Saúde Mental 3

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................ 3

2 A REFORMA PSIQUIÁTRICA NO BRASIL ................................................ 4

2.1 Reformas Psiquiátricas no mundo ...................................................... 14

3 A SAÚDE MENTAL NO CONTEXTO NEOLIBERAL ................................ 16

3.1 Rede de Atenção Psicossocial: a Atual Política de Saúde Mental no


Brasil 20

4 POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL E DIREITOS HUMANOS: BREVES


REFLEXÕES ............................................................................................................. 28

5 SAÚDE MENTAL ...................................................................................... 33

5.1 A saúde psicológica ........................................................................... 37

5.2 Saúde mental e vulnerabilidade ......................................................... 38

5.3 Saúde psicológica, consentimento e vulnerabilidade ......................... 40

5.4 A investigação no domínio da saúde mental ...................................... 43

5.5 Determinantes da saúde mental ......................................................... 45

5.6 Os determinantes psicológicos ........................................................... 45

5.7 Os determinantes socioeconômicos ................................................... 47

5.8 Determinantes comportamentais ........................................................ 47

6 ORGANIZAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SAÚDE MENTAL......................... 49

7 INDICADORES DE SAÚDE MENTAL NA ATENÇÃO BÁSICA ................ 51

7.1 Capítulos do DSM-IV-TR .................................................................... 53

7.2 Capítulos do DSM-5 ........................................................................... 54

7.3 Os DSM, a farmacologia e a realidade brasileira ............................... 59

8 A PROPOSTA DO MINISTÉRIO PARA A “SAÚDE MENTAL NA ATENÇÃO


BÁSICA 61

9 BIBLIOGRAFIA ......................................................................................... 68

2
1 INTRODUÇÃO

Prezado aluno!
O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante
ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável -
um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma
pergunta , para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum
é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a
resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas
poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em
tempo hábil.
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa
disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das
avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que
lhe convier para isso.
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser
seguida e prazos definidos para as atividades.

Bons estudos!

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2 A REFORMA PSIQUIÁTRICA NO BRASIL

Fonte: redehumanizasus.net

As perspectivas de Basaglia exerceram significativa influência no Brasil.


Cumpre lembrar que no país, no fim da década de 1950 os hospícios eram
caracterizados por superlotação e maus-tratos aos internos. Além disso, do século e
XIX até o início do século XX o Brasil vivenciou uma trajetória no campo da saúde
denominada de higienista, no qual os hospitais psiquiátricos funcionavam como
dispositivos de controle político e social (Amarante, 1995 apud MIRANDA S; 2019).
Ademais, de acordo com Amarante (1995 apud MIRANDA S; 2019) a partir dos
anos 1960, constituiu- se no Brasil uma autêntica indústria para o enfrentamento da
loucura, tendo em conta que os hospitais psiquiátricos conveniados com o poder
público incentivaram a cronicidade das doenças com o intuito de manterem os lucros.
O autor demarca que assim que os militares assumiram o governo do país, houve a
celebração de convênios com hospitais psiquiátricos privados.

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Sob a ótica de Amarante (2006 apud MIRANDA S; 2019), o campo psiquiátrico
foi o mais explorado pelas empresas privadas no período ditatorial. A falta de direitos
dos usuários juntamente com a baixa exigência de qualidade na área, colaborava para
a chamada “indústria da loucura”, o número de leitos privados subiu nesse período de
3 mil para quase 56 mil, houve uma expansão dos leitos privados e uma diminuição
de investimentos do setor público na área em questão.
Toda via, nos anos 1970, seguindo a influência de outros países, instalaram--
se no país críticas com proposições para a transformação do modelo de assistência
psiquiátrica e ao paradigma da psiquiatria tradicional (Devera e Costa Rosa, 2007
apud MIRANDA S; 2019). Mobilizações sociais e políticas impulsionaram o movimento
da RP brasileira, que teve como um marco histórico as mobilizações ocorridas em
1978.Neste ano, estagiários do Centro Psiquiátrico Pedro II do Rio de Janeiro-RJ,
denunciaram uma série de violações aos direitos humanos dos internos da instituição
que também abrangiam presos políticos nos quais eram ali eram torturados. Após as
denúncias, além dos estagiários, 263 profissionais que defendiam os denunciantes e
confirmavam as denúncias foram demitidos (Amarante, 2006 apud MIRANDA S;
2019).
Esse episódio foi denominado como a crise da Divisão Nacional da saúde
Mental do Ministério da Saúde- DINASM. As denúncias publicitadas pelos
profissionais que atuavam nos hospitais que estavam sob a responsabilidade dessa
Divisão, repercutiram nacionalmente, ocasionando debates na esfera da sociedade
civil, indignada com a forma como Estado tratava os sujeitos internados (Amarante,
2006 apud MIRANDA S; 2019).
Os trabalhadores começam a denunciar a ausência de recursos das
instituições, as precárias condições de trabalho. É assim que surgiu o Movimento dos
Trabalhadores da Saúde Mental-MTSM, que seguiu com a crítica à função segregada
a do hospital psiquiátrico e juntou-se com a intensiva mobilização nacional em prol da
redemocratização, conforme MIRANDA S; (2019).

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Os trabalhadores de saúde mental, manifestaram-se intensamente contra a
privatização da saúde mental e as práticas desumanas que ocorriam também nas
instituições privadas. Por isso, a defesa por um acesso à saúde pública incluía as
pautas do movimento da RP no Brasil, conforme MIRANDA S; (2019).
O ano de 1978 também foi marcado pela chegada ao Brasil de Franco Basaglia,
o psiquiatra italiano que liderava naquele momento, uma das principais experiências
de superação do modelo asilar-manicomial no mundo. Basaglia retornou ao país no
ano seguinte e ao visitar o Hospital Colônia de Barbacena -Minas Gerais, um dos mais
cruéis manicômios brasileiros, comparou o hospital a um campo de concentração que,
por sua vez, é denominado por Arendt (2005 apud MIRANDA S; 2019) como campo
de extermínio.
Para a autora nos campos de concentração e extermínio os sujeitos perdiam a
liberdade e a capacidade da ação. O horror era instaurado de tal forma que os internos
vivenciam um processo de anulação do eu. Arendt (2005, p.376 apud MIRANDA S;
2019) considerava que o verdadeiro horror dos campos de concentração e de
extermínio reside no fato de que os internos, mesmo que consigam manter-se vivos,
estão mais isolados do mundo dos vivos do que se tivessem morrido, porque o horror
compele ao esquecimento. No mundo concentracionário mata-se um homem tão
impessoalmente como se mata um mosquito. Uma pessoa pode morrer em
decorrência de tortura ou de fome sistemática, ou porque o campo está superpovoado
e há necessidade de liquidar o material humano supérfluo.
Tal comparação feita por Basaglia indicava o caráter mortificador do Hospital
de Barbacena, despertando a atenção especial da imprensa, que juntamente com a
exposição do documentário “Em nome da Razão” e de uma série de reportagens de
Hiran Firmino, intituladas “Nos porões da loucura” divulgadas na época trouxeram
visibilidade para da questão da saúde mental no Brasil (Amarante, 2006 apud
MIRANDA S; 2019).
Cenas de outros grandes manicômios do Brasil, tais como o Juqueri, no Estado
de São Paulo; a Colônia Juliano Moreira, no Rio de Janeiro foram veiculadas pelos
meios de midiáticos. Percebe-se, que estes fatores favoreceram para a comoção da
sociedade civil e o envolvimento tanto de pacientes como de familiares ao movimento
da RP (Silva, 2012 apud MIRANDA S; 2019).

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Na década de 1980, de acordo com Tenório (2002 apud MIRANDA S; 2019)
houve dois fatores cruciais para a consolidação do movimento da RP: a
ampliação dos atores sociais envolvidos no movimento; e a iniciativa de
reformulação legislativa nos quais estabeleceram um novo horizonte de ação:
não apenas as macros- reformas às instituições psiquiátricas, mas a cultura,
o cotidiano, as mentalidades, incorporando novos atores, entre eles, os
usuários e seus familiares.

Em 1986 ocorreu a VIII Conferência Nacional de Saúde, nesta, formou-se uma


comissão para fazer novas propostas para a assistência à saúde mental brasileira. Tal
comissão propôs que o atendimento em saúde mental fosse multiprofissional, feito
tanto em postos de saúde, como em ambulatórios especializados e em serviços
específicos para esse atendimento, no caso os Centros de Atenção Psicossocial –
CAPS, conforme MIRANDA S; (2019).
Outros eventos de relevância para a estruturação das novas propostas na
saúde mental foram a I Conferência Nacional de Saúde Mental e o II Congresso de
Trabalhadores de Saúde Mental, ocorrido em 1987, em Bauru, São Paulo. Neste
congresso tem-se a criação do Movimento Nacional da Luta antimanicomial e a
inclusão dos usuários e seus familiares nas discussões acerca da política. Criou-se o
lema “Por uma Sociedade sem Manicômios” e foi a partir do Congresso de Bauru que
se instituiu o dia 18 de maio como Dia Nacional da Luta Antimanicomial, conforme
MIRANDA S; (2019).
Nestes eventos, foram debatidas, sobretudo, propostas de substituição do
modelo hospitalocêntrico, baseado na centralidade do hospital psiquiátrico, para o
acompanhamento dos sujeitos com sofrimento psíquico pelo modelo comunitário,
aberto, com serviços substitutivos e com uma significativa diminuição das internações
em hospitais fechados. O impacto das proposições desses eventos colaborou em
1987 para a implantação do primeiro CAPS no Brasil em São Paulo, o CAPS Luiz da
Rocha Cerqueira (Goldberg, 2001 apud MIRANDA S; 2019).
Tratava-se de um serviço intermediário, ou seja, com ações entre o hospital e
a comunidade, aderia a lógica de “desospitalização do modelo americano, e por outro
lado à ideia de transformação cultural do modelo italiano” (Anaya, 2004, p.73 apud
MIRANDA S; 2019).
Em 1989 merece frisar a intervenção do poder público no hospital psiquiátrico
particular “Casa de Saúde Anchieta” em Santos-SP em virtude de denúncias
anônimas de maus tratos aos pacientes e mortes violentas. Com o fechamento da
instituição foram implantados no município os Núcleos de Atenção Psicossocial
7
(NAPS) com funcionamento de 24 horas, cooperativas e residências para os egressos
do hospital e associações, conforme MIRANDA S; (2019).

Estes núcleos foram inspirados nos Centros de Saúde Triestinos, “adotando


as noções tanto de serviços substitutivos quanto de tomada de
responsabilidade e território” (Freire, Úga e Amarante apud Liberato, 2011,
p.39; apud MIRANDA S; 2019). Para Liberato (2011 apud MIRANDA S; 2019)
a experiência de Santos foi a materialização da possibilidade de atenção
integrada com base em uma rede de serviços assistenciais e culturais, com
um modelo de ação realmente substitutivo ao manicômio.

Em relação ao serviço substitutivo, de acordo com a Psiquiatria Democrática,


este não convive com o hospital psiquiátrico, mas ao contrário, o substitui e o supera,
opõe-se à noção de serviços alternativos, complementares ou suplementares (Anaya,
2004 apud MIRANDA S; 2019). A partir dessa lógica substitutiva, de superação do
manicômio, foi apresentado em 1989 o Projeto de Lei do deputado Paulo Delgado que
propunha a regulamentação dos direitos da pessoa com sofrimento mental e a
extinção progressiva dos manicômios no país. Esse marco, foi considerado como o
início das lutas do movimento da Reforma Psiquiátrica nos campos legislativo e
normativo (Brasil, 2005 apud MIRANDA S; 2019).
É pertinente aclarar que ao longo desse trabalho recorre-se ao termo de
serviços substitutivos para designar os serviços que substituem ao modelo
hospitalocêntrico, ou seja, que substitui uma lógica de cuidado centrada na figura do
hospital psiquiátrico. Nota-se, até aqui, que a efervescência da RP esteve circunscrita
ao contexto de redemocratização brasileira, intrinsecamente vinculada à CF/88 e a
construção do SUS. Nessa perspectiva, sua característica dominante é a proposição
do resgate da cidadania de sujeitos historicamente tutelados e segregados, conforme
MIRANDA S; (2019).

Para Tenório (2002 apud MIRANDA S; 2019), a importância analítica de


inserir a cidadania como valor fundante e organizador das propostas de
mudanças nas formas de assistência aos sujeitos com sofrimento psíquico,
está em que a Reforma é sobretudo um campo heterogêneo, que abarca a
clínica, a política, o social, o cultural e as relações com o âmbito jurídico, e é
obra de atores muito diferentes entre si.

Por estas características Diaz (2009 apud MIRANDA S; 2019) entende que a
RP é um movimento social que tem como pauta a luta pela cidadania e dos direitos
das pessoas com sofrimento mental. Com base nisto, pode-se compreender que tal
movimento tem como bandeira de luta o reconhecimento social destes sujeitos. Sobre

8
este aspecto, Axel Honneth (2003 apud MIRANDA S; 2019) ao discorrer sobre a teoria
crítica do reconhecimento, traz contribuições para subsidiar a reflexão da trajetória
dos sujeitos com sofrimento mental na esfera das políticas sociais e no âmbito do
direito. Este autor busca mostrar que os conflitos sociais são essencialmente
baseados numa luta por reconhecimento social e que esta luta é o motor das
mudanças sociais.
Honneth (2003 apud MIRANDA S; 2019) considera como um tipo de
desrespeito, o fato do sujeito permanecer estruturalmente excluído da posse de
determinados direitos no interior de uma sociedade e para ele a experiência de
desrespeito está sempre acompanhada de sentimentos afetivos que podem revelar
ao indivíduo que determinadas formas de reconhecimento lhe são socialmente
denegadas e é “nessas reações emocionais de vergonha, que a experiência de
desrespeito pode tornar-se o impulso motivacional de uma luta por reconhecimento”
(2003, p.224 apud MIRANDA S; 2019), assim, o desrespeito converte-se num motivo
da resistência política.
A particularidade nas formas de desrespeito, como as existentes na privação
de direitos ou na exclusão social, não representa somente a limitação violenta da
autonomia pessoal, mas também sua associação com o sentimento de não possuir
status de um parceiro da interação com igual valor, moralmente em pé de igualdade.
Nesse sentido, para Honneth (2003 apud MIRANDA S; 2019) a dimensão do auto
respeito é resgatada na participação em um movimento social: “A aceitação por um
grupo na luta política restitui ao indivíduo um pouco do seu auto respeito negado”
(2003, p. 96 apud MIRANDA S; 2019).
No que tange à Reforma Psiquiátrica, observa-se que o movimento foi iniciado
pelos trabalhadores de saúde e que posteriormente passou a incluir os usuários e
seus familiares e diversos segmentos da sociedade. Foi a ação política dos
profissionais, inicialmente, que colocou à vista a luta por reconhecimento social dos
sujeitos com sofrimento mental, conforme MIRANDA S; (2019).
Lembrando que para Arendt (2004 apud MIRANDA S; 2019), em sua obra A
condição humana, é na pluralidade que se revela a ação e é partir da ação é possível
instaurar interrupções e novos processos. Frente a baixa vocalização dessa parcela,
é que se observa o quão crucial foram e são as articulações dos trabalhadores em
saúde mental para o início das mudanças na forma do Estado tratar tal parcela.

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Contudo, o movimento é caracterizado por um instável conjunto de acentuados
conflitos e tensões (Diaz, 2009 apud MIRANDA S; 2019). Amarante (1995 apud
MIRANDA S; 2019) mostra que alguns setores da sociedade eram (e ainda são)
resistentes à Reforma Psiquiátrica, ele realça que na época de efervescência do
movimento, os principais opositores foram:
 A Associação Brasileira de Psiquiatria – ABP, que não optou por
afrontar os segmentos tidos como conservadores da universidade, do
aparato estatal, do empresariado de saúde, até porque parte destes
setores eram membros da própria ABP e estavam comprometidos com
um olhar mais tradicional da psiquiatria, conforme MIRANDA S; (2019).
 A Indústria farmacêutica, haja vista, que a RP brasileira tem como uma
das bandeiras de luta o posicionamento contrário à medicalização da
vida e à cronificação dos sujeitos por meio de psicofárrmacos,
conforme MIRANDA S; (2019).
 setor privado, sobretudo a Federação Brasileira de Hospitais -FBH,
que embora seja uma entidade de prestadores privados de saúde em
geral, tinha em sua composição uma parcela significativa de
“empresários da loucura”. Segundo Amarante (1995) no contexto do
governo ditatorial houve uma ampla expansão de serviços psiquiátricos
particulares, e ao final da década de 1980, com a promulgação da
CF/1988, estes serviços passaram a disputar o cliente psiquiátrico com
o setor público.
Em torno do movimento da Reforma Psiquiátrica no Brasil há uma gama de
conflitos, interesses e disputas de espaço. Apesar dessas tensões, surgiram as
normatizações que fortaleceram as propostas da Reforma. Um marco que colaborou
para a responsabilização do Estado quanto à questão da saúde mental no país refere-
se à assinatura da Declaração de Caracas, em 1990. Esta descrevia que os governos
deveriam assegurar os direitos humanos às pessoas com sofrimento mental e
organizar serviços comunitários de saúde mental, conforme MIRANDA S; (2019).
Os desdobramentos da declaração são percebidos no Brasil com a
intensificação de serviços “substitutivos” implantados. No início dos anos 1990 foram
aprovadas as portarias 189/91 e 224/92 do Ministério da Saúde, que originaram a
possibilidade, inexistente até então, para o SUS financiar programas de assistência

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externos ao hospital psiquiátrico para as pessoas com sofrimento psíquico e seus
familiares, conforme MIRANDA S; (2019).
Oficializaram, ainda, as normas para o funcionamento dos CAPS, delimitando
suas atribuições e diferenciando suas modalidades de acordo com a complexidade
dos atendimentos e abrangência populacional (Brasil, 1992 apud MIRANDA S; 2019).
Tais portarias indicam o caminho que vai sendo traçado pela saúde mental no Brasil
num contexto de ideologia neoliberal. Os serviços que vão sendo preconizados se
assimilam com os serviços extra hospitalares da psiquiatria preventiva dos EUA, de
caráter intermediário (CAPS), ao invés de apresentarem um caráter de fato
substitutivo (NAPS).

