Conto Psicológico

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CONTO PSICOLÓGICO

Narram histórias que envolvem lembranças e sentimentos, e têm a intenção de


levar o leitor a refletir.

O conto apresenta as seguintes características:


 Espaço delimitado;
 Tempo marcado;
 Presença de narrador:
Narrador observador (aquele que conhece a história, mas não participa
dela);
Narrador personagem (aquele que além de narrar a história, também é
um dos seus personagens);
Narrador onisciente (aquele que conhece a história e todos os
personagens envolvidos nela).
 Poucos personagens;
 Enredo.

Características do conto psicológico:


 Fato principal sempre está relacionado às lembranças e sentimentos dos
personagens;
 Tempo psicológico, que flui de acordo com as emoções.
 A apresentação do enredo pode não seguir a ordem natural dos
acontecimentos, já que o tempo das emoções não é linear;
 O espaço físico é marcado do ponto de vista de como são sentidas as
experiências.

No Brasil, a representante mais importante do conto psicológico é Clarice


Lispector. Em seus textos, geralmente, um fato do cotidiano ou uma
lembrança aparentemente banal (comum) desencadeia no personagem uma
viagem ao próprio interior, para questionar a própria existência ou ressuscitar
(despertar) dramas existenciais.
TENTAÇÃO

Ela estava com soluço. E como se não


bastasse a claridade das duas horas, ela era ruiva.
Na rua vazia as pedras vibravam de calor - a
cabeça da menina flamejava. Sentada nos degraus de
sua casa, ela suportava. Ninguém na rua, só uma
pessoa esperando inutilmente no ponto do bonde. E
como se não bastasse seu olhar submisso e paciente,
o soluço a interrompia de momento a momento,
abalando o queixo que se apoiava conformado na mão. Que fazer de uma menina
ruiva com soluço? Olhamo-nos sem palavras, desalento contra desalento. Na rua
deserta nenhum sinal de bonde. Numa terra de morenos, ser ruivo era uma revolta
involuntária. Que importava se num dia futuro sua marca ia fazê-la erguer insolente
uma cabeça de mulher? Por enquanto ela estava sentada num degrau faiscante da
porta, às duas horas. O que a salvava era uma bolsa velha de senhora, com alça
partida. Segurava-a com um amor conjugal já habituado, apertando-a contra os
joelhos.
Foi quando se aproximou a sua outra metade neste mundo, um irmão em
Grajaú. A possibilidade de comunicação surgiu no ângulo quente da esquina,
acompanhando uma senhora, e encarnada na figura de um cão. Era um basset lindo e
miserável, doce sob a sua fatalidade. Era um basset ruivo.
Lá vinha ele trotando, à frente de sua dona, arrastando seu comprimento.
Desprevenido, acostumado, cachorro.
A menina abriu os olhos pasmada. Suavemente avisado, o cachorro estacou
diante dela. Sua língua vibrava. Ambos se olhavam.
Entre tantos seres que estão prontos para se tornarem donos de outro ser, lá
estava a menina que viera ao mundo para ter aquele cachorro. Ele fremia
suavemente, sem latir. Ela olhava-o sob os cabelos, fascinada, séria. Quanto tempo se
passava? Um grande soluço sacudiu-a desafinado. Ele nem sequer tremeu. Também
ela passou por cima do soluço e continuou a fitá-lo.
Os pelos de ambos eram curtos, vermelhos.
Que foi que se disseram? Não se sabe. Sabe-se apenas que se comunicaram
rapidamente, pois não havia tempo. Sabe-se também que sem falar eles se pediam.
Pediam-se com urgência, com encabulamento, surpreendidos.
No meio de tanta vaga impossibilidade e de tanto sol, ali estava a solução para
a criança vermelha. E no meio de tantas ruas a serem trotadas, de tantos cães
maiores, de tantos esgotos secos - lá estava uma menina, como se fora carne de sua
ruiva carne. Eles se fitavam profundos, entregues, ausentes de Grajaú. Mais um
instante e o suspenso sonho se quebraria, cedendo talvez à gravidade com que se
pediam.
Mas ambos eram comprometidos.
Ela com sua infância impossível, o centro da inocência que só se abriria
quando ela fosse uma mulher. Ele, com sua natureza aprisionada. A dona esperava
impaciente sob o guarda-sol. O basset ruivo afinal despregou-se da menina e saiu
sonâmbulo. Ela ficou espantada, com o acontecimento nas mãos, numa mudez que
nem pai nem mãe compreenderiam. Acompanhou-o com olhos pretos que mal
acreditavam, debruçada sobre a bolsa e os joelhos, até vê-la dobrar a outra esquina.
Mas ele foi mais forte que ela. Nem uma só vez olhou para trás.
LISPECTOR, Clarice. Felicidade clandestina.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981.

Entendendo o conto:
01 – Quem são as personagens principais? O que elas têm em comum?
02 – O que a menina fazia sentada na porta de casa, às duas horas da tarde?
03 – Onde se passa a história? Retire do texto uma frase que apresenta uma
característica marcante do cenário.
04 – De acordo com o texto, como a menina se sentia em relação a outras
pessoas? Retire do texto uma frase para justificar sua resposta.
05 – “Sentada nos degraus de sua casa, ela suportava.” O que a menina
suportava? Indique a alternativa que melhor responde a questão:
(a) a pessoa que esperava o bonde (b) a bolsa velha.
(c) o calor e a solidão (d) sua mãe.

06 – “O que a salvava era uma bolsa velha de senhora, com alça partida.” Do
que a bolsa a salvava?
(a) do calor excessivo
(b) da solidão, já que a bolsa era sua companhia.
c) das brigas com a mãe
(d) do homem que esperava o bonde

07 – No texto, quem é o narrador?


(a) a mãe
(b) alguém presente na história, mas sem participar muito
(c) alguém que não presente na história
(d) a menina ruiva.

08 – Retire do texto um trecho em que se percebe a presença do narrador


como personagem.
09 – O que o narrador fazia naquele lugar?
10 – Pode-se dizer que o narrador se identifica com a menina? Por quê?
11 – O cão basset provoca uma mudança na cena inicial. Qual a reação da
menina e do cão quando se veem?
12 – “Mas ambos eram comprometidos.” Segundo o texto, com o que eles
eram comprometidos? O que isso pode significar?
13 – Por que o cachorro não olhou para trás?
14 – Considerando a reação da menina e do cão quando se encontram e a
resposta à questão 12, o que o título TENTAÇÃO pode indicar?
15 – Qual é o tema central do texto?

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