TPB Estudo de Caso Bioenergética

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LIGARE - CENTRO DE TERAPIA CORPORAL

EDNA KAZUE UEMURA

ESTUDO DE CASO DE UMA PACIENTE COM TRANSTORNO DE


PERSONALIDADE BORDERLINE SOB A ÓTICA DA
BIOENERGÉTICA

PRESIDENTE PRUDENTE - SP
2019
EDNA KAZUE UEMURA

ESTUDO DE CASO DE UMA PACIENTE COM TRANSTORNO DE


PERSONALIDADE BORDERLINE SOB A ÓTICA DA
BIOENERGÉTICA

Monografia apresentada como requisito para


conclusão de Curso de Especialização em
Psicologia Clínica – Análise Bioenergética,
oferecido pelo Ligare Centro de Psicoterapias
Corporais.

Orientadora: Prof.ª M.ª Odila Weigand.

PRESIDENTE PRUDENTE
2019
LIGARE - CENTRO DE TERAPIA CORPORAL

BANCA EXAMINADORA

________________________________________
Prof. (Nome do orientador)
Afiliações

________________________________________
Prof. (Nome do professor avaliador)
Afiliações

________________________________________
Prof. (Nome do professor avaliador)
Afiliações

_________________________________________
Edna Kazue Uemura

Presidente Prudente, ___ / ___ / _______

Resultado _______________________________
AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeço a Deus pelas graças recebidas.

Ao Instituto Ligare de Presidente Prudente, dirigido por Marli Bonini, pela oportunidade de
realizar o curso e ao Instituto Ligare de Americana pelo aprendizado proporcionado pelos
professores e toda a equipe.

Agradeço pelo apoio de toda minha família.

A todos que direta ou indiretamente fizeram parte da minha formação, о meu muito obrigado.
Somos feitos para a felicidade. Para a troca.
Para a paz. Para a bondade.
Para facilitarmos a existência uns dos
outros. Para a coragem e alegria de
simplesmente ser.

(Ana Jácomo)
RESUMO
O objetivo deste estudo é analisar como a terapia corporal bioenergética pode se
associar em trabalhos com um paciente que sofre de transtorno de personalidade borderline. A
leitura corporal é complexa e demanda da constatação quanto às características clínicas do
caráter proposta por Reich e Lowen e o levantamento dos fatores históricos e etiológicos
determinantes que auxiliam na elaboração do diagnóstico. Assim, este trabalho foi definido
como um estudo de caso com abordagem qualitativa. Ao analisar a paciente portadora do
transtorno de personalidade borderline, através de estudos e práticas, observamos através dos
exercícios, da fala e da escuta terapêutica, os traumas vividos pela paciente. Embora o caso
seja complexo verificamos alguns avanços no tratamento. Demonstrou ser uma grande
ferramenta para auxiliar no tratamento da paciente.
Palavras Chave: Terapia Corporal, Bioenergética, Lowen, Transtorno de
Personalidade Borderline, Tratamento.
ABSTRACT

The objective of this study is to analyze how the bioenergetic body therapy can
associate in works with a patient who suffers from borderline personality disorder. The body
reading is complex and demands identifying in the patient the clinical characteristics proposed
by Reich and Lowen collecting historical and etiological decisive facts that help the diagnosis.
Therefore, this is a case study with a qualitative approach. When analyzing the patient with
borderline personality disorder, her traumas could be identified through sessions of physical
exercises, speech and therapeutic listening, taking, into account studies already done in this
field. Even though it is a complex case, some advances in the treatment were identified,
showing that the bioenergetic body therapy has proven to be a great tool to assist patients with
borderline.

Key words: Body therapy; bioenergetics; Lowen; borderline personality disorder;


treatment.
Sumário
AGRADECIMENTOS ............................................................................................................................ 4
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................... 9
1 TERAPIA CORPORAL BIOENERGÉTICA ............................................................................... 11
1.1 COURAÇA ........................................................................................................................... 13
1.2 CARÁTER ............................................................................................................................ 14
1.3 GROUNDING ....................................................................................................................... 20
2 TRANSTORNO DE PERSONALIDADE BORDERLINE ......................................................... 23
3 ESTUDANDO UM CASO ........................................................................................................... 30
4 CONCLUSÃO .............................................................................................................................. 40
5 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA .............................................................................................. 42
6 ANEXOS....................................................................................................................................... 45
9

INTRODUÇÃO

Esse trabalho teve a intenção de abordar a psicoterapia corporal bioenergética no


tratamento de uma paciente com transtornos de personalidade borderline, com fundamento na
teoria bioenergética de Alexandre Lowen (1982).

A terapia corporal bioenergética é uma grande aliada no tratamento de várias


patologias e foi incluída na “Política Nacional de Praticas Integrativas e Complementares no
Sistema Único de Saúde, através da Portaria Ministerial nº 702, de março de 2018, que
ampliou as abordagens de cuidado à saúde e pode proporcionar ao paciente, boas condições
de liberar tensões, facilitar a expressão, favorecer o autoconhecimento e promover uma vida
mais saudável” (BRASIL, 2018, p. 08).

Na mesma linha de raciocínio Volpi assinala também que:

A bioenergética, técnica psicoterapêutica embasada na análise do caráter de Reich,


enfatiza as correlações da dinâmica caractereológica com os processos energéticos
presentes no corpo. Além disso, passou a ser um rico instrumento para o trabalho em
grupo, no qual a análise do caráter pode ou não estar presente. Dessa forma,
alcançou empresas, escolas e outras instituições, estabelecendo-se como uma forma
de se chegar a uma saúde mais integral, a partir da auto-expressão, tanto em termos
individual quanto grupal. (VOLPI, 2003, p. 131)

Com este trabalho pretendeu-se apresentar em linhas gerais o conteúdo teórico dos
conceitos e fundamentos da terapia corporal bioenergética para realizar a leitura corporal da
paciente, analisar e elaborar o significado das tensões musculares crônicas que nortearam o
diagnóstico corporal e as discussões sobre o processo de acompanhamento e dos resultados
obtidos, assim como, os efeitos e ou contribuições que a terapia corporal bioenergética trouxe
à paciente borderline.

Umas das descrições das características borderline está contida no CID – 10 que o
descreve da seguinte maneira:

Várias das características de instabilidade emocional estão presentes: em adição, na


autoimagem, objetivos e preferências internas (incluindo a sexual) do paciente que
são com frequência pouco claras ou perturbadas. Há em geral sentimentos crônicos
de vazio. Uma propensão a se envolver em relacionamentos intensos e
instáveis pode causar repetidas crises emocionais e pode estar
associado a esforços excessivos para evitar abandono e uma série de
ameaças de suicídio ou atos de autolesão. CID -10 (F60.31, p.200).
10

A metodologia utilizada foi o estudo de caso de um paciente com transtorno de


personalidade borderline. Optamos por esta metodologia, pois conforme Yin (2001) o estudo
de caso pede uma estratégia de pesquisa que compreende um método que abrange tudo em
abordagens especificas de coletas e analise de dados. A partir da descrição do caso clínico,
elaborou-se uma proposta do trabalho corporal, tendo como referência as teorias de Reich
(1998) e Lowen (1982). Foi um estudo empírico, de observação e intervenção que buscou
investigar o contexto real, utilizando de fontes de evidências cujo objetivo foi o de descrever
o estudo de caso.

Em busca das respostas para este trabalho, foram propostos dois objetivos:

1) Discutir uma abordagem da psicoterapia corporal no tratamento de uma


paciente com transtornos de personalidade Borderline.

2) Sugerir algumas formas de melhorar a convivência do paciente com outros


pares no seu cotidiano através da terapia corporal.

As respostas obtidas neste trabalho foram organizadas em três capítulos, a saber:

No primeiro capitulo, apresentou-se o resultado das leituras e pesquisas sobre terapia


corporal bioenergética.

No segundo capitulo organizou-se algumas das principais teorias sobre o transtorno de


personalidade borderline que correspondiam ao caso em questão.

No terceiro capitulo foi descritivo sobre o tratamento e os resultados do trabalho do


caso B. com as dificuldades e aplicação da terapia corporal bioenergética no tratamento de
pacientes borderline.
11

1 TERAPIA CORPORAL BIOENERGÉTICA

Criada nos anos 50, tendo como seu principal fundador Alexander Lowen, a Análise
Bioenergética surgiu da identificação de Lowen com as ideias reichianas a respeito do corpo e
emoção. Para Lowen (Lowen & Lowen 1985, p. 11) a bioenergética é o modo de entender a
personalidade com relação ao corpo e a produção da energia através da respiração, do
metabolismo e da descarga de energia no movimento. Afirma, também, que a bioenergética é
uma terapia que combina o trabalho com o corpo e a mente no sentido de ajudar as pessoas a
resolverem seus problemas emocionais e melhor perceberem o seu potencial para o prazer e
para a alegria de viver. Lowen assim a descreve:

Na terapia bioenergética, a pessoa é levada a entrar em contato consigo mesma


através de seu corpo. Usando os exercícios descritosneste livro, a pessoa começa a
sentir como inibe ou bloqueia o fluxo de excitação no seu corpo; como limita a sua
respiração, restringe seus movimentos e reduz sua auto-expressão; em outras
palavras como ela diminui sua vitalidade. A parte analítica da terapia ajuda a
entender o porquê dessas inibições e bloqueios, na maioria inconsciente, em termos
de suas experiências infantis. Ela é ajudada e encorajada a aceitar e expressar os
sentimentos suprimidos no contexto protegido da situação terapêutica. (LOWEN &
LOWEN, 1985, p. 17)

O precursor da terapia corporal, Wilhelm Reich, descobriu que o nosso corpo é dotado
de uma carga energética, que circula em nosso organismo através do processo “tensão-carga,
descarga-relaxamento” (Reich, 1975, p. 138).

