educativos que associem a
sociedade, mas, dá importância à soma das mudança pessoal à mudança societária como
ações individuais, lembrando o famoso jargão: pólos indissociáveis na requalificação de nossa
Cada um fazendo a sua parte! Nessa linha de inserção na natureza e na dialetização entre
pensamento, a relação sociedade/natureza, de subjetividade e objetividade; mas sim pensar
acordo com Tristão (2007), é abordada de forma na transcendência integradora, a transformação
comportamentalista, dualista e reducionista. da pessoa pela ampliação da consciência que
rebate nas condições objetivas, como caminho
Uma Educação Ambiental único para se obter a união com a natureza e
conservacionista resulta dessa perspectiva, para reencontrar uma essência pura que ficou
na qual a ênfase na conservação da natureza, perdida em nossa objetivação na história.
com medidas desde alarmantes a pontuais, faz
com que as questões ambientais sejam vistas Esses aspectos levantados por Loureiro
e tratadas como um problema ecológico, não resultam na ênfase na dimensão individual
considerando, de certa forma, as dimensões (as vivências práticas de sensibilização são
bastante recorrentes), fazendo com que o sujeito
social, econômica, ética, política e cultural. O
não compreenda a sua relação com o meio
sujeito praticante dessa tendência se aproxima
ambiente, com os outros sujeitos e consigo
dos técnicos e educadores/as dedicados aos
mesmo. Além disso, como podemos observar,
aspectos ecológicos preservacionistas e
a Educação Ambiental é entendida como um
conservacionistas.
ato comportamental e pouco relacionado com
Loureiro (2004), ao abordar a questão o coletivo. Dessa forma, fica comprometida
da Educação Ambiental no Brasil, faz uma a “[...] problematização e transformação da
reflexão muito pertinente sobre como a realidade da vida, despolitizando a práxis
educativa” (LOUREIRO, 2004, p. 80).
tendência tradicional influenciou, de certa
forma, o movimento ambientalista, em que Em suma, essa vertente de Educação
os sujeitos militantes não tinham percepção Ambiental
da Educação Ambiental como um processo
[...] não contempla a perspectiva da educação
educativo, resultante de um movimento se realizar no movimento de transformação
histórico. Isso contribuiu para uma prática do indivíduo inserido num processo
descontextualizada e voltada para a resolução coletivo de transformação da realidade
de problemas ambientais, mas apenas de ordem socioambiental como uma totalidade dialética
em sua complexidade. Não compreende que
física e biológica. a educação é relação e se dá no processo
e não, simplesmente, no sucesso da
Assim, os aspectos social, econômico, mudança comportamental de um indivíduo
cultural e político, em geral, não fazem parte (GUIMARÃES, 2004, p. 27).
da agenda de ações nessa perspectiva, e o seu Outra perspectiva, que contribui para a
ponto de equilíbrio está no indivíduo, a fim de superação dessa visão dicotômica e simplista
que alcance sua condição como ser humano das questões ambientais, é a que recebe
harmônico e integral. Cabe ao ato educativo as denominações de Educação Ambiental
ser o eixo para a mudança de comportamento Crítica, Emancipatória e Transformadora. Eu
compatível com um determinado padrão as denomino como transgressoras da lógica
idealizado de relações coerentes entre sociedade dominante e coloco sob o guarda-chuva que
e natureza. Segundo Loureiro (2004, p. 80),

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tem como eixo a Teoria Crítica,32 cuja dimensão de sua história, agindo e refletindo sobre a sua
educativa carrega como premissa uma crítica realidade e transformando-a. Loureiro (2004, p.
à sociedade de consumo e à racionalidade 81) acredita que essa tendência:
instrumental.
