História e Turismo - Vol2

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Valéria Lima Guimarães

Volume 2 Luiz Alexandre Mees

História e Turismo
Volume 2 História e Turismo
Valéria Lima Guimarães
Luiz Alexandre Mees

Apoio:
Fundação Cecierj / Consórcio Cederj
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Valéria Lima Guimarães
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INSTRUCIONAL Elaine Bayma CAPA
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DESENVOLVIMENTO INSTRUCIONAL COORDENAÇÃO DE PRODUÇÃO PRODUÇÃO GRÁFICA
E REVISÃO Katy Araújo Oséias Ferraz
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Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio
eletrônico, mecânico, por fotocópia e outros, sem a prévia autorização, por escrito, da Fundação.

G963h
Guimarães, Valéria Lima.
História e turismo. v. 2 / Luiz Alexandre Mees.
– Rio de Janeiro: Fundação CECIERJ, 2010.

346p.; 19 x 26,5 cm.


ISBN: 978-85-7648-598-8

1. Turismo. 2. História I. Mees, Luiz Alexandre. II. Título.

CDD: 338.4791
2010/1
Referências Bibliográficas e catalogação na fonte, de acordo com as normas da ABNT e AACR2
Governo do Estado do Rio de Janeiro

Governador
Sérgio Cabral Filho

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Reitor: Roberto de Souza Salles DO RIO DE JANEIRO
Reitora: Malvina Tania Tuttman
História e Turismo Volume 2

Aula 11 – Viagens à “terra dos papagaios”: a chegada dos


SUMÁRIO
portugueses ao Brasil _________________________________________ 7
Valéria Lima Guimarães
Luiz Alexandre Mees

Aula 12 – A organização política, administrativa e econômica da colônia _____ 25


Valéria Lima Guimarães
Luiz Alexandre Mees

Aula 13 – A formação das cidades brasileiras______________________ 45


Valéria Lima Guimarães
Luiz Alexandre Mees

Aula 14 – A ocupação européia no Brasil colonial e seu legado


para o turismo ______________________________________________ 67
Valéria Lima Guimarães
Luiz Alexandre Mees

Aula 15 – A ocupação do interior no período colonial: uma viagem pelos


caminhos históricos brasileiros_________________________________ 89
Valéria Lima Guimarães
Luiz Alexandre Mees

Aula 16 – A transferência da Corte portuguesa para o Brasil


e o seu legado cultural ______________________________________ 117
Valéria Lima Guimarães
Luiz Alexandre Mees

Aula 17 – Sociedade e cultura no Brasil independente:


o Primeiro Reinado e o seu legado para o turismo _________________ 143
Valéria Lima Guimarães
Luiz Alexandre Mees

Aula 18 – O Brasil de D. Pedro II e seu legado como recurso


para o turismo ____________________________________________ 169
Valéria Lima Guimarães
Luiz Alexandre Mees

Aula 19 – Por entre fazendas e quilombos: um passeio pela


história imperial ____________________________________________191
Valéria Lima Guimarães
Luiz Alexandre Mees
Aula 20 – Da proclamação da República aos “Anos Loucos”_________ 211
Valéria Lima Guimarães
Luiz Alexandre Mees

Aula 21 – Cultura e sociedade na Era Vargas (1930-1945) _____________241


Valéria Lima Guimarães
Luiz Alexandre Mees

Aula 22 – As transformações após a II Guerra e seus impactos


no turismo brasileiro _________________________________________271
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Luiz Alexandre Mees

Aula 23 – A sociedade pós-moderna e o turismo __________________ 299


Valéria Lima Guimarães
Luiz Alexandre Mees

Referências ________________________________________________ 335


11 Viagens à “terra dos papagaios”:
a chegada dos portugueses ao Brasil

Meta da aula
Determinar a relação entre as visões dos estrangeiros
sobre o Brasil, à época do Descobrimento, e a construção
da imagem turística do país.

Objetivos
Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:

1 identificar as principais características do período do


Descobrimento, relacionando-o ao contexto europeu
da época moderna;

2 reconhecer alguns dos destinos turísticos mais


importantes relativos ao período da chegada dos
portugueses ao Brasil;

3 avaliar a influência do pensamento europeu do século


XVI na formação da imagem da nação e sua utilização
pelo turismo.
Aula 11 • Viagens à “terra dos papagaios”: a chegada dos portugueses ao Brasil

“Quando as treze embarcações nas Américas surgiram,


outras civilizações a essas terras já tinham chegado...”

(GRES Unidos de Vila Isabel, carnaval de 1992.)

Introdução

O que é o Brasil? Ou, como diria o importante antropólogo Da


Matta (2001), “o que faz o brasil, Brasil?” Você, certamente, já ou-
viu dizer que o Brasil é uma terra de contrastes, que “em se plan-
tando tudo dá”, que aqui “não temos furacões nem terremotos!”
e que “não existe pecado abaixo do Equador”; que o Brasil é uma
terra de gente bonita e hospitaleira, de boa índole, sofredora,
mas que vive alegre... Pois bem, essa imagem do Brasil, que é
reproduzida no país e no exterior e é freqüentemente utilizada
pelo turismo, foi sendo construída historicamente, desde os tem-
pos do Descobrimento, e não é um “dado natural”, como se pode
pensar. Tal imagem do país, como apontam os intelectuais, ba-
seia-se num mito de origem ou mito fundador, sendo a carta de
Caminha, considerada a certidão de nascimento do Brasil, uma
das mais importantes referências no processo de construção
dessa imagem da nação.
Analisaremos aqui o episódio do Descobrimento, pro-
curando identificar nesse importante fato histórico e em seus
desdobramentos a construção de um discurso sobre o Brasil a
partir do olhar estrangeiro, durante a Idade Moderna. Tal discur-
so, no decorrer do processo histórico, somado a outros fatores,
foi-se transformando numa espécie de verdade oficial sobre o
que é o Brasil, assimilada tanto pelos brasileiros quanto pelos
estrangeiros e que ainda hoje é um forte argumento utilizado,
inclusive, pelo marketing turístico sobre o país.
Apresentaremos também nesta aula alguns dos princi-
pais destinos turísticos brasileiros que são um legado do período
em questão, com destaque para a Costa do Descobrimento, onde
discutiremos ainda alguns aspectos de gestão do turismo. O nosso
passeio pelo Brasil está apenas começando...

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História e Turismo

Um paraíso tropical

A filósofa Marilena Chauí, uma das mais importantes pen-


sadoras brasileiras, em sua obra Brasil: mito fundador e socie-
dade autoritária, publicada por ocasião dos 500 anos do Brasil,
nos propõe algumas reflexões muito interessantes, que servem
de provocações para esta aula. Segundo a autora, as variadas
representações feitas sobre o Brasil, ou seja, as imagens que cons-
truímos sobre o nosso país, nos levam a uma visão acrítica da
nossa própria história e de nós mesmos. Assim, reproduzimos,
desde o Descobrimento, de formas variadas, sem pararmos para
refletir, certas crenças generalizadas que vão se atualizando ao
longo do tempo. Eis alguns exemplos citados por Chauí (2000):

Há, assim, a crença generalizada de que o Brasil:


1) é ‘um dom de Deus e da Natureza’; 2) tem um povo
pacífico, ordeiro, generoso, alegre e sensual, mesmo
quando sofredor; 3) é um país sem preconceitos (é
raro o emprego da expressão mais sofisticada ‘demo-
cracia racial’), desconhecendo discriminação de raça
e de credo, e praticando a mestiçagem como padrão
fortificador da raça; 4) é um país acolhedor para to-
dos os que nele desejam trabalhar e, aqui, só não
melhora e só não progride quem não trabalha, não
havendo por isso discriminação de classe e sim
repúdio da vagabundagem, que, como se sabe, é a
mãe da delinqüência e da violência; 5) é um “país dos
contrastes” regionais, destinado por isso à plurali-
dade econômica e cultural. Essa crença se completa
com a suposição de que o que ainda falta ao país é a
modernização – isto é, uma economia avançada, com
tecnologia de ponta e moeda forte, com a qual sentar-
se-á à mesa dos donos do mundo.
A força persuasiva dessa representação transparece
quando a vemos em ação, isto é, quando resolve
imaginariamente uma tensão real e produz uma
contradição que passa despercebida. É assim, por
exemplo, que alguém pode afirmar que os índios são
ignorantes, os negros são indolentes [preguiçosos],

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Aula 11 • Viagens à “terra dos papagaios”: a chegada dos portugueses ao Brasil

os nordestinos são atrasados, os portugueses são


burros, as mulheres são naturalmente inferiores,
mas, simultaneamente, declarar que se orgulha de
ser brasileiro porque somos um povo sem preconcei-
tos e uma nação nascida da mistura de raças. Alguém
pode dizer-se indignado com a existência de crianças
de rua, com as chacinas dessas crianças ou com o
desperdício de terras não cultivadas e os massacres
dos sem-terra, mas, ao mesmo tempo, afirmar que
se orgulha de ser brasileiro porque somos um povo
pacífico, ordeiro e inimigo da violência. (...)
Se indagarmos de onde proveio essa representação e
de onde ela tira sua força sempre renovada, seremos
Mito fundador levados em direção ao mito fundador do Brasil, cujas
Para a Filosofia, é uma raízes foram fincadas em 1500 (CHAUÍ, 2000).
verdade inicial, que se
desenvolve e assume
formas variadas ao longo
do tempo, influenciando
a cultura, a ciência, o
pensamento, as artes, os
valores, a legislação etc.
Cinemania

“O brasileiro são os outros”

Os outros. Direção: Fernando Mozart. Intérpretes: Duda Mamberti;


Caio Blat; Dora Vergueiro; Gabriela Alves; Cândido Damm. Roteiro:
Fernando Mozart. Rio de Janeiro, 2000. 1 fita de vídeo. (15 min), VHS,
son., color., 35mm.

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História e Turismo

Fonte: http://www.curtagora.com/filme.asp?Codigo=3021&Ficha=Completa

Inspirado no fato verídico de que uma sonda da Nasa em Marte era


despertada todos os dias com a música “Coisinha do Pai”, composta
pelo brasileiro Jorge Aragão, o diretor Fernando Mozart criou este
bem-humorado curta-metragem de ficção. O filme, premiado em di-
versos festivais, conta a história de um marciano, que, curioso em
descobrir o que é a tal “Coisinha do Pai”, cantada por Beth Carvalho,
vem ao Brasil e produz um relatório sobre a cultura e os problemas
sociais do país. Destaques para a paixão do brasileiro pelo samba,
pelo futebol e pelo culto ao corpo como formas de sublimar as suas
profundas contradições do cotidiano, entre elas, a má distribuição
de renda, a violência, a corrupção e a impunidade. Esta última causa
maior estranheza ao “turista interplanetário”, que antes de partir de
volta para a sua casa levando como souvenir as famosas fitinhas de
“Lembrança do Senhor do Bonfim”, devidamente amarradas em seu
pulso, registra perplexo a capacidade do brasileiro de responsabilizar
os outros pelos problemas provocados por eles próprios, estabele-
cendo a cultura da impunidade generalizada no país.
Os outros resume magistralmente as importantes contribuições das
ciências humanas e sociais sobre a formação e o caráter do povo
brasileiro. Para compreender as principais questões sobre a condição
brasileira, o espectador é estimulado a refletir historicamente
e chegar até os mitos de origem, que nos remetem ao descobrimento
e à colonização, especialmente às idéias de “paraíso terrestre” e de
que “não existe pecado abaixo do Equador”, elementos fundamen-
tais do imaginário europeu que ajudaram a construir as representa-
ções sobre o que é o Brasil.

11
Aula 11 • Viagens à “terra dos papagaios”: a chegada dos portugueses ao Brasil

Tanto a obra de Chauí (2001) quanto o documentário Os ou-


tros (2000) nos dão algumas pistas a respeito da origem desse
mito fundador que compõe o imaginário do brasileiro sobre o
que é o Brasil e são bastante críticos em relação à passividade
e ao conformismo gerados por essas crenças. Os dois trabalhos
identificam uma dessas matrizes no Descobrimento, cujo docu-
mento oficial é a carta de Caminha, considerada a certidão de
nascimento do Brasil, escrita em 1500.
O escrivão oficial que acompanhou Pedro Álvares Cabral, a
serviço do rei D. Manuel I de Portugal, tinha como missão relatar
os acontecimentos que resultaram no Descobrimento. Caminha
diz narrar o que viu de forma imparcial, “sem aformosear nem
afear” nada, conforme registra no célebre documento enviado
ao rei. Entretanto, como um homem do seu tempo, deixa várias
marcas que revelam as crenças dos europeus de sua época acer-
ca do Novo Mundo. Uma das mais expressivas marcas é a forma
de ver o mundo de maneira dual, característica do pensamento
da Igreja, que opunha paraíso e inferno; bem e mal, expressos,
por exemplo, na descrição da paisagem e na aparência do gentio
(os nativos da terra). O Novo Mundo (a América) representava o
Éden, o paraíso mundano, com exuberantes paisagens e rique-
zas abundantes. Uma terra exótica, com um povo alegre, belo
e cordial. Você já leu algo parecido em algum panfleto turístico
que “venda” o Brasil para brasileiros e estrangeiros? Ou, inversa-
mente, você já ouviu dizer que o Brasil é a terra da transgressão,
que “não existe pecado abaixo do Equador?”. Pois é, vem de
longe essa representação do nosso país e, ao longo do tempo, ao
paraíso repleto de palmeiras, bananas, animais exóticos e com
uma gente bonita, sensual e colaboradora, foram acrescidos no-
vos elementos, como o futebol, a mulata, o carnaval e as praias,
que resultaram na imagem do Brasil tal como a conhecemos.

12
História e Turismo

Vejamos alguns trechos da carta de Caminha:

Sobre a gente da terra:

Parece-me gente de tal inocência que, se nós entendêssemos a sua


fala e eles a nossa, seriam logo cristãos, visto que não têm nem
entendem crença alguma, segundo as aparências. E, portanto, se
os degredados que aqui hão de ficar aprenderem bem a sua fala
e os entenderem, não duvido que eles, segundo a santa atenção
de Vossa Alteza, se farão cristãos e hão de crer na nossa santa fé,
à qual praza a Nosso Senhor que os traga, porque certamente esta
gente é boa e de bela simplicidade. E imprimir-se-á facilmente
neles qualquer cunho que lhe quiserem dar, uma vez que Nosso
Senhor lhes deu bons corpos e bons rostos, como a homens bons.
(grifos nossos)
(...)
A feição deles é serem pardos, um tanto avermelhados, de bons
rostos e bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem cobertura
alguma. Nem fazem mais caso de encobrir ou deixar de encobrir
suas vergonhas do que de mostrar a cara. Acerca disso são de
grande inocência.
(...)
E uma daquelas moças era toda tingida de baixo a cima, daquela
tintura e certo era tão bem feita e tão redonda, e sua vergonha
tão graciosa que a muitas mulheres de nossa terra, vendo-lhe tais
feições envergonhara, por não terem as suas como ela. Nenhum
deles era fanado, mas todos assim como nós.

Sobre a geografia do lugar:

Traz ao longo do mar em algumas partes, grandes barreiras, umas


vermelhas, e outras brancas; e a terra de cima toda chã e muito
cheia de grandes arvoredos. De ponta a ponta é toda praia...
muito chã e muito formosa. Pelo sertão nos pareceu, vista do
mar, muito grande; porque a estender os olhos, não podíamos ver
senão terra e arvoredos -- terra que nos parecia muito extensa.

Atividade
Atende aos Objetivos 1 e 3
Leia o texto O homem da Ilha de Vera Cruz, na carta de Caminha, de
Aluísio Alves Filho, disponível em http://www.achegas.net/numero/
um/aluizio_alves.htm e desenvolva as questões 1.a e 1.b:
“ ...porém o melhor fruto, que nela se pode fazer será salvar esta
gente e esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza nela
deve lançar” (Pero Vaz de Caminha).
1.a. Interprete o trecho da carta do escrivão Pero Vaz de Caminha ao
rei de Portugal, considerando: 1. de que forma os portugueses viam
os índios brasileiros; 2. os propósitos iniciais da viagem e os bens
valiosos que se esperava encontrar; 3. o significado da expressão
“salvar esta gente”.

13
Aula 11 • Viagens à “terra dos papagaios”: a chegada dos portugueses ao Brasil

1.b. De que forma a carta de Caminha, escrita no século XVI, influ-


enciou importantes trabalhos de pensadores como Thomas Morus
(1478-1535), em Utopia, e o iluminista Jean-Jacques Rousseau (1712-
1778), em O contrato social?
1.c. A imagem do Brasil deriva da forma como brasileiros e es-
trangeiros vêem o país. Localize nos fragmentos extraídos da carta
de Caminha e citados nesta aula duas características do Brasil,
descritas sob o ponto de vista do escrivão português, que foram
assimiladas no decorrer do processo histórico e compõem a atual
imagem turística do Brasil.
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Comentários
1.a. Nesta parte da questão, você deve analisar o texto de Aloísio Al-
ves Filho, destacando as características do povo indígena sob a ótica
do “outro”, ou seja, dos portugueses do século XVI, especialmente a
indolência (preguiça), a ingenuidade e o que os europeus chamavam
de criaturas “bestiais”.
Quanto aos propósitos iniciais da viagem, você pode se valer
tanto do texto quanto de livros didáticos de apoio ou mesmo, num
exercício de memória, lembrar-se das aulas dos tempos de escola,
quando seus professores enfatizavam o contexto europeu do século
XVI, das grandes navegações, da busca de especiarias para serem
revendidas na Europa e a procura de metais preciosos, condizente
com a política econômica da época, o mercantilismo. Também é vá-
lido considerar o interesse expansionista da nobreza e da Igreja e o
surgimento e o crescimento da burguesia comercial.

14
História e Turismo

Procure relacionar a expressão “salvar esta gente” com os interes-


ses políticos da Igreja Católica e com o fato de que Caminha está em
missão oficial, devendo prestar contas ao rei e aos interessados na
viagem. Lembre-se de que as viagens marítimas portuguesas con-
ciliavam, sob o comando do Estado, os interesses econômicos da
burguesia mercantil (explorando novas rotas para aumentar os seus
lucros através do comércio ultramarino), os interesses da nobreza (a
busca de mais prestígio e privilégios através de novas terras, glórias
e títulos) e os interesses religiosos (expansão do poder da Igreja por
novas terras, salvando o mundo dos “infiéis” por meio das cruza-
das, no caso dos árabes muçulmanos, ou convertendo os nativos do
Novo Mundo, vistos como ingênuos e bestiais).

1.b. Esta questão é extremamente importante para você avaliar a


grande repercussão e influência da carta de Caminha na formação
do imaginário europeu e também brasileiro sobre o Brasil. Intelec-
tuais que viveram na Idade Moderna e tiveram grande influência no
pensamento ocidental viam o Brasil como um exótico paraíso, onde
funcionava a harmonia e a cooperação entre os nativos, servindo de
modelo para as demais sociedades.

1.c. Neste item da questão 1, você será desafiado a analisar um dos


documentos históricos mais importantes a respeito do Brasil, pro-
curando reconhecer algumas impressões que os estrangeiros (no
caso, os portugueses) tiveram no século XVI a respeito dessa nova
terra por eles desconhecida e que fazem parte do que Marilena Chauí
chamou “mito fundador do Brasil”, sendo repetido e assimilado por
brasileiros e estrangeiros. Você pode destacar, por exemplo, a ên-
fase dada pelos portugueses sobre o gentio da terra, especialmente
as mulheres, e o encantamento dos descobridores com a paisagem
natural do litoral brasileiro, visto como exótico e paradisíaco.

O Descobrimento

Na Europa, o comércio de produtos vindos do Oriente (espe-


ciarias, seda, porcelana etc.) foi uma das maiores fontes de riqueza
dos países europeus no século XV. Os portugueses lançaram-se à
procura de novos caminhos marítimos para as Índias, driblando
o monopólio italiano no Mediterrâneo, que reduzia consideravel-
mente os seus lucros no comércio dos produtos orientais.
As razões para o pioneirismo português nas viagens ul-
tramarinas são várias e complementares. Merecem destaque:
1. a centralização do Estado português, consolidando o seu Es-

15
Aula 11 • Viagens à “terra dos papagaios”: a chegada dos portugueses ao Brasil

tado nacional e colocando no poder a burguesia mercantil, com


a Revolução de Avis (1383-1385); 2. a sua privilegiada localização
geográfica, posicionado para o Oceano Atlântico, favorecendo
enormemente a navegação no ultramar; 3. o desenvolvimento
técnico e científico, com a utilização de modernos instrumentos
de navegação e principalmente através da experiência de nave-
gação da Escola de Sagres.
O marco inicial da expansão marítima lusitana foi a tomada
de Ceuta, em 1415, um importante entreposto comercial árabe no
norte da África. No continente negro existiam alguns produtos de
interesse, como o marfim, ouro, pimenta e os próprios negros,
vistos como mercadorias e escravizados (utilizados para as planta-
ções nas ilhas atlânticas ou para serviços domésticos em Lisboa).
Em 1488, os portugueses dobraram o Cabo das Tormentas (mais
tarde chamado de Cabo da Boa Esperança), e o sul do continente
africano passou a ser parte do horizonte comercial lusitano. Final-
mente, em 1498, Vasco da Gama alcançou as Índias. Voltou de lá
com as naus abarrotadas de mercadorias a serem vendidas a peso
de ouro. Seu lucro foi de 6.000 por cento. Procurando garantir o
monopólio português no comércio com as Índias através do Atlân-
tico, o rei português enviou uma nova expedição, que teve como
comandante o fidalgo Pedro Álvares Cabral e, navegando pelo Mar
Oceano, como costumavam chamar o Oceano Atlântico, rumaram
mais para o Oeste, resultando no Descobrimento do Brasil.
As razões do Descobrimento do Brasil ainda são motivos de
controvérsia entre os historiadores. Teria sido obra do acaso? Cor-
rentes marítimas e tempestades desviariam a rota e um acidente
de percurso tornou-se um dos maiores feitos da Era Moderna?
A versão mais provável do Descobrimento é a de que os lu-
sitanos já sabiam da existência dessas terras, a eles concedida
poucos anos antes pelo Tratado de Tordesilhas. De acordo com
o Tratado, firmado em 1594, entre Portugal e Espanha (os dois
pioneiros nas navegações ultramarinas européias), as terras
descobertas à esquerda de uma linha imaginária (a 370 léguas
a oeste do Cabo Verde) pertenceriam à Espanha e as da direita

16
História e Turismo

seriam possessões portuguesas. Os portugueses tinham muita


experiência de navegação e é difícil acreditar que tenham se
perdido no mar quando estavam a caminho das Índias. A versão
mais aceita pelos historiadores na atualidade é a da intencionali-
dade do Descobrimento, e não a do acaso.
A expedição de Cabral foi até então a maior e mais onerosa
de todas. Estima-se que cerca de 1.500 pessoas, entre homens de
guarnição, missionários e degredados participaram desse em-
preendimento, numa viagem que teve 44 dias de duração, sob
difíceis condições, e contou com 13 embarcações, representando
gastos substanciosos em suprimentos e equipamentos. Entretan-
to, o interesse maior de Cabral e da Coroa portuguesa não era o
Brasil, mas sim as Índias, fornecedora dos produtos mais lucrativos
no comércio com a Europa. Também era fundamental ao Estado
português garantir o monopólio da nova rota comercial para as
Índias, utilizando o Atlântico como corredor principal.
Durante os trinta primeiros anos decorrentes do Descobri-
mento, conhecidos como “período pré-colonial”, o Brasil pratica-
mente esteve abandonado. Daí a expressão “desinteresse lusitano”,
pois Portugal não procurou colonizá-lo. Todo o esforço do reino
português estava concentrado nas Índias, de onde vinham os gran-
des lucros, e no aumento do rebanho da Igreja Católica na África
e na Ásia.
Os portugueses não eram os únicos a freqüentarem o Brasil.
Corsários (que são piratas apoiados pelo rei e comerciantes) da
França, Inglaterra e Holanda vinham ao Brasil “roubar” (supondo-se
que essa terra fosse mesmo de Portugal) pau-brasil, nativos escra-
vizados, aves, animais exóticos etc. Por falar nisso, você já parou
para refletir sobre o significado do termo “invasões estrangeiras”,
tão comumente associado à presença de outros países europeus
no Brasil durante o período colonial? Perceba que a expressão
sugere que Portugal fosse o dono, por direito, do Brasil, e estran-
geiros e invasores fossem os demais europeus...
Amparado pelo Tratado de Tordesilhas, Portugal protes-
tou junto ao Papa e decidiu enviar várias expedições para o Brasil

17
Aula 11 • Viagens à “terra dos papagaios”: a chegada dos portugueses ao Brasil

durante os anos que antecederam a colonização, com duas finali-


dades básicas: 1. defender o território através do combate militar
aos corsários; 2. tomar posse do território, buscando conhecer
o litoral brasileiro, seu traçado geográfico e encontrar suas rique-
zas naturais, sempre almejando o ouro em primeiro lugar. Já em
1501, o Rei D. Manuel enviava a primeira expedição de reconhe-
cimento do território, comandada por Gaspar de Lemos.
No período pré-colonial não houve povoamento nem pro-
dução econômica. A exceção é a extração do pau-brasil. Algumas
feitorias de pau-brasil foram montadas, funcionando como uma
espécie de depósito, não dando origem, entretanto, a nenhum
tipo de povoado. Dessa árvore era extraída uma cera de colo-
ração vermelha que servia como corante para diversos tipos de
tinta. A cobiçada árvore era utilizada também para a fabricação
de navios, violinos e na construção civil, o que levou essa até
então abundante espécie do litoral brasileiro à quase extinção.
O pau-brasil pertencia à Coroa portuguesa. Ela arrendava,
isto é, permitia sob contrato, que alguns empresários viessem
aqui apanhá-lo, contanto que o Estado português ficasse com
parte dos lucros. Quem cortava a madeira e transportava para os
navios eram os índios. Eles faziam de “boa vontade”, segundo
os documentos portugueses e, em troca, recebiam produtos
que apreciavam (pentes, apitos, espelhos, chocalhos, vinho etc.)
É o chamado escambo. A documentação do período dá conta de
que os primeiros contatos entre portugueses e indígenas foram
amistosos, bem diferente da experiência que anos mais tarde, já
no período colonial, outros viajantes iriam relatar.
A expedição organizada por Martim Afonso de Souza, em
1530, representou o início da colonização portuguesa. Os mo-
tivos e detalhes da colonização, bem como o aproveitamento
turístico desse legado, você também estudará na próxima aula.

18
História e Turismo

Costa do Descobrimento: onde tudo começou

Figura 11.1: Marco do Descobrimento. Porto Seguro — Bahia.

A Costa do Descobrimento é a denominação da zona turís-


tica localizada ao sul do estado da Bahia e é formada por três
municípios: Belmonte, Santa Cruz Cabrália e Porto Seguro. Junto
com a Costa das Baleias (composta pelas cidades de Prado, Al-
cobaça, Caravelas, Nova Viçosa e Mucuri), integra o chamado
Pólo do Descobrimento. Esses agrupamentos de municípios em
zonas turísticas e num pólo turístico mais abrangente, o Pólo do
Descobrimento, são estratégias da moderna gestão do turismo
para desenvolver de forma conjunta os municípios em questão,
organizados sob a temática do Descobrimento.
A região foi palco de um dos mais célebres fatos históricos
brasileiros, marcando o início da presença portuguesa no Brasil.
Foi na Costa do Descobrimento que se deu a chegada de Pedro
Álvares Cabral e sua comitiva, incluindo o escrivão Pero Vaz de
Caminha, e foi realizada a primeira missa no Brasil. Os próprios
nomes dos municípios que integram a Costa do Descobrimento

19
Aula 11 • Viagens à “terra dos papagaios”: a chegada dos portugueses ao Brasil

fazem alusão à chegada dos portugueses e à presença e apoio da


Igreja Católica à empreitada. As comemorações dos 500 anos do
Descobrimento deram grande projeção nacional e internacional
à região, atraindo um grande número de turistas.
Além da importância histórica, o litoral sul da Bahia reúne
belezas paradisíacas, descritas na carta de Caminha, que hoje fa-
zem parte de um badalado circuito turístico, com destaque para
as localidades de Arraial d’Ajuda e Trancoso.
O marketing turístico da região, para valorizar o produto
turístico, invariavelmente explora o discurso da descoberta do
paraíso e convida os turistas a redescobrirem o que tanto en-
cantou os portugueses no século XVI. Nunca é demais lembrar
que a idéia do paraíso terrestre, o Éden, repleto de felicidade e
riquezas, faz parte do imaginário do homem europeu do século
XVI e é uma das características mais fortes da carta de Caminha,
repetidas pela indústria do turismo.
A pesquisadora Isabel Maria de Jesus Pacheco, mestre em
Cultura e Turismo, em seu artigo intitulado “O imaginário da carta
de Caminha nas propagandas turísticas da Costa do Descobri-
mento”, publicado na revista Espaço Acadêmico, n. 37, jun. 2004,
faz uma brilhante análise sobre as semelhanças entre o marke-
ting turístico contemporâneo e a visão européia sobre o “Brasil”
à época do Descobrimento.
A autora nos faz refletir sobre a relação entre o consagrado
slogan “Bahia, terra da felicidade” e a visão do paraíso, descrita
na carta de Caminha. Reproduzimos, a seguir, dois fragmentos
do discurso da Embratur (atual Instituto Brasileiro de Turismo),
de 1997, utilizados pela autora em sua análise:

A Costa do Descobrimento está localizada ao longo das mar-


gens do Rio Caí, no Prado, passando pelo Parque Nacional
Monte Pascoal, Caraíva, Trancoso, Arraial d’Ajuda, Porto
Seguro até Coroa Vermelha e margens do Rio João de Tiba,
em Santa Cruz de Cabrália, reservando surpresas prazero-
sas, causando emoções ao visitante e aumentando o desejo
de redescobrir o Brasil (EMBRATUR, 1997 apud PACHECO,
2004). (grifo nosso) (...)

20
História e Turismo

A atmosfera mágica que envolve turistas hoje é a mesma


que encantou os visitantes portugueses em 1500, no primeiro
contato com a terra e seus habitantes, índios Tupi da tribo Pa-
taxó. Isso pode ser destacado pelas praias, cavernas, baías,
penhascos e os muitos rios e riachos circundados por coquei-
rais, manguezais e pela Mata Atlântica (EMBRATUR, 1997 apud
PACHECO, 2004). (grifo nosso)

Entretanto, como analisa a autora e é conhecido no meio


acadêmico como um dos casos clássicos de um turismo não-sus-
tentável, a Costa do Descobrimento, em especial Porto Seguro,
longe de ser o paraíso terrestre, apresenta diversos problemas
sociais que afetam diretamente a atividade turística. Tais proble-
mas estão relacionados ao passado histórico, especialmente à
exploração e à exclusão social do homem indígena desde a época
da colonização. Conflitos pela posse das terras outrora pertencen-
tes aos índios, cenas de mendicância dos indígenas, prostituição,
entre outros problemas, são comuns na região. A exploração
turística na região, por sua vez, tem sido bastante criticada pelos
especialistas por não gerar formas de desenvolvimento susten-
tável, isto é, não valorizar as culturas e identidades locais e não
promover melhoria da qualidade de vida dos habitantes da região,
questões primordiais do turismo na atualidade. Ao contrário, ao
apostar no turismo de massas, de forma desregrada, a degrada-
ção ambiental e a exploração dos habitantes locais se intensificam.
O marketing turístico sobre a Costa do Descobrimento,
portanto, é um claro exemplo de como a imagem turística do
Brasil está relacionada ao nosso passado histórico, sendo forte-
mente influenciada pelo imaginário e pelos valores do homem
europeu desde a época moderna.

21
Aula 11 • Viagens à “terra dos papagaios”: a chegada dos portugueses ao Brasil

Atividade
Atende aos Objetivos 1 e 3
2. O documentário Quem são eles?, disponível no site http://www.
dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_
action=&coobra=22224 é uma excelente fonte de reflexão sobre o
desconhecimento do povo brasileiro em relação aos nossos indí-
genas, resultando num grande preconceito contra esses grupos
étnicos. Assista ao documentário e destaque:
a. Dois comentários pejorativos sobre os índios brasileiros, repeti-
dos pela maior parte dos entrevistados.
b. Dois argumentos em defesa das diferentes culturas indígenas.
c. Por que a maioria dos entrevistados não se reconhece como des-
cendente de índios.
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Respostas Comentadas
Nesse excelente documentário da série Índios no Brasil, produzida
pelo Ministério da Educação, você perceberá que os índios que vivem
no Brasil atual enfrentam grande preconceito da maior parte da popu-
lação brasileira, de norte a sul, independentemente de classe social
ou região geográfica. Verá, também, que a raiz desse preconceito está
centrada no desconhecimento sobre a história e a pluralidade cultural
brasileira e na repetição contínua de estereótipos construídos ao longo
dos tempos sobre os povos indígenas.
a. São algumas das impressões mais recorrentes na fala dos entre-
vistados: generalizações grosseiras e comentários pejorativos sobre
o caráter dos índios; a falta de disposição para o trabalho – indolência
(conforme estudamos no início desta aula, na obra de Chauí); o estra-
nhamento quanto aos hábitos diferenciados; e até comentários sobre
serem como os animais, serem incapazes de exercerem a cidadania

22
História e Turismo

brasileira ou não “terem cultura”, vista pela maioria como a cultura


letrada, baseada no legado europeu.

b. O apresentador e a socióloga, ambos de origem indígena, dentre


outros que aparecem no documentário, são dois importantes ele-
mentos que ressaltam as características diferenciadas das culturas
indígenas e, ao mesmo tempo, a necessidade de garantia a esses
povos dos direitos básicos dos brasileiros, principalmente o de preser-
vação da identidade indígena. Polêmicas quanto à perda da identidade
indígena ao se falar português ou cursar uma universidade sem deixar
de ser índio são um dos pontos altos do documentário.

c. Resposta pessoal. Leve em consideração o passado histórico dos


índios no Brasil e a forte valorização da cultura européia, católica e
branca no país, em detrimento das demais culturas.

Atividade Final
Atende aos Objetivos 1 e 2
Pesquise sobre a história de Cabo Frio, no estado do Rio de Janeiro,
localizada na região turística denominada “Costa do Sol”, conhe-
cida popularmente como um destino turístico do tipo “sol e praia”.
Destaque a importância do lugar nos primeiros anos após o Descobri-
mento e os atrativos de interesse histórico e cultural ali existentes.
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Comentário
Leve em consideração que Cabo Frio é um importante sítio arqueo-
lógico indígena e apresenta diversos testemunhos de culturas an-
cestrais; que foi a primeira feitoria portuguesa no Brasil, em 1504.
Cite os exemplares remanescentes do período colonial que são tes-
temunho do aparato religioso e militar da época, como a construção
de fortificações e igrejas de grande importância, existentes até hoje
e transformadas também em atrativos turísticos.

23
Aula 11 • Viagens à “terra dos papagaios”: a chegada dos portugueses ao Brasil

Resumo
O episódio do Descobrimento do Brasil e o contexto em que se
insere, bem como as principais características do período pré-co-
lonial, são temas já conhecidos e bastante enfatizados pelos cur-
rículos oficiais da educação básica. Procuramos revisitá-los de
forma sintética, ressaltando os aspectos mais relevantes e bus-
cando conexões com o tempo presente, especialmente com a
imagem do Brasil interna e externamente, cujas origens re-
montam a mitos fundadores da época do Descobrimento e da
colonização.
Nesse sentido, analisamos a carta de Caminha, um dos primei-
ros documentos oficiais sobre o Brasil, procurando perceber o
olhar europeu sobre o “país” e quais as representações da atual
imagem do Brasil que derivam desse olhar estrangeiro. Aspectos
como fauna e flora, características paradisíacas, sensualidade e
beleza do gentio são alguns dos elementos que já estão presentes
no discurso sobre o Brasil desde a sua “certidão de nascimento”,
ou seja, desde a célebre carta do escrivão português.
A Costa do Descobrimento é um dos mais representativos des-
tinos turísticos alusivos a esse importante período histórico.
Apresenta, entretanto, fortes contrastes sociais, que revelam a
história brasileira, marcada pela exploração das riquezas natu-
rais e da sua gente.

Informação sobre a próxima aula

Na Aula 12, veremos como se organizaram a estrutura admi-


nistrativa do Brasil no período colonial e a formação das cidades.
Até lá!

24
12 A organização política, administrativa e
econômica da colônia

Meta da aula
Demonstrar a organização do aparato burocrático do
Estado português durante o período colonial no Brasil,
o papel da Igreja na administração da colônia e os pilares
tradicionais da economia do Brasil colônia: o latifúndio,
a monocultura para exportação e o modo de produção
baseado na escravidão.

Objetivos
Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:

1 analisar o sistema de capitanias hereditárias


e o sistema de governo-geral no Brasil;

2 refletir sobre o regime escravista brasileiro


e compará-lo ao mesmo regime utilizado nas colônias
sulistas norte-americanas;

3 identificar a influência da Igreja Católica na formação


da sociedade brasileira, partindo do período colonial.
Aula 12 • A organização política, administrativa e econômica da colônia

Introdução
“O primeiro instrumento institucional
de ocupação das terras americanas foi a feitoria”.
(DEL PRIORE; VENÂNCIO, 2001.)

Logo depois do seu achamento, as terras do Brasil permanece-


ram por aproximadamente trinta anos quase que inexploradas.
Isso se deu por sua inicial insignificância na exploração, por
Portugal, de riquezas e do pouco potencial em possibilidades co-
merciais que oferecia. Não tendo empolgado os portugueses – as
possessões na Ásia e na África se mostraram, por muito tempo,
mais lucrativas – as primeiras tentativas de exploração do litoral
brasileiro se basearam no sistema de feitorias: postos de comér-
cio fortificados, enquanto a principal atividade econômica da
terra foi a extração do pau-brasil.
Contudo, as terras do Novo Mundo se tornaram ponto de conflito
e disputa entre Portugal e Espanha, que reclamava o privilégio
de ter “descoberto” as Américas ao ter enviado o navegador
genovês Cristóvão Colombo a uma viagem, em direção oeste,
pelo mar desconhecido. Colombo acaba chegando às Antilhas no
mar do Caribe.
Esta disputa levou à assinatura do Tratado de Tordesilhas, como
estudado na Aula 11. Cada reino teria o direito de explorar e colo-
nizar o seu pedaço correspondente. Porém, alguns povos, como
os franceses, não reconheceram o tratado de partilha, vindo a
praticar o corso e a pirataria no litoral brasileiro, por exemplo.
Passaram a comercializar, também, as riquezas encontradas na
terra e, mesmo que episodicamente, acabaram se estabelecendo
na baía de Guanabara e no Maranhão. Esta foi apenas uma das
razões que moveu Portugal a realizar a efetiva colonização do
novo território. Para isso, foi criada a política do governo-geral do
Estado do Brasil, e começou-se a estabelecer nas terras brasilei-
ras um aparato político, administrativo e econômico.
É importante observar que o sistema político, administrativo
e econômico implantado no Brasil pelos colonizadores portu-

26
História e Turismo

gueses apresentou particularidades se comparado com aquele


adotado pela América espanhola. Nesta, apresentam-se diferen-
tes formas de trabalho servil, enquanto no Brasil, a escravidão
foi o modo de produção predominante. A efetiva colonização
do Brasil tinha como objetivo consolidar o “descobrimento”
e a conquista da terra; agregar a riqueza extraída da colônia à
riqueza produzida pela metrópole; beneficiar as elites; fortalecer
o Estado português e expandir a fé católica. Para cumprir essas
metas e seguindo experiências portuguesas, a política, a econo-
mia, a administração e a sociedade se estruturaram em torno do
mercantilismo, do absolutismo, do monopólio e do tráfico ne-
greiro. A escravidão e a grande propriedade (o latifúndio) voltada
para a monocultura e para a exportação forjaram uma sociedade
aristocrático-escravista em que a ausência de uma divisão clara
entre o público e o privado e a subordinação da Igreja ao Estado
deixaram marcas históricas identificáveis até os dias de hoje.
Nesta aula, procuraremos relembrar um pouco da História do
Brasil a partir da organização política, administrativa e econômi-
ca do período colonial. Assim, o estudo da História pode ajudar,
em muito, na identificação e na compreensão de nossas poten-
cialidades turísticas.

As capitanias hereditárias e o governo-geral

“(...) Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal.


Ainda vai tornar-se um imenso Portugal (...).”
(Chico Buarque de Holanda)

A economia nas terras brasileiras logo nos seus primeiros


anos, para Portugal, sempre fora frágil. Não tinha agricultura nem
manufaturas significativas. O comércio com o oriente era a única
coisa que valia a pena. Mas esse comércio possuía deficiências.
A Coroa lusitana tinha que importar quase tudo de Flandres – norte
da Bélgica – e, por causa disso, a dívida com os banqueiros fla-
mengos, nome dado aos habitantes locais, foi aumentando. Para

27
Aula 12 • A organização política, administrativa e econômica da colônia

piorar um pouco mais, outros países europeus, aos poucos, iam


chegando às Índias e estabelecendo uma concorrência com os
portugueses. Desta forma, com o tempo, o lucro dos portugueses
caía e a economia começava a apresentar prejuízos.
A nobreza feudal, parasita do estado absolutista, não inves-
tia os lucros na produção, desperdiçando-os com o luxo. Já a fraca
burguesia, tinha que se conformar com as migalhas. Situação di-
fícil, não é? Aliado a tudo isso, havia o fato de o Brasil estar sendo
ameaçado pelos estrangeiros, em especial os franceses. Estava na
hora de Portugal tentar outro caminho. Quem sabe o Brasil?
Buscando essa alternativa, foi enviada em 1530 uma expe-
dição liderada por Martim Afonso de Sousa. Essa iniciativa é ge-
ralmente vista como o início da colonização do Brasil. Depois de
percorrer e patrulhar boa parte da costa buscando ouro sem en-
contrar, fundou a vila de São Vicente, em 1532, levantou o primeiro
engenho de açúcar e plantou as primeiras roças de cana-de-açúcar.
Porém, o estado não podia investir sozinho na coloniza-
ção do Brasil e, por isso, buscou o apoio de vários empresários
particulares: fidalgos, comerciantes e funcionários pertencentes
à burguesia e à pequena nobreza. Dividiu-se a colônia em quinze
quinhões de terra, entregando-as a esses empresários, chamados
de capitães donatários, que tinham como compromisso promover
o povoamento e a exploração das terras. Em troca, além das gran-
des propriedades, recebiam importantes direitos e privilégios.
Esta ação foi resultado de uma fórmula aplicada com sucesso
em ilhas de possessão portuguesa no norte da África, Madeira e
Açores. Porém, aqui na Terra Brasilis, a receita foi fadada ao fra-
casso. As capitanias foram sendo, ao longo dos anos, retomadas
pela Coroa por meio de compra e passaram, então, a pertencer
ao Estado.
Temos aqui, então, a primeira experiência administra-
tiva no sentido da colonização: a implantação das capitanias
hereditárias. O funcionamento deste sistema se dava do seguinte
modo: os donatários recebiam uma doação da Coroa, pela qual
se tornavam possuidores da terra. Contudo,

28
História e Turismo

não podiam vender ou dividir a capitania, cabendo ao rei o


direito de modificá-la ou mesmo extingui-la. A posse dava
aos donatários extensos poderes tanto na esfera econômica
e na arrecadação de tributos como na esfera administrativa.
A instalação de engenhos de açúcar, de moinhos de água,
assim como o uso de depósitos de sal, dependiam do paga-
mento de direitos; parte dos tributos devidos à Coroa pela ex-
ploração do pau-brasil, de metais preciosos e dos derivados
da pesca, cabia também aos capitães-donatários. Do ponto
de vista administrativo, alistar colonos para fins militares e
formar milícias sob seu comando (FAUSTO, 2006, p. 19).

A doação das sesmarias, direito muito exercido pelos do-


natários, dará origem à formação das grandes propriedades –
os latifúndios. Essa prática deu início à tradição latifundiária
brasileira, de concentração da propriedade agrária e de muita
terra para poucos donos. As grandes propriedades do período
colonial objetivavam sempre desenvolver uma monocultura
voltada ao mercado exterior, ou seja, produzir um “produto-rei”
em torno do qual toda a produção da colônia se concentrava.
No caso brasileiro, essa produção ora é o açúcar, ora a borracha,
ora o café. Esses produtos serviam para a exportação e o en-
riquecimento da metrópole em detrimento da produção para o
consumo ou o mercado interno.
A dificuldade enfrentada em cada capitania fazia com que
os donatários não mais se interessassem pela produção e pro-
teção das terras, pois os ataques eram intensos, os recursos
dados pela corte portuguesa não eram suficientes para auxiliar a
manutenção de cada capitania, as condições climáticas não eram
favoráveis para o plantio da cana-de-açúcar e as leis e as normas
impostas por cada donatário eram diferentes umas das outras,
tornando a situação ainda mais incômoda. Iniciou-se, então, o
período de decadência das capitanias hereditárias.
As capitanias que mais progrediram foram as de São Vicen-
te, por causa do apoio oficial da metrópole, e a de Pernambuco,
onde foi introduzida a produção de açúcar, financiada com o
capital holandês. Assim, mais uma vez:

29
Aula 12 • A organização política, administrativa e econômica da colônia

Povoar o Brasil fazia-se urgente

(...) A concorrência no Oriente obrigava Portugal a repensar


sua política colonial. O sistema [das capitanias hereditárias]
malogrou, contudo, devido ao tamanho do território colo-
nial, assim como em razão de ferozes ataques indígenas
(...) quando se fundou o Governo-Geral e Tomé de Souza
foi enviado para cá, apenas três das 12 capitanias distribuí-
das haviam sobrevivido. Chegado em 1549, o primeiro
governador-geral ergueu a primeira vila com foros de cidade,
São Salvador (...).Trouxe consigo os padres jesuítas e o plano
para a instalação urgente de uma estrutura político-adminis-
trativa que evitasse o naufrágio completo da colonização:
O Governo-Geral (DEL PRIORE; VENÂNCIO, 2001, p. 54-55).

Dessa forma, com o fracasso do sistema das capitanias


hereditárias e buscando uma centralização política, administra-
tiva e jurídica da colônia, foi criado um governo-geral. No início,
sua sede foi instalada no local da Capitania da Bahia de Todos
os Santos, vendida pelo donatário Francisco Pereira Coutinho à
Coroa, onde posteriormente Tomé de Souza criaria Salvador (em
1549) para ser a sede de seu governo.
Foi Tomé de Sousa, primeiro governador-geral, quem trouxe
consigo os primeiros jesuítas — Manuel da Nóbrega e mais cinco
companheiros — que tinham como objetivo catequizar os índios e
disciplinar o ralo clero existente na colônia. Além disso, o sistema de
governo-geral criou cargos administrativos importantes como o de
ouvidor — a quem cabia administrar a justiça —, o de capitão-mor
— responsável pela vigilância da costa — e o de provedor-mor, en-
carregado do controle e do crescimento da arrecadação.
Falaremos mais sobre capitanias hereditárias e as invasões
francesas no Brasil nas Aulas 14 e 15.

30
História e Turismo

Os primeiros governadores-gerais

Tomé de Souza, o primeiro governador (1549/53), fun-


dou engenhos e trouxe gado e missionários jesuítas.

Duarte da Costa (1553/58) teve problemas com o Bis-


po Dom Sardinha e viu os franceses invadirem o Rio
de Janeiro.

Mem de Sá (1558/78) expulsou os franceses do Rio


de Janeiro, frustrando o plano gaulês de fundação da
França Antártica e assassinou uma porção de índios.
Foi Mem de Sá quem transferiu a recém-fundada
cidade do Rio de Janeiro, da chamada Vila Velha –
situada entre o morro Cara de Cão e o morro da Urca
– para o morro do Descanso, futuramente batizado de
morro do Castelo.

No começo, o governo-geral não conseguiu manter


sua autoridade. A capitania de Pernambuco conser-
vou certa autonomia, e o poder efetivo era local, nas
mãos dos latifundiários que se faziam representar
nas câmaras municipais (câmara dos “homens bons”). Homem bom
“Homem bom” é uma
expressão que designava,
a partir da Idade Média,
em Portugal e durante o
período colonial no Brasil,
membros da comunidade
aldeã e das vilas que
Assista ao filme Desmundo, do tinham certa relevância
diretor Alain Fresnot. O filme social: quer por pos-
é ambientado em 1570, início suírem propriedades
ou outros bens, quer
da colonização portuguesa, e
por exercerem ofícios
tem como tema o costume da não-manuais. Ser um
metrópole portuguesa de en- homem bom significava
viar órfãs ao Brasil para que participar das listas de
casassem com os colonizado- eleitores que escolhiam
res. A tentativa era minimizar os membros das câmaras
municipais, podendo votar
o nascimento dos filhos com
e ser votado. No Brasil
as índias e que os portugue- colônia, um “homem bom”
ses tivessem casamentos cristãos. O filme mostra a era o proprietário de terra,
precariedade das povoações brasileiras e seu árduo branco e cristão. Desta
cotidiano. Curiosidade: o filme é falado em português categoria excluíam-se os
artesãos, mestiços, índios,
arcaico, num belo trabalho de Filologia.
cristãos-novos, negros,
Fonte:http://www.adorocinemabrasileiro.com.br/filmes/
escravos etc.
desmundo/desmundo-poster01.jpg

31
Aula 12 • A organização política, administrativa e econômica da colônia

Atividades
Atendem ao Objetivo 1
Pesquise mais sobre o assunto e responda às questões a seguir:
1. Por que a escolha do regime de capitanias hereditárias? Por que só
duas capitanias foram bem-sucedidas?
2. Demonstre de que forma a criação do governo-geral consolidou o
processo de colonização no Brasil.

Comentários
As capitanias hereditárias e o sistema de governo-geral foram as
duas primeiras ações efetivas de colonização do Brasil. Cada uma
delas teve suas características na tentativa de sucesso. O sistema de
capitanias hereditárias já era conhecido e utilizado por Portugal. Para
justificar a consolidação do processo de colonização brasileiro através
do sistema de governo-geral, pode-se partir da transferência de todo
um aparato administrativo e burocrático português para os trópicos.
Pesquise e desenvolva um texto sobre as características deste aparato.

O Brasil e o sistema colonial mercantilista

O sistema colonial a que nos referimos é o conjunto de rela-


ções entre as metrópoles e suas respectivas colônias em uma deter-
minada época histórica. O sistema colonial que nos interessa abrange,
didaticamente, o período entre o século XVI e o século XVIII.
Segundo o seu modelo teórico, a colônia deveria ser um local
de consumo – um mercado – para os produtos metropolitanos, de
fornecimento de artigos para a metrópole e de ocupação para seus
trabalhadores. Em outras palavras, dentro da lógica do “Sistema
Colonial Mercantilista” tradicional, a colônia existia para desenvol-
ver a metrópole, principalmente através do acúmulo de riquezas, do
extrativismo ou de práticas agrícolas mais ou menos sofisticadas.
De acordo com a historiografia tradicional, podemos iden-
tificar, na economia brasileira, um trinômio teórico usado como
base para o funcionamento da colônia: o latifúndio, a monocul-
tora exportadora e o modo de produção escravista. É importante
não perdermos de vista também a produção para o consumo
interno, que será abordada com mais detalhes na Aula 14.

32
História e Turismo

O latifúndio, no sentido moderno, é um regime de proprie-


dade agrária caracterizado pela concentração desequilibrada de
terras pertencentes a poucos proprietários com escasso ou ine-
xistente aproveitamento físico delas. Ou seja, os latifúndios são
extensas propriedades rurais onde existe uma grande proporção
de terras não cultivadas e que são exploradas com tecnologia
obsoleta e de baixa produtividade.
Portugal descobriu que colonizar o Brasil daria certo por-
que aqui se podia produzir um artigo muito raro na Europa:
o açúcar. O primeiro “produto-rei” da colônia.
Era desejo da Coroa portuguesa produzir este produto em
larga escala, com fins de exportação. Desta forma, a cana-de-açú-
car era plantada nas grandes propriedades: os latifúndios.
O que é interessante notar, é que, atualmente, o latifúndio
ainda é um regime próprio de países pobres e subdesenvolvidos,
inclusive o Brasil. Ele é um dos responsáveis pelo atraso e pelo
subemprego nos campos e nas cidades.

Leia o artigo da Folha de Pernambuco, de 28/11/2006,


e veja como o turismo se utiliza da História do Brasil,
usando os engenhos e fazendas de açúcar coloniais,
este caso na Zona da Mata Norte de Pernambuco,
como atrativo turístico. Veremos mais sobre as fazen-
das em Pernambuco na Aula 14.

Turismo ecológico: engenhos e fazendas

Zona da Mata Norte para ver e viver


Rodrigo Porto

Marcada pela tradição dos engenhos de açúcar e das mani-


festações da cultura popular, a Zona da Mata Norte de
Pernambuco encontra meios para aquecer a economia da
região através do incentivo ao turismo, como alternativa para
o desenvolvimento sustentável. Os canaviais ainda dominam
a paisagem do lugar, enchendo de verde as planícies e as

33
Aula 12 • A organização política, administrativa e econômica da colônia

montanhas onde casas grandes e senzalas resistem ao tem-


po. Até a metade da última década, o açúcar representava
60% das exportações pernambucanas, mas, em 2000, esse
número caiu para 26%. A retomada do álcool como alterna-
tiva de combustível é um fator que favorece as usinas e os
pequenos produtores de cana, mas a tentativa de atrair visi-
tantes — através de roteiros ecológicos, histórico-culturais e
religiosos — é o objetivo do Governo do Estado, com o lan-
çamento da Rota Engenhos e Maracatus, que contempla 19
municípios e 90 atrativos turísticos da região.
A elaboração dos roteiros turísticos exigiu um investimento
de R$ 10 milhões para a realização de adaptações e melhorias,
nas zonas rurais e urbanas, além da divulgação da nova rota,
lançada, oficialmente, ontem à noite, na fábrica da Cachaça
Carvalheira, no Recife. Através da parceria entre o Pro-
grama de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável da Zona
da Mata de Pernambuco (Promata), a secretaria estadual
de Turismo e a Empetur, a idéia foi posta em prática com
a capacitação de guias de ecoturismo, abertura de trilhas
nas matas, implantação de estradas, sinalização rodoviária
e turística, apoio à produção de artesanato, restauração de
antigos engenhos e construção de novos atrativos, como o
Parque dos Lanceiros, um espaço com pequeno museu do
Maracatu, palco para apresentações culturais e ampla ar-
quibancada, decorado com esculturas de caboclos-de-lança,
assinadas pelo artista plástico Cavani Rosas.
Ao percorrer as estradas que ligam Nazaré da Mata, situada
a 65 quilômetros do Recife, aos municípios vizinhos de Tracu-
nhaém, Carpina, Vicência e Aliança, o viajante se surpreende
com os extensos canaviais, as usinas, os engenhos (com
seus quatro elementos básicos: casa grande, senzala, moita
e capela), sedes de maracatus (como o Ponto de Cultura de
Aliança, onde o mestre Zé Duda comanda o Maracatu Estrela
de Ouro) e ainda um museu e algumas fábricas de cachaça,
uma das especialidades da região. Em Vicência, a cachaçaria
Água Doce está aberta à visitação. Lá, já se produziu também
açúcar, rapadura e mel de engenho. Após conhecer as diver-
sas fases da produção, há degustação de cachaças e licores,
além do imperdível caldo de cana gelado.
Mas o forte mesmo dos roteiros históricos são os antigos
engenhos. Muitos deles estavam abandonados, com as
estruturas ameaçadas e habitados apenas por morcegos.
Arquitetos foram contratados para revitalizá-los e agora já

34
História e Turismo

dispõem de visitas guiadas. O engenho Poço Comprido, em


Vicência, uma construção do século XVIII – que já serviu de
refúgio para Frei Caneca, líder da Confederação do Equador
(1825) –, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (IPHAN), ganhou reforma. Paredes pintadas
de branco, detalhes em azul nas portas e janelas, tudo como
no original. Esse é um dos raros engenhos que têm uma ca-
racterística curiosa: da casa-grande para a capela, existe uma
passagem para que a família dos senhores de engenho não
se misturassem aos escravos. Já a senzala não está mais lá,
mas, segundo os pesquisadores, os baobás (árvores africa-
nas) denunciam o possível lugar que ela ocupava.

Hospedagem é feita nos próprios engenhos


seculares

A exemplo do que acontece em diversos países da Europa,


onde hotéis e pousadas são instalados em antigos conventos, cas-
telos e palácios, os visitantes que chegam à Mata Norte já podem se
hospedar em autênticos engenhos, para sentirem a atmosfera da
época áurea da indústria açucareira em Pernambuco. No engenho
Cueirinha, em Nazaré da Mata, os quartos estão distribuídos entre
a casa-grande e os chalés, que dão para um enorme açude, cujas
margens têm ainda um píer e uma graciosa capela.
No município de Vicência, o engenho Jundiá está localizado
ao pé de uma colina que recebe os tons em verde e amarelo, com
os paus-d’arco floridos. No topo da montanha, fica a capela de
Nossa Senhora da Conceição, de onde se tem uma das mais belas
vistas sobre os canaviais. Na casa-grande, o mobiliário de época
(1882) está em perfeitas condições de conservação e é mantido
na mesma posição em que estava quando as sinhazinhas ainda
circulavam por ali. Uma outra atividade bastante comum nos en-
genhos é a pescaria. No engenho Pedregulho, em Nazaré da Mata,
o pesque-e-pague funciona aos domingos. Depois da brincadeira,
os peixes podem ser preparados e servidos no restaurante. Duran-
te a semana, é necessário agendar a visita.

35
Aula 12 • A organização política, administrativa e econômica da colônia

Ninguém pode acusar Portugal do “atraso” do Brasil.


Os colonizados não queriam ver o progresso da colô-
nia, o que eles queriam era arrancar o máximo para
que pudessem lucrar. É bom não perdermos de vista
a idéia de que a economia da colônia era concebida
como complemento da metrópole.
Quais as conseqüências disso? Em primeiro lugar, o
esgotamento dos solos pela monocultura – áreas
enormes da Mata Atlântica foram devastadas – em
segundo lugar, a dependência econômica. Se o
produto exportado tiver seu preço reduzido, a econo-
mia colonial decaía também.

A escravidão no Brasil

Como vimos, uma das bases da economia colonial brasi-


leira foi a mão-de-obra escrava: o negro africano era trazido pelo
mar, entre cadeias e, além de ser mercadoria cara, gerava riqueza
com o seu trabalho.
Diversos fatores determinaram a generalização do trabalho
escravo africano no Brasil, que se iniciou, a partir do final do sé-
culo XVI, ao mesmo tempo que a mão-de-obra nativa deixava de
ser opção viável. Epidemias adquiridas em contato com os bran-
cos, mortes pelo trabalho forçado, desarticulação de sua econo-
mia de subsistência, fugas para o interior, suicídios marcavam as
tentativas de escravidão dos povos indígenas e o contato do povo
branco com o índio. Além disso, a luta dos jesuítas contra o cativo
indígena levou os colonos a voltarem seus olhos cada vez mais
para os escravos africanos.
Os negros eram capturados na África pelos portugueses que,
não raramente, promoviam ou estimulavam guerras entre as tribos
africanas para poderem comprar, dos chefes vencedores, os negros
derrotados. Aos poucos, os sobas, chefes locais africanos, passaram
a capturar seus conterrâneos e a negociá-los com os traficantes, em
troca de fumo, tecidos, cachaça, armas, jóias, vidros etc.

36
História e Turismo

Os escravos chegavam ao Brasil amontoados nos porões


de navios negreiros chamados tumbeiros, sujeitos a condições
tão insalubres pela superlotação e a longa duração da viagem,
que a média de mortalidade era estimada em 20%.
Não seria exagero estimar que o número de vítimas envol-
vendo os escravos transportados e os que morreram na luta contra
as incursões brancas chegaria a algo próximo do dobro ou até do
triplo dos africanos deslocados para a América. Calcula-se que,
até o século XIX, entre 10 e 15 milhões de africanos, dos quais
cerca de 40% vieram para o Brasil, foram capturados pelos bran-
cos e deslocados para a América.
Os sobreviventes eram desembarcados e vendidos nos prin-
cipais portos da colônia, como Salvador, Recife e Rio de Janeiro,
completando-se a ligação entre o centro fornecedor de mão-de-obra
(África) e o centro produtor de açúcar (Brasil), integrados na empresa
da colonização metropolitana. Para a Bahia dirigiram-se principal-
mente os negros sudaneses, trazidos da Nigéria, Daomé e Costa
do Marfim, enquanto os bantos, capturados no Congo, Angola e
Moçambique, iam para Pernambuco, Minas Gerais e Rio de Janeiro.
Atos de rebeldia, como tentativas de assassinato de feitores
e senhores, fugas e suicídios, acompanhavam a exploração dos
africanos negros. Muitos fugitivos que escapavam à recaptura
pelos capitães-do-mato organizavam-se em quilombos, verda-
deiras comunidades negras livres. O quilombo de Palmares, em
território do atual estado de Alagoas, foi o mais importante deles
na resistência à escravidão.

Os escravos nos anúncios dos jornais brasileiros do


século XIX (grafia da época)

1. Formas de resistência

Escravo fugido
Acha-se fugido o preto Francisco pertencente ao sr.
José de Souza Teixeira. Este escravo é o que tentou
contra a vida do mesmo senhor, assim como quando

37
Aula 12 • A organização política, administrativa e econômica da colônia

esteve preso na cadeia desta cidade feriu gravemente


João Francisco Camargo. O sr. Teixeira comprara-o
do pharma-cêutico sr. J. de Oliveira Barreto e man-
dara-o para a casa de correção de S.P.; ultimamente
por isto o vendeu. Francisco no mesmo dia sahio da
correção evadindo-se prometendo vir à cidade no
intuito de vingar-se do sr. Teixeira. Um caso desses
exige vigilância, frustrando seus maléficos intentos.
(Correio Paulistano, 11 abril 1885.)

Escravo fugido
Fugio o escravo Raymundo de 18 annos de idade, fino
de corpo, cor retinta, cabello mal cortado (...) finge-se
humilde quando é interrogado, muda de nome, dá-
se por forro, pede serviço de jornal (...) Gratifica-se
a quem o entregar na rua da Constituição nº 72, ad-
vertindo-se que deverá ser bem seguro, pois costuma
iludir os padrinhos e condutores e fugir novamente.
(Correio Paulistano, 12 de maio de 1885.)

2. Oferta de compra e venda de escravos

Atenção:
Precisa-se de uma ama-de-leite na rua da Boa Vista n.
34. Paga-se bem porém deseja-se que o leite seja novo.
(A Província de São Paulo, 9.1.1876.)

Vende-se uma boa escrava de 18 a 19 anos, de prés-


timo, muito boa costureira, lavadeira, engomadeira,
faz vestidos de senhoras, e camisas de homem, cozi-
nha sofrivelmente, é de muito boa conduta, é final-
mente para todo o serviço de uma casa. Para tratar na
rua do Carmo n.14.
(Correio Paulistano, 23.2.1870.)

Estabelecido no século XVII, Palmares era uma comunidade


auto-suficiente, que produzia gêneros agrícolas para seu próprio
sustento e que chegou a abrigar mais de 20 mil negros fugidos
dos engenhos. O sucesso de sua organização era uma ameaça aos
senhores de engenho, pois estimulava o desejo de liberdade e a
formação de outros quilombos.
Após diversos cercos malsucedidos, em 1694, uma expe-
dição sob contrato liderada pelo bandeirante paulista Domingos

38
História e Turismo

Jorge Velho destruiu o que restava do quilombo. Zumbi, o prin-


cipal líder de Palmares, reorganizou a luta com os que tinham
conseguido fugir, mas foi preso e morto em 20 de novembro de
1695. No Brasil, essa data é, atualmente, consagrada como Dia
da Consciência Negra.
A escravidão no Brasil consolidou-se como uma experiên-
cia de longa duração a marcar diversos aspectos da cultura e da
sociedade brasileira. Mais que uma simples relação de trabalho,
a existência da mão-de-obra escrava africana fixou um conjunto
de valores da sociedade brasileira em relação ao trabalho, aos
homens e às instituições. Nessa trajetória, podemos ver a ocor-
rência do problema do preconceito racial e social no decorrer de
nossa história.
A escravidão fez com que o trabalho se tornasse uma ativi-
dade inferior dentro da sociedade da época. O trabalho braçal
era visto como algo destinado ao negro. Mesmo grande parte da
mão-de-obra sendo empregada em atividades que exigiam gran-
de esforço físico, outras tarefas também eram desempenhadas
pelos escravos. Os escravos domésticos trabalhavam nas casas,
enquanto os escravos de ganho administravam pequenos co-
mércios, praticavam artesanato ou prestavam pequenos serviços
para seus senhores.
Mesmo a escravidão tornando-se uma prática usual, não
podemos nos esquecer das várias formas de resistência contra a
escravidão. O conflito direto, as fugas e a formação de quilombos
eram as mais significativas formas de resistência. Além disso,
a preservação de manifestações religiosas, certos traços da culi-
nária africana, a capoeira, o suicídio e o aborto eram outras vias
de luta contra a escravidão.
Após a independência do Brasil, a escravidão se manteve
intocada. O preconceito racial e os interesses dos grandes proprie-
tários permitiam a preservação do sistema escravista. Somente
no Segundo Reinado podemos contemplar a formação de um
movimento em prol da abolição. Em meio à ascensão do abolicio-
nismo, os interesses britânicos pela ampliação de seu mercado

39
Aula 12 • A organização política, administrativa e econômica da colônia

consumidor em solo brasileiro e a imigração de trabalhadores


europeus davam brecha para o fim desse sistema.
Durante o governo de Dom Pedro II, várias leis de caráter
abolicionista foram aplicadas. A gradação da política abolicionista
traduzia o temor que certos setores da elite tinham em um pro-
cesso de abolição brusco capaz de promover uma revolta social.
A Lei Eusébio de Queiroz, de 1850, foi a primeira a proibir o tráfico
de escravos para o Brasil. Somente quase quarenta anos depois,
em 1888, a Lei Áurea deu fim ao regime escravista brasileiro.
Voltaremos a esse assunto com mais detalhes na Aula 19.

Atividade
Atende ao Objetivo 2
3. Reflita sobre o regime escravocrata brasileiro, que tanto nos marcou
socialmente, comparando-o com o mesmo regime adotado pelas co-
lônias do sul da América do Norte. Pesquise o assunto. Será que
podemos estabelecer diferenças na forma de escravidão entre os dois
países? E as conseqüências? Em que a sociedade de etnia negra norte-
americana se diferencia, hoje, da brasileira?

Comentário
Apesar de o regime escravista ter sido adotado nos dois países na
época colonial, os negros norte-americanos conseguiram, por exem-
plo, adquirir um status social diferente dos da sociedade brasileira.
Os conflitos étnicos presentes nas duas sociedades tomaram rumos
diferenciados. Escreva alguns parágrafos sobre o assunto, pesqui-
sando e apontando outras diferenças encontradas.
Aproveite e assista ao filme Amistad, de Steven Spilberg, que
mostra, mesmo que de uma forma romântica, a trajetória de um
grupo de 53 negros, desde seu aprisionamento por traficantes de
escravos até seu retorno ao continente africano.

40
História e Turismo

A Igreja Católica e sua influência na colonização


do Brasil

Logo depois do estabelecimento do governo-geral na Ba-


hia, criou-se, em 1533, o bispado de São Salvador, que estava
subordinado ao arcebispado de Lisboa, o que já caracterizou uma
organização do Estado e da Igreja estreitamente aproximados.
Além do Estado português, a Igreja Católica foi a outra insti-
tuição que estava destinada a organizar a colonização do Brasil.
A criação do bispado de São Salvador nos mostra que uma insti-
tuição estava ligada à outra, sendo o catolicismo reconhecido
como religião do Estado. Em princípio, ao Estado coube o papel
de garantir a soberania portuguesa sobre a colônia, e a Igreja,
como tinha em suas mãos a educação das pessoas, o “controle
das almas”, funcionou como instrumento eficaz na veiculação da
idéia geral de obediência ao poder do Estado. Porém, seu papel
não se limitava a isso: estava presente na vida e na morte das
pessoas e nos episódios decisivos do nascimento, casamento
e morte. O ingresso na comunidade, o enquadramento nos pa-
drões de uma vida decente, uma morte livre do pecado, entre
outros, dependiam de atos monopolizados pela Igreja: o batismo,
a crisma, o casamento religioso, a confissão, a extrema-unção na
hora derradeira ou um enterramento em um cemitério.

Ideologia religiosa e a participação da Igreja na em-


presa colonial brasileira
Não há trabalho nem gênero de vida no mundo mais
parecido à cruz e à paixão de Cristo que o vosso em
um destes engenhos (...)
Bem-aventurados vós se soubéreis conhecer a fortu-
na do vosso estado, e com a conformidade e imitação
de tão alta e divina semelhança aproveitar e santificar
o trabalho (...)
A paixão de Cristo parte foi de noite sem dormir, par-
te foi de dia sem descansar, e tais são as vossas
noites e os vossos dias. Cristo despido, e vós des

41
Aula 12 • A organização política, administrativa e econômica da colônia

pidos; Cristo sem comer, e vós famintos; Cristo em


tudo maltratado, e vós maltratados em tudo. Os ferros,
as prisões, os açoites, as chagas, os nomes afronto-
sos, de tudo isso se compõe a vossa imitação, que, se
for acompanhada de paciência, também terá mereci-
mento de martírio. (...)
Padre Antônio Vieira. Sermão XIV (1633).

Basicamente, foram quatro as ordens religiosas estabeleci-


das no Brasil: jesuítas, carmelitas, beneditinos e franciscanos.
Os templos religiosos destacavam-se na paisagem das primeiras
cidades: a cidade colonial era marcada pelas fachadas brancas
das igrejas que, em geral, eram construídas com as portas volta-
das para o mar e no alto de morros. E os sinos, que soavam
anunciando as horas canônicas (horários que eram dedicados a
exercícios espirituais, momentos de oração e reflexão), funciona-
vam como relógios para a população.
São as ordens religiosas e as irmandades que irão estruturar
a sociedade colonial. As ordens eram divididas em Ordens Primei-
ras, Segundas e Terceiras, cada qual com seu templo, enquanto
que as irmandades giravam em torno da fé comum a algum santo
por irmãos leigos. Cada irmandade agrupava uma parcela da co-
munidade, de acordo com as condições sociais dos indivíduos.
Havia, desta forma, as Irmandades dos Homens Brancos (ricos
ou pobres), as Irmandades dos Homens Pardos (composta por
mulatos e mestiços) e a Irmandades dos Homens Pretos. Estas
últimas, tanto para escravos ou libertos. Assim, essas ordens vão
funcionar tanto como agentes de propagação da fé quanto como
organismos de assistência social aos seus membros.