Na abordagem bioenergética a energia é dinâmica, que movimenta, flui e pulsa. É a


energia biológica sentida pelo corpo e pensamentos, num movimento que, em equilíbrio, é
tido como agradável, e se expressa em bem-estar. Esse movimento estabelece ciclos, a partir
de uma necessidade que busca satisfação, e quando alcançada, permite um relaxamento.
Nesse sentido um organismo sadio apresenta um equilíbrio energético e mantém o nível de
energia entre a carga e descarga coerente com suas necessidades e oportunidades (Volpi,
2018).

Lowen (1982, p. 40), afirma que todas as atividades requerem e utilizam energia, e
está associada em todos os processos da vida, nos movimentos, sentimentos e pensamentos. A
quantidade de energia que um indivíduo possui e como ele a usa irá determinar e refletir na
sua personalidade. Sendo assim, pessoas possuem mais energia e outras são mais debilitadas,
por exemplo no caso de uma pessoa impulsiva, esta não consegue conter qualquer aumento no
seu nível de excitação ou energia e descarrega-o o mais rápido possível.
12

Segundo Volpi, (2018), a Bioenergética se propõe a identificar os bloqueios, liberá-los


e superá-los, atuando simultaneamente sobre a carga e descarga, nos exercícios corporais e em
situações do dia a dia. O aumento do nível de energia através da respiração e dos movimentos
proporciona a auto-expressão e restaura o fluxo de sentimentos corporais. A atuação, na
Análise Bioenergética, se dá sobre o funcionamento energético atual do indivíduo e sobre sua
história de vida, acredita-se que ambos estão correlacionados. O autor ressalta que:

Um dos principais pressupostos da Análise Bioenergética é o prazer, e nunca a dor.


O sentimento de prazer é a percepção de um movimento expansivo, como um fluxo
de sentimento e energia que se dirige para a periferia do corpo. Parte do coração em
direção aos pontos de contato com o mundo: olhos, boca, pele, mãos, pés e genitais.
A contração, por sua vez, é experiência de dor, de fechamento e de retraimento, o
organismo direciona toda sua busca à satisfação prazerosa, no contato com o mundo.
Caso se encontre ameaçado, o resultado é a contração e, por consequência, a dor. A
musculatura se encarrega de conter a excitação, quando a musculatura falha, surge a
ansiedade. A promessa de prazer associada à possibilidade de dor gera a angústia
latente em todos os distúrbios neuróticos e psicóticos. (VOLPI, 2003, p. 22)

Lowen sobre os princípios e a pratica da terapia bioenergética (Lowen, 1984, p.30/31)


se baseia na identidade funcional entre mente e corpo. Qualquer mudança no pensamento,
sentimento e comportamento condiciona uma mudança no funcionamento de seu corpo. Suas
principais funções são a respiração e os movimentos. As sensações são determinadas pela
respiração e pelos movimentos. Para que uma sensação volte precisa restaurar a sua
mobilidade. Se a respiração for contida a mobilidade do corpo é reduzida. O mesmo acontece
ao contrario as emoções fortes estimulam a respiração e a tornam mais profunda.

Vieira (2018) acrescenta que a incapacidade para respirar configura o principal


obstáculo para se recuperar a saúde emocional. Se a inibição da respiração é utilizada para
reprimir emoções e sensações, o caminho inverso também pode ser trilhado. Portanto, um
trabalho que tenha como foco a liberação das tensões que limitam a respiração, ajuda a relaxar
todo o corpo, a elaborar os conflitos emocionais e promover a espontaneidade e expressão dos
sentimentos.

Segundo Lowen (1982, p. 120), podemos compreender a personalidade através da


identidade funcional do caráter psíquico e a estrutura corporal ou atitude muscular, e nos
permite fazer a leitura do caráter a partir do seu corpo e explicar sua atitude corporal por meio
de seus representantes psíquicos e vice versa.
13

Lowen (1982, p. 13) acrescentou que as couraças estão ligadas ao padrão geral das
tensões musculares crônicas do corpo, sendo assim definidas porque servem para proteger o
indivíduo contra experiências emocionais dolorosas e ameaçadoras.

Stanley Keleman (1992) pesquisou o processo formativo das couraças e escreveu as


deformações (insultos à forma) que desenvolvemos durante o processo de aquisição de cultura
defeituoso, que leva a uma ausência de sincronia entre pensamento, disposição e atos.

1.1 COURAÇA

Reich (apud Navarro, 1996, p. 20), propõe que essas couraças estariam localizadas nos
sete segmentos ligados entre si, cada qual afetando aspectos específicos do comportamento
dos indivíduos.

O quadro abaixo contém algumas caraterísticas relacionadas aos níveis ou segmentos


corporais descritas por Navarro (apud Fragoso; Volpi, 2019), e descreve como as couraças
nelas se instalam conforme esclarece Fadiman (1986 p. 97/98).

Níveis ou segmentos Características descritas por Como a couraça se instala segundo


Navarro Fadiman
Primeiro nível Ocular Há um prejuízo na leitura e A couraça dos olhos é expressa por
compreende os ouvidos, olhos, interpretação que a pessoa terá uma imobilidade da testa e uma
nariz e pele do mundo e de si mesma; expressão “vazia“ dos olhos, que nos
veem por detrás de uma rígida máscara.
Segundo nível Boca-oral Influência nos aspectos As expressões emocionais relativas ao
compreende os músculos do depressivos de dependência e ato de chorar, morder com raiva, gritar,
queixo, garganta e a parte de trás independência sugar e fazer caretas são todas inibidas
da cabeça. por este segmento.
Terceiro nível Pescoço O prejuízo será nos aspectos A couraça funciona principalmente
compreende os músculos narcisistas e de autocontrole; para segurar a raiva ou o choro.
profundos do pescoço e também a
língua.
Quarto nível Tórax Influenciará nos aspectos da Ele serve para inibir o riso, a raiva, a
compreende os músculos longos identidade e na ambivalência tristeza e o desejo. A inibição da
do tórax, os músculos dos ombros do sentir e posicionamentos de respiração, que é um meio importante
e da omoplata, toda caixa vida; de suprimir toda emoção, ocorre em
toráxica, as mãos e os braços. grande parte no tórax.
Quinto nível Diafragma Influenciará nos aspectos A couraça é expressa por uma
compreende o diafragma, masoquistas e ansiosos; curvatura da espinha para frente, de
estomago, plexo solar, vários modo que há um espaço considerável
órgãos internos e músculos ao entre a parte de baixo das costas do
logo das vertebras toráxicas paciente e o colchão. È muito mais
baixas difícil expirar do que inspirar. A
couraça inibe principalmente a raiva
extremada.
Sexto nível Abdômen Influenciará nos aspectos A couraça nos flancos de uma pessoa
compreende os músculos compulsivos e anais; produz instabilidade e relaciona-se com
abdominais longos e os músculos a inibição do rancor.
14

das costas. Tensão nos músculos


lombares está ligada ao medo de
ataque.
Sétimo nível Pélvis Influenciará nos aspectos A couraça pélvica serve para inibir a
compreende os músculos da genitais, na possibilidade de ansiedade e a raiva bem como o prazer.
pelve e membros inferiores. sentir prazer e no superego.
Quanto mais intensa a
couraça, mais a pelve é
puxada para trás e saliente
nesta parte. Os músculos
glúteos são tesos e doloridos;
a pélvis é rígida, “morta” e
assexual.
Quadro 1 Fonte: Navarro (apud Fragoso; Volpi, 2019) e Fediman (1986)

É de extrema importância reconhecer os bloqueios energéticos de uma pessoa, pois


eles contribuirão para a formação da personalidade e do caráter individual (Fragoso; Volpi,
2019).

O objetivo da bioenergética é desbloquear essa circulação, que em geral vem


carregado de repressões, de tal forma que ao longo da relação terapêutica a pessoa se dá conta
de seus traumas e dificuldades, restaurando um fluxo melhor e mais dinâmico de seu corpo.
(Kingel, 2005).

1.2 CARÁTER

Lowen (1982, p. 50) também esclarece que a experiência de vida está registrada no
corpo do paciente, e revela seus sentimentos e seu estilo pessoal. Aliás, o padrão de defesa
desenvolvido pelo corpo é a base do trabalho sobre o caráter na bioenergética, e assim define
essa tipologia:

O caráter é como um padrão fixo de comportamento, como o modo típico de uma


pessoa conduzir sua busca pelo prazer. O caráter estrutura-se a nível corporal na
forma de tensões musculares em geral inconscientes, e crônicas, as quais bloqueiam
ou limitam os impulsos em seu trajeto até o objeto ou fonte. O caráter é também
uma atitude psíquica que se escora num sistema de negações, de racionalizações e de
projeções, voltada ainda para a concretização de um ego ideal que confirme seu
valor. A identidade funcional do caráter psíquico com a estrutura corporal ou atitude
muscular é a chave da compreensão da personalidade, já que nos permite ler o
caráter a partir do corpo e explicar uma atitude corporal por meio de seus
representantes psíquicos e vice e versa. (LOWEN. 1982, p. 119,120)

E de acordo com o padrão de defesas psicológico e muscular desenvolvidos pela


pessoa, a bioenergética classifica as estruturas de caráter em cinco tipos básicos (Lowen,
1982, p. 132 a 152), como veremos a seguir, resumidas desta forma:
15

O primeiro é o caráter esquizoide

O trauma aconteceu entre a fase pré-natal e os dias logo após o nascimento. A rejeição
materna foi acompanhada por uma hostilidade que criou o medo. Faltou segurança e alegria.
É comum o retraimento e a raiva.

A criança não foi aceita na sua existência, e criou um conflito entre existência e
necessidades. É um individuo que investe muito pouco na realidade. Evita relacionamentos
íntimos e afetuosos, o contato com o meio é deficitário, as emoções são desvalorizadas, o ego
é fraco e o contato com o corpo também é comprometido.

Energeticamente, há uma desconexão corporal, a cabeça é separada do resto do corpo,


que pode ser percebido a nível físico, através de uma forte tensão na nuca. Essa pode ser
sentida como o indivíduo que tem uma cabeça grande (muito mental) apresentando
pensamentos, vontades e ideias que são de suma importância para ele. Sua espontaneidade é
difícil, uma vez que expressar emoções não são consideradas, pois se desvaloriza o resto
corpo.