Em 2000, outra portaria relevante nesse processo de normatização de


serviços extramuros foi a portaria 106 que criou um significativo serviço: a
residência terapêutica, com vistas a abrigar pacientes psiquiátricos
desospitalizados que não conseguiram voltar para o retorno da vida no seio
familiar (Brasil, 2000 apud MIRANDA S; 2019).

No ano seguinte, após dez anos de tramitação do projeto de Lei de Paulo


Delgado, e com as pressões do empresariado e de grupos interessados na
manutenção do modelo manicomial, os senadores optam em aprovar o projeto de lei
do senador Sebastião Rocha (PDTAP), que se transformou na lei 10.216/2001. Esta
lei estabeleceu os direitos das pessoas com sofrimento psíquico preconizando que
assistência a esses sujeitos seja feita em serviços comunitários e não centralizada no
hospital psiquiátrico e que a internação hospitalar ocorra somente quando todos os
recursos extra hospitalares não forem suficientes (Brasil, 2001 apud MIRANDA S;
2019).
Apesar do seu texto legal diferir do projeto inicial, sobretudo ao ignorar a
proibição da construção de novos hospitais psiquiátricos, foi considerada a principal
lei para o movimento da RP. Foi definido pela Lei que o tratamento paute na reinserção
social do paciente em seu meio, por isso coloca que a pessoa com sofrimento mental
tem o direito de ser assistido preferencialmente em serviços comunitários de saúde
mental. Com a institucionalização da Lei, os CAPS assumem um lugar central no novo
modelo, passam a ser concebidos como serviços “substitutivos” à internação
psiquiátrica. Merhy (2007 apud MIRANDA S; 2019) compreende que estes serviços
podem fazer a crítica ao mundo manicomial e ao mesmo tempo desenvolver práticas
alternativas e substitutivas.

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Na opinião de Souza (2015, p.51 apud MIRANDA S; 2019) é preciso substituir
não só os hospitais psiquiátricos, mas sobretudo a lógica do modelo hospitalar”, ou
seja, a existência de serviços físicos não necessariamente caracteriza uma mudança
na perspectiva da “desinstitucionalização”, um CAPS pode funcionar como um serviço
aberto, porém não está livre de reproduzir práticas manicomiais.
Com base na Lei 10.216 de 2001, em 2002 foi publicada a portaria 336,
estabelecendo distintas modalidades de CAPS. O incentivo ao financiamento destes
serviços foi prescrito na portaria nº 245, de 17 de fevereiro de 2005 no qual foi
republicada em dezembro 2011 pela portaria Nº 3.089 que institui o recurso financeiro
fixo para as diversas modalidades de CAPS que estejam credenciados pelo Ministério
da Saúde, conforme MIRANDA S; (2019).
Ademais, no mesmo ano, em dezembro de 2011, foi criada a principal portaria
que diz respeito aos serviços “substitutivos”, a de nº 3088 que institui a Rede de
Atenção Psicossocial-RAPS, dispondo sobre a criação, ampliação e articulação de
pontos de atenção à saúde para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com
necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do SUS.
As diretrizes que norteiam o funcionamento da RAPS- Rede de Atenção Psicossocial
pautavam-se no respeito aos direitos humanos; no reconhecimento dos determinantes
sociais da saúde; na oferta de cuidado e assistência multiprofissional sob a lógica
interdisciplinar; diversificação das estratégias de cuidado com o foco em serviços de
base territorial e comunitária e na inclusão da participação e controle social dos
usuários dos serviços e de seus familiares (Brasil, 2011 apud MIRANDA S; 2019).
Entende-se aqui, a relevância de expor estas diretrizes, pois estas mostravam
que a proposta da RAPS- Rede de Atenção Psicossocial era totalmente oposta à
lógica de tratamento do modelo centralizado no hospital psiquiátrico. Tanto é que, na
descrição de seus componentes o hospital psiquiátrico não se apresenta como
dispositivo da Rede. Ele pode até ser acionado por ela, mas a ênfase da RAPS está
nos serviços abertos, conforme MIRANDA S; (2019).
No entanto, seis anos após o estabelecimento da RAPS, em 21 de dezembro
de 2017, foi publicada no Dário Oficial da União a portaria nº3.588 que trouxe
alterações profundas na RAPS- Rede de Atenção Psicossocial. Uma das principais
mudanças dizem respeito à inclusão do Hospital Psiquiátrico Especializado como
componente da Rede (Brasil, 2017 apud MIRANDA S; 2019). Os defensores da RP

12
fizerem críticas às modificações propostas por entenderem que a portaria favorece o
fortalecimento dos hospitais psiquiátricos indo contra os princípios da Lei nº
10.216/2001, que enfatiza o cuidado nos serviços de base territorial e por acreditarem
que a inclusão destes hospitais na Rede de atendimento traz prejuízos de
investimento em serviços de base territorial e comunitária, por isso, os estudiosos da
Reforma ponderam que as alterações são retrocessos para a política de saúde mental
que vinha tentando se consolidar no país (ABRASME, 2018 apud MIRANDA S; 2019).
A partir destes marcos, para Paulo Amarante (2006 apud MIRANDA S; 2019) a
RP como um processo complexo abrange quatro dimensões, sendo:
 Dimensão técnico-conceitual, que se refere ao questionamento das
bases teóricas e conceituais do paradigma clássico de olhar os sujeitos
com sofrimento mental. Descontrói, portanto os conceitos de doença
mental, de normalidade, concepção de cura, conforme MIRANDA S;
(2019).
 Dimensão técnico-assistencial, que se reporta à construção de
dispositivos estratégicos, como lugares de acolhimento e de trocas
sociais, conforme MIRANDA S; (2019).
 Dimensão jurídico-política, que demarca a necessidade de revisão na
legislação (sanitária, civil e penal), no que concerne as ações que
historicamente relacionaram a loucura com a periculosidade,
irracionalidade, incapacidade civil, de exercício de cidadania,
irresponsabilidade, e a necessidade da criação de um arcabouço jurídico
que respalde dos direitos dos sujeitos com sofrimento mental, como por
exemplo a instituição da lei 10.216 de 2001; referindo assim,
essencialmente ao aspecto da cidadania, conforme MIRANDA S; (2019).
 Dimensão sociocultural, pauta-se pela transformação do imaginário
social sobre a loucura e de relações que não sejam baseadas na
intolerância, mas sim na reciprocidade e solidariedade. Também inclui o
envolvimento da sociedade com a RP (Amarante, 2007 apud MIRANDA
S; 2019).
Portanto, este processo complexo permeado por tais dimensões ora segue
com avanços significativos ora com impasses e recuos, o momento atual é
apreensivo. Fato é que tem havido no Brasil profundas mudanças para a política de

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saúde mental. Ao refletir tais mudanças é crucialsituar asinterferências neoliberais
para o desenrolar desta política, conforme MIRANDA S; (2019).

2.1 Reformas Psiquiátricas no mundo

Se o século XIX foi o século dos manicômios o século XX será o século das
Reformas Psiquiátricas. Como elucidado, no período pós-guerra, houve críticas e
experiências reformistas em relação aos hospitais psiquiátricos. Com base em
Amarante (1995 apud MIRANDA S; 2019), abaixo está uma síntese das principais
propostas no mundo:
- Comunidade Terapêutica (Inglaterra -1959 apud MIRANDA S; 2019):
Processo de reformas institucionais predominantemente restritas ao espaço do
hospital psiquiátrico, marcado por medidas administrativas e técnicas que enfatizavam
aspectos democráticos, participativos e coletivos, como o envolvimento de pacientes
e familiares no tratamento, com vistas a uma transformação da dinâmica institucional
asilar.
- Psiquiatria de Setor (França apud MIRANDA S; 2019): Enfoque na criação
de novas instituições intermediárias, extra hospitalares, setorizando o território.
- Psicoterapia institucional (França-1952 apud MIRANDA S; 2019):
Recebeu influências da psicanálise. O movimento pautou-se no resgate do potencial
terapêutico do hospital psiquiátrico com ênfase ao coletivo dos pacientes e técnicos,
de todas as categorias, em oposição ao modelo tradicional, da hierarquia e da
verticalidade.
- Psiquiatria preventiva (EUA- 1955 apud MIRANDA S; 2019): Caracterizou-
se pelo deslocamento da lógica de doença mental para saúde mental. Buscou realizar
intervenções na comunidade com o objetivo da promoção da saúde mental. Foco em
serviços para prevenção. Requer sublinhar a criação de serviços extra hospitalares
de caráter intermediário. Caráter este que pode ter dois sentidos:

o primeiro, é no sentido de 'passagem' entre o hospital e a comunidade ou


vice- versa (isto é, quando o paciente transita pelo serviço em processo de
saída hospitalar, em processo de readaptação social, ou quando por tentativa
de evitar a internação integral e imediata); o segundo, é no sentido de
'provisório', isto é, como modalidade assistencial que deveria existir até o
momento em que o hospital tornar-se-ia obsoleto, dada a implantação da rede
de serviços preventivos e comunitários (Amarante, 1996, p.43 apud
MIRANDA S; 2019).

14
- Psiquiatria Democrática (Itália Déc.1970 apud MIRANDA S; 2019): criticou
radicalmente os fundamentos do paradigma psiquiátrico clássico.
Destaca-se o movimento de RP na Itália, em especial na década de 1970,
denominado de “Psiquiatria Democrática” conduzido pelo psiquiatra Franco Basaglia
que ao fazer uma crítica ao paradigma psiquiátrico até então instituído, propôs
processo de desinstitucionalização fundamentado no desmonte do hospital
psiquiátrico tendo em contrapartida a implantação de novos espaços e maneiras de
lidar com o sofrimento psíquico. Segundo Amarante (1995 apud MIRANDA S; 2019),
a tradição Basaglia trouxe em seu centro a exigência de uma análise histórico-crítica
em relação a como a sociedade interage com o sofrimento e a diferença.
A crítica ao paradigma psiquiátrico tradicional teve início na experiência do
hospital psiquiátrico de Goriza. Basaglia assumiu a direção do hospital em 1960 e
introduziu mudanças sob a influência Comunidade Terapêutica e da Psicoterapia
Institucional, só que indo além ao preconizar a modificação das relações de poder na
instituição, extinguindo os métodos punitivos/coercitivos e abrindo alguns espaços
para a comunidade (Gomes, 2013 apud MIRANDA S; 2019). Será, porém, no hospital
de Trieste a grande experiência de desinstitucionalização encabeçada por Basaglia.

O psiquiatra italiano percebeu que as contradições fundantes no interior do


manicômio, estavam na própria ordem social. Ao chegar em 1971 em Trieste,
iniciou uma desmontagem do aparato manicomial, seguido da criação de
novos espaços e modos de lidar com a loucura, ou melhor com o sofrimento
mental, pois propôs colocar a doença entre parênteses e se atentar para a
dimensão do sofrimento do sujeito. Nesse sentido foram construídos sete
centros de saúde mental, um para cada área da cidade, cada qual
abrangendo de 20 a 40 mil habitantes funcionamento 24 horas ao dia, sete
dias por semana. São abertos também vários grupos-apartamento, que são
residências ondem moram os usuários, algumas vezes só, algumas vezes
acompanhados por técnicos e/ou outros operadores voluntários, que prestam
cuidados a um enorme contingente de pessoas, em mais de trinta locais
diferentes (Amarante, 1995, p.50 apud MIRANDA S; 2019).

A repercussão do trabalho em Trieste culminou na aprovação da Lei 180, no


ano de 1978, que determinou a extinção dos manicômios e a substituição do modelo
psiquiátrico por outras modalidades, assistência, sendo até hoje a única no gênero em
todo o mundo (Amarante, 2006 apud MIRANDA S; 2019).
No que concerne ao aspecto conceitual de desinstitucionalização é importante
salientar que esse termo pode apresentar significações distintas como aponta
Amarante (1996 apud MIRANDA S; 2019). De acordo com o autor, a noção inicial de
desinstitucionalização surgiu nos EUA em virtude do Plano de Saúde Mental do
15
governo Kennedy a partir da psiquiatria preventiva, sendo compreendida como um
conjunto de medidas de desospitalização, voltadas para objetivos administrativos
(redução dos custos da assistência para os cofres públicos), sem colocar o hospital
psiquiátrico em questão.
Outra tendência para o sentido de desinstitucionalização é o seu entendimento
como desassistência, que significaria no abandono dos doentes à própria sorte, de
que o Estado se exime da responsabilidade com esse público. E, por fim, a terceira
direção de sentido atribuída diz respeito à crítica vigorosa ao saber psiquiátrico, ao
aparato manicomial e de segregação. Desinstitucionalizar significaria “entender
instituição no sentido dinâmico e necessariamente complexo das práticas e saberes
que produzem determinadas formas de perceber, entender e relacionar-se com os
fenômenos sociais e históricos” (1995, p.48 apud MIRANDA S; 2019). Nesta última
tendência que o movimento de RP brasileira buscou inspiração.

3 A SAÚDE MENTAL NO CONTEXTO NEOLIBERAL

Fonte: revistahsm.com.br

Sob a perspectiva do ideário neoliberal, viu-se que há um retraimento do Estado


nos investimentos na política de saúde. No caso brasileiro, tem-se um
descompromisso com a sustentação de um sistema de saúde pública prescrito na
CF/88. Há uma tendência do mercado regular os serviços de saúde: os sujeitos que
podem pagar recorrem aos serviços privados e o Estado presta os serviços apenas
16
àqueles que não os adquirem pela via do mercado. Segundo Vasconcelos (2010, p.
03, apud MIRANDA S; 2019), para a maioria da população, “fica uma assistência
pública sucateada, focalizada e/ou uma forte tendência para a privatização crescente
de várias linhas de atendimento à população, via provisão de serviços de saúde e
saúde mental terceirizados”.
No país, os processos sociais e políticos se veem refletidos na degradação do
quadro de saúde e saúde mental da população, desencadeando crescentes
demandas de assistência. Nesse contexto, os desafios postos à sociedade, ao Estado
e à política de saúde mental podem direcionar para uma regressão das conquistas
nesta área (Vasconcelos, 2010 apud MIRANDA S; 2019).
Cumpre assinalar, que tais conquistas estão associadas ao entendimento de
que todo o decurso da RP provocou mudanças na forma da sociedade lidar com os
sujeitos com sofrimento psíquico, haja vista, que o movimento pautou pela defesa dos
direitos desses indivíduos e de serviços inclusivos, abertos e não segregadores como
procederam, historicamente, os hospitais psiquiátricos. Foram insuficientes, contudo,
tanto na assistência integral quanto na substituição dos serviços, conforme MIRANDA
S; (2019).

Vasconcelos (2010 apud MIRANDA S; 2019) compreende que os grandes


obstáculos encarados tanto pela RP como pela Reforma Sanitária, na
realidade, representam um desafio com proporção mais abrangente que diz
respeito ao processo de universalização das políticas sociais em contexto
periférico ou semiperiférico, o qual tem se dado em meio à crise das políticas
de bem -estar social na esfera mundial e a hegemonia e expansão de políticas
neoliberais, resultantes em desemprego estrutural, sucateamento das
políticas sociais públicas, desfiliação e desassistência aos grupos sociais
subalternos.

A transição dos cuidados às pessoas com sofrimento psíquico do modelo asilar


ao modelo de atenção psicossocial - que para Costa-Rosa (2000 apud MIRANDA S;
2019) são as formas políticas e teórico técnicas que fazem oposição ao modelo
hospitalocêntrico- insere-se no cenário de um SUS instável, cheio de tensões e crises.
Como já descrito, houve um amplo movimento de mudanças do modelo da assistência
à saúde mental no Brasil, o hospital psiquiátrico perdeu a centralidade da assistência
e os serviços comunitários ganharam espaço.

17
De acordo com Andreoli (2007 apud MIRANDA S; 2019) novas modalidades de
tratamento têm sido disponibilizadas, incluindo o acesso gratuito aos psicotrópicos,
contudo, apesar das expansões dos serviços, a RP não foi seguida pelo aumento do
investimento público em saúde mental.
O autor esclarece que a Reforma não consiste numa estratégia de redução de
custos; pelo contrário, ela necessariamente implica a expansão de investimentos se
de fato os governos estabelecessem aprimorar os cuidados em saúde mental aos
distintos grupos sociais, em especial, aos grupos em desvantagens. A lógica da RP
não é meramente suprimir à assistência psiquiátrica asilar, mas de deslocar e
incorporar investimentos públicos em outros modos de assistência. A questão que
cabe levantar é se os investimentos feitos nesses novos modos de cuidar têm
viabilizado os cuidados necessários à população com sofrimento mental no Brasil,
conforme MIRANDA S; (2019).
De acordo com Bandeira (1991 apud MIRANDA S; 2019), a implementabilidade
de um sistema depende do apoio financeiro que obtém e neste aspecto, o campo da
saúde mental no formato da atenção psicossocial baseada em serviços substitutivos
ao modelo asilar de cuidado, vive um dilema estrutural quanto ao financiamento
adequado. Para Fonseca (2007, p.38 apud MIRANDA S; 2019), diferentemente das
outras áreas da saúde, os problemas de sofrimento psíquico.
Não são transmissíveis por vírus ou bactérias, não são identificáveis por
radiografia, ou exame de sangue e não afetam, portanto, de modo claro, a taxa de
mortalidade da população. As terapêuticas custam caro porque dependem
fundamentalmente de pessoas que cuidam de pessoas, por um prazo, em geral,
indeterminado. Ou seja, é uma área da saúde para o qual o conceito “cura” não faz
qualquer sentido, e o resultados terapêuticos, portanto, não podem ser apresentados
sem uma boa dose de elementos subjetivos e qualitativos de análise, conforme
MIRANDA S; (2019).
Por estas razões, do ponto de vista do autor, para os gestores públicos, que de
modo geral são orientados pelo horizonte do curto prazo de quatro anos de mandato,
a saúde mental é uma área de investimento de baixa rentabilidade político-eleitoral.
Por exemplo, “Diz-se efetuamos 15000 operações de catarata, ou aplicamos 1 milhão
de vacinas, mas não se pode dizer “realizamos 200 reabilitações psicossociais”
(Fonseca 2007, p.39 apud MIRANDA S; 2019).