Baseia-se no princípio de que as certezas
Em relação à teoria e prática, há um são relativas; na crítica e autocrítica constante e
movimento dialético, que considera as ciências na ação política como forma de se estabelecer
e os valores culturas interligados. No tocante à movimentos emancipatórios e de transformação
crítica à ciência, é revolucionária, porque visa social que possibilitem o estabelecimento de
à superação da idéia dicotômica entre sujeito novos patamares de relações na natureza.
e objeto. Essa tendência tem como objetivo o
desvelamento da realidade, inserindo o processo Dessa forma, ela é vista como uma
educação transformadora da realidade, por
educativo nela. Além disso, contribui para a
meio de ações individuais e coletivas. Portanto,
transformação da sociedade contemporânea, de
busca redefinir o modo como nos relacionamos
forma questionadora, no âmbito sociopolítico.
conosco, com o meio ambiente e com os
Para Loureiro (2004, p. 66-67), o contexto outros sujeitos, num movimento de diálogo
formativo dessa vertente no Brasil se dá a partir e compreensão dessas dimensões, de forma
de uma matriz em que a educação é vista como um interconectada.
elemento de transformação social, ocorrendo de Outro aspecto relevante dentro dessa
forma integrada e desencadeando mudanças de perspectiva é quanto aos procedimentos
valores e atitudes com ação política. Para isso, o metodológicos, que têm na “[...] participação
sentimento de indignação, quanto às formas de e no exercício da cidadania princípios para a
dominação do capital, tem que estar presente, a definição democrática” (LOUREIRO, 2004, p.
fim de que os sujeitos compreendam a dinâmica 82), em relação às práticas sustentáveis, à nossa
organizacional complexa da sociedade, por sobrevivência e à do planeta, historicamente
meio, também, do exercício da cidadania. situado.
Nesse sentido, pensar a Educação Pensar a educação como transformadora
Ambiental nessa tendência é tratá-la como é admiti-la como práxis social, desenvolvendo
sendo originária das Pedagogias críticas e uma abordagem multidimensional e integradora
emancipatórias. Muitos autores/as e educadores/ dos problemas sociambientais, entendendo
as ambientais trabalham dentro dessa esse processo educativo como um processo
perspectiva. Assim, a Educação Ambiental libertador (sair do processo que Paulo Freire
crítica (transformadora, emancipatória e denominou de Pedagogia bancária, para a
libertadora) tem pontos de destaque na educação, Pedagogia questionadora e reflexiva).
como processo permanente, coletivo e inserido
no cotidiano, sendo os sujeitos construtores A construção de um projeto político
fundamentado nessa concepção de Educação
Ambiental, segundo Carvalho (2004, p. 18),
32 A Teoria crítica está vinculada às reflexões e formulações
“[...] seria o de contribuir para uma mudança de
produzidas pela conhecida Escola de Frankfurt “[...] ela foi valores e atitudes, contribuindo para a formação
criada por um grupo de intelectuais, com o objetivo de contribuir do sujeito ecológico”, em que a prática educativa
com pesquisas que permitissem a compreensão crítica e global
da sociedade contemporânea. Para isso, se utilizou da teoria
esteja fundamentada na formação desse sujeito
e do método dialético formulado por Karl Marx em diálogo praticante individualmente e socialmente e
com outros pensadores, dentre eles Weber, Hegel e Freud, em situado historicamente. Por fim, Lima (2004, p.
busca da construção de uma visão integradora de ciência e 104) traz contribuições relevantes em relação a
filosofia e de uma atuação transformadora das relações sociais”
(LOUREIRO, 2005, p. 325). essa tendência.
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A educação ambiental emancipatória e governabilidade mundial que respeitem as


pretende, como diz o próprio nome, ampliar os diferenças éticas, culturais e civilizacionais”
espaços de liberdade de indivíduos e grupos que (TRISTÃO, 2004, p. 49).