A energia central não alcança de maneira satisfatória as áreas periféricas,


representando baixo contato com o exterior (realidade). Está bloqueada por tensões crônicas
na base da cabeça, nos ombros, na pelve e nas articulações dos quadris. Ao redor do
diafragma a tensão é forte que divide o corpo em duas partes, a de cima e a de baixo. Seus
olhos não possuem a vivacidade normal nem faz contato visual com os demais. Seu olhar é de
evitação. Ele não investe na vida real.

A pessoa sente que só pode existir se não tiver necessidade de intimidade, e tenta
permanecer em isolamento.

É um individuo em cuja personalidade denota tendências a formação de um estado


esquizofrênico. Estas tendências são:

1- Cisão no funcionamento unitário da personalidade.


2- Refúgio dentro de si mesmo rompendo ou perdendo contato com a realidade
externa, com uma intensa vida de fantasia do seu corpo a fim de sobreviver.

O objetivo da Análise Bioenergética, em que o caráter é denominado esquizoide, será


o de restabelecer o contato com o próprio corpo, com as próprias necessidades, com a auto-
expressão e por fim, com o meio circundante.
16

O segundo é o caráter oral

O trauma ocorreu entre a primeira infância até doze meses. O que houve foi uma
carência afetiva ou física. Esta privação inicial pode ser devida à perda real de uma figura
materna calorosa e amiga, seja por morte, doença ou ausência determinada pela necessidade
de trabalhar. Houve a redução da força do impulso de sugar, ou também ter tido outras
experiências de desamparo. Esta frustação tende a deixar marcas de amargura na
personalidade, e por ter medo do abandono, cria uma fachada de independência, em conflito
com suas necessidades.

Esse caráter apresenta muitos traços da primeira infância como uma sensação interna
de precisar ser carregado, apoiado e cuidado. Não consegue ficar em cima de seus pés. Tende
a inclinar-se ou amparar-se em alguém. Não consegue ficar sozinho. Há um desejo exagerado
de estar em companhia de outras pessoas, para receber seu calor e apoio. Pode manifestar a
ideia de que o mundo deve sustentá-lo. Fisicamente e energeticamente, o corpo é frágil, não
há substância muscular caracterizada pela baixa carga, não há força.

A sensação das pessoas bloqueadas nessa fase é de carência, de vazio interior, e pela
falta de força para reagir diante de uma tensão, seus sentimentos são reprimidos. A
agressividade é precária e manifesta principalmente pela boca. Há a alternância de humor
entre depressão e elação.

A energia é baixa e chega até os órgãos periféricos de contato de forma minguada.


Como se tivesse recebido uma alimentação deficitária, tanto os órgãos quanto os ossos
crescem de forma deficitária e os músculos são subdesenvolvidos. O corpo tende a escorregar
devido à fraqueza de todo sistema muscular. A respiração é superficial, o que explica o baixo
nível energético de seu corpo.

A falta de energia e de força é sentida no olhar, que é ingênuo e pedinte. O nível de


excitação genital é reduzido. A pelve pode ser menor. O pelo do corpo é esparso. Em algumas
mulheres, todo processo de crescimento é retardado, conferindo-lhes corpos de crianças.

Na Análise Bioenergética, o trabalho dará ênfase à aceitação da própria realidade, ou


seja, andar sobre seus próprios pés e ao desenvolvimento da força para buscar satisfazer a si
próprio sem esperar que o outro tenha de satisfazer suas necessidades toda hora.

O terceiro é o caráter psicopático


17

As vivências traumáticas ocorreram na fase anal com inicio da fase genital, que é a
terceira fase do desenvolvimento emocional, entre os 18 a 30 meses, e envolve as questões de
sedução e controle. O indivíduo foi traído em sua essência e manipulado na fase de
desenvolvimento de sua autonomia. Para ser aceito e reconhecido, o indivíduo aprende a não
ser ele mesmo e tende a atender as expectativas do que os outros projetam nele, negando a sua
própria identidade.

A criança desprezará sua necessidade, ou ficará satisfeita manipulando os pais, e


controlará a si mesmo e aos outros que estão ao seu redor. Ela poderá apresentar traços
masoquistas, se tornando submissa, para agradar os pais, provocando sentimentos de ser
especial ou ser melhor que os outros. Vivem na ilusão, onde o ego é forte para manter a
imagem narcisista criada, porém é distante do corpo e da realidade. A essência da atitude
psicopática é a negação do sentimento, da necessidade e da fragilidade, e a manutenção de
uma imagem narcisista, criando um conflito entre sua independência e sua intimidade. A
necessidade de controle está vinculada ao medo de ser controlado, que significa ser usado.

Há dois tipos de corpos que corresponde a estrutura psicopática. O tipo tirânico que se
utiliza da manipulação mental para obter mais poder que outra pessoa e tem a sensação de
superioridade. O outro é o perfil sedutor, que se utiliza da sexualidade para dominar e
controlar. Em ambos os casos há um distúrbio entre estas duas metades do corpo.

No tipo sedutor, as costas são hiperflexíveis, e a energia se concentra na pelve, mas é


desconectada. No perfil tirânico a energia é maior na cabeça, menor nas partes inferiores do
corpo e a pelve tem uma carga reduzida e é sustentada de maneira rígida. Há uma
hiperexcitação da capacidade mental para conseguir controlar e dominar as situações. A
cabeça fica muito erguida, mantendo assim o corpo sob um rígido controle. Os olhos são
atentos e desconfiados e não estão abertos para ver os inter-relacionamentos com tensões
nítidas no segmento ocular.

Na Análise Bioenergética, o foco deverá estar sobre o resgate das sensações e no


abandono da imagem e da manipulação, ou seja, sobre si mesmo e sobre o ambiente.

O quarto é o caráter masoquista

O trauma nessa estrutura deu-se também na fase anal, no segundo ano de vida. Vem de
um lar acolhedor e com amor, o pai é passivo e submisso, porém a mãe é dominadora, que
sufoca a criança, embutindo-lhe o sentimento de culpa em qualquer tentativa de libertação. A
18

criança não tem direito a expressão de sua independência e integridade. Ao mesmo tempo em
que é amada, ela é repreendida. As manifestações física ou emocional são reprimidas.
Necessita cumprir as regras sociais e é muito repreendida quando erra, e por essa razão
questiona sobre o certo e errado, os prós e os contras e sobre as ambivalências. Há uma
contradição entre as suas emoções e as respectivas exteriorizações. A submissão e a
cordialidade são traços característicos do comportamento masoquista. Ao nível consciente há
a tentativa de agradar, mas inconscientemente reprime seu sentimento de despeito,
negativismo e por hostilidade. Então faz muita força muscular de contenção, seus músculos
são densos e poderosos, restringindo qualquer acesso direto sobre si, e seus sentimentos se
expressam através das queixas e de lamentos.

Assim, carregam para a idade adulta a sensação de que os outros é que devem lhe
dizer o que, como, quando e quanto fazer. O masoquista, nome dado a esse caráter, tem medo
de ser afastado dos relacionamentos e submete-se, abdica-se de sua independência, causando-
lhe um conflito interno com relação a sua intimidade, da proximidade e da sua liberdade, pois
não respeita suas próprias necessidades, tanto emocionais quanto físicas.

Devido à contenção severa, a agressão e a autoafirmação são bastante reduzidas. O


sentimento é exteriorizado através de lamentações, as quais são uma forma de expressar a
raiva por ter sido tão severamente controlado. No entanto, há a conduta provocativa, na
tentativa de receber uma resposta que lhe permita reagir de maneira violenta e explosiva.

O corpo típico do masoquista é encurtado, grosso, musculoso. O pescoço é curto,


grosso e enterrado no peito. A cintura também é mais curta e mais grossa. A energia é
estagnada e presa no corpo, concentrando-se principalmente entre pescoço e cintura, causando
pressão para sair. Os órgãos periféricos estão poucos carregados, o que impede a descarga da
energia.

O trabalho da Análise Bioenergética será o de liberar as contenções impostas às


próprias sensações, e o estabelecimento de limites internos.

O quinto caráter é o rígido

Os traumas aconteceram na fase genital aos 05 anos, na fase do desenvolvimento da


sexualidade. A criança é rejeitada em suas expressões de afeto corporal. O trauma também
poderia ser a frustração na base de gratificação erótica, principalmente a nível genital.
19

O conflito incide sobre o medo que possui de ceder ao amor e de um temor à


submissão que possam causar a perda de sua liberdade.

Devido ao forte desenvolvimento egóico da pessoa, o caráter rígido não abandona a


sua consciência. Constrói defesas poderosas para se proteger do mundo e de sua própria
sexualidade, e para que mantenha controle de seus impulsos e comportamentos, reprime
sentimento de frustração oral. Consegue criar uma fachada de autoconfiança e segurança. Seu
orgulho é um sentimento defensivo, que reprime todos os impulsos de se abrir e que busca o
exterior.

O prazer erótico, a sexualidade e o amor são sinônimos em sua mentalidade infantil.


Por isso, o maior bloqueio, a nível físico, é nas partes do corpo capazes de expressar emoções
e de efetivamente senti-las.

O corpo é enrijecido. A cabeça é bem erguida, a coluna reta e rígida. Há uma carga
poderosa em todos os pontos periféricos de contato com o meio ambiente. Isto favorece a
capacidade de testar a realidade antes de agir. A contenção da energia é periférica; sendo
assim, os sentimentos podem fluir, mas sua manifestação é limitada. Há inúmeros pontos de
tensão ao longo do corpo, representando sua defesa contra os sentimentos e sensações,
principalmente a de exercer o amor.

Quando a contenção é moderada, a personalidade é ativa e vibrante. O corpo é


proporcional e mostra harmonia entre as partes. A pessoa se sente integrada e conectada. Seus
olhos são brilhantes, boa cor de pele, leveza de gestos e movimentos denotando vivacidade.
Se a rigidez for grave, haverá uma redução correspondente de coordenação, graça e leveza. Os
olhos perdem brilho e a pele pode se tornar pálida e acinzentada.