18
Com base nesse raciocínio o autor pondera que a defesa por uma política de
saúde pública eficaz, já é difícil, do ponto de vista de se assegurar os recursos
necessários à implementação dos princípios básicos do SUS, os desafios postos à
saúde Mental são ainda mais corpulentos, conforme MIRANDA S; (2019).

O quadro político no campo da saúde no Brasil tem apresentado problemas


graves, o sub financiamento das políticas sociais tem inviabilizado o
funcionamento de qualidade de muitos serviços substitutivos. Segundo
Vasconcelos (2010 apud MIRANDA S; 2019), no Brasil muitos CAPS ainda
não funcionam 24 horas e os que funcionam muitas vezes estão abarrotados,
ficam fechados aos finais de semana, sobretudo nas regiões do interior. Há,
assim, dificuldades da prestação de atendimento à crise aguda de um
portador de sofrimento psíquico grave nestas regiões.

A Reforma previu a necessidade de instituições públicas que deem conta da


complexidade nessa área, incluindo os subsídios para o atendimento dos quadros
mais agudos e de crises que demande o internamento, que deveria ser feito em
hospital geral com condições para tal. Esse atendimento na perspectiva de
integralidade é muito difuso no país, conforme MIRANDA S; (2019).
O autor assinala que nas cidades de médio/pequeno porte o número de
médicos psiquiatras disponíveis é baixo e é menor ainda os que se dispõem a
trabalhar na atenção psicossocial, o que dificulta os plantões desses profissionais nos
CAPS (Vasconcelos, 2010 apud MIRANDA S; 2019). Diante disto, entende-se que a
trajetória da política de atendimento às pessoas com sofrimento mental no Brasil é
complexa uma vez que engloba distintos atores e discursos.
Nesse sentido, pondera-se que a RP no Brasil ainda está em curso, ou seja,
está inacabada e inconclusa. Correa e Passos (2017 apud MIRANDA S; 2019)
afirmam que é “Impossível voltar atrás”. Em concordância com as autoras, defende-
se que numa sociedade democrática não há espaços para instituições que segreguem
o “diferente”, que cerceei os direitos sociais e humanos, ou seja, é preciso reconhecer
que as mudanças propostas ao campo da saúde mental na perspectiva da
desinstitucionalização basagliana foram avanços importantes para a legislação
brasileira. Porém, isso não isenta problematizar se as normativas atuais e as gestões
públicas têm de fato ofertado à pessoa com sofrimento mental um lugar distinto do da
exclusão e marginalidade que atenda sua real demanda.

19
3.1 Rede de Atenção Psicossocial: a Atual Política de Saúde Mental no Brasil

A Reforma Psiquiátrica, também conhecida como Luta Antimanicomial,


abordada acima, tem suas nomenclaturas atribuídas a uma grande mobilização social
que já dura mais de duas décadas e vem propondo a reformulação das políticas
públicas de saúde mental, de modo a superar o modelo asilar que há muitos anos fora
praticado no Brasil e no mundo, fundamentado sobre a discriminação e a segregação
de pessoas, com a intenção de substituí-lo por um conjunto de serviços abertos e
comunitários que garantam à pessoa com transtorno mental o cuidado necessário
para viver com segurança em liberdade, no convívio familiar e social tanto quanto
possível, assim como qualquer outro cidadão, conforme ZANELLA F; (2019).
O marco legal visto como uma conquista para as pessoas com transtornos
mentais foi a aprovação da Lei Federal nº 10.216/2001, que deu respaldo jurídico e
legitimidade ao movimento de Reforma Psiquiátrica. A Lei dispõe sobre a proteção
das pessoas com transtornos mentais e redireciona todo o modelo assistencial na
área para todos que dele necessitam, conforme ZANELLA F; (2019).
Conforme Moura (2011 apud ZANELLA F; 2019), a rede de atenção à saúde
mental brasileira é parte integrante do SUS, rede organizada de ações e serviços
públicos de saúde instituída no Brasil pelas Leis Federais nº 8080/1990 e nº
8142/1990. Leis, Portarias e Resoluções do Ministério da Saúde priorizam o
atendimento à pessoa com transtorno mental no sistema comunitário, indo de
encontro com o que é reivindicado pelo Movimento da Reforma Psiquiátrica dentro da
política de saúde mental.
Diante disso, o Estado passa a ter a responsabilidade de pensar e criar e rever
políticas públicas para assistir às necessidades de atendimento das pessoas com
transtorno mental de forma extra-hospitalares. São, portanto, instalados os primeiros
centros de atenção psicossocial no país para responder à nova demanda de
atendimento das pessoas com transtorno mental oriundas de longos internamentos
nos hospitais psiquiátricos que aos poucos foram reduzindo seus leitos, conforme
ZANELLA F; (2019).

20
Conforme Moura (2011 apud ZANELLA F; 2019), o primeiro CAPS no Brasil foi
inaugurado em março de 1986, em São Paulo. O Centro de Atenção Psicossocial
Professor Luiz da Rocha Cergueira, conhecido como CAPS da Rua Itapeva, com mais
de trinta anos de funcionamento, serviu de referência para as instalações de mais
CAPS por todo o país.
Os Núcleos de Apoio Psicossocial (NAPS) ou Centros de Atenção Psicossocial
(CAPS) foram criados oficialmente a partir da Portaria nº 224/1992, que regulamentou
o funcionamento de todos os serviços de saúde mental em acordo com as diretrizes
de descentralização e hierarquização das Leis Orgânicas do SUS, conforme
ZANELLA F; (2019).
Essa Portaria define os NAPS/CAPS como unidades de saúde
locais/regionalizadas que contam com uma população adscrita definida pelo nível
local e que oferecem atendimento de cuidados intermediários entre o regime
ambulatorial e a internação hospitalar. Os NAPS/CAPS podem constituir-se também
em porta de entrada da rede de serviços para as ações relativas à saúde mental e
atendem também a pacientes referenciados de outros serviços de saúde, dos serviços
de urgência psiquiátrica ou egressos de internação hospitalar (MOURA, 2011 apud
ZANELLA F; 2019).
A pessoas dependentes químicas e as pessoas com transtornos mentais têm
seu tratamento e acompanhamento priorizados pela RAPS, principalmente nos CAPS
ou UA, pois a dependência química é definida pela 10ª edição da Classificação
Internacional de Doenças da OMS como um conjunto de fenômenos
comportamentais, cognitivos e fisiológicos que se desenvolvem após o uso repetido
de determinada substância, conforme ZANELLA F; (2019).
De acordo com ZANELLA F; (2019), em 2003, o Ministério da Saúde publicou
“A Política do Ministério da Saúde para a Atenção Integral a Usuários de Álcool e
outras Drogas”, assumindo o compromisso de prevenir, tratar e reabilitar esses
usuários através dessa política. Para isso, desenvolveu algumas práticas a serem
contempladas, entre elas:

[...] proporcionar tratamento na atenção primária, garantir o acesso a


medicamentos, garantir atenção na comunidade, fornecer educação em
saúde para a população, envolver comunidades/famílias/usuários, formar
recursos humanos, criar vínculos com outros setores, monitorizar a saúde
mental na comunidade, dar mais apoio à pesquisa e estabelecer programas
específicos (BRASIL, 2003, p. 11 apud ZANELLA F; 2019).

21
Para que o tratamento da saúde das pessoas com dependência de álcool e
outras drogas seja atendido de forma integral, devem ser vistas para além do aspecto
econômico e social para a recuperação do usuário. Neste mesmo movimento, o
Ministério da Saúde, com a implementação da política de atenção a usuários de álcool
e outras drogas, buscou implantar novos programas, como a criação de Centros de
Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPSAD). Criaram-se também redes de
dispositivos comunitários, integrados ao meio cultural e articulados à rede assistencial
em saúde mental e aos princípios de Reforma Psiquiátrica para dar suporte aos
dependentes, conforme ZANELLA F; (2019).
A Portaria nº 336/MS, publicada em 19 de fevereiro de 2002, um ano após a
implementação da Lei Federal nº 10.216/2001, que atualizou a Portaria nº 224/92,
regulamenta o funcionamento dos CAPS. Uma vez necessário projetar serviços
públicos de saúde, substitutivos ao modelo asilar, de referência nos territórios
comunitários e de livre acesso para as pessoas com transtornos mentais sejam
crianças, adolescentes ou adultos, um dos mais populares modelos de assistência
para esse público foram os CAPS, que propõem serviços de atenção psicossocial
através do SUS em um local destinado a dar atenção, oferecer tratamento,
acompanhamento e, ao mesmo tempo, espaço social no sentido de produção de
projetos de vida e de exercício de direitos, conforme ZANELLA F; (2019).

Nessa perspectiva, projetar o espaço CAPS requer considerar, em particular,


A afirmação da perspectiva de serviços de portas abertas, no sentido literal e
simbólico: espaços e relações de “portas abertas”; a disponibilidade e o
desenvolvimento de acolhimento, cuidado, apoio e suporte; A configuração
de um serviço substitutivo, territorial, aberto e comunitário espaços que
expressem o “cuidar em liberdade” e a afirmação do lugar social das pessoas
com a experiência do sofrimento psíquico e da garantia de seus direitos; A
atenção contínua 24 horas compreendida na perspectiva de hospitalidade; A
permeabilidade entre “espaço do serviço” e os territórios no sentido de
produzir serviços de referência nos territórios (BRASIL, 2013, p.17 apud
ZANELLA F; 2019).

O espaço do CAPS deve ser pensado de forma a acolher as pessoas com


transtorno mental, para que continuem seu tratamento e tenham acompanhamento de
forma livre, estimulando o convívio comunitário. Em 1989, três anos depois na região
onde foi instalado o primeiro CAPS no país, a Secretaria Municipal de Saúde de
Santos, São Paulo, deu início a um processo de intervenção em um hospital
psiquiátrico, a Casa de Saúde Anchieta, local onde havia denúncias de maus-tratos e
mortes de pacientes, conforme ZANELLA F; (2019).
22
Essa ação teve repercussão nacional e colaborou com a visibilidade de
atenção ao tipo de tratamento que era oferecido no hospital psiquiátrico, agitando, em
nível nacional, a necessidade de construção de uma rede de cuidados para essas
pessoas que fosse substitutiva ao hospital psiquiátrico. Assim, neste período, foram
implantados em Santos NAPS com atendimento 24 horas e criadas cooperativas e
residências para os egressos do hospital e associações (BRASIL, 2005 apud
ZANELLA F; 2019).
Os NAPS possuem o mesmo objetivo de atendimento de um CAPS, com
nomenclatura diferente, tendo requisitos de equipe técnica como prevê o manual que
orienta a estrutura física dos Centros de Atenção Psicossocial e Unidades de
Acolhimento. Publicado em 2013, o manual traz orientações para elaboração de
projetos de construção, reforma e ampliação de CAPS e de Unidades de Atendimento
(UA), conforme ZANELLA F; (2019).
De acordo com ZANELLA F; (2019), os CAPS estão organizados conforme
modalidades para melhor atendimento de sua população usuária. Conforme
especificações e tipificações previstas no manual, CAPS I:

Atende pessoas de todas as faixas etárias que apresentam prioritariamente


intenso sofrimento psíquico decorrente de transtornos mentais graves e
persistentes, incluindo aqueles relacionados ao uso de substâncias
psicoativas, e outras situações clínicas que impossibilitem estabelecer laços
sociais e realizar projetos de vida. Indicado para Municípios ou regiões de
saúde com população acima de quinze mil habitantes (BRASIL, 2013, p. 13
apud ZANELLA F; 2019).

Equipe mínima necessária para compor o CAPS I: um médico com formação


em saúde mental; um enfermeiro; três profissionais de nível superior, que podem ser:
psicólogo, assistente social, terapeuta ocupacional, e quatro profissionais de nível
médio. Apesar de o manual trazer a informação de que o atendimento é para todas as
faixas etárias, pode se afirmar que o público de crianças e adolescentes é atendido
pelo CAPSi, quando houver nas cidades com maior número de habitantes, conforme
ZANELLA F; (2019).
Há também o CAPSII – previsto para municípios com população acima de cem
mil habitantes, que deve contar com equipe mínima de um médico psiquiatra; um
enfermeiro com formação em saúde mental; quatro profissionais de nível superior e
seis profissionais de nível médio para o atendimento administrativo. Cabe aqui
ressaltar que se enquadram os auxiliares e técnicos em enfermagem no nível médio

23
dos profissionais que compõem uma equipe de CAPS, seja de que porte for, conforme
ZANELLA F; (2019).

CAPS II: Atende prioritariamente pessoas em intenso sofrimento psíquico


decorrente de transtornos mentais graves e persistentes, incluindo aqueles
relacionados ao uso de substâncias psicoativas, e outras situações clínicas
que impossibilitem estabelecer laços sociais e realizar projetos de vida
(BRASIL, 2013, p. 13 apud ZANELLA F; 2019).

Para Municípios ou regiões de saúde com população acima de cento e


cinquenta mil habitantes, há previsão do CAPSIII, que atende prioritariamente
pessoas em intenso sofrimento psíquico decorrente de transtornos mentais graves e
persistentes, incluindo aqueles relacionados ao uso de substâncias psicoativas, e
outras situações clínicas que impossibilitem estabelecer laços sociais e realizar
projetos de vida, conforme ZANELLA F; (2019).
O CAPSIII proporciona serviços de atenção contínua, com funcionamento vinte
e quatro horas, incluindo feriados e finais de semana, ofertando retaguarda clínica e
acolhimento noturno a outros serviços de saúde mental, inclusive para atendimentos
do CAPS AD. Equipe mínima: 02 médicos psiquiatras; 01 enfermeiros com formação
em saúde mental, 05 profissionais de nível universitário, 08 profissionais de nível
médio (BRASIL, 2013, p. 13 apud ZANELLA F; 2019).
O CAPSIII, por ter um serviço contínuo, o acolhimento noturno, com
atendimento 24 horas por dia, necessita de equipe técnica composta por três
técnicos/auxiliares de enfermagem, sob supervisão do enfermeiro do serviço, e um
profissional de nível médio da área de apoio. Para as 12 horas diurnas, nos sábados,
domingos e feriados, a equipe deve ser composta por um profissional de nível
superior, três técnicos/auxiliares de enfermagem, sob supervisão do enfermeiro do
serviço, e um profissional de nível médio da área de apoio, conforme previsto no
manual, conforme ZANELLA F; (2019).
Temos ainda o CAPSAD centro de atenção psicossocial álcool e drogas,
direcionado ao tratamento e acompanhamento de pessoas de todas as faixas etárias
que apresentam intenso sofrimento psíquico decorrente do uso de crack, álcool e
outras drogas. [...] proporciona serviços de atenção contínua, com funcionamento
vinte e quatro horas, incluindo feriados e finais de semana, ofertando retaguarda
clínica e acolhimento noturno. Indicado para Municípios ou regiões de saúde com
população acima de cento e cinquenta mil habitantes. Equipe mínima: 1 médico

24
psiquiatra; 01 enfermeiros com formação em saúde mental; 1 médico clínico,
responsável pela triagem, avaliação e acompanhamento das intercorrências clínicas;
4 profissionais de nível universitário, 6 profissionais de nível médio (BRASIL, 2013, p.
14 apud ZANELLA F; 2019).
Como há também o CAPSADIII, que atende adultos, crianças e adolescentes,
com funcionamento no período de 24 horas e que possui até doze leitos, quando
pessoas em atendimento pelo CAPSAD necessitam fazem uso do CAPSADIII quando
houver necessidade e disponibilidade na cidade. Este possui Serviço com no máximo
12 leitos para observação e monitoramento, de funcionamento 24 horas, incluindo
feriados e finais de semana; indicado para municípios ou regiões com população
acima de 150.000 habitantes. Equipe mínima: 1 médico clínico; 1 médico psiquiatra;
1 enfermeiro com experiência e/ou formação na área de saúde mental; 5 profissionais
de nível universitário, 4 técnicos de enfermagem; 4 profissionais de nível médio; 1
profissional de nível médio para a realização de atividades de natureza administrativa
(BRASIL, 2013, p. 14 apud ZANELLA F; 2019).
Considerando as normativas do Estatuto da Criança e do Adolescente, quando
há crianças ou adolescentes com necessidades de cuidados clínicos contínuos em
instituições, inclusive nos CAPSIII e CAPSADIII, prioriza-se o menor tempo possível
de permanência para que a criança ou adolescente possa dar continuidade de seu
tratamento e acompanhamento de forma ambulatorial, conforme ZANELLA F; (2019).

Há, ainda, o Centro de Atenção Psicossocial que atende somente crianças e


adolescentes, chamado de CAPSi, o CAPS infantil ou infanto-juvenil, atende
crianças e adolescentes que apresentam prioritariamente intenso sofrimento
psíquico decorrente de transtornos mentais graves e persistentes, incluindo
aqueles relacionados ao uso de substâncias psicoativas, e outras situações
clínicas que impossibilitem estabelecer laços sociais e realizar projetos de
vida. Indicado para municípios ou regiões com população acima de 70 mil
habitantes (BRASIL, 2013, p. 15 apud ZANELLA F; 2019).

O manual, quando se refere a profissionais de nível superior para compor a


equipe técnica, está referenciando psicólogo, assistente social, terapeuta
ocupacional, pedagogo fonoaudiólogo, profissional de educação física, enfermeiro ou
outro profissional de nível superior que contribua para o projeto terapêutico. Já os de
nível médio são os auxiliares e técnicos de enfermagem, técnico administrativo,
técnico artesão, entre outros, conforme necessidade do serviço, conforme ZANELLA
F; (2019).