Atividade
Atende ao Objetivo 3
4. Na sua cidade ou em localidade próxima, existem igrejas, capelas
ou conventos católicos coloniais? Pesquise um pouco da história da

42
História e Turismo

fundação de cada um deles ou dos que considera mais expressivos e


busque identificar, nesta pesquisa, as ordens a que cada um pertence.

Comentário
Independentemente da fé que cada um professa, a influência da
Igreja Católica é muito grande na formação da sociedade brasile-
ira, no seu modo “cristão” de pensamento em relação ao mundo
ou na formulação de juízos de valor. As ordens religiosas católicas,
as primeiras instaladas no Brasil, como vimos, acabaram sendo ins-
trumentos de ajuda social e meios de hierarquização e privilégios.
É importante buscarmos um pouco de informação sobre este tema.

Atividade Final
(UFRJ/97) “A Metrópole, por isso, é a mãe deve prestar às colônias
suas filhas todos os bons ofícios e socorros necessários para a de-
fesa e segurança das suas vidas e dos seus bens (...) Estes benefí-
cios pedem iguais recompensas e, ainda, alguns justos sacrifícios; e
por isso é necessário que as colônias também, da sua parte, sofram:
1. que só possam comerciar diretamente com a Metrópole, excluída
toda e qualquer outra nação, ainda que lhes faça um comércio mais
vantajoso; (...) Desta sorte, os justos interesses e as relativas de-
pendências mutuamente serão ligadas”.
(COUTINHO, J.J. da Cunha Azevedo. Ensaio sobre o comércio de
Portugal e suas colônias, 1816.)
A empresa que se organiza como parte integrante do sistema co-
lonial português na época moderna tem como base os elementos
da política econômica mercantilista, entre os quais se encontra o
monopólio comercial.
a. Identifique duas características da empresa colonial portuguesa
na época moderna.
b. Explique a função do monopólio comercial no sistema colonial da
época mercantilista.
c. Justifique a substituição do indígena pelo negro africano, toman-
do como elemento-chave o tráfico negreiro.
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43
Aula 12 • A organização política, administrativa e econômica da colônia

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Comentário
Aproveite todas as idéias colocadas nesta aula, junte com sua pes-
quisa particular sobre os assuntos abordados e escreva as respostas
das questões anteriores. Elas, de certa forma, resumem parte do con-
teúdo desta aula.

Resumo
Podemos dizer que a colonização no Brasil teve um caráter mer-
cantil. O interesse maior, tanto da metrópole quanto da colônia, era
a exploração comercial, seja de riquezas facilmente encontradas,
sem muito trabalho, seja de produtos cultivados. O objetivo do
colonizador, na maioria das vezes, era o de enriquecer para voltar
à “civilização”. Na hora do trabalho árduo, a alternativa mais lucra-
tiva acabou sendo o tráfico africano de escravos e a mão-de-obra
negra cativa. A Igreja Católica, no seu intuito de levar a fé cristã
ao maior número de pessoas, protegeu o nativo indígena e forjou
mentalidades na nova sociedade que se formava. Todos estes fa-
tores contribuíram na formação da sociedade brasileira e no nascer
de uma futura nação.

Informação sobre a próxima aula

Na aula seguinte, num desdobramento deste tema, tratare-


mos da formação das cidades no Brasil e de suas peculiaridades.
Este estudo será de extrema importância para pensarmos sobre
a cidade como atrativo turístico. Por que temos a maioria de nos-
sas cidades construídas no litoral do país? Em que isso influencia
a enorme demanda pelo turismo “sol e praia”? Onde se locali-
zam as cidades consideradas “históricas” e por que todas elas
apresentam uma arquitetura essencialmente barroca?

44
13 A formação das cidades brasileiras

Meta da aula
Refletir e informar sobre a formação das cidades
brasileiras e seus estilos de arquitetura e construção,
mostrando como a preservação de algumas dessas cidades
e de seu patrimônio arquitetônico se transformou em base
para a estruturação da atividade turística.

Objetivos
Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:

1 identificar os principais estilos da arquitetura colonial


brasileira;

2 avaliar as políticas culturais ligadas ao patrimônio e


seus usos pela atividade turística.

Pré-requisito
Para facilitar a compreensão desta aula, é necessário que
você esteja bem familiarizado com o conteúdo da Aula 12.
Aula 13 • A formação das cidades brasileiras

Introdução

Refletindo a estrutura político-administrativa, as cidades brasilei-


ras vão nascer e se formar repletas de particularidades. Se consi-
derarmos o tamanho e a complexidade dessas cidades, podemos
dizer que existiam pelo menos quatro tipos de núcleos de povoa-
ção. Seguindo uma hierarquia crescente aparecem então as feito-
rias, os arraiais, as vilas e as cidades. Contudo, em todos eles, na
composição de sua estrutura, estava evidente o desejo de fora, do
colonizador, dos mercados externos, dos modismos estrangeiros,
não constituindo um produto de uma dinâmica interna. Percebe-se
que não era objetivo desses núcleos de povoamento, em primeira
instância, satisfazer suas próprias necessidades, sanar verdadeira-
mente seus problemas.
A dinâmica seguida pelas vilas e cidades brasileiras, a partir de seu
objetivo primeiro e contando com os acréscimos da cultura portu-
guesa, vai caracterizar, também, uma difícil diferenciação entre o
público e o privado. Observar-se-á um senso de coletividade, uma
busca pelo favorecimento da comunidade, do coletivo, pouco exis-
tente. Nesse ponto, esses núcleos se diferenciarão da dinâmica
daqueles cuja colonização será feita por imigrantes estrangeiros a
partir do século XIX.

Podemos falar também de uma arquitetura colonial no


Brasil. Esse tipo de arquitetura é aquela predominante
nas edificações urbanas construídas basicamente no
período colonial brasileiro. Caracteriza-se pela hori-
zontalidade dos prédios, pela utilização de telhados
Beiral com coberturas de telhas cerâmicas e amplos beirais e
Parte do telhado que se pela singeleza das fachadas.
prolonga além da pruma-
da das paredes externas
do edifício.

46
História e Turismo

No Brasil o termo “colonial” foi usado para abranger a difícil O maneirismo


caracteriza-se pela
classificação purista dos estilos maneirista, barroco e rococó.
tentativa de se usar a
A ordem jesuítica será a responsável pelas primeiras gran- linguagem clássica a partir
de formas geométricas
des obras de construção religiosa no Brasil e pelo primeiro mode- básicas. Foi o primeiro
modelo arquitetônico a
lo arquitetônico a chegar aqui. Construirão ao estilo “maneirista”,
chegar ao Brasil e foi
sendo comum, também, denominarmos esse estilo de construção adotado de forma siste-
mática pelos jesuítas em
de “arquitetura jesuítica” ou “estilo jesuítico”. Infelizmente, são suas edificações. Por isso,
poucos os exemplos que ainda se encontram de pé no país. Em também é conhecido aqui
como “estilo jesuítico”.
geral, são exemplares da arquitetura do século XVI no Brasil. Des-
O barroco tem sua cria-
sa forma, para observá-los de perto, deve-se visitar as cidades que ção, na Europa, associada
ao movimento da Contrar-
foram os primeiros núcleos urbanos brasileiros, todas elas locali-
reforma. Caracteriza-se
zadas, por determinação histórica, no litoral do país. pelo contraste do claro e
do escuro, pelo emprego
Como características principais desse estilo de arquitetura, de folhagens e anjos nos
ornamentos e pelo rebus-
podemos apontar suas fachadas que se aproximam do formato
camento decorativo.
quadrado e o frontão de formato triangular (também chamado
Já o rococó pode-se
“retilíneo”). O corpo do edifício possui aparência pesada e apre- dizer que é uma suaviza-
ção e diluição das fortes,
senta decoração praticamente sem ornamentos. expressivas e dinâmicas
formas do barroco. Surge
na França no século XVIII,
no reinado de Luís XV,
Alexandre Mees

como moda de decoração


de interiores e mobiliários.
Seu dinamismo é gracioso
e leve, empregando fundos
claros com douramento.

Frontão
É o elemento de coroa-
mento da fachada, que
pode aparecer na forma
triangular, aproximadamen-
te triangular ou em arco.
Situa-se na parte superior
do edifício ou sobre portais,
portadas e portões. Com
formas variadas, foi muito
utilizado no coroamento su-
perior central das fachadas
Figura 13.1: Igreja da Sé, século XVI, em Olinda, Pernambuco, mostrando
de antigas igrejas.
sua fachada em estilo jesuítico.

47
Aula 13 • A formação das cidades brasileiras

Já no século XVII, coincidindo com a descoberta dos me-


tais preciosos nas Minas Gerais e influenciada pela Contrarrefor-
ma (Ver Aula 3), a arquitetura – principalmente religiosa – ganha-
rá influências do estilo barroco, que será diluído no estilo rococó
em fins do século XVIII.

Alexandre Mees
Figura 13.2: Igreja da São Francisco de Assis, século XVIII, em Ouro Pre-
to, Minas Gerais: um exemplo do estilo barroco brasileiro executado
pelo mestre Aleijadinho.

Os fortes, por definição,


são diferentes das
fortalezas. São No Rio de Janeiro, por exemplo, podemos dividir a arquite-
compostos por uma ou tura colonial, quanto aos usos e funções, em três tipos distintos:
mais baterias de
artilharia localizadas arquitetura militar, arquitetura religiosa e arquitetura civil. É bom
na mesma estrutura
lembrar que o estilo colonial de arquitetura irá perdurar desde a
edificada, enquanto
as fortalezas são com- fundação da cidade, em 1565, até 1808, com a chegada da Família
postas por duas
ou mais baterias Real.
localizadas em obras
A arquitetura militar é representada pelos fortes e fortale-
independentes e com
largo intervalo entre elas. zas. Eles têm caráter utilitário de proteção e defesa da costa, da
Dessa forma, a fortaleza
é capaz de apresentar cidade, e são construídos, em geral, no século XVII.
mais armas, mais efetivo
e maior área
de abrangência.

48
História e Turismo

Alexandre Mees
Figura 13.3: Fortaleza de Santa Catarina, em João Pessoa, Paraíba. Reparem
que uma fortaleza, por ser maior, podia abrigar em seu interior até mesmo
uma igreja. O poço era um elemento essencial no caso de os combatentes
ficarem sitiados por muito tempo no interior da construção.

Alexandre Mees

Figura 13.4: Detalhe da murada da fortaleza de Santa Catarina, em João


Pessoa, PB. O principal material utilizado nesse tipo de arquitetura era a
pedra.

49
Aula 13 • A formação das cidades brasileiras

Leia a seguir uma reportagem da Folha de S. Paulo sobre o Forte de


Copacabana, no Rio de Janeiro, e seu uso turístico.

Um “choque de gestão” adotado por um comandante fez do


Forte de Copacabana o terceiro ponto turístico mais visitado da
cidade. Com atrações culturais, gastronômicas e de lazer, a for-
taleza histórica dá lucro e proporciona aos visitantes uma bela
vista da cidade.
Pense nos três pontos mais visitados do Rio: o Pão de Açúcar, o
Cristo e... acertou quem mirou no Forte de Copacabana. A uni-
dade militar, que avança pelo mar na divisa de duas das praias
mais famosas do mundo – Ipanema e Copacabana –, assumiu
a terceira posição entre os pontos turísticos da cidade ao mul-
tiplicar o seu público por mais de 10 em cerca de três anos.
O Forte contabilizou mais de 460 mil visitantes no recém-fina-
do 2008. Em 2005, eram apenas 40 mil pessoas por ano. Hoje,
supera a visitação ao Maracanã e ao Sambódromo.
O Pão de Açúcar atrai 850 mil e o Cristo Redentor fica perto
disso, com cerca de 500 mil turistas que chegam só pelo tren-
zinho – isso sem contar excursões, táxis e particulares. A maior
arma da fortaleza para conquistar o público é a localização
privilegiada. O conjunto, tombado pelo IPHAN (Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), reúne à beira-mar
alamedas arborizadas e chamarizes como museu, galeria de
arte, bares, restaurantes e intensa programação cultural e de
lazer o ano todo. Em cartaz, neste verão, uma roda-gigante.

Recuperar o glamour

O comandante do Forte, coronel Édson Silva de Oliveira, 57,


virou “case” de sucesso em marketing e turismo, frequente-
mente convidado a dar palestras. Para consolidar seu “plano
de negócios”, coronel Edson recorreu a um chavão político-em-
presarial: o choque de gestão. “Era preciso recuperar [palavra
estranha para um militar, reconhece] “o glamouuuur” [projeta
os lábios ao pronunciar] do Forte”, diz. Quem paga R$ 4 para en-
trar no Forte – ou R$ 2, a meia-entrada – vê poucas armas além
de canhões históricos, mas se depara com atrações inusitadas
para uma instituição militar. No verão, por R$ 15 (até as 17h) ou
R$ 30 (depois desse horário), é possível ver um ângulo diferen-
te da cidade do alto da roda.

Além do visual do brinquedo – pelo segundo ano ali –, há no


Campo de Marte da fortaleza um lounge com vista para o mar,
inspirado nos cafés de Ibiza, com trilha sonora a cargo de DJs
convidados. Ali, espreguiçadeiras diante do pôr-do-sol ou o
som das pick-ups atraem centenas até em dia de chuva para
noitadas na ordem unida do “bate-estaca” até as 2h da manhã.

50
História e Turismo

Cabelo de Napoleão

Separada da “Cidade da Roda” por uma passarela, o Museu


Histórico é pequeno, mas vale a visita. Tem recriações de figu-
ras como Caxias, o patrono do Exército, em tamanho natural
e figurinos originais, ou da expedição brasileira na Segunda
Guerra. Entre as curiosidades, uma mecha do cabelo de Napo-
leão e uma sala dedicada aos presidentes militares.
Mais embaixo, voltada para a praia de Copacabana, fica a filial
da Confeitaria Colombo, onde se pode tomar café da manhã ou
almoçar ao ar livre.

Se nos concentrarmos na arquitetura religiosa, observaremos


que se destacam as igrejas conventuais (século XVII), as igrejas pa-
roquiais, as igrejas de irmandade (a partir do século XVIII), as igrejas
rurais, as capelas e as ermidas. Essas estruturas construtivas, no Ermida
Brasil colonial, são instrumentos de conforto espiritual e afirmação Sinônimo de capela; em
geral, é construída em lu-
social, já que seus membros são divididos em hierarquias sociais gar afastado e despovoa-
do. Muitas delas formaram
de acordo com o santo escolhido como devoção.
a estrutura original de
futuros edifícios religiosos
mais complexos.

Figura 13.5: A igreja de Santo Antônio, localizada no largo da Carioca, na


cidade do Rio de Janeiro, é um exemplo de igreja conventual, já que pos-
sui, ao lado do corpo da igreja, um convento. Reparem o seu estilo barroco
carioca de construção.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:ConventoSantoAntonio-CCBY.jpg

51
Aula 13 • A formação das cidades brasileiras

Por último, a arquitetura civil se faz perceber nos palá-


cios, nas casas de chácara, nas casas de fazenda e nas obras de
infraestrutura. Ela atende a necessidades técnicas e funcionais.
As casas de chácara se caracterizam por possuírem senzala, jar-
dim, horta, pomar, chiqueiro, estrebaria e cocheira. Já as casas
de fazenda (ou de engenho) possuíam casa-grande, senzala, en-
genho e capela no corpo da casa ou em anexo.

Alexandre Mees
Figura 13.6: Fachada da casa de banhos de D. João VI, localizada no bairro
do Caju, cidade do Rio de Janeiro. Este é um exemplo de casa de chácara
do período colonial que ainda pode ser visitado.

Alexandre Mees

Figura 13.7: Interior da casa de banhos de D. João VI. Atualmente, este raro
exemplar de arquitetura civil colonial foi transformado em museu.

52
História e Turismo

É importante sublinhar que o estilo colonial carioca tem ma-


triz de base geométrica e caráter rígido. Ele perde em liberdade
compositiva, mas ganha em rigor formal. Nasce do compasso e da
régua. Já nas Minas Gerais, em contrapartida, prevalece o escultó-
rio. Observe a diferença nas Figuras 13.2 (a igreja de São Francisco
de Assis em Minas Gerais) e 13.5 (a igreja e o convento de Santo
Antônio, no Rio de Janeiro).

Atividade
Atende ao Objetivo 1
1. Procure, em sua cidade ou no seu estado, exemplos de arqui-
tetura colonial. Liste-os e tente classificá-los quanto ao seu estilo:
maneirista, barroco ou rococó. Se precisar, faça uma breve pes-
quisa sobre cada um desses estilos usados na arquitetura.
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Comentário
O Rio de Janeiro, por exemplo, tanto a cidade quanto o estado, é pri-
vilegiado quanto aos exemplares de arquitetura preservados. Aqui,
é possível encontrar ao menos um exemplo de cada estilo arquitetô-
nico brasileiro. Em especial na capital. Da arquitetura colonial temos
desde fortes e fortalezas até palácios, casas de fazenda e chafarizes.

53
Aula 13 • A formação das cidades brasileiras

Santa Cruz – Rio de Janeiro: um esquecido patrimônio


do Brasil colonial

Você sabia que na cidade do Rio de Janeiro, na Zona


Oeste, existe um importante patrimônio nacional, rema-
nescente do período do Brasil colônia? Trata-se da Ponte
do Guandu, ou Ponte dos Jesuítas, como é mais conhe-
cida. A ponte foi um dos cinco primeiros bens culturais
tombados no Brasil, em 1938, pela então Diretoria do Pa-
trimônio Histórico e Artístico Nacional, atual Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). A obra
data de 1752 e foi construída por padres jesuítas com a
finalidade de controlar o fluxo das águas das enchentes
do rio Guandu, drenar uma parte das águas para o rio Ita-
guaí por um canal artificial e servir de travessia do interior
para a capital. Funcionava como uma ponte-represa, e
suas quatro comportas eram controladas pelos padres.

Figura 13.8: Detalhe do centro da Ponte dos Jesuítas, com sua decora-
ção barroca e as comportas na parte inferior.
Fonte: Subprefeitura da Zona Oeste – Rio de Janeiro.

A arquitetura jesuíta, cujas obras de restauração se inicia-


ram em 2007, traz belas esculturas barrocas no centro da constru-
ção e as inscrições em latim: as conhecidas iniciais I.H.S. – “Jesus
Salvador dos Homens”, sobrepostas por uma cruz, e a interessante
inscrição: “Flecte genu, tanto sub nomine, flecte viator Hic etiam
reflua flectitur amnis aqua.” ”Dobra o joelho sob tão grande nome,
viajante. Aqui também se dobra o rio em água refluente.”

54
História e Turismo

Desde 1589, a Companhia de Jesus era proprietária de ter-


ras na região e foi ampliando os seus domínios na imensa planí-
cie de Santa Cruz, durante o período de sua permanência no Bra-
sil. O próprio nome da região é mais uma vez uma referência ao
poder político da Igreja e à importância da ordem jesuíta durante
o período colonial. Lembre-se de que os jesuítas permanecem no
Brasil até 1759, quando foram expulsos por ordem do marquês
de Pombal.
Santa Cruz era um microcosmo do Brasil colonial. Além
da Ponte dos Jesuítas, patrimônio histórico nacional, pode-se
ter uma ideia da importância dessas terras para a história do
Brasil visitando-se, por exemplo, a Fazenda Santa Cruz (1707).
Os jesuítas possuíam vastos conhecimentos técnico-científicos
e, utilizando um expressivo número de escravos, fizeram da fa-
zenda uma das mais prósperas do período colonial, com uma
vasta produção agrícola, a maior e uma das mais bem decora-
das residências dentre todas as fazendas do Brasil.
Os viajantes do período colonial (não confunda com turis-
tas) que se dirigiam à Fazenda Santa Cruz, seja como destino ou
para pernoitar, vinham do centro do Rio de Janeiro e atravessa-
vam o município da corte através do Caminho Imperial, também
chamado de Estrada Real de Santa Cruz, aberto pelos jesuítas
nos primórdios da colonização para fazer a ligação entre a lon-
gínqua Fazenda Santa Cruz e o centro do Rio de Janeiro. Célebres
viajantes europeus registraram em seus diários as impressões
de viagem pela região, descrevendo em minúcias as caracterís-
ticas da fazenda.
Após a expulsão dos jesuítas, a Fazenda Santa Cruz foi ar-
rendada pela Coroa e entrou em decadência. Com a transferência
da corte portuguesa para o Brasil, D. João VI, em 1809, manda re-
formar a outrora próspera e suntuosa fazenda dos jesuítas, agora
Real Fazenda Santa Cruz, para passar temporadas de descanso e
receber a corte e seus convidados. Durante o Império, a fazenda
continuou servindo de ponto de paragem e repouso e foi fre-
quentada por D. Pedro I e D. Pedro II, passando a se chamar Fa-

55
Aula 13 • A formação das cidades brasileiras

zenda Imperial de Santa Cruz. Atualmente, funciona como sede


de um batalhão do Exército brasileiro.
Apesar da imensa importância histórica e do inegável po-
tencial turístico da região, ainda são muito tímidas as iniciativas
de valorização dos patrimônios da Zona Oeste do Rio de Janeiro
e de seu aproveitamento turístico. O professor universitário de
Turismo Sinvaldo do Nascimento Souza, um incansável divulga-
dor e defensor do patrimônio da Zona Oeste, defende a criação
de um roteiro e a produção de material informativo sobre as ri-
quezas da região, a ser distribuído nas escolas da cidade, reparti-
ções municipais e agências de turismo. Num artigo publicado na
internet, o professor Sinvaldo Souza sugere:

(...) o replantio de pau-brasil e de árvores típicas da região,


além do ajardinamento de trechos do “Caminho Imperial”,
seriam iniciativas muito bem-vindas diante da extraordiná-
ria possibilidade de humanização, embelezamento e turisti-
ficação do roteiro proposto (2004).

Atividade
Atende ao Objetivo 2
2. A falta de uma política eficiente de valorização do patrimônio
histórico-cultural brasileiro e de seu adequado uso turístico, refle-
tida na fala do professor Sinvaldo Souza a respeito da região da
Zona Oeste do Rio, é um problema comum a todo o país. Assim:
a) Destaque uma iniciativa bem-sucedida de valorização do patri-
mônio histórico da sua região.
b) Você conhece algum patrimônio histórico com potencial para
o turismo, mas tratado com descaso pela sociedade e/ou pelo
poder público? Em caso afirmativo, que medidas você proporia
para valorizá-lo e aproveitá-lo turisticamente?
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56
História e Turismo

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Comentários
Em ambos os itens da questão, espera-se que você desenvolva o
olhar crítico sobre o seu entorno, procurando aplicar os conheci-
mentos históricos associados à sua visão do turismo em prol da va-
lorização do patrimônio.

Sabemos que o território brasileiro ocupa uma área de


8.514.876km2. Devido à extensão territorial, o Brasil é considera-
do um país continental por ocupar grande parte da América do
Sul.
Contudo, a população brasileira encontra-se irregularmen-
te distribuída. Grande parte habita a região litorânea do território,
onde se encontram as maiores cidades do país. Isso é um forte
indício da nossa herança histórica, marcada pela ocupação do
litoral nos primórdios da colonização, onde se desenvolveram
importantes núcleos urbanos.
Até o século XVI, o Brasil possuía apenas a área estabele-
cida pelo Tratado de Tordesilhas, assinado em 1494 por Portugal e
Espanha; porém, importantes acontecimentos históricos contri-
buíram para o povoamento dos variados espaços.
No século XVI, como dissemos, a ocupação se limitava ao
litoral, e a principal atividade econômica foi o cultivo de cana para
produzir o açúcar, um produto que era muito apreciado na Europa.
A produção era destinada à exportação, e as propriedades rurais
eram grandes extensões de terra que eram cultivadas com força
de trabalho escravo. O crescimento da exportação urbanizou o li-
toral com os primeiros centros urbanos: as cidades portuárias.
Nos séculos XVII e XVIII, a produção pastoril adentrou o
oeste do país. E também foram descobertas jazidas de ouro e
diamantes nos estados de Goiás, Minas Gerais e Mato Grosso.
Esse período fez surgir várias cidades.

57
Aula 13 • A formação das cidades brasileiras

Já no século XIX, a atividade que contribuiu para o pro-


cesso de urbanização foi a produção de café, principalmente nos
estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito
Santo; essa atividade contribuiu para o surgimento de várias ci-
dades. Podemos ainda citar a exploração da borracha na região
Norte do país, que desenvolveu cidades como Manaus.
Como dissemos na nossa introdução, a formação da ci-
dade brasileira está ligada a modelo português de construção e
idealização da cidade. Por sua vez, este modelo português rece-
beu influência da Antiguidade Clássica e dos povos árabes inva-
sores da península Ibérica durante a Idade Média. Da cidade clás-
sica – em especial da cidade romana –, o modelo de construção
das cidades portuguesas vai absorver o traçado regular, chamado
de “plano tabuleiro”, enquanto da cidade muçulmana absorve a
definição de um centro cívico e administrativo em local elevado,
na tentativa de dificultar assim o ataque inimigo, a proteção da
cidade por muralhas e o traçado de ruas tortuosas e espontâ-
neas. Temos, dessa forma, um paradoxo no planejamento e na
construção das cidades pelos portugueses: algumas obedecerão
a um traçado regular, bem planejado, enquanto outras apresen-
tarão ruas sinuosas e estruturas construtivas pouco planejadas.

Costuma-se dizer que a primeira cidade brasileira a ser planejada


foi a cidade de São Salvador, capital da Bahia, fundada em 1549 por
Tomé de Souza, o primeiro governador-geral do Brasil.
A cidade foi erguida tendo como base um traçado geométrico elabo-
rado por Luís Dias, arquiteto nomeado pela Coroa portuguesa. Não
sobrou nenhuma cópia da planta inicial de Salvador, mas quando
se examina o mapa mais antigo existente, de cerca de 1620, per-
cebe-se que na construção da primeira capital brasileira foi usada
uma planta urbana muito semelhante àquilo que os arquitetos eu-
ropeus do período renascentista (séculos XV e XVI) consideravam
como uma cidade ideal. Quando se olha hoje o traçado das ruas da
parte central de Salvador, que corresponde ao setor construído por
Tomé de Souza, percebe-se, por exemplo, que as quadras e praças
são todas retangulares. Na maioria, apresentam forma semelhante

58
História e Turismo

a um quadrado, como se fizessem parte de um grande tabuleiro


de xadrez. Apesar de Salvador ser considerada a primeira cidade
brasileira a ser planejada, os especialistas afirmam que esse título
é um pouco discutível.
“Muitas outras vilas e cidades do Brasil obedeceram a critérios de
planejamento urbano, com a finalidade de atingir determinados ob-
jetivos”, afirma o arquiteto e urbanista Antônio Carlos de Oliveira,
da Unesp, em Bauru (SP). É que, de maneira geral, as mais antigas
ocupações urbanas no Brasil obedeciam a um certo planejamento,
ainda que sem um traçado geométrico preciso. Isso porque suas
construções tinham funções específicas, como garantir a posse do
território para Portugal e a exploração dos recursos naturais da co-
lônia. Um bom exemplo de uma cidade anterior a Salvador que foi
razoavelmente planejada é a parte antiga de Olinda, em Pernam-
buco, fundada em 1537. Os desenhos mais velhos mostram que
no local em que se situavam a Igreja Matriz e a chamada Torre do
Governador havia duas ruas retas, paralelas entre si. Depois, com
o desmoronamento de parte do morro onde estava uma delas, a
maioria desse traçado acabou se perdendo.

Ladeiras, ruas estreitas e sinuosas, casario baixo e pavi-


mentação precária – em geral de pedra, o famoso pé de mo- Pé de moleque
leque – serão marcas das cidades coloniais no Brasil. Salvador Tipo de pavimentação fei-
ta com pedras irregulares
teve seu núcleo urbano inicial amuralhado por um curto período, muito usado nas cidades
coloniais brasileiras, e
e na cidade do Rio de Janeiro iniciou-se a construção de uma
sua técnica de execução
muralha ao redor da principal área povoada, desistindo-se da é bastante rudimentar.
As pedras são assenta-
ideia pouco tempo depois. das uma por uma com um
No Brasil colônia, as ruas, em geral de terra batida, são martelo sobre o leito de
terra regularizada.
pouco transitadas. Carroças e animais são os recursos mais usa- Em seguida, espalha-se
mais terra e com um
dos para transportar mercadorias ou pessoas. Apenas em dias de soquete manual
feira, festas cívicas ou religiosas é que elas ganham maior movi- procede-se à compac-
tação. A pavimentação
mento. As ruas com tráfego intenso eram pavimentadas com o de calçadas com pedras
portuguesas, que fizeram
pé de moleque, e o escoamento da água das chuvas era feito ou
a fama do calçadão de
por uma sarjeta no meio da rua – como ainda pode ser observa- Copacabana, também
se utiliza, até hoje, de
do na cidade de Paraty, Rio de Janeiro – ou pelas laterais. técnica similar.
Um espaço urbano que funcionava como o coração da ci-
dade colonial brasileira era a praça. Ali circulava a sociedade, e
ao redor eram construídos os palácios de governadores, a igreja

59
Aula 13 • A formação das cidades brasileiras

matriz, as casa de câmara e cadeia e os chafarizes. Em muitas ci-


dades era na praça principal que ficava o pelourinho, usado para
se executar cerimônias públicas de punição e castigo.

Alexandre Mees
Figura 13.9: Praça principal da cidade de Mariana, Minas Gerais. Perce-
bem-se na foto o pelourinho, o centro e a igreja matriz. De frente para o
pelourinho ainda está preservada a casa de câmara e cadeia, enquanto o
palácio dos governadores ficava na rua ao fundo.

De acordo com a tradição urbana ibérica, somente o poder


régio podia criar cidades nas colônias. No Brasil, as vilas poderiam
ser criadas por homens comuns que pediam, posteriormente, o re-
conhecimento do rei, porém, não as cidades, que possuíam um es-
tatuto jurídico superior. A cidade do Rio de Janeiro, curiosamente,
foi criada já com estatuto de cidade, não tendo passado pela condi-
ção de feitoria, arraial ou vila.
No início do processo de colonização, a defesa da colônia e a
facilidade de contato com a metrópole eram as prioridades. Dessa
forma, a construção de fortes e fortalezas ganhou importância, e a
responsabilidade em colocá-los de pé ficou a cargo dos engenhei-
ros militares contratados pela Coroa portuguesa. Eles também aca-
baram sendo os responsáveis pelo plano construtivo de muitas das
primeiras cidades no Brasil.

60
História e Turismo

No Brasil colonial, seguindo interesses internos e da metró-


pole, era necessário o trânsito de mercadorias e pessoas de
uma cidade para outra. Para isso, foram abertas estradas
de chão batido por onde circulavam carroças, mulas, cava-
los e viajantes. Algumas destas estradas se tornaram mui-
to importantes por serem veias de escoamento de produtos
importantes para o mercado internacional, como o ouro e
outros metais preciosos. Essas estradas ficaram conhecidas
como “Estradas Reais”.
Recentemente, foi criado, por iniciativa da FIEMG (Federação
das Indústrias do Estado de Minas Gerais), o Instituto Estra-
da Real, uma sociedade civil sem fins lucrativos que busca o
desenvolvimento integrado do turismo na Estrada Real, de
forma sustentável.
O programa de desenvolvimento da Estrada Real, via turis-
mo, foi criado pela Federação das Indústrias de Minas Gerais
em outubro de 1999, com o objetivo de induzir e fomentar o
produto turístico Estrada Real. Abrangendo 177 municípios
em Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro e construído
em parceria com instituições e entidades públicas e priva-
das, o programa, gerenciado pelo Instituto Estrada Real, é
hoje o maior projeto turístico em desenvolvimento no país.
Leia mais informações sobre a proposta da Estrada Real liga-
da ao turismo na próxima aula.

Saiba mais sobre a história de vários fortes e fortale-


zas pelo Brasil e como muitos deles se estruturaram
para receber visitantes, acessando o sítio da Funda-
ção Cultural do Exército: www.funceb.org.br.
Visite o sítio do projeto Estrada Real e procure mais
informações sobre o assunto em: http://www.estrada-
real.org.br

61
Aula 13 • A formação das cidades brasileiras

Nesse plano construtivo idealizado pelos engenheiros mi-


litares, a configuração dos terrenos para construção das casas
foi caracterizada pelo lote. Retangular, com faces e dimensões
menores voltadas para a rua e para os fundos e as dimensões
maiores voltadas para as laterais, esse tipo de configuração de
terreno permitia o assentamento de grande número de pessoas
em pequenos espaços. No século XIX, as residências construídas
nesses lotes vão se apresentar como sobrados, palacetes e vilas.
É também no século XIX que aparecem os cortiços e as habita-
ções coletivas. O arranha-céu, como solução habitacional, só irá
surgir no século XX.

Veja no artigo seguinte, de Heloisa Lupinacci, da Folha de S. Paulo,


como uma das mais bem preservadas cidades coloniais brasileiras
e um importante atrativo turístico para o Rio de Janeiro pode ser
eleito, em breve, Patrimônio da Humanidade.

Paraty espera título de Patrimônio da Humanidade da Unesco


em 2009

Este ano nem bem passou da metade e os tambores de Pa-


raty já rufam à espera da chegada do ano que vem, que pro-
mete boas novas para a cidade.
Em meados de 2009, Paraty deve receber, da Unesco, o título
de Patrimônio da Humanidade. A prefeitura e o IPHAN (Institu-
to do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) esperam que o
título venha na reunião anual do órgão, que será em Sevilha,
quando serão votadas as propostas das candidatas ao título.
Todos os anos acontece essa votação; neste ano, ela foi em
Quebec, no Canadá, acabou na semana passada e acrescen-
tou 27 pontos ao patrimônio mundial, atualmente com 878
locais, sendo 679 patrimônio culturais; 174 naturais e 25 mis-
tos (veja a lista em whc.unesco.org).
Tombada como monumento nacional pelo Iphan, Paraty ten-
ta o título desde 1983, na categoria paisagem cultural, que
inclui, além do conjunto arquitetônico, as formações geoló-
gicas da baía de Paraty, da serra da Bocaina e até as trilhas
da Estrada Real, os chamados Caminhos do Ouro.
No fim do ano passado, um dossiê com a documentação
para a candidatura foi entregue ao IPHAN, que o avaliou e o
encaminhou ao Ministério das Relações Exteriores, que, por
sua vez, mandou o documento à Unesco. A candidatura foi,
então, aceita. E agora a cidade está sob avaliação.

62
História e Turismo

O Icomos, sigla em inglês para Conselho Internacional de


Monumentos e Sítios, braço técnico da Unesco, envia uma
comissão para avaliar a cidade e conferir se o que consta no
dossiê está de acordo com a realidade.
O relatório da comissão do Icomos em geral sugere altera-
ções no dossiê. Com as alterações feitas, a prefeitura reenvia
o dossiê, que vai para votação na Unesco – na reunião que
acontece em Sevilha no meio do ano que vem.
Também em meados de 2009, deve ser reaberto o cinema
da praça, desativado há mais de duas décadas. Ele deve fun-
cionar como cinema e como espaço para shows, concertos
musicais e eventos.
Com menos glamour, mas nem por isso menos importante,
a cidade também começa as obras de saneamento básico
neste ano – com previsão de conclusão no ano que vem.
É boa notícia para os turistas, que, na alta temporada, so-
frem com a falta de água ou com o refluxo das fossas.

Atividades Finais
1. Pesquise as principais cidades coloniais no Brasil que ainda
estão preservadas. Faça uma lista. Em seguida, procure informa-
ções sobre a estrutura turística de cada uma delas. Destaque as
que considerou mais estruturadas e redija uma resenha com as
suas considerações a esse respeito.
2. Se possível, visite uma cidade colonial preservada e tente iden-
tificar os elementos que estudou no texto: os estilos de arquitetu-
ra das construções, a presença da praça principal, o traçado e a
pavimentação das ruas etc.
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63
Aula 13 • A formação das cidades brasileiras

Comentários

1. As cidades coloniais brasileiras são, em geral, chamadas de “ci-


dades históricas”. Na segmentação do turismo, a motivação para co-
nhecer cidades históricas se enquadra dentro do chamado “turismo
cultural” que, na verdade, possui um conceito bem mais amplo. Em
Minas Gerais estão, talvez, os melhores exemplos de cidades histó-
ricas brasileiras preservadas, mas também é possível encontrarmos
pequenas cidades coloniais preservadas em Goiás, Sergipe ou Per-
nambuco. Nem sempre uma cidade histórica está bem estruturada
para receber visitantes. Este tipo de visitação esbarra na questão da
preservação e da sustentabilidade local, que são elementos de difícil
controle e gestão.
2. Cidades como Mariana, Ouro Preto ou Tiradentes, em Minas Gerais,
para citar apenas alguns exemplos, ainda preservam quase todos os
elementos de seu traçado e arquitetura originais. Uma visita a essas
cidades se torna atividade obrigatória para um estudante de Turismo.

Resumo
Sérgio Buarque de Holanda, em seu livro Raízes do Brasil, afir-
ma que “as cidades que os portugueses construíram na América
não são um produto mental, não chegam a contradizer o qua-
dro da natureza e sua silhueta se enlaça na linha da paisagem.
Nenhum rigor, nenhum rigor metódico, nenhuma previdência,
sempre este significado de abandono que define a palavra des-
leixo”. Para o conceituado cientista social, a cidade colonial bra-
sileira nasce numa desordem urbana em decorrência da falta de
– ou pouco – planejamento dessas cidades. O objetivo dos por-
tugueses colonizadores é o de enriquecer e voltar para seu país
de origem. Então, para que tanta preocupação com o espaço
provisório? Outros autores já acreditam que a cidade construída
pelos portugueses tende a uma cidade perfeita, por ser orgânica,
onde cada elemento exerce função natural, sobrepondo-se aos
traçados lineares e cartesianos que, segundo eles, manifestam
a incompreensão da cidade como ser vivo, funcional e intelec-
tualmente ativo.

64
História e Turismo

O que não podemos negar é que a cidade brasileira nasceu do


desejo de fora, do colonizador que procurava atender aos mer-
cados externos. Eles é que ditavam as formas de a cidade cres-
cer e viver. Aos poucos, para estas cidades, de acordo com a
elevação de sua importância, o colonizador vai transferir todo o
seu aparato burocrático e administrativo que molda as dinâmi-
cas da sociedade civil.
A preservação das cidades coloniais é hoje um fato. Reconhecida
a sua importância, as chamadas cidades históricas fazem parte
do patrimônio cultural brasileiro e são apropriadas pelo turismo,
que deve buscar, de forma sustentável, criar estruturas que aten-
dam aos diversos visitantes motivados em conhecê-las.

Informações sobre a próxima aula

Na Aula 14, apresentaremos as principais características


do processo de interiorização do país no período colonial, desta-
cando os caminhos, as cidades históricas e as práticas turísticas
a ele relacionadas. Priorizaremos a Estrada Real, a Rota dos Tro-
peiros e a parte fluminense do Caminho do Ouro. Você conhecerá
exemplos bem-sucedidos da relação história/cultura/turismo.

65
14 A ocupação européia no Brasil colonial e seu
legado para o turismo

Meta da aula
Destacar a importância da história colonial brasileira para
o turismo por meio do estudo do legado cultural deixado
pelos europeus.

Objetivos
Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:

1 relacionar os principais fatos históricos ocorridos


durante a presença dos estrangeiros no Brasil colonial
com os estudos turísticos, identificando os atrativos
histórico-culturais já consolidados e os recursos em
potencial;

2 reconhecer a contribuição das culturas européias no


Brasil colonial na composição da diversidade cultural
brasileira.
Aula 14 • A ocupação européia no Brasil colonial e seu legado para o turismo

Introdução

Em aulas passadas, ressaltamos a relação história e ci-


nema como recursos para o turismo. Ao discutirmos o tema da
presença estrangeira de origem européia no Brasil colonial e a
sua herança para o turismo, procuramos fazer uma homenagem
à cultura popular brasileira, exaltando as festas de caráter cole-
tivo e também o samba-enredo, música que embala “a maior
festa popular do planeta” ou, se preferirem, “o maior espetáculo
da Terra”, como é conhecido o carnaval carioca.
Você já reparou que os sambas-enredo do carnaval são uma
forma lúdica e diferente de se estudar história do Brasil? Mesmo
que tragam versões poéticas, carnavalizadas, isto é, reinventadas
artisticamente, esses sambas abordam temas históricos que des-
pertam o interesse da sociedade. O carnaval carioca é ao mesmo
tempo uma impressionante manifestação da cultura popular e um
interessante meio de divulgação dos assuntos transformados em
enredo, sem contar o aspecto econômico, uma vez que movimenta
uma cadeia produtiva fantástica.
Até hoje, diversas escolas de samba se inspiram no nosso
passado colonial para criar os seus enredos. A própria composição
das alas, as fantasias, as alegorias (de origem barroca) e o desfile
em si recebem grande influência das festas do Brasil colonial.
Reconhecendo a importância didática dos enredos e dos
sambas-enredo para o estudo da História, por várias vezes
utilizamos em nossas aulas versos dos sambas-enredo como
epígrafe (aquelas palavras iniciais que dão um efeito ao texto).
Desta vez iremos abusar desse recurso. O legado cultural deixado
pelos estrangeiros de origem européia que aqui estiveram no
período da colônia realmente dá samba.
Esta é também uma aula em homenagem aos irmãos
Cabral de Mello, João e Evaldo, dois grandes pernambucanos,
protagonistas da cultura nacional. Você os conhecerá melhor
mais adiante.

68
História e Turismo

Mas quem são os estrangeiros? Já tivemos oportunidade


de discutir esse conceito na Aula 11 e perceber que também os
colonizadores portugueses, sob nossa ótica, são estrangeiros no
Brasil, considerando serem os indígenas os donos da terra an-
tes da chegada dos portugueses. A ocupação européia no país,
ao longo dos quase 300 anos do Brasil colonial, deixou fortes
marcas na nossa cultura. Conhecer essa contribuição dos es-
trangeiros de origem européia para a nossa cultura é fundamen-
tal, tanto para se entender a formação do povo brasileiro e sua
diversidade cultural quanto para se conhecer o nosso patrimônio
e o seu possível aproveitamento turístico.
Embora enfatizemos aqui as contribuições dos europeus
na formação da cultura brasileira, não ignoramos a dimensão do
conflito entre os povos de origem e segmentos sociais diversos
que ocuparam e ainda ocupam nossas terras. Foram muitos os
conflitos, batalhas e movimentos de contestação no período co-
lonial. Muitas vidas se perderam nesses confrontos. As próprias
cavalgadas à Pedra do Reino, uma manifestação cultural bas-
tante enfatizada nesta aula, teve a sua origem num movimento
de contestação social de caráter messiânico.
É sob o prisma do legado cultural dos europeus no Brasil e
o seu potencial turístico na atualidade que daremos continuidade
aos nossos estudos sobre o período colonial. Vamos viajar pelo
interior do Brasil, conhecer festas populares, lendas e costumes
muito pouco divulgados e refletir sobre as possibilidades de o
turismo contribuir para a valorização e divulgação da cultura
brasileira. Embarque nessa.

União Ibérica (1580-1640): quando o Brasil


também pertencia aos espanhóis

Na era dos Felipes o Brasil era espanhol...


(G.R.E.S. Grande Rio, 1996)
Em 1578, na batalha de Alcácer-Quibir, no atual Marrocos,
morreu o jovem rei português D. Sebastião, em luta contra os

69
Aula 14 • A ocupação européia no Brasil colonial e seu legado para o turismo

mouros. Como não havia herdeiros diretos, o trono português foi


ocupado por um tio-avô do rei, o velho cardeal D. Henrique, que
faleceria dois anos depois. Com o trono novamente vago, vários
possíveis herdeiros passaram a disputar a Coroa portuguesa.
O mais forte pretendente ao trono era o rei D. Felipe II, da
Espanha, sobrinho-neto de D. Manuel, o Venturoso. A maior parte
da nobreza e da burguesia mercantil portuguesa aceitou unir-se
à Coroa espanhola na esperança de que tal união garantisse o
frágil monopólio português no oriente, o que não se confirma-
ria na prática. Esse fato histórico ficou conhecido como União
Ibérica, que se estendeu de 1580 a 1640.
Para aceitar a unificação da Península Ibérica, as classes di-
rigentes portuguesas conseguiram concessões enormes. Por meio
do Juramento de Tomar, Felipe II assumia inúmeros compromis-
sos, como, por exemplo, o de que o comércio colonial entre Brasil
e Portugal seria feito em navios portugueses. No plano adminis-
trativo, seriam mantidos os funcionários portugueses, fazendo
com que o comando da administração pública continuasse sendo
preservado nas áreas coloniais. As leis e costumes seriam respei-
tados e a língua oficial continuaria a ser o português. Portanto, na
era dos Felipes, o Brasil não era tão espanhol assim...
Destacaremos em nossa aula três fatos históricos relacio-
nados ao período da União Ibérica: as invasões francesas e ho-
landesas e a força do movimento do sebastianismo em Portugal
e no Brasil. Comecemos por este último, um tema pouquíssimo
estudado, que é um exemplo da influência portuguesa na com-
posição de nossa extraordinária cultura popular.

A influência do sebastianismo na cultura popular nor-


destina e o seu aproveitamento turístico: o caso da
Cavalgada à Pedra do Reino

Recuperamos aqui dois sambas-enredo de escolas de


samba cariocas para discutirmos um tema pouquíssimo conhe-
cido no Brasil, mas de grande importância cultural e com grande

70
História e Turismo

potencial turístico: o sebastianismo. Carnaval carioca e cultura


popular nordestina, pela lenda do sebastianismo, aqui se unem
para demonstrar a riqueza cultural do país, ainda tão pouco valo-
rizada pela nossa sociedade.
No carnaval carioca de 1996, o saudoso intérprete Jamelão,
com sua inconfundível voz, cantava os versos do enredo “Os
tambores da Mangueira na terra da encantaria”: “No fundo do
mar / Tem um castelo que é do rei Sebastião/ Tem mandinga, tem
segredo/ meu amor eu tenho medo/ de brincar com assombração.”
Em 2008, a Mocidade Independente de Padre Miguel
trouxe de volta o tema do sebastianismo:

Portugal/ Bendito seja... Abençoado pelo Criador/ Uma


utopia, um destino, um sonho místico de grandes realezas/
Sonhar... Com glórias um rei desejar/ E o sol volta a brilhar/
Com a esperança no olhar/ Mas desapareceu como um grão
de areia no deserto/ E encantado renasceu/ Em cada ser,
em cada coração/ Para afastar a cobiça na busca do ideal/
O Quinto Império Universal/ Deixe o meu samba te levar/
E a minha estrela te guiar/À Praia dos Lençóis, nas crenças
do Maranhão/ Tem um castelo que é do rei Sebastião.

O sebastianismo foi um movimento popular de caráter


messiânico baseado na crença de que o jovem rei D. Sebastião,
de codinome “O Desejado” (por representar a esperança dos
portugueses na formação de um poderoso império no mundo),
desaparecido em combate contra os mouros em 1578 no Mar-
rocos, iria retornar e salvar o reino de Portugal do controle espa-
nhol, encerrando a era dos Felipes.
O mito começou com a falta de informações sobre o
paradeiro do jovem rei e de seu exército. Diversas histórias
foram criadas pelo povo tentando explicar o desaparecimento
de D. Sebastião e de seus soldados. Surgiram vários farsantes
tentando se passar por D. Sebastião e prometendo restaurar o
trono português. Profetas, astrólogos, matemáticos usaram seus
conhecimentos para prever a volta do jovem rei desaparecido.
Escritores, trovadores e religiosos disseminavam o mito do se-

71
Aula 14 • A ocupação européia no Brasil colonial e seu legado para o turismo

bastianismo em Portugal e nas suas colônias. O padre Antônio


Vieira também aderiu ao sebastianismo, acreditando que este
conduziria o mundo para a formação do “quinto império univer-
sal”, o “império de Cristo”.
Mulheres diziam receber mensagens de D. Sebastião du-
rante o sonho, sendo punidas pela Inquisição, o instrumento do
Tribunal do Santo Ofício que condenava aqueles que praticavam
heresias, isto é, contrariavam os postulados da Igreja. Sonhavam
em se casar com D. Sebastião. Uma delas dizia que encontrava
o jovem rei desaparecido e sua família numa ilha encantada e à
sua espera estavam embarcações para levar de volta D. Sebas-
tião a Portugal, aguardando apenas a ordem do rei.
A crença popular ganhou espaço também no Nordeste
brasileiro, onde D. Sebastião era conhecido como “o rei bom”.
Os nordestinos projetavam as suas esperanças de melhores dias
na chegada do jovem rei desaparecido, que seria o seu salvador.
Acredita-se que mulheres condenadas pela Inquisição ao degredo,
no caso, o exílio no Brasil, trouxeram para cá o mito do sebas-
tianismo e ajudaram a disseminá-lo também na colônia, assim
como os padres jesuítas seguidores do padre Antônio Vieira e os
navegadores que vinham ao Brasil. Associavam-se as areias dos
Lençóis Maranhenses aos campos da batalha de Alcácer-Quibir no
deserto marroquino, onde D. Sebastião desapareceu. Daí surgiu a
crença de que D. Sebastião estava encantado num castelo no fundo
do mar no Maranhão e retornaria para fundar o “quinto império”.
Mais tarde, já no período do Império, o mito do sebastia-
nismo continuava fortalecido no Nordeste brasileiro, embalando
movimentos sociais como o da serra do Rodeador, em Pernam-
buco, em 1820, e o da Pedra do Reino, em 1835, imortalizado pela
literatura na obra de Ariano Suassuna e transformado em minis-
série para a televisão.
Segundo Jaqueline Herman, professora do curso de História
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), cuja tese de
doutorado analisa o tema do sebastianismo, existem controvérsias,
mas há uma corrente de intelectuais que acreditam que o próprio

72
História e Turismo

movimento de Canudos, no interior da Bahia, ocorrido no início da


República, tenha recebido influência do sebastianismo, na medida
em que Antônio Conselheiro, líder do movimento, também era visto
como um messias, um salvador. Ainda conforme Herman, “estes
exemplos parecem demonstrar a longevidade e a plasticidade
do sebastianismo, que não merece ser reduzido à mera crendice
irracional de ignorantes nem pintado como seita de fanáticos”
(VAINFAS, 2000, p. 526).
A fala da professora nos aponta a riqueza da cultura popu-
lar brasileira e nos alerta para a desvalorização de nossa história,
nossa memória, nossas tradições orais, nossos costumes, nossa
religiosidade popular, vistos por boa parte da sociedade de
forma pejorativa. A cultura popular brasileira, aqui representada
pela mistura do samba-enredo carioca com as crenças populares
do Nordeste, em destaque o sebastianismo, é um dos maiores
tesouros de nosso país e ainda precisa ser conhecida e valori-
zada, inclusive e principalmente pelo turismo.
O turismo cultural em nosso imenso país de ricas tradições
e costumes ainda não se dá de forma satisfatória. Nosso valioso
patrimônio cultural não é devidamente conhecido, mas há sinais
de que o trade turístico e o poder público vêm se mobilizando no
sentido de oferecer muito mais do que o Brasil como um destino
de sol e praia, futebol, carnaval e mulheres bonitas, imagem
historicamente construída e tão propalada pela indústria do
turismo, como discutimos na Aula 11. É o caso da festa da Caval-
gada à Pedra do Reino, no sertão pernambucano, um patrimônio
cultural ainda desconhecido pela maioria dos brasileiros e um
bom exemplo da importância da relação entre cultura popular
brasileira e turismo.
Reconhecendo a relevância cultural do sebastianismo no
Nordeste, em 2007, o célebre escritor Ariano Suassuna, então
Secretário Estadual de Cultura, apresentou à Assembléia Legislativa
de Pernambuco um projeto para a inclusão da festa da Cavalgada
à Pedra do Reino no calendário Cultural e Turístico do Estado
de Pernambuco. A festa foi inspirada na obra de Suassuna, o

73
Aula 14 • A ocupação européia no Brasil colonial e seu legado para o turismo

Romance da Pedra do Reino, escrito em 1971, sobre um fato


histórico verídico, cujas raízes, como visto, remontam ao movi-
mento sebastianista, acrescido de novos costumes locais, como
a presença de vaqueiros na cavalgada.
Durante o evento, que ocorre desde 1993 todo último do-
mingo de maio, e já se tornou uma tradição, 12 pares de cava-
leiros partem da cidade de São José do Belmonte, na divisa com
o Ceará e realizam uma cavalgada de 30km, fazendo as honras
para receber a corte do rei D. Sebastião. O destino é a Serra do
Catolé, onde se encontram os dois monólitos que formam a Pe-
dra do Reino.

Você encontrará as imagens dos monólitos e da festa no YouTube


– o popular site de compartilhamento de vídeos – acessando http:
//br.youtube.com/watch?v=ZbUtlurvKZU&feature=related) – acesso
em setembro de 2008

Por conta das festividades, as ruas são decoradas, as casas


viram pousadas para receber os turistas, são realizados shows e
os visitantes assistem à cavalhada (reprodução estilizada das lu-
tas medievais entre cristãos e mouros na Península Ibérica, com
12 pares de cavaleiros para cada lado), além das visitas à Casa da
Cultura e ao Memorial Pedra do Reino.
Conforme o texto do documento enviado à Assembléia
Legislativa de Pernambuco:

Toda essa riqueza histórica e cultural merece ser ampla-


mente reconhecida e oficialmente inserida no calendário
cultural e turístico de nosso Estado, potencializando essa
festividade, e investindo para que o município de São José
do Belmonte construa a infra-estrutura necessária para
estimular o turismo rural e cultural, criando oportunidades
de, a partir da valorização cultural e do resgate histórico,
proporcionar alternativas de inclusão social com geração de
trabalho e renda (CARVALHO, 2008).

74
História e Turismo

O exemplo da festa de São José do Belmonte e o plane-


jamento para uma adequada oferta turística, com toda a infra-
estrutura, bens e serviços necessários para a atividade, são uma
ilustração da combinação perfeita entre o rico cadinho (mis-
tura) cultural brasileiro e as possibilidades que o turismo pode
criar, beneficiando a comunidade envolvida, valorizando a nossa
história, o nosso patrimônio e encantando os visitantes.

Atividade
Atende ao Objetivo 1
1.a. A cavalhada é uma tradição européia trazida para o Nordeste
no período colonial, por volta do século XVII, e que se espalhou
por várias partes do Brasil, enriquecendo ainda mais a cultura
popular do país. Pesquise na internet outras cidades brasileiras,
além de São José do Belmonte, em que as cavalhadas continuam
sendo realizadas e que tenham grande interesse turístico.
1.b. Pesquise outras festas populares que se realizam desde
os tempos do Brasil colonial ou que foram inventadas recente-
mente, inspiradas na história colonial brasileira.
1.c. Verifique se essas festas já são consideradas atrativos turísti-
cos ou se podem ser recursos turísticos (elementos com poten-
cial turístico ainda não aproveitado).

Comentários
1.a. Pesquisa pessoal, em que você poderá seguir por dois caminhos
alternativos: ou fazer um levantamento abrangente, indicando as
cidades que realizam a cavalhada e atraem turistas para a região,
ou se deter a algum caso mais representativo das cavalhadas como
atrativo turístico, como ocorre em Pirenópolis (GO), fazendo uma
análise sobre o mesmo.
1.b. Dentre a variedade de festas populares cuja origem remonta
aos tempos coloniais, podem ser investigadas: congadas de negros,
cavalhadas de brancos, malhação do Judas, touradas, procissões reli-
giosas, folia de reis, festas juninas, entre outras. O objetivo da questão
é chamar a atenção para a impressionante riqueza da cultura popular
brasileira e sua história, bem como destacar que a cultura é móvel, isto
é, se transforma constantemente e, aos elementos originais das festas

75
Aula 14 • A ocupação européia no Brasil colonial e seu legado para o turismo

do Brasil colonial, são acrescidos novos valores e novos elemen-


tos, fazendo com que essas manifestações culturais se perpetuem,
atraindo as novas gerações.
1.c. Nosso propósito é relacionar passado e presente, ressaltar mais
uma vez o grande potencial turístico da cultura popular, ainda pouco
valorizado em nosso país, e destacar aquelas manifestações cul-
turais já percebidas pela indústria do turismo e transformadas em
produto turístico.

Presença francesa

No período colonial, por várias vezes, os franceses estiveram


no Brasil, comerciando com os índios e entrando em guerra com
os portugueses, que se diziam os “donos” da terra. Rio de Janeiro,
Cabo Frio, Pernambuco, Paraíba e Maranhão foram territórios in-
vadidos pelos maires, como os chamavam os índios tamoios.
Foram duas as tentativas de colonização francesa do Bra-
sil. A primeira investida ocorreu no litoral fluminense, entre 1555
e 1567, tendo à frente Villegagnon. Pretendiam fundar a França
Antártica, que seria uma colônia huguenote, isto é, formada por
calvinistas protestantes que eram perseguidos na França.
Os franceses se estabeleceram na ilha de Sergipe, na Baía
de Guanabara (atual Ilha de Villegagnon, onde desde 1938 fun-
ciona a Escola Naval, próxima ao Aeroporto Santos Dumont).
Nesse mesmo local, os invasores ergueram, com a mão-de-obra
indígena, o Forte Coligny, que foi destruído pelos portugueses,
sendo mais tarde construída a Fortaleza de São Francisco Xavier
da Ilha de Villegagnon. Mandaram trazer mulheres para se casa-
rem com os colonos e milhares de soldados para o confronto
com os portugueses. Villegagnon estabeleceu uma rígida dis-
ciplina na ilha e houve muitos conflitos e dissidências entre os
invasores. Católicos e protestantes franceses se desentendiam.
Villegagnon voltou a professar a fé católica e expulsou os seus
ministros protestantes da ilha. Muitos soldados, recrutados nas
prisões e masmorras francesas desertaram e fugiram para a
mata, indo viver entre os índios aliados, os tamoios.

76
História e Turismo

O padre francês André Thevet acompanhou Villegagnon no


projeto de colonização do Brasil. Thevet também era cosmógrafo
e cartógrafo; a ele é atribuída a descoberta da ilha de Paquetá.
Escreveu a obra As singularidades da França Antártica, em que
relata os principais aspectos da vida dos franceses logo que se
estabeleceram no Rio de Janeiro. Esta foi a primeira vez que os
europeus fixaram residência no Rio de Janeiro. Thevet escreveu
também sobre os indígenas à época, sua cultura e formas de viver
em sociedade. Estes são documentos históricos valiosíssimos,
uma vez que as culturas indígenas do Brasil colonial são ágrafas
(sem escrita) e se tem poucos testemunhos daquele período.
Em 1565, o padre jesuíta José de Anchieta assim descreveu
os hábitos dos franceses e suas relações com os indígenas no
Rio de Janeiro:

Vivem conforme os índios comendo, bebendo, bailando e


cantando como eles, pintando-se com suas tintas pretas e
vermelhas, adornando-se com as penas dos pássaros, an-
dando nus às vezes, só com uns calções, e finalmente matan-
do contrários, segundo o rito dos mesmos índios, e tomando
nomes novos como eles, de maneira que não lhes falta mais
que comer carne humana, que no mais sua vida é corruptís-
sima, e com isto e com lhes dar todo gênero de armas, inci-
tando-os sempre que nos façam guerra e ajudando-os nela, o
são ainda péssimos (ANCHIETA, 1988, p. 219.)

Anchieta, utilizando-se do teatro como um poderoso instru-


mento pedagógico na catequização dos índios, como visto na Aula
12, produziu em 1587 o Auto de São Lourenço, uma metáfora da
história da expulsão dos franceses do Brasil pelos portugueses.
A peça levava aos indígenas uma mensagem moralizante da luta
do Bem (os portugueses) contra o Mal (os franceses), uma visão
maniqueísta, fruto da influência do pensamento medieval. Outra
obra do padre jesuíta sobre o tema da expulsão dos franceses
do Rio de Janeiro é De Rebus Gestis Mendi de Saa, poema épico
“dirigido ao heróico Mem de Sá, a quem Anchieta faz contemplar
a vitória da ‘ímpia prole de Calvino’ pelos soldados cristãos na

77
Aula 14 • A ocupação européia no Brasil colonial e seu legado para o turismo

Guanabara”, conforme escreve a professora do curso de História


da UFRJ, Andréa Daher, uma das maiores especialistas nos estu-
dos sobre a presença francesa no Brasil colonial.
Para garantir o domínio português sobre a região, Estácio
de Sá, sobrinho do governador Mem de Sá, fundou, entre o mor-
ro Cara de Cão e o Pão de Açúcar, a Cidade de São Sebastião do
Rio de Janeiro, em 1º de março de 1565. Estácio de Sá utilizou-se
dos índios tupinambás como aliados e comandou a vitória das
tropas portuguesas sobre as francesas. As rivalidades entre os
indígenas fluminenses foram exploradas na luta entre portugue-
ses e franceses na Baía de Guanabara. Foram vários confrontos
e muita resistência pelo lado francês, que contava com um pre-
cioso aliado: os “rebeldes” índios tamoios, que dominavam a
região e eram inimigos dos tupinambás e dos portugueses, a
quem chamavam de perós (selvagens), fazendo parte da célebre
Confederação dos Confederação dos Tamoios.
Tamoios
União dos indígenas
que habitavam do litoral
norte de São Paulo ao
sul fluminense, entre Os franceses foram violentamente reprimidos e, em 1567, o sonho
1554 e 1567, tendo à de anexação do Brasil ao domínio francês deu lugar a um mar de
frente o chefe indígena
sangue. Os desentendimentos entre Villegagnon e seus seguidores
Cunhambebe, em sinal de
também ajudaram a pôr fim ao sonho da França Antártica.
resistência à violenta ação
dos portugueses contra Outra tentativa francesa de invasão do Brasil objetivava implantar
os índios tupinambás, que a França Equinocial na Amazônia, uma ampla região ainda não
foram aprisionados explorada pelos portugueses e de grande importância econômica
e escravizados. e estratégica. Em 1612, os franceses construíram o Forte São Luís
e fundaram a cidade de São Luís, no Maranhão, em honra ao rei
francês, Luis XIII, que governava o país naquele período.
Aliados aos espanhóis (formando a União Ibérica, que estudamos
no início desta aula), os portugueses construíram vários fortes para
impedir a circulação dos navios franceses e a comercialização de
mercadorias e, em 1615, após diversos confrontos, expulsaram os
franceses do Maranhão.
Como resultado das investidas francesas e também holandesas
(entre 1641 e 1644) sobre o Maranhão, os portugueses, além da
construção dos fortes, passaram a ocupar efetivamente a região,
bem como toda a costa brasileira, erguendo um patrimônio de
grande valor histórico, arquitetônico e turístico.

78
História e Turismo

A versão mais conhecida sobre a origem do nome Rio de Janeiro


está relacionada à suposição dos portugueses, que chegaram à
região em 1502, de que a Baía de Guanabara era a foz de um grande
rio, descoberto no primeiro dia do mês de janeiro. Daí o nome Rio
de Janeiro. O nome completo da cidade, fundada em 1565 por Es-
tácio de Sá, é São Sebastião do Rio de Janeiro, uma referência ao
santo católico e, principalmente, uma homenagem a D. Sebastião,
então rei de Portugal, que poucos anos depois morreria na África,
dando origem ao sebastianismo e às lendas nordestinas, como
visto anteriormente.
No projeto de criação da França Antártica, Villegagnon pretendia
mudar o nome do Rio de Janeiro para Henriville, em honra ao rei
francês Henrique II.

Como era gostoso o


meu francês, de Nelson
Pereira dos Santos (Bra-
sil, 1970).
O filme se passa no sécu-
lo XVI e conta a história
de um francês capturado
pelos índios tupinambás,
que consegue escapar
do ritual antropofágico
(canibalismo) graças aos
seus conhecimentos de
artilharia. Conforme a
cultura dos tupinambás,
devorar o inimigo era
uma forma de adquirir
os seus poderes. A obra
é um interessante relato
etnográfico, mostrando
os costumes indígenas e
sua relação com o meio ambiente, desconstruindo a imagem habitual
do índio visto por um único ângulo, o de violento e selvagem.

79
Aula 14 • A ocupação européia no Brasil colonial e seu legado para o turismo

Atividade
Atende ao Objetivo 2

Desvendando os tesouros do Maranhão colonial


2.a. Desde 1997, o Centro Histórico de São Luís do Maranhão é
considerado pela Unesco Patrimônio da Humanidade. Pesquise
em sites de agências de turismo quais os atrativos histórico-cul-
turais mais visitados na cidade.
2.b. Pesquise também na internet a história da cidade de Alcân-
tara, localizada em frente à cidade de São Luís, destacando os
seus principais atrativos histórico-culturais. Alcântara foi tom-
bada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(IPHAN) desde 1948 e é considerada cidade-monumento.

Comentários
O objetivo da questão, nos dois itens propostos, é integrar os conhe-
cimentos de História com a prática turística, conhecendo quais os
testemunhos da história colonial brasileira na região do atual estado
do Maranhão que são objeto de interesse turístico.
Você também terá a oportunidade de observar o estado de conser-
vação desses bens culturais (muitos em ruínas, outros recuperados
recentemente); poderá perceber outros atrativos naturais, históricos
e culturais que compõem o produto turístico nas cidades de São
Luís e Alcântara (com destaque para o Centro de Lançamento de
Alcântara, conhecido como Base de Alcântara, que passa a integrar
o roteiro turístico da cidade); e, se utilizar os sites dos órgãos oficiais
de turismo do Maranhão (municipais e estadual) e também os sites
do Ministério do Turismo e da Embratur, irá conhecer ainda as políti-
cas públicas de desenvolvimento e de promoção do turismo nessas
cidades e no estado como um todo.

80
História e Turismo

O Brasil holandês

Durante a União Ibérica, conforme estudamos no início


desta aula, a elite portuguesa aceitou juntar-se à espanhola
na tentativa de garantir o monopólio do comércio do Oriente.
Os espanhóis participaram de várias guerras na Europa, entre o
final do século XVI e começos do século XVII; entre elas, estava
a repressão aos holandeses, que desde 1581 lutavam por sua
independência (a Holanda durante muito tempo pertenceu à Es-
panha). Deste modo, aos espanhóis cabia uma tarefa hercúlea:
administrar toda a porção da América que lhe pertencia (todos os
países que atualmente falam a língua espanhola nas Américas);
cuidar das possessões portuguesas na África e vigiar as colônias
orientais. O resultado não se fez esperar. Ainda no primeiro quar-
to do século XVII, Portugal perdeu para os flamengos (holan-
deses) seus postos de comércio com as Índias e também postos
tradicionais de fornecimento de escravos para o Brasil.
Em 1621, a Espanha decidiu proibir definitivamente a
Holanda de comercializar o açúcar do Brasil com o resto da
Europa, uma prática que os holandeses já mantinham há quase
um século. Os flamengos reagiram tentando desembarcar em
Salvador, nada menos que a capital da colônia, em 1624. A re-
cepção luso-brasileira não foi exatamente amistosa e, depois de
um ano de luta, os holandeses foram expulsos, retornando em
1630, desta vez ocupando Recife. Ano após ano foi aumentando
sua influência, chegando a dominar sete das quatorze províncias
da colônia. Portanto, para se compreender o estabelecimento
dos holandeses no Nordeste brasileiro, deve-se levar em conta
a conjuntura européia. Para competir com as demais nações
expansionistas do Velho Continente, os flamengos buscavam o
controle de novas terras e o monopólio da produção e comércio
de açúcar e do tráfico de escravos.
Com o tráfico negreiro e o comércio de açúcar nas mãos
(Pernambuco, àquela altura era o maior produtor de açúcar do
mundo), os holandeses tinham excelentes perspectivas no Bra-

81
Aula 14 • A ocupação européia no Brasil colonial e seu legado para o turismo

sil. Tendo à frente o conde Maurício de Nassau, que governou


o Brasil holandês de 1636 a 1644, fizeram de Recife - antes um
povoado pertencente à Vila de Olinda (a Cidade Maurícia ou Mau-
ritstaad), o exuberante centro da “Nova Holanda”.
Para demonstrar a importância e o poder da Companhia
das Índias Ocidentais (empresa holandesa formada com capitais
do Estado e de particulares para conquistar novas terras e obter
lucro), Nassau transformou Recife numa cidade-modelo, cujo
legado tem grande importância turística. O conde holandês, um
homem da época do Renascimento, bastante interessado nas
artes e nas ciências, trouxe de seu país uma comitiva de artistas,
cientistas e intelectuais com o objetivo de desenvolver a “Nova
Holanda”. Recife foi urbanizada seguindo as principais tendên-
cias das grandes cidades européias. Foram construídos vários
sobrados, palácios, pontes, jardins, um zoológico e o primeiro
observatório astronômico das Américas, entre outras realizações.
Nassau instalou a liberdade religiosa entre católicos e
protestantes e construiu a primeira sinagoga das Américas, tendo
em vista que muitos judeus de origem sefaradita, expulsos de
Portugal e refugiados em Amsterdã, patrocinaram a empresa
holandesa no Brasil e aqui se tornaram comerciantes de açúcar
ou senhores de engenho. Por falar nisso, Portugal proibia a entrada
de estrangeiros no Brasil, exceto com autorização real. Apesar da
proibição, não era rara a presença de forasteiros, inclusive dos
invasores franceses e holandeses.
Dentre os artistas que vieram com a “missão artística holan-
desa” em 1637 (e aqui parodiamos a Missão Artística Francesa,
trazida por D. João VI, em 1816, que você estudará mais tarde),
destacam-se os pintores Frans Post e Albert Eckhout. Post foi pio-
neiro na pintura das paisagens do Novo Mundo, retratando as
paisagens brasileiras, nossa fauna, nossa flora e nossa gente.

82
História e Turismo

Uma curiosidade interessante é que a casa onde viveu Mau-


rício de Nassau, em Haia, na Holanda, construída no século XVII,
era conhecida como Casa do Açúcar, feita com madeira do Brasil
na época do domínio holandês. Em 1822, a Casa foi transformada
num museu chamado Gabinete Real de Pinturas Mauritshuis.