Há uma rigidez no contato e justamente o nome dado a esse caráter é rígido. No ciclo
carga-descarga o que se apresenta sob bloqueio é a capacidade de entrega à satisfação das
próprias necessidades e de relaxamento. O conflito interno está entre sentir e entregar-se às
sensações, por isso a Análise Bionergética deverá focalizar a entrega e a expressão.

Lowen (1982, p. 120) comenta que na bioenergética não se encaixa uma pessoa como
exemplar deste ou de outro tipo de caráter. Esta pessoa é olhada com seus aspectos
particulares onde a busca do prazer foi bloqueada pela ansiedade e precisou montar um
sistema para se defender todo seu. A estrutura de caráter define melhor o seu problema mais
20

profundamente assim ajudando a resolver seu problema ou conflito, libertando-o de certas


das amarras impostas pelas experiências da vida passada.

1.3 GROUNDING

A prática do grounding consiste em provocar, pelo estresse da musculatura,


movimentos involuntários no corpo, chegando à dissolução de padrões de couraça
estabelecidos na história do desenvolvimento da pessoa e, ao mesmo tempo,
construindo uma identidade conectada ao verdadeiro self, ao cerne, em que a energia
vital flui de forma saudável. (VOLPI 2003, p.18 e 19)

O grounding é um tipo de exercício corporal que surgiu da necessidade de desbloqueio


das tensões das pernas dissolvendo a rigidez muscular criando condições de o tecido tolerar
uma maior carga energética. Weigand (2006,) aborda os vários tipos de grounding
(enraizamento), tais como o postural, o interno, o prematuro, o do olhar, na família, na cultura
e na religião entre outros.

Volpi descreve o exercício básico de grounding da seguinte maneira:

Em pé, busca-se manter uma distância entre os pés que corresponda


aproximadamente à largura de nossos quadris e ombros;
Os pés permanecem em paralelo, e para isso é útil imaginar linhas traçadas nas
laterais exteriores de cada um dos dois pés, sendo que essas linhas mantêm-se
paralelas entre si;
O peso do corpo deve ser distribuído igualmente tanto entre as pernas direitas e
esquerdas quanto entre as partes anteriores e posteriores de ambos os pés,
Os joelhos dobram-se levemente, alinhando-se aos pés, sendo que essa
flexibilização dos joelhos é fundamental para que o movimento involuntário possa
fluir pelas pernas e até mesmo pelo corpo todo;
A pelve simplesmente descansa sobre as pernas, assim como o tronco sobre a pelve,
o pescoço sobre o tronco e a cabeça sobre o pescoço; a pelve não se projeta para a
frente, contraindo as nádegas e não se arrebita para trás;
A coluna permanece ereta, os ombros soltos, o maxilar relaxado, de forma a permitir
que a respiração se dê através da boca, além do seu caminho normal por meio das
vias nasais;
Os olhos permanecem abertos e o olhar focado a frente;
A expressão da voz pode ser estimulada no grounding. (VOLPI, 2003, p.132,133)

Volpi (2003, p. 18) comenta que a prática do exercício de grounding significa


desenvolver a sensação de estar enraizado, de reencontrar a sua base, o chão, com o que
permite se sustentar a partir de si mesmo. O grounding é um exercício de contato energético
com a realidade e promove a relação do mundo interno individual com o mundo externo
social. Este exercício ajuda no desbloqueio do fluxo de energia para as áreas do corpo que
estão em contato com o mundo, a saber: a pele, os demais órgãos dos sentidos, os braços, as
mãos, as pernas, os pés e os genitais. Dessa forma, ao mesmo tempo em que se estabelece
uma identidade o grounding também promove uma relação, pois quando o individuo entra em
21

contato consigo mesmo, através de seu corpo, pode se comunicar com a realidade ao seu
redor, encontrando a sua possibilidade do contato com outras pessoas.

Boadella, (1992, p. 89) fala do grounding como forma de comunicação e relata a


experiência do grounding como firmeza. Boadella explica como o bebe vai percebendo vários
tipos de sensações de firmeza ou grounding. Por exemplo: Ela se deita no abdômen da mãe e
sente-se grounded (firmada) na parte externa de seu corpo, sentindo os mesmos ritmos das
batidas cardíacas de quando se sentia no útero. A criança pode se envolver em parte do corpo
materno em uma mão ou numa curva de seu corpo, e é envolvida pelo contato com a mãe.
Quando o bebê esta mamando no seio, pode se dizer que ele está em grounding (firmando sua
boca). Quando olha para sua mãe esta firmando seus olhos. No desenvolvimento da
linguagem, o bebê começa a firmar suas ideias. Nos movimentos progressivos de se deitar de
bruços, manter a cabeça erguida, engatinhar e agachar-se, levantar-se, ele aprende a manter
um contato rico ou pobre, com a terra física. Tudo isso acontece num ambiente emocional que
organiza a atividade da criança.

Boadella continua a pontuar sobre essas formas de contato e de como a energia flui no
corpo através do grounding (firmar):

O trabalho terapêutico envolve experiências de restabelecer o contato com o chão, já


que as diversas formas de firmar ocorrem de maneira errada para muitas pessoas.
Essa descoberta envolve a forma como uma pessoa aprendeu a se comunicar e a
possibilidade de novas formas de comunicação. Na terapia, desejamos estabelecer
uma série de experiências nas quais as pessoas venham a sentir seus próprios
impulsos internos na vivência social; como ela se construiu no passado e que nova
forma de se firmar pode ser possível. Qualquer trabalho de firmar o corpo através de
um trabalho postural, situações de estresse e liberação catártica de emoções
bloqueadas têm o seu valor, mas produzem apenas uma firmeza externa. Precisamos
aprofundar e enriquecer este processo, prestando atenção à maneira como uma
pessoa constrói seu espaço ou organiza seu tempo, que percepção ela tem da sua
capacidade de se formar através de uma participação mais intensa em seu próprio
processo. Precisamos ajuda-la a encontrar sua firmeza interior. É dessa fonte que flui
a própria energia curativa, que tem o poder de integrá-la novamente, não importa o
quanto ela esteja condicionada a não se sentir viva. Recapitulando e restabelecendo
vários estágios do processo de desenvolvimento, uma pessoa pode regenerar os
padrões de sentimento e interação com os quais se relaciona com o mundo. Com
uma orientação apropriada, ela pode tentar estabelecer novos tipos de contato que
sejam mais estimulantes e satisfatórios; dar os passos que irão transformar sua vida.
(BOADELLA, 1992, p. 89)

Para Lowen (Lowen & Lowen, 1985, p. 23), conseguir fazer o grounding é uma
maneira de dizer que uma pessoa está com seus pés firmados no chão, a pessoa sabe qual é o
seu lugar, onde está e quem se é. O grounding proporciona uma sensação nas pernas intensa,
mesmo depois de terminado o exercício, aumentando a sua função de sustentação com o peso
do corpo. A visão e a percepção também se ampliam. A respiração se torna mais profunda. É
22

quando o individuo entra em contato com as realidades de sua existência. A pessoa está
firmemente identificada com seu corpo, consciente de sua sexualidade e orientada para o
prazer. Quando não se consegue fazer o grounding, todas essas sensações e formas de
comunicações, faltam à pessoa que esta “suspensa no ar” ou na sua cabeça, em vez de estar
em cima dos próprios pés.

Reich (1995, apud Volpi, 2003, p.24) conceitua as formas de acessar o corpo para o
trabalho terapêutico: uma delas é a leitura corporal que compreende como o corpo do cliente
se estrutura e de que forma sua postura, suas tensões seus movimentos e sua expressão
mostram a historia de sua vida. Outra forma de acessar o corpo é através da conscientização
das sensações e mudanças que vão ocorrendo durante uma sessão de psicoterapia. Também
pontuar gestos e posturas habituais aumenta a consciência corporal do cliente. Outra
ferramenta é o toque em pontos específicos que tem por objetivo maximizar algumas
expressões emocionais. Todas essas técnicas associadas à fala e escuta do processo
terapêutico formam o trabalho corporal expressivo da análise do caráter proposta por Reich
(1897 – 1957) psicanalista, o precursor da terapia corporal.
23

2 TRANSTORNO DE PERSONALIDADE BORDERLINE

O borderline é considerado um transtorno da personalidade (DSM-V, 2014), e a sua


definição passou por múltiplas complexidades e controvérsias. Frequentemente é confundido
com neurose, psicose, transtorno do humor, outros transtornos de personalidade e transtornos
cognitivos. Sua manifestação de problemas se dá na separação-individuação, problemas no
controle afetivo, impulsividade e vínculos pessoais intensos.

De acordo com os diagnósticos, sinais e sintomas do DSM-V os critérios de


diagnostico para transtorno da Personalidade Borderline são:

Um padrão difuso de instabilidade das relações interpessoais, da autoimagem e dos


afetos e de impulsividade acentuada que surge no início da vida adulta e está
presente em vários contextos, conforme indicado por cinco (ou mais) dos seguintes
aspectos:
1. Esforços desesperados para evitar abandono real ou imaginado.
2. Um padrão de relacionamentos interpessoais instáveis e intensos
caracterizado pela alternância entre extremos de idealização e
desvalorização.
3. Perturbação da identidade: instabilidade acentuada e persistente da
autoimagem ou da percepção de si mesmo.
4. Impulsividade em pelo menos duas áreas potencialmente autodestrutivas
(p. ex., gastos, sexo, abuso de substância, direção irresponsável,
compulsão alimentar).
5. Recorrência de comportamento, gestos ou ameaças suicidas ou de
comportamento automutilante.
6. 6. Instabilidade afetiva devida a uma acentuada reatividade de humor (p.
ex., disforia episódica, irritabilidade ou ansiedade intensa com duração
geralmente de poucas horas e apenas raramente de mais de alguns dias).
7. Sentimentos crônicos de vazio.
8. Raiva intensa e inapropriada ou dificuldade em controlá-la (p. ex., mostras
frequentes de irritação, raiva constante, brigas físicas recorrentes).
9. Ideação paranoide transitória associada a estresse ou sintomas
dissociativos intensos. DSM-V (2014, p. 663)

Para Navarro (1996, p. 45) é inexata a definição que considera o borderline um


indivíduo fronteiriço entre a psicose e a neurose, e vive num limite da sanidade, pois os
mecanismos psicóticos são diferentes dos mecanismos neuróticos, e é possível encontrar os
dois no mesmo indivíduo.