25
Para o funcionamento do CAPSi, está previsto como equipe técnica mínima:
um médico psiquiatra, ou neurologista ou pediatra com formação em saúde mental;
um enfermeiro; quatro profissionais de nível superior e cinco profissionais de nível
médio (BRASIL, 2013 apud ZANELLA F; 2019).
Segundo BRASIL (2004 apud ZANELLA F; 2019), os municípios com menos
de vinte mil habitantes não obrigatoriamente precisam ter CAPS, segundo a lógica de
organização proposta pelo Ministério da Saúde, e podem começar a estruturar sua
rede de cuidados a partir da Atenção Básica do próprio município.
Há como serviço extra-hospitalar na área da saúde mental as UA para adultos,
destinada às pessoas que fazem uso de álcool e outras drogas maiores de dezoito
anos. Com funcionamento 24 horas, conforme consta no manual (2013 apud
ZANELLA F; 2019), são previstos pelo menos um profissional de nível superior
(médico, psicólogo, assistente social, profissional de educação física, entre outros),
por período de atendimento manhã, tarde e noite, além de dois profissionais de nível
médio no local.
Já as Unidades de Acolhimento Infanto-Juvenil, destinadas às crianças e aos
adolescentes entre dez e dezoito anos incompletos, possuem a mesma necessidade
mínima de equipe técnica que uma UA para adultos, porém com 12 horas diárias de
funcionamento e com o requisito de “40 horas de profissionais de nível superior na
área de educação, distribuídas de maneira a garantir a presença mínima de 1
profissional por período em todos os dias úteis da semana, das 7h às 19 horas”
(BRASIL, 2013, p. 16 apud ZANELLA F; 2019).
Todos esses dispositivos foram criados para organizar a rede municipal de
atenção a pessoas com transtornos mentais. Os CAPS em todas as suas
modalidades, são serviços de saúde municipal, abertos, comunitários, que oferecem
atendimento diário. Eles devem ser territorializados, devem estar circunscritos no
espaço de convívio social daqueles usuários que os frequentam, conforme ZANELLA
F; (2019).
Os CAPS, dentro da atual política de saúde mental do Ministério da Saúde, são
considerados dispositivos estratégicos para a organização da rede de atenção em
saúde mental. Com a criação desses centros, possibilita-se a organização de uma
rede substitutiva aos hospitais psiquiátricos que mantinham longos internamentos e
impossibilitavam que muitas pessoas não tivessem convívio social e familiar. O

26
principal objetivo é oferecer atendimento à população, realizar o acompanhamento
clínico e a reinserção social dos usuários pelo acesso ao trabalho, lazer, exercício dos
direitos civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários, conforme ZANELLA
F; (2019).
As práticas realizadas nos CAPS têm como característica ocorrerem em
ambiente aberto, acolhedor e inserido na cidade, no bairro. Os projetos desses
serviços, muitas vezes, ultrapassam a própria estrutura física, em busca da rede de
suporte social, preocupando-se com o sujeito e sua singularidade, sua história, sua
cultura e sua vida cotidiana (BRASIL, 2004 apud ZANELLA F; 2019). Com o objetivo
de promover a ressocialização da pessoa com transtorno mental, proporciona de
forma emancipatória o exercício da cidadania, ao invés da exclusão que vinha sendo
praticada por muitos anos no país. Os CAPS possuem, por fim, um papel estratégico
na organização da rede comunitária de cuidados às pessoas com transtorno mentais,
além de direcionar e de desenvolver projetos terapêuticos e comunitários para seus
usuários.
O processo de construção dos serviços de atenção psicossocial tem revelado
outras realidades, conforme (BRASIL, 2004 apud ZANELLA F; 2019) as teorias e os
modelos prontos de atendimento vão se tornando insuficientes diante das demandas
das relações diárias com o sofrimento e a singularidade desse tipo de atenção que o
sujeito requer e necessita. É preciso criar, observar, escutar, estar atento à
complexidade da vida das pessoas, ir para além do que se está previsto em legislação,
visto como mínimo para estruturar um CAPS e modelo terapêutico de tratamento.
Para tanto, é necessário que, ao definir atividades, como estratégias
terapêuticas nos CAPS, sejam repensados os conceitos, as práticas e as relações que
podem promover saúde entre as pessoas: técnicos, usuários, familiares e
comunidade. É preciso que todos os envolvidos participem desta construção o
máximo possível, questionando e avaliando permanentemente os direcionamentos do
serviço, tratamento e acompanhamento, para que possam estar próximos de garantir
os direitos humanos de cada usuário, conforme ZANELLA F; (2019).
Temos ainda previsto em legislações como serviço na rede extra hospitalar o
Serviço Residencial Terapêutico (SRT). Segundo o Ministério da Saúde (2004 apud
ZANELLA F; 2019), as residências terapêuticas constituem-se como alternativas de
moradia para as pessoas que estiveram internadas há anos em hospitais psiquiátricos

27
por não contarem com suporte adequado na comunidade e, principalmente, por não
contar com suporte familiar e social suficientes para garantir espaço adequado de
moradia. O “número de usuários pode variar desde 1 indivíduo até um pequeno grupo
de no máximo 8 pessoas, que deverão contar sempre com suporte profissional
sensível às demandas e necessidades de cada um” (BRASIL, 2004, p. 6 apud
ZANELLA F; 2019).
A reabilitação psicossocial deve buscar a inserção do usuário na rede de
serviços, organizações e relações sociais da comunidade. Ou seja, a inserção em um
SRT é o início de longo processo de reabilitação da pessoa com transtorno mental,
serviço que deverá buscar a progressiva inclusão social do morador que possui algum
tipo de transtorno mental em sociedade mesmo que já não possua vínculos familiares,
conforme ZANELLA F; (2019).

4 POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL E DIREITOS HUMANOS: BREVES


REFLEXÕES

Fonte: exactstringask.com

Para entendermos a ligação entre a saúde mental, a política de saúde mental


e os direitos humanos, é preciso esclarecer conceitos e compreensões para
conseguimos refletir sobre o tema, compreender que os direitos humanos perpassam

28
por todas as pessoas e políticas públicas, inclusive a política de saúde mental,
conforme ZANELLA F; (2019).
O princípio da dignidade da pessoa humana está previsto no art. 1º, inciso III
da Constituição Federal de 1988, sendo um princípio fundamental da República
brasileira e norma constitucional que permeia todo o ordenamento jurídico no país
(BRASIL, 1988 apud ZANELLA F; 2019). O princípio da dignidade da pessoa humana
é um valor moral e espiritual inerente à pessoa, ou seja, todo ser humano é dotado
desse preceito. Ainda acerca da Constituição, o art. 6º trata dos direitos sociais pelos
quais todo ser humano está, ou deveria estar, assegurado em nosso país,

São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a


moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção
à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição (BRASIL,1988, p. 6 apud ZANELLA F; 2019).

A Constituição Federal de 1988 foi instituída para assegurar, através de


garantias constitucionais, maior efetividade aos direitos fundamentais, inerentes a
todos os que vivem no Brasil, permitindo a participação do Poder Judiciário sempre
que houver lesão ou ameaça de lesão a direitos, conforme ZANELLA F; (2019).
O direito à saúde permeia a dimensão da dignidade do ser humano, e o respeito
a esse direito não é simplesmente uma questão de solidariedade ou de cidadania,
mas, sim, e antes de tudo, de sobrevivência de toda uma nação, direito à vida como
aborda o art. 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida” (BRASIL, 1988, p. 2 apud ZANELLA F; 2019).
Do preâmbulo da Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH) de 1948,
duas considerações devem ser destacadas para auxiliar na reflexão sobre o tema:
"Considerando que a liberdade, a justiça e a paz no mundo têm por base o
reconhecimento da dignidade intrínseca e dos direitos iguais e inalienáveis de todos
os membros da família humana" e, ainda, "considerando que o desconhecimento e o
menosprezo dos direitos humanos tem originado atos de barbárie ultrajantes para a
consciência da humanidade, conforme ZANELLA F; (2019).
Em outras palavras, os direitos humanos são inerentes a todos,
independentemente de raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer
outra condição, o respeito à vida é igualitário assim como deveriam haver todas as
condições de subsistência para garantir a dignidade da vida humana, como moradia,
29
alimentação, saúde, lazer, liberdade de expressão, entre tantas outras necessidades
humanas objetivas e subjetivas, conforme ZANELLA F; (2019).
De acordo com ZANELLA F; (2019), fundados sobre o respeito pela dignidade
e o valor de cada pessoa, os direitos humanos têm como principais características,
assim como traz o informativo online do Nações Unidas do Brasil,

[...] são universais, o que quer dizer que são aplicados de forma igual e sem
discriminação a todas as pessoas; os direitos humanos são inalienáveis, e
ninguém pode ser privado de seus direitos humanos; eles podem ser
limitados em situações específicas. Por exemplo, o direito à liberdade pode
ser restringido se uma pessoa é considerada culpada de um crime diante de
um tribunal e com o devido processo legal; os direitos humanos são
indivisíveis, inter-relacionados e interdependentes, já que é insuficiente
respeitar alguns direitos humanos e outros não. Na prática, a violação de um
direito vai afetar o respeito por muitos outros (ONUBR, 2019, p. 2 apud
ZANELLA F; 2019).

Compreende-se, assim, que direitos humanos são todos os direitos individuais


fundamentais, como moradia, educação, trabalho, lazer, saúde e entre outras
necessidades, os direitos econômicos relativos à empregabilidade, meio ambiente e
suas riquezas naturais e consumidor e, ainda, os direitos políticos relativos às formas
de realização e exercício da cidadania, conforme ZANELLA F; (2019).
A pessoa com transtorno mental merece tratamento digno em relação à sua
saúde mental, assim como todos os direitos resguardados a qualquer outro cidadão,
respeitando suas necessidades e a integração com a família e a comunidade.
Segundo Moura (2011 apud ZANELLA F; 2019), a pessoa com transtorno mental
apresenta formas não convencionais de fazer-estar no mundo, necessitando de
políticas públicas voltadas a elas com respeito à dignidade humana.
A DUDH prevê a ampla e irrestrita aplicação de seus princípios para todos,
inclusive para as pessoas com transtornos mentais. Exige, ainda, a necessidade da
implantação de leis que assegurem direitos universais aos ditos “loucos”, para que se
tenha dignidade em seu tratamento e convivência em seu meio social e familiar,
conforme ZANELLA F; (2019).
Outrossim, diferentes países, inclusive o Brasil, manifestam a aceitação do
conjunto dos direitos humanos, baseados nos princípios da dignidade humana,
consolidando e reconhecendo liberdades individuais, direitos civis, sociais e à vida
sem violência, tal como traz a DUDH. Desse modo, na medida em que o Brasil se
responsabilizou por compromissos internacionais pela garantia dos direitos humanos

30
e incorporou a noção de igualdade e justiça na Constituição, assumindo o Programa
de Direitos Humanos, selou um compromisso expresso e formal, necessitando pensar
políticas públicas voltadas a atender as mais variadas necessidades humanas, como
na área da saúde pública, na saúde mental, educacional, habitacional, entre tantas
outras, conforme ZANELLA F; (2019).
É preciso que se assimile efetivamente o significado dos direitos humanos,
exigindo cidadania plena e dignidade para todos, seja legalmente, seja no cotidiano.
Respeitar e reconhecer as diferenças é o exercício de democracia na busca de um
mundo mais justo para todos. Segundo a cartilha Direito à Saúde Mental, produzida
em 2012 pelo Ministério Público Federal, a saúde mental “é um direito fundamental do
cidadão, previsto na Constituição Federal para assegurar bem-estar mental,
integridade psíquica e pleno desenvolvimento intelectual e emocional” (BRASIL, 2012,
p. 14 apud ZANELLA F; 2019).
Para aqueles que necessitam de tratamento na área da saúde mental, é preciso
considerar que ela não é apenas o contrário de doença mental. Em seu conceito mais
profundo está implícito o respeito ao direito à dignidade humana, isto é, uma vida sem
preconceitos, sem discriminações e sem violência em qualquer nível que preserve a
saúde física e mental de todos, conforme ZANELLA F; (2019).
Conforme a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), um ambiente que
respeite e proteja os direitos básicos civis, políticos, socioeconômicos e culturais é
fundamental para a promoção da saúde mental. De acordo com a ONUBR (2016),
somente é possível ter saúde quando há completo bem-estar físico, mental e social.
Sem a segurança e a liberdade asseguradas por esses direitos, torna-se muito difícil
manter um elevado nível de saúde mental, conforme pontuou a organização no dia
mundial para o tema, conforme ZANELLA F; (2019).
Saúde mental é determinada por uma série de fatores que, são eles,
socioeconômicos, biológicos e ambientais, ainda conforme a OMS, diversos fatores
podem colocar em risco a saúde mental dos indivíduos: rápidas mudanças sociais,
condições de trabalho estressantes, discriminação de gênero, exclusão social, estilo
de vida não saudável, violência e violação dos direitos humanos. ONUBR (2016 apud
ZANELLA F; 2019).

31
A promoção da saúde mental envolve ações que permitam às pessoas adotar
e manter estilos de vida saudáveis ou, aos que adoeceram e desenvolveram algum
tipo de transtorno mental, acompanhamento e tratamento que preserve sua dignidade
humana. A Organização Mundial de Saúde afirma que não existe definição "oficial" de
saúde mental. Diferenças culturais, julgamentos subjetivos e teorias relacionadas
concorrentes afetam o modo como a "saúde mental" é definida. Saúde mental é um
termo usado para descrever o nível de qualidade de vida cognitiva ou emocional, e
pode incluir a capacidade de um indivíduo de apreciar a vida e procurar um equilíbrio
entre as atividades e os esforços para atingir a resiliência psicológica. Admite-se,
entretanto, que o conceito de Saúde Mental é mais amplo que a ausência de
transtornos mentais (ONUBR, 2016 apud ZANELLA F; 2019).
O atendimento das pessoas com transtornos mentais deve ser realizado na
perspectiva de garantia dos direitos humanos, sendo que, para isso, as iniciativas
governamentais são fundamentais, com destaque para a construção e consolidação
de uma política de saúde mental fortalecida, com investimentos que possibilitem a
expansão de atendimento e, mais importante ainda, a possibilidade de preservar e
prevenir o adoecimento, pois saúde mental engloba vários outros segmentos,
conforme ZANELLA F; (2019).
Segundo a ONUBR (2016 apud ZANELLA F; 2019), a saúde mental é uma
parte integrante e essencial da saúde e significa mais do que a ausência de
transtornos mentais ou deficiências. Trata-se de um estado de bem-estar no qual cada
pessoa realiza e desenvolve suas próprias habilidades, podendo trabalhar e participar
da vida societária. Pensar na saúde mental e no bem-estar é fundamental para nossa
capacidade coletiva e individual, como seres humanos, como seres sociais, para que
todos tenham a possibilidade de gozar de uma vida digna, independente de idade,
raça, sexo, religião, condições econômicas, pensar e promover a saúde mental é
pensar em garantia de direitos humanos.
É nesse sentido que podemos afirmar que a Política de Saúde mental proposta
pela Lei nº 10.216/10 é um instrumento que possibilita, através de seus serviços e
legislação, a promoção de direitos humanos das pessoas com transtorno mental.
Prioriza-se o tratamento e o acompanhamento das pessoas com transtorno mental
com humanização, o desenvolvimento da sociabilidade em meio à família e à
comunidade, além de se respeitar e promover o exercício da cidadania, ao contrário

32
do isolamento e exclusão como eram tratadas essas pessoas por longos anos em
nosso país e mundialmente também, conforme ZANELLA F; (2019).

5 SAÚDE MENTAL

Fonte: folhadeirati.com.br

O âmbito da saúde mental, por sua amplitude, engloba diversas áreas de


estudo como neurologia, filosofia, psicologia, psiquiatria, entre outros; podendo
conectar profissionais com diferentes conhecimentos específicos para fins em comum
na saúde da população (AMARANTE, 2013 apud SOUZA A; et al., 2019).

Como saúde não significa somente a ausência de doenças, mas sim o bem-
estar completo do indivíduo, torna o tema mais complexo, gerando uma
reflexão sobre o que ditaria um indivíduo como “normal”, ou seja, em
sanidade mental (AMARANTE, 2013 apud SOUZA A; et al., 2019).

Na época que antecedeu a reforma psiquiátrica, os cientistas que estudavam e


tratavam dos transtornos mentais eram conhecidos como alienistas. Neste tempo, em
que ocorria a criação dos hospitais, pensava-se que o isolamento poderia ser usado
como tratamento ao homem que havia perdido a liberdade pela alienação. A alienação
era apresentada como uma desordem da razão e não a falta da mesma, relacionada

33
ao estrangeiro, “alienígena”, semelhante a algo fora da realidade ou de outro mundo
(AMARANTE, 2013 apud SOUZA A; et al., 2019).
O modo de trabalhar da ciência, com o passar do tempo, começou a se chocar
com os fundamentos éticos, principalmente, por causa da criação dos hospícios,
desencadeando um processo social complexo de novas objeções e enfrentamentos;
agentes sociais demonstrando novos interesses, novas ideologias, com diferentes
visões do mundo e da ciência; novas formações teóricas, religiosas, étnicas em
diferentes classes sociais (AMARANTE, 1998, 2013 apud SOUZA A; et al., 2019).
Porém, para se concretizar uma intervenção no modo de tratamento mental da
população, necessitava-se de uma ligação entre a ciência, a ideologia, a ética e a
política, algo muito custoso para acontecer na história, levando muitos anos para a
sua construção. A construção baseava-se, principalmente, em colocar o sujeito, que
sofre com a doença, em foco e não a doença em si, para não tornar o sujeito em um
objeto natural de estudo; deixando então a doença subentendida para romper com a
coisificação da experiência humana (AMARANTE, 1998, 2013 apud SOUZA A; et al.,
2019).
Houve criação de redes de ponto de encontro para cooperação, iniciativas
simultâneas e envolvimento de atores sociais, gerando a Rede de Atenção à Saúde
Mental. Dentro desta rede se estabelecem os CAPS (Centros de Atenção
Psicossocial), residências terapêuticas, hospital geral, instituições de defesa dos
direitos do usuário, centro comunitário, entre outras áreas mais pessoais como família,
escola, trabalho e esportes. Uma das formas também utilizadas na atenção primária
em saúde da família atualmente é a Estratégia Saúde da Família (ESF) (AMARANTE,
2013; BRASIL, 2005 apud SOUZA A; et al., 2019).
Com isto, atualmente, o termo “sujeitos em sofrimento psíquico ou mental” é
utilizado em vez de “alienado”, já se notando um avanço social na área da saúde
mental. Entretanto, a construção dos direitos de cidadania não depende só de
decretos políticos e nem somente de determinados indivíduos que lutam pela saúde
mental, mas da população como um todo durante um processo social (AMARANTE,
2013; BRASIL, 2005 apud SOUZA A; et al., 2019).