O fim do Brasil holandês

Desfeita a União Ibérica, em 1640, Portugal recuperou sua


autonomia política e passou novamente a administrar a colônia
brasileira. Os portugueses assinaram um acordo com os holan-
deses, pois queriam o apoio de outras nações da Europa con-
tra a Espanha. Contudo, a Holanda quebrou o pacto invadindo
o Maranhão, em 1644, dando início aos conflitos entre portu-
gueses e holandeses.
A partir de 1645, com o retorno de Maurício de Nassau à
Holanda, os novos administradores da colônia flamenga pas-
saram a cobrar as dívidas que os senhores de engenho pernam-
bucanos contraíram junto ao governo desde a época de Nassau.
É importante lembrar que os gastos com a “Nova Holanda” eram
enormes, o que justificou a cobrança das dívidas e o aumento
dos impostos. Houve resistência e, com o apoio de Portugal, os
latifundiários do açúcar lideraram a Insurreição Pernambucana,
que teve o objetivo de expulsar os holandeses do país. Este foi um
movimento singular, pois uniu portugueses, brancos, negros e in-
dígenas que viviam no Brasil em torno de um “inimigo comum”.
Depois de muitos conflitos (Tabocas, 1645, Guararapes,
1648-1649), os portugueses iniciaram o lento processo de recu-
peração do território pernambucano, que foi concluído em 1654,
com a expulsão definitiva dos holandeses do Brasil. Os judeus
estabelecidos em Recife tiveram três meses para deixar o Brasil
e retornar a Amsterdã.

83
Aula 14 • A ocupação européia no Brasil colonial e seu legado para o turismo

Os flamengos levaram consigo toda a técnica de produção


do açúcar para as suas Antilhas e o Brasil logo perdeu a posição
de primeiro produtor mundial de açúcar. Os preços do produto
brasileiro despencaram no mercado internacional.

Considerado o maior historiador brasileiro em atividade, o per-


nambucano Evaldo Cabral de Mello, irmão do poeta João Cabral
de Mello Neto, é um dos maiores especialistas nos estudos sobre
a presença holandesa no Brasil. O historiador considera Maurício
de Nassau “uma das personalidades mais simpáticas da história
brasileira”. Suas obras sobre a presença holandesa no Nordeste e
a importância da região para a História do Brasil já se tornaram um
clássico dos estudos históricos. Dentre elas, recomendamos: Nas-
sau, governador do Brasil holandês (2006).

Atividades
Atendem aos Objetivos 1 e 2

3. Os engenhos de açúcar remanescentes do período colonial fa-


zem parte do circuito turístico rural de Pernambuco. Acesse o site
www.engenhocamaragibe.com.br e destaque uma característica
do Engenho Camaragibe relacionada à ocupação holandesa e
alvo de curiosidade dos turistas.

4.
Em Pernambuco...

Ouvi contar que Maurício de Nassau

Por uma ponte fez o boi voar

Foi 171 que enganou o pessoal

(G.R.E.S. Estácio de Sá – O boi dá bode. Carnaval de 1988)

84
História e Turismo

Era a corte um rebu

Se ouviu o sururu, vai pra ponte que partiu

Com o laranja endividado

O pedágio foi cobrado, o primeiro do Brasil

O boi voou, começou a roubalheira

A galhofa, a bandalheira, pra chacota nacional

Mas tira o olho, ninguém tasca eu vi primeiro

Tem muito boi brasileiro, pra comer nesse quintal

(G.R.E.S. São Clemente. Boi voador sobre o Recife – Cordel


da galhofa nacional. Carnaval de 2004)

Ambos os sambas-enredo do carnaval carioca fazem referência


a um curioso episódio que entrou para a história, relacionado à
astúcia de Maurício de Nassau e à inauguração da famosa ponte
que leva o seu nome, cartão-postal de Recife na atualidade.
Pesquise na internet o que foi o episódio do “boi voador”, uma
interessante história dos tempos do Brasil holandês, e conheça
a ponte Maurício de Nassau, hoje revitalizada e símbolo da pre-
sença flamenga na cidade.

5. Visite o site http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?


t=430332 e confira as fotos incríveis que registram o patrimônio
cultural do Recife Antigo da época dos holandeses e de outros
períodos históricos.

Comentários
Todas as questões das atividades têm como objetivo aprimorar a
relação história / turismo, estimulando o aluno a conhecer e apreciar
alguns dos patrimônios que se constituem em importantes atrativos
turísticos do Recife Antigo (bairro tombado pelo IPHAN em 1998) e
estão relacionados à história da ocupação holandesa na cidade.

85
Aula 14 • A ocupação européia no Brasil colonial e seu legado para o turismo

Fique de olho

Os governos do Brasil e da Holanda iniciaram, em abril de 2008,


os entendimentos para a criação de uma parceria para aprofundar
as pesquisas sobre a Companhia Holandesa das Índias Ocidentais
no Nordeste brasileiro; recuperar o patrimônio cultural deixado
pelos holandeses, especialmente em Pernambuco; e criar o Centro
Cultural Brasil-Holanda, ampliando a divulgação sobre as relações
históricas entre os dois países.
Essa iniciativa, se levada a termo, em muito beneficiará o turismo,
tanto pela criação de novos atrativos, como o Centro Cultural Bra-
sil-Holanda, quanto pela recuperação do patrimônio cultural e pelo
aumento do fluxo de turistas holandeses no Brasil e de brasileiros
na Holanda.

Atividade Final

Atende ao Objetivo 2

“Nordestino não tem olho azul”. Foi o que disse o empresário e


apresentador de programa de TV Roberto Justus, contracenando
com Tom Cavalcanti, que o imitava num programa humorístico
da Rede Record, em junho de 2008.
Levando em conta a história da formação do povo brasileiro,
você concorda com essa afirmação do famoso empresário? Jus-
tifique a sua resposta.
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86
História e Turismo

Comentário

É preciso considerar o caráter multiétnico do povo brasileiro, fruto


de intensos cruzamentos entre diferentes povos, de diferentes na-
ções e etnias que continuam a mesclar-se até a atualidade, inclusive
com a decisão de muitos turistas estrangeiros de se estabelecerem
no Nordeste. Nesta aula, enfatizamos a presença européia no Brasil
nos dois primeiros séculos do Brasil colonial e demos destaque a
essa região. Europeus de várias nacionalidades, asiáticos, árabes,
africanos, ameríndios, além dos próprios índios brasileiros, os ha-
bitantes iniciais dessas terras, ao longo de toda a história do país,
deram origem a um povo cuja mestiçagem é a sua maior identidade.
Não há aqui a pretensão de se tentar corrigir a piada, esperando que
seja politicamente correta. Ao contrário, consideramos também as
piadas uma interessante caixa de ressonância da nossa sociedade,
pois elas revelam muito do nosso imaginário e da nossa cultura.
Ainda assim, analisando a frase, é descabido afirmar que o povo
nordestino tem uma única característica física, o que gera uma falsa
imagem do nordestino e resvala para o preconceito.

Resumo
Nesta aula, procuramos abordar o tema da presença européia
no Brasil colonial sob um viés diferente, ressaltando o valioso
legado cultural deixado pelos europeus no período. Destacamos
as invasões francesas e holandesas no agitado período da União
Ibérica. Todos os patrimônios – materiais e imateriais – apresenta-
dos nesta aula chamam a atenção pela sua importância histórica
e pelo seu grande apelo turístico. Alguns desses patrimônios já
tiveram o seu valor devidamente reconhecido pelo turismo,
enquanto outros ainda estão por serem descobertos e aproveita-
dos turisticamente, levando a mais pessoas a oportunidade
de apreciarem ao vivo os testemunhos remanescentes de um
período extremamente rico da História do Brasil.

87
15 A ocupação do interior no período
colonial: uma viagem pelos caminhos
históricos brasileiros

Meta da aula
Apresentar as principais características do processo de
interiorização do país no período colonial, destacando os
caminhos, as cidades históricas e as práticas turísticas a ele
relacionadas.

Objetivos
Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:

1 conhecer as razões da ocupação do interior brasileiro


e as principais características das cidades e dos cami-
nhos históricos coloniais;

2 avaliar a importância das cidades históricas e dos


principais caminhos que levam ao interior do país para
a atividade turística.
Aula 15 • A ocupação do interior no período colonial: uma viagem pelos caminhos históricos brasileiros

Introdução

Na Aula 13, destacamos a presença de povos de outras na-


ções européias que não os portugueses no litoral brasileiro. Enfa-
tizamos as invasões francesa e holandesa, que são as mais expres-
sivas, pois esses povos estabeleceram colônias no Brasil, apesar
de não serem tão duradouras. É sabido também que outros povos
estiveram aqui no período colonial com o intuito de explorar as
riquezas do território, como os ingleses e os irlandeses, por ex-
emplo. Ressaltamos que tais invasões estrangeiras, dentre out-
ros fatores, estimularam a construção de várias fortificações e a
ocupação da costa brasileira (litoral) pelos portugueses.
Agora é a vez de conhecermos o processo de interiorização
do Brasil, em que estudaremos as principais razões e características
da ocupação do interior brasileiro no período colonial. Daremos
ênfase à história das cidades mais importantes no período e aos
seus caminhos de acesso, fazendo as conexões necessárias com o
turismo. Priorizamos a Estrada Real, a Rota dos Tropeiros e a parte
fluminense do Caminho do Ouro. Você poderá se surpreender
com o desperdício dos recursos turísticos em muitas cidades
abordadas nesta aula, assim como conhecerá exemplos bem-suce-
didos da relação história/ cultura/ turismo.
O tema da interiorização no Brasil colonial é um dos mais
ricos para a criação e a consolidação de produtos turísticos de
viés histórico-cultural em nosso país-continente. Esta aula é um
convite à reflexão e um desafio para que os futuros turismólogos
busquem alternativas viáveis para as localidades que vêem o seu
rico patrimônio deteriorar-se junto com a qualidade de vida de
seus habitantes, como é o caso da cidade histórica de Ouro Preto
e daqueles municípios da Baixada Fluminense por onde passava
o Caminho Novo do Ouro, como veremos mais adiante.
Escolha qual o seu caminho e vamos juntos pelo Brasil
adentro conhecer os segredos desse país-continente e o seu imenso
potencial turístico.

90
História e Turismo

A ocupação do interior

No século XVII, a expansão territorial do Brasil foi intensa.


Desde o período da dominação espanhola, com a União Ibéri-
ca (1580-1640), como vimos na Aula 13, franceses e holandeses
ameaçavam o domínio português sobre o Brasil. Para conter
as ameaças estrangeiras, além da ocupação da costa, os portu-
gueses procuraram levar a colonização também para o desertão
ou, simplesmente, sertão, como se chamavam as terras distantes
do litoral, evitando que os invasores estrangeiros tivessem aces-
so a elas. A exploração das chamadas drogas do sertão na flo-
resta amazônica era um grande chamariz para os estrangeiros
ocuparem o interior.
Outros elementos como o bandeirismo, a pecuária e a mine-
ração também “empurraram” a colonização para além do litoral.
Portanto, dois mecanismos caracterizam a expansão territorial
brasileira no período colonial: um externo (ameaça estrangeira),
que tomou o caráter militar e atingiu principalmente o Norte e
o Nordeste, e outro interno (pecuária, mineração, bandeirismo),
fazendo a colonização chegar ao Centro-Sul.
Detalharemos a seguir os principais elementos respon-
sáveis pela expansão territorial brasileira no período.

Drogas do sertão: as especiarias do Brasil

Durante as entradas e bandeiras, as drogas do sertão


(castanha-do-pará, gengibre, pimenta, cravo, cacau, baunilha,
castanha, urucum, guaraná e anil, entre outras) eram muito co-
biçadas pelos colonos. As “especiarias dos índios”, como os por-
tugueses as chamavam, valiam uma fortuna na Europa, tanto
pela sua importância culinária quanto terapêutica. Os jesuítas
estabeleceram missões na floresta amazônica e se encarregaram
da exploração das drogas do sertão, utilizando a mão-de-obra
indígena no plantio e na colheita das “especiarias”. Para conter o
avanço dos estrangeiros pela Amazônia na busca das drogas do

91
Aula 15 • A ocupação do interior no período colonial: uma viagem pelos caminhos históricos brasileiros

sertão, os portugueses estabeleceram que qualquer pessoa que


pretendesse entrar na região deveria ser acompanhada de um
padre jesuíta.
A economia das drogas do sertão trouxe consideráveis
lucros para a Coroa portuguesa, que procurou reprimir o seu
contrabando por rio (muitas vezes feito pelos próprios jesuítas).
Foi construído, na foz do rio Pará, o Forte do Presépio ou Forte
do Castelo, em 1616, o marco histórico da fundação da cidade de
Belém, que foi reconstruído e reformado várias vezes ao longo
da história. Hoje é um importante atrativo turístico da cidade,
tombado em 1962 pelo IPHAN e restaurado em 2002.

Pecuária

A pecuária foi um dos fatores mais importantes para a ocu-


pação do território brasileiro, pois realizou a proeza de ignorar o
espaço, nas palavras de um dos mais importantes historiadores
brasileiros, Caio Prado Júnior. Para você ter uma idéia da importân-
cia da pecuária na produção da colônia, as atividades econômicas
brasileiras estavam distribuídas no território da seguinte forma: na
faixa litorânea concentrou-se a agricultura, com destaque para a
produção de açúcar; no extremo norte havia o extrativismo, espe-
cialmente das drogas do sertão; e no Centro-Sul, a principal ativi-
dade econômica era a mineração. As demais porções do território
brasileiro estavam destinadas à pecuária.
Apesar de sua imensa desorganização, a pecuária teve
um papel relevante quanto ao abastecimento da colônia. O seu
crescimento se deu de forma paralela à produção açucareira,
complementando a atividade agrícola de exportação.
Distinguiram-se três fases no desenvolvimento da pecuária.
Na primeira fase, no início da colonização, o gado era criado nos
engenhos. A sua produção era conjugada à produção de açúcar.
O gado bovino era utilizado no engenho como transporte, alimenta-
ção, couro e energia (nas moendas mais rústicas, os trapiches).

92
História e Turismo

Na segunda fase, ainda no século XVI, o crescimento da la-


voura de exportação, por um lado, e o aumento do gado, por outro,
exigiu a separação entre agricultura e pecuária. O proprietário
da lavoura continuava a ser o proprietário da fazenda de gado.
A criação ainda visava prioritariamente ao engenho.
Na terceira fase, a pecuária e a agricultura estavam comple-
tamente separadas e já não eram propriedades de um só dono.
Surgiu, então, a figura do proprietário de fazenda de gado. Para
resguardar os interesses dos senhores de engenho, uma Carta
Régia de 1701 proibia a pecuária a menos de dez léguas do litoral.
A criação de gado continuou a abastecer a costa, mas se tornou
uma atividade independente, penetrando no sertão nordestino.

O tropeirismo

Um outro movimento importante pelo interior do Brasil


foi o tropeirismo. Os tropeiros ou carreteiros eram responsáveis
pelo transporte do gado bovino e de seus derivados do Sul do
país até os grandes centros consumidores, como a região mi-
neradora no século XVIII. Faziam a ligação entre os cantões do
Brasil, tendo grande importância econômica, política e cultural
para o país.
Levavam pelos corredores do interior do Brasil não apenas
mercadorias, mas também notícias e ideais políticos; ajudaram a
fundar vários povoados, vilas e cidades e deixaram a sua marca
também na cultura do país; afinal, quem não gosta de um arroz-
de-carreteiro e de um feijão-tropeiro? Os dois pratos típicos da
culinária brasileira são uma criação dos homens que conduziam as
tropas de muares e cavalos pelos cantões do Brasil.

93
Aula 15 • A ocupação do interior no período colonial: uma viagem pelos caminhos históricos brasileiros

Atividade
Atende aos Objetivos 1 e 2
Rota dos Tropeiros: a história como inspiração para um novo
produto turístico
Acesse o site http://www.rotadostropeiros.com.br/ e desenvolva
as questões a seguir:
1.a. Qual a importância do tropeirismo para o desenvolvimento
do Brasil no período colonial?
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1.b. Indique qual a área de abrangência da Rota dos Tropeiros e


quais os seus principais atrativos.
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Comentário
A proposta aqui é apresentar a importância do tropeirismo para o
desenvolvimento da história brasileira, destacando a comercializa-
ção do gado e de seus derivados pelo país e relacionando-o à ativi-
dade turística contemporânea. A recente criação da Rota dos Tro-
peiros pela indústria do turismo e a sua transformação num produto
turístico, baseado num fato histórico de grande importância, é um
exemplo bem-sucedido da relação entre história e turismo.

O bandeirantismo ou bandeirismo

Durante três séculos, os bandeirantes percorreram o inte-


rior do país. Partiam de São Paulo em expedições que tinham
os seguintes objetivos: a. a caça aos índios para o trabalho es-
cravo (chamada de expedição de apresamento ou preação); b. o
serta-nismo de contrato, em que os bandeirantes eram contrata-
dos pelo governo ou particulares para esmagar tribos rebeldes,
perseguir escravos fugidos e destruir quilombos, sendo o mais

94
História e Turismo

importante o Quilombo dos Palmares, arruinado por Domingos


Jorge Velho em 1695; c. as bandeiras de busca de ouro, que vere-
mos mais adiante; d. as monções, que eram grandes expedições
fluviais com destino ao sertão, com objetivos comerciais e de po-
voamento. Partiam de São Paulo, geralmente iniciando pelo en-
tão límpido rio Tietê (conhecido como Velho Anhembi) e alcança-
vam o Mato Grosso do Sul. Por falar nisso, a Rota das Monções é
mais um novo produto turístico em formação e uma nova opção
de turismo histórico-cultural e também de ecoturismo.
Os bandeirantes paulistas foram retratados pela historiogra-
fia oficial como heróis nacionais. Sua representação iconográfica
reforça a imagem de homens destemidos e invencíveis, vestidos
em roupas imponentes, que combateram os “selvagens” e os
“bárbaros” índios, vistos como um obstáculo à civilização.
O avanço bandeirante em direção a área que pertencia à Es-
panha, de acordo com o Tratado de Tordesilhas, acabaria dando ao
Brasil, em meados do século XVIII, a configuração geográfica seme-
lhante à de hoje. O Tratado de Tordesilhas perdera o seu efeito. Veja
como a questão das fronteiras e limites brasileiros é extremamente
delicada, levando a diversos acordos diplomáticos que revelam a
complexidade das relações entre portugueses, brasileiros e espa-
nhóis em disputas pelo controle de um vasto território:
Tratado de Lisboa (1681) – os espanhóis devolvem a colônia de
Sacramento (atual Uruguai) que havia sido fundada pelos portu-
gueses em 1678.
Tratado de Utrecht (1713) – Sacramento continua português, mas
o atual Rio Grande do Sul fica nas mãos da Espanha.
Tratado de Madrid (1750) – Sacramento volta às mãos da Es-
panha e Sete Povos fica com os portugueses.
Tratado de El Prado (1771) – anula o de Madrid.
Tratado de Santo Idelfonso (1776) – a Espanha fica com Sacra-
mento e Sete Povos.
Tratado de Badajoz (1801) – finalmente Sacramento fica com a
Espanha e Sete Povos com os portugueses. Nesta troca, os índios
guaranis foram violentamente esmagados em suas missões por

95
Aula 15 • A ocupação do interior no período colonial: uma viagem pelos caminhos históricos brasileiros

portugueses e espanhóis nas guerras guaraníticas, onde os jesuí-


tas ficaram do lado dos índios.

A mineração – economia e sociedade do ouro

“Que a sede de ouro é sem cura, e por ela subjugados, os


homens matam e morrem,
ficam mortos, mas não fartos.”
(Cecília Meireles)

Depois da partida dos holandeses, o açúcar brasileiro entrou


numa crise brutal. A metrópole, endividada com a Inglaterra, a qual
tinha colaborado com a independência portuguesa em relação à Es-
panha, precisava com urgência de outro produto para comercializar
no mercado internacional.
A descoberta do ouro no interior do Brasil se deu no século
XVII pelos bandeirantes. Nesse primeiro momento, só foi encon-
trado ouro na beira dos rios (ciclo do ouro de lavagens), mas
no início do século XVIII foram despertadas as jazidas de ouro
e diamantes em Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso. Para a ex-
tração do ouro das minas foram utilizadas máquinas hidráulicas
sofisticadas e muitos escravos.
O novo eldorado atraiu enormes contingentes populacionais
para a região repleta de minas, dando origem a inúmeros povoa-
dos. Os mais prósperos eram transformados em vilas pela Coroa
portuguesa. Eram tantas as minas que o nome da região passou a
ser Minas Gerais. O Brasil tornou-se então o maior produtor mun-
dial de ouro e também de diamantes.
Os diamantes foram encontrados em 1729. A Coroa proibiu
a concessão de datas na região, que foi cercada e passou a ser
vigiada. Foi criado então o Distrito Diamantino, com sede no Ar-
raial do Tijuco (hoje Diamantina). Para evitar o contrabando, a
partir de 1739, o rei passou a conceder o direito de exploração
dos diamantes a um contratador (nobre de sua confiança, que
deveria entregar-lhe parte do que fora encontrado). Desde então,
a vigilância e a repressão sobre a região foram mais intensas,

96
História e Turismo

havendo, inclusive a pena de morte. O isolamento e a fome se


abateram sobre a maior parte da população.
O contratador mais famoso foi João Fernandes, com quem
a escrava Xica da Silva veio a se casar. Conta-se que ele morreu
mais rico do que o rei de Portugal. Quanto a Xica da Silva, sua
história é lembrada como um dos casos de mobilidade social, “de
escrava a rainha”, como anunciava o slogan da novela da extinta
Rede Manchete. Xica (ou Chica) tornou-se proprietária de muitos
escravos e foi sepultada no interior da Igreja de São Francisco de
Assis, o que era restrito apenas aos mais importantes membros
da sociedade. A sua casa é um dos principais atrativos da cidade
e a sua receita favorita, o xinxim da Xica é uma das iguarias mais
procuradas pelos turistas.
Diante da abundância de riquezas da região mineradora,
a metrópole adotou uma série de medidas restritivas para con-
trolar a produção e o escoamento do ouro. Em 1702 foi criada
a Intendência das Minas. Haveria uma delas para cada capita-
nia onde houvesse mineração. Através das Intendências eram
distribuídas as datas (áreas de garimpo). Quem encontrasse o
cobiçado metal era obrigado a comunicar o fato imediatamente
à Intendência. A área era loteada e as datas distribuídas, benefi-
ciando quem tivesse o maior número de escravos. Entretanto, a
Coroa não conseguiu evitar o contrabando do ouro e de diaman-
tes. Quem nunca ouviu falar nos famosos santos do pau oco?
Tentando evitar o contrabando, a Coroa criou, em 1719,
as Casas de Fundição. Estava proibido ter ouro em pó ou em
pepitas. Todo o ouro tinha que ser fundido e transformado em lin-
gotes, selados pelas casas, que, além disso, cobravam o quinto,
um dos vários impostos cobrados por Portugal para se apropriar
da maior parte do ouro que escorria do Brasil. De cada quanti-
dade de ouro que iria ser exportado, 20% (um quinto) eram pa-
gos como imposto à Coroa.

97
Aula 15 • A ocupação do interior no período colonial: uma viagem pelos caminhos históricos brasileiros

Para garantir a arrecadação do quinto, a Coroa aumentou


a opressão fiscal. Foram criados novos impostos: na entrada da
região das Gerais ficavam os registros, onde havia uma espécie
de pedágio; foi instituído o imposto de capitação, a ser pago por
todos que viviam na região.
Portugal passou a exigir que, no mínimo, 100 arrobas (1.500
quilos) fossem mandadas por ano para a metrópole. De 1740 a
1760, a produção colonial atingiu o seu apogeu, e era fácil cumprir
essa cota. A partir de então, a mineração começou a decair e daqui
iam quantidades menores que 100 arrobas. A não-complementação
dessa cota ficava convertida em impostos atrasados que Portugal
poderia cobrar a qualquer instante, por meio da temida derrama
(confisco dos bens).
O crescente esgotamento das lavras, a ameaça da derrama,
o arrocho fiscal e as influências políticas e filosóficas dos Estados
Unidos e da Europa estimularam uma série de revoltas cujo lema
era a liberdade e a autonomia dos povos. A colônia pega fogo!
O ciclo da mineração provocou uma grande reviravolta na
economia colonial, alterando o eixo econômico do litoral (que
produzia açúcar) para o interior. Todas as atenções estavam
voltadas para a região das minas, que passou a ser a base de sus-
tentação de Portugal. A região tornou-se tão importante política e
economicamente que, em 1763, a sede administrativa da colônia
foi transferida de Salvador para o Rio de Janeiro, mais próximo
da área mineradora.
A produção interna se dinamizou bastante para atender às
necessidades da região aurífera, cuja economia estava baseada
no extrativismo mineral e eram muito difíceis as condições para a
produção agrícola na região. Do Nordeste vinha o gado, que ser-
via para a alimentação, vestuário e transporte de minérios e do
Sul, além do gado também vinha o charque. A região das minas,
portanto, provocou uma integração com as demais regiões con-
quistadas pela expansão dos bandeirantes. Contudo, o restante
da colônia sofreu com o desabastecimento e a alta de preços.

98
História e Turismo

Na área mineradora, surgiram as camadas médias da so-


ciedade, formadas por intelectuais, profissionais liberais, comer-
ciantes, funcionários públicos, artesãos, padres, militares e outros.
Entretanto, a força de trabalho do escravo ainda era a principal
fonte de sustentação da economia colonial.
Toda a exuberante riqueza produzida nas Minas Gerais ser-
viu para financiar a Revolução Industrial inglesa. Para compensar
o enorme déficit na balança comercial com a Inglaterra, especial-
mente por conta do desvantajoso Tratado de Methuen, no qual
Portugal comprava caríssimos tecidos ingleses e vendia seus
vinhos por preços bem mais baixos, os lusitanos saldaram os
seus compromissos com o ouro e o diamante do Brasil. Ou, nas
palavras do célebre escritor Eduardo Galeano, “O ouro deixou
buracos no Brasil, palácios em Portugal e fábricas na Inglaterra”.
O prejuízo social (caracterizado principalmente pela exploração
do trabalho escravo, pelo extermínio dos indígenas com a vio-
lenta ação dos bandeirantes, pela fome generalizada devido à
quase inexistência de produção agrícola na região mineradora),
e o prejuízo ambiental (provocado pela exploração dos recursos
minerais até a sua quase extinção e pelos impactos da concentra-
ção populacional na região), jamais seriam recuperados.

A Inconfidência Mineira e o culto à memória


de Tiradentes

Vimos que nas Minas Gerais a opressão colonial era in-


tensa, mesmo com os sinais de esgotamento das minas. Com
a ameaça da derrama, isto é, a cobrança violenta de impostos
atrasados, uma revolta na região já era previsível. Em 1789, um
grupo de padres, militares e intelectuais imaginou uma Repúbli-
ca proclamada em Minas Gerais, totalmente desligada da Coroa.
Criariam uma Universidade, dariam pensão a famílias numero-
sas, mas não tocariam num problema fundamental: a escravidão,
base da economia colonial, ficaria intacta, pois o movimento era

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Aula 15 • A ocupação do interior no período colonial: uma viagem pelos caminhos históricos brasileiros

formado a partir de grandes proprietários, que não estavam dis-


postos a abrir mão de seus privilégios.
Como estudado na Aula 6, a Declaração de Independência
Americana influenciou os inconfidentes. Não apenas nos ideais
de liberdade, mas também na manutenção da escravidão.
O movimento da Inconfidência Mineira foi debelado pela Coroa e
os grandes latifundiários, comerciantes e outros envolvidos que
tinham “costas quentes” foram degredados, isto é, forçados a
viver fora do Brasil nas colônias portuguesas na África.
A pena capital recaiu sobre Joaquim José da Silva Xavier,
o Tiradentes, o único participante popular da Inconfidência Mi-
neira. Este passou três anos incomunicável numa masmorra e,
a 21 de abril de 1792, foi martirizado numa forca instalada no
campo da Lampadosa (atual Praça Tiradentes, no Rio de Janeiro).
Foi decapitado e esquartejado, tendo a sua cabeça exposta em
Vila Rica e os outros membros pendurados em postes espalha-
dos pelo Caminho Novo do Ouro, nas seguintes localidades: Ce-
bolas (freguesia de Paraíba do Sul), Varginha (entre Conselheiro
Lafaiete e Ouro Branco), Borda do Campo (atual Barbacena) e
Bananeiras ou Bandeirinhas (próxima a Lafaiete). Foi jogado sal
na casa onde vivia, para que nenhuma planta nascesse no local,
buscando banir qualquer forma de lembrança do inconfidente,
termo que significa não digno de confiança, traidor.
Entretanto, já na República, numa construção da história
oficial do século XIX, a figura de Tiradentes, que havia sido es-
quecida, foi transformada num herói da jovem nação brasileira,
ainda em formação. O inconfidente foi alçado à condição de
símbolo da luta pela liberdade e contra a opressão da Coroa e
transformado num mito. Sua imagem freqüentemente é associa-
da à imagem de Cristo martirizado aos pés da cruz, sendo visto
como aquele que se sacrificou para salvar o Brasil do domínio
português (embora a historiografia crítica hoje considere que a
Inconfidência Mineira priorizava os interesses econômicos dos
participantes, mantendo, inclusive a escravidão, como visto an-
teriormente). É representado na iconografia num manto branco e

100
História e Turismo

imaculado, cabeludo e barbado, numa referência direta a Cristo,


sendo que é sabido que barba e cabelos dos condenados eram
raspados antes da execução. E o que dizer do manto branco e
imaculado representando as vestes de um condenado?
Em homenagem aTiradentes foi atribuído o feriado nacional
de 21 de abril, data em que foi executado em 1792; a Vila de São
José, onde viveu o inconfidente e que é uma das mais importantes
cidades históricas mineiras, passou a ser chamada de Cidade e
Município de Tiradentes, logo nos primeiros meses da República,
em 1889; tornou-se patrono da Polícia Militar do Rio de Janeiro;
a cadeia pública em que esteve preso aguardando julgamento
(onde, em 1922, foi construída a imponente sede da Câmara Fe-
deral e atual Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro)
recebeu o nome de Palácio Tiradentes; a Praça da Lampadosa
(que leva o nome da igreja onde Tiradentes assistiu a sua última
missa antes do martírio) também foi rebatizada em homenagem
ao herói republicano. Essa memória e o patrimônio remanescente
do período da prisão e da execução no Rio de Janeiro são hoje ob-
jeto de interesse turístico, existindo, inclusive, um roteiro turístico
carioca denominado “Os passos de Tiradentes”.

Cidades históricas de Minas Gerais

Nunca é demais ressaltar a importância das cidades históricas


mineiras para o turismo. Esse tema, inclusive, você irá discutir com
mais profundidade na disciplina Turismo e Patrimônio.
No século XVIII, como vimos, todas as atenções estavam
voltadas para a região mineradora, cujo patrimônio é de ines-
timável valor cultural. Ouro Preto, Diamantina, Mariana, Tiradentes,
Congonhas, São João del Rei e Sabará, entre outras, reúnem um
fantástico acervo formado por edificações em estilo colonial,
igrejas barrocas ricamente ornamentadas, edifícios públicos
(como as casas de câmara e cadeias e os palacetes), pontes, cha-
farizes, construções em pedra, museus, casas dos inconfidentes,
minas abertas à visitação pública, ruas estreitas, com o famoso

101
Aula 15 • A ocupação do interior no período colonial: uma viagem pelos caminhos históricos brasileiros

calçamento pé-de-moleque, compõem o riquíssimo patrimônio


material da região. Também as festas populares remanescentes
do período colonial, a religiosidade popular (você já ouviu falar
nas celebrações da Semana Santa em Ouro Preto?), crenças,
costumes, culinária, passeios de maria-fumaça e tantos outros
legados fazem parte do patrimônio cultural dessas cidades e
justificam o grande fluxo turístico na região. Não nos esqueça-
mos também do patrimônio natural, com belos parques, como
o Parque Estadual de Itacolomi, entre Ouro Preto e Mariana, ca-
choeiras e mirantes com paisagens deslumbrantes.
As obras atribuídas ao Mestre Aleijadinho e a Manoel da
Costa Ataíde são por si só bons motivos para valer a visita às
cidades históricas mineiras. Constituem um estilo singular do
barroco tardio, denominado barroco mineiro, que revela carac-
terísticas próprias da sociedade local, como a abundância do
ouro e a mestiçagem, representada por anjos mulatos pintados
nas suntuosas igrejas.
Para se ter uma idéia da importância cultural das cidades
históricas mineradoras, Ouro Preto, o Santuário de Bom Jesus
de Matosinhos, em Congonhas, o Centro Histórico da Cidade de
Diamantina, todas em Minas Gerais, e o Centro Histórico da Ci-
dade de Goiás (também conhecida como Goiás Velho), no estado
de Goiás, fazem parte da seleta lista de Patrimônios da Humani-
dade, título conferido pela Unesco.

102
História e Turismo

Figura 15.1: Os doze profetas, esculpidos em pedra-sabão pelo Mestre


Aleijadinho, fazem parte do patrimônio do Santuário de Bom Jesus
dos Matosinhos, na cidade de Congonhas do Campo, considerado Pa-
trimônio da Humanidade pela Unesco.
Fonte: Wikipedia (domínio público).

A mais importante das cidades históricas mineiras é Ouro


Preto. Antiga Vila Rica de Albuquerque, ou simplesmente Vila
Rica, foi capital da província de Minas Gerais e sede do governo,
sendo considerada por muito tempo a cidade mais rica do Brasil.
Por essa razão, o casario colonial é exuberante e as igrejas bar-
rocas da cidade são ricamente decoradas, com destaque para a
Igreja Matriz de N. Senhora da Conceição e a Igreja de S. Fran-
cisco de Assis, refletindo o poderio econômico da cidade. Além
disso, as irmandades competiam para terem a igreja mais sun-
tuosa como signo de poder.
A importância de Ouro Preto foi reconhecida pelo Governo
Vargas quando, em 1933, foi considerada Cidade Monumento
Nacional e iniciou-se o processo de restauração da cidade. Em
1937, com a criação do então SPHAN (Serviço do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, atual IPHAN) a cidade foi tombada,
representando a primeira iniciativa de tombamento de bens pú-
blicos no Brasil.

103
Aula 15 • A ocupação do interior no período colonial: uma viagem pelos caminhos históricos brasileiros

Entretanto, o título de Patrimônio da Humanidade, con-


cedido pela primeira vez pela Unesco a uma cidade brasileira,
em 1980, pode ter os seus dias contados. Técnicos dessa agência
da ONU alertam para a possibilidade da perda do título de Ouro
Preto por conta das inúmeras irregularidades provocadas pela
falta de uma política de planejamento urbano. Ocupações desor-
denadas, obras irregulares e o trânsito de veículos de passeio e
de carga ameaçam o rico patrimônio edificado no século XVIII.
Além disso, ocorrem também nas cidades históricas mineiras o
roubo contínuo das obras sacras, incêndios criminosos e a ação
de vândalos, trazendo grandes prejuízos à sociedade brasileira.

Cinemania

104
História e Turismo

Chico Rei
Direção: Walter Lima Jr., Brasil, 1985 (115 min.). Drama histórico.

O premiado filme de Walter Lima Jr. é baseado nas obras de Cecília


Meireles e de Mário Prata. Conta a história de Galanga, o rei do Congo,
que, no século XVIII, é capturado e vendido no Brasil como escravo.
Galanga, conhecido entre os demais escravos como Chico Rei, recebeu
o nome cristão de Francisco, que também é dado à maior parte dos es-
cravos batizados por um padre, o narrador da história, o que evidencia
o papel da Igreja no tráfico e na própria captura e comércio do escravo
ainda na África.
Chico Rei vai trabalhar nas minas de ouro de Vila Rica (atual Ouro
Preto), compra a sua própria alforria e torna-se o primeiro negro
proprietário de mina. O filme mostra as estratégias dos negros de
camuflar pequenas pepitas de ouro no corpo, a severa vigilância so-
bre os escravos nas minas, a comercialização do cativo no mercado,
onde se observavam dentes e textura da pele, os leilões de escravos,
as condições de viagem nos navios negreiros, o importante papel
das irmandades (associações de ajuda mútua) na compra da alforria
dos negros, a religiosidade e o sincretismo, a vida nos quilombos, a
repressão da metrópole, as revoltas populares contra a rígida política
portuguesa, entre outros importantes aspectos da história do período
da mineração no Brasil.

105
Aula 15 • A ocupação do interior no período colonial: uma viagem pelos caminhos históricos brasileiros

Atividade
Atende ao Objetivo 2
Você já visitou alguma cidade histórica mineira? Em caso posi-
tivo, destaque os atrativos históricos que mais lhe chamaram a
atenção, justificando a sua escolha. Em caso negativo, vá direto
para a questão 2.b.

2.a. Na sua avaliação, qual a importância de uma cidade possuir


o título de Patrimônio da Humanidade e quais as conseqüências
da possível perda desse título?

____________________________________________________________
____________________________________________________________

2.b. Apresente sugestões para minimizar os problemas enfrenta-


dos na cidade de Ouro Preto.

____________________________________________________________
____________________________________________________________

Comentários
Propomos uma reflexão sobre o status conferido pela Unesco às
cidades históricas brasileiras consideradas Patrimônio da Humani-
dade, relacionando-o à atividade turística. Você pode levar em conta
a importância do referido título para a valorização da identidade das
comunidades envolvidas; para o turismo e para o Brasil.
Na última parte da questão, buscamos a aplicação prática das suas
idéias para a preservação do patrimônio histórico da cidade de Ouro
Preto e para a manutenção da atividade turística na cidade.

Estrada Real: todos os caminhos levam ao


turismo

A Estrada Real vem sendo badalada nas feiras, eventos


e na mídia como um dos mais novos e interessantes produtos
turísticos brasileiros. Pelos seus caminhos circulou boa parte da
produção agrícola e do ouro brasileiro no século XVIII, concen-
trando as maiores riquezas econômicas do país naquela região.

106
História e Turismo

Um grande fluxo de pessoas em busca do sonho da riqueza,


tropeiros que forneciam mercadorias para as Gerais, escravos e
aventureiros percorriam os caminhos do ouro na esperança de
melhores dias.
Ao longo da Estrada Real, em seus vários caminhos
que levam às minas, formaram-se núcleos populacionais, que
rapidamente cresciam pelo intenso número de forasteiros que se
deslocavam para a região. Isso provocou um grande desequilí-
brio econômico e populacional em relação às demais regiões do
país, inchando a região das Gerais e onerando os preços, o que
fez a fortuna de muitos produtores e mercadores. Como vimos,
o crescimento populacional e econômico da região fez surgirem
povoados que logo se tornaram vilas, com importantes edifica-
ções em estilo barroco que hoje são consideradas um patrimônio
de todos os brasileiros.
A Estrada Real é formada por mais de 1.400 quilômetros
e abrange parte dos caminhos do ouro do século XVIII, sendo os
principais:
Caminho Velho (Estrada Velha): foi criado pelos bandeiran-
tes e ligava a capitania de São Paulo à região mineradora, pas-
sando pelo município de Cunha, em São Paulo; Paraty, no litoral
do Rio de Janeiro; São João del-Rei e Tiradentes.
Caminho Novo: ligando o porto da Vila de Estrela (atual mu-
nicípio de Magé) a Ouro Preto, passando pela região das atuais
Baixada Fluminense, Petrópolis, Juiz de Fora e Barbacena. Do
porto da Vila de Estrela, situado no fundo da Baía de Guanabara,
o ouro seguia em embarcações até o Porto dos Mineiros (o Porto
da Praça XV) e de lá era transportado em navios para Portugal.
Caminho dos Diamantes: foi instituído pela Coroa portu-
guesa como o caminho oficial que ligava Vila Rica (atual Ouro
Preto) ao Arraial do Tijuco (atual Diamantina), em Minas Gerais.
Entre os outros caminhos conhecidos, citamos o Caminho
do Sabarabuçu, uma variante do Caminho Velho, que ligava o

107
Aula 15 • A ocupação do interior no período colonial: uma viagem pelos caminhos históricos brasileiros

município de Catas Altas a Vila Rica, passando por Sabará, e o


Caminho da Bahia por onde chegavam as mercadorias que de lá
eram levadas até as Minas Gerais.
Todos os caminhos levavam a Ouro Preto, isto é, Vila Rica,
como era conhecida, era o centro de convergência da Estrada Real.

Diamantina
São Gonçalo do Rio das Pedras
Serro
Itapanhoacanga

MG Conceição do Mato Dentro


Morro do Pilar
Itambé do Mato Dentro
Senhora do Carmo
Ipoema
Caeté Bom Jesus do Amparo
Sabará Cocais
Barão de Cocais
Raposos
Santa Bárbara
Rio Acima Catas Altas
Acurui Mariana
Joaquim Murtinho Ouro Preto
São Brás do Suaçui Ouro Branco
Entre-Rios de Minas Conselheiro Lafaiete ES
Lagoa Dourada Cristiano Otoni
Carandaí
São João Del Rey Ressaquinha
Barbacena
Antônio Carlos
Carrancas Santos Dumont
Traítuba Ewbank da
Cruzília Câmara Juiz de Fora
Caxambu
Caetés RJ
Baependi Matias Barbosa
Simão Pereira
Pouso Alto Paraibuna
Itanhandu Paraíba do Sul
Secretário Itaipava
Passa-Quatro
Petrópolis
Cruzeiro
Cachoeira Paulista Porto Estrela
Lorena
Guaratinguetá Rio de Janeiro
SP
Cunha
Paraty

Figura 15.2: Caminho Velho (à esquerda, iniciando em Paraty) e Novo


(à direita, partindo da cidade do Rio de Janeiro).
Fonte: www.estradareal.org.br

108
História e Turismo

A turistificação da Estrada Real

Em 1999, através de uma lei estadual, foi criado o Progra-


ma de Incentivo ao Desenvolvimento da Estrada Real, sendo a
Turminas (Empresa Mineira de Turismo) e o Conselho Consultivo
da Estrada Real os seus gestores. Nesse mesmo ano, foi fundado
o Instituto Estrada Real, gerido pela Federação das Indústrias de
Minas Gerais, que assumiu os trabalhos desse que foi conside-
rado o maior programa turístico em desenvolvimento no Brasil.
O circuito Estrada Real inclui 162 municípios mineiros; 7 de São
Paulo e 8 municípios do Rio de Janeiro.
O programa envolve atividades de planejamento, formata-
ção e lançamento do novo produto turístico, incluindo a sensibi-
lização e a capacitação das comunidades envolvidas, com a sua
produção associada ao turismo. Um programa de grande fôlego
que visa a incrementar o fluxo de turistas na região, gerar em-
prego e renda e valorizar o patrimônio natural, histórico e cultural
compreendido nos municípios que fazem parte da Estrada Real.
Um dos aspectos da gestão turística da Estrada Real é o de-
senvolvimento de roteiros temáticos, oferecidos em pacotes ne-
gociados junto às agências credenciadas. Destacamos o roteiro
pedagógico “De Tiradentes a Ouro Preto”, onde os estudantes
conhecem a pé o patrimônio e a história de Tiradentes, São João
Del Rei, Ouro Preto e Mariana, visitam o Santuário de Bom Je-
sus de Matosinhos, em Congonhas, entre outras atividades que
incluem até uma oficina de artesanato em pedra-sabão. Embora
sejam comuns as excursões pedagógicas organizadas por esta-
belecimentos de ensino de várias partes do país para as cidades
históricas mineiras, o que há de especial neste e noutros roteiros
temáticos da Estrada Real é a articulação de uma rede de equipa-
mentos, produtos e serviços turísticos, conformando o produto
turístico e fortalecendo a marca “Estrada Real”.
Muitas críticas surgiram a partir do lançamento da Estrada
Real como um produto turístico. Para vários especialistas, foi pre-
cipitada a oferta do produto e todo o marketing realizado, uma vez

109
Aula 15 • A ocupação do interior no período colonial: uma viagem pelos caminhos históricos brasileiros

que ainda lhe faltam infra-estrutura de apoio ao turismo, equipa-


mentos e serviços adequados, além do mau estado de conservação
dos atrativos. Conforme Guerra, Oliveira e Santos (2003, p. 31):

Se for levada a cabo a maneira como está sendo trabalhada,


atualmente, a formatação desse produto e sua maciça divul-
gação prematura sem os cuidados e o planejamento devidos e
sem o compromisso com a sustentabilidade e sua exploração
no futuro, corremos o risco de atrairmos turistas, seduzidos
pela promessa de um gigantesco e supostamente bem estru-
turado projeto turístico, que ficarão frustrados com as diversas
deficiências que se apresentam em todo o percurso.

Apesar das críticas, registra-se um considerável aumento


do número de turistas nacionais e estrangeiros, especialmente
ingleses e franceses, seduzidos pelo intenso marketing turístico
da Estrada Real e atraídos pelos caminhos, igrejas, fazendas, en-
genhos, manifestações da cultura popular e atrativos naturais,
aumentando a taxa de ocupação dos hotéis e pousadas da região
e movimentando a economia dos municípios em questão.

Os (des)caminhos do ouro: um exemplo do


abandono e do desperdício de um importante
recurso turístico no estado do Rio de Janeiro

Dentre as obras públicas mais significativas realizadas pe-


los escravos do “sertão” (interior) junto com outros “sertanejos”
brancos empobrecidos e homens negros livres, está a construção
de caminhos pioneiros rumos às minas de ouro. O Rio de Janeiro
era região estratégica em virtude de possuir o porto mais próxi-
mo das Minas Gerais. Coube a Garcia Pais, filho do bandeirante
Fernão Dias, a responsabilidade de abrir uma estrada alternativa
à existente, com o trajeto mais curto, ligando o planalto mineiro
ao Porto do Pilar, descendo o Rio Iguassu até a Corte.
O primeiro caminho do ouro, que passava por Paraty, até
então o principal escoadouro do cobiçado metal, e chegava a
Taubaté, era repleto de riscos e levava até três meses para se

110
História e Turismo

completar o trajeto. O Caminho Novo da Estrada Real, conhecido


também como Caminho de Garcia Pais, Caminho do Couto ou
Caminho do Pilar, ligava a cidade de São Sebastião do Rio de
Janeiro à Vila Rica e levava 15 dias para ser percorrido. Abrangia,
entre outros, os atuais municípios de Diamantina, Ouro Preto,
Juiz de Fora, Petrópolis, passando pela muralha da Serra do Mar,
seguindo pelos atuais municípios da Baixada Fluminense, à épo-
ca freguesias, (entre elas, a de Nossa Senhora do Pilar, uma das
mais importantes de toda a colônia) até a Baía de Guanabara.
Em 1724, foi construída uma variante do Caminho de
Garcia Pais, chamada oficialmente de Atalho do Caminho Novo,
mais conhecida como Caminho de Inhomirim ou Caminho do
Proença, mais curta e mais adequada aos interesses da Coroa
portuguesa, que passou a adotá-la como caminho oficial. O ouro
era levado até o Porto de Estrela, o marco zero da Estrada Real,
mas que não tem o mesmo glamour nem o tratamento dado ao
atual trecho de Minas Gerais, transformado recentemente em
produto turístico (mesmo que sejam conhecidas as suas críticas,
conforme vimos anteriormente). Do Porto de Estrela, a produção
aurífera era transportada pela Baía de Guanabara até o Porto dos
Mineiros (atual Porto da Praça XV). O Porto de Estrela, que já
foi próspero e movimentado, hoje se resume apenas a algumas
poucas pedras do cais.
O Caminho do Proença (ou Caminho de Inhomirim) leva
o nome de um próspero fazendeiro da região, responsável pela
abertura dessa via alternativa, seguindo a trilha dos índios e evi-
tando as íngremes subidas de Xerém, que representavam um
grande risco para quem percorresse o Caminho de Garcia Pais.
Por ali escoou a maior parte do ouro da colônia, tendo havido
um grande fluxo de tropeiros, caixeiros, aventureiros e escravos
fugitivos (havia inclusive quilombos nos arredores, sustentados
pelo tráfico de lenha e pela cobrança de pedágio dos viajantes).
Eram freqüentes os ataques aos passantes, fazendo aumentar o
controle e a repressão da Coroa sobre essa importante região,
que se tornou o elo entre as minas e o porto do Rio de Janeiro,

111
Aula 15 • A ocupação do interior no período colonial: uma viagem pelos caminhos históricos brasileiros

de onde o ouro seguiria para Portugal. Esse movimento aumen-


tou consideravelmente a economia do Rio de Janeiro, àquela
altura o mais importante núcleo econômico do país, justificando
a transferência da capital em 1763.

Maria Conceição Rosa


Figura 15.3: Caminho do Inhomirim (Caminho do Proença). Trecho pró-
ximo à Fazenda da Mandioca, em Magé.
Fonte: http://www.ipahb.com.br/turismo_mage.php#inho

Outro caminho histórico aberto na Baixada Fluminense é o


Caminho do Tinguá (1767), que também ligava a Corte (o Rio de
Janeiro) às Minas Gerais. Todos esses caminhos do ouro provo-
caram um intenso tráfego de animais e pedestres pela Baixada,
sem contar o volume de ouro e pedras preciosas que por ali pas-
saram, fazendo a festa de ladrões, “salteadores” e de escravos
fugidos, consolidando a região como importante rota de passa-
gem e ajudando a caracterizá-la (como até hoje se mantém) como
uma região plural, de identidades e culturas múltiplas, marcada
pela presença de pessoas das mais variadas procedências.
Nas imediações do Caminho do Ouro, nas antigas fregue-
sias da Baixada Fluminense, encontravam-se importantes igrejas
barrocas, como a de Nossa Senhora do Pilar, de 1767, que é con-

112
História e Turismo

siderada uma das igrejas mais importantes do período colonial.


Seus altares destacam-se pela beleza do entalhe e da pintura
a ouro, semelhante aos das igrejas barrocas de Minas Gerais.
É tombada pelo IPHAN desde 1938, mas o descaso e o abandono
facilitaram a ação de vândalos, danificando a construção e
fazendo com que boa parte do rico acervo de imagens sacras
dessa e de outras igrejas do barroco tardio existentes na região
da Baixada se perdesse. Em 2006, a igreja, quase em ruínas, foi
restaurada e recebeu um projeto de iluminação especial, au-
mentando ainda mais a sua atratividade para o turismo.
Para se ter uma idéia da importância das igrejas barrocas
da Baixada Fluminense, em 2000 foi realizada na Casa França-
Brasil, no Centro do Rio de Janeiro e, posteriormente, no Sesc de
Nova Iguaçu, a exposição Devoção e Esquecimento – Presença
do Barroco na Baixada Fluminense. A exposição reuniu imagens
sacras que faziam parte do acervo das igrejas da região. A maio-
ria das obras era feita em barro e madeira de belíssima talha, al-
gumas com uma temática extremamente rara, como é o caso da
imagem de São Sebastião Índio (século XVIII), de Nossa Senhora
da Conceição Menina (século XVII) e de São Benedito das Flores
(séculos XVIII/XIX).
Um outro caminho aberto por escravos foi o Caminho do
Comércio (1822), a primeira via aberta no Brasil para escoar a
produção de café do interior do país. Este passava pela Serra do
Tinguá (Nova Iguaçu), levando o produto vindo do Vale do Paraíba
(sul do estado do Rio de Janeiro) até o porto no Centro do Rio.
Com a prosperidade da região, motivada pela intensa mo-
vimentação econômica gerada pelos caminhos, pela expressiva
produção agrícola que abastecia também a região das minas e
pelo surto cafeeiro, na primeira metade do século XIX, foram
criadas três importantes vilas: a Vila de Iguassú (1833 – mais tarde
o nome mudaria para Iguaçu), a Vila de Magé (1857) e a Vila Es-
trela (1846), cujo porto, como vimos, foi o mais movimentado do
país durante o Brasil colônia, escoando o ouro das Minas Gerais.
Não nos esqueçamos também do Porto de Guia de Pacobaíba – o

113
Aula 15 • A ocupação do interior no período colonial: uma viagem pelos caminhos históricos brasileiros

Porto Mauá – em Magé, construído durante o Império por Irineu


Evangelista de Souza, em 1854, para escoar a produção cafeeira
até o Rio de Janeiro, conforme estudamos na Aula 5. Um outro
detalhe que atesta a importância histórica do local é que foi no
rio Inhomirim, que dá nome ao Caminho, que circulou o primeiro
barco a vapor no Brasil.
Os caminhos foram fundamentais até a instalação da estrada
de ferro, unindo a Baixada a Petrópolis, em 1883, quando foram
sendo aos poucos desativados. Hoje, os caminhos encontram-se
fechados pelas matas, exceto em alguns poucos trechos, onde
ainda se pode ver o calçamento original, conversar com alguns
moradores descendentes de escravos e de colonos, com suas
memórias muito difusas sobre a importância do lugar, vivendo, na
maioria dos casos, em condições extremamente precárias.
Como vimos, a história do Brasil passa pela Baixada Flumi-
nense. A questão da preservação e conservação do patrimônio na
Baixada está apenas engatinhando. Fundamental para a memória
e a construção de uma identidade local, de um sentimento de
pertencimento e de valorização, boa parte do que restou desse
patrimônio, que é do povo, está guardado em poder de institui-
ções e de particulares, pois as igrejas da região, em sua maioria,
sofrem com o estado de abandono e nem de longe representam
a importância que têm.
Acrescenta-se ao rico patrimônio histórico-cultural da Baixa-
da Fluminense o patrimônio ambiental, onde se destaca a Reserva
Biológica do Tinguá, localizada no município de Nova Iguaçu e
considerada a maior porção de Mata Atlântica nativa do Rio de
Janeiro, com uma exuberante biodiversidade, por onde também
passa a Estrada Real do Comércio ou Caminho do Comércio. Esse
tipo de Unidade de Conservação (UC) não é aberto à visitação
pública, embora seja freqüente a presença de pessoas que caçam
espécies ameaçadas de extinção ou derrubam palmeiras, para a
extração do palmito, e outros tipos de árvores. Seu entorno, en-
tretanto, é um convite ao descanso e ao desfrute da natureza, ideal
para o turismo ecológico e para o turismo histórico. Embora haja

114
História e Turismo

algumas iniciativas ainda muito preliminares de atividade turística


na região, falta ainda a infra-estrutura necessária para o desen-
volvimento do turismo em Tinguá e na Baixada como um todo.
Uma intervenção coletiva, a partir do diálogo democrático
entre o poder público, a iniciativa privada e a sociedade civil
organizada, pode, a partir do turismo de base local, em con-
junto com ações que promovam a melhoria da infra-estrutura da
região, contribuir para o desenvolvimento integral da Baixada,
recuperando a sua memória, a sua história, o seu patrimônio e a
sua auto-estima.

Maria Conceição Rosa

Figura 15.4: É crescente o interesse público pelo patrimônio histórico-


cultural da Baixada. Na cena, grupo visita as ruínas da Casa das Três
Portas, onde funcionava a Casa de Câmara e a Cadeia Pública (1846) da
outrora próspera Vila da Estrela, atual Magé. No local, estiveram os in-
confidentes quando foram levados para julgamento no Rio de Janeiro.

Atividade
Atendem aos Objetivos 1 e 2
3.1. Assista ao vídeo turístico promocional da Estrada Real no You-
tube, o site de compartilhamento público de vídeos na internet
(http://br.youtube.com/watch?v=eK3UBjUqS8M) e acesse o site
oficial da Estrada Real (http://www.estradareal.org.br/).

115
Aula 15 • A ocupação do interior no período colonial: uma viagem pelos caminhos históricos brasileiros

Na sua opinião, quais são os pontos fortes do produto turístico


Estrada Real?
3.2. Acesse o site http://www.ipahb.com.br/turismo_mage.php, ana-
lise as fotografias e avalie as condições em que se encontra boa
parte do rico patrimônio histórico-cultural da Baixada Fluminense.
3.3. Elabore duas sugestões viáveis para o aproveitamento
turístico do patrimônio da região.

Comentários
Na questão 3.1, espera-se que você avalie cuidadosamente as prin-
cipais características do produto turístico Estrada Real, destacando o
que julgar mais importante para o sucesso do empreendimento.
No segundo item desta atividade, você irá desenvolver a sua capacida-
de de análise histórica, relacionando-a aos conhecimentos de turismo,
em que deverá propor, na questão 3.3, duas sugestões concretas para o
crescimento da Baixada Fluminense através da atividade turística. Leve
em consideração a importância do desenvolvimento da infra-estrutura
de apoio, de equipamentos e de serviços turísticos para a região. Um
bom parâmetro de comparação são os investimentos realizados na
porção mineira da Estrada Real em contraste com os trechos flumi-
nenses dos caminhos do ouro.

Resumo
Discutimos nesta aula o processo de ocupação do interior do país
ao longo dos séculos XVII e XVIII, sua importância histórica e o
seu aproveitamento ou desperdício turístico. Destacamos o ban-
deirantismo, sua penetração no interior e as conseqüências para
os indígenas; as atividades mineradoras no Centro-Sul; o extrati-
vismo no Norte e a produção agropecuária no Sul e no Sudeste.
Como visto, existem muitos recursos ou atrativos turísticos já
consolidados no interior do Brasil, que fazem do país muito mais
do que um destino de Sol e Mar. A nossa rica história é ao mesmo
tempo, uma fonte de reflexão para conduzirmos os rumos da nos-
sa sociedade atual e um extraordinário recurso para o turismo.

116
16 A transferência da Corte portuguesa para o
Brasil e o seu legado cultural

Meta da aula
Discutir o período joanino, sob a ótica da nova historiogra-
fia, e suas relações com a prática turística no Brasil.

Objetivos
Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:

1 analisar as novas contribuições da historiografia crítica


a respeito do período joanino no Brasil, questionando
diversas idéias cristalizadas sobre o tema;

2 relacionar o importante legado deixado pela presença


da Corte portuguesa no Brasil à atividade turística.

Pré-requisito
Para melhor compreensão desta aula, reveja a Aula 12,
sobre a organização política e administrativa do Brasil
colonial.
Aula 16 • A transferência da Corte portuguesa para o Brasil e o seu legado cultural

Introdução

Por ocasião do bicentenário da chegada da Corte portuguesa ao


Brasil em 2008, a sociedade brasileira teve a oportunidade de
debater diversos aspectos que estão relacionados à presença da
Família Real em nosso país e que por muito tempo foram consi-
derados consensuais pela historiografia oficial.
Essa efeméride ajudou a divulgar as novas pesquisas da histo-
riografia atual e acendeu uma série de polêmicas. Dentre as no-
vas contribuições trazidas pelas pesquisas dos especialistas no
período, destacamos para esta aula: as motivações da migração
da Corte para o Brasil; as discussões sobre a personalidade e a
habilidade política de D. João VI (seria ele um sujeito covarde e
comilão, como retratado pelo cinema e pelaTV?); alguns aspectos
pouco conhecidos pela maioria das pessoas sobre a vida cotidi-
ana no período joanino; as transformações ocorridas na colônia,
especialmente no Rio de Janeiro, que acolheu toda a comitiva; e,
por falar nisso, destacamos também os questionamentos acerca
dos números referentes aos novos moradores da colônia: dos
consensuais “10 a 15.000” cortesãos que vieram para o Brasil,
como estamos acostumados a ler nos livros de História, acredite,
as novas pesquisas historiográficas apontam para não mais que
500 o número de pessoas que acompanharam D. João VI e sua
família nos trópicos!
Fechando nossa aula, abordaremos alguns dos atrativos histórico-
culturais referentes ao legado do período, um grande filão para o
turismo.
Mais uma vez propomos uma reflexão sobre o imenso potencial
do turismo histórico-cultural no Brasil, particularmente no Rio de
Janeiro, deixando no ar uma pergunta: num país sem memória,
como valorizar o nosso patrimônio e estimular o turismo histórico-
cultural? Esse é um grande desafio de que a nossa geração não
deve se esquivar.

Bons estudos!

118
História e Turismo

Revendo nossos conceitos: novos olhares so-


bre um velho e conhecido tema

O fato histórico é o mesmo: em 1808, com a invasão fran-


cesa comandada por Napoleão Bonaparte a Portugal, que se
opôs ao Bloqueio Continental contra a Inglaterra, a Corte portu-
guesa chega ao Brasil, protegida pela armada britânica. Sabe-se
também que os ingleses, que nutriam grande rivalidade com os
franceses e eram aliados de Portugal, tinham grande interesse na
transferência da sede do governo para o Brasil. Primeiro, D. João
e seu séqüito desembarcam na Bahia, em 28 de janeiro, onde
logo assinou a Abertura dos Portos às Nações Amigas (leia-se:
à Inglaterra). A 7 de março, a comitiva chega ao Rio de Janeiro,
instalando na cidade a sede do império português. D. João ali
permaneceu até 1821, retornando a Portugal por conta da Re-
volução do Porto. Do Rio de Janeiro foram tomadas todas as de-
cisões referentes ao Brasil e às colônias na Ásia e na África. Em
1815, D. João elevou o Brasil à condição de Reino Unido a Portu-
gal e Algarves, para que obtivesse a aceitação do Congresso de
Viena, que não reconhecia uma colônia como sede do governo
português. Também esse novo status do Brasil, àquela altura a
maior fonte de riquezas do reino, era mais compatível com os
interesses da Corte aqui instalada. O Brasil então deixava de ser
oficialmente uma colônia. A presença da Corte na cidade do Rio
de Janeiro, sede do império português, impulsionou um grande
desenvolvimento e deixou um valioso legado.
Todos esses fatos são bastante conhecidos por nós. Re-
centemente, uma profunda e competente revisão historiográfica,
através das novas pesquisas ancoradas em minuciosa documen-
tação, tem revelado outros aspectos que põem em xeque muitas
de nossas certezas sobre a história do período.

119
Aula 16 • A transferência da Corte portuguesa para o Brasil e o seu legado cultural

Afinal, de que tamanho era a Corte recém-chegada de


Portugal?

Um aspecto muito conhecido por todos – e que vem sen-


do questionado – é o da quantidade de membros da Corte que
teriam vindo para o Brasil junto com a Família Real. Certamente,
você já leu em algum livro que em torno de 15.000 nobres chega-
ram ao Rio de Janeiro, fugidos de Napoleão. O conceituado his-
toriador Nireu Cavalcanti, da Universidade Federal Fluminense,
refuta essa tese e apresenta dados contundentes. Segundo ele,

no decorrer do ano de 1808 chegaram outros navios trazen-


do pessoas de Portugal, que, somadas às que já estavam no
Rio, não chegaram a 500. Portanto, esse número de 12.000
a 15.000 pessoas que a historiografia aponta como chega-
das à cidade com a Corte é totalmente infundado, ilógico
e absurdo, pois requereria para transportá-las cerca de 200
navios e corresponderia a sair de Lisboa, em segredo, 8% de
sua população e entrar na cidade do Rio 20% da população
urbana! (CAVALCANTI, 2004, p. 40).

Esses números pra lá de exagerados foram apresentados


pelo oficial britânico Thomas O’Neil em seu livro A vinda da Família
Real portuguesa para o Brasil, de 1810. A maior parte dos historia-
dores hoje questiona os dados apresentados por O’Neil, conside-
rando que este se baseou em testemunhos orais e não há nenhuma
outra fonte que confirme tais dados.
Há ainda os que estimam em 5.000 o número de migrantes
para o Rio de Janeiro, considerando os nobres, o corpo buro-
crático estatal, formado por conselheiros de Estado, assessores
militares, juízes, padres, advogados e seus parentes e a criada-
gem trazidos junto com a Corte.

Fuga, transferência, chegada, vinda...

Outra idéia lançada por O’Neil e difundida durante muito


tempo nos livros de História é a da fuga da Família Real por conta

120
História e Turismo

das invasões napoleônicas, o que vem sendo relativizado pelos


historiadores que enfatizam a existência de um projeto político da
Coroa portuguesa, arquitetado com bastante antecedência, para
transferir a Corte para o Brasil, a mais próspera colônia lusitana.
Há uma grande diferença semântica e ideológica entre os
termos “vinda”, “fuga”, “transferência” e “chegada” da Família
Real. Atualmente, muitos historiadores utilizam o termo “trans-
migração da Corte portuguesa”, procurando enfatizar o projeto da
mudança de todo o aparato burocrático estatal luso para o Rio de
Janeiro, muito além da idéia de migração dos nobres lusitanos
provocada pela conjuntura do período.
Aliás, essa idéia é bem anterior ao que se imagina. Já no
século XVII, o padre Antonio Vieira sugeriu ao rei D. João IV que se
transferisse para o Brasil, a sua colônia mais rica. No século XVIII,
Luís da Cunha, diplomata de D. João V, volta a cogitar essa possibi-
lidade, considerando que, no futuro, o Brasil seria bem mais desen-
volvido e própero do que Portugal. D. Rodrigo de Sousa Coutinho,
ministro de D. João VI, incentivava a vinda da Corte para o Brasil,
que seria a capital do grande império luso-brasileiro, com mais
status e prestígio do que Portugal, que não figurava entre os
países mais desenvolvidos da Europa e ainda conservava os va-
lores do já decadente Absolutismo na Europa.

Uma “missão” nada oficial

A badalada Missão Artística Francesa, que veio ao Brasil


em 1816, ao que se pensava a convite de D. João VI, para pro-
duzir as imagens oficiais da monarquia nos trópicos, também
não ficou imune à revisão historiográfica. Sua atribuição era in-
stalar o ensino de artes no Brasil através da Academia Real de
Desenho, Pintura, Escultura e Arquitetura Civil. De acordo com
a historiadora Lilia Schwarcz, da USP, renomados artistas fran-
ceses ligados a Napoleão perderam o prestígio e o emprego por
conta da perseguição política que sofreram após a derrota de

121
Aula 16 • A transferência da Corte portuguesa para o Brasil e o seu legado cultural

Bonaparte na Batalha de Waterloo. A pesquisadora questiona se


realmente teria havido uma “missão” (termo criado por Afonso
Taunay, em 1912, bisneto do pintor Nicolas Taunay), já que es-
ses artistas se ofereceram individualmente para trabalhar para o
monarca brasileiro.

Hora de juntar cartas: artistas desempregados ou em vias


de ser; a moda francesa nas artes; uma monarquia européia
na América; uma colônia até então fechada aos franceses e
com imensas possibilidades de comércio. Com todos esses
argumentos reunidos, o mais correto seria pensar que os
viajantes decidiram partir. [...]
Desse modo surgiram as imagens inaugurais de um império
nos trópicos, agraciado com as alegorias clássicas que viriam
legitimar sua permanência. Nada melhor do que ter à dis-
posição artistas acostumados a lidar com as necessidades
do Estado. Assim como haviam dado um caráter sacro ao
Império de Napoleão, cuidado dos monumentos, das festas,
das moedas, e produzido imensas telas históricas, o mesmo
seria possível realizar nessa capital do Império português,
que, aliás, fora elevada a Reino Unido em 1815 (SCHWARCZ,
2008, p. 67).

Figura 16.1: Aclamação de D. João VI, de Jean-Baptiste Debret (1818).


Fonte: www.mundolusiada.com.br

122
História e Turismo

Atividade
1. Qual a mensagem que o artista queria transmitir com o quadro
que você acabou de ver? O que as pessoas deveriam lembrar-se
do Brasil de D. João VI?
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Comentários
Considerando que Debret era um artista contratado pela Corte para
“retratar” aspectos da sociedade brasileira nos tempos de D. João
VI, não deixe de levar em conta que está em jogo a construção de
uma memória oficial da nação. Portanto, não acredite que a cena
trata a realidade tal como ela é. Essa realidade é construída ideo-
logicamente, conforme os interesses do contratante, os valores da
época, acrescido ao fato de ser um olhar “de fora”, ou seja, de um
estrangeiro procurando enxergar com os olhos de um artista francês
a vida no Rio de Janeiro. Portanto, a sua obra está impregnada de
valores da sociedade francesa daquele período.
Para conhecer mais detalhes sobre a vida e a obra de Debret no
Brasil, recomendamos a obra Uma viagem com Debret, de Valeria
Lima, publicado pela Editora Jorge Zahar em 2004 (não, não é a sua
professora desta disciplina, e sim uma xará!).
Entre no site a seguir e leia a resenha da obra:
http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=688

123
Aula 16 • A transferência da Corte portuguesa para o Brasil e o seu legado cultural

Era D. João um mero comedor de frangos?

Também vem sendo muito discutida pelos historiadores a


composição caricatural do personagem de D. João VI, de D. Car-
lota Joaquina e de D. Maria I, “a louca”, veiculada pelas mídias
contemporâneas de massa, especialmente o cinema e a TV. Na dé-
cada de 1990, o filme Carlota Joaquina, princesa do Brasil, de Carla
Camurati, marcou a retomada do cinema nacional, lotando as sa-
las de exibição com a história da personagem-título, caracterizada
como uma mulher devassa, com um marido covarde e comilão e
sua sogra tresloucada. O tom de deboche foi escolhido pela cin-
easta para contar “o que realmente aconteceu naquela época”,
como pensaram muitos espectadores, incentivados, inclusive, por
alguns professores de história das escolas de nível básico.
Conforme as contribuições dos especialistas na relação
cinema/história, para fazermos uma análise de um filme que aborda
uma temática histórica, é necessário, em primeiro lugar, termos em
mente que o filme é uma obra de arte e, como tal, é carregada de
subjetividade. Ali estão presentes também as marcas da época em
que foi produzido, não podendo ser visto como uma reprodução
fiel dos acontecimentos do tempo que procura “retratar”, conforme
discutimos ao nos referirmos à obra de Debret agora há pouco.
O sucesso do filme Carlota Joaquina, princesa do Brasil, ins-
pirou a minissérie deTV O Quinto dos infernos, de Carlos Lombardi,
que adicionou à Família Real uma dose ainda maior de deboche.

124
História e Turismo

O filme e a minissérie citados devem ser tomados igualmente como


documentos. São testemunhos do tempo em que foram produzidos,
ou seja, na década de 90 do século passado, período em que se vivia
uma incerteza econômica, além de pulularem escândalos na vida
pública e privada de políticos, do presidente da República a minis-
tros. Com isso, será possível entender os porquês históricos dos es-
tereótipos. Grosso modo, essas produções estabeleceram uma linha
de continuidade entre a corrupção e a velhacaria dos políticos da
época joanina e a dos atuais, simplificando o passado e eliminando
as diferenças entre ele e o presente (VILLALTA, 2008, p. 79).