dela participam, transformando as situações de
dominação e sujeição a que estão submetidos Dessa forma, Tristão (2004, p. 55)
através da tomada de consciência de seu lugar nos propõe três princípios fundamentais
comum, de seus direitos e de seu potencial para a Educação Ambiental nessa tendência:
para recriar as relações que estabelece consigo a sustentabilidade, a complexidade e a
próprio, com os outros em sociedade e com o interdisciplinaridade. Atualmente, a autora,
ambiente circundante. como coordenadora do Grupo de Pesquisa
e Educação Ambiental, do qual participo,
A outra vertente denominada como está estudando e trabalhando na inclusão da
Educação Ambiental Pós-Crítica e que não se transdisciplinaridade como princípio. Para
contrapõe à crítica, no âmbito filosófico, pode Tristão (2004, p. 55), nesses princípios, há uma
ser entendida como uma ampliação da Teoria reciprocidade e complementaridade em que “[...]
Crítica, envolvendo as noções de identidade, o pensamento complexo é o veio encontrado
subjetividade, cultura, etnia, sexualidade, para o conhecimento da educação ambiental;
gênero, raça, ecologia. As relações de saber- a sustentabilidade, a grande necessidade; e a
poder, representação e multiculturalismo interdisciplinaridade [a transdisciplinaridade], o
também estão no bojo dessa noção.
caminho epistemológico e metodológico [...]”.
Compartilhando das idéias de Tristão
Nessa perspectiva, a idéia de complexidade,
(2004), vejo a Educação Ambiental nessa
pelas suas representações multifacetadas,
concepção complexa como pertencente a um
aceita as contradições inerentes aos sujeitos.
paradigma para a sustentabilidade, em que
A transdisciplinaridade, como instrumento do
a construção de sociedades sustentáveis é seu
pensamento complexo, tem um “[...] enfoque
objetivo. Esse tipo de sociedade abre o leque
para que sua constituição seja realizada por mais ousado do conhecimento. Aproxima-
meio da tessitura, em que a economia seja se da idéia de transversalidade de conceitos
viável, envolvendo e respeitando as diferenças [que] ficam mais soltos para estabelecerem
culturais. articulações, sem territórios, nem fronteiras”.
(TRISTÃO, 2004, p. 111). Por último, a
O aspecto político nessa sociedade é sustentabilidade que, conforme a autora, deve
equitativo, desencadeando numa justiça social e estar articulada a diferentes dimensões humanas
ética. Tristão (2004, p. 49) nos diz ainda que esse e, “[...] que depende de criação de situações, de
paradigma amplia a noção de desenvolvimento, táticas e práticas sustentáveis pelas diferentes
pois “[...] implica defesa do meio ambiente para sociedades” (p. 53).
que as próximas gerações possam sobreviver e
inclusive incrementar sua qualidade de vida”. Como se vê, a sustentabilidade envolve
vários aspectos humanos e deve ser pensada
Tal modelo tem como objetivo, quando fala de forma interconectada, relacionada com
de eqüidade social, a eliminação da pobreza, das as dimensões econômicas, espiritual, ética,
lutas de classes e de toda forma de desigualdade. cultural, social, etc., para o desenvolvimento
Para uma melhora na qualidade de vida, a de práticas sustentáveis e mudanças de valores,
sustentabilidade supõe mudanças de padrões atitudes e comportamentos dos sujeitos
de consumo, de relações sociais, implicando praticantes.
mudanças também “[...] institucionais, de poder

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Nesse sentido, a sustentabilidade sentimento de pertencimento é fundamental


[...] emerge como subversão à ordem na construção dessa cultural ambiental nessa
econômica dominante e como fruto da sociedade, pois:
insatisfação humana contra um modelo falido
de desenvolvimento cunhado na racionalidade [...] é preciso reconstruir nosso sentimento
cognitivo-instrumental. Inscreve-se numa de pertencer à natureza, a esse fluxo de vida de
racionalidade mais aberta à imprevisibilidade e
que participamos. A educação ambiental leva-
se estabelece a compreensão de uma realidade
complexa, de uma interdependência entre os nos também a explorar os estreitos vínculos
processos [...] (TRISTÃO, 2005, p. 255). existentes entre identidade, cultura e natureza,
e a tomar consciência de que, por meio da
Dentro da lógica que Santos (2000)
natureza, reencontramos parte de nossa própria
postula, na qual as formas de conhecimento
identidade humana, de nossa identidade de ser
são: a regulação e a emancipação, a Educação
vivo entre os demais seres vivos (SAUVÉ,
Ambiental, com base nesse autor e dentro
2005, p. 317).