34
Com base no avanço social em relação à saúde mental, são analisados as
fases e os acontecimentos ao longo da história que foram significativos para a melhora
no tratamento de transtornos mentais e, principalmente, dos indivíduos que vivem em
sofrimento psíquico, conforme SOUZA A; et al., (2019).
Saúde e saúde mental têm conceitos complexos e historicamente influenciados
por contextos sociopolíticos e pela evolução de práticas em saúde. Os dois últimos
séculos têm visto a ascensão de um discurso hegemônico que define esses termos
como específicos do campo da medicina. Entretanto, com a consolidação de um
cuidado em saúde multidisciplinar, diferentes áreas de conhecimento têm,
gradualmente, incorporado tais conceitos, conforme GAINO L; et al, (2018).
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a saúde é um estado
de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de
doença ou de enfermidade. Essa definição, de 1946, foi inovadora e ambiciosa, pois,
em vez de oferecer um conceito inapropriado de saúde, expandiu a noção incluindo
aspectos físicos, mentais e sociais. Apesar das intenções positivas pressupostas
nessa definição, ela tem recebido intensa crítica ao longo de seus 60 anos de
existência. Isso se deve especialmente ao fato de que é proposto um significado irreal,
em que as limitações humanas e ambientais fariam a condição de completo bem-estar
impossível de ser atingida, conforme GAINO L; et al, (2018).
Decorrentes das críticas ao conceito da OMS e somadas aos vários eventos
políticos e econômicos, surgiram as discussões sobre um novo paradigma, a saúde
como produção social. Essa nova visão constitui-se da combinação das abordagens
da medicina preventiva e da saúde integrativa, da expansão do conceito de educação
em saúde e da rejeição da abordagem higienista, conforme GAINO L; et al, (2018).
Seguindo propostas de reforma do sistema de saúde brasileiro, o conceito de
saúde foi formalmente revisitado e influenciado por experiências internacionais
envolvendo políticas de saúde, como discutido principalmente na 8° Conferência
Nacional de Saúde, em 1986. Naquela ocasião foi sugerido que a saúde incluísse
fatores como dieta, educação, trabalho, situação de moradia, renda e acesso a
serviços de saúde, conforme GAINO L; et al, (2018).

35
Como resultado, o conceito brasileiro de saúde começou a ser entendido de
forma mais complexa, considerando os princípios de universalidade, integralidade e
equidade no cuidado à saúde. Esses princípios, contudo, coexistem com abordagens
claramente ligadas à antiga visão. O termo ‘bem-estar’, presente na definição da OMS,
é um componente tanto do conceito de saúde, quanto de saúde mental, é entendido
como um constructo de natureza subjetiva, fortemente influenciado pela cultura,
conforme GAINO L; et al, (2018).

A OMS define saúde mental como um estado de bem-estar no qual um


indivíduo percebe suas próprias habilidades, pode lidar com os estresses
cotidianos, pode trabalhar produtivamente e é capaz de contribuir para sua
comunidade. (OMS, 1946, apud GAINO, 2018, p. 110).

Definições de saúde mental são objeto de diversos saberes, porém, prevalece


um discurso psiquiátrico que a entende como oposta à loucura, denotando que
pessoas com diagnósticos de transtornos mentais não podem ter nenhum grau de
saúde mental, bem-estar ou qualidade de vida, como se suas crises ou sintomas
fossem contínuos, conforme GAINO L; et al, (2018).
Nos anos 1960, o psiquiatra italiano Franco Basaglia propôs uma reformulação
no conceito de loucura, mudando o foco da doença e expandindo-o com questões de
cidadania e inclusão social. Tal ideia ganhou adeptos e acendeu um movimento que
influenciou o conceito de saúde mental no Brasil e resultou na Reforma Psiquiátrica
Brasileira, conforme GAINO L; et al, (2018).
Frente ao exposto, entende-se que há dois paradigmas principais para
discussão dos conceitos de saúde e saúde mental, ou seja, o paradigma biomédico e
o da produção social de saúde. No primeiro, o foco é exclusivamente na doença e em
suas manifestações, a loucura como sendo essencialmente o objeto de estudo da
psiquiatria, conforme GAINO L; et al, (2018).
No segundo, a saúde é mais complexa que as manifestações das doenças e
inclui aspectos sociais, econômicos, culturais e ambientais. Neste paradigma, loucura
é muito mais que um diagnóstico psiquiátrico, pois os pacientes com um transtorno
psiquiátrico podem ter qualidade de vida, participar da comunidade, trabalhar e
desenvolver seus potenciais, conforme GAINO L; et al, (2018).

36
O Sistema Único de Saúde brasileiro adota um conceito ampliado de saúde e
inclui em suas prioridades o cuidado à saúde mental. Entretanto, este estudo
pressupõe que que tal perspectiva não foi naturalizada pelos profissionais de saúde
que integram esse sistema, ainda prevalecendo o paradigma biomédico, conforme
GAINO L; et al, (2018).

5.1 A saúde psicológica

Segundo a Organização Mundial da Saúde (1999, p. 1 apud BRAUNER M et


al., 2017), a saúde é um estado de completo bem-estar físico, psicológico e social, e
não meramente a ausência de doença ou enfermidade. Denota-se o caráter holístico
da saúde, ultrapassando a noção de mera ausência de enfermidade física para
adentrar na seara psicossocial.
O conceito de saúde psicológica, a seu turno, não é unânime. Dependendo do
enfoque, pode assumir diversas formas e caracterizações. Para a Organização
Mundial da Saúde (1999, p. 1 apud BRAUNER M et al., 2017), saúde “mental” é um
estado de bem-estar em que o indivíduo realiza as suas próprias habilidades, pode
lidar com as tensões normais da vida, trabalhar de forma produtiva e frutífera e
contribuir para a sua comunidade. Eis o sustentáculo de onde deriva que uma
promoção da saúde psicológica exige uma ação multissetorial, abarcando a saúde em
si, o emprego, a educação, o ambiente, o transporte, enfim, variados setores que
visem a sua cobertura.
Tratar de saúde psicológica requer compreender o humano como totalidade
biológica, psicológica e sociologicamente, em todas as condições que lhe possam
oferecer bem-estar físico, psicológico e social (Bock; Furtado; Teixeira, 2001, p. 356
apud BRAUNER M et al., 2017).
Saúde psicológica não é relacionada unicamente ao estudo e tratamento de
doenças psicológicas, mas também a um estado “mental” sadio, de sanidade e de
inexistência de desordem psicológica. Isso porque saúde psicológica envolve um rico
e polissêmico leque de conhecimentos, cuja delimitação das fronteiras é deveras
dificultosa, e qualquer categorização assume o risco de ser reducionista e achatar as
possibilidades de existência humana e social (Amarante, 2007, p. 16-19 apud
BRAUNER M et al., 2017).

37
5.2 Saúde mental e vulnerabilidade

Na questão que estamos tratando, ou seja, as relações entre vulnerabilidade e


saúde mental é importante trabalharmos com perspectivas que permitam uma
aproximação com o fenômeno do sofrimento mental sem aprisioná-lo em categorias,
permitindo maior flexibilidade e diversidade tanto na compreensão quanto nas
propostas de intervenção. Gorovitz (1994 apud GAMA C; et al., 2014) afirma que a
vulnerabilidade é multidimensional, implica em gradações e mudanças ao longo do
tempo e tem caráter relacional. As pessoas não são vulneráveis, elas estão
vulneráveis com relação à determinada situação e num certo ponto do tempo e
espaço. É importante destacar o caráter relacional de qualquer situação de
vulnerabilidade.
Para se compreender a vulnerabilidade é necessário ampliar o olhar, saindo do
individual para o plano das suscetibilidades socialmente configuradas. Dentro desta
perspectiva temos, por exemplo, o conceito de clínica ampliada (Campos, 2003;
Cunha, 2005 apud GAMA C; et al., 2014) que propõe uma prática clínica mais
complexa e longitudinal. Da mesma forma, pensar em termos de vulnerabilidade
pressupõe uma abertura para ações intersetoriais e formação de redes de atenção
que integrem a área da saúde com outras áreas relacionadas à saúde do sujeito.
Outro aspecto muito importante na presente discussão relaciona-se à interface
entre o serviço de saúde e a população/comunidade. Identificamos uma tendência
presente na relação entre profissionais de saúde e população de imposição de uma
racionalidade dita "científica" sem que haja uma reflexão mais profunda a respeito dos
fenômenos que estão em jogo, conforme GAMA C; et al., (2014).
Milton Santos (2007 apud GAMA C; et al., 2014) aponta que o aparecimento
de uma ordem global que possui uma racionalidade técnica vai produzir tensão com
relação à ordem local, da comunidade. Existiria uma razão global e uma razão local
que em cada lugar se superporiam, num movimento dialético, às vezes se associando,
outras se contradizendo. Ele afirma que, sobretudo nas grandes cidades do terceiro
mundo, a precariedade da existência de uma parcela importante da população produz
atores sociais que vão exercer diversos tipos de ações no sentido de construção de
modelos de adaptação que têm características instáveis, plásticas e criativas
embasados em relações de solidariedade.

38
Esta condição propiciaria uma espécie de abertura nos espaços onde vivem os
pobres que favoreceria espaços aproximativos e de criatividade. Em algumas
situações, ocorreria a produção de novos debates sobre a realidade cotidiana, novos
usos e finalidades para objetos e técnicas, novas práticas e novas normas na vida
social e afetiva, conforme GAMA C; et al., (2014).
É importante reconhecer elementos que nos permitam perceber os territórios
mais vulneráveis com outros olhos, não somente negatividade, mas certa potência
que se alicerça exatamente num tipo de exclusão. Quando saímos da análise macro,
globalizada, e tentamos apreender as dinâmicas singulares de determinadas pessoas,
percebemos que o mundo é muito fragmentado e não globalizado. Este aspecto é
fundamental para a nossa discussão, pois permite o vislumbre de possibilidades de
produções singulares na relação entre a área da saúde e a população que vive em
condições precárias, conforme GAMA C; et al., (2014).

Onocko Campos et al. (2008 apud GAMA C; et al., 2014), analisando a


subjetividade contemporânea, apontam uma tendência ao empobrecimento
simbólico e a necessidade de restabelecimento de um espaço subjetivo que
propicie a criação de sentidos integradores no cotidiano.

Para Kaës (1991; 2005 apud GAMA C; et al., 2014) a saúde psíquica estaria
diretamente relacionada com a capacidade associativa, interpretativa, de elaboração
e simbolização do psiquismo. Estaria ligada também à capacidade de fazer laços
sociais. Ele mostra que as características da sociedade contemporânea vão
exatamente dificultar estas operações, fragilizando o psiquismo do sujeito.
Nossa intenção é trabalhar com um conceito de saúde mental que possibilite
uma certa liberdade ao sujeito de modo que ele possa dialogar com as diversas
instâncias sociais (saúde, justiça, trabalho etc.) e com seus pares, sem submeter-se
totalmente a um discurso normativo, restando um espaço para sua singularidade, para
seu desejo aparecer. É importante destacarmos este aspecto de eterna criação e
recriação das condições de manutenção da saúde mental do sujeito. Consideramos
esta questão de vital importância, pois a saúde mental na atenção básica pode
facilmente se converter num programa higienista para controlar a vida da população
de baixa renda, conforme GAMA C; et al., (2014).

39
Assim, a aproximação entre vulnerabilidade social e saúde/doença mental deve
ser trabalhada com elementos que extrapolem o discurso técnico-científico tradicional
incorporando outros saberes ligados aos sujeitos que são afetados pelo sofrimento. O
papel do profissional de saúde teria que ser repensado, saindo do lugar tradicional
que é de imposição de uma certa lógica para transformar-se numa espécie de
mediador entre comunidade e recursos da sociedade no processo de construção da
saúde (Ayres, 2003 apud GAMA C; et al., 2014).
Vislumbramos uma mudança na direção do tratamento saindo de práticas
centradas na doença, na assistência curativa e na intervenção medicamentosa para
intervenções que valorizem a criação de sentidos para o sofrimento mental e que
produzam ampliação das relações sociais do sujeito portador de sofrimento mental,
conforme GAMA C; et al., (2014).

5.3 Saúde psicológica, consentimento e vulnerabilidade

A ponderação entre o consentimento dos pacientes e a situação de


vulnerabilidade a que estão sujeitos é um dos temas mais delicados na perspectiva
da saúde psicológica. Se, por um lado, o consentimento dos pacientes deve ser
respeitado; por outro, a situação de vulnerabilidade pela ausência de saúde
psicológica intriga na forma pela qual a compatibilidade entre ambos (consentimento
e vulnerabilidade) deverá ser conduzida, conforme BRAUNER M et al., (2017).
O princípio do consentimento exige a permissão do paciente para que haja
autoridade em uma relação ética, ainda que tal consentimento seja implícito,
porquanto a intervenção psicológica em outrem pressupõe o comum acordo entre os
participantes, em que não deve ser feito aos outros aquilo que não é feito por eles
próprios a si mesmos, fazendo-lhes o que foi acordado ser feito (Engelhardt Jr., 1998,
p. 158-159 apud BRAUNER M et al., 2017).
A Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, proclamada em
2005 na Conferência Geral da Unesco, no art. 6º, estatui o consentimento como um
de seus princípios, aduzindo, em suma, que qualquer intervenção preventiva,
diagnóstica ou terapêutica, bem como a pesquisa científica, somente deve ser
realizada com o consentimento prévio, livre e esclarecido do paciente, respeitando-
se, a rigor do art. 5º da mesma Declaração, a autonomia dos indivíduos para a tomada

40
de decisões e a consequente responsabilidade dessa medida, conforme BRAUNER
M et al., (2017).

A vulnerabilidade, por sua vez, deriva da palavra latina vulnus (ferida),


denotando-se como a possibilidade de ser ferido. Na bioética, a
vulnerabilidade pode ser concebida: (a) como condição humana universal,
pois todo ser humano, como todo ser vivo, é vulnerável em sua biologia e na
construção de seu projeto existencial; (b) como característica particular de
pessoas e grupos, o que requer que o tratamento dispensado a tais pessoas
seja ético para sua defesa e proteção; e (c) como princípio ético internacional,
em virtude de sua inerência com a condição humana, como finita e frágil, com
íntima ligação a se assegurar a dignidade da pessoa humana (Felício;
Pessini, 2009, p. 207 apud BRAUNER M et al., 2017).

Segundo o Conselho de Organizações Internacionais de Ciências Médicas


(2004, p. 97 apud BRAUNER M et al., 2017), são vulneráveis as pessoas absoluta ou
relativamente incapazes de proteger seus próprios interesses, geralmente com
insuficiente poder, inteligência, recursos, força ou demais atributos necessários à dita
proteção, ou cuja capacidade ou liberdade para consentir ou abster-se de consentir
restam diminuídas.
Dessa forma, mesmo se sabendo que “o princípio do consentimento
proporciona base moral para políticas públicas destinadas à defesa dos inocentes”
(Engelhardt Jr., 1998, p. 159 apud BRAUNER M et al., 2017), a vulnerabilidade dos
pacientes põe um ponto de interrogação sobre o acolhimento da sua autonomia (e,
logo, sobre o modo de se proceder à mencionada defesa), porque a condição de
vulnerabilidade cognitiva e emocional pode comprometer uma manifestação que
corresponda ao querer efetivo do indivíduo em situação de sanidade.
A maior vulnerabilidade dos pacientes refere-se a uma limitação na aptidão de
responder plenamente pelos efeitos de suas escolhas. Por isso que se sugere uma
terapia de maior autoridade na relação com o sujeito, atingindo sua liberdade e
responsabilidade de decisão sobre a vida. Como contraponto, entretanto,
desconsiderar totalmente o direito à autonomia do paciente vulnerável conduziria a
uma sociedade mais fechada e desumana (Felício; Pessini, 2009, p. 205-209 apud
BRAUNER M et al., 2017), em que o sujeito seria visto como uma máquina
inexpressiva e desprovida de intenções, objeto da ciência da saúde e alvo deveras
exposto aos desígnios de outrem.

41
Impõe-se evitar que se negue autonomia a outrem, precipuamente diante de
circunstâncias em que seria facilitado o desrespeito à dignidade humana. O
paternalismo e a beneficência nem sempre são adequados no que atine à saúde
psicológica, servindo a tutela estatal e o controle médico muito mais à contenção e à
estigmatização do que ao tratamento individual. Assim, “diante de uma proposta
terapêutica ou de pesquisa médica em que os princípios bioéticos da
autodeterminação e autonomia não possam ser plenamente aplicáveis, há que se
valorizar especialmente os princípios da beneficência e não maleficência” (Almeida,
E., 2010, p. 392 apud BRAUNER M et al., 2017).
De acordo com BRAUNER M et al., (2017), A Declaração Universal sobre
Bioética e Direitos Humanos, nessa conjuntura, além de prescrever que “devem ser
tomadas medidas especiais para proteger direitos e interesses dos indivíduos não
capazes de exercer autonomia” (art. 5), estabelece como um de seus princípios:

Art. 8: Respeito pela Vulnerabilidade Humana e pela Integridade Individual


A vulnerabilidade humana deve ser levada em consideração na aplicação e
no avanço do conhecimento científico, das práticas médicas e de tecnologias
associadas. Indivíduos e grupos de vulnerabilidade específica devem ser
protegidos e a integridade individual de cada um deve ser respeitada.