Kernberg (apud Hegenberg, 2009, p. 38) considera o borderline uma


organização/estrutura, e baseia-se em três critérios estruturais para o seu diagnóstico: difusão
de personalidade, pois lhe falta a integração do self e do conceito de outras pessoas, nível de
operações defensivas centrada na clivagem e a capacidade de teste da realidade mantida.
24

Bergeret (2000, p. 132), enquadra a patologia na estrutura estado-limite. A relação de


objeto é anaclítica, de apoio, com relação de dependência, da necessidade de afeto, de
compreensão. O ego é frágil. O objeto anaclítico tem o papel de Superego auxiliar e o Ego
auxiliar as vezes é protetor as vezes é interditor. O sujeito se espelha no Ideal do Ego. A sua
angústia vem da perda do objeto a qual é dependente. O autor apresenta no quadro abaixo, os
principais critérios de classificação para os três tipos de personalidade, psicótica, neurótica e
estado-limite (ou limítrofe). É importante notar que o autor acrescenta uma estrutura para
borderline:

Instância dominan- Natureza do Natureza da Defesas principais Relação de


te na organização conflito angústia objeto
Estrutura Superego Superego De castração Recalcamento Genital
neurótica Com id
Estrutura Id Id com a De Recusa da Fusional
Psicótica Realidade fragmentaçã realidade,
o Clivagem do Ego;
Projeção
Organizações Ideal do ego Ideal do ego De perda do Clivagem anaclítica
limítrofes com id e objeto dos objetos;
realidade forclusão
Quadro 2- Comparação entre as classes estruturais. Bergeret, 2000, p.141

Segundo Volpi (2003, p.100), a estrutura borderline caracteriza-se pela depressão, pela
confusão e pela angústia frente à perda objetal. As principais características são a atuação, as
percepções difusas e a impulsividade que gera esgotamento. Podem ter experimentado
situações abusivas na infância, experiências que se traduzem por abusos físico, psicológico e
até sexual.

Teixeira (2011, p. 258/259) esclarece que os tipos de violência com a criança são os
atos ou omissões que causam danos ao desenvolvimento psicológicos, cognitivos, físicos com
reflexos na área social e compreendem a carência de condições mínimas de sobrevivência, de
proteção e atenção às necessidades básicas da pessoa. Pode gerar traumas na criança,
expressas sob a forma de dificuldades de relacionamentos, medos constantes, dificuldades
alimentares, pesadelos, isolamento, ansiedade e sintomas depressivos. A forma mais frequente
é caracterizada pela negligência e abuso físico, e a relação mais direta entre abuso e maus
tratos ocorre entre a criança e as figuras cuidadoras, em particular, os familiares, tais como
exposição da criança a situações familiares de violência, de uso de drogas, e promiscuidade
dos pais e responsáveis.
25

Para Navarro (1996, p. 21/22), se o período neonatal acontecer com uma maternagem
inadequada pode gerar um estresse emotivo ligado ao medo de perda, e resultará na
necessidade de dependência. A maternagem, entre amamentação e o desmame, é simbiótica, e
também se traduz em contato, calor e amor, indispensáveis a gênese da comunicação. É um
período de intensa e profunda ressonância afetiva. O desmame, rompimento da condição
simbiótica, é um momento delicado, que necessita uma separação gradual do campo materno
ao campo familiar, passando da motilidade à mobilidade muscular intencional.

Bachbauer (apud Volpi, 2003, p.101) afirma que entre um ano e meio e dois anos de
idade, a criança descobre que existe um mundo gigantesco além da mãe e que ela própria é
um ser separado e frágil. Vivencia, de forma ansiosa, a ambivalência entre aproximar-se e
afastar-se da mãe. É de suma importância que a mãe dê suporte aos dois momentos de
aproximação e afastamento, pois caso contrário abre-se um caminho para a estruturação
borderline, ao estabelecer um vínculo traumático para a criança, no qual se confunde amor,
dependência e maus tratos. A fragmentação entre objeto bom e objeto mau não é superada
pelo borderline e a constância objetal não é alcançada.

Segundo Romaro (2008, p. 27), o ambiente familiar pode ser considerado um dos
possíveis fatores predisponentes à patologia Borderline. Famílias em que há predominância de
dificuldades conjugais, de hostilidade, agressividade, brigas recorrentes, quadro de alcoolismo
são frequentes nos casos borderlines.

Esse fator poderá trazer prejuízo ao desenvolvimento da criança rumo à autonomia e a


independência. O vínculo primário com o pai não acontece e é substituído por uma relação
estressante, desconfiada e distorcida. Embora a criança demonstre estar ajustada à situação, no
seu íntimo ela idealiza a pessoa que a salvará de seu abandono. Muitas vezes sua visão da
realidade é distorcida por esses anseios e expectativas que coloca nas pessoas, e quando elas
não correspondem a esses anseios se frustra muito. O borderline sonha em conectar-se com
uma figura materna inteiramente boa. Este sonho faz parte de sua vida, e ter de renunciar a
essa ilusão é a principal fonte de desespero que o borderline experimenta. (Aalbese, 1997, p.
128).

Outra condição que se instala no período neonatal é a distimia que também pode ser
associada ao borderline e expressa uma depressividade de tipo psicótico como reação ás
lesões narcisísticas associada ao sentimento de perda (Navarro, 1996, p.45/46). Navarro
26

esclarece que distimia é um distúrbio do equilíbrio emocional, que provoca alterações do


humor, tristeza e depressão.

Da mesma maneira, Teixeira (2011, p. 259) exemplifica que a violência na


adolescência pode ser física como o uso de força excessiva, negligência, abandono físico e
psicológico e violência sexual. Todas trazem consequências físicas e psicológicas como
fobias, pânico, depressão, comportamento suicida (ideação suicida e tentativa de suicídio),
ansiedade, dificuldade alimentar e dificuldade de relacionamento com pessoas do sexo
agressor mostrando a desigualdade de forças que existe entre o adulto ou criança.

Teixeira (2011, p.263) sinaliza sobre os riscos do suicídio e os grupos com maior
incidência são os jovens e idosos. Ressalta que entre os borderlines são marcados por traços
de impulsividade, agressividade e frequentes alterações do humor. Entre a maioria dos
eventos estressores de quem comete o suicídio estão: problemas interpessoais, eventos de
perda como separação, luto, perda financeira, perda de emprego e aposentadoria.

Hegenberg (2009, p.96) fala sobre a ocupação do borderline. São pessoas produtivas,
inteligentes e capazes. Por causa do vazio, tédio e falta de sentido em sua vida nem sempre
tem um trabalho ou estudam. O borderline em razão das exigências do seu ideal de ego
considera-se exageradamente capaz tornando-se arrogante, crítico e irritando quem está ao seu
redor mas de fato se está diante de uma pessoa frágil e insegura que sempre está solicitando
ajuda. Com apoio e suporte o borderline tem um desempenho satisfatório, se tirar seu apoio o
borderline tem dificuldade de se virar sozinho e não consegue terminar o que começou. As
vezes esse apoio tem de ser constante. O borderline não é capaz de se ligar muito tempo a
alguma coisa que não seja de seu interesse.

Bowlby (1985-2004) refere-se ao luto como a elaboração das perdas e o autor dividiu
o luto em algumas fases de passagem sendo a primeira reação a de entorpecimento ou choque,
seguida da segunda fase que seria a de anseio , protesto e busca da pessoa perdida sendo esta
fase muito emotiva e com muito sofrimento psicológico. A terceira fase seria a de
desorganização e desespero onde nada vale a pena. E por fim a recuperação e restituição onde
se estabelece novas relações e reatamento de antigos laços. No luto complicado, o enlutado
tenta negar ou evitar aspectos da perda e segurar ou evitar o desligamento da pessoa perdida
(Bowlby, 2004, vol 3) .
27

Second (1992, p. 437) em seus estudos, situa a delinquência como uma transgressão
familiar e é vista como “um gesto e se pensa logo em passagem ao ato, ao acting-out” e que
tem a ver com a perda da noção de limites.

Os atos impulsivos são ações isoladas, súbitas, involuntárias, e podem, eventualmente,


se manifestar como verdadeiras explosões emocionais como ensina Paim (1986, p. 270).
Caracteriza-se pela impetuosidade, rapidez e falta de consideração consigo mesma ou com os
demais. Inesperadamente, podem se tornar perigosos e violentos. Spoerri (1979, p. 79)
classifica o impulso como podendo se apresentar com maior ou menor grau de intensidade,
como a hipersexualidade ou a hipossexualidade, e com alterações qualitativas, como
perversões, conduta sexual aberrante, resultante de anormalidade na escolha do objeto, ou na
execução do ato sexual.

Hegenberg (2009, p. 67) acha que a impulsividade no borderline está ligada a


desesperança e ao vazio de sentido na vida. Ao sentir-se sem apoio, a falta de esperança leva
ao desespero e aos atos impulsivos, colocando-o em situações de risco. Também comenta que
o borderline pode usar a impulsividade para se conhecer ou buscar os limites de seu self.

Romaro (2008, p. 17) com relação a impulsividade, cita as consequências desta forma
autodestrutiva de lidar com a vida que podem gerar perdas tanto nas relações interpessoais
quanto de trabalho, levando a uma desestabilização. Pode haver história de consumo de
drogas ou álcool e vários parceiros sexuais ao mesmo tempo.