da tendência, se aproxima do conhecimento-
emancipação,pois parte de um estado de Por fim, percebo que, em geral, as práticas
colonização (o autor denomina estado de de Educação Ambiental têm acontecido, nos
ignorância) para a busca de uma solidariedade últimos anos, de forma enredada, e não se
(denominada saber). Portanto, pensar em resumem somente a uma tendência, mas ora se
práticas e sociedades sustentáveis é pensar apresentam mais tradicionais, ora mais críticas
numa outra lógica que se opõe à racionalidade- e, em outros momentos, caminham para uma
instrumental. É ver, na complexidade em perspectiva pós-crítica.
que os sujeitos sejam/estejam envolvidos, a
participação, o empoderamento e tudo que esteja
em conformidade para assumir a capacidade de
exercer o poder sobre o que os afeta ou os pode REFERÊNCIAS
afetar futuramente.
CARVALHO, Isabel Cristina de Moura.
Um dos possíveis caminhos para que a Educação ambiental: a formação do sujeito
sustentabilidade seja a linha mestra dos sujeitos ecológico. São Paulo : Cortez, 2004.
e das sociedades se dá por meio da cultura
ambiental, que, segundo Cartea (2005, p. 270), CARVALHO, Janete Magalhães. Do projeto
ainda está sob um terreno tênue pois, “La às estratégias/táticas dos professores como
‘cultura ambiental’ de la immensa mayoria de la profissionais necessários aos espaços/tempos
población es aún muy superficial, y ello a pesar da escola pública brasileira. In: CARVALHO,
de que la información científica disponible Janete Magalhães. (Org.). Diferentes
y que circula sobre el malestar ecológico se perspectivas da profissão docente na
incrementa exponencialmente”. atualidade. Vitória: EDUFES, 2002.

Dessa forma, a concepção de Educação CARTEA, Pablo Angel Meira. Educación


Ambiental no paradigma da sustentabilidade ambiental en tiempos de catástrofe: la respuesta
pressupõe um equilíbrio entre os aspectos educativa al naufragio del Prestige. Revista
sociais, econômicos e do meio ambiente Educação e pesquisa, São Paulo: FEUSP, v.
pautado num conhecimento-emancipação, em 31, n. 2, p. 265-283, 2005.
que o sujeito praticante esteja empoderado e
apropriado de sua cultura e de sua realidade ELLSWORTH, Elizabeth. Modos de
social para intervir, quando necessário, para endereçamento: uma coisa de cinema; uma
a mudança desse cenário. Vale ressaltar que o coisa de educação também. In: SILVA, Tomaz
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Tadeu da (Org.). Nunca fomos humanos: nos ______. Tecendo os fios da educação ambiental:
rastros do sujeito. Belo Horizonte: Autêntica, o subjetivo e o coletivo, o pensado e o vivido.
2001. (Coleção Estudos Culturais, v. 7). Revista Educação e pesquisa. São Paulo:
FEUSP, v. 31, n. 2. p. 251-264, 2005.
GUIMARÃES, Mauro. A formação de
educadores ambientais. Campinas: Papirus, TRISTÃO, M; FASSARELLA, R. C. Contextos
2004. (Coleção Papirus Educação). de aprendizagem. In: FERRARO JÚNIOR,
Luiz Antônio (Org.). Encontros e caminhos:
LOUREIRO, C. Frederico B. Teoria crítica. formação de educadoras(es) ambientais
In: FERRARO JÚNIOR, Luiz Antônio e coletivos educadores. Brasília: MMA,
(Org.). Encontros e caminhos: formação Departamento de Educação Ambiental, 2007. v.
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