Nesse diapasão, o princípio da beneficência, com a ressalva supracitada, surge


como um elemento para auxiliar o trato com pacientes vulneráveis. A beneficência é
uma característica da moralidade, sem a qual a vida moral não tem essência, onde
deve ser feito aos outros o bem deles, visando-se à solidariedade pelo preparo da
comunidade com uma visão comum acerca dos bens e prejuízos (Engelhardt Jr.,
1998, p. 159-160 apud BRAUNER M et al., 2017).
Como oposto da não maleficência, que implica em não causar dano a outros, a
beneficência consiste em prevenir o dano, eliminar o dano ou fazer bem a outros. De
maneira geral, a beneficência representa uma ação que objetiva o bem de outros
(Aparisi, 2010, p. 125 apud BRAUNER M et al., 2017).
É singelo o ponto para se estabelecer o quanto a prática de saúde exercida
sobre o paciente em vulnerabilidade pondera todos os interesses em disputa. Tratar
de saúde psicológica e da conseguinte vulnerabilidade das pessoas que não a detêm
reflete, invariavelmente, na dignidade da pessoa humana e na cidadania, conforme
BRAUNER M et al., (2017).

42
5.4 A investigação no domínio da saúde mental

A investigação no domínio da saúde mental é vasta, todavia medi-la continua a


ser uma tarefa complexa que não tem reunido consensos. Apesar do conceito de SM
da OMS possuir uma vertente marcadamente positiva, a ciência tem concedido maior
protagonismo à doença em detrimento da saúde mental. Esta tendência traduz-se
pela escassez de instrumentos para a avaliar a partir de uma perspectiva positiva.
Ainda assim, esta tendência tem vindo a inverter-se progressivamente, fruto da
centralidade que o bem-estar tem vindo a ocupar na saúde mental, conforme
NOGUEIRA M; (2017).
O conceito de saúde mental envolve dimensões subjetivas e objetivas, e para
operacionalizar é necessário ter presente vários aspetos: o conceito de normalidade,
que varia segundo o momento histórico e de acordo com a geografia ou cultura, qual
o tipo de saúde que se procura mensurar, perspectivada como um estado ou como
um atributo, e estar consciente do risco de cair em leituras etnocêntricas face à
diversidade de valores e de comportamentos, conforme NOGUEIRA M; (2017).
A principal dificuldade em medir a saúde mental reside na
multidimensionalidade do conceito, e na natureza distinta das suas várias dimensões:
objetivas, subjetivas, comportamentais, internas (processos cognitivos, emocionais ou
motivacionais) e externas. Mesmo quando estudada segundo uma perspectiva
positiva, avaliar saúde mental pode revelar-se reducionista, afastando-se da visão
holística subjacente, no entanto é importante diferenciar a saúde mental entre
indivíduos. Esta distinção é indispensável quanto se trata de identificar pessoas
deficitárias em termos de funcionamento e bem-estar, conforme NOGUEIRA M;
(2017).

Embora a maioria da população não sofra de qualquer doença mental, muitos


indivíduos, mesmo sem doença não funcionam bem, nem se sentem
saudáveis mentalmente (WESTERHOF & KEYES, 2010, apud NOGUEIRA,
2017, p.124).

De acordo com NOGUEIRA M; (2017), nas últimas décadas, tem sido


produzida muita investigação baseada num modelo de saúde mental assente em um
construto de estrutura bidimensional, combinada numa lógica de continuum. A
utilidade desta estrutura tem sido amplamente explorada, com base em duas
dimensões:
43
Dimensão negativa ou distress psicológico - afeto negativo, é um estado geral
pouco específico, que em um contínuo não é suficientemente intenso para ser
designado de perturbação, isto é, é uma resposta não específica do organismo para
gerir qualquer tensão ou exigência sobre ele. Quando essa tensão ou estresse é
cognitivamente reconhecido como uma condição adversa, desagradável ou perigosa
é ativada uma tentativa de evitamento ou fuga dessa mesma situação, surgindo o
distress psicológico, conforme NOGUEIRA M; (2017).

A evidência de distress psicológico inclui emoções negativas associadas a


uma reação fisiológica subjetiva e comportamental, vivenciadas por cada um
de forma distinta (APA, 2013, apud NOGUEIRA, 2017, p.124).

As manifestações de distress englobam desconforto, sofrimento ou dor


emocional, pessimismo e crenças negativas acerca de si, perturbações do humor
(ansioso, agressivo, depressivo ou lábil), tensão psíquica, reatividade, medo e perda
de controle emocional e comportamental, conforme NOGUEIRA M; (2017).
Dimensão positiva: bem-estar psicológico - afeto positivo e os laços
emocionais, é o nível de funcionamento, sentir-se animado e apreciar a vida e as
vivências subjetivas que traduzem estados internos e experiências positivas
acumuladas. Existe evidência da relação positiva entre afeto positivo (felicidade,
alegria e entusiasmo), e menor morbilidade, longevidade e redução de sintomas
físicos. Um dos instrumentos mais referidos na literatura para avaliar a saúde mental
é o Mental Health Inventory (MHI) (inventario de saúde). Desenvolvido para a
investigação epidemiológica por vários investigadores no âmbito do Health Insurance
Study da Rand Corporation (Estudo de Seguro de Saúde Rand Corporation), tem
como escopo avaliar a saúde mental na população em geral numa perspectiva
bidimensional (positiva e negativa), conforme NOGUEIRA M; (2017).

O MHI é usado tanto na população geral como em populações específicas,


podendo funcionar como um teste útil de rastreio de saúde mental, pois tem
grande capacidade discriminativa (VEIT & WARE, 1983, apud NOGUEIRA,
2017, p.125).

Pode ser usado em jovens para estudar o desenvolvimento positivo e


dificuldades em processos de ajustamento, numa lógica de compreensão global. Além
disso, é um instrumento adequado para diferenciar níveis de SM em pessoas sem
quadros psicopatológicos ou disfuncionais, assinalando défices que de outra forma
não seria possível reconhecer), conforme NOGUEIRA M; (2017).
44
5.5 Determinantes da saúde mental

A literatura identifica múltiplos determinantes da saúde mental cuja gênese está


associada às várias dimensões da pessoa: biológicas, psicológicas, socioeconômicas,
ambientais e culturais. Alguns determinantes destacam-se pelos efeitos negativos
marcantes ou perduráveis que possuem, conforme NOGUEIRA M; (2017).
Determinantes biológicos: Os determinantes biológicos da saúde mental
destacam-se pela relevante influência nos padrões de regulação hormonal e nos
comportamentos de saúde individual, especialmente associada ao gênero e idade.
Gênero: As mulheres têm risco de sofrer depressão ou perturbações de
ansiedade, superior ao dos homens. A prevalência aumentada de perturbações de
ansiedade e depressão nas mulheres atribui-se aos fatores hormonais e aos papéis
multifacetados que desempenha (responsabilidades acumuladas: domésticas,
familiares e laborais), e ao contexto cultural em que vivem (frequentemente vítimas de
violência) incluindo no campus universitário. O sofrimento no feminino está
estreitamente enraizado na cultura e nas relações sociais de dominação e exploração
da mulher. A discriminação sexual e/ou a violência de gênero são preditores negativos
de saúde mental e física e estão correlacionados positivamente com a somatização
do mal-estar psíquico e sofrimento psicológico, conforme NOGUEIRA M; (2017).
Idade: A idade tem grande preponderância nos padrões de regulação hormonal
e nos comportamentos de saúde e de risco. As faixas etárias dos adultos emergentes
estão associadas taxas altas de consumos substâncias psicoativas, comportamentos
de risco, acidentes de viação e primeiros surtos psicóticos. Além disso, é na
adolescência e na idade adulta emergente que várias perturbações mentais se
declaram. Sabe-se também que em termos mundiais os problemas de saúde mental
em jovens dos 18 aos 24 anos têm uma prevalência de 10 a 20%, conforme
NOGUEIRA M; (2017).

5.6 Os determinantes psicológicos

Os determinantes psicológicos condicionam o processo de desenvolvimento de


competências psicossociais. As experiências negativas precoces - privação de
vinculação positiva, as adversidades, a negligência e os abusos provocam défices que

45
comprometem o desenvolvimento emocional normal, com reflexos negativos na
adolescência e na idade adulta, conforme NOGUEIRA M; (2017).
Experiências negativas precoces: A privação de um processo de vinculação
positiva e de atitudes empáticas por parte dos adultos dificulta a expressão das
experiências emocionais da criança, limitando posteriormente a capacidade de gestão
e controle emocional de forma ajustada. A adversidade reiterada na infância associa-
se a processos intrapsíquicos negativos, como sentimento de impotência, baixa
autoestima e dependência interpessoal, conforme NOGUEIRA M; (2017).

As privações graves na infância tendem a comprometer ou condicionar a


capacidade de o indivíduo perceber o seu contexto de forma adequada.
Nestas circunstâncias, regra geral, avaliam -se os indivíduos quase sempre
como hostis, por isso, adotam condutas defensivas, ansiosas e inapropriadas
(SHAPERO et al., 2014; Albornoz & Bandeira, 20102003, apud NOGUEIRA,
2017, p. 79).

Embora não se conheçam os mecanismos específicos do impacto das


adversidades no desenvolvimento de sintomas e problemas psíquicos existem
evidências das relações positivas entre experiências precoces negativas e problemas
subsequentes de saúde mental particularmente associadas à depressão, conforme
NOGUEIRA M; (2017).
As experiências traumáticas durante a infância predizem ansiedade social e
depressão, na adolescência foram associadas ao risco de suicídio e a baixa
autoestima. O sofrimento que emergem das relações de violências afeta a capacidade
de resolver problemas e a sensibilidade da vítima para sentir interesse e empatia
consigo e com os outros. Por oposição, as circunstâncias familiares favoráveis
(vinculação, relações estáveis e afetivas com as figuras parentais, funcionamento
harmonioso do ambiente familiar) são promotores do potencial saudável de todos os
membros, conforme NOGUEIRA M; (2017).

Estes atributos são determinantes para o desenvolvimento psicológico e


intelectual normal da criança, bem como para uma adequada regulação
emocional na idade adulta. (SOUZA et al., 2010, apud NOGUEIRA, 2017, p.
80).

A evidência tem demostrado consistentemente que as experiências precoces


gratificantes influenciam positivamente a saúde mental da criança, com benefícios que
se estendem até a idade adulta, conforme NOGUEIRA M; (2017).

46
5.7 Os determinantes socioeconômicos

Os determinantes socioeconômicos mais preponderantes da saúde e da saúde


mental, estão os associados ao ciclo de pobreza (educação, desemprego, habitação,
exclusão social e estigma). Parece haver uma associação entre baixo nível
educacional, desemprego, pobreza e exclusão social, que alimenta o ciclo de pobreza,
conforme NOGUEIRA M; (2017).

O nível socioeconômico (NSE) é um dos preditores mais relevantes de bem-


estar e saúde mental, à medida que o NSE aumenta os níveis da SM melhora.
O NSE baixo associa-se a maior adversidade ambiental, e é um preditor de
doença mental (Alves & Rodrigues, 2010, apud NOGUEIRA, 2017, p. 81).

Por outro lado, a doença mental contribui para perpetuar os ciclos da pobreza,
provocando a degradação do ambiente familiar, que por sua vez alimenta as
experiências negativas precoces, a discriminação sexual e a violência de gênero. Os
estudos têm demostrado que o desemprego, a precariedade e a insatisfação ou stress
laboral têm igualmente uma importante influência sobre doença, a vulnerabilidade e a
mortalidade precoce, podendo mesmo conduzir ao suicídio. Por oposição, a
estabilidade e satisfação laboral associa-se ao bem-estar e a melhores níveis de
saúde mental, conforme NOGUEIRA M; (2017).

5.8 Determinantes comportamentais

Os determinantes comportamentais da saúde mental destacam-se pelas


propriedades de plasticidade que possuem, mas também pelo caráter consciente e
voluntário que possuem, por isso é facilmente modificável, razão pela qual são alvo
de relevante investimento face ao potencial e oportunidades de saúde que detêm.
Contudo, salienta-se que os comportamentos associados à saúde são fortemente
condicionados pelos estados psíquicos e pela perturbação mental. A saúde mental
está intimamente conectada com a saúde física e ao comportamento de saúde, que
representa um dos moduladores mais relevantes da qualidade de vida dos indivíduos,
conforme NOGUEIRA M; (2017).
Define-se comportamento de saúde como sendo o padrão de conduta adotado
individualmente com influência marcante direta ou potencial, favoráveis versos
prejudiciais na sua saúde. As condutas de saúde ou de risco dependem das relações
47
de influência de uma multiplicidade de fatores - biológicos, psicológicos, e socio-
ambientais, tal como é característico dos comportamentos humanos, conforme
NOGUEIRA M; (2017).

Os Comportamentos de saúde, são indicadores de saúde comportamental


positiva, isto é, traduzem atitudes promotoras do potencial saudável global,
ou que minimizam e previnem o risco. Como exemplos de comportamentos
de saúde mais relevantes, associados ao potencial de saúde mental, incluem-
se a atividade física regular, a boa higiene do sono, abster-se de consumir
sustâncias psicoativas e a vigilância de saúde (Ferrara, 2009, apud
NOGUEIRA, 2017, p. 82).

Os comportamentos de risco, referem-se a toda e qualquer conduta que


dependendo da sua frequência ou intensidade, compromete ou é ruim para a saúde
mental, aumentando o risco de despoletar perturbações ou mesmo doença mental
(consumo de substâncias psicoativas, privação de sono). Todavia, os
comportamentos de risco (consciente ou não) envolvem sempre um caráter voluntário
e uma incerteza (mais ou menos percebida) das suas consequências para a saúde o
bem-estar, conforme NOGUEIRA M; (2017).

Nos jovens, algumas condutas de risco visam satisfazer necessidades


desenvolvimentais importantes (e.g., novas experiências, aceitação pelos
seus pares, rituais de iniciação, reivindicar a independência, manifestar
oposição às normas e valores convencionais) ou são usados como
estratégias de gestão da ansiedade, frustração ou sofrimento psicológico em
geral (Câmara, 2005, apud NOGUEIRA, 2017, p. 82).

Nesta perspectiva, certos comportamentos durante esta etapa não serão


necessariamente problemas de saúde mental, correspondem pelo contrário a um
comportamento usual para esta etapa. No entanto, comportamentos de risco
reiterados podem causar danos consideráveis na saúde, prejudicando seriamente o
seu desenvolvimento saudável. A evidencia mostra que o consumo de substâncias
psicoativas são os determinantes comportamentais de risco mais comuns, conforme
NOGUEIRA M; (2017).
Consumo de substâncias psicoativas: As substâncias psicoativas ou
psicotrópicas (tabaco, álcool fármacos e outras drogas) modificam as funções
sensoriais, o humor e o comportamento do indivíduo. Designadas de lícitas/legais ou
ilícitas/ilegais, do ponto de vista legal, é fisiologicamente que estas substâncias mais
se diferenciam por atuar a nível do sistema nervoso central como depressores,
estimulantes ou perturbadora. Razão pela qual se compreende que o seu efeito, mais

48
ou menos nocivo, dependa do tipo de consumo: experimental (período curto- baseado
na curiosidade); situacional (usado para gerir um problema pontual); intensivo
(consumo é diário) e compulsivo (consumo intensivo e dependência extrema). Não
obstante, independentemente das razões ou do tipo, todos os consumos têm efeitos
adverso na saúde, conforme NOGUEIRA M; (2017).

Os estudos têm demostrado que as intervenções de promoção da saúde


mental centradas no reforço dos recursos positivos e dos contextos têm um
impacto positivo e global no funcionamento da pessoa, traduzindo-se em
ganhos efetivos na saúde (WHO 2013, apud NOGUEIRA, 2017, p. 83).

O conhecimento sobre os determinantes da SM é extremamente importante,


na medida em que pode e deve ser transferido e integrado nas Políticas de Saúde,
conforme NOGUEIRA M; (2017).

6 ORGANIZAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SAÚDE MENTAL

Fonte: unichristus.edu.br

Um dos dispositivos estratégicos mais eficientes para a superação do modelo


manicomial são os Centros de Atenção Psicossocial. Por serem comunitários, esses
serviços estão inseridos em determinada cultura, num território definido, com
dificuldades, problemas e potencialidades. São locus onde as crises precisam ser

49
enfrentadas, crises oriundas de uma teia complexa de aspectos individuais, familiares
e sociais, conforme QUINDERÉ P; et al., (2014).
São serviços destinados a articular as ações de saúde mental em rede e junto
à atenção básica (Programa Saúde da Família – PSF), ambulatórios, leitos de
internação em hospitais gerais e ações de suporte e reabilitação psicossocial
(ONOCKO-CAMPOS; FURTADO, 2006 apud QUINDERÉ P; et al., 2014). Os Caps
subvertem a lógica da hierarquização e se organizam agregando os diferentes níveis
de atenção à saúde em uma só unidade. Fazem, pois, surgir importantes questões na
própria organização do SUS. Prestam atendimento especializado dos casos de
transtornos mentais e são responsáveis pelo acompanhamento dos pacientes nas
unidades de internação nos hospitais gerais.

Podem atuar em nível de atenção primária, no acompanhamento e apoio


matricial de casos nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), perpassando,
portanto, todos os níveis de complexidade da rede de saúde
(ONOCKOCAMPOS; FURTADO, 2006, p. 257 apud QUINDERÉ P; et al.,
2014).

Como proposto, o apoio matricial consiste num arranjo organizacional em


saúde no qual uma equipe dispensa apoio especializado a outra, com suporte de
profissionais dotados de maior habilidade em um dado conhecimento, possibilitando
a construção de um projeto terapêutico singularizado para os usuários. Assim, esta
ferramenta de trabalho subverte a lógica burocrática do encaminhamento das
referências e contrarreferências, a qual, na maioria das vezes, costuma ser uma
ferramenta de desresponsabilização dos profissionais em relação aos usuários. No
apoio matricial em saúde mental, há a configuração da construção de um projeto
terapêutico amplo, onde a equipe de referência não apenas está envolvida no caso,
mas articula outros atores para a condução deste, (CAMPOS, 1999 apud QUINDERÉ
P; et al., 2014).
Tais serviços devem estar interconectados com os demais serviços do sistema
de saúde, evitando a fragmentação dos atendimentos. O centro de gravitação dos
atendimentos em saúde mental, e o PSF, serviços de atendimento de saúde em geral,
os Caps precisam estar articulados com vistas a facilitar o planejamento de ações na
respectiva área distrital de cobertura, principalmente no tocante às visitas domiciliares
e às intervenções clínicas na rede de suporte social e de inter-relações pessoais
significativas do usuário do serviço. Em países com sistemas de saúde

50
descentralizados, o desenvolvimento de políticas de saúde mental deve enfatizar a
comunicação entres os vários níveis de complexidade do sistema de saúde, trazendo
a discussão dos modelos assistenciais em saúde para o campo da saúde mental,
sobretudo em relação aos serviços alternativos ao modelo manicomial, conforme
QUINDERÉ P; et al., (2014).
O atendimento dos usuários está baseado em um projeto terapêutico singular
e individualizado, ou seja, um planejamento do processo terapêutico em que o
indivíduo e sua família estão envolvidos para a superação de suas dificuldades em
razão a sua condição de saúde mental. Com este, será definido se o usuário terá
atendimentos intensivos, ou seja, diários, semi-intensivo aproximadamente três vezes
por semana, ou não intensivo, com periodicidade semanal de atendimento (Brasil,
2004 apud LEAL B; et al., 2013). Com esta organização do serviço, é esperado que
se promova a saúde mental, dando atenção às demandas das relações diárias como
sofrimento às singularidades deste tipo de cuidado, estando articuladas com as redes
de saúde, redes sociais do território assim como as redes de outros setores.