Romaro (2008, p. 17) mostra que a perturbação da identidade no Borderline é


percebida pela instabilidade persistente da autoimagem e do sentimento de si próprio. Se
manifesta nas áreas de autoestima, orientação sexual, metas a longo prazo, escolha da
profissão, tipos de amigos e valores preferidos. A identidade sexual por vezes parece ser
estabelecida por padrões de atributos externos, com expectativas estereotipadas em relação ao
próprio sexo, sendo frequente a indefinição sexual com sexualidade polimorfa,
promiscuidade, presença de fantasias e ou relações sadomasoquistas. A visão distorcida da
realidade interna e externa, por vezes pode conduzir a comportamentos autodestrutivos. Isto
implica em um estado de ego mutuamente dissociado, com ausência de integração das
representações do self, do objeto e do superego. Distorções do processo de estabilidade de
identidade tendem a desenvolver um falso self. Despersonalização e desrealização ocorrem
com frequência.
28

Kernberg (1975 apud Romaro, 2000, p. 46) denominou de síndrome de difusão da


identidade quando existe um estado de ego dissociado, com ausência das representações do
self, do objeto e do superego. Essas expressões de difusão da identidade podem ser percebidas
pelo sentimento de vazio, de percepções pouco integradas de si e dos outros, baixa auto-
estima, comportamentos e sentimentos contraditórios que o paciente não consegue entender e
integrar levando a uma relação superficial com o próximo. Suas relações passam a ser
superficiais, confusas, instáveis, intensas, com pouca capacidade de suportar frustração e pela
reduzida capacidade empática levando a comportamentos destrutivos.

Romaro (2008, p. 46) relata que em função desta falta de integração do superego, o
borderline conduz a reprojeção de núcleos do próprio superego sob a forma de tendências
paranóides e também a representação de objetos sádicos e idealizados. O Borderline tem
fortes sentimentos de culpa e oscilações depressivas.

A definição de paranóia de Laplache e Pontalis é:

sintoma: psicose crônica caracterizada por um delírio mais ou menos sistematizado,


pelo predomínio da interpretação e pela ausência de enfraquecimento intelectual e
que, geralmente, não evolui para a deterioração, Incluem-se os delírios de ciúmes, a
perseguição, as grandezas e a erotomania. Etiologia: define-se nas suas diversas
modalidades delirantes pelo seu caráter de defesa contra a homossexualidade.
(LAPLACHE E PONTALIS, 1970 apud Cromberg, 2010, p. 45)

Fréchette (1995) acrescenta que essas vivências abusivas na infância, levam o


boderline a deserdar o seu corpo. O corpo não está grounded e não contém cargas emocionais
e energéticas. Ele migra para sua cabeça que acaba dominando o corpo. A conexão entre a
cabeça e o corpo é fraca e as partes do seu corpo não combinam entre si. O borderline tenta
dominar seu corpo através de diferentes tipos de proezas e alienação do corpo. Ao retornar ao
seu corpo, são rapidamente inundados pela intensidade dos seus sentimentos, não havendo
como conter a carga emocional e a carga energética, pois não está grounded devido à fraca
conexão com as pernas, pés e chão. A respiração é habitualmente superficial. Há uma falta de
coordenação quando os movimentos involuntários aparecem. Frequentemente é como se o
corpo tivesse sido pego numa armadilha e não pudesse evitar a dor.

Com relação à formação do caráter, Volpi (2003, p. 102) considera que o borderline
desenvolve padrões de defesa esquizoide, com medo de aniquilação pelos pais. Por causa
desse medo, perde os limites, como se isso garantisse sua integridade. Do oral o borderline
captou o medo do abandono, o que o faz buscar nutrição nas relações. E também defesa
29

masoquista. Quanto às couraças, ele desenvolve bloqueios na região occiptal e no segmento


diafragmático, dividindo o corpo humano em parte superior e inferior. Uma característica
marcante do border é ter olhos intensos demonstrando a profusão de sentimentos internos

Em uma leitura corporal do borderline Fréchett (1995) observa que o borderline pode
apresentar descuido de seu corpo da mesma maneira que pode se importar demais com sua
aparência, mas de qualquer forma, aparenta não ter contorno definido do corpo e não tem
muito tônus; eles podem ser obesos ou muito magros. A couraça parece ter migrado dos
músculos para o campo energético. Existe um profundo conflito interno que causa
hipersensibilidade, rigidez defensiva e baixa autoestima.

Por essa razão, segundo Aalbese (1997, p. 128) pode-se dizer que, na bioenergética, o
Borderline tem pavor do grounding, pois ao estrar em contato consigo mesmo através do
exercício de grounding, este se deparara com um vazio apavorante, sente-se abandonado e
passa a ter medo do abandono absoluto. Uma criança sente-se abandonada ao ser privada de
algo que lhe é muito importante para sua vida, ao ser rejeitado, ofendido, ridicularizado, ao
ver seus sentimentos não reconhecidos ou postos de lado. Esta sensação de ter sido
abandonada se aprofunda quando os pais não podem reconhecer a dor da criança e responder
a ela com compaixão. A criança introjetará aos poucos a rejeição dos pais, tanto para manter
algum tipo de conexão com seus pais quanto para não entrar em contato com seus
sentimentos de abandono.

Para Volpi (2003, p.104) o trabalho corporal com o borderline tem o objetivo de
desenvolver a corporiedade e seus limites. Quanto ao aspecto energético trabalha-se melhor o
campo e depois a musculatura. Seus sentimentos negativos devem ser olhados para que supere
a clivagem entre o amor e o ódio, o bom e o mau. Com a ajuda do terapeuta, estruturar seu
corpo, a contenção, a respiração e o grounding.
30

3 ESTUDANDO UM CASO

A paciente B. E. C. L, doravante B, é do sexo feminino, brasileira, cor branca, 19


anos, solteira, estudante de curso universitário e frequentava a igreja adventista do sétimo dia.

A queixa inicial da paciente foi depressão por luto e de muita tristeza. O tratamento
recomendado foi tratamento psiquiátrico com tratamento psicológico. No ano de 2012
faleceram seus três avós. B. foi criada pelos avós maternos, a avó materna faleceu por infarto
e quatro meses depois, o avô. Um mês após o falecimento do avô materno faleceu a avó
paterna.

B. é a primeira filha do casal, sendo o esperado pelo pai um menino, e foi entregue aos
cuidados dos avós maternos, com quem habitou até os 15 anos. Quando os avós faleceram se
viu órfã. Seu tio, que também morava com seus avós, havia prometido que cuidaria dela, mas
não cumpriu o prometido e entregou B. aos seus pais. Tem duas irmãs mais novas, que
permaneceram em casa e foram criadas pelo casal. O padrão socioeconômico da família é de
classe média, o pai A.C.S.L tem 44 anos, possui negócio próprio e ensino médio e a mãe
A.E.C.L. 43 anos, possui o magistério e é evangélica da igreja Senhor dos Exércitos
(Assembleia de Deus). B. contou que o ensino fundamental foi conturbado, mas gostava das
professoras das 1ª a 4ª séries, pois achava que cuidavam dela. Das 5ª a 8ª séries estudou em
escolas distintas e reclamou que não tinha amigos. B gostaria de ajudar crianças abandonadas,
e por essa razão pretendia ser professora.

Sua mãe a culpava pela morte da avó. B. tinha muitos conflitos com seus pais,
inclusive pelo sentimento de abandono, de vazio e de que não podia contar com eles. Seu pai
não a ajudava no sustento da faculdade, sequer para os medicamentos.

A princípio, a paciente começou a apresentar crises depressivas após a morte da avó


materna. Não conseguia se desfazer das roupas da avó e se apegou a um pedaço do cobertor
dela até virar um trapinho. Apresentou uma reação negativa à separação e ao luto (de muitas
perdas em um ano), com depressão e muita tristeza.

Fez uma tatuagem para lembrar-se da avó materna, mas não conseguia ir ao cemitério
visitar o túmulo. Posteriormente fez outras tatuagens, da sobrinha e de símbolos que lhe
agradavam e significavam que sempre estariam com ela.
31

O pai proibiu-a de dirigir veículos, pois apresentava conduta imprudente com veículos,
porém B. burlava a proibição e utilizava o carro e a moto do pai sem permissão. Já se
acidentou com moto algumas vezes, e em uma delas seus pais não a socorreram, deixando-a
sozinha. Ressentia-se quando o pai permitia que seu namorado usasse a moto e ela não. B.
mantinha forte sentimento de raiva. A paciente se continha com as pessoas amigas, mas tinha
grande dificuldade no relacionamento com os familiares, com quem brigava muito, e fugiu de
casa várias vezes.

B. é muito parecida com a mãe fisicamente. São ruivas, brancas e bonitas. B.


arrumava o cabelo com topete, por vezes era engraçada, gostava de histórias de internet,
“fanpic”, de animais como hamster e cachorros.

B. tinha uma ótima memória por datas. Sabia de todas as datas de acontecimentos.
Mantinha um diário com suas lembranças tristes, mas não relia. Apresentava dificuldades em
organizar seu tempo, esquecia-se dos medicamentos quando visitava a família na casa dos
pais. Seu pai não enviava seus remédios pelo correio, B. não possuía recursos para adquiri-lo
e ficava sem tratamento medicamentoso até novo retorno à casa dos pais.

Aos 10 anos de idade, sua mãe traiu o pai e houve uma breve separação. Os pais,
enquanto separados, voltaram a se encontrar e deste encontro nasceu a 3ª filha, porém o pai
não pagava a pensão. Sua mãe, inconformada, alimentava a raiva que sentia pelo ex-marido
em suas filhas e lhe criava problemas apresentando queixas na delegacia de polícia. Houve
um episódio em que sua mãe viu seu pai com outra mulher e num acesso de raiva, atingiu o
carro que o pai tanto gostava, causando danos no veículo. B. achava a mãe “piradinha” e
“barraqueira”.

B. ingressou no curso superior em outra cidade e voltava para casa dos pais para
visitar as irmãs e sua sobrinha, mas quando isso acontecia se isolava da família, pois ainda
não tinha bom relacionamento com a mãe ou ia para a igreja para ficar com os amigos.