A influência desses produtos culturais na formação da opinião


de boa parte da sociedade brasileira provocou, em contrapartida,
uma revisão historiográfica, onde se ressalta “um outro lado” da
personalidade de D. João: o de hábil estrategista político, muito
além de “um simples comedor de frango”, conforme se referiu
um parlamentar em seu discurso na sessão solene do Senado
Federal, por ocasião dos 200 anos da chegada da Corte. Nem um
covarde fujão, nem um herói da nação brasileira, como pintou a
historiografia de tradição positivista, uma corrente filosófica do
final do século XIX. D. João VI foi um homem de seu tempo, que
adotou a neutralidade diante dos conflitos entre França e Ingla-
terra e transferiu a Corte para o Brasil como estratégia política.
É visto por alguns como um grande estadista que ajudou a con-
solidar as bases da nação brasileira.
Já Carlota Joaquina, conforme as contribuições da histo-
riadora Francisca de Azevedo, da UFRJ, ressurge como uma mu-
lher à frente de seu tempo, que participava das decisões políticas
e era bastante culta. Esteve à frente, por exemplo, da defesa dos
interesses espanhóis na luta contra os movimentos emanci-
patórios na região do Rio da Prata. Sua imagem estereotipada foi
construída pela historiografia liberal, interessada em ridicularizar
o Absolutismo, segundo a professora.

125
Aula 16 • A transferência da Corte portuguesa para o Brasil e o seu legado cultural

A Abertura dos Portos às Nações Amigas é a primeira me-


dida de D. João VI no Brasil, pondo fim ao pacto colonial, pelo
qual o Brasil só poderia comercializar com a metrópole portu-
guesa. Outra medida importante é o Alvará de Liberdade Indus-
trial, em abril de 1808, concedendo ao Brasil o direito de produzir
manufaturas, o que era proibido no período colonial.
Conforme os Tratados de 1810, os produtos feitos no Brasil
ou em Portugal sofriam uma taxação de 16%, enquanto os produ-
tos ingleses pagavam apenas 15% de impostos e os importados de
outros países eram sobretaxados em 24%. Apesar das conhecidas
desvantagens competitivas das manufaturas brasileiras em relação
aos produtos britânicos, a nova historiografia reconhece essa ativi-
dade como um marco da abertura comercial do Brasil. A historia-
dora e biógrafa de D. João VI, Lucia Bastos, da UERJ, argumenta
que, graças à abertura do comércio com os ingleses, já em 1816, os
franceses (agora sem Napoleão) passaram a comercializar com o
Brasil, representando um significativo volume de negócios.
O inglês John Mawe veio ao Brasil em busca do enriqueci-
mento rápido, aproveitando-se das relações econômicas entre
Brasil e Inglaterra. Aqui permaneceu até 1811 e nos deixou um
valioso relato dos absurdos praticados em nome dos tratados co-
merciais amplamente favoráveis à “mui amiga” Inglaterra. Tinha
de tudo: de porta-notas (numa terra onde só havia dinheiro em
moeda) a patins de gelo! Os produtos encalhados na Inglaterra,
por conta do Bloqueio Continental imposto por Napoleão, encon-
travam no Brasil um destino certo.

Em virtude da concorrência inacreditável ou da luta entre os


nossos comerciantes, que teriam enviado muitos navios e
cargas a um país cuja população civilizada, excluindo-se os
escravos, não ultrapassava oitocentas mil almas (da qual,
dizia-se, um terço, ao menos, só se utilizava de produtos de
suas terras), é natural presumir-se ficasse o mercado quase
imediatamente abarrotado. Tão grande e inesperado foi o
fluxo de manufaturas inglesas ao Rio de Janeiro, poucos
dias depois da chegada do Príncipe, que o aluguel das casas
para guardá-las elevou-se extraordinariamente. [...]

126
História e Turismo

Às graves perdas assim ocasionadas por um mercado abar-


rotado e pelo sacrifício de mercadorias vendidas por qualquer
preço, pode-se acrescentar outra, originada da ignorância de
muitas pessoas que exportavam, em quantidade considerá-
vel, artigos inadequados ao país. Certo especulador, numa
maravilhosa previsão, mandou grandes remessas de espar-
tilhos para senhoras, que nunca haviam ouvido falar em tal
“armadura”; outro enviou patins para o uso de pessoas
que ignoravam, por completo, poder a água transformar-se
em gelo; um terceiro exportou considerável sortimento dos
mais elegantes adornos para caixões, desconhecendo que,
no Brasil e no Rio da Prata, não os usavam. A essas especu-
lações absurdas, podem-se acrescentar numerosas outras,
principalmente em artigos de bom gosto. Elegantes serviços
de vidro lapidado eram pouco apreciados por homens acos-
tumados a beber fora de casa, num chifre ou na casca de
coco; e brilhantes candelabros tinham ainda menor valor,
num país onde só se usavam lâmpadas de luz amortecida.
Roupas de lã superfina eram, igualmente, pouco apropria-
das para o mercado [...].
Enviavam-se enormes cargas de mercadorias de Manches-
ter; e, em poucos meses, chegavam novas remessas impos-
síveis de serem consumidas em vinte anos [...]
Quando o comércio retomar o seu curso normal, o Rio de
Janeiro será, não há dúvida, um grande mercado geral para
os produtos de todas as antigas possessões portuguesas:
será uma espécie de entreposto entre a Europa e a Índia e
toda a espécie de produtos asiáticos se encontrará nos seus
armazéns. O Brasil, livre das restrições coloniais, terá, den-
tro em breve, sua população duplicada; seu ouro, em vez
de transportado para os países estrangeiros, como até aqui,
circulará entre os habitantes: e, sob uma sábia administra-
ção, é razoável esperar-se que, em vinte anos, este grande
país prosperará mais do que qualquer outro no mesmo es-
paço de tempo (INÁCIO, 1993, p. 179-180).

127
Aula 16 • A transferência da Corte portuguesa para o Brasil e o seu legado cultural

Além da inutilidade de boa parte dos produtos ingleses, devi-


do às diferenças climáticas e culturais, tudo era importado em
quantidades exorbitantes, aumentando o endividamento de Por-
tugal com os ingleses e sacrificando, conseqüentemente, toda a
riqueza extraída da mais próspera colônia lusitana. Em resumo, o
Brasil ajudou a financiar a Revolução Industrial inglesa, servindo
de escoadouro das quinquilharias produzidas e importadas com
vantagens alfandegárias, transferindo as suas riquezas para as
mãos da burguesia industrial da Inglaterra.
Outras medidas importantes adotadas por D. João foram: a
criação do Banco do Brasil que, como se sabe, teve os seus cofres
esvaziados quando do retorno do monarca a Portugal, em 1821; os
tribunais de justiça superior; os ministérios do Reino, da Marinha e
Ultramar, do Tesouro Régio, da Guerra e Estrangeiros; a Impressão
Régia; a Gazeta do Rio de Janeiro (que foi o primeiro jornal em
circulação no Brasil e era submetido à censura); várias escolas de
nível superior, entre elas a Escola de Belas Artes; um observatório
astronômico; a Real Biblioteca (sucedida pela atual Biblioteca
Nacional); a construção do Real Teatro de São João (atual Teatro
João Caetano, na Praça Tiradentes); o Jardim Botânico; a Academia
Militar e a Academia da Marinha, entre outras.

“D. João VI foi o único a me tapear em todos os tempos.”


Declaração de Napoleão Bonaparte, quando se encontrava no exílio,
na ilha de Santa Helena, em 1815.

128
História e Turismo

Cultura e sociedade no período joanino

A chegada da Corte ao Brasil rapidamente provocou pro-


fundas modificações na sociedade fluminense. Além da criação
das diversas instituições públicas que deram sustento aos no-
bres, foi realizada no Rio de Janeiro uma das maiores reformas
urbanísticas da história, ganhando a cidade ares de Lisboa. O Rio
de Janeiro conheceu um grande desenvolvimento econômico e
cultural. Tudo isso para criar as condições necessárias para a aco-
modação da Corte.
Os hábitos refinados dos nobres reinóis influenciaram na
mudança de comportamento dos habitantes locais. As elites flu-
minenses, procurando se espelhar nas “boas maneiras” da Corte
e ambicionando obter o mesmo prestígio e privilégios dos nobres
europeus, adotaram novos hábitos, como a utilização de garfo e
faca (comia-se com as mãos e lambiam-se os dedos ao final, o que
provocava grande repulsa nos estrangeiros) e o uso de penteados
pitorescos, jóias e roupas luxuosas (e bastante quentes para os
trópicos!). O vestuário masculino inspirava-se no guarda-roupa
inglês, incluindo xales de lã, casacos e sobrecasacas.

Figura 16.2: Na obra Jovens da elite, de Debret, o olhar do artista sobre


diferentes tipos de penteado das moças da Corte. Alguns recebiam cu-
riosos apelidos, como “tapa-missa” e “trepa-moleque”.
Fonte: http://sounaturaldorio.multiply.com/photos/album/20/O_Rio_de_Janeiro_
por_Jean-Baptiste_Debret#15

129
Aula 16 • A transferência da Corte portuguesa para o Brasil e o seu legado cultural

Uma sociedade de corte

Portugal foi uma das últimas monarquias absolutistas da Eu-


ropa, cultivando antigos valores do período moderno. Para susten-
tar os privilégios de sua Corte no Rio de Janeiro, D. João recorreu
aos capitais acumulados pelas elites fluminenses, provenientes em
especial do tráfico de escravos, a atividade comercial mais lucrativa
da colônia, conforme já tivemos a oportunidade de estudar.
O interesse era recíproco: em troca dos capitais, os ricos do
Rio de Janeiro ambicionavam tornar-se nobres, usufruir dos privi-
légios da vida palaciana, reproduzindo nos trópicos a sociedade
de corte portuguesa, em cores tupiniquins. Foram distribuídos di-
versos títulos de nobreza aos “patrocinadores” da Corte no Brasil.
Um exemplo bastante conhecido é o do riquíssimo traficante de
escravos Elias Lopes de Souza, que ofereceu “de bom grado”
a sua casa, nada menos do que a Quinta da Boa Vista, para D.
João. Em troca desse “mimo”, recebeu a importante Comenda
da Ordem de Cristo, existente desde a Idade Média, e o título de
Cavaleiro da Casa Real (Cavaleiro ou Escudeiro eram símbolos
distintivos da nobreza de sangue). A nova nobreza fluminense era
um caso sui generis na história: os chamados comerciantes de gros-
so trato tornavam-se nobres de uma hora para outra, ao contrário
do que ocorria nas demais cortes européias, nas quais os títulos de
nobreza eram conferidos conforme a linhagem (o “sangue azul”).
Os conflitos entre a tradicional e a nova nobreza foram inevitáveis.
Com o capital proveniente das economias dos ricos flumi-
nenses, agora tornados nobres, D. João criou uma série de insti-
tuições públicas que absorveram os nobres e falidos reinóis,
inchando a burocracia estatal.

A estada de D. João VI no Rio, permitiu a reorganização


político-jurídica do país e se estabeleceram os contatos, mais
ou menos amistosos, mais ou menos conflitantes, entre as 2
facções, a nobreza migrada e as elites da terra constituída por
negociantes de grosso trato, sendo que, os reinóis primavam
por alargar e enfatizar as distâncias honoríficas insuperáveis,

130
História e Turismo

pois era o que restara para essa gente saqueada, perseguida,


exilada, humilhada, na indigência financeira que, ao desem-
barcar, não tinha nada além da honra e da etiqueta como os
únicos elementos que lhes conferiam identidade como grupo
e podiam qualificá-los no teatro da corte, e aos da terra nada
mais restava que ostentar o poderio econômico que, pensa-
vam, poderia lhes comprar a distinção junto ao rei.
Nesse encontro, nada tranqüilo, nessa fusão conflituosa de
interesses, orquestrada, sabiamente pelo rei, se definiram
os contornos da nascente classe dirigente brasileira [...]
(FERNANDES, 2008).

O famoso “PR”

Certamente, você já ouviu falar do despejo dos habitantes


que viviam nas melhores casas da cidade para acomodar a co-
mitiva que acompanhou D. João VI. Esta foi uma das primeiras
leis criadas pelo Príncipe Regente (daí, o PR) ao chegar ao Rio de
Janeiro. Era proibido ter mais de uma propriedade, incluindo-se as
casas comerciais. As residências que deveriam ser desocupadas re-
cebiam a famosa inscrição, que rapidamente foi transformada em
“Ponha-se na Rua” no jargão fluminense. A lei vigorou até 1818.

Música

As comemorações do bicentenário da Corte no Brasil aju-


daram a divulgar a música do período joanino, que virou atração
em diversos espaços culturais da cidade. Predomina a música re-
ligiosa, a ópera, mas também se destacam dois ritmos populares
(e profanos): a modinha, derivada da moda portuguesa, que era
erudita, e o lundu, que teve influência africana e portuguesa e es-
candalizava as elites da época com a sensual dança da umbigada,
sendo proibida pela Corte (mas quem disse que não era dançado
às escondidas?) Essa resistência das elites pelos ritmos populares
também aconteceu com o samba no início do século XX e com o
funk às portas do século XXI, até serem finalmente aceitos pela

131
Aula 16 • A transferência da Corte portuguesa para o Brasil e o seu legado cultural

sociedade. Ressalta-se que todos esses ritmos surgiram no Rio de


Janeiro, “um caldeirão de ritmos e expressões”, conforme define
o maestro Edino Krieger, responsável pela direção musical dos
shows em homenagem à música do período da Corte no Brasil.
E, por falar em samba, não nos esqueçamos dos samba-
enredo que tanto enfatizamos nas nossas aulas. A Corte no Brasil
é um dos enredos mais recorrentes nos desfiles das escolas de
samba do Rio de Janeiro e foi escolhido como o tema oficial do
Carnaval 2008, sendo abordado pelos mais diferentes prismas,
conforme a imaginação dos carnavalescos.
O Rio de Janeiro da época da Corte reunia a agitação e a
efervescência cultural das grandes cidades européias, com apre-
sentações teatrais (a maioria, de companhias francesas), saraus,
festas e recitais.

Festas e cerimônias na Corte

Vários autores citam o Rio de Janeiro do período joanino


como um palco da teatralização da Corte, enfatizando as monar-
quias absolutistas como sociedades do espetáculo e da ritua-
lização e, no caso da Corte portuguesa nos trópicos, o exagero
dessa teatralização é uma marca de reafirmação do já decadente
Absolutismo, signo de poder, de distinção e de popularidade.
Um exemplo é o ressurgimento da cerimônia do beija-mão, um
costume medieval reeditado pela monarquia portuguesa, com
pompas e circunstâncias. Esse ritual era realizado todas as noites,
quando D. João recebia a população fluminense no Palácio da
Quinta da Boa Vista (atual Museu Nacional).
A própria chegada da Corte ao Rio de Janeiro foi uma grande
festa. A cidade se enfeitou para ver a Família Real chegar. Pelas
ruas do Centro foram espalhadas areia branca e folhas aromáti-
cas para disfarçar o mau cheiro existente; as janelas e sacadas

132
História e Turismo

foram decoradas; o povo atirava flores na comitiva. Foram nada


menos do que nove dias de festa para receber a Corte. Não é à
toa que a Secretaria Especial de Turismo da Cidade do Rio de
Janeiro decidiu carnavalizar as comemorações do bicentenário
da chegada da Corte, promovendo, além do carnaval temático
junto às escolas de samba do Rio de Janeiro, um desfile em carro
alegórico da “Corte portuguesa” em plena Avenida Atlântica. Tudo
isso para divulgar a importância histórica e cultural da cidade do
Rio de Janeiro, e, conseqüentemente atrair novos turistas.

Quer saber mais sobre os hábitos dos brasileiros à época da chega-


da da Corte? O Museu da Casa Brasileira, disponível no site http:
//www.mcb.sp.gov.br/ disponibiliza na seção “Equipamentos da casa
brasileira – usos e costumes” uma vasta quantidade de informações
sobre a história da vida privada no país. A pesquisa pode ser rea-
lizada a partir dos seguintes assuntos:

• Abastecimento • Instrumentos de
• Comércio
de água castigo
• Construção: mate-
• Acessórios de • Instrumentos
riais e técnicas
móveis musicais
• Costumes
• Alimentação • Móveis
domésticos
• Anexos da casa • Objetos de uso
• Decoração
• Apetrechos de doméstico
• Equipamentos de
trabalho • Objetos de uso
transporte
• Armas pessoal
• Higiene
• Aspectos gerais • Rouparia
• Iluminação
da habitação • Utensílios
• Indústria caseira
• Brinquedos • Vestes e jóias

Navegue pelo site e dê uma espiadinha no que se passava na casa


dos brasileiros ao longo da história!

133
Aula 16 • A transferência da Corte portuguesa para o Brasil e o seu legado cultural

Atividade
Atende ao Objetivo 2
2. Imagine a seguinte situação: uma escola de Ensino Fundamen-
tal está interessada em realizar uma aula-passeio com os alunos
da nona série (de faixa etária em torno dos 14 anos) no Rio de Ja-
neiro de D. João VI. Você foi contratado para elaborar um roteiro
turístico sobre o assunto, com duração de um dia. Quais atra-
tivos serão contemplados? O que você irá sugerir pela manhã?
E na parte da tarde? Elabore o roteiro, apresentando justificativas
para os atrativos escolhidos.

Comentário
O objetivo da atividade, mais uma vez, é unir os conhecimentos
históricos ao fazer turístico. O legado da Corte portuguesa no Brasil
é bastante relevante para o turismo, sendo necessário, para tanto,
um olhar crítico do profissional de turismo sobre a história. Para
realizar esta atividade, você irá pesquisar os diversos atrativos cor-
respondentes ao período joanino (o Paço Imperial, que foi a sede
do Reino Unido a Portugal e Algarves, o Jardim Botânico, a exótica
Casa de Banho de D. João VI – atual Museu da Limpeza Urbana – a
Quinta da Boa Vista, a Sé, que trataremos logo adiante, entre tantos
outros atrativos) e terá que selecionar os que forem mais adequados
ao perfil e à necessidade da demanda. Em nossa situação hipotética,
referimo-nos particularmente ao turismo pedagógico, um dos seg-
mentos que mais cresce no turismo.

134
História e Turismo

Atrativos turísticos

O Jardim Botânico como patrimônio histórico e cultural


Quando se fala dos atrativos turísticos decorrentes da presença da
Corte no Brasil, o Jardim Botânico, que se chamava inicialmente Real
Horto, logo é lembrado. Costuma-se destacar que foi um lugar para
aclimatação de espécies exóticas (estranhas ao nosso ambiente) tra-
zidas por D. João VI, permanecendo despercebida uma outra face do
Jardim Botânico: a de um rico acervo histórico-cultural. Quem nos
conta essa história é a bacharel em turismo Márcia Esther Mizhari:

O Jardim Botânico não é somente as suas palmeiras imperiais,


símbolo do parque, mas também são os turistas, os visitantes
assíduos e eventuais, as crianças, os jovens e os estudantes que
vão ao encontro da natureza para estudo ou apenas diversão;
são as casas históricas, trilhas, canteiros, lagos, pontes, estátuas,
flores, frutas e animais que fazem desse lugar um oásis de calma
e pacata moradia no coração da Zona Sul carioca e que conta, de
forma silenciosa, um pouco da face, ainda oculta para a maioria
dos brasileiros, da história do Brasil (MIZHARI, 2007, p. 58).

A autora estende o nosso olhar para o Jardim Botânico como pa-


trimônio imaterial, onde diversas relações culturais se dão no local
desde a sua criação, e como patrimônio material, composto por edi-
ficações e obras de arte de grande importância histórica, tais como:
o antigo Portal da Academia de Belas-Artes (fundada por D. João VI
e concebida pelo célebre arquiteto Grandjean de Montigny, um dos
membros da “missão” artística francesa), que foi transportado para o
Jardim Botânico; o Aqueduto da Levada; o Solar da Imperatriz; as es-
culturas do Mestre Valentim, como Narciso, a ninfa Eco e as aves per-
naltas, que se encontram no Memorial do Mestre Valentim; o busto e
brasão de D. João VI; a Capela de N. S. da Conceição da Lagoa; a Casa
dos Pilões; a Casa do Salitre; a Casa dos Cedros; o Chafariz Central.

Veja aqui as imagens do portal da antiga Academia de Belas-Artes:


http://www.vrio.com.br/natureza/10/portal-da-antiga-academia-de-
belas-artes/

135
Aula 16 • A transferência da Corte portuguesa para o Brasil e o seu legado cultural

Dentre as inúmeras opções de atrativos turísticos refe-


rentes ao legado cultural de D. João VI, destacamos duas igrejas
que contrastam pelas condições em que se encontram: a de N.
Senhora do Rosário e a do Carmo (Antiga Sé).
Igreja da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São
Benedito dos Homens Pretos do Rio de Janeiro
A igreja onde D. João VI assistiu a uma missa em sua hom-
enagem, no próprio dia de sua chegada ao Rio de Janeiro, a 7 de
março de 1808, foi a de N. S. do Rosário e São Benedito, que era
a catedral na época. A igreja barroca, localizada na antiga Rua
da Vala (atual Uruguaiana), foi construída em 1700 e tem uma
grande importância histórica, não só pela presença do príncipe
regente, como também por ter sido criada e mantida por uma ir-
mandade de negros e pardos, possibilitando, além de assistência
mútua, que estes pudessem assistir às missas, o que era proi-
bido nas igrejas “dos brancos”.
E mais: no Império, foi um importante núcleo de combate à
escravidão no Brasil, o “quartel-general do abolicionismo”, como
define o historiador Eduardo Silva. No local funciona também o
Museu do Negro, que possui um acervo de grande importância
histórica, cultural e política, mas que ainda é desconhecido pelo
público. A penhora da igreja por contas de dívidas da Irmandade
é um dos muitos problemas relacionados a esse importante e
desprestigiado patrimônio brasileiro.
Antiga Sé: sons e luzes para o turismo
Ainda em 1808, D. João VI transferiu a sede do poder epis-
copal para a Igreja de Nossa Senhora do Monte do Carmo, que
se tornou a Sé, situada na Rua Primeiro de Março (inicialmente
chamada de Rua Direita), bem em frente ao Paço Real, local onde
despachava, na atual Praça XV. A igreja data de 1770, mas sua
fachada foi terminada em 1822 (você já ouviu a expressão “obra
de igreja”?).
Escolhida pelo Príncipe Regente para ser também a Capela
Real, passando mais tarde a Capela Imperial e depois a Catedral
do Rio de Janeiro (até 1976, quando foi inaugurada a nova Ca-

136
História e Turismo

tedral Metropolitana), a igreja foi cenário de importantes acon-


tecimentos históricos, como a coroação do próprio D. João VI,
o casamento de D. Pedro I e D. Leopoldina, a aclamação de D.
Pedro I e de D. Pedro II como imperadores do Brasil, quando a
igreja havia se tornado Capela Imperial, o batismo da princesa
Isabel e seu casamento com o conde D’Eu. Além das celebrações
religiosas, ali também se realizavam festas e concertos.
A igreja foi escolhida como monumento-símbolo para
marcar as comemorações dos 200 anos da chegada da Corte.
Esse patrimônio, tombado pelo IPHAN em 1941 (que se encon-
trava em total estado de abandono, com registro de vários rou-
bos de suas obras de arte), passou por um minucioso processo
de restauração para ser a “vitrine” das festividades.

Iamara Andrade

Figura 16.3: A Antiga Sé após as obras de restauração em 2008.


Fonte: Acervo da professora Valeria Guimarães.

137
Aula 16 • A transferência da Corte portuguesa para o Brasil e o seu legado cultural

O termo “monumento” vem do latim monere e significa


“fazer lembrar”. Conforme o historiador Jacques Le Goff, o monu-
mento perpetua-se voluntária ou involuntariamente no imaginário
coletivo. Interessava, portanto, através da bela imagem da antiga
Sé totalmente restaurada e simpática aos visitantes, entre outros
aspectos, a construção de uma memória positiva sobre as políticas
públicas de conservação do patrimônio na atualidade. A imagem
que fica para a posteridade no inconsciente coletivo é a da belís-
sima Sé, enquanto o cenário do desembarque da Família Real,
a Praça XV e outros importantes patrimônios, como o Museu
Nacional, permaneciam em estado de abandono.
Durante as obras de restauração, foram feitas várias des-
cobertas arqueológicas: constatou-se que o mar chegava até o
local; foram encontradas ossadas dos mortos que eram enter-
rados na igreja até o surgimento dos cemitérios, no século XIX;
vestígios de uma aldeia tupi-guarani, de fogueira e artefatos indí-
genas; restos de uma paliçada (uma obra da arquitetura militar,
feita com estacas de madeira), provavelmente do século XVI, que
teria sido utilizada para a proteção contra a invasão francesa no
Rio de Janeiro, entre outros importantes achados.
Esses vestígios podem ser vistos no novo Museu de Sítio
Arqueológico, inaugurado no pátio interno da igreja, além da ex-
posição de documentos históricos e dos registros fotográficos da
restauração da igreja. Também foi criada uma nova atração, o espe-
táculo de som e luz “De tudo fica um pouco” (semelhante ao que
acontece no Museu Imperial, em Petrópolis), que conta a história
da igreja.
Acessibilidade, sinalização, serviço de visita guiada, livro de
visitantes, segurança – com alarmes, extintores e sensores – foram
providenciados para receber os visitantes locais e os turistas.

138
História e Turismo

Acesse o site a seguir e veja uma das mais belas fotos do espetáculo
de som e luz da Antiga Sé.
http://oglobo.globo.com/rio/mat/2008/03/08/igreja_do_carmo_rea-
bre_com_show_de_som_luz_depois_de_18_meses_de_restauracao-
426148397.asp

Atividade Final
Faça uma visita a um dos patrimônios remanescentes do período
da presença da Corte portuguesa no Brasil que tenham interesse
turístico. Explore o seu olhar como estudante de turismo, pro-
curando responder a cada um dos itens propostos. Caso você
não tenha condições de visitar um desses atrativos, faça um tour
virtual pelo patrimônio escolhido e tente achar respostas para o
maior número possível dos itens sugeridos.

1. Dados de identificação do patrimônio:


1.1. Nome do patrimônio escolhido
1.2. Localização
1.3. Quem administra
1.4. Horário de funcionamento
1.5. Preço do ingresso para visitação (se houver)

2. Quanto ao acervo:
2.1. Breve descrição do acervo existente
2.2. Qualidade do acervo e estado de conservação
2.3. Organização e forma como o acervo é apresentado ao visi-
tante
2.4. Relevância das obras expostas para o turismo

139
Aula 16 • A transferência da Corte portuguesa para o Brasil e o seu legado cultural

3. Aspectos técnicos do turismo:


3.1. Condições de acesso ao local (incluindo acessibilidade aos
portadores de necessidades especiais)
3.2. Recepção
3.3. Atendimento
3.4. Sinalização (placas de orientação)
3.5. Horário de funcionamento (é adequado?)
3.6. Perfil da demanda (quem são os visitantes, qual a faixa etária
e a procedência?)
3.7. Informações turísticas (inclui, pelo menos, outro idioma?, pos-
sui folhetos, placas de identificação do acervo, funcionários
bilíngües, posto de atendimento ao visitante?)
3.8. Possui guia local e serviço de visita guiada? Como funciona?
3.9. Possui livro de visitantes?
3.10. Segurança (extintores, alarmes, sensores, guardas etc.)
3.11. Serviços (lojas, lanchonetes etc.)
3.12. Sanitários (em boas condições? São suficientes?)

4. Opinião pessoal sobre a visita e o aproveitamento turístico do


patrimônio visitado.

Comentário
Nossa intenção nesta atividade é estabelecer uma relação mais estreita
entre história e turismo, através da análise das condições de um atra-
tivo histórico-cultural relacionado ao período da Corte portuguesa no
Brasil. Em outras palavras, propomos uma atividade mais técnica, onde
o patrimônio cultural, transformado em atrativo turístico, é avaliado a
partir do olhar do turismólogo. Esse exercício é uma prévia do que você
irá estudar mais adiante nas disciplinas técnicas. Selecionamos alguns
itens que compõem o inventário das condições de oferta turística, ser-
vindo para aguçar a sua curiosidade sobre as ricas possibilidades que a
relação história/turismo possibilita.
Chamamos a atenção, nesta atividade, para a sua percepção acerca
da qualidade dos serviços oferecidos. Você poderá se surpreender
durante a pesquisa, constatando, por exemplo, a falta de itens bási-
cos nos atrativos, de fácil solução, que acabam comprometendo a
qualidade do serviço. Poderá, também, formular idéias que venham
a solucionar os problemas detectados.

140
História e Turismo

Resumo
Fugir do senso comum. Essa foi a nossa principal preocupação
nesta aula. Procuramos estimulá-lo a perceber que também a
História tem história, e que a sua escrita é passível de revisão,
sendo o período da Corte portuguesa no Brasil um dos mais fér-
teis para as novas análises historiográficas.
Elegemos a Igreja da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário
e São Benedito dos Homens Pretos do Rio de Janeiro (ufa, o
nome é esse mesmo!), a antiga Catedral da Sé, toda restaurada e
preparada para receber o turista, e o Jardim Botânico para repre-
sentarem a diversidade entre os atrativos referentes ao legado
cultural do período joanino. Destacamos também um outro lado
do Jardim Botânico, quase desconhecido por seus freqüentado-
res e pouquíssimo divulgado na folheteria turística, ressaltando
o seu belíssimo patrimônio histórico-cultural.
Os demais atrativos deixamos por sua conta, como um estímulo à
pesquisa e à reflexão sobre o grande potencial turístico de nossa
história (e o seu desperdício pelo desconhecimento e pelo des-
caso). Esse desafio veio na forma dos exercícios, estimulando a
produção de roteiros temáticos sobre a Corte no Rio de Janeiro e
um esboço com alguns itens básicos de um inventário da oferta
turística relacionada ao tema em questão. Uma pequena demons-
tração de que história e turismo dão samba, isto é, dão certo!

141
17 Sociedade e cultura no Brasil independente:
o Primeiro Reinado e o seu legado para o tur-
ismo

Meta da aula
Realizar uma avaliação crítica do processo de Independên-
cia do Brasil até o fim do Período Regencial, destacando a
turbulência política do período, seu legado cultural e seu
aproveitamento turístico.

Objetivos
Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:

1 identificar a Independência do Brasil como um pro-


cesso, ressaltando o seu caráter elitista e relativizando
o seu significado;

2 valorizar o patrimônio histórico e cultural remanescen-


te do período estudado, considerando a sua importân-
cia para o turismo.
Aula 17 • Sociedade e cultura no Brasil independente: o Primeiro Reinado e o seu legado para o turismo

Muita história pra contar...

...Ou ficar a Pátria livre ou morrer pelo Brasil.


(Evaristo da Veiga)

Embora seja um período historicamente curto, os 18


anos que compreendem a proclamação da Independência
do Brasil e o fim do Período Regencial (1822-1840) têm muita
história para contar.
Começamos nosso breve passeio pela história do período
com uma síntese dos fatores que motivaram a Independência do
Brasil, que não deve ser compreendida como um episódio restrito
aos acontecimentos de 7 de setembro de 1822. A historiografia atual
considera a Independência como um processo, gestado ainda nos
tempos coloniais, com uma série de movimentos de contestação da
ordem, mais tarde fortalecidos com a transferência da Família Real
portuguesa para o Brasil, que decretou, entre outras medidas, a
abertura dos portos e a elevação do Brasil a Reino Unido a Portugal
e Algarves, pondo fim à nossa condição de colônia. Muitos autores
não consideram que o Brasil tornou-se de fato independente em
1822, tamanha a preponderância dos interesses ingleses e a
dependência do seu capital, além da manutenção da escravatura
e da estrutura produtiva baseada nos latifúndios monocultores-
exportadores. Preferem utilizar o termo “emancipação política”.
Outros consideram que somente em 1831, com a abdicação de
D. Pedro I do trono brasileiro – legítimo herdeiro do trono português
–, eliminando o risco de uma recolonização do Brasil, é que o
país se tornaria independente do controle português.
Voltemos um pouquinho no tempo. Em 1820, estourou em
Portugal a Revolução Liberal do Porto, que foi liderada pela bur-
guesia lusitana, pondo fim ao absolutismo português. A burguesia
mercantil lusitana, insatisfeita com as concessões comerciais feitas
à Inglaterra, que quebravam o monopólio do comércio português
com o Brasil, liderou o movimento que contou com o apoio do

144
História e Turismo

clero e da nobreza. As “Cortes” (parlamento) começaram a elabo-


rar uma constituição. Ao mesmo tempo, exigiam o retorno de
D. João VI para Portugal e a volta do pacto colonial, transformando
o Brasil novamente numa colônia portuguesa. Como você pôde
perceber, a Revolução era liberal apenas para os portugueses.
Depois de alguma hesitação, o rei partiu, deixando aqui D. Pedro
como príncipe-regente, recomendando que ficasse no governo,
mesmo que o Brasil se tornasse independente.
As pressões portuguesas aumentaram. A situação política
do Brasil estava insustentável. Surgiram então dois grandes blo-
cos: o Partido Português, apoiado pelos grandes comerciantes e
altos funcionários, desejando que tudo voltasse a ser como antes
da vinda da Família Real, ou seja, o Brasil voltasse à condição de
colônia; o Partido Brasileiro, representado pelos latifundiários do
centro-sul e pelos comerciantes que ganhavam com a abertura
dos portos, tendo também o apoio inglês: era importante manter
o poder centrado no Rio de Janeiro, o comércio livre, a escravidão
e mesmo os laços com Portugal, desde que tivessem liberdade
para tomar as medidas que achassem necessárias. A terceira via
era o Partido Radical, formado por segmentos oriundos das ca-
madas médias e populares (pequenos comerciantes, intelectuais,
profissionais liberais, jornalistas, oficiais de baixa patente, padres,
estudantes e soldados), que desejava uma constituinte, pensava
na abolição da escravatura, no federalismo, isto é, as províncias
criando leis sobre assuntos de seus interesses, entre outras bandei-
ras. Alguns radicais já defendiam a separação do Brasil. O Partido
Brasileiro era representado por setores urbanos, principalmente
do Rio de Janeiro, e por grandes latifundiários nordestinos.
A recusa de D. Pedro em retornar para o seu país a mando
das Cortes de Lisboa deu origem ao célebre Dia do Fico (9 de janeiro
de 1822). D. Pedro foi aclamado Defensor Perpétuo do Brasil e, a
7 de setembro, em viagem a São Paulo, recebeu três cartas: uma
de seu pai, ordenando seu retorno imediato e a submissão às Cor-
tes portuguesas; outra, de José Bonifácio, aconselhando-o a não
cumprir a decisão e romper com Portugal, e a de D. Leopoldina,

145
Aula 17 • Sociedade e cultura no Brasil independente: o Primeiro Reinado e o seu legado para o turismo

sua esposa, que endossava as palavras de Bonifácio, que ficaria


conhecido como o “Patriarca da Independência”. A seqüência dos
acontecimentos você já conhece: o famoso Grito do Ipiranga e a
emancipação política do Brasil.

Figura 17.1: Independência ou morte (ou O Grito do Ipiranga), conforme o imaginário do célebre
artista Pedro Américo. Produzida no final do II Reinado, em 1888, está em exposição permanente
no Museu do Ipiranga (SP).
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:Independ%C3%AAncia_ou_Morte.jpg

Portanto, como se diz no jargão da historiografia, foi uma


independência feita “pelo alto”, sem a participação popular, man-
tendo muitos interesses, principalmente os da aristocracia do
Sudeste, comprometida com o imperador. D. Pedro I defendia
os interesses do já desgastado absolutismo, contrastando com
o novo cenário liberal que se desenhava no Estado português.
Seu governo extremamente conservador e autoritário foi ques-
tionado até mesmo por aqueles que o apoiaram a proclamar a
Independência. O historiador Hamilton Monteiro caracteriza o
período de 1821 a 1831 como a história da violência das forças
conservadoras, que prendiam, expulsavam do país e executa-
vam os líderes populares e democráticos, além de realizarem a

146
História e Turismo

censura à imprensa, de suspenderem as garantias individuais e


de instalarem as temidas Comissões Militares.
O Brasil, para se tornar “independente”, além de outras
exigências cumpridas, pagou a Portugal uma indenização de
2.000.000 de libras esterlinas. De onde veio o montante? A res-
posta é simples: de quem mais tinha capitais para investir no
Brasil: os ingleses, é claro! Acompanhe o raciocínio: pedimos
essa fortuna emprestada aos ingleses e indenizamos os portu-
gueses pela perda da sua colônia mais preciosa. Como Portugal
possuía uma dívida com os ingleses de exatos 2.000.000 de li-
bras, repassou-lhes o dinheiro como pagamento do empréstimo.
Conclusão: os ingleses emprestaram dinheiro deles para eles
mesmos e o Brasil é que pagou os juros... Além disso, os ingle-
ses não reconheceram a independência do Brasil de imediato:
somente o fizeram em 1826, depois que o Brasil renovou os
Tratados de 1810 e continuou importando bugigangas britânicas
a 15% ad valorem de taxa alfandegária.
O primeiro país a reconhecer nossa independência foram
os Estados Unidos. Os americanos queriam diminuir as ameaças
européias contra seu próprio país. A jovem nação americana sabia
que quanto mais independências houvesse, mais garantida estaria
a sua, além de, por tabela, pretender garantir mercado e matéria-
prima para o desenvolvimento de sua produção industrial.

Nosso primeiro símbolo nacional

Figura 17.2: Primeira bandeira do Bra-


sil, concebida por Jean-Baptiste Debret.

147
Aula 17 • Sociedade e cultura no Brasil independente: o Primeiro Reinado e o seu legado para o turismo

A cruz da Ordem de Cristo e a esfera armilar já eram sím-


bolos utilizados para representar o Brasil desde os tempos coloni-
ais. No seu entorno, 19 estrelas simbolizam as províncias brasile-
iras (mais uma seria acrescentada no II Reinado). Um ramo de
café e um de fumo sustentam o brasão e também a economia
brasileira do período. Sobre o brasão, a coroa imperial, cravejada
de diamantes. Um detalhe importante: duas coroas imperiais do
Primeiro Reinado estão em exposição no Rio de Janeiro, uma no
Museu Imperial de Petrópolis e outra no Museu Histórico Nacio-
nal.
Uma curiosidade sobre as representações simbólicas da
bandeira do Brasil – do Império à República – é o confronto de
duas interpretações distintas: a historiografia tradicional cos-
tumava atribuir as cores da bandeira brasileira às riquezas de
nossa terra, conforme a conhecida descrição: o verde simboliza
as extensas matas; o amarelo, o ouro brasileiro e o sol dourado
dos trópicos; o azul é a representação simbólica do céu brasileiro,
cujas estrelas são os estados (na bandeira da República); o bran-
co é uma alusão à paz. A historiografia crítica, por sua vez, atribui
a escolha das cores verde e amarelo, presentes desde a bandeira
do Império, às representações da Casa Real Portuguesa de Bra-
gança (cujo herdeiro era D. Pedro I) e da Casa Imperial Austríaca
de Habsburgo (representada pela princesa Leopoldina), respec-
tivamente, e justifica a adoção do azul e do branco como cores
também utilizadas nas bandeiras portuguesas, desmitificando a
aura romântica até hoje presente no imaginário coletivo.

148
História e Turismo

Atividade
Atende ao Objetivo 1

Figura 17.3: A obra Independência do Brasil, de François-René


Moreaux, produzida em 1844, integra o acervo permanente do Museu
Imperial (Petrópolis, RJ).
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Independ%C3%AAncia_do_Brasil

1. Analise a obra em questão, levando em consideração os


seguintes aspectos: a) a mensagem que o artista procurou trans-
mitir; b) a paisagem retratada e o lugar que as pessoas ocupam
na imagem; c) o destaque dado ao imperador na obra de arte;
d) a relação entre os símbolos apontados no quadro com o pro-
cesso de Independência do Brasil estudado nesta aula.

Comentário
Você deve ter percebido que a pintura sugere que a Independência
do Brasil contou com o apoio e a participação popular, de grupos e
classes mais afastados do poder. Também revela que a liderança de
todo o processo está nas mãos de D. Pedro, que na imagem ocupa
lugar de destaque e é aclamado pelo povo num momento de grande
alegria. O artista transforma o imperador num herói, desconside-
rando toda a conjuntura política e econômica em que foi realizada
a Independência. O quadro sugere, portanto, que D. Pedro toma
sozinho a decisão de libertar o Brasil de Portugal, contrapondo-se
com a versão corrente de que a Independência do Brasil foi um pro-
cesso amplo, dirigido pelo “partido brasileiro” – representantes da
oligarquia rural do Sudeste – que, a partir de uma manobra, envolve
o príncipe regente, D. Pedro, nas suas reivindicações, levando-o a
participar da luta contra a recolonização do Brasil.

149
Aula 17 • Sociedade e cultura no Brasil independente: o Primeiro Reinado e o seu legado para o turismo

O quadro também procura mostrar que a Independência brasileira


contou com a participação do povo, esquecendo-se, porém, de que
este estava completamente alijado de todo esse processo e de uma
maior participação política.

A crise econômica do recém-nascido Império

Era realmente muito difícil a situação econômica do Brasil


no início do Império. As exportações, tão importantes, sofriam
com a concorrência externa. O açúcar tinha a rivalidade da Ja-
maica e de Cuba. Além disso, os europeus começaram a fabricar
açúcar de beterraba. O algodão sofria com a concorrência dos
EUA. A criação do gado, que poderia ser exportado, sofria a con-
corrência argentina.
Sem dinheiro, o governo apelava para os empréstimos ex-
ternos, aumentando em muito nossa dívida e dependência externa,
principalmente com a Inglaterra.
A crise econômica no início do Império era ainda agravada
pela decisão de D. Pedro em participar da Campanha Cisplatina
– uma guerra contra os uruguaios que proclamavam-se inde-
pendentes do Brasil, com o apoio da Argentina e da Inglaterra
– que implicou o aumento de gastos do governo e a falência do
Banco do Brasil.

Uma Constituição “absolutista” para um


“novo” país

Com a independência praticamente consolidada, tratava-se


de organizar um país novo, fazer leis necessárias ao funcionamento
de um novo Estado. Portanto, uma das primeiras providências
após a independência foi preparar a Constituição, ou seja, a Lei
mais importante do Estado, contendo as normas e regras que fix-
am a forma de governo, a organização dos poderes públicos, os
direitos e poderes dos súditos do Império brasileiro, a criação de
um exército profissional.

150
História e Turismo

Muitos conflitos políticos surgiram na elaboração da nossa


primeira Constituição. Pressionado pela aristocracia rural do
Sudeste, D. Pedro decide convocar a Assembléia Constituinte
em junho de 1822 (mesmo antes da Independência, reforçando a
tese de que esta fora um processo), que só se reúne efetivamente
em maio de 1823, tendo a participação de 100 deputados eleitos,
nascidos no Brasil. O Projeto Constitucional criado por estes
deputados adotou três importantes princípios: antilusitanismo,
antidemocracia e antiabsolutismo.
Antilusitanismo porque só brasileiros natos podiam ser
nomeados ou eleitos para os cargos importantes da administra-
ção pública. Era antidemocrática porque criava o voto censitário,
ou seja, a renda exigida para que uma pessoa pudesse votar
(ou ser eleita) era alta, excluindo da vida política a maior parte
da população brasileira. Vale lembrar também que esse projeto
constitucional mantinha a escravidão no Brasil. E, por fim, era
também antiabsolutista, pois previa a criação de uma Monarquia
Parlamentar, com a existência de três poderes: Executivo, Legis-
lativo e Judiciário. Esse princípio acabava por fortalecer o poder
legislativo, pois este passaria a controlar as forças armadas e não
poderia ser dissolvido pelo imperador.
Contudo, antes que a redação da Constituição fosse con-
cluída, o imperador dissolveu a Assembléia Constituinte porque
discordava do projeto que estava sendo elaborado, em particular
dos termos que concediam ao Parlamento mais poder que ao
monarca. Para dar continuidade à redação da Constituição, o
imperador convocou o Conselho de Estado, um órgão de caráter
consultivo sob seu controle.
Outorgada em 25 de março de 1824, a primeira Constituição
do Brasil baseou-se no projeto de 1823, porém com modificações.
Uma delas foi a criação de um quarto poder, denominado Modera-
dor, que permitia ao imperador nomear e destituir os titulares
dos outros poderes quando julgasse necessário. Teria também o
direito de dissolver a Câmara dos Deputados quando não hou-
vesse acordo.

151
Aula 17 • Sociedade e cultura no Brasil independente: o Primeiro Reinado e o seu legado para o turismo

O Poder Moderador foi apresentado como uma força neu-


tra capaz de arbitrar os conflitos políticos. Na prática, significou
a concessão no Brasil de uma Monarquia Absolutista, parecida
com o modelo criado nos velhos Estados Nacionais europeus.
Com isso, D. Pedro inverteu o prescrito no projeto de 1823,
pois concedeu maior poder ao monarca que ao Parlamento, uma
vez que o governante chefiava tanto o Poder Executivo quanto o
Poder Moderador, ao contrário, portanto, de monarquias parlamen-
tares, como a da Inglaterra, que limitavam bastante o poder do rei.

A crise política do Brasil e a abdicação de


D. Pedro

A outorga da Constituição fez com que D. Pedro passas-


se a enfrentar muitos problemas, dentre eles a oposição dos
latifundiários nordestinos. Estes eram a favor do federalismo e
desejavam ampla autonomia, pois seus negócios tinham mais a
ver com a Europa do que com o Rio, e viam-se agora sem poder,
até porque os presidentes de províncias também seriam escolhi-
dos pelo soberano.
Também viu sua impopularidade aumentar no Sudeste.
Não falamos apenas de impopularidade junto às camadas
mais humildes, homens livres não-proprietários, mas também
junto à aristocracia rural – ricos latifundiários escravistas do
Sudeste – que o tinham posto no poder e agora viram-se contra
ele. Isso tudo provocado também pela crise dinástica em Portugal
e pelo desejo de D. Pedro em unificar as duas coroas, ou seja,
juntar o Brasil novamente a Portugal.
Quando D. João, rei de Portugal, morreu, D. Pedro abdicou
em favor da pequena filha Maria da Glória. Seu tio, D. Miguel,
seria o regente, mas tomou o trono declarando-se rei. Então,
D. Pedro decidiu enviar tropas a Portugal para defender o trono
de sua pequena filha. A aristocracia do Sudeste ficou temerosa,
pois com a possibilidade de reunir novamente o Brasil a Portugal,
o risco da recolonização passava a ser real.

152
História e Turismo

Os grandes latifundiários do Sudeste passaram, então,


a desenvolver uma campanha feroz contra o trono. Sessenta e
cinco jornais, entre moderados e exaltados, faziam oposição ao
imperador. O único apoio de D. Pedro eram os portugueses agru-
pados na sociedade Colunas do Trono. Depois do assassinato
do jornalista mineiro Libero Badaró em 1830, provavelmente a
mando do gabinete do governo, até as forças militares começam
a recusar-se a reprimir manifestações contra o imperador.
A partir de março de 1831, brasileiros e portugueses
enfrentam-se pelas ruas. No dia 7 de abril de 1831, D. Pedro de-
cide abdicar do trono brasileiro em favor de seu filho, Pedro de
Alcântara, retornando para Portugal para se tornar D. Pedro IV e
governar aquele país até sua morte em 1834.

Enquanto D. Pedro II não vem...

Entre 1831 e 1840 o Brasil viveu o chamado Período Regen-


cial, por conta da pouca idade de D. Pedro II, o que impediu que
o herdeiro legítimo do trono assumisse o poder. Foi uma década
marcada por muitas divergências políticas e diversos conflitos
em todo o país. Durante esse período, em que o poder foi exer-
cido pelos regentes, destacaram-se novos grupos políticos que
se articularam após a abdicação. São eles:
a. Restauradores – Também chamados de caramurus ou corcun-
das. Eles desejavam apenas o restabelecimento de D. Pedro I. Em
1834, perderam a razão de ser com a morte do monarca, levando
seus componentes a se ligarem a outros grupos que disputavam
o poder;
b. Liberais-Moderados – Estavam agrupados em torno da Socie-
dade Defensora da Liberdade e Independência Nacional, com-
posta pelos grandes proprietários de Minas Gerais, São Paulo e
Rio de Janeiro. Politicamente eram monarquistas, mas contrários
ao absolutismo. Do ponto de vista administrativo, defendiam o
centralismo como garantia da unidade territorial;

153
Aula 17 • Sociedade e cultura no Brasil independente: o Primeiro Reinado e o seu legado para o turismo

c. Exaltados – Estes desejavam ampla autonomia para as provín-


cias, isto é, que pudessem criar suas leis de acordo com suas
necessidades; muitos desejavam a república, outros queriam a
independência de sua província em relação ao resto do país, e
ainda havia os que sonhavam com o fim da escravidão.
Essas correntes políticas não chegavam a constituir pro-
priamente partidos políticos. Elas se organizavam em facções e
procuravam mobilizar a opinião pública e exercer pressão sobre
o governo, visando a ascender ao poder. Contudo, pode-se afir-
mar que, nessa época, teve início o processo de formação dos
dois partidos mais importantes do segundo reinado: o Liberal e
o Conservador.
Dentre os movimentos de contestação da ordem ocorridos
em todo o país no Período Regencial, destacamos a Revolução
Farroupilha ou Guerra dos Farrapos, no sul do Brasil, entre 1835 e
1845. Liderada pelo estancieiro Bento Gonçalves, os fazendeiros
gaúchos rebelaram-se contra a pesada carga de impostos sobre
o seu principal produto, o charque, que era a base de sustentação
da economia gaúcha. Houve um intenso conflito contra as forças
do governo imperial e os revoltosos proclamaram a República
Rio-Grandense, separando-se do restante do Brasil. O movimen-
to recebeu o reforço de Giuseppe Garibaldi, David Canabarro
e seus comandados (incluindo populares, daí o nome “Guerra
dos Farrapos”) da região de Laguna, litoral sul de Santa Cata-
rina. Novos confrontos com as forças imperiais resultaram num
grande derramamento de sangue. Em 1845, o governo cedeu às
pressões dos revoltosos e aumentou as tarifas de importação do
charque estrangeiro, anistiou os revoltosos e libertou os escra-
vos que participaram da guerra.

154
História e Turismo

Caminho farroupilha vira rota turística


O Projeto “Turismo na Costa Doce”, desenvolvido pelo Sebrae
do Rio Grande do Sul juntamente com prefeituras de municípios
localizados às margens da Lagoa dos Patos e imediações, lança a
rota turística “Caminho Farroupilha”.
O roteiro foi elaborado após inventário de fatos e lugares mar-
cantes do decênio heróico e que foram transformados em atrati-
vos significativos para o recebimento de turistas. Na elaboração
da rota trabalharam vários técnicos do Sebrae-RS, historiadores,
museólogos e museógrafos, arquitetos e bacharéis em turismo, en-
tre outros. Fazem parte da rota os municípios de Guaíba, Camaquã,
Cristal, São Lourenço, Pelotas, Piratini, Rio Grande e São José do
Norte, incluindo principalmente museus, casas de cultura e prédios
históricos locais.
A rota turística, de cunho didático-pedagógico, vai apresentar as
mais modernas técnicas de museografia, com painéis explicativos
dos fatos históricos correspondentes a cada local visitado e de
fácil compreensão, além de muitos deles apresentarem roteiros
internos com guias especializados, passeios ou apresentações de
grupos artísticos.
Os aspectos trabalhados em cada ponto de visitação são: Casa de
Gomes Jardim e Hospital Farroupilha, em Guaíba; O papel da mulher
na revolução farroupilha (Museu Municipal) e propriedades rurais
pertencentes à família de Bento Gonçalves, em Camaquã; Casa
de Bento Gonçalves (exposição da indumentária farroupilha), em
Cristal; Estância da Figueira (batalhas farroupilhas e fatos ligados
à participação de Garibaldi no conflito), em São Lourenço do Sul;
Palácio Rio-Grandense e Casa de Garibaldi, em Piratini (abordagem
administrativa da República Rio-Grandense e a composição dos
ministérios); Charqueada São João, em Pelotas (aspectos econômi-
cos da época, além da valorização do papel dos lanceiros negros
no conflito), finalizando o roteiro nas cidades de Rio Grande e São
José do Norte, mostrando a participação maçônica no conflito,
além de apresentar aspectos históricos das duas cidades.
Fonte: O Estado do Paraná
(http://www.parana-online.com.br/canal/viagem-e-turismo/news/61592/)
7/10/2003 - Atualizado em 19/7/2008

155
Aula 17 • Sociedade e cultura no Brasil independente: o Primeiro Reinado e o seu legado para o turismo

Atividade
Atende ao Objetivo 2
2. Leia a matéria “Chineses visitam o Caminho Farroupilha no
Rio Grande do Sul”, publicada no portal ETUR – Estudos Turísticos
– em 12/1/2007 (http://www.etur.com.br/conteudocompleto.asp?
idconteudo=11792) e faça um comentário relacionando a visita
dos chineses e a inclusão do Rio Grande na rota dos transatlânti-
cos com destino à Patagônia ao fenômeno da globalização.

Comentário
A proposta desta questão é fazer uma relação entre o passado
histórico brasileiro do período abordado nesta aula e o turismo em
tempos de globalização. Para tanto, faz-se necessário reconhecer as
transformações ocorridas na China nos últimos anos, que permitem a
sua inclusão no processo de globalização, com a abertura do mercado
chinês para o Ocidente, incluindo a atividade turística. Ao mesmo
tempo, é importante considerar a expansão do turismo marítimo no
Brasil, especialmente dos cruzeiros em sofisticados transatlânticos,
permitindo a inclusão de novos produtos turísticos, cuidadosamente
criados por profissionais de diversas áreas, incluindo historiadores e
museólogos, como a Rota Farroupilha.

O Golpe da Maioridade e o legado do Período


Regencial

O episódio conhecido como Golpe da Maioridade conduziu


D. Pedro II ao poder na idade de 14 anos, com o apoio dos liberais
(a Constituição de 1824 estabelecia que a maioridade era con-
quistada aos 21 anos e o Ato Adicional de 1834 diminuiu para 18
anos). Chegava ao fim o turbulento Período Regencial, que não
deve ser lembrado apenas pelas inúmeras disputas políticas e
conflitos violentos que se desenrolaram nesse período.
Destacamos também a criação do Imperial Colégio D. Pedro
II, no Rio de Janeiro (1837); a fundação do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro (1838), dedicado à escrita da nossa história
oficial, repleta de feitos heróicos das elites brasileiras; as visitas

156
História e Turismo

de Charles Darwin ao Brasil (Bahia, Cabo Frio, Rio de Janeiro e


Niterói) em duas ocasiões, em 1832 e 1836, durante a sua expe-
dição científica pela América do Sul; a instituição do Ato Adicional,
fazendo diversas reformas à Constituição de 1824, dentre elas, a
criação da Regência Una (do padre Antônio Feijó – lembre-se de
que as regências anteriores foram trinas, uma provisória e uma
permanente); e a criação do Município Neutro do Rio de Janeiro,
separado da Província do Rio de Janeiro, que existiu até o advento
da República, quando passou a se chamar Distrito Federal.

Um passeio por São Cristóvão, o Bairro Im-


perial

Em agosto de 2007, o então prefeito da cidade do Rio de


Janeiro, César Maia, assinou um decreto modificando o nome
do bairro de São Cristóvão para “Bairro Imperial de São Cris-
tóvão”. A medida, que gerou polêmica entre os moradores, teve
como objetivo divulgar a importância histórica do bairro (moti-
vada pelas comemorações dos 200 anos da Chegada da Corte)
e atrair investimentos.
Apesar dos graves problemas que enfrenta (violência e
favelização, estado de abandono das construções remanescen-
tes do período do Império, fechamento de muitas indústrias, es-
tado precário das ruas, entre outros problemas comuns a vários
bairros da região metropolitana do Rio de Janeiro), o bairro de
São Cristóvão possui uma variedade de atrativos turísticos de
grande importância.
Começamos o nosso passeio pela Quinta da Boa Vista, pro-
priedade doada pelo rico traficante de escravos Elias Antonio Lopes
ao então príncipe regente, mais tarde D. João VI, em troca de status,
cargos públicos e títulos de nobreza, conforme você verá mais adi-
ante. A imensa propriedade já pertencera aos padres jesuítas, que
foram expulsos do Brasil em 1759 e tiveram as suas terras confis-
cadas e divididas em quintas e sítios. Também já fora território dos
índios tamoios nos primórdios da colonização brasileira.

157
Aula 17 • Sociedade e cultura no Brasil independente: o Primeiro Reinado e o seu legado para o turismo

Figura 17.4: Quinta da Boa Vista por volta de 1820. Atente para o portão
em frente ao Paço (hoje na entrada do Jardim Zoológico) e para o único
torreão do prédio principal, antes da reforma iniciada na época em que
D. Pedro I residiu no local (GRAHAM, 2008).
Fonte: http://www.gutenberg.org/files/21201/21201-h/21201-h.
html#palace

A Quinta da Boa Vista justificava o seu nome, pois ficava no


alto e de lá se tinha um panorama deslumbrante de toda a cidade.
Era uma das mais importantes vilegiaturas da Família Real e, mais
tarde, Imperial. Situava-se também à beira-mar (você sabia que
ali existiu a Praia de São Cristóvão, aterrada no século XX para
a construção do porto?) Com a fixação de residência de D. João
VI na Quinta, que agora passaria a se chamar Quinta Real da Boa
Vista, foram realizadas várias obras no entorno, que era área de
manguezais e pântanos (inclusive, para se ter acesso à Quinta,
um dos meios possíveis era pelo mar, saindo da atual Praça XV).
O então príncipe regente ampliou a sua Quinta adquirindo várias
propriedades vizinhas e tratou de oferecer ajuda financeira a
quem se instalasse nos arredores, para que valorizasse a região.
Logo alguns membros da nobreza lusitana, interessados em viver
próximos ao mais importante membro da corte, se mudaram para o
bairro de São Cristóvão, que se tornou bastante populoso.

158
História e Turismo

Vilegiatura
Palavra de origem italiana que representa o período em que se passa nas villas, casas de
campo freqüentadas pelos membros da aristocracia do período renascentista, inspirados nas
práticas da Roma Antiga, que partiam das cidades em busca de temperaturas mais amenas.
A vilegiatura é, portanto, uma prática social elitizada. A ela está associado o hábito da caval-
gada e também da caça, duas atividades atribuídas à nobreza desde os tempos medievais.
As villas, por sua vez, estão associadas a casas de campo requintadas, emolduradas por belos
jardins. Em sua obra, Camargo (2007) reforça o caráter aristocrático das vilegiaturas e não as
associa como forma de lazer, considerando que este está relacionado ao tempo do não-
trabalho nas sociedades industriais. Ao se referir aos nobres que praticavam a vilegiatura, o
autor prefere a expressão “recreações” ou “distrações”. São retiros em lugares bucólicos,
afastados dos centros urbanos, que, em alguns casos, configuram a segunda residência das
famílias abastadas. Citamos como exemplos as vilegiaturas da Família Imperial em Petrópolis,
Caxambu, na Real (depois Imperial) Fazenda Santa Cruz, em Paquetá, na Floresta da Tijuca e
na própria Quinta da Boa Vista.

O poema de Fernando Pessoa (Portugal, 1888-1935) traduz magistralmente o sentido da


expressão e as práticas aristocráticas relacionadas ao não-trabalho: Vilegiatura
O sossego da noite, na vilegiatura no alto;
O sossego, que mais aprofunda
O ladrar esparso dos cães de guarda na noite;
O silêncio, que mais se acentua,
Porque zumbe ou murmura uma coisa nenhuma no escuro…
Ah, a opressão de tudo isto!
Oprime como ser feliz!
Que vida idílica, se fosse outra pessoa que a tivesse
Com o zumbido ou murmúrio monótono de nada
Sob o céu sardento de estrelas,
Com o ladrar dos cães polvilhando o sossego de tudo!Vim para aqui repousar,
Mas esqueci-me de me deixar lá em casa,
Trouxe comigo o espinho essencial de ser consciente,
A vaga náusea, a doença incerta, de me sentir (PESSOA, 2008)

Em troca da gentileza concedida ao príncipe regente, para que “descansasse das fadigas do
governo e respirasse ares mais saudáveis”, como escreveu o Padre Pereca ( cronista dos usos
e costumes do Rio de Janeiro à época da chegada da Corte), o traficante de escravos Elias An-
tônio Lopes foi agraciado com vários “mimos”, ampliando consideravelmente o seu poder e a
sua fortuna. Recebeu a Comenda de Cavalheiro da Ordem de Cristo, foi elevado a Alcaide-Mor
e Senhorio da Villa de São José del Rei e ainda passou a receber 1$600 por mês, como Fidalgo
Conselheiro da Casa Real. Foi também Deputado da Real Junta do Estado do Brasil e Domínios
Ultramarinos, Procurador da Repartição de Seguros e Conselheiro, Procurador e Corretor da
Casa da Junta de Comércio e ainda foi encarregado da conservação da Quinta da Boa Vista,
recebendo por seus serviços uma considerável importância (MOTA; GOMES, 2007).

159
Aula 17 • Sociedade e cultura no Brasil independente: o Primeiro Reinado e o seu legado para o turismo

Arte e história nos jardins da Quinta

Ao entrar pelo Portão da Coroa, o visitante cai na alameda das


Sapucaias, construída pelo paisagista francês Auguste Glaziou,
que leva até o Museu Nacional. Ao redor da alameda, o jardim
em estilo inglês também chama a atenção, com seus caminhos
curvos, lagos, grutas e recantos. O primeiro projeto para o jardim
data de 1828, mas Glaziou foi quem deu a forma final do parque,
em 1866. Esse desenho resiste até hoje, apesar das inúmeras re-
formas ao longo dos anos. No passeio pelo parque, vale obser-
var o portão principal do Jardim Zoológico. Em 1812, o duque de
Northumberland [condado inglês] presenteou D. João VI com um
portão idêntico ao desenhado por Robert Altman, entre 1761 e
1765, para a Sion House, sua residência na Inglaterra. O duque
enviou o arquiteto John Johnson para instalar o presente em
frente ao Paço de São Cristóvão. O portão é hoje um belo exemplo
da composição neoclássica (SEARA, 2004, p. 113).

Figura 17. 5: O antigo portão monumental


(tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico
Nacional) recepciona os visitantes do Jardim
Zoológico. O mesmo se encontrava na entrada
do Paço (atual Museu Nacional), conforme
visto na Figura 17.4.
Fonte: Wikipedia.

160
História e Turismo

De palácio real a Museu Nacional

Construído no século XVI para abrigar a ordem jesuíta e


tendo passado por diversas reformas, o Paço de São Cristóvão,
que já foi chamado de “a Versalhes Tropical”, serviu de residência
de D. João VI até 1821, quando deixou definitivamente o Brasil.
A construção abrigou seis gerações da família Bragança e foi
considerada o mais importante prédio público do Império. Com
a Proclamação da República e o banimento do Brasil de D. Pe-
dro II e sua família, o palácio foi adaptado e serviu de sede dos
trabalhos da Assembléia Constituinte que elegeria o primeiro
Presidente da República e promulgaria a Constituição de 1891, a
primeira Constituição do Brasil republicano.
Em 1892, o acervo do Museu Real, criado por D. João VI em
1818, foi transferido do Campo de Santana para o antigo Paço
da Quinta. O museu teve então o seu nome adaptado para os
tempos republicanos: Museu Nacional. Recebeu inúmeras per-
sonalidades, entre elas, Alberto Santos Dumont e Albert Einstein.
Desde 1946, por decreto presidencial, está sob a responsabi-
lidade da Universidade do Brasil (UFRJ). O museu abriga uma
das maiores coleções de história natural e é considerado um
dos museus mais importantes da América do Sul, apesar de seu
precário estado de conservação e das obras intermináveis que
atravessam décadas.

161
Aula 17 • Sociedade e cultura no Brasil independente: o Primeiro Reinado e o seu legado para o turismo

Figura 17.6: Fachada do Museu Nacional, a antiga “Versalhes brasileira”.


Fonte: Sítio oficial do Museu Nacional (http://www.museunacional.ufrj.br/)

Domingo na Quinta

Passar um domingo na Quinta da Boa Vista é uma das


formas de lazer mais tradicionais de cariocas e visitantes. Famí-
lias, grupos de amigos e jovens casais de todas as partes do Rio
de Janeiro, do país e do exterior ocupam o imenso espaço dos
românticos jardins projetados pelo mestre Glaziou, o Jardim
Zoológico (transferido de Vila Isabel para a Quinta da Boa Vista
e inaugurado em 1945) e o Museu Nacional desde muito tempo.
A Quinta da Boa Vista, que já abrigou pomposas festas,
sobretudo no período em que D. Pedro II ocupava as dependências
do Paço, abrindo as suas portas para a nobreza imperial, tradicional-
mente vem sendo usada como um espaço de realização de grandes
eventos populares, como festas cívicas (na era Vargas eram muito
comuns), shows dos mais diversos estilos musicais (com destaque
para os concertos do Projeto Aquarius, desde a década de 1970, cul-
tos religiosos, festivais infantis, eventos que promovam a prestação
de serviços de utilidade pública, entre outros).

162
História e Turismo

Museu do Primeiro Reinado (casa da marquesa


de Santos)

Nas imediações da Quinta da Boa Vista, encontra-se o belo


palacete que estimula o imaginário popular com histórias do
amor clandestino de D. Pedro I e D. Domitila de Castro Canto
Melo, a marquesa de Santos. É famosa a história da passagem
secreta entre as duas residências para encontros românticos, o
que não é confirmado pela historiografia. No turismo, entretanto,
a história da passagem secreta tem um grande apelo e faz muito
sucesso entre os visitantes. Foi o próprio imperador quem ad-
quiriu o terreno e mandou construir o belíssimo solar da mar-
quesa para a sua amada, que ali viveu entre 1826 e 1829 e teve
5 filhos com o imperador. Renomados arquitetos, entalhadores,
escultores, paisagistas e pintores, muitos deles integrantes da
Missão Artística Francesa, como Marc e Zéphyrin Ferrez, reali-
zaram um trabalho de grande importância artística e cultural.
O prédio, de estilo neoclássico, foi tombado pelo IPHAN
em 1938 e é a principal atração do Museu do I Reinado, que pos-
sui também um rico mobiliário do século XIX, cartas trocadas
entre o imperador e a marquesa de Santos, pinturas e peças
decorativas que completam a ambientação e o acervo do sun-
tuoso palacete.

163
Aula 17 • Sociedade e cultura no Brasil independente: o Primeiro Reinado e o seu legado para o turismo

O solar foi adquirido pelo barão de Mauá e mais tarde pelo


médico Abel Parente. Em 1979, foi criado o Museu do Primeiro
Reinado que, apesar de sua grande importância histórica e cul-
tural, recebe em média 300 pessoas por mês.

Figura 17.7: Museu do Primeiro Reinado na pintura naïf do artista J. Araújo, publicada no Mapa
de São Cristóvão e Adjacências (2004). A obra é parte integrante da série cultural O Rio de Janeiro
em mapas, editada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).

Outros atrativos

São Cristóvão não reúne somente a memória do Império.


É um bairro que concentra diversas outras atividades culturais de
interesse turístico, algumas já transformadas em atrativos, como
o Centro Luiz Gonzaga de Tradições Nordestinas (popularmente
conhecido como Feira de São Cristóvão); o Observatório Nacio-
nal, construído em 1922 em estilo eclético, que abriga o Museu
de Astronomia e Ciências Afins; e o Estádio de São Januário (pal-
co histórico de importantes festas cívicas do período Vargas e um
dos estádios de futebol mais importantes do país). Mesmo com
a criação, em 1998, do bairro Vasco da Gama, por decreto mu-
nicipal, é comum a associação entre o estádio e o bairro de São
Cristóvão. Vale também ressaltar a formação de um importante

164
História e Turismo

arranjo produtivo de moda em São Cristóvão, atraindo um outro


tipo de turista, interessado nas compras de roupas em lojas de
pronta entrega e atacadistas.
Diversos planos de revitalização do bairro estão em an-
damento, mas os problemas estruturais e o estado de seu pa-
trimônio não condizem com a sua importância histórica e cultural,
afastando uma considerável parcela de visitantes em potencial,
sobretudo os das camadas mais abastadas da sociedade.

Atividade
Atende ao Objetivo 2

3. O Museu do Primeiro Reinado é visitado mensalmente por


300 pessoas em média. Na sua opinião, por que esse número é
tão inexpressivo? Apresente sugestões que possam mudar essa
realidade.
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Comentário
O objetivo da questão é chamar a atenção para a pouca percepção
do Museu do Primeiro Reinado, enquanto museu, que contrasta com
a sua importância histórica e cultural, e desafiar a sua criatividade no
sentido de propor soluções viáveis para a valorização do museu pela
sociedade e sua percepção pelo trade turístico. Não se prenda aos
aspectos técnicos da gestão de museus. Priorize as idéias simples
que você considera eficazes para reverter o quadro.

165
Aula 17 • Sociedade e cultura no Brasil independente: o Primeiro Reinado e o seu legado para o turismo

Atividade Final
A um passo do Paço

Quem passa pelas imediações da Praça XV, no Centro do Rio de


Janeiro, já se acostumou ao movimento frenético dos turistas,
geralmente em grupos, acompanhados de seus guias, fotogra-
fando a fachada do Paço Imperial, embevecidos com as histórias
das célebres janelas onde aconteceram fatos históricos de grande
destaque, como o Fico e a assinatura da Lei Áurea pela Princesa
Isabel. Entretanto, a maioria dos grupos não adentra os portões
do Paço, hoje um interessante centro cultural, e desconhece toda
a riqueza desse patrimônio, que é considerado a mais importante
construção da arquitetura colonial brasileira e que foi o primeiro
local fotografado na América Latina, em 1840.
Faça um tour virtual pelo Paço Imperial e levante as principais
características desse importante mas pouco valorizado atrativo
histórico do Rio de Janeiro.

Comentário
O objetivo da questão é recuperar a história do Paço, que é bem an-
terior ao estabelecimento da Corte portuguesa no Brasil, e conhecer
mais detidamente esse rico patrimônio, ora desprezado pelo trade
turístico ora mal aproveitado com as rápidas visitas ao seu entorno
e as explicações muito simplificadas sobre o mesmo.