7 INDICADORES DE SAÚDE MENTAL NA ATENÇÃO BÁSICA

Fonte: holiste.com.br

51
De acordo com GARCIA P; et al., (2018), em 2011, foram incorporados dados
sobre Saúde Mental no Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB) (sistema de
informação vigente naquele momento) e aspectos determinantes sobre a Rede de
Atenção Psicossocial também foram significativamente discutidos durante o
desenvolvimento do Programa de Melhoria do Acesso e Qualidade da Atenção Básica
(PMAQ-AB). Entre os indicadores incorporados, têm-se:

Proporção de atendimentos em saúde mental, exceto de usuários de álcool e


drogas. Taxa de prevalência de alcoolismo. Proporção de atendimentos de
usuários de álcool. Proporção de atendimentos de usuários de drogas.
(BRASIL, 2014, apud GARCIA, 1018, p. 49).

O Sistema de Informação em Saúde para a Atenção Básica (SISAB), vigente


até o momento, consiste na reestruturação do Sistema de Informação da Atenção
Básica (SIAB). O SISAB apresenta plataforma tecnológica moderna e é composto por
dois sistemas de software: e-SUS AB com Prontuário Eletrônico do Cidadão (PEC) e
e-SUS AB com Coleta de Dados Simplificada (CDS), conforme GARCIA P; et al.,
(2018).
De acordo com GARCIA P; et al., (2018), para discutir acerca dos transtornos
mentais mais frequentes, é necessário compreender um pouco do que é normalidade
a partir de critérios assumidos pelo profissional a partir de uma ideologia e concepção
filosófica ou pragmática. Dentre os critérios de normalidade mais assumidos em
psiquiatria e psicopatologia estão:
 Normalidade como ausência de doença: Essa concepção assume que a
saúde é a ausência de sinais, sintomas ou doenças, conforme GARCIA
P; et al., (2018).
 Normalidade ideal: Estabelece-se arbitrariamente uma norma ideal
daquilo que é normalidade, a partir de uma concepção sociocultural,
ideológica e, por vezes, doutrinária, conforme GARCIA P; et al., (2018).
 Normalidade como estatística: O normal passa a ser aquilo que se
observa com mais frequência, conforme GARCIA P; et al., (2018).
 Normalidade com bem-estar: É o bem-estar físico, mental e social,
conforme GARCIA P; et al., (2018).
 Normalidade funcional: O fenômeno é considerado patológico a partir do
momento que é disfuncional, produz sofrimento para o próprio indivíduo
ou para o seu grupo social, conforme GARCIA P; et al., (2018).
52
 Normalidade como processo: Considera-se os aspectos dinâmicos do
desenvolvimento psicossocial, das desestruturações e das
restruturações ao longo do tempo, de crises, de mudanças a certos
períodos etários, conforme GARCIA P; et al., (2018).
 Normalidade subjetiva: Ênfase na percepção subjetiva do próprio
indivíduo em relação ao seu estado de saúde, às suas vivências
subjetivas, conforme GARCIA P; et al., (2018).
 Normalidade como liberdade: A saúde mental seria a possibilidade de
transitar com graus distintos de liberdade sobre o mundo e o próprio
destino, conforme GARCIA P; et al., (2018).
 Normalidade operacional: Define-se, a priori, o que é normal e o que é
patológico e busca-se trabalhar operacionalmente com estes conceitos,
aceitando as consequências de tal definição prévia, conforme GARCIA
P; et al., (2018).
De acordo com GARCIA P; et al., (2018), percebe-se que a partir desses
critérios de normalidade, o conceito de doença mental/transtorno mental se torna
muito híbrido se não assumir uma postura de situá-lo dentro de alguma categoria
apresentada. Como uma das formas de obter uma categorização, surge então o
Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtorno Mental (DSM) publicado pela primeira
vez em 1953 pela Associação Psiquiátrica Americana (AMERICAN PSYCHIATRIC
ASSOCIATION, 2014). O DSM encontra-se atualmente na 5ª edição e sofreu algumas
modificações quanto à classificação dos transtornos mentais.

7.1 Capítulos do DSM-IV-TR

 Transtornos geralmente diagnosticados pela primeira vez na infância ou


na adolescência, conforme GARCIA P; et al., (2018).
 Delirium, demência, transtorno amnéstico e outros transtornos
cognitivos, conforme GARCIA P; et al., (2018).
 Transtornos mentais causados por uma condição médica geral não
classificados em outro local, conforme GARCIA P; et al., (2018).
 Transtornos relacionados a substâncias, conforme GARCIA P; et al.,
(2018)

53
 Esquizofrenia e outros transtornos psicóticos, conforme GARCIA P; et
al., (2018).
 Transtornos de humor, conforme GARCIA P; et al., (2018).
 Transtornos de ansiedade, conforme GARCIA P; et al., (2018)
 Transtornos somatoformes, conforme GARCIA P; et al., (2018).
 Transtornos factícios, conforme GARCIA P; et al., (2018).
 Transtornos dissociativos, conforme GARCIA P; et al., (2018).
 Transtornos sexuais e da identidade de gênero, conforme GARCIA P; et
al., (2018).
 Transtornos da alimentação, conforme GARCIA P; et al., (2018).
 Transtornos do sono, conforme GARCIA P; et al., (2018).
 Transtorno do controle dos impulsos não classificados em outro local,
conforme GARCIA P; et al., (2018).
 Transtornos da adaptação, conforme GARCIA P; et al., (2018).
 Transtornos da personalidade, conforme GARCIA P; et al., (2018).
 Outras condições que podem ser foco de Atenção Clínica, conforme
GARCIA P; et al., (2018).

7.2 Capítulos do DSM-5

 Transtornos do Neurodesenvolvimento, conforme GARCIA P; et al.,


(2018).
 Espectro da Esquizofrenia e outros transtornos psicóticos, conforme
GARCIA P; et al., (2018).
 Transtorno bipolar e outros transtornos relacionado, conforme GARCIA
P; et al., (2018).
 Transtornos depressivos, conforme GARCIA P; et al., (2018).
 Transtornos de ansiedade, conforme GARCIA P; et al., (2018).
 Transtorno obsessivo-compulsivo e outros transtornos relacionados,
conforme GARCIA P; et al., (2018).
 Trauma e transtornos relacionados ao estresse, conforme GARCIA P; et
al., (2018).
 Transtornos dissociativos, conforme GARCIA P; et al., (2018).

54
 Sintomas somáticos e outros transtornos relacionados, conforme
GARCIA P; et al., (2018).
 Alimentação e transtornos alimentares, conforme GARCIA P; et al.,
(2018).
 Transtornos da excreção, conforme GARCIA P; et al., (2018).
 Transtornos do sono-vigília, conforme GARCIA P; et al., (2018).
 Disfunções sexuais, conforme GARCIA P; et al., (2018).
 Disforia de gênero, conforme GARCIA P; et al., (2018).
 Transtornos disruptivo, controle dos impulsos e conduta, conforme
GARCIA P; et al., (2018).
 Transtornos relacionados a substâncias e adição, conforme GARCIA P;
et al., (2018).
 Transtornos neurocognitivos, conforme GARCIA P; et al., (2018).
 Transtornos de personalidade, conforme GARCIA P; et al., (2018).
 Transtornos parafínicos, conforme GARCIA P; et al., (2018).
 Outros transtornos mentais, conforme GARCIA P; et al., (2018).
 Transtornos do movimento induzidos por medicamentos, conforme
GARCIA P; et al., (2018).
 Outros efeitos adversos de medicamentos, conforme GARCIA P; et al.,
(2018).
 Outras condições que podem ser foco de Atenção Clínica, conforme
GARCIA P; et al., (2018).
Publicado pela Associação Americana de Psiquiatria (APA), o Manual
Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) é o dispositivo oficial de traçar
os diagnósticos psiquiátricos nos Estados Unidos, sendo utilizado em grande escala
no mundo e, tendo assim, grande influência sobre a Classificação Internacional de
Transtornos Mentais da Organização Mundial de Saúde (OMS). Além de ser usado
por profissionais da área clínica, o DSM visa a ser incorporado globalmente em outras
áreas de atuação, tais como a jurídica, escolar e organizacional, conforme RESENDE
M; (2015).

55
O DSM, principalmente a partir de sua terceira versão (Associação Americana
de Psiquiatria [APA], 1980 apud RESENDE M; 2015), foi elaborado com a pretensão
de ser um instrumento científico e principalmente a teórico de diagnóstico. Ou seja, a
perspectiva era de que esse manual conseguisse ultrapassar as diversas teorias que
existem no campo da psicopatologia, de modo a unificar os sistemas diagnósticos no
campo do sofrimento psíquico. Mas como realizar essa tábula rasa se a própria
história da psicopatologia é de debates, composta essencialmente por teorias que
divergem entre si?
Os DSM partem de uma perspectiva teórica pragmática, em que o sujeito deve
estar no melhor funcionamento social possível, o invisível aos olhos, mas que habita
na língua do DSM, é o consenso sobre a “ordem” que a sociedade espera dos filhos
das famílias “normais”: que sejam bons, carinhosos, tranquilos, adaptados, que
aprendam bem “suas” lições, que comam e durmam bem e que, chegando o momento,
estejam dispostos a defender até a morte, na guerra ou na paz, os valores do sistema.
[...] A norma, a ordem, a média não explícita é a (classe) média, “modelo”, cujos filhos
não devem ser “diferentes” dos pais, moldados pelo american-way-of-life.
(Jerusalinksy & Fendrik, 2011, p. 34 apud RESENDE M; 2015).
No entanto, como diz a premissa foucaultiana: “Onde há poder, há resistência”
(Foucault, 1988, p. 91 apud RESENDE M; 2015), em 2011, foi lançado o Movimento
Internacional Stop-DSM, uma iniciativa que tem como objetivo a crítica ao critério
único de diagnóstico clínico proposto pelo DSM. Esse movimento propõe um
questionamento em relação à lógica classificatória do DSM, defendendo, em
contrapartida, uma abordagem subjetiva e clínica do sofrimento psíquico. (Lanaspa,
2014 apud RESENDE M; 2015).
O Stop-DSM conta com a adesão de diversos profissionais, grupos e
instituições ao redor do mundo que, implicados com as consequências do
desenvolvimento de novas categorias diagnósticas do DSM-5, elaboraram manifestos
para recolher assinaturas e apresentá-las à Organização Mundial da Saúde. Este
trabalho é decorrência desse movimento de crítica que ainda perdura. O manual está
em sua quarta versão, DSM-IV-TR (APA, 2002 apud RESENDE M; 2015), e é previsto
para o primeiro semestre de 2013 o lançamento de sua quinta versão. O advento do
DSM-5 acarretará mudanças estruturais no próprio manual que darão um caráter
preditivo aos diagnósticos.

56
Portanto, durante a elaboração DSM-5, os trabalhos de campo foram
posteriores à captação de uma diversidade de opiniões e comentários publicados por
mais de 8.000 pesquisadores, clínicos, pacientes e familiares, além dos grupos de
trabalhos designados. O enfoque principal foi a medição da gravidade dos sintomas e
a avaliação em forma dimensional e transversal daqueles que apresentavam ampla
diversidade de diagnóstico. Apesar do grande esforço para atingir os objetivos das
tarefas propostas pelos organizadores, houve o apontamento de muitos erros nas
estratégias para alcançar estes objetivos, como sigilo desnecessário, ambições de
risco, métodos desorganizados e prazos irreais para o término (MALDONADO et al,
2011 apud MARTINHAGO F; et al., 2018).
Esta última edição do DSM foi publicada em maio de 2013, com mais de 300
categorias, compondo 947 páginas, organizado em três sessões. A seção I apresenta
as orientações para o uso clínico e forense. A seção II descreve os critérios e códigos
diagnósticos dos transtornos. E por fim, na seção III estão os instrumentos para as
avaliações dos sintomas, os critérios sobre a formulação cultural dos transtornos, o
modelo alternativo para os transtornos de personalidade e uma descrição das
condições clínicas para estudos posteriores (APA, 2013 apud MARTINHAGO F; et al.,
2018).
Assim como as demais versões, o DSM-5 está fundamentado no modelo
categorial. Entretanto, sabendo das limitações deste sistema, seus autores
incorporaram um enfoque mais dimensional em relação aos outros. Deste modo, é
possível analisar se o sintoma é leve, moderado ou severo em diversos quadros
clínicos. O sistema multiaxial foi suprimido porque gerava distinções superficiais e era
pouco utilizado, conforme MARTINHAGO F; et al., (2018).
Deste modo, as categorias diagnósticas dos eixos I e II do DSMIV-TR foram
incluídas na seção II do DSM-5 com anotações separadas em cada categoria para as
condições médicas associadas que pertenciam ao eixo III, para os fatores
psicossociais e ambientais que caracterizavam o eixo IV e para incapacidades, ou
seja, dificuldades no funcionamento social, laboral ou em outras áreas importantes da
vida cotidiana que constituía o eixo V do DSM-IV-TR, conforme MARTINHAGO F; et
al., (2018).

57
Na seção III, foram incluídas em todos os grupos diagnósticos, medidas
dimensionais de severidade ou de frequência das últimas semanas em 13 conjuntos
de sintomas, sendo 12 para crianças e adolescentes. Nesta edição do DSM, os
capítulos foram organizados de modo que considerassem mais o ciclo de vida, em
relação às edições anteriores, conforme MARTINHAGO F; et al., (2018).
No início do Manual, estão os quadros clínicos que se manifestam nas
primeiras fases do desenvolvimento, como os transtornos do desenvolvimento; na
parte central, estão os transtornos que geralmente aparecem na adolescência e na
idade adulta, como os transtornos de ansiedade, depressão ou do espectro da
esquizofrenia; no final, estão os transtornos neurocognitivos, relacionados a velhice
(ECHEBURÚA; SALABERRIA; CRUZ-SAEZ, 2014 apud MARTINHAGO F; et al.,
2018).
O DSM-5 traz uma lista de questões sociais que passam a ser consideradas
como patologia, por exemplo: problemas de relacionamento, rompimentos familiares,
negligência ou abuso parental, violência doméstica ou sexual, negligência ou abuso
conjugal, problemas ocupacionais e profissionais, situações de falta de domicílio,
problemas com vizinhos, pobreza extrema, baixo salário, discriminação social,
problemas religiosos e espirituais, exposição a desastres, exposição a terrorismo e a
não aderência ao tratamento médico. O que induz a exclusão da noção de sofrimento,
somados à disseminação gerada pela recusa em pensar os sintomas no quadro como
uma forma de vida (DUNKER, 2014 apud MARTINHAGO F; et al., 2018).
Dunker (2014 apud MARTINHAGO F; et al., 2018) nota que as renovações
apresentadas no DSM-5 são questionadas por muitos psiquiatras por não se
configurarem como descobertas científicas, mas redefinições dos nomes dos
sintomas e definições operacionais de síndromes. Desta forma, o diagnóstico é
sobrevalorizado mediante a análise retrospectiva dos efeitos de medicações em que
o mecanismo de ação ainda é desconhecido (DUNKER, 2014 apud MARTINHAGO F;
et al., 2018).
Entretanto, para Alarcón e Freeman (2015 apud MARTINHAGO F; et al., 2018),
o DSM-5 apresentou diversos pronunciamentos ontológicos que enriqueceram o
Manual: etiologia dos transtornos mentais fundamentadas em orientações
neurobiológicas; confiabilidade e validade na classificações de modo equiparável ao
que exige a medicina; avanços nas pesquisas básicas e clínicas, devido a muitos anos

58
de trabalhos, com continuidade garantida de forma que possam ser atualizadas as
novas versões do DSM, que está atualmente classificada com números arábicos
DSM-5, justamente para ser seguida por DSM-5.1 e assim sucessivamente.

7.3 Os DSM, a farmacologia e a realidade brasileira

De acordo com RESENDE M; (2015), o consenso acerca do conceito de saúde


mundialmente aceito, responsável por guiar esse ambicioso projeto da psiquiatria
moderna, decorre de uma organização política: a OMS.
Segundo a constituição da OMS, “a saúde de todos os povos é essencial para
conseguir a paz e a segurança, e depende da mais estreita cooperação dos indivíduos
e dos Estados” (Organização Mundial de Saúde [OMS], 1946 apud RESENDE M;
2015). Dessa forma, o conceito de saúde foi definido como “Um estado de completo
bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou
de enfermidade” (OMS, 1946 apud RESENDE M; 2015).
Ou seja, para interagir satisfatoriamente com a sociedade, por meio do trabalho
e da família, o homem precisa estar dotado de um pleno bem-estar. Daí vemos que a
saúde é definida também como a total ausência de síndromes psicopatológicas
(Hansen, 2004 apud RESENDE M; 2015).
Tal perspectiva não deixa de ter consequências na prática clínica. O DSM-IVTR
(APA, 2002 apud RESENDE M; 2015), edição atual do manual, é responsável pela
produção de pelo menos três “epidemias” de transtornos mentais:
 Transtorno bipolar, conforme RESENDE M; (2015)
 Transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, conforme RESENDE
M; (2015);
 Autismo infantil (Fendrik & Jerusalinsky, 2011). Essa produção se dá
pelos critérios diagnósticos que consideram somente os fenômenos sem
levar em conta a estrutura de organização destes, conforme RESENDE
M; (2015).
Junto com essas epidemias, temos também dados que apontam o aumento do
número de prescrição de medicamentos no Brasil (Brasil, 2008 apud RESENDE M;
2015), sendo esse aumento um indicador da associação estabelecida entre psiquiatria
e farmacologia, ou seja, entre a ideia de cura e a ideia de supressão de sintomas.