Sua irmã engravidou aos 16 anos com a intenção de sair de casa e foi morar com a
família do namorado. Terminado o relacionamento, a irmã retornou à casa dos pais a quem
entregou a filha para cuidarem. A paciente não se conformava com o fato da irmã entregar a
filha para seus pais cuidarem para se divertir nas baladas. B. queria assumir os cuidados da
sobrinha.
32

B. tentou trabalhar e terminar o curso, porém não conseguiu concluir o semestre por
assumir mais matérias do que suportaria ou por faltar às aulas por desinteresse e dormir
demais.

Durante a faculdade, em outra cidade, morava com estudantes universitários e recebia


uma ajuda de custo. Seus pais não a ajudavam financeiramente. Gostava dos amigos e se
apoiava fortemente neles. Mas quando brigavam, a separação lhe causava muito sofrimento e
criava um sentimento de vazio. Em uma sessão de terapia, B. veio com sua amiga de quarto
para que ela permanecesse junta no atendimento (não foi permitido).

A experiência de B. ao ser abandonada e a de estar só, gera a necessidade de fundir-se


a alguém, a um grupo ou a um objeto. E segundo Aalberse (Aalberse, in Kingel, 1997, p.
137), essa busca por fusão implica em negar a sua singularidade, a sua particularidade e a do
outro. A pessoa se perde e desaparece no outro, procurando se afastar daquilo que a assusta e
oprime, o que pode dar inicio a uma despersonalização. Ao se entregar a essa fusão, o
borderline perde a noção de si mesmo e do que quer para sua vida.

B. iniciou o tratamento psicológico com queixa de depressão em 28/07/2015, porém


havia abandonado o tratamento psiquiátrico. Retomou o tratamento psiquiátrico, mas
apresentava um comportamento instável, ora interrompendo o tratamento e a terapia
atribuindo-se alta, ora retornando ao tratamento quando entrava em momentos de crise. Tinha
dificuldades para dormir, pois ou dormia muito ou chegava ficar dois dias sem dormir. Os
seus medicamentos consistiam em remédios para depressão, para diminuir a vontade de se
matar, para o sono e para um tratamento de ovário. B. tinha ideações suicidas que ainda
permanecem. Usava a ideia do suicídio para manter as pessoas perto de si. Chegou a tomar
comprimidos tentando suicídio.

Na primeira sessão estava com muito sono, não falou muito e já na segunda sessão
falou bastante. A paciente mostrava sua depressão e luto no estágio inicial com baixa carga
energética. Tinha muito sono. Faltava às sessões e relatava que os remédios a deixavam
sedada. De início era muito difícil para a paciente participar dos exercícios.

O primeiro passo é estabelecer um contato onde o paciente possa falar sobre seus
conteúdos e elaborar suas perdas, e nesse sentido Aalbarse orienta que:

Esses estilos de vínculo proporcionam a segurança necessária de que o cliente


necessita antes que possa enfrentar o pavor da sensação de abandono ao fazer o
grounding. Só assim o terapeuta pode chegar até o nível que foi abandonado. O
33

cliente pode começar a encarar as suas ilusões, seus sentimentos de abandono e


lamentar suas perdas. Pode internalizar gradualmente imagens benignas realistas dos
outros e se engajar em tarefas inacabadas do desenvolvimento. Então, ele se torna
capaz de estabelecer vínculos mais flexíveis e maduros com as pessoas que lhe são
importantes. (...) A confrontação e o trabalho com a depressão de abandono são
aspectos essenciais do crescimento rumo a um vínculo maduro e uma percepção
unitiva. (AALBERSE, Kingel, 1997, p. 129)

Quando tentou um suicídio com atentado a vida real, a paciente relatou que a vontade
de se matar sempre existiu, e que o remédio somente diminuía essa vontade, mas não
desaparecia (ver no anexo 2 o relato da paciente sobre o episódio da tentativa de suicídio).
Ainda que o paciente decida morrer, o compromisso do terapeuta é sempre com a vida e deve
direcionar a terapia no sentido de encontrar outra solução para seus problemas. É muito útil
manter uma relação de endereços e telefones de amigos e dos pais do borderline caso
necessite entrar em contato.

B. namorava rapazes mais novos que ela. Ao término do último namoro, B. sentiu-se
rejeitada e tentou suicídio, ingerindo medicamentos em grande quantidade. Foi acudida pela
amiga e foi levada ao hospital, onde sofreu infarto. Mobilizou muitas pessoas ao seu redor até
chamarem seus pais. Queria embutir o sentimento de culpa em alguém. O suicídio para B.
tinha a função de causar culpa em outros pelo seu sofrimento. Relatou não ter se arrependido
do ato, mas ao mesmo tempo ficou aliviada por não morrer. Nota se neste fato o sentimento
ambivalente entre viver e morrer e uma grande mobilização de pessoas para salvá-la.

A paciente retornou à casa dos pais, onde ficou aos cuidados de tratamento
psiquiátrico, período em que teve que interromper a faculdade.

De relacionamentos heterossexuais passou a relacionamentos homoafetivos com várias


mulheres. Chegou ao ponto de marcar encontros com 10 parceiras ao mesmo tempo,
provocando brigas, ciúmes e rupturas amorosas. Demonstrou um comportamento destrutivo
de relacionamentos.

B. foi orientada sobre o quanto é agressivo ter muitos parceiros, pois não se ama dessa
forma e magoam as pessoas que não tem culpa da sua raiva e impulsividade.

O impulsivo não suporta carga, logo quer descarregar. Um exercício proposto pela
bioenergética é o de inspirar, segurar a respiração, contar até quatro e expirar. Este exercício
tem com premissa a de que a respiração representa a emoção. Então quando o paciente
consegue manter o ar dentro de si por poucos momentos, isto aumenta a sua tolerância a
emoção. Vão surgir conteúdos emocionais relacionados à impulsividade e a dificuldade do
34

borderline em querer soltar logo a emoção, sem pensar. No entanto, B. não gostava de
exercícios, não gostava da maioria dos exercícios para sentir.

B. diminuiu seus comportamentos impulsivos em relação aos parceiros e passou a se


relacionar com apenas uma namorada. Iniciou um relacionamento firme, cuja namorada, que
era professora do ensino fundamental da 1ª à 4ª série, apresentava um histórico de abandono
semelhante ao dela. A namorada também foi deixada aos cuidados da avó pela mãe quando
bebê e também fez tratamento para depressão. B. achava injusto o que a mãe da namorada
fizera com sua parceira. B. e a mãe da namorada não se davam bem e estava inconformada
por elas voltarem a se relacionar.

Ao contrário da paciente, sua companheira trabalhava, pretendia comprar uma casa e


gostaria que a paciente colaborasse, mas B. mal conseguia se sustentar, limpava a casa e
cozinhava para que a companheira não ficasse brava, o que não era o suficiente. A situação
ficou insustentável, pois sua parceira arcava com a maioria das despesas e na iminência de
uma separação, B. ameaçava e/ou tentava suicídio.

A paciente manipulava a companheira com as ameaças e tentativas de suicídio, para


que esta se sentisse culpada caso a abandonasse. Sua terapeuta foi acionada por uma amiga
quando B. ameaçou se matar. Sua parceira também entrou em contato com a psicóloga
solicitando auxílio em outra tentativa de suicídio. A psicóloga orientou B. a ter outras formas
de se relacionar com sua parceira. Que não era tentando o suicídio que a teria de volta e que
essa atitude já não faria o efeito desejado. Que sua namorada estava se sentindo muito
pressionada de ter que morar com alguém que não se sabe se estaria viva no dia seguinte. Que
outras formas ela poderia ter, para se relacionar melhor com sua parceira? Se B. tivesse uma
relação mais equilibrada, onde ela dividisse as despesas da casa, que tivesse mais tolerância
com a mãe da parceira ainda poderiam se relacionar. Quando se casa com alguém também se
casa com a família toda do parceiro. Passam-se as férias, natal, ano novo com a família.
Casamentos e funerais são os eventos de encontro entre famílias. E sua parceira estava
terminando com ela por que B. não suportava a mãe da namorada.

B. oscilou em tentar o suicídio e não tentar. Sua namorada levou-a para uma Unidade
de Pronto Atendimento porque B. dizia que ia se matar, que ia se cortar ou tomar remédios.
No entanto, não a atenderam, pois não havia cometido o suicídio. Após muita insistência,
sedaram B. que dormiu por um bom tempo. Terminaram o relacionamento e B. não tentou o
suicídio.
35

A história de B. é repleta de eventos estressores em seu ambiente familiar e social. B.


teve vivências traumáticas, de vínculos fragilizados, sentimentos de abandono pela sua mãe e
pai, com perdas precoces. Tinha muita raiva dos pais, sentimentos de vazio, e depressão.
Apresentou instabilidade afetiva acompanhada de ambiguidade nos sentimentos e embora
apresentasse dificuldade na manutenção de vínculos afetivos, criava uma grande dependência.
Ocorreram tentativas de suicídio com grande impacto sobre quem vivia ao seu redor e
aplicações de tatuagens para lembrar-se de entes queridos. Demonstrou intensa impulsividade,
comportamento imprudente com veículos, variedade de parceiras para relacionamentos
provocando brigas. Tinha dificuldade em aceitar limites e organizar seu tempo.

Considero que a terapia bioenergética tem como objetivo ajudar a compreender as


formas de lidar com a realidade do paciente aprendida no decorrer de sua história e apresentar
novos recursos para lidar com diversas situações baseado neste diagnostico corporal de
caráter de estagio do desenvolvimento. É na relação terapêutica que essas situações aparecem
e tentam ser reeditadas.

Quando se faz uma análise bioenergética, esta observação do caráter tem como
objetivo mostrar o estágio em que o individuo ficou fixado no seu desenvolvimento em
função de um trauma.

O que se observou é que o paciente tenta usar recursos destes estágios de


desenvolvimento ao longo da vida de forma automática e inconscientemente. Muitas vezes
um recurso infantil não traz bons resultados para uma pessoa adulta na sua conduta do dia a
dia. Isso mostra que aprendeu a se comportar assim e que lida com a realidade a partir deste
estágio de desenvolvimento em que houve o trauma.