166
História e Turismo

Resumo
Procuramos nesta aula fazer um painel da conjuntura política do
período que compreende a Independência do Brasil e o fim das
regências, destacando os conflitos, transformações e permanên-
cias que caracterizaram esse breve mas movimentado período.
Enfatizamos o caráter elitista da Independência do Brasil e
destacamos o processo que se desenvolveu até a sua culminân-
cia no 7 de setembro. Procuramos ressaltar também o legado
cultural do período e seu aproveitamento turístico. Destacamos
a Rota Farroupilha, no Rio Grande do Sul, um produto turístico
recente, e o Bairro Imperial de São Cristóvão. Voltamos o nosso
olhar para a Quinta da Boa Vista, cuja importância é fundamental
para a história do Brasil, mas que ainda carece de reconheci-
mento e valorização por parte de toda a sociedade.

167
18 O Brasil de D. Pedro II e seu legado
como recurso para o turismo

Meta da aula
Apresentar os principais acontecimentos do II Império a
partir da própria figura de D. Pedro II, síntese da história
brasileira do período, destacando as viagens e os atrativos
turísticos atuais relacionados à sua história.

Objetivos
Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:

1 identificar as principais transformações ocorridas no


Brasil da segunda metade do século XIX;

2 reconhecer o legado histórico-cultural do II Império,


relacionando-o à atividade turística contemporânea.
Aula 18 • O Brasil de D. Pedro II e seu legado como recurso para o turismo

Introdução

A história do II Império brasileiro fascina qualquer pesqui-


sador. Foi um período bastante fértil para a política e a cultu-
ra nacionais. Nos 49 anos em que esteve no poder, D. Pedro II
procurou imprimir a marca da modernização ao país, susten-
tada por inúmeras contradições que nos faziam lembrar da
nossa situação de colônia de exploração por quase três séculos.
A escravidão, sem dúvida, foi a maior delas. Outro problema foi
a dependência do capital inglês. Entretanto, foi um período de
grande desenvolvimento técnico-científico e cultural.
Em face do considerável volume de informações relevantes para
os estudos da História do Brasil no II Império e diante das ricas
articulações com o turismo que o tema propicia, optamos por
selecionar alguns dos principais acontecimentos do período,
organizando-os numa breve síntese, para darmos ênfase a outros
aspectos não muito conhecidos do grande público e fazermos as
devidas conexões com o turismo. Assim, daremos destaque à
Ilha Fiscal, cenário do mitológico Último Baile do Império, que
até hoje povoa o imaginário dos visitantes desse importante atra-
tivo turístico; abordaremos as viagens de D. Pedro II que tanto
inquietaram a jovem nação brasileira e ajudaram a popularizar o
imperador no exterior; e viajaremos até Petrópolis, para conhe-
cer a cidade que leva o nome do imperador, mergulhando no
turismo local.
Aperte o cinto, que a nossa viagem já vai começar!

Cinqüenta anos em síntese: do golpe da maior-


idade ao fim da monarquia

Nesse meio século de história, foram muitos os fatos que


merecem destaque. Faremos uma rápida seleção dos principais
acontecimentos que marcaram o II Império e daqueles que, a nos-
so ver, se tornam hoje importantes para os estudos turísticos.
O longo governo de D. Pedro II é caracterizado pela ma-
nutenção do sistema escravista e pelo apoio político e principal-

170
História e Turismo

mente econômico da aristocracia agrária, em especial do Vale do


Paraíba fluminense, que será a sua base de sustentação no poder
em troca de títulos de nobreza e de status.

(...) a titulação representava uma compensação política.


No final da Guerra do Paraguai, D. Pedro faria muitos
nobres, assim como em 1888 – após a libertação dos es-
cravos –, quando vários proprietários ressentidos trans-
formavam-se em barões sem grandeza. Além disso,
se os títulos garantiam status, significavam gastos para
o contemplado e receitas para o Estado. Estranha no-
breza essa, que aguardava os títulos, mas literalmente
pagava pelo resultado de seus, não poucos, esforços e
adulações junto ao Imperador.
(...)
Enquanto na Europa é nobre quem é, ou seja, quem
nasce como tal, no Brasil a nobreza é um estado pas-
sageiro afirmado por uma situação política, econômica
ou intelectual privilegiada (SCHWARCZ, 1999, p. 192).

D. Pedro II – na verdade, Pedro de Alcântara João Carlos


Leopoldo Salvador Bibiano Francisco Xavier de Paula Leocádio
Miguel Gabriel Rafael Gonzaga (ufa!) – cultivava a fama de in-
telectual, amante das Artes e da Ciência. Estudou “apenas” por-
tuguês e literatura, francês, inglês, alemão, geografia, ciências
naturais, música, dança, pintura, esgrima e equitação, hebraico,
astronomia, grego, árabe, tupi, sânscrito e provençal. Pelo seu
grande interesse no desenvolvimento técnico-científico e cultural
do país, dentre outras inovações, estimulou:

• o início da “photografia” no Brasil, em 1840, com a intro-


dução do daguerreótipo, que produzia imagens sem um negativo.
A iniciativa foi do próprio imperador, que se tornou um colecio-
nador de “photos”, hoje disponíveis na Biblioteca Nacional, num
acervo formado por quase 22.000 fotografias;

171
Aula 18 • O Brasil de D. Pedro II e seu legado como recurso para o turismo

• a criação do Real Conservatório de Música do Rio de Ja-


neiro, em 1841;
• a fundação de Petrópolis, em 1843 (que trataremos com
mais detalhes nesta aula); nesse mesmo ano, o Brasil tornou-se
o segundo país do mundo a adotar o selo (o olho-de-boi) como
pagamento para os serviços postais, seguindo o exemplo da In-
glaterra;
• as comunicações: surgimento do primeiro telégrafo brasi-
leiro, em 1852. Dois anos depois, o Brasil instala o primeiro cabo
submarino transatlântico, transmitindo sinais sonoros e eletri-
cidade. Em 1874, foi construído um cabo submarino ligando o
Brasil à Europa; e foi inaugurado o telégrafo submarino entre
Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco e Pará. Em 1877, a primeira
estação telefônica do país é inaugurada no Rio de Janeiro.
A primeira demonstração do fonógrafo foi feita no Rio de Janeiro
em 1889;
• a participação do Brasil em várias exposições universais:
Londres, 1862; Viena, 1867; Paris, 1889;
• a inauguração da iluminação a gás na cidade do Rio de
Janeiro (1852);
• a inauguração do Imperial Teatro Dom Pedro II no Rio de
Janeiro;
• os transportes: foi D. Pedro quem construiu a primeira
estrada pavimentada do país, a União Indústria, ligando Petrópo-
lis a Juiz de Fora, em 1856. O empresário barão de Mauá, em 30
de abril de 1854, inaugurou a primeira ferrovia brasileira, ligando
a corte a Petrópolis (conforme estudamos na Aula 5); construção
da Estrada de Ferro D. Pedro II, em 1858, e da Estrada de Ferro
Santos-Jundiaí, em 1867; a primeira linha de bondes a vapor
no país é inaugurada, ligando a rua Gonçalves Dias ao largo do
Machado, no Rio de Janeiro (os primeiros bondes, movidos a
tração animal, surgiram em 1859, também no Rio de Janeiro); em
1884 foi inaugurada pelo imperador D. Pedro II a Estrada de Ferro
do Corcovado, no Rio de Janeiro.

172
História e Turismo

O trem do Corcovado inicialmente era movido a va-


por e foi o primeiro passeio turístico do Brasil. Em
1909, tornou-se a primeira ferrovia eletrificada do
Brasil. O trem do Corcovado já transportou mais de
36 milhões de pessoas pelas matas da Floresta da
Tijuca, com destino ao famoso morro que fica a 710
metros do nível do mar. Em 1931 foi inaugurada a
estátua do Cristo Redentor, o atrativo turístico mais
visitado do Rio de Janeiro e a imagem-símbolo do
país, eleito uma das Sete Maravilhas do Mundo Mo-
derno, em 2007.

Diversos movimentos de contestação política e social ocor-


reram no governo de D. Pedro II, como a Revolução Praieira (1848-
1850), em Pernambuco, de caráter separatista, os movimentos
abolicionistas e republicanos, além de várias insurreições e levan-
tes de escravos em todo o país.
O desgaste do regime monárquico foi provocado não so-
mente pela falência dos barões do café do Vale do Paraíba, seu
principal sustentáculo, mas pela ascensão política dos cafeicul-
tores do oeste paulista, identificados com os ideais republicanos
federalistas, que procuravam garantir mais autonomia adminis-
trativa e política para as províncias brasileiras, em especial a de
São Paulo. Também contribuíram para o enfraquecimento do
Império questões de ordem religiosa; a insatisfação dos militares
com a corporação e com os soldos após a Guerra do Paraguai
e as críticas aos longos períodos de ausência do imperador em
função das viagens que realizava pelo mundo, deixando no
poder sua filha, a princesa Isabel.
Entre 1865 e 1870, a Guerra do Paraguai devastou o Cone
Sul. Brasil, Argentina e Uruguai enfrentaram o Paraguai, que
vivia um franco processo de desenvolvimento, transformando-se
numa potência continental sem, contudo, possuir saída para o
mar. Invadiu as terras do Uruguai e do Brasil, o que deu início ao
conflito. O Brasil, que havia rompido relações com a Inglaterra,

173
Aula 18 • O Brasil de D. Pedro II e seu legado como recurso para o turismo

retomou a aliança e, após inúmeras batalhas nas quais se desta-


cou a figura do então marquês e mais tarde duque de Caxias, a
guerra chegou ao fim com a morte de pelo menos um terço da
população paraguaia, principalmente dos homens guaranis. To-
dos os países participantes do conflito – vencedores e vencidos
–, exauridos com as despesas da guerra, recorreram aos capitais
ingleses, aumentando ainda mais sua dependência econômica
em relação aos britânicos.
No Brasil, além da dívida, a principal conseqüência foi que o
exército tomou consciência de seu papel. Tinha ido lutar pela pátria
e agora queria participação na decisão de seus destinos. Muitos
escravos também participaram da guerra, lutando como qualquer
cidadão, e agora a questão abolicionista estava na ordem do dia.
A monarquia começava a ser identificada com a escravidão.
No mesmo período, foi lançado o Manifesto Republicano. Além
disso, vale salientar que a continuidade do regime dependia do
imperador, que naqueles anos encontrava-se com a saúde debi-
litada. Assim, por linhas tortas, se abriria o caminho da República.
Com o golpe militar republicano, a família imperial foi banida
do Brasil, e D. Pedro II veio a falecer em dezembro de 1891, em Paris.

As viagens de D. Pedro II

Durante o seu longo reinado, D. Pedro II viajou para vários


países do mundo. Uma de suas mais importantes biógrafas, Lilia
Moritz Schwarcz, autora de As barbas do imperador, o chamou de
“um monarca itinerante” e “um imperador brasileiro à solta”, refe-
rindo-se às andanças de D. Pedro pelo interior do país e pelo mun-
do. O escritor português Eça de Queirós, conforme nos conta Lilia
Schwarcz, apelidou o monarca de “Pedro da mala”, em referência à
inseparável valise utilizada nas inúmeras viagens do imperador.
Logo no início de seu governo, visitou as províncias de
Santa Catarina, Rio Grande do Sul e São Paulo, afastando-se por
seis meses da corte. Em 1847 viajou para o interior fluminense e
hospedou-se nas imponentes fazendas de café da região (retor-

174
História e Turismo

naremos a esse assunto na aula seguinte). Nos anos de 1859 e


1860 viajou para a Paraíba, a Bahia, Pernambuco, Sergipe e para
o Espírito Santo. Em 1861 visitou as estâncias termais de Poços
de Caldas e em 1865 esteve em Juiz de Fora. O imperador era
sempre recebido com muita pompa e muitas festas. Tais viagens
aumentavam a sua popularidade e ajudavam a unificar o país.
O imperador queria sair para ver o mundo e conferir de
perto o que estudara nos livros. Você se lembra da aula sobre
o Grand Tour? Pois é, tirando o fato de não haver um tutor e de
D. Pedro ter passado dos trinta e cinco anos, há muitas seme-
lhanças entre as suas viagens internacionais e as dos jovens
aristocratas do século XVIII. A sua primeira viagem internacional
ocorreu entre 1871 e 1872. Durou dez meses e foram visitados
vários países da Europa e também do Oriente Médio. D. Pedro II
tornou-se um viajante contumaz. As viagens eram sempre longas,
e, na sua ausência, o trono brasileiro ficava a cargo da princesa
Isabel, o que era fortemente criticado pelos seus oposicionistas.
O monarca era um freqüentador assíduo das várias ex-
posições internacionais de sua época, que exibiam o progresso
técnico e científico dos países que buscavam a sua preponderân-
cia no cenário internacional. Visitava também os museus, as
sociedades científicas, os círculos literários e as universidades,
à procura das novidades científicas e de seus inventores. Nos
Estados Unidos, em visita à Exposição Internacional da Filadélfia,
em 1876, entusiasmou-se com um estranho invento do ameri-
cano Alexander Graham Bell, que foi desprezado pelos visitantes
da exposição. Um ano depois, o primeiro telefone do Brasil foi
instalado no Palácio Imperial e, em 1883, a primeira linha inte-
rurbana foi inaugurada, ligando o Rio de Janeiro a Petrópolis,
onde o imperador costumava passar longas temporadas, como
veremos mais adiante. Essa segunda viagem internacional do
monarca durou 18 meses, deixando o trono a cargo de sua filha
e incendiando ainda mais a oposição.
Essas longas viagens abrangeram também a visita de
D. Pedro II a Portugal, Rússia, Inglaterra, Bélgica, Áustria, Grécia,

175
Aula 18 • O Brasil de D. Pedro II e seu legado como recurso para o turismo

Criméia, Turquia, Líbano, Síria, Palestina, Alemanha, Escócia, Ho-


landa, Escandinávia, Itália, Suíça e França, para onde mais tarde
retornaria, terminando os seus dias no exílio. Conta-se que ele
dava preferência aos navios regulares de passageiros, deixando
de lado a embarcação oficial com a escolta da guarda e aban-
donando todo o protocolo. Quando viajava, preferia se passar
por um cidadão comum. Misturava-se ao povo e pechinchava o
preço dos produtos. Mesmo quando recebido por autoridades de
outros países, comportava-se como um homem simples, procu-
rando construir no Brasil e no exterior a imagem de um cidadão
democrático, simples, sábio e justo. Isso estimulou a imaginação
dos oposicionistas, que faziam inúmeras críticas e divertidas sáti-
ras utilizando as longas viagens do imperador e sua imagem de
um simples viajante como tema, em contraste com os privilégios
da vida na corte. Um exemplo é a charge publicada na Revista
Ilustrada (1871) que selecionamos para esta aula.
Em suas viagens, o imperador recebia das autoridades
valiosos presentes característicos das culturas dos países que
visitava. Parte desses objetos integra o acervo permanente do
Museu Nacional (ver Aula 18), na Quinta da Boa Vista, que foi o
antigo Palácio Imperial, residência oficial do monarca até o golpe
republicano que o depôs, em 1889. Dentre esses “suvenires”,
citamos as múmias de sacerdotes, de crianças e de animais, que
fazem parte da Coleção Egípcia do Museu. As peças foram ofe-
recidas pelo quediva (soberano egípcio) ao imperador, em sua
viagem à terra dos faraós em 1871.

176
História e Turismo

Figura 18.1: A viagem de D. Pedro II e sua comitiva ao Egito, vista pelas


lentes do fotógrafo oficial.
Foto de O. Schoeff, 1872 (Biblioteca Nacional).

Figura 18.2: Charge publicada na Revista Ilustrada, em 1871. Dizia-se à


época que D. Pedro II devia se preocupar com o Brasil e não com o Egito.

Quanto aos demais viajantes brasileiros que quisessem (e


pudessem) circular pelo território nacional, estes teriam de por-
tar passaporte até 1842, quando o próprio D. Pedro II extinguiu
essa obrigatoriedade. Também não era cobrado o passaporte dos
estrangeiros que entrassem no país, em função da expressiva
imigração de trabalhadores para o Brasil no período. Um detalhe

177
Aula 18 • O Brasil de D. Pedro II e seu legado como recurso para o turismo

curioso é que, em viagens ao estrangeiro, os brasileiros precisa-


vam apresentar o passaporte e também anunciar a viagem nos
jornais durante três dias.

A caixinha de jóias do imperador

A Ilha Fiscal desperta a curiosidade de muitos brasileiros


e estrangeiros em visita à Cidade Maravilhosa. Conhecida dos li-
vros didáticos de História e pela aura de romantismo que envolve
a bela construção, esse atrativo turístico tem muita história para
contar. Não é somente a ilha do Último Baile (escrito com letra
maiúscula e tudo!) do Império, com muita pompa e glamour.
Se nos dias atuais é senso comum as pessoas fantasiarem em
torno dos belos trajes e da pompa que envolveu a festa, imagine
na época, quando uma multidão se aglomerou na Praça XV (que
obviamente não tinha esse nome) para ver a nobreza passar. Foi
providenciada até uma banda de música para animar o povo que se
aglomerou no local para ver os convidados passarem, sendo vaia-
dos ou aplaudidos pelos curiosos.
Conforme o dito popular, as aparências enganam. Por trás
de todo o requinte e toda a pose, aquela noite de 9 de novembro
de 1889 seria a última oportunidade para os nobres tupiniquins
curtirem as regalias da corte imperial. Percebendo a fragilidade
do Império diante dos movimentos republicanos que vinham ga-
nhando cada vez mais força, D. Pedro II ofereceu uma festança aos
nobres da corte e às autoridades dos países vizinhos, procurando
manter a aparência de que tudo estava em ordem. Foram envia-
dos dois mil convites (há controvérsias, pois alguns estimam que
fossem 4.500) para a festa no “castelinho” em estilo neogótico, re-
pleto de pinturas decorativas em seus interiores, lindos mosaicos
em madeira que ornamentam o chão, belíssimos vitrais ingleses e
um exuberante trabalho em pedra de cantaria. A construção imita
os palácios da região de Auverne, na França.

178
História e Turismo

A escolha da Ilha Fiscal foi estratégica: ameaçado de sofrer


um golpe pelo Exército, o imperador evitou realizar a festa no Pa-
lácio de São Cristóvão, pois seria um alvo fácil para os militares.
Também não a fez em Petrópolis, por causa do risco de ter as
pontes ferroviárias, que davam acesso à cidade, destruídas e de
ficar isolado. A razão da escolha da Ilha Fiscal (que recebe este
nome por ter sido um antigo posto alfandegário para inspecionar
os navios mercantes estrangeiros) deve-se ao apoio da Armada (a
Marinha), que era monarquista, garantindo a segurança da festa.
Foram consumidos naquela noite 800kg de camarão,
1.300 frangos, 500 perus, 64 faisões, 1.200 latas de aspargos,
20.000 sanduíches, 14.000 sorvetes, 2.900 pratos de doces,
10.000 litros de cerveja, 304 caixas de vinhos, champanhe e
bebidas diversas. Para custear tantas regalias, afirma-se que foi
utilizada a verba que serviria para socorrer as vítimas da terrível
seca do Nordeste, que se iniciou em 1877 e durou vários anos,
fazendo mais de 300.000 vítimas.

Figura 18.3: A beleza do cenário e a memória romântica do Último Baile


no imaginário coletivo fazem da Ilha Fiscal, além de um importante atra-
tivo turístico do Rio de Janeiro, um local muito disputado (e caríssimo!)
para os eventos da alta sociedade fluminense.
Fonte: Site oficial da Marinha do Brasil.

179
Aula 18 • O Brasil de D. Pedro II e seu legado como recurso para o turismo

Algumas curiosidades divertidas sobre o


Último Baile na Ilha Fiscal

• Logo que os convites começaram a ser distribuídos, os


estoques das lojas de tecidos no Rio de Janeiro esgota-
ram-se. Dondocas se plantaram nos salões de beleza 72
horas antes da festa para conseguir quem as emperi-
quitasse e muitas ficaram até três dias sem tomar ba-
nho e dormindo sentadas para não estragar os pentea-
dos. As roupas foram compradas nas sofisticadas lojas
da Rua do Ouvidor, a mais chique de todas as ruas do
Rio imperial. Lá também foram feitos os exuberantes
penteados, criações dos cabeleireiros franceses, que
continuam tendo bastante prestígio entre nós, imitados
pelos quatro cantos do país como os coiffeurs.
• Já os homens abusavam das brilhantinas inglesas da
Fritz Marck and Co. nos cabelos e nos bigodes. O jornal
Correio do Povo citou o mau gosto a que se entregaram
muitos dos convidados. Criticou ainda os homens que,
no salão, mantinham seus chapéus ingleses do Welli-
camp e do Palais Royal enfiados na cabeça.
• Na hora de servir os comestíveis, o visconde de
Cabo Frio soube que iria ser servido peru e, muito
preocupado com o que iria pensar a comitiva peruana,
presente à festa, mandou que os perus assados fos-
sem escondidos no porão; no entanto, alguns nobres
tentaram pegar alguns perus assados, mas a tentativa
foi descoberta e alguns fanfarrões foram detidos.
(Adaptado dos sites http://www.slideshare.net/JRCordeiro
PPS/ultimo-baile-ilha-fiscal e http://rickipanema-rioantigo.
buzznet.com/user/photos/?id=1963044)

Você não pode deixar de conhecer o belo trabalho


de Roberto Alegria e Antônio Andrade, disponível em
http://www.slideshare.net/JRCordeiroPPS/ultimo-
baile-ilha-fiscal.
São 52 slides ilustrados com belas fotos, contando
em detalhes a história da Ilha Fiscal e do lendário Úl-
timo Baile do Império e suas curiosidades. O trabalho
também contém outras informações importantes
para o turismo, como as características arquitetôni-
cas, a tipologia do acervo em exposição, os serviços

180
História e Turismo

disponíveis para o visitante, como a visita guiada de


ótima qualidade oferecida pela Marinha, entre outras.

Um passeio pela Cidade Imperial

Você já foi a Petrópolis? A “cidade de Pedro”, como o nome


diz, respira a atmosfera dos tempos do Império, e o turismo é, sem
dúvida, a sua maior fonte de renda. Localizada a 809 metros de al-
titude, Petrópolis é um destino turístico que faz parte da chamada
Serra Verde Imperial, na terminologia criada a partir do Plano Dire-
tor de Turismo do Estado do Rio de Janeiro, de 2001.
Antes mesmo de se tornar a Cidade Imperial, Petrópolis
foi uma importante rota de passagem do Caminho do Ouro, con-
forme estudamos na Aula 15. Já no Império, D. Pedro I, ao per-
correr o Caminho em direção a Vila Rica, precisava de um lugar
para pouso na região para então seguir viagem até as Gerais.
O clima de montanha, mais agradável do que na quente e úmida
capital do Império, e a beleza do local fizeram o imperador ad-
quirir em 1830 a Fazenda do Córrego Seco. Com a abdicação ao
trono em 1831 e o retorno a Portugal, D. Pedro II herda a fazenda
e a transforma no seu lugar predileto para veranear e fugir das
doenças do Rio de Janeiro que, conforme se acreditava na época,
eram transmitidas por meio dos “miasmas”.
A localidade foi urbanizada, com um projeto assinado pelo
engenheiro militar Júlio Koeler, da guarda pessoal do imperador,
e transformada na vila de Petrópolis em 1843, por decreto de
D. Pedro II. Foi o primeiro projeto urbanístico do Brasil. Para tra-
balhar nas obras, vieram diversos imigrantes europeus, especial-
mente alemães, italianos e portugueses, que ali se estabelece-
ram e imprimiram a sua marca na cultura local.

Veja outras fotos de Petrópolis no século XIX aces-


sando http://acervos.ims.uol.com.br/cgi-bin/wxis.
exe/iah/ Selecione a página 10.

181
Aula 18 • O Brasil de D. Pedro II e seu legado como recurso para o turismo

O Palácio Imperial, residência oficial de D. Pedro II em


suas longas temporadas em Petrópolis, construído em estilo
neoclássico, ficou pronto em 1865 e abriga, desde 1943, o Museu
Imperial, o mais importante atrativo turístico da cidade. Em 2007,
foi eleito uma das Sete Maravilhas do estado do Rio de Janeiro,
aumentando ainda mais o interesse dos turistas.

Figura 18.4: Atual Museu Imperial.

O Museu Imperial de Petrópolis é o mais visitado do Brasil,


com um público estimado em 300.000 pessoas por ano. Reunin-
do valiosos pertences da família imperial, o visitante tem grande
curiosidade de ver, principalmente, as jóias da Coroa. Lá se en-
contram as coroas imperiais de D. Pedro I e D. Pedro II, o manto
utilizado em cerimônias especiais, porcelanas do Oriente, artigos
de toucador com monogramas (PII), prataria, roupas, tapeçaria,
instrumentos musicais, quadros, móveis do período do Império,
sala das núpcias, quartos das princesas, entre outras atrações.
Em apenas uma sala se encontram objetos referentes à
escravidão, organizados de forma discreta e quase imperceptível
diante da suntuosidade e da cenografia utilizada para ressaltar o

182
História e Turismo

restante do acervo. A memória que o museu procura preservar é


mesmo a da corte rica e glamurosa, que povoa o imaginário po-
pular. Assim, ao se deparar com a sala em que estão as coroas
dos imperadores, num caminho estreito e escuro, cuidadosa-
mente planejado, é inevitável ouvir-se: “Oooooooooh!”

Educação patrimonial no museu

Um outro aspecto muito importante a considerar é o


trabalho de educação patrimonial que vem sendo realizado
pelo museu. Além das visitas orientadas (o museu não utiliza o
termo “visita guiada”), são desenvolvidos os seguintes projetos:
“D. Ratão”, para as crianças menores, que conta a história do mu-
seu do ponto de vista de um rato que se instalou no prédio (um
detalhe: todo o acervo é sinalizado na altura das crianças peque-
nas, com placas educativas ilustradas com os personagens da
história de D. Ratão); Projeto “Um sarau imperial”, voltado para
estudantes do 5º ao 9º ano do Ensino Fundamental; Projeto “Caixa
das descobertas”, para alunos do 5º ao 7º ano, entre outros.

Figura 18.5: Os projetos de educação patrimonial do Museu Imperial


estão entre os melhores do Brasil.
Fonte: Site oficial do Museu Imperial.

183
Aula 18 • O Brasil de D. Pedro II e seu legado como recurso para o turismo

Para conhecer os projetos educativos do Museu Im-


perial, acesse http://www.museuimperial.gov.br/edu-
cacao_patrimonial/sarau.asp

Um espetáculo de luzes e cores

Há alguns anos, foi criada uma atração permanente que


aumentou ainda mais o público do museu: o espetáculo de Som
e Luz, semelhante ao que acontece no Palácio de Versalhes e nas
pirâmides do Egito (em 2008, a Igreja da Antiga Sé, atual Igreja do
Carmo, no Centro do Rio, inspirada no modelo do Museu Imperial,
inaugurou o seu show de luz e som.
O espetáculo que acontece nos jardins do Museu Imperial
conta a história do II Império do ponto de vista das elites, simulan-
do um baile de gala no museu, no qual os visitantes são recepcio-
nados por atores em trajes de festa do século XIX e são transfor-
mados em convidados para a festa. O clima é de luxo e glamour, e
a história é contada de forma didática, romântica e acrítica.
“Som e Luz” consiste numa apresentação a céu aberto,
com projeções de imagens a partir dos equipamentos instalados
no interior do museu, e a sonorização é feita por meio de várias
caixas de som distribuídas por todo o jardim, onde ecoa a voz
marcante do ator Paulo Autran, o narrador do texto. A tela é uma
cortina de água, programada por computador, que se move em
várias direções e encanta os participantes. Também são projeta-
das imagens nas janelas do museu, que, vistas pelo lado de fora,
têm um realismo impressionante.
Do ponto de vista do turismo, o espetáculo é bastante in-
teressante, pois além de ser uma atração a mais para a cidade,
representa a utilização pública do espaço no horário noturno e
faz o visitante permanecer até mais tarde em Petrópolis. Conse-
qüentemente, utiliza mais serviços, e pode até decidir por per-
noitar na cidade.

184
História e Turismo

Figura 18.6: Cartaz do evento.


Fonte: Site oficial do Museu Imperial.

Outros segmentos turísticos

Além do turismo histórico-cultural, outros segmentos são


praticados na cidade: turismo rural, turismo de aventura, ecotu-
rismo, turismo gastronômico e o turismo de compras, represen-
tado pelo pólo moveleiro e, pricipalmente, pelo pólo de moda
instalado na rua Teresa. Muitos aproveitam para visitar os atra-
tivos ligados à presença da corte imperial na cidade e dão uma
“esticadinha” até a movimentada rua; outros vêm especialmente
para comprar as roupas da estação e conferir as liquidações.
A história da rua Teresa está ligada à criação da Com-
panhia Petropolitana de Tecidos, em 1873, que fazia parte de um
importante pólo têxtil da região no período do Império. Com o
fechamento das fábricas na década de 60 do século XX, vários
operários residentes na rua Teresa decidiram produzir as suas
próprias peças e vendê-las em suas casas.
O negócio deu tão certo que a fama da rua Teresa como um
pólo de moda correu o país e chegou ao outro lado do oceano:
não é difícil encontrar “sacoleiros” angolanos percorrendo os
quase 1.000 pontos-de-venda de roupas numa só rua em busca
de um bom preço para revenda das peças em seu país.

185
Aula 18 • O Brasil de D. Pedro II e seu legado como recurso para o turismo

Você sabia que...

...Petrópolis foi a capital do estado do Rio de Janeiro


entre 1894 e 1903?
...a União Indústria foi a primeira estrada de rodagem
do país (1861), ligando Petrópolis a Juiz de Fora?
...na cidade foi assinado o tratado que anexava o
estado do Acre ao território brasileiro (Tratado de
Petrópolis), por iniciativa do barão do Rio Branco?
...a primeira estrada asfaltada do país foi a Rodovia
Washington Luís, em 1928, que liga o Rio de Janeiro a
Petrópolis (trecho integrante da atual BR-040)?
...a rua Teresa gera mais de 40.000 empregos (diretos
e indiretos)?
...muitas personalidades célebres adotaram Petrópo-
lis para viver ou passar temporadas de veraneio,
como Santos Dumont (em sua exótica residência),
Rui Barbosa, o barão do Rio Branco, o barão de Mauá,
entre outros?
...um dos problemas mais graves que ocorrem em
Petrópolis é a ocupação desordenada das encostas
da Mata Atlântica e a crescente favelização, provo-
cando sérios riscos sociais e ambientais?
...a partir de 1904, a antiga residência do barão do
Rio Negro foi transformada em casa de veraneio dos
presidentes da República?
...a Fundação de Cultura e Turismo de Petrópolis ins-
tituiu o Prêmio Koeller de Turismo, que premia anual-
mente as empresas e os profissionais de turismo que
atraem o maior número de visitantes à cidade?
...o primeiro hotel de Petrópolis, o Hotel Suíço, foi in-
augurado em 1847?
...Petrópolis foi transformada na “Cidade Imperial”
em 1981?
...todo final do mês de junho e início de julho é reali-
zada a Festa do Colono Alemão (Bauernfest), em
Petrópolis, onde está localizado o Palácio de Cristal,
com direito a concurso de tomadores de chope a
metro e tudo?
...o Palácio do Quitandinha foi inaugurado em fe-
vereiro de 1944 e funcionava inicialmente como um
glamoroso cassino e hotel, freqüentado pela fina flor
da sociedade, incluindo presidentes da República?

186
História e Turismo

Perdeu o seu prestígio com a proibição do jogo, em


1946, e tornou-se, desde então, um condomínio de
apartamentos, com a parte social aberta à visitação
turística. Foi adquirido em 2007 pelo Serviço Social
do Comércio (Sesc) e está sendo preparado para vi-
rar um grande complexo de turismo e lazer, incluindo
boliche e patinação no gelo.

Acesse http://www.revistadehistoria.com.br/v2/home/
?go=detalhe&id=1310 e leia o artigo de Marcello
Sacarrone, intitulado Doze horas em diligência – o
primeiro guia de viagem feito no Brasil, com textos e
imagens, que conta a história do livrinho, publicado
em 1872, destinado aos viajantes que iam do Rio de
Janeiro a Petrópolis, “esticando” até Juiz de Fora.
O autor é o alemão Revert-Henry Klumb, fotógrafo
oficial da família imperial.
Já que você está com a “mão na massa”, aproveite
e visite também o site do Museu Imperial, especial-
mente na página http://www.museuimperial.gov.br/
biblioteca.htm, onde você encontrará as fotografias
das capas dos raríssimos guias turísticos referentes
a Petrópolis: Viagem Pittoresca a Petrópolis – ro-
teiro aos viajantes, recordação deste ameno torrão
brasileiro, de Eduardo e Henrique Laemmert, publi-
cado em 1862; Doze horas em diligência, a que nos
referimos antes; Petrópolis – guia de viagem, de J.
Tinoco (1885); e o interessante Os estabelecimentos
úteis de Petrópolis, de 1879.

187
Aula 18 • O Brasil de D. Pedro II e seu legado como recurso para o turismo

Atividade
Atende ao Objetivo 2
1. Nesta aula enfatizamos o Museu Imperial como atrativo-sím-
bolo de Petrópolis. Dentre os demais atrativos histórico-culturais
da cidade, escolha o que mais atrai a sua curiosidade e redija
um pequeno texto contendo: história desse patrimônio, aspectos
relacionados à gestão e à visitação turística (público estimado,
horário de funcionamento, principais atrações etc).
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_____________________________________________________________

Comentário
Nesta atividade você irá realizar um levantamento dos atrativos
histórico-culturais da Cidade Imperial (que não são poucos!) e es-
colher aquele que mais lhe chama a atenção, seja por afinidade, seja
por facilidade de fontes disponíveis. O importante é estabelecer uma
correta relação entre a história do atrativo e o turismo. Se escolher
a Catedral de S. Pedro de Alcântara, por exemplo, não deixe de con-
siderar o seu estilo arquitetônico, o que há para ser visto em seu
interior, por que a catedral é dedicada a esse santo, qual a relação
entre a família imperial e a catedral, qual o público estimado e outras
informações disponíveis sobre o turismo no local. Uma dica é pes-
quisar no site da Fundação de Cultura e Turismo de Petrópolis: http://
fctp.petropolis.rj.gov.br

188
História e Turismo

Resumo
O longo governo de D. Pedro II foi bastante movimentado, pro-
movendo grande desenvolvimento técnico, científico e cultural
no país. Meio século decorreu entre o auge e a decadência da
nobreza fundiária fluminense e do próprio regime monárquico
por ela sustentado. Muitos movimentos revoltosos ocorreram
nesse período, colocando em xeque a existência da monarquia
no Brasil. Somado a esses movimentos, acrescenta-se o des-
gaste físico e político da própria figura do imperador, que cos-
tumava realizar longas viagens pelo mundo, deixando o trono a
cargo de sua filha.
Derrubado por um golpe militar, o Império chegava ao fim,
mas não a fantasia e o glamour que vivem no imaginário coleti-
vo. Os atrativos turísticos decorrentes do período da corte impe-
rial são muito procurados no Rio de Janeiro, com destaque para
a Ilha Fiscal, palco do Último Baile do Império, e para a cidade
de Petrópolis, onde o carro-chefe do turismo é o Museu Imperial,
que possui interessantes projetos culturais e pedagógicos, além
de matar a sede daqueles visitantes que chegam à procura do
luxo e da extravagância da vida na corte.

189
19 Por entre fazendas e quilombos:
um passeio pela história imperial

Meta da aula
Relacionar a história do II Império com a prática turística
contemporânea nas fazendas de café imperiais e nos qui-
lombos.

Objetivos
Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:

1 reconhecer a importância da história do Vale do Paraíba


Fluminense e do turismo para o desenvolvimento
da região;

2 conhecer e avaliar as formas de uso turístico das fazen-


das de café imperiais e dos quilombos.
Aula 19 • Por entre fazendas e quilombos: um passeio pela história imperial

Introdução

As visitas às fazendas de café remanescentes do período impe-


rial estão cada vez mais populares. O trade turístico se organiza,
criando pacotes, organizando eventos, novos roteiros e pro-
movendo a região que foi o carro-chefe da produção da maior
riqueza do Brasil durante o Império. O imenso Vale do Paraíba,
dos morros meia-laranja e de clima ameno, foi o palco escolhido
para a produção cafeeira, para o estabelecimento dos ricos lati-
fundiários, transformados em nobres, a maioria “barões do café”,
donos de imensas fortunas, avaliadas tanto pelas suas imponen-
tes moradias e objetos pessoais quanto pelo número de escravos
que possuíam.
A escravidão continuou sendo a força motriz do Brasil indepen-
dente. Mas que independência, se o país insistia em ser o único
das Américas a explorar os corpos e as almas dos negros? Foi
à custa do trabalho escravo que esses barões fizeram riqueza,
exportando café para várias partes do mundo e sustentando
política e economicamente a Corte imperial.
Com a ruína da cafeicultura no Vale do Paraíba fluminense, a
abolição da escravatura, a falência dos barões e a instauração
da República, todos vistos de forma conjunta, qual foi o destino
do patrimônio remanescente do período imperial? Uma das al-
ternativas que vem apresentando grande êxito para dinamizar a
região (daremos mais ênfase nesta aula à porção fluminense do
vale) é o turismo rural ou, se você preferir, o turismo histórico
nas fazendas de café. Discutiremos as estratégias utilizadas pe-
los proprietários das fazendas para atrair os turistas; algumas
polêmicas referentes aos “exageros” cometidos; a escravidão
como atrativo turístico, entre outras questões.
E, por falar em escravidão, esticaremos nossa viagem até os
quilombos, agora redimensionados nesses tempos pós-moder-
nos, que se abrem ao turismo e apresentam um outro lado da
cultura negra que não se resume à memória dos grilhões e do
sofrimento nas senzalas.
Bom passeio!

192
História e Turismo

O “ciclo do café”, a escravidão e o turismo


contemporâneo

O processo de independência do Brasil e a instauração do


Império não puseram fim a uma das maiores chagas da nossa
história, que durou mais de 300 anos: a escravidão. Ao contrário,
o braço escravo continuou a sustentar a estrutura da sociedade
brasileira durante todo o período do Império. Para você ter uma
idéia, o Rio de Janeiro foi o maior porto de entrada de escravos
do Brasil. Só no século XIX estima-se que metade dos dois mi-
lhões de cativos que entraram no país desembarcou na cidade.
Além do trabalho nas lavouras, nas casas, no comércio e nas
minas, outra atividade extremamente relevante, como já estuda-
mos anteriormente, era o próprio comércio de escravos, o negó-
cio mais lucrativo do Brasil escravista.
Vários foram os movimentos antiescravistas no Brasil,
especialmente nos centros urbanos, ao mesmo tempo em que
cresciam as críticas internacionais. A Inglaterra era a principal
interessada no fim do trabalho escravo no Brasil, pois tinha o
interesse em ampliar a faixa de consumidores para absorverem
a sua imensa produção industrial, ao que o governo reagia com
o famoso “jeitinho brasileiro”, adotando medidas paliativas que
só faziam adiar a abolição. Desde 1807 os ingleses pressiona-
vam o Brasil a abolir a escravidão. Os brasileiros conseguiram
postergá-la por mais 80 anos com as famosas leis “para inglês
ver”, tais como:
• Lei Eusébio de Queirós – abolia o tráfico negreiro, em 1850.
Os escravos passaram a ser produzidos em cativeiro, isto
é, nas próprias fazendas brasileiras e intensificou-se o comércio
interno de escravos;

193
Aula 19 • Por entre fazendas e quilombos: um passeio pela história imperial

• Lei do Ventre Livre – 1871.


Faça as contas: segundo a lei, quem nascesse a partir
daquela data, quando completasse 21 anos estaria livre. Esta não
era uma forma de garantir o trabalho escravo por mais alguns
anos, adiando a abolição?!
• Lei Saraiva-Cotegipe, conhecida como Lei dos Sexa-
genários, de 1885, concedia a liberdade àqueles que atingissem
os 65 anos de idade.
Quantos tinham tanta longevidade, sabendo-se que a
expectativa de vida do escravo era baixíssima, principalmente
daqueles que trabalhavam nas minas ou nas lavouras?
• Lei Áurea – 1888.
Como já é bastante discutido pela historiografia crítica, a Lei
representou a culminância do processo de desgaste da escravidão,
deixando-se de lado a versão que ressalta a coragem e o heroísmo
da princesa Isabel, chamada pela historiografia oficial de “A Reden-
tora”. Feita para dar uma aura de simpatia à monarquia, acabou ti-
rando-lhe seu último apoio, que eram os barões do café decadentes
do Vale do Paraíba e os senhores de engenho nordestinos.
Observemos que o Brasil foi o último país a abolir a es-
cravidão nas Américas e isso só ocorreu graças a uma forte cam-
panha de opinião pública e porque não se justificava mais do ponto
de vista econômico, pois o café do Oeste paulista e outros setores
dinâmicos da economia já difundiam o trabalho assalariado.
Notemos ainda que nenhum plano foi feito para absorver
a mão-de-obra recém-liberta, pois, de um lado, os fazendeiros do
Centro-Sul preferiam importar mão-de-obra européia, partindo do
princípio de que ela seria necessariamente mais apta, e, de outro,
a Lei de Terras, criada em 1850, exigia que a terra, para ser legaliza-
da, fosse adquirida com dinheiro – tudo que os recém-libertados
não tinham. (Para aprofundar essa discussão, recomendamos a
leitura do interessante livro da professora Hebe Maria de Mattos,
do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense:
Das cores do silêncio: os significados da liberdade no Sudeste es-
cravista, Brasil século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.)

194
História e Turismo

Que futuro o país reservava para os ex-escravos e seus


descendentes? Essa enorme dívida social vem sendo cobrada
pelos movimentos organizados na atualidade, que propõem,
entre outras, as polêmicas medidas reparadoras, com destaque
para as cotas para negros, agora chamados afro-descendentes.

Turismo nas fazendas históricas de café

O Vale do Paraíba abrange cerca de 150 municípios, entre


os estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. É assim
denominado porque as cidades que compõem a região formam a
bacia hidrográfica do Rio Paraíba do Sul (que possui 1.120 km de
extensão, desaguando no Norte fluminense). Neste último, 37 ci-
dades são cortadas pelo Paraíba do Sul, que é de imensa importân-
cia para os fluminenses. No lado paulista, destacam-se as cidades
de São José dos Campos, Taubaté, Campos do Jordão, Lorena e
Guaratinguetá. Na porção mineira, compreende os municípios que
fazem parte da Zona da Mata, com destaque para Juiz de Fora.
A região turística denominada Vale do Café, conforme o
Programa de Regionalização do Turismo do Estado do Rio de Ja-
neiro, compreende os seguintes municípios: Barra do Piraí, Barra
Mansa, Engenheiro Paulo de Frontin, Mendes, Miguel Pereira,
Paracambi, Paraíba do Sul, Paty do Alferes, Pinheiral, Piraí, Rio
das Flores, Valença, Vassouras e Volta Redonda. Essa abrangên-
cia menor é estratégica, pois as demais cidades que compõem o
Vale do Paraíba Fluminense e também se dedicavam à produção
cafeeira, como Petrópolis, Itatiaia e Itaperuna, por exemplo, es-
tão classificadas em outras regiões turísticas: Serra Verde Impe-
rial, Agulhas Negras e Noroeste das Águas, respectivamente.
O Vale do Café localiza-se no centro-sul do estado, fazendo
divisa com Minas Gerais. É emoldurado pela Serra do Mar e os
planaltos da Mantiqueira, repleta de vales, rios e cachoeiras.
A região tem uma grande beleza cênica e um clima bastante
agradável, ideal para a produção de café nos idos do século XIX
e, mais recentemente, para a prática do turismo.

195
Aula 19 • Por entre fazendas e quilombos: um passeio pela história imperial

Com a decadência da cafeicultura no Vale do Paraíba,


muitas fazendas ficaram abandonadas, e a economia da região,
estagnada. Uma saída interessante foi o turismo histórico-cul-
tural nessas imensas propriedades. Essa atividade também se
inscreve no segmento do turismo rural, como preferem muitos
autores e empresários do setor. Descendentes dos antigos pro-
prietários ou dos novos donos das fazendas que foram vendidas
preocupam-se em preservar o seu patrimônio de olho nesse
novo filão. Algumas estão em ruínas; outras, impressionam pelo
seu excelente estado de conservação.
Boa parte das fazendas históricas de café que se voltaram
para a atividade turística abre as suas portas para os visitantes
conhecerem a propriedade, as dependências da casa grande e
da senzala e oferecem um lanche ou mesmo pensão completa.
Outras se transformaram em hotéis-fazenda, com uma estrutura
mais complexa de serviços, ou, na linguagem empresarial do tu-
rismo, “agregando novos valores ao produto fazendas históricas
de café”. Veja o caso do Hotel Fazenda Arvoredo, antiga Fazenda
Santa Maria – oferece diversas atividades lúdicas relacionadas
ao turismo de aventura –, que recebe os hóspedes com funcioná-
rios caracterizados como personagens do século XIX e com sa-
raus históricos (http://www.hotelarvoredo.com.br/historia.html).
A tradição em hospedagem das fazendas de café do Vale
do Paraíba remonta ao período em que a região esteve em seu
auge. Serviam de pouso para os ilustres viajantes no século
XIX. Muitas dessas fazendas, hoje abertas à visitação turística,
orgulham-se em contar episódios e exibir objetos contemporâ-
neos ao imperador D. Pedro II e outras personalidades célebres
do Império e da República. Este é o caso, por exemplo, do Hotel
Fazenda Villa-Forte, em Itatiaia, que desde 1918 funciona como
hotel (http://www.villa-forte.com.br/historico_marilia2.htm).
A Fazenda Taquara, de 1800, localiza-se no município de
Barra do Piraí e pertence à mesma família, que está na quinta gera-
ção. É a única que ainda produz café na região do vale fluminense.

196
História e Turismo

No inverno, o visitante tem a oportunidade de conhecer todo o


processo de produção artesanal, da colheita ao beneficiamento.
A sede e o mobiliário remanescentes do período áureo da ca-
feicultura no vale são cuidadosamente conservados. São servidos
lanche e almoço com os produtos cultivados no local, que também
são vendidos no porão da fazenda (http://veja.abril.com.br/vejarj/
010605/valenca.html).

Em Vassouras, a vedete é a Fazenda do Secretário. Seus


proprietários assim a definem:

A Fazenda do Secretário é o melhor exemplo de solar


rural cafeeiro em estilo neoclássico existente no Brasil.
Localizada no Município de Vassouras, RJ, a propriedade
chegou a possuir 500 mil pés de café e 366 escravos.

Restaurado e mobiliado ao estilo da época, o solar foi


construído em meados do século XIX (1830) por Lau-
reano Correa e Castro, o Barão de Campo Belo. O Barão
foi Coronel Comandante Superior da Guarda Nacional
de Vassouras e Iguaçu, Cavaleiro da Ordem de Cristo e
Comendador da Ordem da Rosa. O título de Barão lhe
foi agraciado em 1854, pelo Imperador Dom Pedro II.

A fazenda do Secretário possui vários aposentos, uma es-


cadaria importada da Europa, em madeira de lei; salão de
baile; escritórios; biblioteca; sala de jantar e banquete; ca-
pela e pinturas do catalão José Maria Villaronga, conhecido
por suas obras em estilo trompe d’oeil, uma das caracterís-
ticas da decoração interior das fazendas do Vale do Paraíba.

Os jardins, com sua extraordinária beleza e dimensão, pos-


suem estátuas em ferro fundido da famosa fundição Barbe-
zat & Co., localizada no Vale d’Osne.

A Fazenda do Secretário foi retratada por Vitor Frond, reno-


mado pintor, e já serviu de cenário para várias produções
da TV Globo, como as minisséries Os Maias e O quinto dos
infernos.

197
Aula 19 • Por entre fazendas e quilombos: um passeio pela história imperial

Figura 19. 1: A Fazenda do Secretário é uma das mais imponentes e


mais visitadas do Vale do Café.

Exemplo de roteiro turístico operado na região do Médio


Paraíba Fluminense

Rio das Flores e Barra do Piraí

1º dia
Sua chegada será bem-vinda em Barra do Piraí; são
quase 680 leitos a sua espera entre pousadas e hotéis-
fazendas aconchegantes.

2º dia
Pela manhã, visite Rio das Flores, que fica a 51 km de
Barra do Piraí. Visite as Cachoeiras do Amor, Chuvei-
rinho, São Leandro, Cachoeira do Mirante e também
fazendas históricas abertas à visitação. Também não
deixe de conhecer o alambique, a Estação Ferroviária
Expresso das Artes (artesanato), o Mirante Boa Vista,
o pesque-e-pague, o centro de recreação, a trilha do
Bananal (só com guias), um trecho da Estrada Real, a
cooperativa de doces e o artesanato local.
O almoço poderá ser feito em uma das fazendas ou no
centro de Rio das Flores.

198
História e Turismo

Pernoite em Barra do Piraí.


À noite, sugere-se o sarau apresentado em uma das
fazendas históricas.

(REVISTA BELLATOUR, 2003).

E então? Gostou do roteiro? Reparou que o primeiro


dia é livre? Ele é destinado ao check in e ao descanso
dos visitantes, o que é de praxe na maioria dos ro-
teiros turísticos em todo o mundo (no máximo, ofe-
rece-se um city tour, para reconhecimento do destino
turístico). Você tem disposição para percorrer todos os
atrativos naturais e culturais sugeridos no 2º dia?
A integração das fazendas num circuito, um deles ba-
tizado de The Coffee Break Tour, e a combinação entre
os principais destinos turísticos de interesse histórico
no estado do Rio de Janeiro – Petrópolis, Paraty e
Vale do Café – são exemplos da tendência que vem
crescendo entre as agências e operadoras de turismo,
procurando aumentar o tempo de permanência e os
gastos do turista no Rio de Janeiro.

O Conciclo, Conselho de Turismo da Região do Vale do Ciclo


do Café (http://www.valedocafe.com.br/conciclo.htm) e o Insti-
tuto Preservale (www.preservale.com.br) são dois dos principais
responsáveis por articular os proprietários das fazendas, mobili-
zando-os em torno da causa do turismo sustentável e do desenvol-
vimento regional. Além disso, as fazendas da região fazem parte do
Programa Fazendas do Brasil, juntamente com propriedades rurais
dos estados do Ceará e de Minas Gerais. O Programa Fazendas do
Brasil está associado aos projetos Solares de Portugal e Europa das
Tradições, formando uma grande rede de turismo rural dos dois la-
dos do Atlântico. Essa parceria favoreceu o turismo de luxo, com
um público europeu de alto poder aquisitivo hospedando-se nas
fazendas fluminenses integrantes do projeto.
Uma outra idéia que vem impulsionando o turismo nas
fazendas históricas do Vale do Paraíba é um diversificado calen-
dário de eventos associado às visitas às fazendas. Destaca-se o
festival Café, Cachaça e Chorinho, realizado no mês de abril, que

199
Aula 19 • Por entre fazendas e quilombos: um passeio pela história imperial

integra os diversos municípios da região, com música, festival


gastronômico e outras atrações, aumentando consideravelmente
o fluxo turístico no período.

Acesse http://www.institutocidadeviva.org.br/inventarios/
e conheça o interessante projeto Inventário das Fazendas
do Vale do Paraíba Fluminense. Você vai se surpreender
com a riqueza de informações sobre as fazendas, história,
estado de conservação, reformas e possíveis modifica-
ções sofridas na construção original, um levantamento
detalhado de fontes iconográficas e textuais, diversos
artigos científicos sobre o tema e fotos magníficas, sejam
as do século XIX, sejam as atuais.
Selecionamos, como exemplos, os casos da deslum-
brante Fazenda Boa Vista, localizada no município de
Paraíba do Sul, mas que não pode ser visitada, e o caso
da Fazenda Bananal, que tem no turismo uma de suas
principais fontes de renda.

Fazenda Boa Vista


http://www.institutocidadeviva.org.br/inventarios/sistema/
wp-content/uploads/2008/05/10_boa-vista.pdf.

Fazenda Bananal
http://www.institutocidadeviva.org.br/inventarios/sistema/
wp-content/uploads/2008/05/23_faz-bananal.pdf

Atividade
Atende aos Objetivos 1 e 2
1. Considere os três fragmentos a seguir:

a. (...) Não castigar os excessos que eles [os escravos] co-


metem seria culpa não leve, porém estes [senhores] hão de
averiguar antes, para não castigar inocentes, e se hão de ou-
vir os delatados e, convencidos, castigar-se-ão com açoites
moderados ou com os meterem em uma corrente de ferro
por algum tempo ou tronco. Castigar com ímpeto, com âni-

200
História e Turismo

mo vingativo, por mão própria e com instrumentos terríveis


e chegar talvez aos pobres com fogo ou lacre ardente, ou
marcá-los na cara, não seria para se sofrer entre os bárbaros,
muito menos entre os cristãos católicos (ANTONIL, André
João, Padre. Cultura e opulência do Brasil, 1711).

b. (...) Um grande passeio, uma grande aula. Tudo muito


bonito, muito lindo. Bonito saber da História; bonita é essa
viagem ao que foi o Brasil nessa época... você sentir de perto
o racismo, você sentir de perto a escravidão, que é uma coisa
muito distante das pessoas. Isso tem que preservar. Isso tem
que mostrar, fazer livros, catálogos, o que for possível. Levar
turistas para lá. Um circuito de visitantes, ônibus e ônibus e
ônibus levando a essas fazendas e que forneçam, que dêem
dinheiro, almocem, jantem, comprem artigos, sei lá... um pé
de café, para levar para casa, quem sabe... (CAYMMI, 2004).

c. (...) No município de Vassouras, a recepção na Fazenda


Cachoeira Grande confunde ainda mais os visitantes: lá,
apenas os empregados estão vestidos como personagens.
Os proprietários recebem os turistas com linguajar e trajes
contemporâneos, mas apresentam os “escravos” como se
estivessem nos idos de 1800.

(...) o professor da UFRJ, Manolo Florentino, critica: “O pro-


blema é que a encenação transmite ao turista uma visão
parcial do período escravocrata. Não existiu apenas a sub-
missão, isto tudo fez parte de um processo. E os revoltosos?
Os zumbis? A venda de uma história nacional passiva é,
senão curiosa, preocupante” (FILGUEIRAS, 2008).

Articule as idéias dos três fragmentos num texto, relacionando


turismo nas fazendas de café fluminenses, escravidão, ética e de-
senvolvimento econômico regional.
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Aula 19 • Por entre fazendas e quilombos: um passeio pela história imperial

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Polêmicas em torno da escravidão como atrativo turístico


Se o Museu Imperial de Petrópolis silencia sobre a es-
cravidão e faz ressaltar a memória da Família Imperial brasile-
ira, como vimos na Aula 19, o mesmo não acontece nas fazen-
das históricas de café, que abriram as suas portas para mostrar
ao turista, cada uma à sua maneira, um capítulo importante da
história brasileira, em que foram protagonistas.
Tem de tudo para agradar o visitante: desde cafés coloniais
e saraus onde todos se vestem com roupas “de época”, para utili-
zar o linguajar da teledramaturgia, até o apelo para o misticismo,
com histórias de gritos e sons de correntes, e até de fantasmas
de escravos que aparecem nas fotografias dos turistas!
Uma questão bastante polêmica em relação ao uso turístico
das fazendas de café fluminenses é a adoção de dramatizações
reproduzindo a vida cotidiana no período áureo da cafeicultura.
Algumas fazendas foram bastante criticadas por utilizarem pessoas
da comunidade para recepcionarem os turistas fazendo o papel de
escravas, sendo “maltratadas” pela proprietária branca da fazenda
que, aos gritos, dava ordens aos escravos para servirem os turistas.
Alguns visitantes acharam a idéia bastante realista, “experimentan-
do” os horrores do período, enquanto outros sentiam repugnância
e alguns não sabiam discernir se era encenação ou realidade.
Questionado sobre essas práticas como diferencial compe-
titivo no turismo, o historiador Manolo Florentino, da UFRJ, um
dos maiores especialistas nos estudos sobre escravidão no Bra-
sil, considerou preocupante não a dramatização em si, mas a ma-
neira como o escravo é apresentado aos turistas, destacando-se
sempre a passividade dos negros. Nas suas palavras:

202
História e Turismo

O problema é que a encenação transmite ao turista uma


visão parcial do período escravocrata. Não existiu apenas a
submissão, isto tudo fez parte de um processo. E os revolto-
sos? Os zumbis? A venda de uma história nacional passiva
é, senão curiosa, preocupante (FILGUEIRAS, 2008).

Em resumo, na maioria dos atrativos turísticos em


questão, não há lugar para o negro enquanto sujeito protago-
nista da história. A memória que se cultiva do período escravo-
crata e é reproduzida nas encenações/museus/ espetáculos para
os turistas ainda é bastante romântica e conservadora, repleta de
embonecadas sinhazinhas e austeros barões, de dominantes e
dominados, onde o negro é reduzido a coisa.

Assista, no YouTube, o site de compartilhamento da


internet, ao belíssimo vídeo Feiticeiro negro, que
aborda a temática do preconceito contra a religiosi-
dade afro-brasileira.

http://br.youtube.com/watch?v=TPwuTd5069I

Na cidade de Redenção, no Ceará, a memória da es-


cravidão é preservada e apresentada aos turistas pela exibição
de instrumentos de tortura aos escravos, como um repugnante
aparelho para extrair dentes e arrancar os seios das escravas bo-
nitas, a mando das enciumadas sinhás, conforme a matéria do
jornal O Globo:

“É muito forte ver isso”, diz alemão após visitar a senzala


(KOTSCHO; MELLO, 2006, p. 17).

Redenção (CE). Um grupo de 28 turistas poloneses fica cho-


cado com o que vê no Museu Senzala Negro Liberto instala-
do há três anos no antigo Engenho Livramento, que fabrica
a cachaça Douradinha, desde 1873, então ainda pelos 50
escravos da fazenda, agora exportada para a Europa.

203
Aula 19 • Por entre fazendas e quilombos: um passeio pela história imperial

“É muito forte para mim ver isso”, comenta em alemão o em-


presário polonês Gorczynski Bogdan ao sair da senzala cons-
truída no século 18 sob a casa-grande da fazenda pelo senhor
de engenho Semeão Telles de Menezes Jurumenha. Deve ter
sentido a mesma coisa que eu ao visitar os escombros de um
campo de concentração em Varsóvia durante a cobertura de
uma visita do então presidente norte-americano Jimmy Carter
à Polônia em 1977.

Tomada por nuvens de morcegos, a senzala foi preservada


pela família do atual proprietário, Hipólito Rodrigues de
Paula Filho, e quase todo dia recebe excursões de turistas,
a maioria europeus. Paga-se R$ 2 pela visita de uma hora,
conduzida por um dos cinco guias do museu.

Paulo Henrique Silva Soares, de 18 anos, é o mais jovem.


Filho e neto de lavradores que trabalharam no canavial do
engenho, aprendeu sozinho, ouvindo histórias dos mais ve-
lhos. Com a ajuda de Elisabeth Bernardelli, paulistana que
há quatro anos acompanha, a serviço da agência Heliance,
excursões de turistas estrangeiros e serve de intérprete, o
guia vai explicando aos poloneses como funcionava a fabri-
cação da cachaça.

Museu guarda peças de tortura

(...) No Memorial da Liberdade, estão expostos documentos


da compra e venda de escravos, e a cópia da carta que de-
clarou livres todos eles, ao lado de instrumentos de tortura
como o viramundo, algemas de ferro que prendiam mãos
e pés. Tem até um aparelho utilizado para extrair dentes e
seios das escravas mais bonitas – por ordem das sinhás que
sentiam ciúmes de seus maridos e filhos. Segundo ele, só
tem uma peça igual a esta no Museu de Medicina da Univer-
sidade de Harvard, nos Estados Unidos.

Sem janelas, com pé-direito baixo, que diminui à medida


que se caminha para os fundos, até chegar a 80 centíme-
tros, o cenário da senzala é assustador. “Como conseguia
alguém sobreviver ali?”, perguntam os turistas ao guia, en-
quanto tentam espantar os morcegos. (...)

204
História e Turismo

Atividade
Atende ao Objetivo 2
2. No Brasil, as visitas às senzalas, às fazendas do período da
escravidão que expõem objetos de tortura e aos museus que
guardam a memória da violência sofrida pelos cativos vêm
sendo exploradas turisticamente. No exterior, os museus do
Holocausto de Jerusalém (Israel) e de Washington (EUA), o
Memorial do Holocausto, em Berlim (Alemanha), e as salas de
tortura dos castelos medievais são bastante concorridos. Alguns
críticos consideram que tais “atrativos turísticos” são mero
interesse capitalista na exploração comercial da memória da vio-
lência, classificando-os como “parque de horrores” para o entre-
tenimento do turista disposto a pagar para ver a tragédia sofrida
pelos outros bem distantes deles – no tempo e no espaço. Outros
consideram que a visitação a esses centros de memória das tra-
gédias humanas é importante para provocar a reflexão crítica do
visitante e o sentimento de repulsa à violência, para que nunca
mais aquilo se repita.
E você? De que lado está? O que pensa sobre a exibição de ob-
jetos de tortura sofrida pelos escravos no Brasil para a visitação
turística?

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Comentário
Apresentamos uma polêmica bastante interessante que envolve a
relação turismo, moral e ética. Buscamos provocar a sua reflexão
sobre o tema da transformação da memória de fatos históricos vio-
lentos em atrativos turísticos. Não existe uma única direção como
resposta. O importante é que você conheça as diferentes correntes
de opinião e se posicione a respeito.

205
Aula 19 • Por entre fazendas e quilombos: um passeio pela história imperial

Comunidades quilombolas no Rio de Janeiro e


o turismo

Se por um lado algumas fazendas fluminenses são critica-


das por exaltarem somente o lado da opressão e submissão do
cativo, de outro, as comunidades remanescentes dos quilombos,
tanto no Rio de Janeiro como em outros estados, abrem as suas
portas aos turistas, apresentando-lhes uma outra face da história
do negro brasileiro.
Calcula-se que no Brasil existam mais de 1.000 comu-
nidades quilombolas. No estado do Rio de Janeiro, há notícia
de pelo menos 15 comunidades, localizadas nos seguintes mu-
nicípios: Búzios, Cabo Frio, São Pedro da Aldeia, Rio de Janeiro,
Mangaratiba, Angra dos Reis, Paraty, Quissamã, Vassouras,
Valença, Quatis e Rio Claro. Essas comunidades estão organiza-
das por meio da Associação das Comunidades Remanescentes
de Quilombos do Estado do Rio de Janeiro (Acquilerj). Muitas
ainda lutam pela titulação de suas terras, uma questão bastante
polêmica no país, como é o caso da comunidade da Marambaia,
localizada na Ilha da Marambaia, na cidade do Rio de Janeiro,
que enfrenta sérios problemas com a Marinha do Brasil.
A Constituição Federal de 1988 assegura, em seu artigo 68
do Ato de Disposições Constitucionais Transitórias, o direito à
propriedade definitiva aos remanescentes das comunidades dos
quilombos que estejam ocupando suas terras, cabendo ao Es-
tado a emissão dos títulos de propriedade. Além disso, o decreto
presidencial nº 4.887/2003 garante às populações indígenas e
tribais o direito de autodeterminação, isto é, o único critério para
que as comunidades sejam consideradas quilombolas é a sua
própria autodefinição. Os movimentos sociais de hoje reinterpre-
tam o artigo constitucional e o decreto presidencial e consideram
quilombos territórios de resistência cultural.
Entretanto, isso não significa dizer que as comunidades
quilombolas estejam isoladas no tempo e no espaço e mante-
nham as mesmas características do período escravista, que se-

206
História e Turismo

riam artificialmente classificadas como “identidade”. Ao contrá-


rio, o quilombo acompanha a dinâmica da sociedade. Seus habi-
tantes organizam-se em movimentos sociais e procuram reivin-
dicar os direitos e divulgar a sua cultura e a sua história.

Visite o site do Observatório Quilombola, disponível em:


www.koinonia.org.br/oq e conheça um pouco mais
da história e das demandas sociais das comuni-
dades remanescentes de quilombos.

O chamado “turismo étnico” é uma das formas de aproxi-


mação e divulgação da cultura e dos interesses das comunidades
quilombolas com o restante do conjunto da sociedade. A trans-
formação dos quilombos em produtos turísticos, com todo o
aparato necessário para a realização do turismo receptivo (quali-
ficação da mão-de-obra, parcerias, criação de um calendário de
eventos, capacitação dos grupos culturais para apresentação de
espetáculos para os turistas e outras providências) tem sido alvo
de críticas, pois argumenta-se que a cultura local está sendo
“descaracterizada” e criada uma outra forma artificial de se apre-
sentar a comunidade ao turista.
Essa discussão autêntico/tradicional x artificial/moderno
é uma das mais interessantes no campo da cultura. Conside-
rando-se que as culturas são móveis, é difícil extrair uma “identi-
dade”, uma essência verdadeira, original, na cultura de qualquer
grupo. Assim, a melhor forma de lidar com o dilema – seria a pre-
paração das comunidades quilombolas para o turismo uma forma
de maquiar a cultura local para agradar aos interesses da indús-
tria turística? – é entender que se trata de uma representação cul-
tural, uma versão de uma determinada memória dos quilombos
que se pretende valorizar e apresentar aos visitantes, que resulta,
em última instância, em trabalho e renda para a comunidade,
sem esquecer das trocas culturais entre comunidade receptora e

207
Aula 19 • Por entre fazendas e quilombos: um passeio pela história imperial

turistas. Nem certa, nem errada, nem verdadeira/autêntica, nem


falsa/artificial. Seria ingênuo acreditar que o que se apresenta
para o turista ver é fielmente o que se passa na vida privada dos
moradores dos quilombos, muito menos uma continuidade exata
de tudo o que ocorria nos primórdios dessas comunidades.
Selecionamos, como estudo de caso para esta aula, duas
comunidades quilombolas fluminenses, uma em Valença e outra
em Quissamã, que abriram as suas portas para o turismo.

O quilombo da Machadinha

No quilombo da Machadinha, localizado na cidade de Quis-


samã, no Norte fluminense, vivem cerca de 300 pessoas. A co-
munidade vem recebendo turistas em suas casas, que conhecem
um pouco da história do local, saboreiam vários pratos que eram
preparados nos tempos da escravidão, assistem às apresenta-
ções de jongo e do fado, heranças culturais dos antepassados.
O poder público local, visando à estruturação da comuni-
dade para o turismo, criou diversas parcerias (Sebrae, Senac e
outras) para qualificar a mão-de-obra, formando guias da própria
comunidade, garçons, cozinheiros, artesãos e outros profis-
sionais. Foi criado o projeto Raízes do Sabor, pelo qual foram
realizadas pesquisas nas fontes documentais para que fossem
“resgatadas” as receitas da culinária do período da escravidão.
Os dançadores do fado e do jongo (reconhecido desde 2005
como patrimônio cultural do Brasil, pelo IPHAN) foram capacita-
dos para realizarem apresentações para os turistas.
Também foi construída a Casa de Artes de Machadinha,
com características arquitetônicas muito semelhantes às senza-
las do século XIX. O local, inaugurado em 2008, funciona como
um centro de memória da cultura negra destinado a receber os
visitantes com toda a infra-estrutura turística. Além disso, foram
restauradas as senzalas que servem de habitações para as pes-
soas da comunidade, a capela de Nossa Senhora do Patrocínio
e o armazém. Todo esse conjunto integra o que foi batizado de
Complexo Cultural da Fazenda Machadinha.

208
História e Turismo

O quilombo São José

O quilombo São José da Serra, localizado na Serra da Bele-


za, no município de Valença, é considerado o mais antigo do es-
tado do Rio de Janeiro. Ainda conserva suas habitações rústicas,
com casas de barro e telhado de palha; utiliza-se o ferro a carvão,
o candeeiro e o fogão a lenha. Estima-se que existam cerca de
200 moradores de 24 famílias na comunidade, que conservam o
jongo, a umbanda, o calango, o terço de São Gonçalo, as rezas
e benzeduras, o artesanato e a agricultura familiar entre as suas
práticas culturais.
Os artesãos da comunidade receberam qualificação para
a produção do artesanato para o turismo. Suas bonecas de palha,
além do mel, do CD-livro Jongo do Quilombo São José, produzido
pelos quilombolas em parceria com o Sesc, e outros produtos
foram exibidos na Feira da ABAV, a Associação Brasileira das
Agências de Viagens, no estande do Ministério do Turismo. “Só
o turismo para viabilizar meu trabalho, pois são os turistas que
compram meus produtos. Essa iniciativa é muito importante
para mim”, avalia Luciano Estevão do Nascimento, morador do
quilombo São José, em entrevista ao jornal Informe Sergipe, em
outubro de 2005.

Veja belíssimas fotos do quilombo São José da Serra


em: http://quilombosaojosedaserra.blogspot.com/

Para o aprofundamento do tema, sugerimos o estudo


“Comunidade Quilombola de Furnas do Dionísio: manifestações
culturais, turismo e desenvolvimento local”, de Anelize Martins de
Oliveira e Marcelo Marinho, publicado no Caderno Virtual de Tu-
rismo, nº 5, 2005, do Instituto Virtual de Turismo: www.ivt-rj.net.

209
Aula 19 • Por entre fazendas e quilombos: um passeio pela história imperial

Visite o site http://www.sebraerj.com.br/custom/pdf/


cam/cafe/01_Introducao.pdf e observe a importân-
cia da relação história e turismo no Rio de Janeiro,
através da profunda pesquisa sobre os caminhos dos
produtos fundamentais para a história econômica
brasileira. Para acessar os outros caminhos, subs-
titua a palavra cafe do link pelo caminho desejado
(ouro, sal ou acucar).

Resumo
O turismo histórico nas fazendas de café do Vale do Paraíba,
em especial na sua porção fluminense, ao qual procuramos
dar destaque, revela-se uma alternativa econômica bastante
importante para a região. Para aumentar a atratividade turística,
os proprietários das fazendas lançaram mão de dramatizações
e saraus culturais, esbarrando, alguns deles, em questões deli-
cadas para a sociedade brasileira atual, como a relação de sub-
missão senhor/escravo sem, contudo, apresentarem o lado da
resistência dos negros à violência do cativeiro.
As visitas aos quilombos fluminenses, como o de São José e o
da Machadinha, atraem cada vez mais os turistas, interessados
em conhecer as formas de vida nessas comunidades. Os quilom-
bos devem ser percebidos como espaços dinâmicos, onde no-
vos elementos se mesclam aos traços tradicionais, não estando
seus habitantes, portanto, congelados no tempo e no espaço,
mas interessados em interagir com os visitantes, estabelecendo
aí trocas culturais e encontrando uma nova forma de obter tra-
balho e renda.