59
Dados do governo (Brasil, 2011 apud RESENDE M; 2015) mostram que 44%
dos remédios controlados vendidos em farmácias e drogarias no Brasil são
para o tratamento de transtornos mentais e de comportamento, sendo os
ansiolíticos os mais consumidos no País nos anos de 2007 a 2010.

De acordo com RESENDE M; (2015), somando a venda de Clonazepam


(Rivotril), Bromazepam (Lexotan) e Alprazolam, encontramos um total de 19,3 milhões
de caixas vendidas. Já a venda do antidepressivo Fluoxetina atingiu, em 2011, a
margem de 3,5 toneladas. Em relação à venda do Metilfenidato, medicamento
receitado para o TDAH (transtorno de desatenção e hiperatividade), tivemos no Brasil,
entre os anos 2000 e 2004, o aumento de 1020% de vendas de caixas e, entre 2004
e 2008, outro aumento de 930% na venda do produto:

A venda crescente de medicamentos tem gerado, inclusive, distorções no


meio médico, pois muitos desses profissionais vêm recebendo “brindes” dos
laboratórios pela quantidade de remédios de determinada marca que
receitam a seus pacientes. A pressão dos laboratórios é tão evidente que, em
2010, o Conselho Federal de Medicina proibiu os médicos de receberem
“vantagens materiais” por receitarem determinados medicamentos e voltou
atrás em 2012, permitindo que fosse possível oferecer, em troca, uma viagem
para Congresso por ano, financiada por determinado laboratório, justificando
que é uma “tendência mundial” (Conselho Federal de Psicologia [CFP], 2012,
p. 5 apud RESENDE M; 2015).

Os dados de venda de medicamentos no Brasil apontam para um


acontecimento de âmbito mundial: de medicalização do sofrimento. Desse modo,
devemos ver que implicações teria o advento do DSM-5 nesse movimento
medicalizante. Para se ter uma ideia da gravidade da medicalização da subjetividade
do homem, ou seja, da apropriação pelo campo médico de questões que
anteriormente não eram considerados médicas, mas de outra ordem, como jurídica,
social ou existencial, hoje podemos encontrar mais de 300 categorias oficiais, em um
aumento exponencial desde que se passou a usar a estatística e não a clínica como
método de definição de categorias. Com o novo manual, o DSM-5, esse número tende
a aumentar, conforme RESENDE M; (2015).
Com essa apropriação, a psiquiatria biologizante estabelece um discurso único,
uma relação de poder em que o médico é detentor de uma verdade a despeito do
sujeito e que atua na promoção de uma ordem social sem sintomas. Os impactos do
aumento das categorias e critérios diagnósticos são vários, conforme RESENDE M;
(2015).

60
No Brasil, uma recente pesquisa (Andrade et al., 2012 apud RESENDE M;
2015) sobre a saúde mental dos moradores da metrópole de São Paulo, que teve
como base os critérios diagnósticos presentes no DSM-IV-TR (2002 apud RESENDE
M; 2015) e no CID-10, demonstrou que cerca de 30% da sua população sofre de
algum transtorno psiquiátrico, sendo que 1 em cada 16 (5,9%) entrevistados
apresentaram comorbidades de 2 transtornos e 5,8% dos entrevistados apresentavam
comorbidade de 3 ou mais transtornos mentais.

8 A PROPOSTA DO MINISTÉRIO PARA A “SAÚDE MENTAL NA ATENÇÃO


BÁSICA

Fonte: livrozilla.com

Uma demanda importante relacionada à saúde mental chega diariamente na


Atenção Básica, que é a porta de entrada do sistema de saúde, com a expectativa de
que o profissional possa dar uma resposta ao sofrimento de forma rápida e eficaz.
Todavia, uma série de fatores dificulta o acolhimento e tratamento do usuário. A falta
de diretrizes por parte do Ministério da Saúde, a falta de preparo técnico do
profissional, as precárias condições de trabalho, a falta de investimento por parte dos
gestores, dentre outros, faz com que a demanda de Saúde Mental não encontre uma
escuta qualificada e muitas vezes seja tratada apenas com medicação, produzindo-
se assim uma medicalização do sofrimento, conforme GAMA C; (2011).

61
A criação do Programa, depois Estratégia de Saúde da Família (ESF) tem sido
apontada como um modo de promover a transformação do modelo tradicional de
atenção à Saúde, valorizando o trabalho multidisciplinar, buscando aproximar as
ações do território, fortalecendo o vínculo entre equipe de saúde e população, o
trabalho de prevenção de doenças e promoção da Saúde (Santana e Carmagnani,
2001 apud GAMA C; 2011). Entendemos esse espaço como estratégico para se fazer
a aproximação entre a Saúde Mental e a Atenção Básica, haja vista que existe uma
comunidade de concepções e objetivos que facilitariam este processo.
Neste sentido, desde 2001 pode-se notar uma maior preocupação do Ministério
da Saúde para enfrentar esta questão. Através de Oficinas, Seminários e
participações em Congressos, há um início de debate a respeito de como se fazer
esta aproximação. Em novembro de 2003, houve a edição de uma Circular Conjunta
da Coordenação de Saúde Mental e Coordenação de Gestão da Atenção Básica, nº
01/03, denominada “Saúde Mental na Atenção Básica: o vínculo e o diálogo
necessários – Inclusão das ações de Saúde Mental na Atenção Básica”, conforme
GAMA C; (2011).
Este documento começou a delinear algumas diretrizes para esta aproximação,
propondo o Apoio Matricial da Saúde Mental às Equipes da Atenção Básica, a
Formação como estratégia prioritária e a Inclusão da Saúde Mental no Sistema de
Informações da Atenção Básica. O modelo propõe uma rede de cuidados articulada
ao território com parcerias intersetoriais, possibilitando intervenções transversais de
outras políticas públicas, conforme GAMA C; (2011).
De acordo com GAMA C; (2011), há uma aposta no acolhimento,
estabelecimento de vínculos e incentivo à responsabilização compartilhada dos casos
como forma de combater a lógica do encaminhamento.
 Os princípios fundamentais são: Noção de território, intersetorialidade,
reabilitação psicossocial, multiprofissionalidade/interdisciplinaridade,
desinstitucionalização, promoção da cidadania e construção da
autonomia, conforme GAMA C; (2011).
Outro ponto importante sobre esta questão é que as iniciativas do Ministério da
Saúde com relação à saúde mental, sempre visaram municípios com população acima
de 100.000 habitantes que representam 4,78% dos 5564 municípios brasileiros, sendo
que 45,8% da população brasileira ficam fora deste critério. Assim, 95% dos

62
municípios brasileiros devem utilizar outros arranjos, que não o CAPS para dar
atendimento a demanda de saúde mental, conforme GAMA C; (2011).
Recentemente, em janeiro de 2008, o Ministério da Saúde lançou a portaria 154
que criou o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), com a finalidade de ampliar
a abrangência e a resolubilidade da Atenção à Saúde. O NASF pode ser considerado
a primeira iniciativa no sentido de pensar a Saúde Mental na Atenção Básica incluindo
todos os municípios. Os NASF serão formados por profissionais que não estão
contemplados dentro da Equipe mínima da ESF, sendo destinados a fazer o
matriciamento das equipes. A portaria determina que na equipe do NASF, pelo menos
um profissional deve ser da área da saúde mental, conforme GAMA C; (2011).
Os Núcleos de apoio à Saúde da Família não funcionarão como porta de
entrada do sistema, mas, sim, apoiando os profissionais das Equipes de Saúde da
Família no atendimento das demandas do território. A proposta tenta rever a prática
do encaminhamento com base na referência/ contra-referência, objetivando um
acompanhamento longitudinal. Cada Núcleo ficaria responsável por um número de
unidades de ESF realizando apoio matricial e construindo articulações com os
serviços de referência existentes, tais como Caps, Centros de Reabilitação, Centros
de Lazer e Esporte e com profissionais de serviços especializados, conforme GAMA
C; (2011).
Segundo Campos (2007 apud GAMA C; 2011), o apoio matricial é uma
metodologia de trabalho que pretende oferecer tanto retaguarda assistencial como
suporte técnico pedagógico às equipes de referência. Baseados na concepção deste
autor, técnicos do ministério propuseram a seguinte definição:

O apoio matricial constitui um arranjo organizacional que visa outorgar


suporte técnico em áreas específicas às equipes responsáveis pelo
desenvolvimento de ações básicas de saúde para a população. Nesse
arranjo, a equipe por ele responsável, compartilha alguns casos com a equipe
de saúde local (no caso, as equipes da atenção básica responsáveis pelas
famílias de um dado território). Esse compartilhamento se produz em forma
de corresponsabilização pelos casos, que pode se efetivar através de
discussões conjuntas de caso, intervenções conjuntas junto às famílias e
comunidades ou em atendimentos conjuntos. (Brasil. Ministério da Saúde;
2003. p. 4 apud GAMA C; 2011).

Figueiredo e Onocko Campos (2009 apud GAMA C; 2011) afirmam que este
arranjo tem como objetivo aumentar a resolutividade das ações de saúde, propondo
um contato mais horizontal entre as áreas especializadas e a atenção básica.

63
A partir de discussões clínicas conjuntas com as equipes ou mesmo
intervenções conjuntas concretas (consultas, visitas domiciliares, entre outras), os
profissionais de Saúde Mental podem contribuir para o aumento da capacidade
resolutiva das equipes, qualificando-as para uma atenção ampliada em saúde que
contemple a totalidade da vida dos sujeitos. A responsabilização compartilhada pelos
casos permite regular o fluxo de usuários nos serviços. Através do Apoio Matricial,
torna-se possível distinguir as situações individuais e sociais, comuns à vida cotidiana,
que podem ser acolhidas pela equipe de referência e por outros recursos sociais do
entorno, daquelas demandas que necessitam de atenção especializada da Saúde
Mental, a ser oferecida na própria unidade ou, de acordo com o risco e a gravidade,
pelo CAPS da região de abrangência. Com isso, é possível evitar práticas que levam
à “psiquiatrização” e à “medicalização” do sofrimento e, ao mesmo tempo, promover
a equidade e o acesso, garantindo coeficientes terapêuticos de acordo com as
vulnerabilidades e potencialidades cada usuário. Isso favorece a construção de novos
dispositivos de atenção em resposta às diferentes necessidades dos usuários e a
articulação entre os profissionais na elaboração de projetos terapêuticos pensados
para cada situação singular. (p. 130), conforme GAMA C; (2011).
O matriciamento é um dispositivo que tem a função de facilitar o contato e a
transmissão de informações entre os diversos níveis do sistema e entre os diversos
componentes da rede de cuidados do município. Para que ele ocorra, é necessário a
existência de profissionais que possuam uma visão mais complexa da saúde tendo
condições de contribuir para a ampliação do olhar dos trabalhadores da atenção
básica, conforme GAMA C; (2011).
Este processo de implantação da Saúde Mental na Atenção Primária ainda está
em construção. Na cidade de Campinas, por exemplo, os gestores optaram por inserir
profissionais da área de Saúde Mental (psicólogos, psiquiatras, Terapeutas
Ocupacionais), nas equipes do PSF. Desta forma, a população conta com
atendimentos destes profissionais no nível primário. Sabemos que a maioria dos
municípios não fez esta opção por questões orçamentárias e não possuem uma
retaguarda especializada para atendimento de casos de saúde mental. Assim,
determinados casos que necessitam de um suporte especializado, mas não são
considerados graves, ficam desassistidos. O desenho da rede de Saúde Mental de
cada município dependerá de uma série de fatores relacionados aos recursos já

64
existentes e as características singulares de cada localidade, conforme GAMA C;
(2011).
Apesar destas iniciativas do Ministério da Saúde, a aproximação entre Saúde
Mental e Atenção Básica tem esbarrado em dificuldades relacionadas às
particularidades do campo da Saúde Mental. A ESF propõe mudanças paradigmáticas
na maneira de se conceber a relação do profissional com a população e com a questão
saúde-doença. Estas mudanças são muito difíceis de serem realizadas porque
implicam em uma cadeia de transformações que afetam desde concepções pessoais
dos diversos agentes a respeito do problema até questões políticas mais amplas,
conforme GAMA C; (2011).
No nível individual, o tema saúde–doença envolve a mobilização muito grande
de questões emocionais no profissional. Muitas vezes, o diagnóstico apressado, a
conduta extremamente técnica e desumana, a medicalização de toda a queixa e a
barreira ao contato pode obedecer a mecanismos de defesa contra identificações e
angústias relacionadas ao tipo de trabalho, conforme GAMA C; (2011).
Pode, também, ocorrer o contrário, uma abertura muito grande do profissional
ao sofrimento vivenciado pelo usuário de forma que seja invadido pelo problema, não
conseguindo manter uma distância que lhe permita certo discernimento a respeito da
situação, perdendo assim a potência de sua intervenção. É comum encontrarmos
equipes trabalhando cindidas, uma parte trabalhando os problemas físicos e outra
responsável pelos problemas psíquicos. Há grande dificuldade de implantação do que
é preconizado pelas políticas públicas. As práticas de Saúde Mental na Atenção
Básica ainda estão muito vinculadas ao modelo biomédico, faltando preparo aos
profissionais. Isto acarreta uma série de posturas inadequadas como práticas
discriminatórias e preconceituosas com relação ao portador de sofrimento psíquico,
ações moralistas, normatizadoras e repressivas, infantilização, etc, conforme GAMA
C; (2011).
Até mesmo os profissionais que têm formação específica na área da Saúde
Mental como Psicólogos e Psiquiatras possuem dificuldades, que estão ligadas a
própria formação acadêmica que tiveram, para atuar na Atenção Básica. A formação
do psicólogo ainda está centrada numa clínica tradicional e elitizada com enquadre
rígido, privilegiando aspectos individuais e curativos dando pouca evidência às
questões sociais e de promoção da saúde (CFP, 1994 apud GAMA C; 2011).

65
A formação dos psiquiatras, com raras exceções, tem privilegiado o biológico
com ênfase nas medicações. Os cursos técnicos e de graduação na maioria
das vezes propõem conteúdos da Saúde Mental muito descontextualizados
da Atenção Básica. Valentini et al. (2004 apud GAMA C; 2011), afirmam,
frequentemente, esses profissionais da rede de atenção primária à saúde
aprenderam sobre temas relativos à psicologia e psicopatologia em situações
clínicas muito distantes da prática de seu dia a dia. Na realidade, a maioria
dos médicos no Brasil, e frequentemente em outros países, é treinada em
hospitais e ambulatórios psiquiátricos, onde os problemas dos pacientes são
totalmente diferentes daqueles encontrados na prática diária do centro de
saúde. (p. 527).

Com relação à formação, os autores enfatizam a necessidade da formação


técnica continuada a partir da vivência cotidiana nos serviços. A falta de capacitação
de algumas categorias profissionais para lidar com os problemas de saúde mental vai
produzir grande sofrimento psíquico e comprometer a resolutividade da intervenção.
Muitas vezes os profissionais que conseguem estar mais próximos dos pacientes da
mental são os Agentes de Saúde que seriam, em tese, os menos capacitados para
esta tarefa, conforme GAMA C; (2011).

Os conhecimentos técnicos teriam, na nossa argumentação, duas funções


produtoras de eficácia: uma específica na produção de saúde dos usuários,
e outra importante na produção de saúde dos trabalhadores. Eles poderiam
ser a mola da ampliação da clínica (Campos, 2003 apud GAMA C; 2011), do
resgate da dimensão do cuidado, da melhora nos processos intersubjetivos
de comunicação, etc. (Onocko Campos; 2005. p. 579 apud GAMA C; 2011).

Amarante (2003 apud GAMA C; 2011), enfatiza que a capacitação deve


acontecer em duas dimensões: a técno-assistencial e a epistemológica para que se
possa atingir o campo sociocultural mais vasto. As políticas e propostas de formação
dos profissionais do SUS deveriam realizar uma aproximação constante entre as
práticas dos serviços, às práticas de investigação e a reflexão teórica, isto é, uma
aproximação entre os profissionais da Universidade, da Gestão e da Assistência. No
documento norteador que vai dar as diretrizes para a Implementação da Política de
Educação permanente no Estado de São Paulo temos a seguinte concepção:

De modo geral, a integração do profissional ao cotidiano dos Serviços de


saúde se desenvolve na prática de competências, habilidades e
conhecimentos acumulados no processo de formação profissional e de vida.
Esse conjunto de acúmulos precisa de espaços para análise e reflexão,
orientados a articular os saberes e renovar as capacidades de enfrentar as
situações cada vez mais complexas nos processos de trabalho, frente à
diversidade das profissões, dos usuários, das tecnologias, das relações, da
organização de serviços e dos espaços. Portanto, eleger estratégias e
modelos de capacitação renovados e aderidos aos contextos de trabalho e
espaço de ação dos participantes, tende a diminuir o vácuo na formação dos

66
profissionais frente a essa permanente reestruturação. (São Paulo, 2007,
pag. 8 apud GAMA C; 2011).

Este mesmo documento vai recomendar que a proposta pedagógica deva partir
de metodologias ativas e participativas levando em conta os aspectos concretos e
práticos, contextualizando e problematizando situações cotidianas. Há uma
preocupação de democratizar os espaços de trabalho, a busca de soluções criativas,
desenvolvimento do trabalho em equipe e desenvolvimento da capacidade de
aprender e ensinar a todos os autores envolvidos. Na prática, há uma grande
dificuldade por parte dos gestores de operacionalizar este tipo de proposta, seja por
deficiência no planejamento, falta de recursos financeiros e mesmo falta de
profissionais capacitados para implementar este processo, conforme GAMA C; (2011).

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