210
20 Da proclamação da República aos
“Anos Loucos”

Meta da aula
Apresentar as principais características do período entre
1889 e 1930, relacionando-as à atividade turística.

Objetivos
Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:

avaliar a realidade brasileira nos primeiros anos da


1
República, reconhecendo as mudanças e permanên-
cias em relação ao regime anterior;

2 destacar a relevância das transformações ocorridas


no período e sua relação com a estruturação do turis-
mo no país, em especial na cidade do Rio de Janeiro;

relacionar o legado histórico-cultural da Primeira


3
República ao turismo.
Aula 20 • Da proclamação da República aos “Anos Loucos”

Introdução

O período compreendido entre o final do Império no Brasil e a


chegada de Vargas ao poder, em 1930, é marcado pela manu-
tenção de antigas práticas que garantem os privilégios e a con-
centração de renda e poder nas mãos das oligarquias rurais. Ao
mesmo tempo, profundas transformações políticas, sociais e
culturais estão em curso em todo o mundo, principalmente nas
novas cidades, inaugurando a modernidade e favorecendo o de-
senvolvimento da atividade turística. Este período é muito im-
portante para o entendimento da história do turismo no Brasil e
é ponto central de nossa aula.
Bons estudos!

A proclamação e os primeiros anos da Repúbli-


ca

A monarquia brasileira mostrava-se antiquada ao final do


século XIX. A partir de 1870 teve início o progressivo declínio do
Segundo Reinado. Esse declínio se relaciona com as transforma-
ções econômicas e sociais ligadas à ascensão da economia cafe-
eira após a metade do século XIX. O surto industrial, com o de-
senvolvimento das ferrovias, criou novos interesses aos quais o
Império centralizado não conseguia satisfazer. Paralelamente, os
cafeicultores de São Paulo queriam a descentralização do poder
para controlar e desenvolver a região cafeeira do Oeste Paulista.
No espaço urbano, diversos grupos sociais reivindicavam parti-
cipação política e alinhavam-se aos republicanos. A permanência
da família imperial no poder, portanto, estava insustentável.
A proclamação da República, ocorrida a 15 de novembro
de 1889, onde hoje se localiza o Campo de Santana, no Rio de
Janeiro, teve o apoio decisivo dos militares, comandados pelo
marechal Deodoro da Fonseca. Conforme a carta do jornalista
Aristides Lobo, publicada em 18 de novembro daquele ano no
Diário Popular, “o povo assistiu àquilo bestializado, atônito, sur-

212
História e Turismo

preso, sem conhecer o que significava. Muitos acreditaram seria-


mente estar vendo uma parada.” O texto inspirou o belo livro do
conceituado historiador José Murilo de Carvalho, da UFRJ, que
destaca que o movimento da proclamação da República não teve
participação popular.
O papel cumprido pelo Exército na proclamação da Re-
pública assegurou aos militares a chefia do novo governo en-
tre 1889 e 1894, período que ficou conhecido como República da
Espada. Foram anos conturbados, marcados pelo autoritarismo
dos governantes, pela repressão armada contra os grupos oposi-
cionistas, os críticos do regime e os movimentos de caráter mes-
siânico, que foram acusados de monarquistas.
Foi promulgada em 1891 a primeira Constituição do Brasil
republicano, inspirada no modelo norte-americano, destacando-
se os seguintes princípios: o Poder Executivo seria exercido pelo
presidente da República, eleito para um mandato de quatro anos;
federalismo (autonomia política para os estados, que deixaram
Os coronéis eram
de se chamar províncias); instituição do sufrágio direto e univer-
fazendeiros que contro-
sal (que, apesar do nome, garantia somente aos homens maiores lavam a política regional
e faziam “favores” para
de 21 anos e alfabetizados o direito de votar (mulheres, mendi- a maioria da população,
conseguindo emprego,
gos, religiosos de ordem monástica e praças estavam excluídos),
serviços de saúde,
separação entre Igreja e Estado; instituição do casamento civil e segurança aos mais
necessitados em troca do
da liberdade de culto para todas as crenças religiosas. voto em seus candidatos,
O período que compreende a proclamação da República até que lhes garantiriam a
verba necessária para a
o ano de 1930, com a Revolução (na verdade um golpe que condu- realização desses favo-
res. A prática da troca de
ziu Vargas ao poder), é conhecido como República Velha – termo favores por voto nesse
pejorativo criado no Estado Novo – ou Primeira República, que período ficou conhecida
como “coronelismo”.
teve como características principais, no plano político: a participa- O coronel indicava os
candidatos em que os
ção das oligarquias (grandes famílias proprietárias de terras) no
eleitores sob seu controle,
poder, sustentadas por um poderoso esquema político, no qual, isto é, seu curral eleitoral,
deveriam votar. Esse voto
a fraude era comum nas eleições e os eleitores eram obrigados a imposto e controlado pelo
coronel ficou conhecido
declarar o seu voto, sob a ameaça dos violentos coronéis.
como voto de cabresto.
O uso da ameaça e da
violência pelo coronel era
uma forma de coerção
muito comum.

213
Aula 20 • Da proclamação da República aos “Anos Loucos”

A política dos governadores

Um compromisso semelhante ao que se estabelecia entre


os coronéis e os governadores dos estados ligava estes últimos
ao presidente da República.
Apoiando-se nos chefes políticos locais (os coronéis), os
governadores ajudaram a eleger os deputados e senadores favo-
ráveis ao presidente da República. O Presidente, por sua vez, re-
tribuía esse apoio político oferecendo verbas, empregos e apoio
político aos governadores. A política de troca de favores no nível
estadual reproduzia-se também no nível federal.

A política café-com-leite

Nas onze eleições presidenciais diretas havidas durante a


Primeira República, a aliança entre os estados de São Paulo e
Minas Gerais fez nove presidentes vitoriosos, seis paulistas e três
mineiros. A esse domínio do Executivo Federal por paulistas e
mineiros durante a República Velha deu-se o nome de política
café-com-leite, porque Minas também era um grande produtor
de laticínios, embora os interesses dominantes nos dois estados
fossem os da oligarquia cafeeira.

A economia cafeeira

No início da República, o plantio de café aumentou de for-


ma significativa. A área cafeeira do Vale da Paraíba estava em
decadência desde o final do Império, devido à devastação dos
solos que provocara a queda da produtividade e a desvalorização
das terras.
Muitos fazendeiros da região transferiram seus capitais
para o Oeste paulista, onde as condições de relevo, clima, plu-
viometria e fertilidade do solo eram melhores para a produção
cafeeira. A imagem que ficou do Vale do Paraíba fluminense foi a
da rápida decadência, com o empobrecimento dos fazendeiros e
o abandono das cidades.

214
História e Turismo

Além das condições geográficas favoráveis, as técnicas de


plantio e beneficiamento eram mais modernas, o que aumentava
a produtividade.
Pouco antes da proclamação da República, São Paulo já
era a primeira província produtora de café. O Rio de Janeiro, até
então o principal produtor, entrou em decadência, sendo supe-
rado por Minas Gerais em 1896 e pelo Espírito Santo em 1928.
Minas, o segundo produtor, manteve uma linha de crescimento
estável e lenta.
Em 1896, houve uma safra recorde de 14 milhões de sa-
cas, e o preço do café caiu; a queda continuou no ano seguinte.
Os baixos preços do café tornavam a balança de pagamentos
desfavorável, o que impossibilitava o governo de saldar as dívi-
das com os credores estrangeiros.
Desde 1895, a economia cafeeira começava a mostrar sinais
de crise de superprodução. Enquanto a produção de café no Brasil
crescia de modo desmesurado, o mercado consumidor europeu
e o norte-americano não se expandiam no mesmo ritmo. Conse-
qüentemente, sendo a oferta maior que a procura, houve uma
violenta queda nos preços, afetando diretamente os produtores.
Para solucionar o problema, o governo federal lançou
sucessivos planos para reerguer os preços do café. A principal
medida, iniciada em 1906, foi a contratação de empréstimos no
exterior para comprar estoques de café que não conseguiam ser
vendidos e assim forçar o aumento dos preços. Dessa manei-
ra, a oferta ficaria regulada e o preço poderia se manter. Isso se
chamou política de valorização do café. O Estado tornou-se um
instrumento dos interesses da oligarquia cafeeira.

Movimentos de contestação social

Durante a Primeira República, vários movimentos de con-


testação da ordem social, ocorridos no campo e no espaço urba-
no, expressavam a insatisfação popular com a nova ordem con-
solidada pelo novo regime republicano.

215
Aula 20 • Da proclamação da República aos “Anos Loucos”

Nesse mosaico de reivindicações, eclodiram movimentos


dos mais diferentes tipos, tais como: a Revolta da Vacina (1904),
na qual a população pobre residente nos cortiços e favelas do
Rio de Janeiro se revoltou contra a maneira autoritária de o go-
verno combater as doenças endêmicas, como a varíola; a Revolta
da Chibata (1910), liderada pelo marinheiro João Cândido, em
que os marinheiros dos encouraçados Minas Gerais e São Pau-
lo revoltaram-se no Rio de Janeiro contra os castigos corporais
que recebiam dos oficiais, com surras de chibata e outras atro-
cidades; a Revolta do Forte de Copacabana (1922), liderada por
capitães e tenentes do exército, que tentou depor o presidente
da República, Epitácio Pessoa, e inaugurou uma série de levantes
do tenentismo, além de inúmeras manifestações do operariado
urbano brasileiro, com destaque para o movimento anarquista.
Foram também desse período as revoltas rurais de Canudos (no
sertão da Bahia) e do Contestado (região de fronteira entre os
estados de Santa Catarina e Paraná).

Almirante Negro: da prisão e censura à homenagem


do Estado
Num país onde até bem pouco tempo os heróis da
nação eram pessoas ligadas às elites políticas, soava
estranho que um negro, líder de uma insubordinação
de marinheiros de baixa patente contra os castigos
corporais praticados pela Marinha brasileira, fosse
lembrado pela História. Mais que isso: era inadmis-
sível, para os governos autoritários que se estabe-
leceram no país, a simples menção de nomes como
Antônio Cândido, o Almirante Negro, líder da Revolta
da Chibata em 1910.
João Bosco e Aldir Blanc, autores da belíssima can-
ção interpretada pela inesquecível Elis Regina, tive-
ram que modificar a letra de “Mestre-sala dos Mares”
para agradar aos censores do regime militar.
Com o término da ditadura militar e com as transforma-
ções por que passou o conhecimento sobre a História

216
História e Turismo

a partir dos anos 1970, introduzindo novas abordagens


e novos sujeitos na História, inclusive as camadas po-
pulares, João Cândido, o Almirante Negro, foi alçado
à condição de herói da resistência popular contra os
abusos praticados pelo Estado e é citado pela maioria
dos livros didáticos da disciplina. O mesmo acontece
com Tiradentes, Zumbi dos Palmares, Antônio Conse-
lheiro e outras personalidades históricas de origem
popular que já foram vistas pela historiografia como
vilões da pátria e hoje são motivo de orgulho nacional.
Essa é uma importante reflexão para você fazer ao es-
tudar História, buscando sempre pensar criticamente
sobre os interesses e valores que estão relacionados
à produção de um texto histórico e inserir o discurso
historiográfico no contexto de sua época.
A importância de João Cândido para a história do
país, contudo, ainda é motivo de controvérsia. Até
hoje, a Marinha não reconhece o Almirante Negro
como um herói. Um busto em sua memória levou
seis anos para ser instalado na praça XV, próximo ao
cais, palco da Revolta da Chibata. A Marinha se opôs
à homenagem, e o busto ficou provisoriamente no
Museu da República, no Catete. No final de 2008, o
presidente Lula “concedeu anistia” a Antônio Cândi-
do, e finalmente o busto foi instalado, mesmo a con-
tragosto da Marinha. Em sua próxima visita ao Cen-
tro do Rio, não deixe de perceber a homenagem ao
Almirante Negro.

Atividade
Atende ao Objetivo 1
1. Analise a charge a seguir, levando em conta o contexto em que
a obra foi produzida.

217
Aula 20 • Da proclamação da República aos “Anos Loucos”

Figura 20.1: Charge de Angelo Agostini, publicada na Revista Illustrada


(ano 10, nº. 415, 28/7/1885).

Comentário
A atividade tem como objetivo valorizar a charge (ilustra-
ção com humor crítico) como documento histórico, enfocando o
contexto da queda do Império brasileiro. O italiano radicado no
Brasil, Angelo Agostini, é um dos principais artistas de sua épo-
ca, documentando por meio de seu humor inteligente as cenas
do cotidiano brasileiro e os acontecimentos políticos mais rele-
vantes do Segundo Reinado. Abolicionista e republicano, levava
para as páginas de sua Revista Illustrada a crítica mordaz a D. Pe-
dro II. Procure considerar em sua análise o ano em que a charge
foi produzida e o que acontecia naquele período, a forma como
D. Pedro é visto pelo cartunista, o local onde se encontra e o que
representam os jornais que aparecem na ilustração.

218
História e Turismo

Saiba mais sobre Agostini conhecendo o magnífico


projeto “O carnaval visto por Angelo Agostini”, do Cen-
tro de Pesquisa em História Social da Cultura (Cecult)
da Unicamp.
Disponível em: http://www.unicamp.br/cecult/Angelo
Agostini/index.html.

As várias faces da modernidade

O século XX se inicia com uma série de inovações possi-


bilitadas pelo desenvolvimento técnico-científico. O jornalista
Ivan Tolstói definiu de forma precisa o clima de euforia trazido
pela modernidade:

O século XIX foi um período de avanços científicos prodi-


giosos, durante o qual campos completamente novos da
ciência surgiram [...]. O desenvolvimento tecnológico tam-
bém foi espetacular – talvez mais ainda do que o científi-
co na mente do grande público. Transporte, eletrificação,
indústrias químicas, controle de doenças – a lista é infinita
– estavam alterando a sociedade de modo profundo e ir-
reversível. Por volta de 1900 o poder da tecnologia estava
muito além do que qualquer outro século jamais sonhara.
Não havia precedente histórico para o que se passava... isso
suscitou um otimismo curioso, uma fé que afirmava, com
efeito, que estávamos no caminho certo – um pouco mais
de esforço, um bocadinho mais de boa vontade e o nosso
músculo científico-tecnológico recém-adquirido, o poder do
conhecimento, resolveria todos os problemas e nos alçaria
a mundos novos e utópicos (TOLSTÓI apud SEVCENKO,
1998, p. 514).

O historiador Nicolau Sevcenko, no mesmo texto citado


anteriormente, nos brinda com uma relação de invenções téc-
nico-científicas extraídas dos anúncios de jornais e revistas do
início do século XX, que, aos olhos de hoje, beiram o cômico,
mas que no período fizeram a fortuna de seus criadores: “ema-

219
Aula 20 • Da proclamação da República aos “Anos Loucos”

grecedor de narizes”; “desenvolvedor de seios”; “sabonete para


pessoas peludas”; a estranha “Cruz Elétrica de Volta”, espécie de
“Doutorzinho” da época (aquele popular remedinho que serve
para quase tudo...). Para você ter uma idéia, a tal Cruz Elétrica de
Volta curava “todos os males reumáticos, nevrálgicos, cutâneos
e subcutâneos, hemorróidas, tosse, surdez, anemia, paralisia, hi-
pocondria, diarréia, dor de dentes, pés frios e asma”, conforme
escreve o historiador. O raio X, entretanto, é uma das mais im-
portantes invenções do período.
Outras criações de profunda relevância para a humanidade
foram os premiados inventos do brasileiro Alberto Santos Dumont.
Nos céus de Paris, contornando aTorre Eiffel, Santos Dumont encan-
tava o mundo desafiando a gravidade e provando que o homem
poderia voar em balões, dirigíveis e na sua mais notável criação: o
avião. A partir daí, as distâncias foram encurtadas, aproximando as
pessoas e as nações dos quatro cantos do planeta (certamente, você
já deduziu que Santos Dumont deu uma grande contribuição ao tu-
rismo, não é mesmo?). Conta-se que o Pai da Aviação teve a sua
vida abreviada pelo desgosto de ver a sua criação utilizada como
arma de guerra.

220
História e Turismo

Figura 20.2: Santos Dumont, em 1901, contorna a Torre Eiffel


com seu dirigível número 6 e vence o Prêmio Deutsch, num
encontro entre dois dos maiores símbolos da modernidade
(autor desconhecido).
Fonte: Centro Contemporâneo de Tecnologia - CCT.

A I Guerra Mundial (1914-1918) representou o mais terrível


extermínio da história da humanidade até então, deixando um
saldo de aproximadamente 10 milhões de mortos, o triplo de fe-
ridos, arrasando campos agrícolas, destruindo indústrias, além
de gerar grandes prejuízos econômicos.
Vários problemas atingiam as principais nações européias
no início do século XX. O imperialismo econômico, com as suas
lutas pela conquista de mercados, de fontes de matéria-prima e
de campos de inversão de capitais, ocasionava atritos freqüentes
entre as nações, especialmente depois que a Alemanha e a Itália,
tendo conquistado a unidade nacional, entraram na competição.

221
Aula 20 • Da proclamação da República aos “Anos Loucos”

A expansão colonial, econômica e naval alemã, em particular,


provocava a rivalidade com a Inglaterra, que via sua supremacia
nos mares ameaçada.
Alemanha e Itália haviam ficado de fora no processo neo-
colonialista. Enquanto isso, França e Inglaterra podiam explorar
diversas colônias, ricas em matérias-primas e com um grande
mercado consumidor. A insatisfação da Itália e da Alemanha,
neste contexto, pode ser considerada também uma das causas
da Grande Guerra.
Ao mesmo tempo, os países estavam empenhados numa
rápida corrida armamentista, já como uma maneira de se prote-
gerem ou atacarem em um futuro próximo. Esta corrida bélica
gerava um clima de apreensão e medo entre os países, e um
tentava se armar mais do que o outro.
Existia também, entre duas nações poderosas da época,
uma rivalidade muito grande. A França havia perdido, no final do
século XIX, a região da Alsácia-Lorena (rica em jazidas de ferro
e carvão) para a Alemanha durante a Guerra Franco-Prussiana.
O revanchismo francês estava no ar, e os franceses esperavam
uma oportunidade para retomar a rica região perdida.
Os nacionalismos, expressos por meio do pangermanismo
e do pan-eslavismo, também foram fatores que influenciaram na
eclosão da Primeira Guerra, pois aumentaram o estado de alerta
na Europa. Havia uma forte vontade nacionalista dos germânicos
em unir, em apenas uma nação, todos os países de origem ger-
mânica. O mesmo acontecia com os países eslavos.
Os países europeus começaram a fazer alianças políticas e
militares desde o final do século XIX, permanecendo até o perí-
odo da guerra. De um lado havia a Tríplice Aliança, formada em
1882 por Itália, Império Austro-Húngaro e Alemanha. Do outro
lado, a Tríplice Entente, formada em 1907, com a participação de
França, Rússia e Reino Unido.
O estopim desse conflito foi o assassinato de Francisco
Ferdinando, príncipe do Império Austro-Húngaro, durante sua vi-

222
História e Turismo

sita a Sarajevo (Bósnia-Herzegovina). As investigações levaram


ao criminoso, um jovem integrante de um grupo sérvio chamado
mão-negra, contrário à influência da Áustria-Hungria na região
dos Bálcãs. O Império Austro-Húngaro não aceitou as medidas
tomadas pela Sérvia com relação ao crime e, no dia 28 de julho
de 1914, declarou guerra à Sérvia.
As batalhas desenvolveram-se principalmente em trinchei-
ras. Os soldados ficavam centenas de dias entrincheirados, lu-
tando pela conquista de pequenos pedaços de território. A fome
e as doenças também eram os inimigos desses guerreiros. Nos
combates, houve a utilização de novas tecnologias bélicas como,
por exemplo, tanques de guerra e aviões. Enquanto os homens
lutavam nas trincheiras, as mulheres trabalhavam nas indústrias
bélicas como empregadas.
O Brasil também participou da guerra, enviando para os
campos de batalha enfermeiros e medicamentos para ajudar os
países da Tríplice Entente.
Em 1917, ocorreu um fato histórico de extrema importân-
cia: a entrada dos Estados Unidos no conflito. Os EUA apoiaram
a Tríplice Entente, pois havia acordos comerciais a defender, prin-
cipalmente com Inglaterra e França. Este fato marcou a vitória da
Entente, forçando os países da Aliança a assinarem a rendição.
Os derrotados tiveram ainda que assinar o Tratado de Ver-
salhes, que impunha a estes países fortes restrições e punições.
A Alemanha teve seu exército reduzido, sua indústria bélica con-
trolada, perdeu a região do corredor polonês, teve que devolver
à França a região da Alsácia-Lorena, além de ser obrigada a pa-
gar os prejuízos provocados pela guerra aos países vencedores.
Ao final da guerra, a Europa estava completamente destru-
ída e os Estados Unidos tornaram-se a maior potência mundial.
A instabilidade política, econômica e social do período deu ori-
gem a diversos regimes totalitários, seja de direita (o fascismo
italiano, o salazarismo em Portugal, o franquismo na Espanha e o
nazismo na Alemanha), seja de esquerda (com a ditadura do pro-

223
Aula 20 • Da proclamação da República aos “Anos Loucos”

letariado na Rússia). Os regimes totalitários seguem uma ideolo-


gia única, sem espaço para a pluralidade de idéias, com a interfe-
rência máxima do Estado na vida dos indivíduos e o emprego da
violência como forma de governo. Os oponentes desses regimes
eram torturados e mortos. Havia censura ao pensamento intelec-
tual, às mídias e às artes.

Os agitados “Anos Loucos”

E o mundo, nessa década de 20, era mesmo louco. Montmar-


tre e Montparnasse, os bairros da moda. Tempo de carros
sumptuosos, profusão de cores, vidros, metal e jóias, cor-
pos das mulheres movendo-se, ao som da voz de Josephine
Baker, em seus vestidos de pérolas e brilhos, a arquitectura
a tocar o céu; a arte agitando-se, indiferente aos estragos da
depressão económica e à ascensão dos totalitarismos. Em
Paris, 1925, a Exposição Internacional das Artes Decorativas
e Industriais Modernas criava a ilusão de uma paz universal,
servia de motor ao estilo Art Déco (GASTÃO, 2007).

A década de 1920 ficou conhecida como os “Anos Loucos”,


caracterizada pela superprodução dos bens industrializados e
pela euforia da burguesia pelo consumo no período pós-guerra.
Alguns historiadores a definem como “a era da plástica”, com a
valorização da estética e dos corpos atléticos à mostra. A alegria
durou até 1929, quando a Grande Depressão fez ruir instantane-
amente as fortunas dos milionários, a produção fabril, os empre-
gos e todo o clima de euforia que se instalara naqueles anos.
No cinema, o diretor alemão Fritz Lang realiza uma obra-
prima, Metropolis (1926) – o primeiro filme incluído na Lista de
Memória da Humanidade da Unesco, em 2001. Lang faz uma
ácida crítica à modernidade e a uma de suas principais inven-
ções: as cidades urbanas, projetando com pessimismo o futuro
das metrópoles, cuja principal característica seria o aumento das
contradições entre ricos e pobres.

224
História e Turismo

O clima de euforia dos “Anos Loucos” pôde ser percebido


também no Brasil, com a introdução de uma série de inovações
científico-tecnológicas que davam à burguesia brasileira a sensação
de que o país caminhava em direção ao progresso e à civilização.
Como exemplo dessas novidades, o setor de transporte
é uma das principais referências e guarda relação direta com o
desenvolvimento da atividade turística no Brasil. Destacamos a
entrada dos automóveis no país e o desenvolvimento da avia-
ção civil.
Atribui-se mais uma vez o pioneirismo a Santos Dumont,
que, em 1891, trouxe o seu Peugeot comprado na Cidade-Luz
para São Paulo. Somente os mais afortunados tinham acesso a
essas cobiçadas máquinas modernas. Em 1906, ocorreu no Rio
de Janeiro o primeiro exame de habilitação para motoristas. Fo-
ram avaliados e aprovados três (isto mesmo: três) candidatos.
Em 1919, os famosos Ford “T” já eram montados no Brasil, em
São Paulo, e a General Motors passou a montar o seu Chevrolet
“Cabeça de Cavalo” a partir de 1925.
A aviação civil brasileira tem início em 1927, com a empresa
alemã Condor Sindikat, que realizava serviços de transporte de
passageiros. Neste mesmo ano, surge a Viação Aérea Riogran-
dense (Varig), que desempenhou um importante papel ao longo
de todo o século XX, passando por uma profunda crise, até ser
comprada pela jovem empresa Gol Linhas Aéreas.
Outra novidade da ciência e da tecnologia que deu visibi-
lidade à atividade turística no Brasil foram os lendários e efême-
ros dirigíveis (apelidados de zepelins em razão do sobrenome do
mais famoso fabricante desse tipo de aeronave). Tinham imen-
sas proporções, as viagens eram muito mais rápidas que as de
navio (com o preço de sua passagem custando uma verdadeira
fortuna!) e logo se tornaram símbolos da modernidade até a sua
prematura aposentadoria ainda na década de 1930. O motivo foi
o trágico acidente com o dirigível Hindenburg, em 1937, na cidade
de Nova York, o que teria levado o Estado alemão a suspender os
vôos desse tipo de aeronave. Outra versão seria a constatação,

225
Aula 20 • Da proclamação da República aos “Anos Loucos”

pelos nazistas, de que a fabricação dos dirigíveis não era interes-


sante porque esses não teriam serventia como armas de guerra.

Faça um tour a bordo do Graf Zeppelin, o famoso di-


rigível que fazia o transporte de passageiros da Eu-
ropa para o Brasil, com escala em Recife e pouso no
hangar de Santa Cruz, no Rio de Janeiro. Você verá
do alto o Rio de Janeiro dos anos 1930, conhecerá a
cabine de comando da aeronave e se divertirá como
os privilegiados turistas a bordo.
Tome o seu lugar no dirigível acessando: http://diario-
dorio.com/category/rio-de-janeiro/page/7/voando-para-
o-rio-de-janeiro-a-bordo-do-graf-zepelin-vdeo-de-1932/.

A Semana de 22

Símbolo do modernismo e considerada a pintura mais im-


portante do Brasil, a obra Abaporu (que em tupi-guarani quer
dizer “o homem que come”), de Tarsila do Amaral (1928), inspirou
Oswald de Andrade para o lançamento do Manifesto Antropofá-
gico. O objetivo do Manifesto era “deglutir” a cultura estrangeira
e torná-la bem brasileira.

Figura 20.3: Abaporu. Tarsila do Amaral, 1928.


Fonte: http://kavorka.wordpress.com/2006/10/16/

226
História e Turismo

Fruto das preocupações dos artistas e intelectuais de van-


guarda do período, a Semana de 22 é um dos ícones da inserção do
país na modernidade. O movimento modernista procurava romper
com o academicismo comum na cena cultural e artística do período
e ansiava pela produção de uma arte verdadeiramente brasileira.
Participaram da Semana de 22, no Teatro Municipal de São
Paulo, pintores, escultores, literatos, arquitetos e intelectuais,
dentre eles Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Victor Brecheret. O resul-
tado foi o repúdio das elites paulistanas e uma grande provoca-
ção para uma mudança nos rumos da arte brasileira.

Faça uma visita virtual ao Museu de Arte Contempo-


rânea da Universidade de São Paulo, conheça mais
sobre a Semana de 22 e aprecie os inquietantes tra-
balhos dos principais pintores modernistas. Acesse:
http://www.macvirtual.usp.br/mac/templates/projetos/
seculoxx/modulo2/modernismo/semana/index.htm.

Cultura e sociedade no Rio de Janeiro no


início do século XX

O Rio de Janeiro representa, nesse período, a síntese da


nação: capital federal, principal centro cultural do país, cidade
mais populosa, com o maior porto e cartão-postal do Brasil.
Como bem destaca Sevcenko (1998, p. 522):

O desenvolvimento de novos meios de comunicação, tele-


grafia sem fio, telefone, os meios de transporte movidos
a derivados de petróleo, a aviação, a imprensa ilustrada,
a indústria fonográfica, o rádio e o cinema intensificarão
esse papel da capital da República, tornando-a no eixo de
irradiação e caixa de ressonância das grandes transforma-
ções em marcha pelo mundo, assim como no palco de sua

227
Aula 20 • Da proclamação da República aos “Anos Loucos”

visibilidade e atuação em território brasileiro. O Rio passa a


ditar não só as novas modas e comportamentos, mas, acima
de tudo, os sistemas de valores, o modo de vida, a sensibi-
lidade, o estado de espírito e as disposições pulsionais que
articulam a modernidade como uma experiência existencial
e íntima.

É no contexto dessas transformações em marcha pelo


mundo que o prefeito Pereira Passos irá empreender, entre 1902
e 1906, na capital federal, uma das mais ousadas obras de ur-
banização já realizadas no país, buscando a inserção da capital
federal na modernidade. O fotógrafo Augusto Malta foi um dos
principais porta-vozes da Belle Époque carioca, registrando, atra-
vés de suas lentes, um novo Rio de Janeiro, que se apresentava
para o mundo como uma cidade moderna e civilizada.

Augusto Malta

Figura 20.4: Um trecho da Avenida Central.


Fonte: Acervo Museu Histórico Nacional.

Analisaremos o movimento da Belle Époque no Rio de Ja-


neiro pelo olhar de Monique Oliveira, jovem bacharela em Turis-
mo, formada em 2008 pela UFF, cuja monografia de conclusão
de curso, orientada pelo nosso conteudista e tutor a distância,

228
História e Turismo

professor Luiz Alexandre Mees, tem como título “A Belle Époque


e o turismo cultural nos monumentos históricos da cidade do
Rio de Janeiro”. Nossa intenção é apresentar, de forma didática, a
construção do raciocínio da autora, incentivando os alunos de Tu-
rismo do CEDERJ a produzirem as suas próprias pesquisas (que,
certamente, terão um espaço garantido nas nossas aulas num
futuro próximo).
Monique Oliveira divide o seu trabalho nas seguintes partes:
1) uma discussão introdutória sobre os conceitos de turis-
mo cultural, patrimônio, cultura, identidade e memória, absolu-
tamente necessários para o tema de estudo;
2) a história do movimento Belle Époque na França e sua
influência no Brasil, considerando:
• A efervescência de idéias, concepções, tendências filosó-
ficas, científicas, sociais, literárias, artísticas e estéticas
no período em questão; as realizações de Napoleão III
durante o seu governo na França: abertura de longas
avenidas; abertura do metrô; construção de arranha-céus
e da Torre Eiffel; incremento do comércio, proliferação de
circos, casas de espetáculos e cinema;
• A moda no estilo Belle Époque, que valorizava o gla-
mour, na qual as mulheres utilizavam vestidos mui-
to enfeitados, penteados altos, chapéus vistosos, saias
longas; enquanto os homens distinguiam-se na socie-
dade pelo uso de sobrecasaca, fraque e acessórios como
relógios de bolso e abotoaduras.
• Os principais acontecimentos da história do Brasil na
época, com destaque para o nascimento da República, a
economia de base agrícola e a influência de vários mo
vimentos estéticos europeus: impressionismo, simbolis-
mo, pontilhismo e art-nouveau, que fortaleceram entre
a burguesia brasileira o desejo de civilização e a impor-
tação de hábitos e costumes franceses. As cidades bra-
sileiras que mais tiveram influência do movimento Belle

229
Aula 20 • Da proclamação da República aos “Anos Loucos”

Époque foram: Manaus (a bela capital da borracha; você


se lembra da minissérie Mad Maria?), Fortaleza, Recife,
São Paulo e Rio de Janeiro, então capital da República.
3) A caracterização da Belle Époque carioca e suas conse-
qüências para as camadas populares, destacando:
• A reforma urbanística, realizada na gestão do prefeito
Pereira Passos, com o objetivo de civilizar a capital da
República, atendendo aos anseios de uma elite políti-
ca desejosa da modernização da cidade, tendo como
principais obras: a abertura da avenida Central (atual
Rio Branco), da avenida Beira-Mar, a reforma do Porto, a
instalação de postes de iluminação pública, a ampliação
da rede de esgoto, o aumento no número de bondes
circulando pela cidade, a construção de prédios gran-
diosos, entre eles, o do Museu Nacional de Belas-Artes
(1908), o do Theatro Municipal (1909) e o da Biblioteca
Nacional (inaugurado em 1910, sendo a instituição origi-
nal de 1808).
• A expulsão das famílias de baixa renda dos casebres e
cortiços situados na região central do Rio de Janeiro (o
famoso “bota-abaixo”);
• O plano de saneamento básico, tendo à frente o médi-
co sanitarista Oswaldo Cruz e a conseqüente Revolta da
Vacina (1904);
• O fim do movimento, a partir da década de 1920, princi-
palmente com o Modernismo (que valorizava as raízes
nacionais e rompia com a estética importada da Belle
Époque) e com a Crise de 1929.
4) Por fim, a autora estabelece uma relação entre a Belle
Époque carioca e o turismo e aponta uma série de sugestões para
um melhor aproveitamento turístico do legado que nos foi deixa-
do desse período como, por exemplo, a criação de espetáculo de
luzes e som sobre a Belle Époque no Museu Nacional de Belas Ar-
tes, a realização de visitas guiadas no Theatro Municipal nos finais
de semana, com espetáculos temáticos, concertos com músicas

230
História e Turismo

da época no Palácio Tiradentes, exibição de filmes produzidos no


período na Confeitaria Colombo, entre outras ótimas idéias que in-
crementariam o turismo e valorizariam a memória e o patrimônio
que nos foi deixado da Belle Époque no Rio de Janeiro.

Para celebrar os 100 anos do Theatro Municipal do


Rio de Janeiro e estabelecer conexões com o turismo,
recomendamos a leitura da dissertação de Mestrado
de Ana Maria Forte, defendida em 2006 no curso de
Mestrado em Bens Culturais e Projetos Sociais da
Fundação Getulio Vargas (RJ), tendo como título “Tu-
rismo cultural no Rio de Janeiro: um ponto de vista
a partir do Theatro Municipal do Rio de Janeiro”. Para
baixar o trabalho da autora, acesse: http://virtualbib.
fgv.br/dspace/handle/10438/2093. Acesso em 29 de
maio de 2009 (FORTE, 2006).

Atividade
Atende aos Objetivos 2 e 3
2.
a. O morro do Castelo foi um dos primeiros locais a serem ocupa-
dos na cidade, ainda no período colonial. O seu desmanche, em
1922, tem relação direta com as transformações urbanísticas em-
preendidas no Rio de Janeiro durante a Primeira República. Pes-
quise as reais motivações que levaram à destruição do morro do
Castelo, os argumentos que eram utilizados pelo poder público e
as conseqüências da obra para os habitantes que ali viviam.

b. Nos moldes das grandes exposições internacionais do século


XIX, o Rio de Janeiro sediou, em 1908, a Exposição Nacional, co-
memorativa do centenário da Abertura dos Portos. Em 1922, foi
a vez da grandiosa Exposição Universal, celebrando os 100 anos
da Independência. Pesquise a respeito e descubra a importância
que esses grandes eventos tiveram para o país e para o turismo.

231
Aula 20 • Da proclamação da República aos “Anos Loucos”

Comentário
Dois marcos da modernidade no Rio de Janeiro são as grandes ex-
posições e o desmanche do morro do Castelo (a jato de água), que
estão inseridos no conjunto das transformações por que passou a
urbe carioca na Primeira República. Na sua resposta, leve em con-
sideração a relação entre o projeto de remoção do morro e a insta-
lação dos pavilhões da Exposição Universal de 1922, apresentando
ao mundo uma nova capital da República, que pretendia se mostrar
civilizada. Procure considerar o impacto de tais eventos na popula-
ção e na formação da imagem turística da cidade.

O turismo na Primeira República

A modernidade, como vimos, trouxe consigo uma série de


inovações que favoreceram o desenvolvimento da atividade turís-
tica no mundo, especialmente após a Primeira Guerra. No Brasil,
surgem os primeiros equipamentos turísticos. Um dos marcos
do desenvolvimento do turismo no país, conforme assinala o an-
tropólogo Celso Castro, da Fundação Getulio Vargas, é a criação
do Copacabana Palace Hotel, em 1923, e da Sociedade Brasileira
de Turismo, mais tarde Touring Club, em 1928. O Rio de Janeiro,
pela sua importância política e pela beleza cênica de suas paisa-
gens (foi a segunda cidade mais retratada pelos artistas em todo
o mundo no século XIX, ficando apenas atrás de Paris), já des-
pontava como a cidade turística mais importante do Brasil.
As obras de embelezamento e urbanização realizadas no
início do século, a criação do teleférico do Pão de Açúcar, em
1912, e outras que se seguiriam nas décadas de 1920 e 1930
(principalmente a inauguração da estátua do Cristo Redentor, em
1931) favoreceram o desenvolvimento do turismo na cidade, que
era considerada perigosa e insalubre.

232
História e Turismo

Figura 20.5: Alguns visitantes no morro da Urca, com trajes de pas-


seio da época, ao lado de um barracão onde se guardavam peças e
ferramentas de manutenção. Atente para a grafia no canto inferior do
cartão-postal, de 1915.
Fonte: Galeria de cartões-postais www.bondinho.com.br/historia/postal04.jpg.

Figura 20.6: Casal em lua-de-mel posa com o Pão


de Açúcar ao fundo (1924). Repare nos trajes com-
postos e nos chapéus para um passeio no ensola-
rado Rio de Janeiro.
Fonte: Voando para o Rio (http://fotolog.terra.com.br/
jban:819).

233
Aula 20 • Da proclamação da República aos “Anos Loucos”

Veja fotos históricas do bondinho do Pão de Açúcar e


sua relação com o turismo acessando: http://oglobo.
globo.com/rio/fotogaleria/2008/4299/.

Atividade
Atende aos Objetivos 2 e 3
3. Leia as páginas 83 e 84 do belo trabalho do antropólogo Celso
Castro a respeito das narrativas e imagens do turismo no Rio de
Janeiro e responda às questões a seguir:

(...) Havia também uma lista de pontos turísticos muito diferente


das de hoje. As praias, por exemplo, não eram destacadas como
atrações turísticas – apenas os cassinos que nelas estavam situa-
dos. Além disso, estavam em destaque uma série de monumentos,
estátuas e edifícios, a maioria no Centro, que dificilmente apare-
cem nos mapas atuais.
Os guias de viagem da década de 1930 direcionavam o olhar dos
turistas a partir da Baía da Guanabara, por onde entravam os na-
vios que traziam a maior parte dos visitantes da cidade. Isso, é
claro, nos ajuda a entender por que, no mapa turístico de 1937, a
região portuária é que está na “entrada do mapa”. O guia inglês
South American Handbook, em sua edição de 1932, informa que
a Baía, com seu “soberbo brilho de cores, é a mais admirada do
mundo”, e que o “famoso” cone de granito do Pão de Açúcar e o
pico do Corcovado emprestam forte individualidade à cena. A che-
gada ao porto do Rio era “um espetáculo sem igual, quer fosse de
dia ou à noite”. O guia destaca a suntuosidade de muitos edifícios,
a grande beleza das praças com suas fontes e estátuas, lindamente
mantidas, e a vivacidade dos cafés ao ar livre. A cidade, segundo o
guia, era “uma das mais saudáveis nos trópicos”. Nenhuma palavra
sobre o Carnaval ou futebol e, quanto a praias, apenas uma rápida
menção ao “celebrado balneário” de Copacabana.
O guia Rio de Janeiro e seus arredores, publicado em 1928 pela
Sociedade Anônima de Viagens Internacionais, uma das primei-
ras agências de viagem a funcionar na cidade, também inicia suas
descrições pela chegada ao porto. A grande maioria das atrações
turísticas está na zona central da cidade, destacando-se a avenida

234
História e Turismo

Rio Branco (“a Quinta Avenida de Nova York na infância”), a rua 1º


de Março (no centro do bairro comercial, que inclui a rua do Ouvi-
dor, “onde se dava rendez-vous a elegância do Rio monárquico”) e
a Praça XV, todas cercadas por vários edifícios dignos de atenção.
Grande destaque é dado, no guia, aos jardins, com seus monu-
mentos, estátuas, bustos e chafarizes.
Os “arrabaldes” de interesse turístico incluem São Cristóvão (“o
mais velho”), Vila Isabel (“um dos bairros mais populosos”), An-
daraí (“num vale pitoresco”), Tijuca (com destaque para o passeio
de bonde pelas “magníficas moradas particulares” da rua Conde
de Bonfim, subindo o caminho do Alto, “de espanto em espanto”
até o ponto terminal, na floresta, “que não pode ser descrita; tem
que ser vista, ouvida, aspirada”), Rio Comprido, Botafogo (“que já
foi chamado o bairro aristocrático da cidade”), Leme, Copacabana,
Ipanema e Leblon (os bairros “mais moços e mais bonitos”), Gá-
vea (“arrabalde dos que mais se têm desenvolvido ultimamente”),
Laranjeiras (cuja rua principal “acompanha o curso, invisível qua-
se, do rio Carioca”), Santa Teresa (“com lindas residências particu-
lares”) e Silvestre (“o mirante verde da cidade”). Sobre o carioca, o
guia afirma – ao contrário de todos os guias atuais – que ele “talvez
não seja um povo alegre. Nascido à beira do mar, debaixo de um
sol sempre aceso, fechado entre montanhas, o habitante destas
paisagens tem um entusiasmo delirante, que logo se apaga numa
imensa melancolia”.
Fica evidente, a partir desses exemplos, como a experiência turística
muda, acompanhando, em linhas gerais, mudanças urbanísticas e
culturais da cidade. Nos guias da década de 1930 aparecem com
destaque as praças; nos atuais, as praias. Naqueles, o foco está no
Centro; nestes, na Zona Sul. Não se trata de uma relação de deter-
minação direta, e sim de interação: às vezes muda a cidade, muda o
turismo; outras vezes, a partir de modificações no mundo do turis-
mo, introduzem-se alterações urbanísticas na cidade. As narrativas
e imagens associadas ao turismo são, portanto, uma importante via
de acesso à história e à geografia culturais de uma cidade.
Os guias e folhetos turísticos procuram orientar o olhar do turista,
oferecendo seleções de locais e eventos dignos de atenção, rotei-
ros de visita e adjetivos para descrevê-los. Eles antecipam a experi-
ência daquele que viaja, que muitas vezes sente prazer no simples
reconhecimento in loco daquilo que já viu ou leu. A repetição de
narrativas e imagens associadas a um lugar vai cristalizando e dis-
seminando sua qualidade turística. O olhar do turista é, portanto,
mediado por tudo aquilo que viu, leu ou ouviu sobre determina-
da “atração”. No entanto, esse processo não deve ser visto como

235
Aula 20 • Da proclamação da República aos “Anos Loucos”

mecânico. A partir de diferentes narrativas, cada viajante faz sua


própria, selecionando, manipulando e brincando com as imagens
que lhe são oferecidas.

Agora, responda:
a. Que tipo de atrativos eram recomendados pelos guias turísti-
cos (os livretos impressos) na década de 1920?
b. Estabeleça uma relação entre os atrativos turísticos do início
do século XX e a Belle Époque carioca.
c. Cite dois atrativos turísticos ou modalidades de turismo re-
centes que acompanham as tendências de nossa sociedade, mas
que jamais foram percebidos como turísticos ao longo de quase
todo o século XX.

Comentário
Este é um dos textos mais importantes para o estudo da história do
turismo no início do século XX. A relação entre os atrativos turísticos
e as transformações urbanísticas ocorridas na Reforma Passos, sob
influência do movimento Belle Époque, é evidente.
Procuramos nesta atividade destacar ainda um dos pontos altos do
texto de Castro, quando nos chama a atenção para o fato de que
também os guias turísticos (os livretos direcionados a orientar os
turistas) têm história e que, portanto, os atrativos mudam conforme
muda a dinâmica da cidade.
Por fim, nesta atividade, buscamos estimular você a ir além do texto
e refletir sobre os atrativos turísticos atuais, comparando as perma-
nências e as mudanças ocorridas no turismo carioca que acompa-
nham o processo histórico.

Sociabilidade e lazer na cidade do Rio de Ja-


neiro

A modernidade trouxe uma série de mudanças no com-


portamento social, deixando marcas que ajudaram a construir a
identidade do Rio de Janeiro. No início do século, a valorização
do corpo e o gosto pelos esportes começam a entrar em evi-
dência. Surgem os clubes de regatas, verdadeira febre entre os
jovens da Zona Sul carioca, consagrando o remo como uma das
atividades mais praticadas no período. Muitos times de football

236
História e Turismo

(como se escrevia na época, à inglesa) foram criados a partir


dos clubes de remo, como é o caso do Clube de Regatas do
Flamengo, do Club de Regatas Vasco da Gama e do Botafogo
de Futebol e Regatas. Outros times surgiram como uma forma
de lazer entre os operários das fábricas, com destaque para o
Bangu Atlético Clube (em 1904).
E, por falar em futebol (que se discute, sim, por ser um in-
teressante meio de se conhecer a história de nossa sociedade),
aproveitamos para festejar com nossos alunos do pólo de Resen-
de o centenário do clube que divulga o nome da cidade. Salve o
Resende Futebol Clube!Temos certeza de que os alunos de Saqua-
rema, Angra dos Reis e São Gonçalo não ficarão com ciúmes...
Como futebol lembra carnaval, outra paixão dos brasilei-
ros, não podemos deixar de falar no carnaval. A festa popular,
no início do século XX, era vista como caso de polícia. Os cor-
dões, os blocos, as grandes sociedades e os ranchos eram dife-
rentes tipos de agremiações que reuniam os foliões. As escolas
de samba começavam a surgir nesse período e o corso (desfile
em carro aberto pela avenida Central, hoje Rio Branco, até a
avenida Beira-Mar) era a maneira preferida de os ricos se diver-
tirem no período momesco. O carnaval na capital da República
influenciou a festa em todo o Brasil. Um fato curioso: navegan-
do na internet, descobrimos que na Cuiabá da década de 1920
já havia o corso, seguindo a moda do Rio de Janeiro. O tema
do carnaval é extremamente rico e complexo, e você conhecerá
detalhes de sua história na disciplina Cultura Brasileira.
Em 1889, Chiquinha Gonzaga compôs a primeira marcha
carnavalesca de que se tem notícia, a popular “Ô Abre Alas”, até
hoje um grande sucesso no carnaval. A artista escandalizou a
sociedade da época com o seu comportamento, que desafiava
as convenções sobre o papel da mulher. Tinha profundo conhe-
cimento musical e compôs uma série de sucessos, mesclando
a música clássica, de influência européia, com os ritmos popu-
lares que ajudou a consolidar, como o corta-jaca, o maxixe, o
choro e o tango brasileiro, precursores do samba, cuja primeira

237
Aula 20 • Da proclamação da República aos “Anos Loucos”

gravação é de 1917. Pelo telefone é de autoria coletiva, mas foi


registrada por Donga (trataremos do surgimento e da populari-
zação do samba com mais detalhes na aula seguinte). Foi uma
pioneira na música popular do país, sendo por isso hostilizada
pela sociedade, que desprezava os ritmos populares, valorizando
apenas a música erudita. Por essa razão, era chamada pejorativa-
mente de “pianeira”, em vez de pianista.
Além de Chiquinha Gonzaga, vários artistas se destacaram
no terreno musical durante a Primeira República, ajudando a criar
uma música brasileira de origem popular. Dentre os mais impor-
tantes, citamos Pixinguinha, Noel Rosa e Sinhô.

O banho de mar agora é programa de “gente sadia”


Proliferam as casas de banho à beira-mar, onde as
pessoas podem trocar de roupa dentro de cabines an-
tes de se lançarem ao deleite da água.
Os mergulhos são cercados por um ritual, sobretu-
do no caso das mulheres. O banho deve ser tomado
antes das 7 horas da manhã, porque, depois deste
horário, a praia é invadida por todo tipo de gente – de
pescadores a praticantes do remo –, que lançam olha-
res curiosos ou insinuantes para as mulheres. Perma-
necer na praia depois das 7, portanto, não é hábito de
uma moça de família. A indumentária também deve
obedecer a critérios bastante rígidos. Em nenhuma
hipótese, as linhas do corpo feminino devem ser dis-
tinguidas sob a roupa. Por isso, as calças das mulhe-
res são largas, de tecido grosso – e a barra alcança o
tornozelo. Os blusões, também largos, são ornamen-
tados com golas generosas, no estilo marinheiro, que
ajudam a esconder o colo e os seios. A cor da roupa,
para evitar traições do tecido, sempre é o azul-escuro.
Para os homens, as restrições quase não existem. Cada
vez mais eles exibem o torso nu nas praias e as freqüen-
tam em horários variados.

238
História e Turismo

Até pouco tempo atrás, as praias não despertavam o


interesse dos brasileiros – tanto que as construções à
beira-mar eram edificadas de costas para a orla marí-
tima e de frente para a montanha. Hoje, já existe um
elenco de praias no Rio preferido pelos freqüentado-
res. As praias situadas em bairros residenciais próxi-
mos ao centro da cidade, como Botafogo e Flamengo,
são as mais disputadas. Já aquelas muito próximas
ao cais do porto estão sendo abandonadas, em vir-
tude dos esgotos lançados ali. Um recanto paradisí-
aco que começa a ser descoberto pelos cariocas é a
Praia de Copacabana, quase desabitada e situada em
seguida à Praia de Botafogo. “Copacabana é a praia
mais adequada para os banhos”, diz o médico Pimen-
tel. “A praia possui água e areia límpidas. Quando a
urbanização chegar ali, as ruas deverão ser largas, e
as casas pouco elevadas, para preservar a luz do sol”,
diz ele.
(Veja na História. Edição especial República. Compor-
tamento. Extraído de http://veja.abril.com.br/historia/
republica/comportamento-banho-de-mar.shtml.)

• As mudanças pelas quais o Rio de Janeiro atraves-


sou foram captadas com genialidade por muitos ar-
tistas e intelectuais do período. Recomendamos
que você viaje nas páginas das belas obras literá-
rias de Machado de Assis e João do Rio. Estes são
autores fundamentais para se entender a sociedade
da época e o cenário em que o turismo começou a
se desenvolver. Escolha os títulos de sua preferên-
cia e boa viagem!
• O premiado trabalho A modernidade no Rio de Janei-
ro: construção de um cenário para o turimo, do pro-
fessor MarcelloTomé, do nosso curso do CEDERJ e da
UFF, é uma referência fundamental para o aprofunda-
mento desta aula, sendo indispensável não só para os
estudantes de Turismo, mas para todos aqueles que
se interessam em conhecer a história de seu país e
apreciam uma boa leitura.

239
Aula 20 • Da proclamação da República aos “Anos Loucos”

Resumo
O período compreendido entre a proclamação da República e o
ano de 1930 (que marca a chegada de Getúlio Vargas ao poder)
foi por muito tempo considerado pela historiografia como um
retrocesso na história do país. Não por acaso, foi batizado, ainda
na era Vargas, de “República Velha”, em que predominava o man-
donismo das oligarquias agrárias, com seus ranços políticos.
Procuramos ressaltar nesta aula que esse período coincide com
o advento da modernidade, caracterizado pelas inovações téc-
nico-científicas e pela sede de civilização. É nesse contexto que
as cidades urbanas irão se desenvolver com todas as suas con-
tradições, abrindo espaço também para o desenvolvimento da
atividade turística que, no Brasil, encontra na capital da Repúbli-
ca, agora remodelada, um cenário ideal.

Informações sobre a próxima aula

A era Vargas é um dos assuntos que atraem os pesquisadores


das mais variadas áreas de conhecimento, dada a sua complexi-
dade e singularidade. Quanto mais se escreve a respeito, mais se
descobre que ainda há muito que ser pesquisado, especialmente
no tocante às relações com o turismo. Existe um grande hiato que
procuramos ajudar a preencher na aula seguinte, estimulando a
pesquisa sobre turismo, cultura e história na era Vargas.

240
21 Cultura e sociedade na Era
Vargas (1930-1945)

Meta da aula
Apresentar o panorama político-cultural brasileiro duran-
te a Era Vargas, relacionando-o ao contexto internacional
e ao turismo.

Objetivos
Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:

identificar as principais transformações ocorridas


1
no Brasil durante a Era Vargas, com destaque para a
política do Estado Novo, seus impactos na sociedade
e suas relações com os movimentos políticos e cul-
turais ocorridos na Europa e nos Estados Unidos;

2 relacionar o legado histórico-cultural do período ao


turismo;

3 destacar a importância do samba no contexto da Era


Vargas e sua apropriação pelo turismo.

Pré-requisito
Para melhor acompanhar esta aula, é necessário que você
tenha em mente os conteúdos estudados na Aula 20.
Aula 21 • Cultura e sociedade na Era Vargas (1930-1945)

Introdução
A década de 1930 é marcada por uma difícil conjuntura econô-
mica, política e social. A crise de 1929 representou, nas pala-
vras do renomado historiador Eric Hobsbawm, “o mais trágico
episódio na história do capitalismo”. Houve o empobrecimen-
to geral da população da maior parte dos países ocidentais e
uma descrença generalizada no liberalismo. A alta burguesia
européia, ligada ao grande capital financeiro, abalada com os
efeitos da crise econômica, com as pesadas punições impostas
principalmente à Alemanha no final da Primeira Guerra e com o
avanço internacional do comunismo, patrocina a instalação de
regimes totalitários que representaram um verdadeiro genocí-
dio em várias partes do mundo.
Hitler, o Führer alemão, imbuído da ideologia da superioridade
da raça ariana, invade diversos países em busca da criação do
que chamava “espaço vital” para a reprodução dessa suposta
raça “pura”, ao mesmo tempo que inicia uma terrível persegui-
ção e massacre às minorias que considerava inimigas de seu re-
gime: comunistas, judeus, deficientes físicos e mentais, negros,
ciganos, testemunhas de Jeová, homossexuais; vários foram os
grupos perseguidos e exterminados nos campos de concentra-
ção nazistas.
Em resposta à política expansionista de Hitler, França, Grã-Bre-
tanha e Estados Unidos aliam-se contra a Alemanha, a Itália e
o Japão, que compunham as forças do Eixo. A Segunda Guer-
ra Mundial representou o mais sangrento episódio da história
da humanidade, contabilizando mais de 50 milhões de mortos.
A guerra mudou radicalmente os hábitos de vários povos do
mundo, gerando a escassez de matérias-primas, alimentos e
produtos de consumo. A moda, por exemplo, optava por tecidos
mais baratos e evitava o luxo e a sofisticação. Paralelamente, a
indústria cultural ganhou um grande espaço, levando entreteni-
mento, mas também a ideologia política de seus produtores às
massas, especialmente por intermédio do cinema, da televisão e
do rádio, num momento de grande mal-estar mundial.
No Brasil, a década de 1930 começa com um golpe de Estado

242
História e Turismo

que levou Getúlio Vargas, candidato derrotado nas eleições pre-


sidenciais, ao poder. Vargas preparou terreno para a transição
das forças hegemônicas, substituindo as oligarquias agrárias,
que dominavam o país desde a República Velha (1889-1930), pela
força do capital da burguesia industrial, que começava a ganhar
importância no país. Com a crise de 1929 e o desinteresse dos
países na compra do café brasileiro (o carro-chefe da economia
até então), Vargas passou a investir o dinheiro público na compra
do café “encalhado”, que era queimado no Porto de Santos. Diver-
sos cafezais foram destruídos e o dinheiro do Estado investido na
compra do café passava a ser empregado na industrialização.
O Brasil deixava de ser predominantemente agrário, e a expansão
dos grandes centros urbanos e o investimento na infra-estrutura
acompanhavam o ritmo da crescente indústria nacional, impul-
sionada em maior parte no Sudeste. A população das grandes
cidades da região aumentou consideravelmente, concentrando a
riqueza e aumentando também os contrastes regionais.
Em 1937, inspirado nos regimes totalitários europeus, Vargas im-
plantou o Estado Novo, estabelecendo uma ditadura no país que
se estendeu até 1945, mesmo ano em que terminou a Segun-
da Guerra, com a derrota das forças do Eixo. Foram anos muito
difíceis, de crise econômica e escassez de produtos, persegui-
ções políticas e grande violência do aparato estatal. Como for-
ma de compensação, Vargas concedeu diversos benefícios aos
trabalhadores, inaugurando uma avançada legislação trabalhista
que incluía a instituição do salário mínimo, do direito a férias e
décimo terceiro salário, a regulamentação de várias profissões,
sem, contudo, permitir que os trabalhadores se organizassem na
forma de sindicatos, associações de classe e entidades que bus-
cassem defender os seus interesses.
É também no governo Vargas que surgem as primeiras preocu-
pações com uma legislação e propaganda turísticas, ainda que a
atividade turística tenha sentido os impactos da crise econômi-
ca e da difícil conjuntura internacional. A reinvenção ideológica
da nacionalidade brasileira e a valorização da cultura popular e

243
Aula 21 • Cultura e sociedade na Era Vargas (1930-1945)

regional serão importantes trunfos para a incipiente indústria tu-


rística, assunto a que procuramos dar grande ênfase em nossa
aula, com maior destaque para o Rio de Janeiro. Oferecemos,
ao final desta aula, dois textos especiais, que extrapolam a tem-
poralidade proposta e apontam os desdobramentos da relação
entre a música brasileira e o turismo, ampliando a nossa visão
dos fenômenos estudados.
Bons estudos!

Um mundo em movimento

A seguir, organizamos uma cronologia comentada de al-


guns dos acontecimentos que marcaram a história do período
compreendido entre 1930 e 1945 e dos fatos relevantes para a
cultura nacional e para o turismo.

1930 - Revolução que conduziu Getúlio Vargas ao poder.

1931 - Inauguração do Cristo Redentor em cerimônia presi-


dida pelo cardeal Dom Sebastião Leme e por Getúlio Vargas.

1932 - Por decreto, Vargas cria o Código Eleitoral, permitin-


do às mulheres o direito ao voto e garantindo o voto secreto.

1932 - Fundação da Aliança Integralista Brasileira (AIB),


tendo à frente Plínio Salgado e Gustavo Barroso. O movimento
inspirava-se na ideologia nazifascista e defendia o autoritarismo
e o respeito à hierarquia como formas de controle social. Teve
grande força nos primeiros anos do governo Vargas. Plínio Salga-
do ocupou o cargo de ministro da Educação.

1932 - Revolução Constitucionalista (SP). O dia 9 de julho


marca o início do movimento que visava depor Vargas e promul-
gar uma nova Constituição. Atualmente, é a data cívica mais im-

244
História e Turismo

portante do estado, sendo, inclusive, feriado.

1932 - Vargas assina um decreto que cria a obrigatoriedade


de exibição de filmes nacionais nos cinemas.

1933 - Fundação da Viação Aérea São Paulo – VASP.

1934 - A nova Constituição brasileira foi promulgada, desta-


cando-se a instituição do voto secreto, o direito ao voto feminino,
a obrigatoriedade do voto aos maiores de 18 anos, a criação da
Justiça Eleitoral e da Justiça do Trabalho, a proibição do trabalho
infantil, entre outros princípios.

1934 - Criação do programa de rádio A Hora do Brasil, que


foi um importante instrumento de veiculação da propaganda
varguista.

1934 - O catolicismo volta a ser a religião oficial do país.

1935 - Luiz Carlos Prestes e Olga Benário entram no Brasil


com passaportes e vistos falsos, passando-se por turistas portu-
gueses com os nomes de Antônio Vilar e Maria Bergner Vilar.

Figura 21.1: Passaportes apreendidos pela polícia de Vargas.

1935 - É criada a Aliança Nacional Libertadora (ANL), uma

245
Aula 21 • Cultura e sociedade na Era Vargas (1930-1945)

organização formada por vários setores representativos da so-


ciedade, que tinha como principais bandeiras: lutar contra a ex-
pansão do nazifascismo no mundo; combater o integralismo e a
concentração de terras (latifúndios) no Brasil; lutar contra o do-
mínio imperialista; não pagar a dívida externa. É posta na ilega-
lidade por Vargas neste mesmo ano.

1935 - Termina o levante (Intentona) comunista com a de-


sarticulação do movimento e a prisão de seus membros.

1936 - Prestes e Olga Benário são presos, e esta (grávida


de 8 meses) é entregue aos nazistas por Vargas, sendo eliminada
num campo de concentração na Alemanha. Sua filha, Anita Pres-
tes, foi salva graças a um movimento internacional liderado pela
avó paterna.

1937 - É criado o Estado Novo, que impôs ao Brasil um


regime autoritário até 1945, com o fechamento do Congresso, a
extinção dos partidos políticos e a imposição (outorga) de uma
nova Constituição, inspirada nos princípios fascistas. Essa Cons-
tituição recebeu o apelido de “Polaca” por ter semelhanças com
a Carta fascista polonesa. Vargas passaria a governar por decre-
to. Todos os direitos civis foram cassados, incluindo a liberdade
de expressão.

1937 - Criação, no início do Estado Novo, por decreto, do


Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN,
atual IPHAN), destinado à preservação e proteção dos bens cul-
turais brasileiros. A tarefa foi entregue aos intelectuais e artistas
que participaram do movimento modernista, com destaque para
Mário de Andrade.

1937 - É criado, por Vargas, o Serviço Nacional do Teatro

246
História e Turismo

(SNT), concentrando a produção teatral nas comédias que leva-


vam diversão e entretenimento ao público.

1938 - Pela primeira vez, é feita menção legal à atividade


turística no Brasil, por meio do Decreto-lei número 406, de 4 de
maio de 1938, que dispunha sobre a entrada de estrangeiros no
país. Cabe ressaltar que esse decreto está inserido no conjunto
das chamadas leis nacionalizadoras, criadas pelo regime autori-
tário varguista e, entre outras coisas, proibia a entrada de ciga-
nos, aleijados, mutilados, indigentes e vagabundos no país (ver
Atividade 1).

1939 - Vargas declara a neutralidade do Brasil na Segunda


Guerra Mundial, uma vez que tinha interesses políticos com as
potências envolvidas nos dois lados do conflito.

1939 - Criação do Departamento de Imprensa e Propagan-


da (DIP), responsável pela censura aos meios de comunicação.
Por meio do Decreto-lei nº 1915, de 27 de dezembro de 1939, é
criada uma Divisão de Turismo dentro do DIP.

1939 - É realizada a Feira de Amostras, no Rio de Janeiro,


onde ocorreu a primeira demonstração oficial da TV na América
Latina. O lançamento foi realizado em parceria com o governo ale-
mão (nazista), de onde veio a aparelhagem utilizada no evento.

1942 e 1943 - Vários navios brasileiros são bombardeados


pelos alemães, servindo de pretexto para o Brasil participar da
Segunda Guerra Mundial, enviando tropas da recém-criada For-
ça Expedicionária Brasileira (FEB) para lutar contra a Alemanha
e a Itália. A motivação principal foi o investimento financeiro dos
Estados Unidos na indústria de base brasileira, com especial des-
taque para a liberação de recursos para a construção da Compa-
nhia Siderúrgica Nacional (CSN), em Volta Redonda, RJ.
1943 - É criada a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

247
Aula 21 • Cultura e sociedade na Era Vargas (1930-1945)

1944 - Criação do Dia do Índio e inauguração do Aeroporto


Santos Dumont (RJ).

1945 - Vitória dos Aliados contra as forças do Eixo. Fim da


Segunda Guerra Mundial. Criação da Organização das Nações
Unidas (ONU), organismo supranacional que tem como objetivo
a mediação de conflitos internacionais.

1945 - Prestes é anistiado por Vargas e reúne 100.000 pes-


soas num comício do Partido Comunista no estádio São Januá-
rio, no Rio de Janeiro.

1945 - Getúlio Vargas é deposto.


1945 - Eurico Gaspar Dutra é eleito presidente da República.
1945 - Fundação do Jardim Zoológico do Rio de Janeiro.

O Estado Novo e a invenção da brasilidade

O Estado Novo, implementado com o golpe de Estado em


1937, capitaneado pelo próprio Getúlio Vargas, então presidente
da República, tinha como um de seus principais projetos o redes-
cobrimento do Brasil. Para esse regime, que se autoproclamava
uma democracia social, era preciso voltar-se para o país de forma
a incitar o orgulho nacional. A República Velha, criticada pela sua
política que atendia aos restritos interesses das oligarquias que se
revezavam no poder, recebeu o rótulo de excessivamente liberal, o
que teria permitido todos os desajustes que o Estado Novo se dis-
punha agora a consertar. Desse modo, o liberalismo, que até então
tinha sido a grande vedete dos principais movimentos políticos da
segunda metade do século XIX em diante, recebe do Estado Novo
uma interpretação bastante negativa, sendo apontado como um
dos responsáveis pela desordem provocada no país.
O Estado Novo, como se sabe, amparou-se numa ditadu-

248
História e Turismo

ra, que restringiu sensivelmente os parcos direitos dos cidadãos,


fechou o Congresso, criou o sistema de intervenção federal nos
estados, privou os partidos políticos de seu funcionamento, con-
trolou os sindicatos, realizou perseguições políticas, utilizou-se
da prática da tortura e outorgou uma nova Constituição.
A matriz ideológica que oferecia a via autoritária como úni-
ca alternativa para a construção de um Estado distante do que
fora a República Velha, com todas as suas mazelas, clientelismo,
pacto oligárquico etc., foi extraída do pensamento de alguns in-
telectuais radicais, como Oliveira Vianna e Alberto Torres. Estes
ideólogos se tornaram bastante influentes no pensamento social
da época, conquistando a adesão de grande parte da elite políti-
ca. A base do pensamento autoritário brasileiro era construir um
Estado forte, centralizador e interventor, que pudesse organizar a
massa, “bastante desarticulada em função da incapacidade inata
dos mestiços”, rumo ao desenvolvimento nacional. As teorias de
inferioridade racial e as teses de branqueamento, bastante em
voga desde o século XIX, apareciam aqui organizadas sob a for-
ma da ditadura estadonovista.
Para a aproximação desse projeto autoritário das camadas
populares, o Estado Novo contava com um precioso aliado: o De-
partamento de Imprensa e Propaganda, o DIP, que controlava to-
das as informações a serem veiculadas à população e se esmera-
va em construir a imagem do Estado Novo como o governo que
se preocupava com o bem-estar das massas, ressaltando a figura
do trabalhador como a mola propulsora desse projeto. O pro-
grama A Hora do Brasil passa a ser veiculado obrigatoriamente
em todas as emissoras de rádio do país, anunciando diariamente
os grandes feitos do regime, procurando conquistar a opinião
pública. Por meio desse programa, Vargas se dirigia à população
como um pai, uma das facetas do seu perfil populista.
O DIP ocupava-se da censura a todos os meios de comu-
nicação e cultura – teatro, cinema, música, atividades esportivas
e recreativas, imprensa –, a fim de controlar a vida cultural do
Brasil. Também era da sua competência a organização de desfiles

249
Aula 21 • Cultura e sociedade na Era Vargas (1930-1945)

cívicos e festas de exaltação ao patriotismo, além de exposições,


concertos e conferências.

DIP / Empresa Bras. de Notícias


Figura 21.2: Famoso desfile cívico no estádio São Januário (1935).
Um desses eventos de maior notoriedade foi o con-
certo no estádio São Januário, organizado por Villa-Lobos,

em 1935, onde cerca de 25 mil estudantes renderam homenagem


a Vargas, cantando músicas de apelo nacionalista.
Villa-Lobos participara intensamente dos fervorosos deba-
tes intelectuais dos anos 20 e 30, que tinham como preocupação
conhecer a identidade cultural do Brasil. O compositor represen-
tava, naquele momento, a vanguarda da música no país, forte-
mente influenciada pelo Modernismo de 22, esforçando-se em
apreender a essência musical do povo brasileiro.
Em busca da valorização e do resgate dos ritmos nacionais
que comporiam a “cultura brasileira”, Villa-Lobos dedicava-se

250
História e Turismo

a estudar os temas nacionais, numa perspectiva romântica (in-


cluindo os conservadores debates em torno das idéias de Nação
e de natureza). A “música brasileira”, que procurava ser a trans-
crição para a pauta das modinhas, da ciranda, do sertanejo, do
maxixe, do samba; enfim, dos ritmos musicais apreciados pelo
povo, visava a aproximar a música clássica – que privilegiava a
música européia, especialmente alemã e francesa – do que se
considerava serem as “raízes folclóricas autênticas”. Esse esforço
objetivava colaborar, no plano musical, com a valorização daqui-
lo que os nacionalistas do período preconizavam: a descoberta
da brasilidade por meio da unificação da pátria no aspecto cultu-
ral. Uma brasilidade construída, que conservava padrões estéti-
cos previamente estabelecidos, oriundos de uma cultura de elite,
como modelo que passaria a receber a incorporação artificial de
elementos selecionados da cultura popular (das suas mitológi-
cas “origens”), no esforço de fundi-los para a edificação de uma
suposta identidade nacional, como almejavam intelectuais nacio-
nalistas como Sílvio Romero, Alberto Torres e Afonso Arinos, por
exemplo.
No campo das letras, o debate fervilhava. Surgem teses con-
sideradas revolucionárias para a época; faz-se uma revisão da His-
tória do Brasil de forma jamais vista. Ao lado de Roberto Simonsen
e Caio Prado Júnior, que procuravam compreender os processos
político-econômicos brasileiros, destacaram-se Gilberto Freyre e
Sérgio Buarque de Holanda, dois autores imprescindíveis para a
compreensão da idéia de identidade nacional e que se inscrevem
num contexto nacionalizante, de padronização e uniformização
dos aspectos políticos e culturais do país.
Casa-Grande e Senzala, escrita em 1933, a obra mais famo-
sa de Gilberto Freyre, notabiliza-se por, diferentemente do pensa-
mento conservador, valorizar a mestiçagem como uma potencia-
lidade brasileira rumo ao desenvolvimento da nação. Para ele, o
caráter multirracial da sociedade brasileira é capaz de gerar uma
“civilização” original e criativa, oferecendo uma reinterpretação

251
Aula 21 • Cultura e sociedade na Era Vargas (1930-1945)

democratizante do processo de formação da cultura brasileira.


Ao lado de Freyre, Sérgio Buarque também interpretará a
cultura brasileira por uma via democratizante, igualmente valori-
zando a miscigenação e apontando para o fato de que as raízes
do Brasil, expressão que dá título à sua obra, de 1936, sofreram
transformações constantes.
O Estado Novo deu grande impulso às artes, visando à cons-
trução de uma identidade nacional. Na pintura, destacaram-se as
obras de Portinari como porta-vozes da ideologia do regime, com
importantes pinturas murais retratando o trabalhador brasileiro.
Na arquitetura, de inspiração nazifascista, foram realizadas obras
monumentais, representando a grandiosidade do poder. O prédio
da Central do Brasil é um dos mais conhecidos exemplos. Também
houve a popularização do rádio e do cinema e a sua utilização para
fins políticos, tema de que trataremos mais adiante.

A ascensão do samba à condição de símbolo


nacional

Ary Barroso, em sua consagrada “Aquarela do Brasil”, consi-


derada por muitos a melhor música brasileira de todos os tempos
(e que qualquer turista sabe cantarolar, realizando a conhecida co-
reografia com os dedos indicadores), é quem melhor resume essa
nova responsabilidade que o samba tem de assumir para manter
o Brasil brasileiro:

(...) Oi, abre a cortina do passado


Tira a mãe preta do cerrado
Bota o rei Congo no congado
Brasil, Brasil
Oi, este Brasil lindo e trigueiro
É o meu Brasil brasileiro
Terra de samba e pandeiro... (...)

Antes, porém, dos sambas ufanistas, era necessário dar um

252
História e Turismo

jeito numa figura bastante conhecida nas décadas de 20 e 30 e


que produzia um tipo de samba nada conveniente às pretensões
do Estado Novo. O malandro era uma figura irreverente que fre-
qüentava a região da boemia, como a Lapa e os arredores, e iden-
tificava-se muito com o samba, sendo várias vezes mencionado
em suas letras. Algumas delas, bastante conhecidas por nós, pre-
gavam o elogio à malandragem, ressaltando o não-trabalho, ter
muitas mulheres, derrubar os adversários na “pernada” (um de-
rivado da capoeira), ser o mestre do jogo de chapinhas, carteado,
bilhar etc. como formas de se viver com prazer. Sinhô, Bide, Buci
Moreira e, mais tarde, Moreira da Silva e Wilson Batista eram os
mais conhecidos e orgulhavam-se em ostentar o título de malan-
dros. Suas vestimentas características – chapéu de palha, tipo pa-
namá, terno sempre alvo, calça larga, lenço no pescoço, sapato
de bico fino muito bem engraxado – e seu jeito gingado de andar
eram inconfundíveis e conferiam-lhes identidade. Cláudia Matos,
no interessante livro Acertei no milhar: samba e malandragem
no tempo de Getúlio (2004), classifica a elegância do malandro
como paródia do estilo burguês, pelo exagero e pela deformação
com que se apresenta, despertando mais facilmente o interesse
da polícia e afastando-o do aburguesamento. É de Wilson Batista
(1933) um dos sambas mais conhecidos que envolvem a temática
da malandragem:

Meu chapéu de lado


Tamanco arrastando
Lenço no pescoço
Navalha no bolso
Eu passo gingando
Provoco desafio
Eu tenho orgulho
Em ser tão vadio.

A malandragem, cantada em divertidos sambas, grande


sucesso nas rádios, não escaparia ilesa ao controle do Estado
Novo, que a identificava como signo da vadiagem (uma infração
grave no Código Penal da época), um elemento dado ao ócio e

253
Aula 21 • Cultura e sociedade na Era Vargas (1930-1945)

à perturbação da ordem. O DIP dedicava atenção especial aos


sambas que lhes eram apresentados para censura prévia, ten-
do proibido, até o ano de 1940, cerca de 400 sambas. O próprio
Wilson Batista teve de prestar esclarecimentos aos censores por
conta de seu sucesso, proibido pela comissão de censura criada
pela Confederação Brasileira de Radiodifusão.
A malandragem, entretanto, não deveria ser para sempre
abandonada em função das restrições do regime, que também
se desagradava das letras de samba em que o malandro recla-
mava do alto custo de vida e da falta de melhores condições so-
ciais. Ao contrário, o malandro poderia tornar-se bastante útil,
um importante trunfo para as pretensões de Vargas, servindo
como porta-voz daquele regime ao se declarar regenerado do ví-
cio da malandragem e incorporado ao trabalho, principal artifício
de Vargas para o controle das massas. Só o trabalho dignificava o
homem. O próprio Wilson Batista aderiu a esse comportamento
de bom moço, astuciosamente, para fugir das amarras da cen-
sura, e ao lado de Ataulfo Alves compôs a mais famosa ode ao
Estado Novo:

Quem trabalha é quem tem razão


Eu digo e não tenho medo de errar
O bonde São Januário
Leva mais um operário
Sou eu que vou trabalhar
Antigamente eu não tinha juízo
Mas resolvi garantir meu futuro
Vejam vocês
Sou feliz, vivo muito bem

A boemia não dá camisa a ninguém.

Se o Estado Novo pretendia incorporar a malandragem ao


seu discurso, convertendo o ex-malandro em trabalhador e di-
vulgador de seu projeto, também estava em seus planos a apro-
ximação de um outro elemento, em franca ascensão, que levaria
diretamente às massas o seu projeto, educando-as e garantindo

254
História e Turismo

a manutenção de seu controle: as escolas de samba.


As escolas de samba, àquela altura instituições bastante
recentes, compostas em sua maioria por negros operários, co-
meçavam a atrair a atenção do Estado Novo, ganhando o seu
prestígio e reconhecimento. Essa instituição congregava os mais
perfeitos atributos que a cultura nacional deveria ter: samba, fes-
ta, mestiçagem, trabalhadores... Ali estavam presentes todos os
elementos da “verdadeira” cultura nacional e, como tal, precisa-
vam ser resguardadas do perigo da contaminação, da diluição
das raízes tão bem preservadas naquele espaço. Surge então a
preocupação de se preservar essa recém-descoberta pureza, re-
pudiando todo tipo de modificação que viesse a ser experimen-
tada no samba.
Vargas, por intermédio de Villa-Lobos, convidou as esco-
las de samba a participarem da Exposição do Estado Novo, na
famosa Feira de Amostras de 1939, junto com outros grupos de
danças “folclóricas”, como jongo, chegança, cateretê, entre ou-
tras manifestações culturais brasileiras.
Além de sua importância cultural, as escolas de samba
tinham um papel estratégico no Estado Novo. Por serem agre-
miações populares, serviriam como veículo de massificação dos
ideais estadonovistas, positivando a imagem “democrática” do
regime junto às camadas populares. Cada vez mais Vargas inves-
tia no seu projeto de amoldar as escolas de samba a seus inte-
resses, subvencionando o carnaval, interferindo na organização
dos concursos e abrindo espaço para as escolas de samba no
rádio, que se encontrava no auge da popularidade, tornando-se
elemento fundamental para a propaganda getulista.
O DIP fiscalizava as escolas de samba e seus sambistas,
procurando verificar, por exemplo, se todas elas haviam adotado
enredos com temáticas nacionais e isentos de conteúdo crítico.
As escolas que desrespeitassem as regras seriam eliminadas do
certame. Isso aconteceu com a Vizinha Faladeira, bastante popu-
lar à época, que levou para a avenida, em 1939, o enredo “Branca

255
Aula 21 • Cultura e sociedade na Era Vargas (1930-1945)

de Neve e os Sete Anões”, um conto de fadas internacional, con-


trariando todo o discurso nacionalista do período.
O Estado Novo, com seu apelo à positivação da mestiça-
gem como símbolo da fusão democrática das raças, a construção
do samba como ritmo nacional, representante dessa harmonia
racial e o esforço de transformação do malandro em trabalha-
dor, ao lado da realização de maciços investimentos na indústria
e organismos que fomentam a cultura, a pesquisa estatística e a
assistência social, colabora com a introjeção desses novos valo-
res nacionais, totalmente enraizados no imaginário da moderni-
zada sociedade brasileira.
O samba, promovido a ritmo nacional, junto com as recém-
criadas escolas de samba, que aos olhos de Vargas deveriam ser
encaradas como verdadeiras corporações do samba, torna-se um
símbolo oficial do Estado Novo, uma das suas mais nobres constru-
ções, com reconhecimento mundial, funcionando, inclusive, como
moeda de troca nas relações diplomáticas com outros países.
Carmen Miranda se torna um emblema dessa construção.
Sua vestimenta e seus trejeitos, “à baiana”, procuravam torná-
la “brasileira”, ajudando-a a representar com sucesso o país no
exterior, em especial na terra do Tio Sam que, em troca, nos ofe-
recia a sua igualmente “autêntica” descoberta, traço de unifica-
ção nacional e até hoje símbolo dos Estados Unidos da América:
Mickey Mouse.

Atividade
Atende ao Objetivo 1
1. Assista ao episódio que conta a visita do Pato Donald ao Rio de
Janeiro no imperdível filme Alô, Amigos, produzido pela Disney
em 1943. O desajeitado “gringo” norte-americano é recebido por
Zé Carioca, o célebre papagaio que representa a ginga, a malan-
dragem e o tropicalismo do Rio de Janeiro, percebido como a
síntese do Brasil.
a) Pesquise o contexto em que a obra é produzida e a importância

256
História e Turismo

estratégica do Brasil para os objetivos americanos no período.


b) Diga quais são as características mais marcantes do Rio de Ja-
neiro turístico, segundo os produtores do filme.
c) Faça um comentário sobre o filme.
Você encontrará o filme Alô, Amigos acessando: http://br.youtube.
com/watch?v=xa1v5jBz8e8

Comentário
O curta é uma divertida forma de entretenimento das massas e, so-
bretudo, um poderoso instrumento de veiculação dos ideais da polí-
tica da boa vizinhança, que representou o interesse norte-americano
em aproximar-se da América Latina, no sentido de garantir, através
da colaboração entre os países, a hegemonia dos Estados Unidos no
continente. O filme é também um interessante meio de se conhecer
alguns aspectos do turismo no período. Boa diversão!

A era do rádio

Nós somos as cantoras do rádio


Levamos a vida a cantar
De noite embalamos teu sono,
De manhã nós vamos te acordar.
Nós somos as cantoras do rádio.
Nossas canções, cruzando o espaço azul
Vão reunindo, num grande abraço
Corações de Norte a Sul (...).

O rádio, sem dúvida, foi um dos mais importantes traços


de união de um país de dimensões continentais e tão diversifi-
cado culturalmente como o nosso. As irmãs Miranda (Aurora e
Carmen), na inesquecível canção de João de Barro, o Braguinha,
nos dão pistas do impacto desse popular veículo de comunica-
ção e entretenimento, habilmente utilizado por Vargas para a sua
propaganda ideológica e seu projeto de unificação do país. O pro-
grama A Hora do Brasil fazia a divulgação dos feitos do Estado
Novo, e Vargas falava diretamente às massas, dizendo-se o “pai
dos pobres”, numa demonstração clara de seu perfil populista.

257
Aula 21 • Cultura e sociedade na Era Vargas (1930-1945)

Em 1940, Vargas encampou a Rádio Nacional, a mais importante


das rádios brasileiras no período.
Antes da década de 1930, o rádio era restrito às elites, com
uma programação que se resumia à música clássica e aos pro-
gramas eruditos. A inserção da propaganda no rádio e os lucros
que ela proporcionava deram uma nova dimensão a esse veícu-
lo, que agora passava a chegar também às camadas populares,
levando a todos os lugares os anúncios dos bens de consumo
produzidos pela crescente indústria.
Um anúncio de 1945 do novo rádio da General Electric, mo-
delo Tom Natural, cuja garota-propaganda era Carmen Miranda,
trajando seu habitual turbante e seus balangandãs, é uma inte-
ressante síntese da sua época. Ao lado da imagem da bombshell,
uma pequena indicação: “Veja ‘La Miranda’ na tecnicolor da Fox
‘Alegria, rapazes’”e, em letras miúdas abaixo da logomarca do
rádio, os seguintes dizeres: “Na vanguarda em rádio – FM-AM –
televisão – eletrônica.”
Por meio do anúncio podemos perceber o avanço da técnica,
o poder da indústria cultural e a popularização da cultura de massas
no Brasil (rádio, cinema e TV), a força do capitalismo americano no
pós-guerra e o olhar estereotipado sobre o Brasil. Acompanhe:

A excêntrica Carmen Miranda pretende adquirir


um novo Rádio G.E. Tom Natural

Os novos receptores G.E. Tom Natural, pela inigualável pu-


reza e surpreendente fidelidade do seu som, farão com que
V.S. sinta os seus astros favoritos cantando ao seu lado.
Após a Vitória Total [referência à vitória dos aliados, cul-
minando no final da Segunda Guerra], os vastos recursos
construtivos e experiência da General Electric levarão ao
seu alcance este maravilhoso rádio, construído à prova de
clima tropical que, além de sua esmerada construção técni-
ca, é apresentado sob a forma de um elegante móvel, ex-
pressamente desenhado ao gosto latino.
Como a pequena notável, prepare-se para adquirir um re-
ceptor G.E. Tom Natural. (grifos e comentários nossos)

No tempo da Rádio Nacional, eram populares também a

258
História e Turismo

Rádio Mayrink Veiga (ambas do Rio de Janeiro), a Record, a Edu-


cadora e a Tupi, estas últimas sediadas em São Paulo. Os progra-
mas de auditório projetaram uma geração de consagrados artis-
tas, os “cantores do rádio”, verdadeiros fenômenos da indústria
cultural. O radiojornalismo (com destaque para o Repórter Esso),
as radionovelas e as transmissões de jogos de futebol (que, àque-
la altura, já eram um fenômeno de massa) eram as atrações de
maior audiência, sem falar em A Hora do Brasil.

Figura 21.3: A Rádio Nacional no auge da sua popularidade. As cara-


vanas vinham de toda parte do Brasil para assistir ao vivo aos concor-
ridos programas.
Fonte: Radiobras.

Carmen e Aurora Miranda, Francisco Alves e Mário Reis (os


cantores galãs), entre outros, foram sucesso também no cinema,
que ganhava impulso no governo Vargas com o incentivo à pro-
dução e veiculação de filmes nacionais. O público fazia fila para
ver “em carne e osso” os seus ídolos do rádio. O Rio de Janeiro
concentrava a maior parte das produtoras de cinema, entre elas
a Cinédia, a Atlântida, a Vera Cruz e a Brasil Vita, que se populari-
zaram com as chanchadas, paródias dos musicais de Hollywood
que, na época, faziam muito sucesso no Brasil. Os filmes carna-
valescos produzidos pela Atlântida, principalmente, foram gran-
des responsáveis pela veiculação da imagem do Rio de Janeiro e
do Brasil no exterior e até hoje figuram no imaginário de muitos

259
Aula 21 • Cultura e sociedade na Era Vargas (1930-1945)

turistas que visitam o país.

Conheça mais sobre a relação entre o rádio e o cinema no período em

questão no interessante artigo “A música popular,


a chanchada e a identidade nacional na Era Vargas
(1930-1945)”, da professora Lisa Shaw, disponível em:
http://books.google.com.br/books?id=FSi_gQINAeQ
C&pg=PA105&lpg=PA105&dq=chanchada+cantores
&source=bl&ots=-QzuSq2gRt&sig=GYf769XkIAZxo-
nDMIrdq9GQavg&hl=pt-BR&sa=X&oi=book_result&re
snum=4&ct=result#PPA105,M1

Vargas e o turismo

O pesquisador João dos Santos Filho é um dos maiores


colaboradores para a produção de uma historiografia do turismo
no Brasil. Ainda que possam ser passíveis de crítica, em face dos
juízos que tece ao longo de seus textos, é necessário reconhe-
cermos a sua contribuição, destacando-se um interessante artigo
a respeito da importância estratégica do turismo para o regime
estadonovista.
Utilizando como fontes principais a revista Cultura Política,
material de divulgação do DIP e os escritos de Alzira Vargas, filha
e auxiliar de gabinete de Getúlio, o autor percebe que o turismo
desempenhava um importante papel no governo Vargas pelas
seguintes razões:

• era um instrumento de controle social a serviço do Estado,


servindo como veículo de propaganda varguista, ao ressal-
tar as belezas cênicas e os valores culturais do país;

• era percebido como uma importante fonte de receita em


potencial para o Estado, uma vez que a atividade turística
ainda não havia sido organizada;

260
História e Turismo

• o turismo era considerado um instrumento para o desen-


volvimento interno econômico, social e político do Brasil.

Nesse sentido, o turismo adquiria uma dimensão estraté-


gica, sofrendo o controle político da Divisão de Turismo, criada
dentro do próprio DIP. Cabia a essa a produção de uma folheteria
turística compatível com os interesses do regime, ressaltando a
“brasilidade” e o “paraíso tropical”; a censura dos folhetos, fil-
trando o que não fosse conveniente ao regime; a organização de
eventos cívicos voltados para a educação política das massas,
como os comícios e festas realizados no estádio São Januário;
a promoção da visita de personalidades estrangeiras ao Brasil
(políticos de vulto, atrizes famosas de Hollywood, jornalistas e
escritores, entre outros); a disponibilização de informações sobre
“a atualidade nacional” para os turistas, nos idiomas inglês, fran-
cês e espanhol, entre outras atribuições.
O autor ressalta a importância do Rio de Janeiro no cená-
rio turístico internacional já nessa época e destaca a imagem do
Cristo Redentor, inaugurado em 1931 no governo Vargas e tom-
bado em 1937 pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, o SPHAN, como um instrumento de propaganda var-
guista sobre o Brasil.
E, por falar no SPHAN, o órgão também foi criado no con-
texto do Estado Novo, em 1937, com a finalidade de proteger os
bens culturais brasileiros, notadamente aqueles vinculados às
elites políticas, contribuindo para a preservação da memória dos
grupos dominantes.

Atividade
Atende aos Objetivos 1 e 2
2. Leia os artigos que selecionamos do Decreto-lei nº. 3.010, de
20 de agosto de 1938, que regulamenta o Decreto-lei nº406, de
4 de maio de 1938, que dispõe sobre a entrada de estrangeiros
no território nacional, disponível em: http://www.iterpa.pa.gov.

261
Aula 21 • Cultura e sociedade na Era Vargas (1930-1945)

br/files/leis/Legislacao_agroambiental_antiga/Republica/Legisla-
cao_Federal_antiga/Dec.3.010-1948.doc

CLASSIFICAÇÃO

Art. 23. Os estrangeiros que desejarem entrar em território


nacional serão classificados em duas categorias, conforme
pretendam vir em caráter permanente (permanentes) ou
temporário (temporários).

Art. 24. Consideram-se permanentes os que tencionam fi-


xar-se no território nacional, ou seja, nele permanecer por
mais de seis (6) meses.

Art. 25. Os temporários compreendem as seguintes catego-


rias:

a) turistas, visitantes em geral, viajantes em trânsito; cientis-


tas, professores, homens de letras e conferencistas;

b) representantes de firmas comerciais e os que vierem em


viagem de negócios;

c) artistas, desportistas e congêneres.

(...)

Art. 31. Os temporários (art. 25) deverão apresentar:

§ 1º Os turistas e visitantes em geral, cientistas, professores,


homens de letras e conferencistas:

1º - passaporte autenticado pelas autoridades competentes


do país a que pertença o seu portador;

2º - prova de idoneidade, por qualquer dos seguintes meios,


a critério da autoridade consular:

a) atestado policial negativo de antecedentes penais;

b) atestado de empresas industriais, comerciais ou agríco-


las, jornais, companhias de navegação ou sociedades de
turismo, cartas de referência ou qualquer documento da
mesma natureza;

3º - atestado de saúde, passado por médico da confiança da


autoridade consular (modelo nº. 4);

262
História e Turismo

4º - atestado de vacina antivariólica passado por médico da


confiança da autoridade consular ou repartição oficial.

§ 2º Os estrangeiros em trânsito (demora até 30 dias em


território nacional):

1º - passaporte autenticado pelas autoridades competentes


do país a que pertença o seu portador e visado pela autori-
dade consular do país a que se destine;

2º - atestado de saúde e de vacina antivariólica nas mesmas


condições das exigidas para os turistas (modelo nº. 4).

§ 3º Os representantes de firmas comerciais estrangeiras e


os que vierem em viagem de negócios:

1º - passaporte autenticado pelas autoridades competentes


do país a que pertença o seu portador;

2º - atestados:

a) negativo de antecedentes penais, passado por autorida-


de policial competente;

b) de não ser de conduta nociva à ordem pública, à segu-


rança nacional ou à estrutura das instituições passado por
autoridade policial, ou por duas pessoas idôneas, a critério
da autoridade consular;

3º - atestados de saúde e de vacina antivariólica nas mes-


mas condições das exigidas para o turista (modelo nº. 4):

4º - prova da qualidade de comerciante, industrial, banquei-


ro ou interessado em realizações concernentes aos ramos
de atividade dessas classes, a critério da autoridade con-
sular.

§ 4º Os artistas, desportistas e congêneres:

1º - passaporte autenticado pelas autoridades competentes


do país a que pertença o seu portador;

2° - atestados:

a) negativo de antecedentes penais, passado por autorida-


de policial competente;

b) de não ser de conduta nociva à ordem pública, à segu-


rança nacional ou à estrutura das instituições, passado por

263
Aula 21 • Cultura e sociedade na Era Vargas (1930-1945)

autoridade policial ou por duas pessoas idôneas, a critério


da autoridade consular;

3º - atestados de saúde e de vacina antivariólica nas mes-


mas condições das exigidas para o turista (modelo nº. 4);

4º - prova de profissão lícita;

5º - prova de possuir contrato, visado por autoridade policial


brasileira, com firma devidamente reconhecida.

Essa prova feita junto às autoridades consulares pela


apresentação do contrato ou por autorização telegráfica do
Ministério das Relações Exteriores, paga pelo interessado a
taxa de correspondência.

(...)

Art. 113. Serão impedidos de desembarcar, mesmo com o


visto consular em ordem, os estrangeiros:

I - indigentes, vagabundos, ciganos e congêneres;

II - doentes ou apresentando manifestações de moléstias in-


fecto-contagiosas graves, lepra, tuberculose, tracoma, elefan-
tíase, câncer, doenças venéreas em período contagiante;

III - anarquistas, terroristas, extremistas e congêneres;

IV - anteriormente expulsos do país, salvo se o ato de expul-


são tiver sido revogado;

V - condenado em outro país por crime de natureza que de-


termine sua extradição, segundo a lei brasileira;

VI - que se entreguem à prostituição, a explorem ou tenham


costumes manifestamente imorais;

VII - alcoolistas ou toxicômanos;

VIII - que apresentem documentação viciada ou falsificada.

Parágrafo único. Os impedimentos referidos nos nº. I, III, IV,


V, VI serão opostos pela Polícia Marítima; o de n. II pela Saú-
de; e por uma ou por outra o de nº VII. O de nº VIII será opos-
to por qualquer das autoridades em serviço a bordo.

Art. 114. Serão também impedidos de desembarcar, ainda


que com o visto consular em ordem, os estrangeiros vindos
como permanentes:

264
História e Turismo

I - aleijados ou mutilados, inválidos, cegos, surdos-mudos;

II - atingidos de afecção mental;

III - que apresentem lesões orgânicas com insuficiência fun-


cional, que os invalide e para o trabalho.

Parágrafo único. Os impedimentos referidos neste artigo se-


rão opostos pela Saúde.

Art. 115. As autoridades, nos impedimentos que opuserem,


terão em vista as exceções estabelecidas para os estrangei-
ros vindos ao país em caráter temporário, para os quais não
constituem motivos de embaraço no desembarque as se-
guintes condições:

I - aleijados ou mutilados, inválidos, cegos, surdos-mudos;

II – que apresentem lesões orgânicas com insuficiência fun-


cional.

Com base na leitura do decreto-lei, desenvolva as questões pro-


postas:
a. Por que os artistas e desportistas, além das mesmas exigên-
cias feitas aos turistas, deveriam comprovar que tinham “traba-
lho lícito” para entrarem no Brasil?
b. Qual a postura do governo Vargas em relação aos portadores
de deficiência que desejassem entrar no Brasil como “permanen-
tes” e como “temporários”?
c. Apresente duas características do decreto-lei que comprovam
a inspiração fascista da legislação criada no Estado Novo.
d. Pesquise as atuais condições para a entrada de estrangeiros no
Brasil (residentes e temporários) e compare as diferenças e se-
melhanças entre a atual legislação e o decreto-lei estadonovista.

Comentário
O objetivo das questões é trazer à tona uma documentação muito pou-
co trabalhada, tanto pelos historiadores quanto pelos turismólogos, a
respeito da entrada de estrangeiros no país. Trata-se da primeira legis-
lação turística do Brasil. É necessário, antes de julgá-la, posicioná-la
em seu contexto, entendendo as características do Estado brasileiro à
época da sua criação. Percebe-se claramente a influência dos regimes
nazifascistas na elaboração do texto, que exclui diversas categorias

265
Aula 21 • Cultura e sociedade na Era Vargas (1930-1945)

de pessoas consideradas “indesejáveis” ao Brasil, utilizando-se de cri-


térios sociais, políticos, econômicos e eugenistas.
A comparação com a nova legislação que regula a entrada de estran-
geiros no Brasil lhe dará um parâmetro das mudanças e permanências
dos critérios de julgamento de quem deve ser “digno” de entrar no
Brasil, seja com autorização temporária, seja com visto permanente.

Samba e turismo: tudo a ver

A importância cultural do samba é indiscutível. Por essa


razão, dedicamos aqui este espaço para refletirmos sobre a sua
relação com o turismo. Como vimos, nem sempre o valor do
samba foi reconhecido. Ao contrário, já foi caso de polícia, e o
percurso realizado entre o samba marginal até sua transforma-
ção na música mais representativa do Brasil, reconhecida no país
e no exterior, se inicia no projeto de invenção da brasilidade no
período do Estado Novo. O caminho não foi tão simples, e esse
reconhecimento não se deu de uma hora para outra. Os balu-
artes da nossa cultura popular passaram (e ainda passam) por
inúmeras dificuldades, excetuando-se aqueles que fazem parte
do seleto grupo interessante à indústria cultural.
O dia 2 de dezembro foi consagrado como o Dia Nacional
do Samba desde 1964. Nessa data, em todo o Brasil festeja-se o
mais badalado dos ritmos da nação (sim, o samba também fin-
cou raízes bastante profundas em vários estados da Federação,
a partir da difusão do ritmo pelas ondas do rádio. Se você tiver
curiosidade, pesquise a história do samba em estados como San-
ta Catarina ou Ceará, por exemplo, e surpreenda-se com o que
irá descobrir).
Nesse dia, no Rio de Janeiro, são realizadas diversas co-
memorações: lançamento oficial do carnaval carioca; do CD das
escolas de samba, que é realizado na Cidade do Samba, um dos
mais novos e mais importantes atrativos turísticos da cidade; dá-
se o início dos ensaios técnicos das escolas no Sambódromo e a
realização do Trem do Samba, também conhecido como Pagode
do Trem, festa popular de grandes proporções que ocorre den-

266
História e Turismo

tro dos trens do subúrbio, cuja culminância se dá no bairro de


Oswaldo Cruz, tradicional reduto do samba carioca. Recomenda-
mos que você conheça essa festa singular, que tem um público
estimado em 100.000 pessoas e conta com o apoio do Ministério
do Turismo e da Riotur.
Cariocas e turistas lotam todos os eventos relacionados ao
samba, além das quadras das escolas, abrindo a alta temporada
turística e a pré-temporada carnavalesca, num período que coin-
cide com as férias escolares, a proximidade da chegada do verão
e das festas de fim de ano. Isso sem falar nos dias de carnaval,
quando tradicionalmente o fluxo turístico é extraordinário e os
turistas se divertem, seja no Sambódromo, seja nos blocos de
rua das diversas cidades do estado e do país.
Durante todo o ano, as escolas de samba e os artistas liga-
dos ao mundo do samba se apresentam em todo o Brasil e no
exterior, levando a nossa cultura aos quatro cantos do mundo.
As sementes do samba frutificaram, e países como Japão, Ale-
manha, Áustria, Estados Unidos, Espanha, Israel, México, Itália,
Inglaterra, Suécia e Finlândia possuem as próprias escolas de
samba. Isso é que é globalização cultural!

Atividade
Atende ao Objetivo 3
3. Pesquise no sítio do IPHAN as modalidades do samba baiano e
do samba carioca incluídas recentemente no Livro de Registro das
Formas de Expressão, como meio de reconhecimento do samba e
de suas diversas matrizes como patrimônio imaterial brasileiro.

Comentário
Não apenas os bens móveis e imóveis, ou seja, materiais, são con-
siderados patrimônio cultural. Formas de expressão como danças,
músicas ou até mesmo a gastronomia são reunidas como patrimô-
nio imaterial. Estes patrimônios culturais oficialmente tombados
pela esfera federal estão listados no sítio eletrônico do IPHAN (www.
iphan.gov.br). O samba tem diferentes modalidades que podem ser
pesquisadas na internet ou em literatura especializada.

267
Aula 21 • Cultura e sociedade na Era Vargas (1930-1945)

Música brasileira e turismo na atual visão da


Embratur

Programas e planos do governo ligados ao turismo reco-


nhecem que o poder de atração que o Brasil exerce sobre os
turistas deve-se muito à riqueza cultural do país. Dentro desses
costumes, a música está em destaque, sendo um dos itens mais
fortes e significativos para essa atratividade, motivador de via-
gens de estrangeiros para a nação.
Dois são os principais estudos do governo que citam a
música como atrativo turístico e estimulam a sua promoção no
exterior. O primeiro é o Plano Aquarela, realizado em 2005, que
foi elaborado a partir de pesquisa com entrevistas de seis mil
estrangeiros em 18 mercados e estuda os atrativos turísticos do
Brasil. O segundo são as Propostas da Câmara Setorial de Música
(2005/2006) para o Plano Nacional de Cultura, que tem diretrizes
que estimulam a exportação da música brasileira.
Nas pesquisas realizadas para o Plano Aquarela (Plano de
Marketing Turístico Internacional do Brasil – 2005), são aborda-
dos os fatores que motivam o viajante a escolher o Brasil como
um destino turístico. Dentre os diversos fatores, é enfatizada a
importância da nossa multiplicidade cultural. É dessa mistura
de culturas advinda da miscigenação que surgem os traços da
“‘brasilidade’ - a amabilidade, a hospitalidade, a alegria e o jeito
de ser do brasileiro” (BRASIL. EMBRATUR, 2005, p. 38). Essa ca-
racterística proporciona a diversidade da música, da dança e do
patrimônio popular.
O Plano Aquarela, ao abordar a brasilidade no patrimônio
popular, cita a participação da música na promoção da imagem
do Brasil no exterior e afirma que ela é resultado de influências
e miscigenações.
A música no Brasil desenvolve-se claramente entre a tradi-
ção erudita e as múltiplas formas da música popular. Ainda que
mantendo trajetórias próprias, elas se cruzam em vários momen-

268
História e Turismo

tos, e são essas “influências” e encontros que dão vitalidade à


produção musical do país.
É interessante como a criatividade e o talento do artista
brasileiro confirmam a nossa formação histórico-cultural. A pro-
dução musical do Brasil é o resultado permanente da miscigena-
ção, da fusão, da assimilação de novas influências e sonoridades
(BRASIL. EMBRATUR, p. 39).

Resumo
Esta aula representou um passeio pela Era Vargas, e foram des-
tacadas as características mais relevantes do período em conso-
nância com a conjuntura internacional e foi dada especial ênfase
à questão cultural e às primeiras políticas públicas de turismo.
A construção histórica de um discurso sobre a brasilidade, tão
repetido e valorizado pela indústria do turismo, elegendo o sam-
ba como um de seus principais ícones, foi o principal aspecto
ressaltado em nossa aula. Também o espaço ocupado pela in-
dústria cultural – notadamente pelo rádio, pelo cinema e pela
incipiente televisão nesse período – mereceu a nossa atenção,
uma vez que foram importantes instrumentos de propaganda
dos regimes políticos em vigor e ajudaram a conformar uma de-
terminada imagem do Rio de Janeiro e do país.

Informações sobre a próxima aula

Na próxima aula, discutiremos as aceleradas transforma-


ções ocorridas após a Segunda Guerra Mundial e seus impactos
no turismo, destacando o desenvolvimento da atividade turís-
tica, especialmente no Brasil.

269
22 As transformações após a II Guerra
e seus impactos no turismo brasileiro

Meta da aula
Apresentar o grande desenvolvimento do turismo brasi-
leiro após a Segunda Guerra Mundial até o fim do regime
militar (1964-1985), a partir da análise crítica da história
do país no período em questão.

Objetivo
Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:

1 relacionar os principais fatos históricos ocorridos no


período compreendido entre 1945 e 1985, com o de-
senvolvimento do turismo, especialmente no Brasil.
Aula 22 • As transformações após a II Guerra e seus impactos no turismo brasileiro

Introdução

Nesta aula, propomos um passeio pelos principais aconteci-


mentos da história do Brasil do período pós-guerra até o fim da
ditadura militar, em 1985, visitando também alguns fatos impor-
tantes que compunham a conjuntura internacional. Esse foi um
momento central para o turismo no Brasil, que àquela altura pas-
sava a dispor de uma melhor infra-estrutura básica, começava a
ter mais espaço na agenda pública e motivava a criação de vários
cursos de nível médio e superior. Essa história, contaremos na
viagem que agora se inicia. Embarque conosco!

Depois do grande trauma

Se a Primeira Guerra causou um grande mal-estar pela


brutal violência, com um saldo de 10 milhões de mortos, sem
contar os mutilados e os terríveis traumas psíquicos, o que
dizer da Segunda Guerra, que sextuplicou esses números, num

Espaço vital conflito que envolveu 72 nações de todos os continentes, direta

No pensamento de ou indiretamente? E qual a justificativa para o gasto de um trilhão


Hitler, descrito em seu e meio de dólares nesse terrível conflito bélico? O que poderia ter
livro Mein Kampf (“Minha
Luta”), em 1924, este seria sido feito com essa absurda cifra em prol da humanidade?
um lugar que uniria todo
o povo alemão (a “raça
O maior massacre da História está diretamente relaciona-
ariana”, que para ele do às seqüelas da Primeira Guerra. O desrespeito do governo
seria superior aos demais
povos) em torno de si, sob alemão ao Tratado de Versalhes, o desejo expansionista dos
um único território expan-
países industrializados, principalmente daqueles que levaram
dido e livre da presença
de outros povos. Nesse ao poder líderes totalitários, a disputa por novos territórios, tudo
projeto, também os inte-
resses econômicos eram isso agravado pelos efeitos da crise de 1929, foram as principais
evidentes. Para formar
razões que motivaram a deflagração da guerra. A invasão alemã
o “espaço vital”, Hitler
anexou em 1938 a Áustria à Polônia, em 1939, na tentativa de construção do “espaço vital”
e os Sudetos – região
montanhosa da antiga de Hitler, provocou a reação imediata da França e da Inglaterra.
Tchecoslováquia – e em A essas duas nações se juntaram a União Soviética, e mais tarde
1939 invadiu todo o res-
tante da Tchecoslováquia (em 1941) os Estados Unidos, formando o grupo dos Aliados, que
e da Polônia.
se opunha às forças do Eixo (Alemanha, Itália e Japão).

272
História e Turismo

Nos dois primeiros anos do conflito, as potências do Eixo


obtiveram inúmeras vitórias, conquistando vários territórios na
Europa, na África e na Ásia. Em dezembro de 1941, com a entrada
dos Estados Unidos na guerra, a pretexto do ataque japonês à
base americana de Pearl Harbor, no Havaí, os Aliados ganharam
o reforço do país que já era o mais rico do mundo, impondo ao
Eixo sucessivas derrotas até o final da guerra, em 1945.
Os dois lados do conflito foram responsáveis por vários
genocídios, atingindo a população civil. O espaço vital de Hitler,
transformado em política de Estado, levou à aniquilação de mi-
lhões de pessoas, entre elas judeus, negros, ciganos, portadores
de deficiência física ou mental, homossexuais, comunistas e outras
minorias étnicas, políticas e religiosas, provocando o Holocausto e
a guerra mais sangrenta da História. Os norte-americanos, por sua
vez, lançaram bombas atômicas sobre as cidades de Hiroshima e
Nagasaki em agosto de 1945, num momento em que o conflito já
estava bem próximo de seu fim.
Sob o pretexto de vingança contra a ação de submarinos
alemães que provocou o afundamento de seis navios brasileiros
no litoral baiano, o Brasil, que se mantinha neutro por conta dos
interesses de Vargas com os dois lados do conflito, entrou na
guerra do lado dos Aliados, enviando cerca de 25.000 soldados
para os campos de batalha na Itália. A campanha brasileira foi
muito bem-sucedida. Os soldados da Força Expedicionária Bra-
sileira e da Força Aérea Brasileira derrotaram os nazifascistas
em várias batalhas e foram recebidos como heróis no Brasil.
A maioria dos soldados era de origem humilde, recrutados nas
favelas cariocas.
Ao final da guerra, a Europa estava arrasada e a geopolítica
mundial se organizava a partir de dois blocos: o capitalista, sob
hegemonia dos Estados Unidos, e o socialista, sob controle da
União Soviética. Inicia-se a Guerra Fria, caracterizada pela disputa
armamentista, pela corrida espacial e científica, pela espionagem
e pela tensão constante entre os dois blocos rivais.

273
Aula 22 • As transformações após a II Guerra e seus impactos no turismo brasileiro

A criação da Organização das Nações Unidas (ONU),


fundada por 51 países, dentre eles o Brasil, deu-se logo após
o fim da guerra. Trata-se de um organismo supranacional, que
reúne atualmente 192 países, com o objetivo de promover a
paz entre os povos, a solidariedade internacional e o respeito
aos direitos humanos, embora muitas vezes os interesses dos
países hegemônicos, notadamente dos Estados Unidos, se so-
breponham, na prática, aos ideais altruístas da ONU. A ela
estão vinculadas diversas agências, como a Organização das
Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO),
a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Fundo das
Nações Unidas para a Infância (Unicef) e a Organização Mundial
do Turismo (OMT).

Cinema e História: a Segunda Guerra na grande tela


A Segunda Guerra Mundial é um tema recorrente nas pro-
duções cinematográficas, sobretudo em Hollywood. O nos-
so cinema também tem ótimas obras sobre a participação
brasileira no conflito e sobre a vida cotidiana nos tempos
da guerra.
Confira um listão da produção fílmica sobre a Segunda Guerra
Mundial e escolha o seu filme preferido, acessando:
http://pordosol.tripod.com/MEGALISTA.html

Museus do Holocausto e turismo


Você sabia que em todo o mundo existem hoje 61 museus
temáticos que relembram a tragédia do Holocausto e são visi-
tados por milhões de turistas anualmente? Questões polêmi-
cas envolvem a criação e manutenção desses museus, entre
elas o apelo à violência como forma de atrair o turista e o pre-
domínio de uma memória do extermínio dos judeus, em de-
trimento do esquecimento dos outros grupos vitimados pelos
nazistas.
Destacamos a Casa-Museu de Anne Frank, pela sua delicada
concepção que procura preservar a estrutura do anexo secreto
(o esconderijo da mais famosa vítima do Holocausto), por si só

274
História e Turismo

bastante tocante, sem expor cenas do horror provocado pelo


nazismo. Localiza-se em Amsterdã, na Holanda, e é um dos
pontos turísticos mais visitados no país, chegando a mais de
um milhão de visitantes por ano.
No material complementar, disponibilizamos um trecho da
excelente monografia Museus do Holocausto: recortes da
História na visão do turista, de Sara Dantas, que obteve o
grau de bacharel em Turismo pela Universidade Federal Flu-
minense em 2008 com esse belo trabalho.

O Brasil após a Segunda Guerra Mundial

A ditadura do Estado Novo se mostrara desgastada com


o fim da segunda Guerra e as pressões políticas internas pela
redemocratização do país. Diversas questões estavam na ordem
do dia, como o futuro do processo de industrialização brasileiro e
o modelo de desenvolvimento econômico e social a ser seguido
no país. Várias correntes políticas dividiam a opinião da socie-
dade: comunistas, nacionalistas e liberais que eram partidários
do alinhamento do Brasil ao capital internacional propunham
alternativas diversas para o desenvolvimento do país.
Vargas foi deposto em 1945. Realizadas eleições presiden-
ciais, o general Eurico Gaspar Dutra saiu vitorioso, acenando para
um período de abertura democrática, com o fim das restrições
dos direitos políticos e civis. Foi convocada a Assembléia Consti-
tuinte, encarregada de elaborar uma nova Carta Constitucional
para o país, que teve como princípios básicos: a livre manifesta-
ção de pensamento, a liberdade de associação, a ampla garantia
de defesa do acusado e o voto obrigatório para maiores de 18
anos (até então, a idade eleitoral era de 21 anos).
Porém, houve uma democratização relativa, na medida em
que a Constituição manteve a exclusão dos analfabetos do direito
ao voto, restringiu o direito de greve aos trabalhadores, classifican-
do como "atividades essenciais" a maior parte das ocupações,
o que impedia que os trabalhadores paralisassem as suas ativi-
dades. Além disso, alinhando-se aos Estados Unidos no contexto

275
Aula 22 • As transformações após a II Guerra e seus impactos no turismo brasileiro

da Guerra Fria, o governo Dutra cortou relações com a União So-


viética e cassou o direito de funcionamento do Partido Comunis-
ta Brasileiro e mais tarde o mandato de todos os políticos eleitos
pelo Partido. Também decretou o fechamento dos cassinos, “em
nome da moral e dos bons costumes”, pondo em xeque a frágil
democracia que se instalava no país.
O alinhamento aos Estados Unidos no jogo político da
Guerra Fria rendeu ao Brasil um grande fluxo de capitais norte-
americanos. A política econômica do governo Dutra consistia na
importanção de itens essenciais para a produção industrial e na
restrição da importação de bens de consumo, estimulando um
intenso crescimento da indústria nacional, sem, no entanto, re-
duzir as desigualdades sociais.
Nesse período, houve um considerável desenvolvimento
dos meios de comunicação brasileiros, inclusive com a inaugu-
ração das transmissões televisivas, a partir de 1950, por iniciativa
do magnata das comunicações Assis Chateaubriand.

O fechamento dos cassinos e sua conseqüência


para o turismo brasileiro

Que saudades
Do Cassino da Urca
Da orquestra e do Night and Day
Grandes noites eu passei
(G.R.E.S Estação Primeira de Mangueira. Trinca de Reis. Carnaval
de 1989)

Os cantores e cantoras do rádio faziam grande sucesso,


apresentando-se também nos glamurosos cassinos brasileiros.
Os populares artistas do cinema nacional e estrangeiro tam-
bém pisaram nos palcos dos cassinos. Emilinha Borba, Marlene,
Linda Batista, Dircinha Batista, Virginia Lane, Dalva de Oliveira,
Ângela Maria, Grande Otelo, Oscarito, Ankito, Dick Farney e a
estrelamaior, Carmen Miranda, foram algumas das grandes atra-
ções do Cassino da Urca.

276
História e Turismo

Os cassinos eram importantes centros de lazer e entreteni-


mento, e atraíam turistas interessados nas atrações, mas que tam-
bém eram motivados pela combinação balneário e saúde. A maior
parte desses cassinos, geralmente localizados nos hotéis, estava
ou próxima ao mar ou em estâncias. Entre os mais importantes,
podemos citar o Hotel Copacabana Palace, inaugurado em 1923,
que foi o primeiro a possuir um cassino no Brasil (e onde foi rea-
lizado o último jogo no dia de sua proibição); o Cassino Beira-Mar,
no atual Passeio Público (na cidade do Rio de Janeiro), o famoso
Hotel Brasil, o Cassino Balneário da Urca, em São Lourenço, e o
Hotel-cassino Quitandinha, em Petrópolis. Os dois últimos, além
do Hotel-cassino Icaraí, em Niterói (atual prédio da Reitoria da Uni-
versidade Federal Fluminense), do Cassino de Poços de Caldas,
do Cassino da Pampulha e do de Araxá, em Minas Gerais, eram
de propriedade do empresário Joaquim Rolla, que sofreu grande
prejuízo com o fechamento dos cassinos em 1946.
Foi na Era Vargas que os cassinos voltaram a ser liberados
e atingiram o seu esplendor. As elites políticas e econômicas do
Brasil movimentavam verdadeiras fortunas nas mesas de jogos
dos cassinos situados em diversos estados brasileiros, prin-
cipalmente na região. Su-
deste. Luxuosas festas eram
promovidas para a nata da
sociedade e para os endi-
nheirados turistas que ar-
riscavam a sorte na roleta,
no bacará e no carteado e
divertiam-se com as vedetes
e os artistas famosos. Várias
rotas aéreas foram criadas
para facilitar o acesso aos
balneários e cassinos.

Figura 22.1: Fachada em estilo normando do antigo Hotel-cassino Qui-


tandinha, o maior e mais suntuoso da América do Sul até o fechamento,
em 1946.
Fonte: www.inepac.rj.gov.br

277
Aula 22 • As transformações após a II Guerra e seus impactos no turismo brasileiro

O fechamento definitivo dos cassinos e a proibição de todo


tipo de jogo de azar no Brasil se deu pelo decreto-lei 9.215, de
30 de abril de 1946, assinado pelo presidente Dutra, em nome
da moral e dos bons costumes. Essa medida provocou uma pro-
funda crise nas cidades turísticas que tinham nos cassinos uma
grande fonte de receita.
A maior parte dos jornais de grande circulação da época
apoiou a ação do governo, saudando o decreto-lei e execrando
o jogo no Brasil, como é o caso do Diário de Notícias, edição de
1º de maio de 1946:

É com verdadeira emoção e sem reservas nos aplausos de-


vidos que, hoje, nestas colunas, onde tantas vezes profligamos
a jogatina e outras tantas vezes nos vimos privados de
combate-la, registramos o ato do Governo da República
determinando a pura e simples vigencia do dispositivo das leis
penais proibitivo da exploração dos jogos de azar, que havia
sido suspenso por um ato típico da ditadura estadonovista.
Não hesitamos em trazer as mais calorosas congratulações
ao presidente, que o assinou, num assomo de dignificação
do poder, verdadeiramente restaurados de linhas essenciais
da moral publica do país, e penetrado de corajoso ânimo
saneador e, em essencia, coerente com o pensamento do mi-
nistro da Guerra signatario de serena e enérgica recomenda-
ção aos seus comandados ao tempo em que a industria do
pano verde era uma das colunas basilares do regime. (...)
Maior é, pois, o entusiasmo com que assinalamos a medida
ontem decretada, pois contem ela um inegavel sentido
afirmativo contra certos entorpecentes da ação moralizadora
atribuida ao Estado. Vem ela ao cabo de anos e anos de campa-
nha tenaz, que este jornal sustentou, sozinho, seja recu-
sando não só a publicidade ostensiva dos cassinos, como
de suas roupagens artísticas e turísticas, seja profligando
doutrinariamente o vicio, seja provocando pronunciamentos
de vozes autorizadas, muitas vezes sofrendo vedações e
castigos. (...)" (grifo nosso)

Um dos poucos vespertinos que se pronunciaram contra o


fechamento dos cassinos foi A Resistência, que, a 5 de maio de
1946, apontava a perda de postos de trabalho e o desprestígio da
classe artística no país:

278
História e Turismo

Não seria exagero acentuar que realmente existiu de parte


do Governo indesculpável inadvertencia. As condições ob-
jetivas do meio social brasileiro não apresentam, como
acontece na Inglaterra, por exemplo, condições próprias no
incentivo do setor artistico do povo. Por isso julgamos inad-
vertido o Governo, atingindo exabrutamente os profissio-
nais que, trabalhando nos cassinos se encontram, da noite
para o dia, ao desemprego e, − o que é catastrofico − se
viram desempregados: atores, cantores, bailarinos, musicos,
enfim, um verdadeiro mundo onde o ingresso independe de
simples desejo de ganhar a vida mas, exige, ao contrário,
vocação, estudo, perseverança e talento. (...)

Coerente com as suas diretivas, A Resistência inicia um


movimento de apoio às reivindicações de todos aqueles que,
por força do decreto-lei que extinguiu o jogo, se viram em situa-
ção de inesperado desajustamento em sua atividade laboriosa.
(Fonte: FECHAMENTO dos cassinos. UOL. O Rio de Janeiro através dos

jornais. Disponível em: <http://www1.uol.com.br/rionos-jornais/rj41.htm>.

Acesso em: 10 jan. 2009.)


As conseqüências do fechamento dos cassinos, obvia-
mente, estenderam-se também para o setor turístico.
De acordo com o ex-deputado Dércio Knop, autor do Pro-
jeto de Lei 91/96, “antes da proibição, existiam no país 71 cassinos
que empregavam 60.000 trabalhadores direta e indiretamente”.
O município mineiro de São Lourenço, segundo o ex-parlamen-
tar, foi criado em 1927 e era o menor de todos os municípios do
estado. Assim mesmo, possuía 8 cassinos no total, seguindo o
exemplo de muitas estações termais e de férias da Europa.
Naquela época, surgiram 40 hotéis ao redor dos cassinos por
iniciativa da empresa privada, que atraía visitantes da classe
média alta de São Paulo e Rio de Janeiro, além de argentinos, uru-
guaios e paraguaios, que chegavam em linhas aéreas regulares
e diárias (CONGRESSO NACIONAL, 1996 apud PAIXÃO, 2009).
Diversos projetos foram enviados à Câmara dos Deputados
visando à legalização dos jogos de azar no Brasil. Passados mais
de 60 anos da proibição (que também condena o popular jogo do

279
Aula 22 • As transformações após a II Guerra e seus impactos no turismo brasileiro

bicho à contravenção), o trade turístico cada vez mais registra a


saída de brasileiros que se juntam a outros turistas de diversas
procedências para se divertirem em países onde o jogo é per-
mitido. A classe artística, sobretudo os remanescentes da época
de ouro do rádio e dos programas de auditório, se ressente da
perda irrecuperável de um importante espaço de atuação na cena
cultural brasileira. Na internet, páginas nostálgicas sobre a época
dos cassinos no Brasil atraem um público cada vez maior, for-
mado por quem freqüentou ou mesmo por quem sequer viveu o
período, mas ouviu histórias pitorescas e românticas sobre o que
se passava ao redor das mesas e roletas de jogo.

A Copa do Mundo é nossa

Em 1950, o Brasil sediou a 4ª Copa


do Mundo de Futebol. As anteriores foram
realizadas em 1930, no Uruguai; em 1934,
na Itália e, em 1938, na França. Entre 1938
e 1950, o evento esteve suspenso por cau-
sa da guerra. A Europa estava devastada
e muitos países desistiram de participar.
O Brasil foi o único candidato a sediar o
mundial e já havia sinalizado essa inten-
ção para a Copa de 1942 (que não houve).
A candidatura foi aprovada e o evento re-
tornou à América do Sul, sendo os jogos
distribuídos entre as cidades de Curitiba,
São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre,
Recife e Rio de Janeiro.

Figura 22.2: Cartaz da Copa do Mundo sediada no Bra-


sil em 1950, tendo o Pão de Açúcar estilizado ao fundo,
sugerindo uma harmoniosa combinação entre o céu,
o mar e o relevo cariocas.

280
História e Turismo

O Maracanã teve suas obras iniciadas em 1948 e só concluí-


das em 1965. Acusado por muitos políticos (principalmente Carlos
Lacerda) e por alguns veículos da imprensa de “obra faraônica”,
foi inaugurado ainda sem estar pronto para os jogos oficiais da
Copa do Mundo de 1950, tornando-se o maior estádio do mundo.
A fatídica partida final contra o Uruguai, assistida por quase
200.000 pessoas no estádio, representou um grande trauma para
os brasileiros, que àquela altura somavam “50 milhões em ação”.

No premiado curta-metragem Barbosa (direção de Jorge Furtado,


1988), um homem, vivido por Antônio Fagundes, volta no tempo e
tenta interferir no resultado da partida, inocentando o goleiro Bar-
bosa, que foi responsabilizado por boa parte da crônica esportiva
brasileira da época pela derrota na Copa, considerada por muitos
uma “barbada”.
Sobre a Copa do Mundo de 1950 e aspectos da sociedade brasilei-
ra e do Rio de Janeiro da época, recomendamos alguns excelentes
materiais multimídias.
O primeiro deles é o documentário El día en que Brasil lloró – Uru-
guay campeón del mundo (1950), que começa apresentando a cultu-
ra da cidade do Rio de Janeiro “la capital de la fiesta, por definición”,
o carnaval carioca e os detalhes da construção e inauguração do
Maracanã. Narrado em espanhol (num ritmo bastante fácil para os
brasileiros acompanharem), o curta é um verdadeiro documento da
história social do Brasil de 1950, inserindo as relações entre futebol,
política e carnaval e o fenômeno de massas que o esporte se tornou
no Brasil. Pode ser encontrado em: http://www.youtube. com/watch?
v=6pMmRFKKZfk&feature=related
Outra sugestão é o curta Final 1950, que traz imagens do clima que
cercou a partida antes e depois do resultado e a participação de
jogadores e comentaristas brasileiros. O filme é espetacular, e sua
mensagem pode ser captada mesmo que você não seja um expert
no idioma de Shakespeare. Disponível em: http://www.youtube.com/
watch?v=wYKzZRN0U6o&NR=1
Para assistir ao curta de ficção Barbosa (em português), clique em:
http://www.portacurtas.com.br/busca.asp#. Digite no campo “Ache
um curta” a palavra Barbosa e bom divertimento!
Sugerimos também uma espiadinha no Laboratório de História do
Esporte e do Lazer, do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Uni-
versidade Federal do Rio de Janeiro. Acesse http://www.sport.ifcs.
ufrj.br/ e surpreenda-se com a abordagem multidisciplinar dos estu-
dos sobre os esportes, eventos esportivos e sobre o lazer.

281
Aula 22 • As transformações após a II Guerra e seus impactos no turismo brasileiro

A volta de Vargas ao poder

Em 1950, Vargas venceu as eleições presidenciais, confir-


mando o prestígio de que ainda gozava junto à opinião pública
nacional. Manteve a sua política nacionalista e intervencionista,
restringiu os investimentos estrangeiros e estimulou o desen-
volvimento do país por meio do estímulo à produção nacional.
Assim, criou o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
(BNDE) e a Petrobras, com o fim de deter o monopólio estatal
da produção e refino do petróleo brasileiro, setor estratégico da
economia. Também promoveu consideráveis reajustes no salário
mínimo, conquistando amplo apoio popular.
No seu segundo governo foi sancionada pelo presidente
Vargas a Lei Afonso Arinos, que torna contravenção todos os
atos de discriminação racial. Dentre os artigos previstos na lei
(que foi modificada em 1985), destacamos:

Art 2º Recusar a alguém hospedagem em hotel, pensão,


estalagem ou estabelecimento da mesma finalidade, por
preconceito de raça ou de côr. Pena: prisão simples de três
meses a um ano e multa de Cr$5.000,00 (cinco mil cruzeiros)
a Cr$20.000,00 (vinte mil cruzeiros).

O presidente sofreu dura oposição dos empresários liga-


dos à União Democrática Nacional (UDN), interessados nos in-
vestimentos do capital estrangeiro no país e era fortemente com-
batido pelo jornalista Carlos Lacerda, da Tribuna da Imprensa,
que foi vítima de um atentado praticado pelo chefe da guarda
pessoal de Vargas, desencadeando uma profunda crise política
e fortes pressões que culminaram no suicídio do presidente no
Palácio do Catete.

282
História e Turismo

“Mais uma vez as forças e os interesses contra o povo


coordenaram-se e novamente se desencadeiam so-
bre mim. Não me acusam, insultam; não me comba-
tem, caluniam, e não me dão o direito de defesa. Pre-
cisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação,
para que eu não continue a defender, como sempre
defendi, o povo e principalmente os humildes. (...)”.
(Trecho da carta-testamento atribuída a Getúlio Var-
gas, 23/8/1954.)

O Brasil dos anos dourados

Após o suicídio de Vargas e a rápida passagem de Café


Filho, presidente da Câmara, pelo poder, o mineiro Juscelino Ku-
bitschek foi eleito presidente da República, com o seu famoso
slogan “50 anos em 5”. JK conduziu uma política conhecida como
desenvolvimentismo, por meio de seu Plano de Metas, buscan-
do desenvolver o Brasil em tempo recorde. Priorizou os setores
essenciais como energia, indústria, siderurgia, transporte e ali-
mentos. Houve um grande impulso para a indústria automobilís-
tica e a abertura de muitas estradas, unindo o país de Norte a
Sul, através de uma mentalidade rodoviarista (isso nos ajuda a
compreender a força do turismo rodoviário e o declínio do trans-
porte ferrroviário no país). Diferentemente da política varguista,
o financiamento do projeto de desenvolvimento para o país nos
anos JK foi proveniente do capital estrangeiro, com a presença
no Brasil de empresas internacionais, remetendo consideráveis
margens de lucro para o exterior e com volumosos empréstimos
obtidos no estrangeiro, o que provocou uma inflação alarmante,
chegando a 25% ao ano.
Em 1960, Juscelino Kubitschek inaugurava a nova Capital
Federal, que foi mudada do Rio de Janeiro, palco histórico de im-
portantes acontecimentos políticos e sociais e tradicional centro
de manifestações populares, para o deserto do Planalto Central.

283
Aula 22 • As transformações após a II Guerra e seus impactos no turismo brasileiro

Aliás, desde o Império já havia o desejo de mudança da capital


para o interior do país.
O Plano Piloto, assinado pelo arquiteto Oscar Niemayer e
pelo urbanista Lúcio Costa, mundialmente reconhecidos, foi in-
cluído em 1987, pela Unesco, na lista dos Patrimônios Culturais
da Humanidade, tendo como justificativa a aplicação dos mo-
dernos princípios do urbanismo numa capital planejada, o que
é raro no mundo.
O paisagismo do Plano Piloto, especificamente o do Eixo
Monumental (área verde próxima aos principais prédios do Go-
verno Federal), é assinado pelo também mundialmente famoso
Roberto Burle Marx. Ainda em 1960 foi finalizada a obra que deu
origem ao Aterro do Flamengo, com 1.200.000 metros quadrados,
cujo projeto paisagístico também é de autoria de Burle Marx.
Nesse período, a classe média brasileira experimentava
um clima de euforia e satisfação, tendo acesso aos bens de con-
sumo duráveis, principalmente automóveis e eletrodomésticos
(não por acaso, os supermercados surgiram em 1957), o que aju-
dou na construção de uma visão romântica de que esta foi uma
década dourada, de grande melhoria na qualidade de vida dos
brasileiros, embora existissem inúmeras contradições sociais,
como o crescimento da pobreza nos grandes centros urbanos,
por exemplo.
O movimento da bossa nova, que em 2008 completou 50
anos, ilustrou o pensamento burguês do Brasil que dava certo.
Jovens de classe média da Zona Sul do Rio de Janeiro reuniam-
se em casas noturnas, universidades, bares e apartamentos da
região para cantar e tocar samba numa batida diferente, encan-
tados com as invenções do baiano João Gilberto. As letras fala-
vam da satisfação em ver o mar, o céu, o sol ou simplesmente
eram barulhinhos onomatopéicos do tipo blim blom ou pa da ba
da ba da, por exemplo. A bossa nova ganhou o reconhecimento
internacional, consagrando mundialmente o seu criador e outros
notáveis talentos, como o maestro Tom Jobim, Vinicius de Mo-
raes, Baden Powel, Carlinhos Lyra, Ronaldo Bôscoli, Roberto Me-

284
História e Turismo

nescal, Sérgio Mendes e tantos outros. Até hoje ”Garota de


Ipanema”, de Tom e Vinicius, é considerada a segunda música
mais gravada em todo o mundo. Como visto na aula anterior, a
música do Brasil, especialmente o samba e a bossa nova, são im-
portantes atrativos turísticos do país e foram inseridos nas ações
do poder público no sentido de promover o turismo brasileiro.

O outro lado do Rio


Em oposição ao clima de euforia experimentado pelas camadas bur-
guesas da sociedade, cresciam as desigualdades sociais. Isso pode
ser percebido, por exemplo, no movimento estético-cultural denomi-
nado Cinema Novo, que expunha as mazelas sociais no campo e nas
cidades através das telas de cinema. Um dos mais badalados filmes
de todos os tempos no Brasil é Rio, 40 graus, de Nelson Pereira dos
Santos (1955), considerado também um dos fundadores do Cinema
Novo. O filme conta a história de cinco meninos, vendedores de
amendoim na escaldante cidade, marcada por fortes contrastes soci-
ais. Rio, 40 graus traz uma particularidade muito interessante para os
estudantes de Turismo: várias cenas foram gravadas nos principais
pontos turísticos da cidade à época: Pão de Açúcar, Corcovado, Praia
de Copacabana, Quinta da Boa Vista e estádio do Maracanã. Vale a
pena conferir essa obra-prima do cinema nacional!
Outra relação interessante entre o turismo e os problemas sociais
na década de 1950 é o artigo da escritora Rachel de Queiroz que, em
sua coluna na famosa revista O Cruzeiro, em 31/10/1959, legou-nos
uma impressionante visão sobre o turismo como vetor de desen-
volvimento social. Apesar de seu meio século, o texto se mantém
bastante atual, pois já se voltou a falar recentemente na pintura das
favelas para não degradar a paisagem cênica da cidade, e, de fato,
hoje as favelas foram transformadas em atrativo turístico, que em
muitos casos beira o pitoresco, como previu a escritora. Definitiva-
mente, Rachel de Queiroz era uma mulher à frente de seu tempo!
Observe o puxão de orelha que ela dá no poder público municipal e
sua percepção acerca da importância do turismo – que na época era
percebido como uma indústria – para a sociedade:

As côres
Falar em D. Helder lembra favela, e falar em favela lembra logo
a onda de demagogia que se anda fazendo porque o Sr. Mário
Saladini, diretor do Turismo, se propôs a dar tinta aos favelados
para que pintassem os seus barracos. Acho que nessa história
está havendo é muita falta de compreensão. Afinal o homem

285
Aula 22 • As transformações após a II Guerra e seus impactos no turismo brasileiro

não é diretor da Sursan, nem da Saúde Pública, nem da Casa


Popular, nem da Reabilitação das Favelas. É diretor do Turismo,
só. A função dêle consiste, apenas, em procurar fazer a Cidade
atraente aos olhos dos estranhos que nos visitam. Todo o mun-
do sabe e deplora – as favelas são uma chaga social, uma vergo-
nha, uma tragédia. Mas o diretor do Turismo não é culpado dis-
so, nem tem autoridade para interferir no problema. Êle é ùnica-
mente uma espécie de maquilador da Cidade – encarregado de
tapar cicatrizes e espinhas, apresentar uma face bonita em cima
da velha cara escavacada. Tratar da saúde do doente é com os
outros – o papel dêle é só mesmo o de pintar. Poder-se-á alegar
então que cuidar de turismo num tempo em que todo mundo
passa fome é uma futilidade. Mas isso são outros quinhentos
mil-réis. Mesmo porque, turismo já não é mais brincadeira, é in-
dústria, e por tôda parte rende dólares aos milhões. O daqui não
rende porque ainda não há; turismo houvesse, dando dinheiro,
quem sabe se poderia com êle urbanizar as favelas? Embora eu
duvide que, depois de apanhar o cobre, a turma fôsse se lem-
brar de favelado. Diriam logo que era pitoresco, que as favelas
são uma tradição da Cidade (QUEIROZ, 1959).

Qualquer semelhança ou mera coincidência com a transformação


das favelas em atrativo turístico, para que o visitante perceba os
nossos “contrastes”, não é mera coincidência... Rachel de Queiroz
“cantou essa pedra” há 50 anos...

Atividade
1.
a) Visite algum site de agência de turismo que ofereça pacotes
para Brasília e conheça os patrimônios edificados do Plano Pilo-
to que fazem parte dos roteiros turísticos tradicionais da região.
Procure conhecer a importância de cada um dos atrativos, ana-
lisando também o discurso do marketing turístico para oferecê-
los aos clientes em potencial.
b) Leia a matéria “Bossa Nova é garota propaganda do turismo
brasileiro” e apresente duas outras idéias que possam ajudar a
valorizar e divulgar o patrimônio brasileiro (em geral) por meio
do turismo. Você encontrará a matéria acessando: http://www.
ideias.org.br/clipping/913.html.

Comentário
O objetivo desta atividade é observar a relação entre dois impor-
tantes patrimônios culturais brasileiros, reconhecidos em todo o
mundo, e o marketing turístico numa atividade interdisciplinar.

286
História e Turismo

No primeiro item, destacamos a promoção e comercialização do Pla-


no Piloto pela iniciativa privada. No segundo, o marketing do des-
tino Brasil por meio da bossa nova, com foco nas políticas públicas
de turismo.

Do breve governo Jânio Quadros ao regime


militar

Os enormes gastos públicos realizados no governo de JK


deixaram uma pesada herança para o seu sucessor, que assumiu
a presidência da República em janeiro de 1961. Jânio Quadros se
tornou muito impopular, principalmente pela sua política austera
de enxugamento da máquina estatal e do congelamento dos sa-
lários, freando o impulso consumista da classe média. Outra me-
dida polêmica foi o restabelecimento das relações com os países
socialistas, procurando dialogar com os dois blocos em disputa
durante a Guerra Fria e, com isso, reduzir a dependência brasilei-
ra em relação aos países capitalistas (Che Guevara, então mi-
nistro da Economia de Cuba, foi, inclusive, condecorado com a
Ordem do Cruzeiro do Sul).
Jânio renunciou em 1961, com apenas sete meses de go-
verno. Ele próprio admitiu, em 1992, que a renúncia foi um blefe,
uma tentativa de golpe no Congresso para obter mais apoio para
governar, utilizando como argumento o perigo de um comunis-
ta assumir o poder ou de haver um golpe militar. Entretanto, o
Congresso aceitou o seu pedido de renúncia e seu governo se
encerrou de forma prematura. Nesse curto tempo no poder, o
polêmico presidente, que utilizava uma vassoura como símbolo
“para varrer a corrupção”, tomou diversas medidas: proibiu o uso
do biquíni em concursos de misse televisionados, a briga de ga-
los e o lança-perfume. Ficou conhecido pela sua personalidade
excêntrica, pelo estilo desalinhado, pela postura populista (car-
regava sanduíches de mortadela no bolso para impressionar as
camadas populares durante as campanhas eleitorais) e por be-
ber demais: “Bebo porque é líquido. Se sólido fosse, comê-lo-ia.”
é uma de suas “pérolas”.

287
Aula 22 • As transformações após a II Guerra e seus impactos no turismo brasileiro

Com a renúncia, assumiria a presidência o seu vice, João


Goulart, mas este foi impedido por um grupo influente de políti-
cos ligados aos militares e às oligarquias agrárias. A condição
para que assumisse o poder seria a transformação do regime
político brasileiro de presidencialismo em parlamentarismo, o
que ampliaria os poderes de um primeiro-ministro e reduziria a
influência do presidente João Goulart. Tudo isso com a aprovação
do Congresso por meio de um Ato Adicional. Como você percebeu,
foi um golpe político que, no entanto, não teve respaldo popular.
Em 1963, por meio de um plebiscito, o povo brasileiro votou em
defesa do presidencialismo, restaurando o regime anterior.
O governo de João Goulart foi extremamente instável,
ameaçado por diversas forças de oposição que temiam a ins-
tauração do comunismo no país. Ao lançar uma série de me-
didas, conhecidas como Reformas de Base, visando a equilibrar
a difícil situação econômica e reduzir as desigualdades sociais,
Jango captou a ira de setores conservadores, contrários à reforma
agrária por ele empreendida e à redução da remessa de lucros
das empresas estrangeiras para os países de origem.
Em 31 de março de 1964, João Goulart foi derrubado do
poder pelo Exército, partindo no dia seguinte para o exílio no
Uruguai. Começava aí um dos capítulos mais nebulosos da
história do Brasil, com a implantação de uma ditadura militar por
longos 21 anos. As principais características do governo militar
nos “anos de chumbo”, como ficou conhecido esse período, foram:
ausência da liberdade de pensamento e de expressão, suspensão
dos direitos constitucionais e civis, cassação dos partidos políticos
e dos mandatos dos parlamentares oposicionistas, fechamento
do Congresso, funcionamento da censura às produções artísti-
cas e intelectuais, fim das eleições diretas, intervenção na polí-
tica dos sindicatos, perseguição política e violenta repressão
(incluindo tortura e morte) aos que eram contra o regime militar.
Foram permitidos apenas dois partidos políticos: o Movimento
Democrático Brasileiro (MDB) e a Aliança Renovadora Nacional
(Arena), ambos controlados pelo regime militar.

288
História e Turismo

O movimento estudantil foi o que mais se destacou na


oposição ao governo militar, através da União Nacional dos
Estudantes. O estopim para os protestos foi a morte do estudante
Edson Luís, de 17 anos, dentro de um restaurante universitário
invadido pelos militares. Houve uma grande comoção nacional e
mais de 50 mil pessoas foram ao enterro do jovem, começando
aí uma forte corrente de oposição ao regime militar, que ganhou
a adesão da classe artística e dos intelectuais de esquerda.
A famosa Passeata dos Cem Mil, em junho de 1968, re-
presentou um grito de diversos setores da sociedade brasileira
contra o autoritarismo e a violência do novo regime e deve ser
compreendida no conjunto dos movimentos sociais que ocor-
reram naquele período também na Europa e na América La-
tina no contexto da Guerra Fria (exemplos: Primavera de Praga,
movimentos estudantis na Alemanha, França, Itália e México).
Com o Ato Institucional número 5 (AI-5), o regime militar
recrudesceu. O Congresso foi fechado, os políticos, cassados, foi
proibida qualquer forma de reunião política, foram instituídos
a liberdade vigiada e o aumento da censura, da vigilância e
da repressão policial, banindo do país qualquer esperança de
democracia e, com ela, os principais formadores de opinião
que eram contrários ao regime. Políticos, intelectuais e artistas
que incomodavam o regime militar foram forçados ao exílio na
Europa e na América Latina. Muitos que permaneceram e faziam
oposição, atuando na clandestinidade, foram perseguidos e
torturados. A luta armada se instaurou no país, com a guerrilha
urbana e também no campo.
O período mais difícil do regime militar foram os anos do
governo Médici, entre 1969 e 1974, quando se intensificaram a
repressão e a violência contra os grupos oposicionistas, aumen-
tando os assassinatos, torturas e desaparecimentos de presos
políticos, a censura à imprensa e às diversas manifestações
culturais. Sob a euforia da vitória do Brasil na Copa de 1970 e
o crescimento econômico do país, a maior parte da sociedade
parecia não se dar conta da suspensão dos direitos civis e sociais,

289
Aula 22 • As transformações após a II Guerra e seus impactos no turismo brasileiro

da instalação da censura, da tortura e do medo impostos pela


ditadura militar.

Figura 22.3: Uma das muitas charges do cartunista Hen-


fil, do jornal O Pasquim, vetadas pela censura militar.
Fonte: Instituto Ciência Hoje.

Conheça um pouco mais do clima que se abateu sobre a produção


cultural brasileira no período da repressão militar assistindo às ce-
nas antológicas da apresentação de Chico Buarque e Gilberto Gil
no show Phono 73, realizado no Anhembi, em São Paulo. A cen-
surada “Cálice” (trocadilho com “cale-se”, como se pode notar pelo
contexto da época e da própria música) foi cantada com palavras
absolutamente inverossímeis, numa estratégia dos dois artistas de
burlar a censura. A produção do show tomou as suas providências
e os artistas reagiram. Veja o desfecho dessa história acessando um
dos campeões de audiência do YouTube, com quase 300.000 visitas:
http://www.youtube.com/watch?v=oXGDlMMOEWg
Aproveite e dê uma olhadinha nos outros muitos vídeos relaciona-
dos ao tema da ditadura militar. A maioria são clipes preparados com
músicas e fotografias dos momentos mais impactantes da repressão
militar e das manifestações políticas contra o regime, que sintetizam
e ilustram os conteúdos abordados nesta seção da nossa aula.

290
História e Turismo

Uma das formas de compensação do regime que anulou


a democracia e as liberdades individuais dos brasileiros era o
aumento do poder de compra das camadas médias da popula-
ção, com o restabelecimento do crédito, e a melhoria da infra-
estrutura do país. A Rodovia Transamazônica, a Ponte Rio–Niterói
e a Usina Hidrelétrica de Itaipu são produtos dessa política, todas
consideradas “obras faraônicas”, com grande desperdício de ca-
pitais, desvio de verbas e responsáveis pelo aumento da dívida
externa. Esse período, que contou com grande volume de capi-
tais obtidos de empréstimos no exterior que proporcionaram o
desenvolvimento interno e a geração de milhares de empregos,
ficou conhecido como “milagre econômico”. A inflação beirava
os 18% e os empréstimos internacionais fizeram crescer enorme-
mente a dívida externa brasileira. Entretanto, havia uma sensação
generalizada de desenvolvimento e progresso. O senso comum
costuma atribuir ao período militar o mérito de promover grande
prosperidade para o país e proporcionar a aquisição de bens de
consumo duráveis para a classe média, como automóveis, gela-
deiras, televisores e outros aparelhos eletrodomésticos.

O turismo no período após a Segunda Guerra

No intervalo entre as duas grandes guerras, verificou-se


um próspero desenvolvimento do turismo, inclusive no Brasil.
A partir da década de 1950, com a recuperação das econo-
mias arrasadas pela guerra, ocorreu um grande desenvolvimen-
to econômico dos países industrializados, com o conseqüente
crescimento da classe média européia e da norte-americana.
Ao mesmo tempo, o restabelecimento da paz mundial –
ainda que relativa – ao lado da conquista de diversos direitos
civis (redução da jornada de trabalho, férias, direito ao des-
canso remunerado como recompensa do desgaste provocado
pelo trabalho), das melhorias nos setores de comunicação e
transporte (consolidação e modernização da aviação civil, trens
de alta velocidade, o incremento da indústria automobilística),
proporcionaram um considerável crescimento do turismo, com

291
Aula 22 • As transformações após a II Guerra e seus impactos no turismo brasileiro

tendência à massificação. Foram criados pacotes padronizados


para dar conta da volumosa demanda de turistas.
No Brasil, houve um grande impulso no desenvolvimento
da atividade turística, proporcionado principalmente pela melho-
ria da infra-estrutura de base do país. A aviação civil se expandiu
consideravelmente, novas estradas ligando grandes distâncias
do país foram abertas, proporcionando o advento do turismo
rodoviário, que foi largamente favorecido pelo boom da indús-
tria automobilística a partir dos anos 1950. A rodovia Presidente
Dutra, por exemplo, com 405 quilômetros, ligando o Rio de Ja-
neiro a São Paulo, data de 1951.
Em 1957 operavam no Brasil 17 empresas aéreas, dentre
elas a Varig, a Vasp e a lendária Panair. O pesquisador Luiz Trigo
alerta para o fato de que em 1948 operavam no Brasil 65 em-
presas aéreas, que foram encerrando suas atividades ou sendo
incorporadas por empresas maiores e mais bem organizadas.
Esse registro nos chama a atenção do grande impulso da aviação
brasileira no pós-guerra, beneficiando diretamente o turismo.
Também data da década de 1950 a criação de uma série de
associações de classe ligadas às atividades turísticas. Para você
ter uma idéia da importância do setor, em 1953 foi criada na sede
da Confederação Nacional do Comércio, no Rio de Janeiro, então
Distrito Federal, a Associação Brasileira das Agências de Viagem
(ABAV), e o seu primeiro congresso foi realizado em 1959; em
1957 surgia a Associação Brasileira dos Jornalistas Especializa-
dos em Turismo (Abrajet) e o Brasil já era filiado à Associação
Interparlamentar de Turismo, com sede em Gênova, na Itália.

Para ilustrar ainda mais a importância do turismo na década


de 1950, sugerimos a leitura do artigo “Plano turístico para
São Paulo”, escrito por Helio Damante, em 1951. Trata-se de
um documento histórico que revela as preocupações bastante
pertinentes do autor com a estruturação do turismo na “terra
da garoa”, que àquela altura já era uma das maiores cidades
da América Latina (DAMANTE, 1951).

292
História e Turismo

A Copa do Mundo de 1950 proporcionou um legado de di-


versos equipamentos turísticos na cidade do Rio de Janeiro. Para
esse fim, foram inaugurados vários hotéis, entre eles o Miramar
Palace, o Hotel Novo Mundo e o anexo do Copacabana Palace.
No período militar, especialmente nos anos do “milagre
econômico”, o turismo teve um grande desenvolvimento no
Brasil. Em 1966, o Decreto-lei 55, de 18 de novembro, definia a
Política Nacional de Turismo, criava o Conselho Nacional de Tu-
rismo (CN-Tur) e a Empresa Brasileira de Turismo (Embratur, hoje
Instituto Brasileiro de Turismo). Nesse mesmo ano, as agências
de viagem e turismo foram regulamentadas (decreto número
58.483). No ano seguinte, a Embratur realizava o I Encontro Ofi-
cial do Turismo Nacional. Foi na década de 1970 que surgiram os
primeiros cursos superiores de turismo do país, sendo o mais
antigo o da Faculdade de Turismo do Morumbi (SP), criada em
1971. O presidente Médici, em 1973, instituiu por decreto o Ano
Internacional do Turismo, que seria reeditado em 1987.

Atividade
2. Pesquise sobre o desenvolvimento do turismo no período da
ditadura militar no Brasil, abordando os seguintes assuntos:
a) abertura de estradas e rodovias; b) surgimento dos primeiros
cursos superiores de Turismo; c) criação da Embratur e sua estra-
tégia de promoção do destino Brasil.

Comentário
Faça uma consulta à bibliografia sobre a história do turismo no Brasil
ou uma busca na internet sobre os assuntos propostos. Em seguida,
procure desenvolver um pequeno texto relacionando todos os itens
e perceba que, no seu conjunto, eles sinalizam que o turismo era
uma atividade de grande importância estratégica durante o regime
militar no Brasil.

293
Aula 22 • As transformações após a II Guerra e seus impactos no turismo brasileiro

A ditadura com os dias contados: o longo iní-


cio do fim

Quando assumiu o poder em 1974, o general Ernesto Gei-


sel encontrou uma grave crise econômica, alta inflação e grande
insatisfação popular. Chegava ao fim o “milagre econômico”.
A economia mundial, em recessão, empurrava para o fosso a eco-
nomia brasileira, totalmente dependente do capital internacional.
Diante das pressões de diversos grupos sociais, da crise
econômica que se abateu, colocando em xeque o eldorado do
“milagre econômico”, e da política norte-americana favorável
ao fim das ditaduras no Cone Sul da América do Sul, Geisel dá
início à abertura política “lenta, gradual e segura”, liberando aos
poucos alguns direitos civis. Os chamados militares “linha-dura”
resistiram à transição para a democracia, aumentando a violên-
cia contra os oposicionistas do regime. O jornalista Vladimir
Herzog, em 1975, e o operário Manuel Fiel Filho, em 1976, foram
duas das vítimas assassinadas dentro das dependências do DOI-
CODI (o Destacamento de Operações de Informações – Centro de
Operações de Defesa Interna), órgão de repressão dos militares.
A suspensão do AI-5 se deu em 1978, abrindo as portas para a
reconstrução da democracia no Brasil.
No governo de João Baptista Figueiredo (1979-1985), a aber-
tura política teve novos avanços, buscando a redemocratização.
Foi decretada a Lei da Anistia, possibilitando que os brasileiros
que se encontravam no exílio tivessem o direito de retornar ao
país, como aconteceu com Luís Carlos Prestes, Leonel Brizola,
Miguel Arraes, Márcio Moreira Alves, Fernando Gabeira, Fernan-
do Henrique Cardoso, José Serra, Caetano Veloso, Gilberto Gil e
Herbert de Souza. A Lei beneficiou também os algozes do regime
militar, anistiando os agentes da repressão.
Apesar desse esforço para a transição em direção à de-
mocracia, os militares “linha-dura” ainda reprimiam e tortura-
vam os cidadãos, provocando diversos atentados, como o do
Riocentro, em 1981, quando uma bomba que seria colocada no

294
História e Turismo

local onde se realizava uma grande festa em homenagem ao dia


do trabalho, explodiu antes do previsto, matando um e ferindo
o outro ocupante do veículo que a transportava. Afirma-se que
a intenção era fazer um grande número de vítimas no evento
e responsabilizar os comunistas pelo atentado. Também foram
enviadas cartas-bomba a veículos da imprensa e à Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB).
Em 1979, foi aprovada a lei que assegurava o pluriparti-
darismo no país, permitindo que os partidos políticos cassados
voltassem à legalidade e novos partidos fossem criados, entre
eles o Partido Democrático Trabalhista (PDT) e o Partido dos Tra-
balhadores (PT). A Arena passa a se chamar PDS (mais tarde PFL
e atualmente DEM) e o MDB passou a ser PMDB.

A redemocratização e a campanha pelas “Dire-


tas Já”

As pressões vindas dos sindicatos, partidos políticos, mo-


vimento estudantil, meios de comunicação de esquerda, classe
artística e de vários setores organizados da sociedade resultaram
na formação de um grande movimento conhecido como “Dire-
tas Já”, que defendia a aprovação da Emenda Dante de Oliveira,
garantindo aos brasileiros o direito de votar diretamente para
presidente. A Câmara rejeitou a Emenda. Os brasileiros teriam
ainda que esperar mais alguns anos para exercerem um de seus
principais papéis no regime democrático.
Em 1985, Tancredo Neves, candidato da Aliança Liberal (for-
mada pelo PMDB e pela Frente Liberal), foi escolhido pelo Colé-
gio Eleitoral para governar o país. Entretanto, uma grave doença
o afastou da cena política, levando-o à morte, antes mesmo de
assumir a presidência da República. Seu vice, José Sarney, assu-
miu o poder, encerrando um período que ficou conhecido como
os “anos de chumbo” no Brasil.

295
Aula 22 • As transformações após a II Guerra e seus impactos no turismo brasileiro

Atividade
3. Dois fenômenos do século XX até hoje são responsáveis pela
divulgação do Brasil no exterior. Ambos encantaram o mundo.
Para vê-los, guerras foram paralisadas, multidões se aglomera-
vam, seja nos teatros, nas telas de cinema ou nos campos de
futebol. Cada um com sua arte, são lembrados como uma das
primeiras imagens que vêm à cabeça dos estrangeiros ao ou-
virem a palavra “Brasil”.
Faça uma pesquisa sobre as biografias de Carmen Miranda e
Pelé e disserte a respeito da importância desses dois ícones para
o turismo brasileiro.

Comentário
A intenção desta atividade é reconhecer o papel preponderante de
Carmen e Pelé na divulgação do país no exterior, considerando a sua
grande contribuição para o turismo nacional.

Resumo
Acabamos de realizar um longo passeio por meio século de
História, revisitando fatos dos quais muitos de nós foram tes-
temunhas e que ainda estão presentes em nossas lembran-
ças. Para aqueles que têm menos de 35 anos, os resultados
da história política e social do período em questão podem ser
percebidos por inúmeros indícios que estão presentes em nos-
sas vidas. Destacamos o grande desenvolvimento ocorrido no
turismo brasileiro nesse período, acompanhando o desenvolvi-
mento econômico e social do país e as lutas políticas e sociais
pela reconstrução da democracia de direito e de fato, tarefa que
ainda está para ser concluída.

296
História e Turismo

Informações sobre a próxima aula

Na próxima aula, falaremos sobre a pós-modernidade,


as recentes políticas de turismo no Brasil, identificando novas
tendências do turista no século XXI, novas motivações e modali-
dades de turismo, especialmente as que estabelecem ligações
com a história e a cultura.

297
23 A sociedade pós-moderna e o turismo

Metas da aula
Apresentar um panorama dos principais temas relacio-
nados à sociedade pós-moderna, relacionando-os com a
atividade e o fenômeno turístico, e identificar o perfil e as
tendências do novo turista, fornecendo subsídios para a re-
flexão de temas contemporâneos ligados ao turismo, como
o turismo virtual e o “turismo sem pressa”.

Objetivos
Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:

1 identificar, nas novas tendências do turista do século


XXI, relações com o turismo histórico-cultural;

2 conhecer e refletir sobre as recentes políticas de


turismo no Brasil;

3 pesquisar novas motivações e modalidades de


turismo, em especial aquelas que estabelecem
ligações com a História e a cultura.
Aula 23 • A sociedade pós-moderna e o turismo

Introdução

A pós-modernidade costuma ser definida como a condição


sociocultural e estética do capitalismo contemporâneo, também
denominado capitalismo pós-industrial ou financeiro. Segundo
Jean-François Lyotard, um dos pioneiros no emprego do termo,
a “condição pós-moderna” se caracterizaria pelo descrédito aos
grandes esquemas explicativos e pela queda das “garantias”, até
mesmo a ciência não poderia ser considerada como fonte da
verdade. Alguns autores preferem evitar o termo “pós-moderno”,
substituindo-o por outros como “modernidade líquida” ou
“hipermodernidade”.
Os conceitos pós-modernos buscaram superar os de moderni-
dade, que foram constituídos no século XV e consolidados no
século XVIII. Dessa forma, na segunda metade do século XX,
assistiu-se a um processo sem precedentes de mudanças na
história do pensamento e da técnica. Ao lado da aceleração
avassaladora das tecnologias de comunicação, das artes, dos
materiais e da genética, ocorreram mudanças paradigmáticas no
modo de se pensar a sociedade e suas instituições.
Nesta nossa última aula de História e Turismo, convidamos
você a refletir sobre algumas das transformações ocorridas em
meados do século XX, associadas à constituição da sociedade
pós-moderna, e a conhecer os recentes – e os novos – caminhos
do turismo nesta contemporaneidade.

“Alguma coisa está fora da nova ordem


mundial...”

A Guerra Fria (que dividiu o mundo em dois blocos: o


socialista e o capitalista) teve o seu término na última década do
século XX, com a derrubada do Muro de Berlim e o fim da União
Soviética, dizimando o sistema socialista. Dentre os fatores
explicativos para o fim do chamado “socialismo real” da União

300
História e Turismo

Soviética, destacam-se a incapacidade do país de acompanhar


a revolução tecnológica contemporânea (a chamada Terceira
Revolução Industrial, especialmente na área da informática) e a
frustração das expectativas de progresso material da população.
O mesmo se verificou no restante dos países socialistas do Leste
Europeu, guardadas as devidas especificidades.
Com o fim da Guerra Fria, o mundo sofreu uma nova divisão,
pautada em critérios econômicos e políticos. É a chamada “nova
ordem mundial” ou “globalização”, com as relações internacionais
sendo regidas pelos países com maior capital, agrupados em
grandes blocos supranacionais, dentre os mais importantes:
o NAFTA, formado pelos países da América do Norte, com a
liderança dos Estados Unidos; a União Européia, liderada por
França, Alemanha e Inglaterra; e a região do Pacífico, sob liderança
do Japão. Na América Latina foram criados alguns blocos regionais,
como o Mercado Comum do Sul (Mercosul), a Comunidade Andina
e o Mercado Comum Centro-Americano (Caricom). Superadas
as ditaduras militares em todo o Cone Sul da América do Sul e
controlada a inflação galopante, característica desse período, os
países latino-americanos buscam posicionar-se na economia de
mercado, tentando se inserir no mundo globalizado.
A nova ordem mundial trouxe consigo o neoliberalismo,
uma política econômica que propõe a redução da interferência
do Estado sobre a sociedade, ampliando a participação das
empresas no controle da economia, da política e da cultura,
imprimindo a lógica do consumo como forma de oganização da
vida em sociedade. Dentro da ótica neoliberal, o papel do Estado
é redimensionado, passando do Estado de bem-estar social
(onde o Estado é provedor da educação, da saúde e dos direitos
sociais) para o Estado mínimo, sendo enxugada a máquina
estatal, principalmente com a retirada do Estado das questões
sociais e a transferência de uma série de empresas estatais para
o controle da iniciativa privada (política de privatizações). Outras
características do neoliberalismo são: novo modelo de gestão
das empresas, que propõe a redução de custos operacionais,

301
Aula 23 • A sociedade pós-moderna e o turismo

incluindo o corte de pessoal, a especialização e o acúmulo


de funções pelos empregados; o uso de tecnologia avançada
(resultante da Terceira Revolução Industrial, ocorrida a partir da
década de 1970), que dispensa o uso de grandes efetivos para a
produção; a flexibilização da legislação trabalhista, permitindo a
substituição da lei pela livre negociação e por acordos coletivos
entre patrões e empregados; e o barateamento da produção
com a instalação de fábricas em países que atraem as grandes
empresas transnacionais pela baixa remuneração de mão-de-
obra, pelo baixo custo de produção e por incentivos fiscais.
(Faça uma experiência: observe ao seu redor quantos produtos
fabricados na China o cercam no exato momento em que você lê
esta aula. O resultado é surpreendente!)
A temida padronização cultural por meio da globalização
dos valores culturais dos países hegemônicos, disseminada
principalmente pelas mídias instantâneas, deve ser relativizada. Se
por um lado se verifica uma tendência à uniformização de hábitos
de consumo e de produtos culturais, especialmente entre os mais
jovens, por outro não se pode deixar de considerar a emergência
de vários grupos que reivindicam a construção ou o fortalecimento
de suas identidades locais. Isso pode ser percebido, inclusive, no
próprio turismo, com a crescente demanda por atrativos que
valorizam as particularidades e os patrimônios das culturas locais,
como veremos mais adiante no decorrer desta aula.
A globalização sugere a integração harmoniosa entre os
países, reduzindo as desigualdades econômicas e sociais em todo
o mundo. Entretanto, como cantou Caetano Veloso, ficaram de fora
da nova ordem mundial os países mais pobres, aumentando as
contradições sociais, o desemprego, a desigualdade na distribuição
da riqueza e o abandono à infância. Os mais pobres, sem
qualificação, e as minorias (imigrantes, minorias étnicas, refugiados
políticos e outras) que se concentram nos países ricos também
foram excluídos da nova ordem mundial, sem falar no acirramento
das particularidades locais, com os conflitos entre etnias diferentes,
patrocinados em muitos casos pelos países desenvolvidos.

302
História e Turismo

Uma das conseqüências mais imediatas desse modelo


econômico das nações mais ricas (copiada pelos países em
desenvolvimento, como o Brasil) é o desemprego estrutural, que
independe da variação dos ciclos econômicos (desemprego con-
juntural) e está relacionado à mudança no processo produtivo,
trazida, principalmente, pelo avanço tecnológico. Os mais afetados
pelo desemprego estrutural são aqueles trabalhadores que não
possuem especialização e não se enquadram dentro das novas
exigências do mercado, com capacitação continuada, mantendo
rede de relacionamento e de conhecimento, enfim, preparando-se
para ser imprescindível num sistema produtivo que requer cada vez
menos profissionais.
Vimos, portanto, que a globalização se tornou a “nova
ordem mundial”. Que influência o processo de globalização do
planeta tem no turismo? É o que veremos a seguir.

A globalização e o turismo

A globalização também teve como conseqüência a cons-


trução de uma cultura global. Já nos acostumamos a dizer que
vivemos em um mundo globalizado. Mas vamos especular mais
sobre esse termo.
Ampliando mais o conceito de globalização visto anterior-
mente, podemos dizer que esse é um fenômeno capitalista,
que teve início na época dos Descobrimentos, durante o
período mercantilista iniciado no século XV, quando aumentou
a complexidade das relações políticas européias e a força de
trabalho entre os países e continentes, particularmente nas novas
colônias européias. Como vimos, muitos economistas analisam
a globalização como um resultado do pós-Segunda Guerra
ou como o resultado da Revolução Tecnológica (ou a Terceira
Revolução Industrial). Contudo, outros estudiosos afirmam que
esse fenômeno, que tem como resultado o aprofundamento da
integração econômica, social, cultural e política, se desenvolveu
a partir da Revolução Industrial.

303
Aula 23 • A sociedade pós-moderna e o turismo

Um dos primeiros sintomas da globalização pode ser


pontuado em 1941, quando edições diárias do Repórter Esso no
rádio eram transmitidas em caráter global. O Repórter Esso era uma
síntese noticiosa de cinco minutos, seguindo um pacote cultural-
ideológico dos Estados Unidos, transmitida para 14 países do
continente americano por 59 estações de rádio.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, as nações vitoriosas
e as devastadas potências do Eixo, chegaram à conclusão de que
era de suma importância para o futuro da humanidade a criação
de mecanismos diplomáticos e comerciais para aproximar cada
vez mais as nações umas das outras. Deste consenso nasceu, por
exemplo, a ONU – Organização das Nações Unidas – e começou,
também, a surgir o conceito de bloco econômico, com a fundação
da CECA – Comunidade Européia do Carvão e do Aço.
A necessidade de expandir mercados levou as nações a
começarem a se abrir para produtos de outros países, marcando o
crescimento da ideologia econômica do liberalismo. Dessa forma,
a dinâmica do capitalismo necessitou que se formasse uma aldeia
global que permitiria maiores mercados para os países centrais (ditos
desenvolvidos) cujos mercados internos já estavam saturados.
O processo de globalização diz respeito à forma como os
países interagem e aproximam pessoas, ou seja, interliga o mundo,
levando em consideração aspectos econômicos, sociais, culturais
e políticos e gerando, com isso, uma fase da expansão capitalista
na qual é possível, por exemplo, realizar transações financeiras,
expandir negócios que até então estavam restritos ao seu
mercado de atuação para mercados distantes e emergentes, sem
ter a necessidade de um investimento alto de capital financeiro.
A comunicação no mundo globalizado permitiria tal expansão.
Assim, podemos observar hoje que a globalização afeta todas as
áreas da sociedade, principalmente a comunicação, o comércio
internacional e a liberdade de movimentação, dependendo do
nível de desenvolvimento e integração das nações ao redor
do planeta. A característica mais notável da globalização é a
presença de marcas mundiais.

304
História e Turismo

A revolução causada pelo conglomerado de redes em


escala mundial de milhões de computadores, interligadas pelo
protocolo de internet, veio fortalecer o fenômeno da globalização
em que mundialmente temos acesso a informações de todo tipo
e à transferência de dados.
E como a globalização afetou o turismo? Algumas nações,
em especial as emergentes, prosperaram com a globalização.
Nelas, podemos observar um aumento da divisão do trabalho
e a potencialização da informação via web. Houve crescimento
econômico até a crise de 2008. Avanços tecnológicos puderam
ser observados nos meios de transporte – essenciais para o
deslocamento – e de comunicação, reduzindo tarifas e tornando
as informações mais acessíveis para um público maior.
Um lugar que antes era isolado, pouco conhecido e
sem integração com grandes centros turísticos pode hoje ser
observado e conhecido por todos até mesmo pela tela do
computador (caso sejam instaladas câmeras)! Pode realizar suas
transações com inúmeros clientes em potencial e até mesmo em
ambiente virtual. Não é à toa que cresce o número de agências de
viagens virtuais e de serviços de compra ou reserva pela internet,
em que a pessoa do atendente é quase dispensável.

No espaço virtual os consumidores podem realizar o chamado


one stop shopping de produtos turísticos, comprando
diretamente. Sem intermediários. Desintermediação e rein-
termediação são as tendências no mercado de agências de
viagens. O agente consultor é o responsável pela customização
e fidelização do cliente, não mais a marca ou o nome da
agência (THEOBALD, 2002).

Todas essas transformações fizeram aparecer novas


tendências do turismo. Segundo a OMT – Organização Mundial
do Turismo –, os turistas de um futuro próximo virão de novos
lugares. Há previsão, por exemplo, de um crescimento de turistas
asiáticos, principalmente chineses, que estão gradativamente se
integrando à economia global. Existe ainda uma tendência do

305
Aula 23 • A sociedade pós-moderna e o turismo

crescimento do turismo de aventura, do ecoturismo, do turismo


cultural – que terá sede de “autenticidade local” e de temas
históricos como forma de reencontro com a “tradição” que vai
desaparecendo junto com o crescimento da globalização –, do
turismo de estética, de saúde, de cruzeiros etc.
Ainda segundo a OMT, a China e o Japão se juntarão à
Alemanha como os primeiros países emissores de turistas do
mundo, e embora as viagens intercontinentais continuem a
crescer, as viagens próximas do local de origem serão as mais
numerosas. A China, inclusive, segundo previsões, se tornará,
também, um dos principais destinos mundiais.
Existe ainda a crença de que, nas próximas décadas, na
maioria dos países desenvolvidos, o turismo doméstico atinja
seu ponto máximo e nos países emergentes cresça bastante.
É importante salientar que o conhecimento das tendências
para o setor de turismo propicia a base de planejamentos locais,
do marketing de destinos e da análise do produto turístico.
A OMT e o ITPF – International Tourism Policy Forum – re-
viram e analisaram uma ampla quantidade de relatórios de pes-
quisa e artigos produzidos por diversas instituições qualificadas,
operadoras turísticas e especialistas. Consideraram como ponto
de partida as visões de mais de 90 especialistas do setor, de 21
países. O objetivo foi o de proporcionar uma visão dos fatores
que afetam o desenvolvimento turístico de longo prazo no mun-
do todo. A intenção era fornecer uma série de cenários prováveis
sobre os futuros padrões de desenvolvimento e estratégias alter-
nativas para enfrentá-los.
Veja a seguir um resumo desse estudo que identificou as
principais influências sobre o turismo no período entre 1995 e
2009, com estimativa até 2020.

306
História e Turismo

Principais determinantes e influências externas sobre o


turismo

Econômicos
• Taxas de crescimento econômico globais contínuas, de
moderadas a boas.
• Desempenho econômico acima da média para as econo-
mias dos Tigres Asiáticos.
• Aumento das diferenças entre os países ricos e os pobres;
• Aumento da harmonização das moedas.
• Continuidade dos movimentos em direção à desregula-
mentação, à privatização, à integração econômica regional
e a um papel maior das corporações transnacionais.

Tecnológicos
• A tecnologia continua a ter impacto sobre a experiência de
viagem e sobre aqueles que a utilizam ou fornecem.
• Desenvolvimento de tecnologia de informação.
• Avanços nas tecnologias de transporte (aviões supersônicos,
trens de alta velocidade etc.)
• O vínculo e a interdependência entre transporte, sistemas
de distribuições turísticas e informação ao consumidor
recebem cada vez mais atenção.
• Os avanços tecnológicos, por outro lado, podem provocar
a diminuição da mão-de-obra e dos empregos e o aumento
da exigência por profissionais mais especializados.
• Videoconferência: diminuição do turismo de negócios.

Políticos
• Remoção de barreiras para viagens internacionais.
• Desregulamentação de transportes e outros setores ligados
ao turismo – agências de viagem e hospedagem.

Demográficos
• Envelhecimento da população e contratação de mão-de-obra
em países industrializados, levando à migração sul-norte.

307
Aula 23 • A sociedade pós-moderna e o turismo

• Erosão da família ocidental tradicional.


• Três grupos bem definidos de viajantes, todos diferentes em
suas preferências e padrões de consumo de viagem:

1. o grupo de pessoas de 18 a 34 anos é aquele que mais se


destaca, com a maior representatividade no mercado. Eles
viajam sozinhos ou em grupos;
2. segmentos populacionais acima dos cinqüenta anos são
um dos que mais crescem, sobretudo nos países ocidentais
e no Japão. Muitos deles serão aposentados precoces,
resultado das reestruturações no mercado nos últimos
anos. Terão recursos financeiros (mesmo que baseados
em padrões homogêneos) e tempo livre para viajar;
3. o mercado familiar também será importante, à medida
que o número de famílias com menor número de filhos e
domicílios com duas fontes de renda continuará a crescer;

• As estruturas familiares também vão mudar no mundo todo:


aumento do número de mulheres que trabalham, domicílios
de solteiros, casais sem filhos e famílias não tradicionais.

Globalização
• Poder cada vez maior das forças internacionais econômicas e
de mercado e conseqüente redução no controle dos estados
individuais e corporações não globais.

Localização
• Conflito em países em desenvolvimento, entre identidade e
modernidade.
• Demanda de grupos definidos a partir de etnicidade, religião e
das estruturas sociais pelo reconhecimento de seus próprios
direitos.

308
História e Turismo

Consciência socioambiental
• Aumento da consciência pública sobre questões sociocul-
turais e ambientais.
• Maior cobertura da mídia de grandes problemas globais
(falta de água, aquecimento global etc.).
• Desenvolvimento sustentável.
• A preocupação com o meio ambiente assumiu um lugar
central no turismo.
• Com previsão de um bilhão de chegadas em 2010, o des-
gaste potencial dos recursos turísticos pode colocar sua
existência e manutenção em risco. A implementação e
aceitação de limites à expansão do turismo são formas de
contra-atacar o uso excessivo e a exploração dos recursos
naturais e culturais de um destino.
• O turismo terá que combinar desenvolvimento econômico
com proteção dos recursos naturais: utilização de tecnologias
limpas, combate ao desperdício de água e energia, redução
do uso de produtos químicos, reciclagem.

Ambientes de moradia e trabalho


• Maior congestionamento urbano, tanto em países desen-
volvidos quanto nos em desenvolvimento (em especial).

Passagem da economia de serviços para a economia de


experiência
• Mudança de foco em relação ao consumidor, passando-se
a oferecer experiências mais individualizadas e de caráter
pessoal.

Marketing
• O uso de tecnologia eletrônica para identificar e comunicar-se
com segmentos e nichos de mercado.

309
Aula 23 • A sociedade pós-moderna e o turismo

Segurança e saúde
• O turismo somente prosperará nos países e regiões onde
estiverem afastados o terrorismo, os distúrbios sociais, as
confrontações bélicas, os surtos epidêmicos, e naqueles
sem riscos meteorológicos, abalos sísmicos e erupções
vulcânicas.

Esse panorama vai influenciar as motivações dos turistas e


as novas tendências do mercado turístico na contemporaneidade.
Reinaldo Dias costuma listar os seguintes pontos considerados
novas tendências do consumidor-turista:

• Aumento da consciência ecológica – aumento de consumo


de tipos de turismo no ambiente natural.
• Interesse pela diversidade cultural – valorização cada vez
mais do contato com as populações locais visitadas em
busca de manifestações culturais tradicionais, autênticas.
• Diversificação de interesses – um mesmo turista apresen-
tando diversas motivações.
• Maior flexibilidade dos períodos de férias – várias saídas ao
longo do ano, por períodos mais curtos. Tendência ao cres-
cimento do número de pessoas que decidem viajar fora dos
períodos de alta temporada aproveitando os preços baixos.
• Aumento da exigência de qualidade na prestação dos serviços
turísticos – busca de produtos padronizados, específicos,
diferenciados.
• Aumento do interesse pelas práticas mais ativas de lazer
– rotas gastronômicas, participação em eventos, festas etc.

Atividade
Atende ao Objetivo 1
1. Explique de que forma as novas tendências do turista podem
impulsionar a valorização do turismo histórico-cultural.

310
História e Turismo

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Comentário
O interesse pela diversidade cultural, a maior flexibilidade dos perío-
dos de férias e o aumento pelas práticas mais ativas de lazer podem
ser usados como argumento para a explicação solicitada. O segundo
pode também ser relacionado com o processo de globalização que,
teoricamente, leva os turistas a buscar as diferenças culturais como
atrativo de viagem. Neste contexto, encontra-se também o turismo
histórico-cultural.

As manchetes de jornais e revistas consagraram a


divisão entre “velha” e “nova” economia. Mas a dis-
tinção tende a desaparecer: simplesmente a nova
economia penetra todos os setores da velha economia.
Agricultura é coisa antiga? As plantações do futuro
terão sementes e chips de controle. Fabricar panos
ou toalhas é coisa de tecelão, trabalhador manual?
O setor têxtil modernizou-se e hoje exibe os mais
sofisticados sistemas de design gráfico e automação
industrial. O zelador do prédio era uma pessoa que,
no máximo, consertava um cano ou cuidava dos
faxineiros? Os prédios inteligentes exigem zeladores
que mais parecem administradores de empresas ou
prefeitos.
Enquanto isso, surgem novas profissões: coordena-
dores de projetos, gerentes de terceirização, progra-
madores visuais multimídia, administradores de
comunidades virtuais, engenheiros de redes.
Essa economia que está surgindo, totalmente nova
ou renovando o que já existe, funciona com base em
redes de conhecimento. Portanto, transformar-se num
elo de uma cadeia de transmissão de conhecimento é
a melhor forma de ficar próximo a um bom emprego.

311
Aula 23 • A sociedade pós-moderna e o turismo

“Cadeia de transmissão”: não basta já ter algum


diploma pendurado na parede. Há quem diga que
os diplomas deveriam ser dados com prazo de
validade, como leite e outros produtos perecíveis.
Para competir no mercado de trabalho, não basta ter
uma competência, é preciso ser competitivo, ou seja,
estar disposto a reformular e atualizar continuamente
conhecimentos, habilidades e atitudes. O trabalhador
do futuro, seja qual for a sua especialidade ou
setor, precisa estar habituado à gestão do próprio
conhecimento. E desde os primórdios da humanidade
é evidente que sabedoria e conhecimento só se
atualizam quando proliferam as relações entre
pessoas que ensinam, debatem, experimentam,
pesquisam e dialogam (SCHWARTZ, 2009).

Uma das conseqüências negativas das transformações


políticas, econômicas e sociais da contemporaneidade é a vi-
olência. É freqüente, em muitos países desenvolvidos, a vio-
lência contra os imigrantes, por exemplo. Grupos de extrema
direita, formados principalmente por jovens de classe média,
atribuem aos estrangeiros a responsabilidade pelos problemas
sociais crescentes em seu país, principalmente o desemprego
e a violência.
Nos Estados Unidos, os brasileiros repensam o sonho do
enriquecimento na Terra da Liberdade. Além da crise econômica
que se iniciou nesse país e rapidamente se alastrou pelo mundo na
segunda metade desta década, proliferam diversos movimentos
racistas e xenófobos (que pregam o ódio ao imigrante), alguns
deles responsabilizando os brasileiros e os latino-americanos
em geral pela perda dos empregos dos jovens brancos norte-
americanos e pelo pagamento dos baixos salários.
Na França, os violentos conflitos envolvendo os jovens
imigrantes, principalmente de origem africana, e o governo fran-
cês tomaram conta das ruas de Paris em 2007. Nos arredores da
badalada Cidade-Luz, a exclusão social é crescente, empurrando
para os guetos o grande número de imigrantes que vive na capital
francesa em busca de melhores condições de vida. A xenofobia

312
História e Turismo

se faz perceber, inclusive, nos clubes de futebol, não apenas na


França, como em toda a Europa, com agressões a vários atletas
negros e mestiços (você se lembra do episódio envolvendo o
jogador Zidane, de origem argelina, na final da Copa do Mundo
de 2006?).

Figura 23.1: Propaganda eleitoral do Partido do Povo, a maior organiza-


ção política da Suíça (2007).
Fonte: rodrigoconstantino.blogspot.com

Figura 23. 2: Propaganda do Partido Nacional Renovador português


(2009), inspirado na campanha do partido neonazista suíço.
Fonte: alcacovas.blogs.sapo.pt

313
Aula 23 • A sociedade pós-moderna e o turismo

Outra questão que está na ordem do dia é o ônus trazido pelo


grande aumento do consumo (desigual, como procuramos sempre
frisar) em escala planetária, causando sérios danos ambientais.
O desperdício dos bens de produção, principalmente pelos países
mais ricos, o uso indiscriminado dos recursos naturais e a emissão
de substâncias tóxicas no meio ambiente são uma realidade que põe
em risco a biodiversidade do planeta e o futuro da própria espécie
humana. Apesar de o mercado ter transformado o risco ambiental
em vantagem competitiva (créditos de carbono e fidelização do
consumidor que procura empresas que se dizem comprometidas
com a causa ambiental, por exemplo), as iniciativas para reduzir
os impactos ambientais provocados pela crescente produção e
consumo não têm sido suficientes.
E no Brasil? Quais os fatos históricos relevantes das últimas
décadas?

Para refrescar a memória: um pouco da


história do Brasil recente

Após o período militar, a Nova República representou


a reconstrução do processo democrático no país, com a
convocação de uma Assembléia Constituinte para a elaboração
de uma nova Carta, que ampliava os direitos civis dos cidadãos.
Mesmo que se discuta que a democracia no Brasil é relativa e
ainda está em construção, devemos reconhecer os importantes
avanços trazidos pela Constituição de 1988, dentre eles: o fim
da censura à cultura; o reconhecimento do direito de ocupação
das terras pelos indígenas e remanescentes de quilombos; o
direito de voto facultativo para jovens de 16 a 18 anos e para
pessoas com mais de 70 anos de idade; o direito de voto para
os analfabetos; a redução da jornada de trabalho de 48 para 44
horas semanais; o amplo reconhecimento do direito de greve; o
aumento da licença-maternidade para 120 dias (hoje rediscutida
e ampliada); e o reconhecimento da proteção do patrimônio
ambiental e cultural.

314
História e Turismo

Na memória dos brasileiros, uma das lembranças mais fortes


do governo José Sarney (1985-1988) são os planos econômicos que
procuravam frear a inflação. Em 1986 foi lançado o Plano Cruzado,
com o congelamento dos preços dos produtos e os reajustes do
salário-mínimo, como forma de compensar o crescimento da
inflação. Com os preços congelados e o ganho real do salário-
mínimo, aumentou consideravelmente o consumo. Conforme rege a
lei da oferta e da procura, a corrida ao consumo provocou o aumento
dos preços e o conseqüente retorno da inflação. Por toda parte se
viam os “fiscais do Sarney”, populares que iam aos supermercados
verificar se o congelamento dos preços estava sendo respeitado,
por sugestão do próprio presidente da República.
Sarney procurou editar outros planos econômicos, todos fra-
cassados: Plano Cruzado II, Plano Bresser e Plano Verão. Ao final de
seu governo, os preços dos produtos chegaram a ter um aumento
de até 85%.
As primeiras eleições diretas para presidente desde o
golpe militar de 1964 foram finalmente realizadas em 1989,
com a vitória do jovem candidato do recém-criado Partido da
Renovação Nacional (PRN). Fernando Collor de Mello teve o
apoio do empresariado, de boa parte da imprensa, dos partidos
conservadores e da população mais pobre.
A década de 1980 foi marcada também pelo retorno do
exílio dos intelectuais e artistas perseguidos durante a ditadura
militar e pelo surgimento de uma nova geração, que fez grande
sucesso na cena cultural brasileira, principalmente no campo
da música, com o movimento Rock Brasil e com uma valiosa
produção da chamada MPB. Não é à toa que nestes tempos de
incertezas e crise de identidades proliferam as festas, sites, blogs
e outras formas de homenagens aos anos 80, vistos hoje com
nostalgia e romantismo. A produção cultural foi intensa naquele
período e os “filhos da revolução”, pertencentes à “geração Coca-
Cola”, como cantava Renato Russo, deram o seu recado, num
grito de rebeldia e contestação da história em que o país estivera
mergulhado no período da ditadura militar.

315
Aula 23 • A sociedade pós-moderna e o turismo

A primeira edição do Rock in Rio, em 1985, foi, sem dúvida,


um dos eventos culturais mais importantes já realizados no Brasil.
A Cidade do Rock construída entre os bairros de Jacarepaguá
e Barra da Tijuca, apesar de sua grande estrutura, apresentou
alguns problemas que foram percebidos como uma experiência
memorável para os participantes, com fortes chuvas de verão
caindo sobre o público e a lama tomando conta de todo o chão,
além da precariedade nos serviços essenciais como alimentação,
banheiro, segurança etc., para atender a um público estimado em
mais de 1 milhão de pessoas, distribuídas nos 9 dias do evento.
O “Woodstock brasileiro”, como ficou conhecido o evento, foi
um grande sucesso, misturando a música nacional de talentos
já consagrados (Ney Matogrosso, Moraes Moreira, Gilberto Gil,
Pepeu Gomes e Baby Consuelo) e jovens bandas estreantes (Blitz,
Barão Vermelho, Titãs, Kid Abelha e os Abóboras Selvagens e
Paralamas do Sucesso) com atrações internacionais de grande
expressão, jamais vistas no Brasil (Queen, Iron Maiden, AC/DC).

Figura 23.3: O Rock in Rio representou uma atitude da juventude brasile-


ira diante do novo momento que o país atravessava e abriu as portas para
os grandes shows internacionais no Brasil, que movimenam considerav-
elmente o turismo receptivo.
Fonte: http://blogs.abril.com.br/anos80/2009/01/24-anos-historico-rock-in-rio.html

316
História e Turismo

O Rock in Rio teve mais três edições no Brasil e


depois o evento foi levado para a Europa (Lisboa
e Madri), servindo como propaganda turística do
país. Uma nova edição brasileira está prevista para
2014, no conjunto das atividades culturais que serão
realizadas com a Copa do Mundo.
Para conhecer mais sobre a história do Rock in Rio
e ver imagens históricas do evento, acesse http://
blogs.abril.com.br/anos80/2009/01/24-anos-historico-
rock-in-rio.html

A década de 1990 se iniciou com o conturbado governo de


Fernando Collor de Melo, caracterizado por um plano de combate
à inflação, o Plano Collor, que estabeleceu o polêmico confisco
dos depósitos bancários em conta corrente, poupança e em outras
aplicações, congelou preços e salários e reduziu drasticamente as
despesas públicas. Para preparar a inserção do país na nova ordem
mundial, o governo criou um programa de privatização das empresas
estatais e abriu o mercado brasileiro ao comércio internacional.
A exemplo do Plano Cruzado, a inflação foi controlada por
um período, logo voltando a crescer. A escassez de capital em
circulação, com o confisco dos investimentos dos brasileiros, a alta
dos preços, a perda do poder de compra da população, a falência
de muitas empresas, o desemprego e até mesmo atitudes extremas
como o grande número de suicídios de pessoas que tiveram os seus
investimentos bloqueados abalaram fortemente a credibilidade do
governo Collor. A situação ficou insustentável com as denúncias
de corrupção que envolviam o presidente e o tesoureiro de sua
campanha, Paulo César Farias, acusados de receberem propina das
empresas privadas em troca de favorecimentos.
A opinião pública pressionava pela saída definitiva do pre-
sidente por meio de seu impeachment (impedimento). A classe
média, que se entusiasmara com o discurso do então candidato a
presidente, que cultivava uma imagem jovial, amante das atividades

317
Aula 23 • A sociedade pós-moderna e o turismo

esportivas e que se declarava o “caçador de marajás”, foi às ruas


em diversas cidades brasileiras, fazendo coro com os estudantes
“cara-pintadas”, que gritavam, “Fora Collor!” . Depois de um penoso
processo de apuração e confirmação das acusações e da mobilização
de amplos setores da sociedade por todo o país, Collor renunciou ao
cargo na tentativa de evitar um processo de impeachment. Embora
tenha renunciado, Fernando Collor teve seus direitos cassados
por oito anos por determinação do Senado Federal, e só foi eleito
novamente para cargo público nas eleições de 2006, tomando posse
como senador por Alagoas em 2007.
No governo Itamar Franco, o então ministro das Relações
Exteriores, senador Fernando Henrique Cardoso, foi deslocado
para o Ministério da Fazenda na tentativa de conter a inflação
deixada pelo governo Collor.
Fernando Henrique consolidou a inserção do Brasil na
nova ordem mundial, adotando uma política neoliberal. Ficou
conhecido como o pai do Plano Real, que equiparou a nova
moeda brasileira ao dólar e reduziu os gastos públicos. Isso
lhe rendeu a vitória nas eleições presidenciais de 1994, e a
continuidade de sua política econômica garantiu-lhe a reeleição
em 1998.
A política de privatizações foi mantida, com a venda de
empresas estatais nas áreas de energia, siderurgia e telecomu-
nicações, reduzindo a responsabilidade do Estado nos setores
estratégicos da sociedade; foram realizadas diversas reformas na
Constituição para reduzir os direitos sociais e conseqüentemente
os gastos do Estado na área social, principalmente na saúde e na
previdência; a inflação foi controlada, mas registrou-se o aumento
das desigualdades sociais e da concentração de renda no país, com
o crescimento do desemprego e dos lucros dos bancos. Diversos
movimentos sociais, no campo e nas cidades, contestavam o
governo de Fernando Henrique e reivindicavam os seus interesses,
com destaque para o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra
(MST) e para o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).

318
História e Turismo

O governo de Fernando Henrique Cardoso, especialmente


em seu segundo mandato, ficou conhecido também pela criação
de vários projetos sociais atrelados à terceirização e à atuação das
empresas privadas (responsabilidade social corporativa). O mais
famoso foi o Comunidade Solidária, idealizado pela antropóloga
e primeira-dama da República Ruth Cardoso, com foco nas
ações emergenciais em comunidades com elevado risco social.
Também a política cultural abriu espaço para o capital privado,
por meio da compensação fiscal garantida pela Lei Rouanet,
aumentando o interesse das empresas em patrocinar a produção
cultural brasileira e diminuindo as verbas públicas para o setor.
Em 2002, o candidato do governo, José Serra, foi derrotado
no segundo turno nas eleições. “Nunca na história deste país”
um candidato oriundo dos meios operários havia chegado à
presidência da República. Luiz Inácio Lula da Silva assumiu o
governo com a responsabilidade de manter a economia estável e
ao mesmo tempo reduzir o déficit histórico com os mais pobres.
A política nacional conduzida pelo Partido dos Trabalhadores
manteve o país na direção das políticas do neoliberalismo, guar-
dando semelhanças e importantes diferenças em relação ao
governo de Fernando Henrique Cardoso. Foram criados novos
projetos sociais de compensação econômica para os mais pobres,
como o Bolsa-Família, o Bolsa-Escola e o Fome Zero; foi criado o
Programa Universidade Para Todos (Prouni), que concede bolsas
de estudos em universidades privadas para alunos oriundos de
camadas populares; a política de privatizações foi suspensa; a
economia se manteve estável com a redução de gastos do governo;
os lucros dos bancos privados do país bateram novos recordes.
Ao mesmo tempo, cresceram os índices de emprego com carteira
assinada e melhoraram outros indicadores sociais, como a redução
da desigualdade entre ricos e pobres, segundo as estatísticas
dos institutos especializados, conferindo grande popularidade ao
presidente Lula, reeleito em 2006. A credibilidade internacional do
governo Lula tem conferido ao Brasil uma posição estratégica no
mundo globalizado.

319
Aula 23 • A sociedade pós-moderna e o turismo

Entretanto, persistem os graves problemas que foram sen-


do construídos ao longo do processo histórico de formação da
nação, conforme vimos no decorrer de nossas aulas, dentre eles:
a violência do narcotráfico nas cidades; o trabalho e a exploração
sexual infantil; o trabalho escravo; a corrupção; as altas taxas de
juros praticadas; a destruição do meio ambiente; os conflitos no
campo; a pobreza. Esses são alguns dos grandes desafios a serem
enfrentados pela nossa e pelas gerações futuras.
Nessas últimas décadas, o turismo no Brasil também se
movimentou.
A década de 1980 é considerada, por alguns autores, como
uma década de estagnação para o turismo, em razão da crise
do petróleo e das sucessivas crises econômicas pelas quais o
país passou. Nesse período, a malha rodoviária e a ferroviária se
apresentavam em estado precário e sem manutenção. Inexistiam
– como até hoje – políticas de investimentos tanto para o setor do
transporte ferroviário quanto para o setor do transporte fluvial.
Porém, o transporte aéreo continuou a crescer. Em 1985, foi
inaugurado o aeroporto de Cumbica, em São Paulo, e em 1986
criou-se o Código Brasileiro Aeronáutico com a coleta de dados
sobre a venda de passagens aéreas nacionais: o Digitur.
Apesar disto, o turismo rodoviário predominava. Para aten-
der a esta demanda, empresas operacionais deste setor – como a
CVC, a Viagens Costa e a Soletur – cresceram na sua atuação.
É interessante pontuar que, neste momento, surge uma nova
modalidade de meio de hospedagem no Brasil: os flats ou apart-
hotéis, que crescem em profusão a partir de meados da década
de 1990, oferecendo os serviços básicos de um hotel tradicional,
aliados à característica de um condomínio residencial. Esta década
de 1990, por sinal, é considerada como uma retomada do turismo
brasileiro. O Brasil e a América Latina discutiram o turismo na
Amfort – Associação Mundial para a Formação Profissional Turís-
tica – num seminário intituladoTurismo: o Grande Desafio dos Anos
90. Nesse evento, chegaram à seguinte conclusão:

320
História e Turismo

(...) não há um levantamento sistemático das riquezas naturais,


dos municípios, da oferta turística e do movimento de turistas.
O IBGE e a Embratur deveriam ter um sistema de coleta de
informações e de estatísticas completo e atualizado sobre o
país. Não se consegue dados sobre os parques nacionais,
sobre a capacidade da malha ferroviária e rodoviária, dos
investimentos realizados pelo Estado no turismo, projetos e
planejamentos, enfim, do panorama geral do turismo brasileiro
(AMFORJ, 1991, p. 89 apud REJOWSKI, 2002, p. 141).

Até mesmo uma política clara e eficiente para o setor era


inexistente. Havia dificuldade na criação de produtos turísticos
que atendessem às novas expectativas do mercado e à nova
filosofia da sustentabilidade. Como uma das formas de solucionar
esses problemas, transformou-se a Embratur, que até então era
uma empresa pública, pela Lei 8.181 de 28 de março de 1991,
em autarquia especial. Dessa forma, de empresa transformou-se
em Instituto Brasileiro de Turismo com a finalidade de “formular,
coordenar e fazer executar a Política Nacional de Turismo”. Vale
lembrar que a Política Nacional de Turismo foi instituída pelo
Decreto-lei 55, de 18 de novembro de 1966. Porém, apenas em 1992
é que foram estabelecidas as diretrizes para esta política, criando-
se, para operacionalizá-la, o Plantur – Plano Nacional de Turismo.
A finalidade da Política Nacional deTurismo nesse momento era “o
desenvolvimento do turismo e seu equacionamento como fonte
de renda nacional”, e suas principais diretrizes eram a prática do
turismo como forma de valorização e preservação do patrimônio
natural e cultural do país; e a valorização do homem como
destinatário final do desenvolvimento turístico. Infelizmente, com
o impeachment do presidente Fernando Collor, a Política Nacional
de Turismo não chegou a ser aplicada.
Em 1991, é implementado o Prodetur-NE, um programa de
desenvolvimento turístico que instituiu a política de megaprojetos
turísticos no Nordeste. Em 1994, no governo Itamar Franco, a
Embratur criou o PNMT – Programa Nacional de Municipalização

321
Aula 23 • A sociedade pós-moderna e o turismo

doTurismo – numa iniciativa de realizar o planejamento participativo


a partir da metodologia da OMT. O PNMT enfatizou a importância
do papel das organizações parceiras – governamentais e doTerceiro
Setor – para atingir seus objetivos e foi concebido na intenção de
dinamizar as oportunidades de trabalho, emprego e renda, em
âmbito municipal. Desde então, ressaltou-se a importância da
participação da comunidade no desenvolvimento turístico. O PNMT
começou a ser implantado em 1995 no município de Santos, em
São Paulo.
É apenas no governo do presidente Fernando Henrique
Cardoso (a partir de 1996) que a Política Nacional de Turismo
passa a ser efetivamente implementada. Suas metas, de 1996 a
1999, eram:

• ordenar as ações do setor público, orientando o esforço


do Estado e a utilização dos recursos públicos para o
bem-estar social;
• definir os parâmetros para o planejamento e a execução
das ações dos governos estaduais e municipais;
• orientar o setor privado.

É importante dizer que esta política foi concebida como


uma política de correção de “desequilíbrios sociais” que, contudo,
não levou em conta as políticas regionais. Em contrapartida,

(...) até 1996 [o turismo] era considerado uma atividade mar-


ginal, em que a inexistência de infra-estrutura, combinada com
equipamentos e serviços precários e preços altos não permitiam
competir no mercado internacional. A definição de uma política
de turismo e os investimentos foram fatores fundamentais para
alcançar esse crescimento do fluxo internacional de turistas,
inclusive pela percepção dos novos mercados como o Mercosul
(SOLHA apud REJOWSKI, 2002, p. 143).

322
História e Turismo

Mesmo assim, em 1996 o turismo internacional praticado por


brasileiros era maior que os deslocamentos internos, e a entrada
de turistas estrangeiros decaía. O grande fluxo de brasileiros que
preferiam as viagens internacionais só começou a decrescer a partir
de 1999, quando se criaram condições para o desenvolvimento da
infra-estrutura turística no país, além de iniciativas como o incentivo
ao turismo doméstico, o barateamento das passagens aéreas e
a melhoria e diversificação dos meios de hospedagem no país.
Assim, o turismo interno passa a se consolidar e as viagens a se
tornarem mais populares. Novos destinos turísticos se consolidam
em função da melhoria dos equipamentos e da infra-estrutura.
As empresas turísticas investem cada vez mais na segmentação
do mercado, diversificando a oferta de equipamentos e serviços.
Aumentam-se os investimentos para o turismo, e financiamentos
como os do BNDES e do Sebrae são disponibilizados.
No setor dos transportes, apesar do crescimento da aviação,
empresas tradicionais, como a Vasp e a Transbrasil, enfrentam difi-
culdades financeiras. Criam-se companhias aéreas que trabalham
apenas com fretamentos e aumentam os vôos charter. O turismo
rodoviário entra em decadência, falindo companhias como a Soletur,
e o setor ferroviário continuou priorizando o transporte de carga.
As exceções acabaram sendo os poucos trens turísticos existentes
no país. Com a Emenda Constitucional nº 7, de 16 de agosto de 1995
– a Lei de Cabotagem –, que permitiu a navios estrangeiros levarem
turistas pela costa brasileira, o mercado de cruzeiros internacionais,
além de crescer, torna-se mais acessível. Contudo, a infra-estrutura
dos portos continua, até hoje, precária.

323
Aula 23 • A sociedade pós-moderna e o turismo

A década de 1990 se destaca também pela construção e


implantação dos mega-resorts no litoral nordestino. A inauguração
do famoso Costa do Sauípe, em 2000, sinaliza uma continuidade
dessa tendência. Também nesse período, desembarcam aqui no
Brasil importantes cadeias hoteleiras internacionais como a Sol
Meliá (espanhola), a Choice Atlântica e a Renaissance (norte-
americanas) e a mexicana Posadas. Na área do entretenimento,
cresce a construção de parques temáticos/aquáticos.
Pegando carona nessa revitalização do turismo no Brasil,
explodem os cursos superiores. Em 1996, somavam-se 52 cursos,
enquanto em 2002 contaram 330. Passou-se a buscar uma maior
capacitação para os serviços do setor, maior orientação dos
empresários por entidades responsáveis e uma maior valorização
dos docentes e pesquisadores na área do turismo. Aumentaram-se as
publicações científicas e especializadas e, com a criação do Ministério
do Turismo, em 2003, pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva,

324
História e Turismo

legitima-se a importância da atividade e do fenômeno turístico no


país. O Ministério, hoje, é responsável por uma série de diferentes
políticas de incentivo ao turismo nos seus diversos setores.

Atividade
Atende ao Objetivo 2
2. Acesse o sítio eletrônico do Ministério do Turismo (www.
turismo.gov.br). Faça uma pesquisa sobre as mais recentes
políticas de turismo desenvolvidas pelo Ministério. Compare-as
com as diretrizes da Política Nacional de Turismo e desenvolva
um texto crítico sobre as propostas do governo para o setor.
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Comentário
Um dos programas de turismo desenvolvidos pelo Ministério desde a
sua criação é o Programa de Regionalização do Turismo que, basica-
mente, substitui o PNMT. Contudo, o Ministério vem implementando
programas de incentivo de viagem para diferentes segmentos, como
o Programa Viaja Mais Melhor Idade ou o Viaja Brasil.

Como você já deve saber, as formas práticas de turismo


se modificam ou se renovam com o tempo. Novos espaços são
explorados, novas motivações, necessidades e modalidades de
turismo surgem – ou são criadas –, levando a novos comportamentos
por parte do turista. Para finalizar esta nossa aula e o nosso curso,
apresentamos a seguir dois temas curiosos envolvendo o turismo:
o turismo virtual e o turismo sem pressa.

325
Aula 23 • A sociedade pós-moderna e o turismo

Um turismo vagaroso

Pressa para quê? Percorrer distâncias menores, passar por


menos lugares, mas saborear melhor uma jornada. Esta é uma
das novas propostas de turismo que possui íntima relação com o
turismo sustentável, o ecológico e o cultural.
“Caminhar é uma maneira saudável de conhecer uma região,
sem estresse. Nunca o brasileiro viajou tanto para o estrangeiro.
Mas, para aqueles que já percorreram suficiente milhagem, o
turismo de massa, afobado, já não satisfaz. Faz mais sentido a
viagem com objetivos culturais, rica em conteúdo – e sem pressa.
Mesmo que o dólar tenha subido depois da crise financeira, a
prosperidade dos últimos anos permitiu que um número crescente
de brasileiros visitasse outros países. Em 2007, turistas brasileiros
gastaram US$ 8,2 bilhões no exterior, 42,5% mais que em 2006.
Em geral, os marinheiros de primeira viagem passeiam pelos
principais museus europeus, gastam nos shoppings americanos e
fazem fila para visitar algum cartão-postal. A jornada, normalmente
em grupo, abarca o máximo de lugares no mínimo de tempo. O
turista neófito, que visita dez cidades (ou países!) em duas ou
três semanas, regressa a casa mais estafado do que saiu.
Afinal, ele passou a maior parte de suas féria
férias em aviões
e aeroportos repletos, ônibus cansativos e saguões de
hotéis à espera da próxima etapa.

326
História e Turismo

Nos últimos anos, viajantes veteranos da Europa e dos Es-


tados Unidos vão deixando de lado esse tipo de turismo apressado.
A pressão no trabalho, o estresse urbano e a velocidade hipnotizante
do cotidiano exigem um descanso verdadeiro. É o momento para
uma trégua anual, não para uma via-crúcis internacional. A viagem
entra na receita para recarregar baterias: deve trazer conhecimento,
experiência de vida e prazer, jamais uma tensão adicional. Foi a
necessidade de saborear mais a viagem que fez surgir o turismo
sem pressa (em inglês, slow travel). Essa diminuição da velocidade
acompanhou um movimento semelhante na culinária – o slow-
food –, que contesta a trivialidade da comida rápida. Não passar
demasiadas horas na logística da locomoção possibilita usar
esse tempo para fazer algo mais gostoso. Conclusão: percorrer
distâncias menores e passar por menos lugares significa viajar com
mais qualidade.
O turismo sem pressa caminha de mãos dadas com seus
primos, o turismo sustentável e o ecológico. A preocupação com
o rastro ambiental é crucial. Quando disponíveis, os transportes
de baixo impacto, como trem e barco, são preferidos aos que
provocam maior emissão de gases de carbono, como o avião (18
vezes mais que o ferroviário) e o automóvel movido a gasolina
(31 vezes). Uma vez no destino, as pernas devem substituir
qualquer motor a combustão – o que os seres humanos sempre
fizeram até dois séculos atrás. Realizar circuitos a cavalo também
é uma forma de conhecer vagarosamente uma região, mas
caminhar e andar de bicicleta traz uma vantagem adicional: são
mais saudáveis. “Chego de viagem em perfeita forma física”,
diz o escritor francês Clément Bosson. “Uma caminhada no
Himalaia pode valer mais que um ano de ginástica em uma
academia urbana.”
Este “turismo sem pressa” se contrapõe ao “turismo
bolha” – em que o turista visita os lugares praticamente sem sair
de dentro de um ônibus climatizado artificialmente – e àqueles
pacotes de viagem cuja proposta é conhecer 15 países em uma
semana (será mesmo possível isso?). Funciona, ainda, como

327
Aula 23 • A sociedade pós-moderna e o turismo

uma reação à dinâmica alucinante do mundo pós-moderno,


disponibilizando um espaço maior, na viagem, para realmente se
conhecer a cultura local.
“Um denominador comum às atividades do turismo
sem pressa é o contato com os habitantes locais. O viajante
que toma seu tempo não quer apenas comprar lembranças e
eletrônicos ou trazer de volta uma foto, do tipo ‘estive lá’, em
frente a um monumento. Ele quer mergulhar na cultura, ouvir
histórias e interagir com especialistas. Aspira a ter aulas de
culinária, aprender caligrafia chinesa, conhecer artistas plásticos
ou discutir sobre o aquecimento global com ambientalistas.
Ele dá à viagem um propósito definido e a transforma em uma
experiência marcante”, reafirma Haroldo Castro.

Turismo virtual

A revolução tecnológica à qual estamos, inevitavelmente


e a cada dia, mais atrelados, acabou alcançando o turismo.
Atualmente, proliferam sítios eletrônicos em que é possível
fazer reservas em meios de hospedagem ou comprar um pacote
turístico. Alguns empolgados – e ousados – observadores desse
fenômeno até mesmo arriscam dizer que não é mais necessário
sair de casa para praticar o turismo: basta acessar a página, pela
internet, da localidade desejada e visitar seus principais atrativos
sem sair da cadeira.
Contudo, essa visão vai de encontro ao princípio básico da
prática do turismo, que é o deslocamento, causando, assim, uma
enorme polêmica sobre o que se passou a chamar de turismo virtual.
Nas suas disciplinas sobre a teoria do turismo, você já
deve ter aprendido que a prática da atividade turística se baseia
no tripé deslocamento-estada-retorno. A Organização Mundial
de Turismo define que “turismo compreende as atividades
que realizam as pessoas durante suas viagens e estadas em
lugares diferentes ao seu entorno habitual”. Se tomarmos essa
definição como premissa, a “viagem” feita pelo ambiente virtual

328
História e Turismo

deixa de ser considerada “turismo”. No entanto, é importante


especularmos um pouco sobre o tema tanto por ser inegável a
influência do mundo virtual, hoje, nas nossas vidas quanto para
formarmos nossas próprias opiniões.
Mesmo não substituindo a viagem real, a experiência virtual
em conhecer outras localidades ou atrativos apresenta facilidades
de acesso, democratizando a experiência do conhecimento. Se
pensarmos na oferta do produto turístico – os bens e os serviços –
vamos contemplar um grande número de empresas turísticas que
difundem e divulgam sua infra-estrutura e oferecem seus serviços
a todos aqueles que não são excluídos digitais. Quem, ao ouvir
falar de certa pousada existente no destino que planeja visitar,
não busca, na internet, imagens do prédio, das instalações, dos
serviços oferecidos e até mesmo depoimentos de quem já esteve
hospedado no lugar? E ainda, quem ao chegar até determinado
meio de hospedagem, já percebeu que o quarto não era bem
como estava na foto do sítio ou que a piscina é bem menor do que
parecia na imagem divulgada no ambiente virtual? Porém isso é
outra história. Está relacionado com as estratégias de marketing,
não consideradas como propaganda enganosa, mas que iludem o
consumidor na hora da compra. A partir daí já podemos afirmar:
nada melhor que a viagem real para conhecer mesmo um local.
É importante dizer que a tecnologia virtual não cria produtos
turísticos, mas os divulga e facilita o acesso às informações
referentes a ele. A internet, se aliada ao turismo, pode funcionar
como um guia virtual que provê informação em tempo real via
imagem, voz e dados específicos. O ambiente virtual pode, ainda,
ser utilizado para a apresentação de destinos, de programas
instrucionais e educacionais e para o relacionamento comercial.
Experiências virtuais podem ser vividas também num ambiente
especialmente preparado e utilizando acessórios especiais
para proporcionar a imersão, interação e envolvimento, além
de utilizar-se de recursos, como câmeras de vídeo em tempo
real, imagens em 3 dimensões, fotografias em 360º, vídeos e
excursões virtuais humanizadas etc.

329
Aula 23 • A sociedade pós-moderna e o turismo

Na atualidade, já é possível, inclusive, reconstruir uma


determinada época – roupas, edificações, detalhes decorativos
– apenas usando a tecnologia virtual. Até mesmo a arqueologia
adotou essas técnicas em seus estudos, batizando de “arqueologia
virtual” uma ramificação da área tradicional, responsável por esse
processo. A realidade virtual pode ser definida como uma técnica
avançada de interface, em que o usuário pode realizar imersão,
interação e navegação em um ambiente sintético tridimensional
gerado por computador, utilizando canais multissensoriais. Esta
realidade virtual, como vimos, pode ser aplicada nas mais variadas
áreas do conhecimento e de maneira bastante diversificada.

Figura 23.4: Recriação em imagem virtual, computadorizada, da Sala


dos Espelhos do Palácio de Versalhes, na França. Esta imagem é de um
game de computador da empresa Cryo Interactive. Nele, é possível visi-
tar virtualmente as áreas internas e externas de todo o palácio, da ma-
neira como ele era no século XVII.
Fonte:http://www.mrbillsadventureland.com/reviews/u-v-/versaillesR/hallmirrors.
jpg

330
História e Turismo

Figura 23.5: Outra imagem do game Versailles 1685, da Cryo Interactive. Perceba o
realismo possível de detalhes, até mesmo das pinturas do teto.
Fonte: http://www.mrbillsadventureland.com/reviews/u-v-w/versaillesR/ceiling.jpg

Dentro do turismo, a criação de mundos virtuais, onde


o participante pode se movimentar e até mesmo ver, ouvir e
manipular objetos como no mundo físico, pode tornar-se um
importante recurso, já que os potenciais turistas, ou os turistas
virtuais, podem conhecer, de forma ativa, detalhes sobre os
destinos escolhidos ou dos serviços oferecidos.

331
Aula 23 • A sociedade pós-moderna e o turismo

Figura 23.6: O Coliseu virtual, restaurado.


Até mesmo a Roma Antiga ganhou uma versão 3D no Google Earth. Nela, o usuário pode
visitar o Coliseu e outros atrativos históricos do tempo do Império Romano. A cidade foi
recriada por acadêmicos da Itália e dos Estados Unidos.
Fonte: http://g1.globo.com/Noticias/Tecnologia/0,,MUL859553-6174,00-ROMA+ANTIGA+GANHA
+VERSAO+D+NO+GOOGLE+EARTH.html

W. Boloni defende o turismo virtual como um meio


democrático, barato e acessível de um maior número de pessoas
poder conhecer destinos turísticos que talvez sejam inacessíveis
numa viagem real. Ele se apóia no artigo 7º, (§) 1º, do Código
Mundial de Ética do Turismo, declarado na 13ª Assembléia Geral
da OMT, que afirma que “a possibilidade de acessar, direta e
pessoalmente as riquezas do planeta constitui-se num direito
aberto a todos os habitantes do mundo”. Até hoje, a possibilidade
de acesso real a qualquer destino do planeta se mostrou possível
apenas a uma pequena parcela da população; aquela que possui
recursos financeiros e saúde para tanto. Dessa forma, quem sabe
o turismo virtual venha suprir uma carência e uma necessidade?

332
História e Turismo

Acesse o endereço eletrônico http://video.globo.


com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM911799-7823-UM
+PASSEIO+VIRTUAL+PELA+ROMA+ANTIGA,00.html
e assista a um videorreportagem sobre o Google
Earth que reconstrói virtualmente a cidade antiga de
Roma.

Atividade
Atende ao Objetivo 3

3. Pesquise novas modalidades e motivações de turismo que es-


tabeleçam relações com a História e a cultura. Escreva sobre, ao
menos, duas delas fazendo sua apreciação crítica.
____________________________________________________________
____________________________________________________________
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_____________________________________________________________

Comentário
Outra modalidade polêmica de turismo é o turismo em favelas. Mes-
mo sendo criticado, por poder se prestar a uma apologia à pobreza,
pode também servir como encontro e apreciação cultural. Tendo
em mente que o conceito de cultura é amplo e que tudo tem uma
história, você pode encontrar relações desse tipo com várias modali-
dades de turismo que descobrir.

333
Aula 23 • A sociedade pós-moderna e o turismo

Resumo
A pós-modernidade trouxe transformações em diferentes áreas.
A globalização e o neoliberalismo modificaram até mesmo o
fenômeno e a atividade turística, mostrando as novas tendên-
cias do consumidor-turista e novas modalidades de desloca-
mento. O panorama do turismo nas décadas de 1980 e 1990
estabeleceram ligações diretas com as atuais políticas públicas
do setor. Mas a história continua... Esperamos que você tenha
conseguido, com as nossas aulas, relembrar um pouco dos
principais fatos históricos que marcaram o Ocidente, especifi-
camente o Brasil; conhecer fatos novos dessa história; conhecer
um pouco da história do turismo e constatar que estas duas
áreas podem andar juntas de variadas maneiras. Nossos votos
de uma boa graduação!

334
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História e Turismo
Aula 11

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