Na terapia bioenergética usa-se a fala do paciente associada de avaliações corporais


como a leitura corporal. Esta leitura corporal engloba a análise da energia corporal, das áreas
de tensão de segmentos de couraças, do tipo de respiração e de como se posiciona no mundo
através do grounding, e assim, elaborar um diagnóstico do caráter corporal desta pessoa.

O trabalho bioenergético visa trazer a expressividade das emoções para as partes do


corpo que estão bloqueadas por alguma tensão. Esse contato com essas áreas bloqueadas
podem trazer a memória do acontecimento que causou o trauma. Assim ao se propor
exercícios corporais que movimente a pelve, podem surgir memorias relativas a
relacionamentos, pois esta é uma área onde se tem filhos, onde se é pai, onde se tem
36

relacionamentos afetivos. Ao se liberar um segmento, aparecem fantasias, memórias,


necessidades reprimidas, que podem ser elaboradas através de movimentos expressivos, como
o de falar sobre uma necessidade com a frase: eu quero! E o cliente complementa o que quer.

Este tipo de abordagem faz com que o paciente entre em contato com suas
necessidades reais e que fazem sentido para ele podendo agir conforme o que necessita. A
despersonalização acontece quando não faz sentido o que fazemos com nossa vida.

Aqui o conflito de seu caráter pode aparecer. Então o paciente pode relatar que se
precisar demonstrar seu amor por alguém ficará vulnerável a rejeição. Na análise
bioenergética percebemos que um caráter rígido reagiria dessa forma. A Bioenergética
colocaria exercícios de expressividade do amor para ajudar este caráter.

Enquanto numa análise cotidiana do terapeuta corporal se observariam dois tipos de


caráter no paciente, no caso do borderline ele oscila entre três tipos de caráter o caráter
esquizoide, oral e masoquista. Em termos de caráter, Volpi também diz que o caráter
borderline traz um desconforto na análise por que ele é diferente dos outros. Não se encaixa.

Podemos observar na paciente B. as características do caráter esquizoide, quando diz


que “voltava para casa se isolava no quarto”. Aqui aparece a característica esquizoide de
isolamento. O individuo se refugia em histórias da internet construindo um mundo a parte da
realidade em que vive. Há um baixo investimento na vida. O trauma pré-natal confere estas
características de rejeição como se não pudesse existir. Seu pai desejava um filho homem e
nasceu uma mulher. Aalberse analisa o isolamento da seguinte maneira:

Ao se isolar, nega sua necessidade de contato, esconde seus sentimentos e


necessidades do outro, se protegendo da incompreensão e da rejeição. Com o
isolamento, diminui a importância do outro para si para alguém que inexiste.
Escolher e idealizar a solidão se torna uma defesa. O outro deixa de ser uma
preocupação para si. No entanto esta é uma liberdade negativa e não uma expressão
de autonomia. (AALBERSE, 1997, p. 137)

Outra característica esquizoide encontrada é a cisão, pois B. fazia uma divisão ou


compartimentalização de sua mãe considerando-a como mãe má e a avó materna a mãe boa.
Não perdoava sua mãe e não se conformava que sua namorada perdoasse a mãe dela. Chegou
a dizer que deseja que a mãe seja a mãe má.

B. também apresentava características do caráter oral, pois “não tinha vontade de fazer
nada”, faltava à terapia, chegava atrasada. Quando se sentava na poltrona seu corpo
escorregava e ficava largado. Denotava baixa energia significando uma energia depressiva.
37

Quando convidada a fazer exercícios relatava que não conseguia. O corpo era mediano
para pequeno.

Apresentou também outras características orais, pois achava que os outros tinham
obrigação de cuidar dela, grudava nas pessoas, e não se preocupava com os sentimentos do
próximo, lhe faltava empatia.

Sua forma de falar era oral por falar muito e não conseguia fazer exercício de descarga
de raiva. Suas pernas fraquejaram quando foi pedido para bater no banquinho stool com
raquete de tênis ou torcer uma toalha e não tinha boa coordenação motora. De acordo com
Aalberse:

O grounding pode ser definido como um equilíbrio dinâmico entre dois polos:
elevar-se acima do solo e afundar-se nele”. Encontrar o ponto de contato ótimo é o
objetivo do trabalho. São duas maneiras de evitar o grounding: A primeira é
recusando-se a ficar sobre os próprios pés, dependurando-se nos outros e
responsabilizando-os pela sua existência e bem estar. A pessoa se coloca
completamente dependente, vulnerável e incapaz. Se isto falha, afunda-se no chão.
Primeiramente a sensação é de pernas extremamente pesadas. Depois se o estado se
agrava, ocorre uma desernegização das pernas, que são sentidas como de borracha e
incapazes de sustentar o corpo. Todo tônus postural é rebaixado, a pessoa
literalmente cai sobre uma pelve sem vida. Nessas condições, a tendência é buscar a
fusão com o outro; A segunda é o oposto desta. Há uma recusa a apoiar-se nos
outros, erguendo-se acima do chão para não sentir o contato com a realidade da
interdependência humana. É uma personalidade narcisista. A pessoa se eleva para
compensar uma baixa autoestima, tentando manter uma autoimagem idealizada de
alguém especial, que está acima e é melhor que os outros. (AALBERSE, 1997
p.127)

B. tinha temor pelo abandono. Nesse sentido Aalberse considera que:

na medida que vai melhorando seu grounded, o cliente entra em contato com
sentimentos aterrorizantes de abandono , componentes emocionais da depressão de
abandono que vão surgindo. A medida que a terapia progride, o cliente se move do
abandono a aceitação da solidão existencial. O cliente pode se tornar tão preocupado
com sua solidão que precise se abrir para a dimensão coletiva ou universal de sua
experiência. Manter a polaridade existencial de ser só e pertencer a algo. A
confrontação e o trabalho com a depressão de abandono são aspectos essenciais do
crescimento rumo a um vínculo maduro e uma percepção unitiva. (AALBERSE,
1997 p.127)

Keleman faz uma descrição gráfica das estruturas corporais do que ele chamaria de
estrutura em colapso explicando as deformações à forma corporal sofrida pelo transtorno de
personalidade borderline. Ele explica como a postura emocional se forma em função da
privação de nutrição emocional (Keleman, 1992, p. 150 a159).

A submissão com raiva é uma característica do caráter masoquista que B. apresentava.


No tocante às características físicas desse caráter B. não tinha cintura, sua garganta era
38

atarracada, o pescoço enterrado, denotando uma compressão nessa área, provocando tensão na
região occiptal, que pode gerar a ansiedade. Lowen (1982, p. 165/166) também descreveria
como um “corpo de gancho de açougue”, que é uma massa de tecido que se acumula
exatamente da sétima vértebra cervical, na junção de pescoço, ombros e tronco.

Apresentou reações explosivas típicas do caráter masoquistas. Provocava brigas ao


namorar várias parceiras ao mesmo tempo, pois surgiam brigas por ciúmes e questões de
lealdade. Não pensava nas consequências, nem no seu próximo, adicionando encontros para
não se sentir só.

A sua energia corporal foi percebida mais forte e tensionada nos ombros e pescoço, na
parte superior. Na parte inferior do corpo era sentido como mais fraco, com tendência para
pernas sem tônus, com pouco suporte de um exercício com carga.

A coordenação motora se apresentava com músculos de diferentes tonalidades de


tônus também indicando diferentes reações corporais em função desse tônus desorganizado.
Foi sugerido exercícios de fortalecimento muscular como pilates ou musculação, que
melhorariam a distribuição de força muscular equilibrando tônus e diminuindo a
descoordenação motora.

Atualmente, a paciente reatou o relacionamento com a namorada, após um período de


separação de muita tristeza, e chegou a tatuar a palavra “saudade” no peito. Interrompeu a
faculdade e começou a trabalhar. Consegue contribuir para custear as despesas.

O casal está mantendo reciprocidade e empatia no relacionamento. Antes sua atitude


seria a de esperar que os outros fizessem tudo por ela, hoje apresenta reciprocidade no
relacionamento. Ela já consegue cozinhar pratos mais elaborados para a namorada, que
aprendeu através do “youtube”.

B. está planejando comprar uma moto. Sua intenção era comprar uma moto de mais
cilindradas, porém reconhece que está além das suas condições e se conformou com uma de
menor potência. Sua parceira lhe fornece muita firmeza e a ajuda para que conquiste suas
coisas.

Sua irmã engravidou de outro rapaz e está morando com ele. B. tem pena da irmã
caçula, pois acha que não está sendo bem cuidada, mas B. tem evitado voltar para casa.
39

B. ainda não investe em outros relacionamentos. No momento ela só importa sua


namorada. Por outras pessoas ainda sente dificuldade de sentir ou se importar com elas. É
indiferente. Numa ocasião em que foi enterro de uma colega de infância se desesperou por
não conseguir sentir nada pela falecida e chorou por não conseguir sentir pesar pela amiga.
40

4 CONCLUSÃO

É sempre um grande desafio o tratamento em qualquer abordagem teórica sobre o


borderline. É um caso em crescente questionamento e estruturação.

O transtorno de personalidade borderline afeta a vida da própria pessoa e produz um


impacto significativo naqueles ao seu redor, e por essa razão é necessário buscar mais
compreensão sobre essa patologia, de modo a auxiliar tanto os profissionais da saúde quanto
as pessoas com quem ela convive.

Como diria Reich em seu livro, “O caráter impulsivo”, sobre o transtorno de


personalidade borderline:

A psicanálise conseguiu mostrar o quanto o ambiente, a necessidade material,


a falta de compreensão e a brutalidade por parte dos pais, numa infância
marcada por conflitos e as predisposições contribuem para formar indivíduos
doentes e corrompidos. A espécie humana se protege deles com a detenção,
que tem efeitos negativos. Se a consciência moral da espécie humana
despertar algum dia poderá lutar para consertar os danos e doenças causados
por tantos membros e cooperar no trabalho de libertação da infelicidade
neurótica em circunstancias mais favoráveis que as existentes hoje. (REICH,
2009, p. 120)

Devido às graves comorbidades e mortalidade associados à patologia, o tratamento é


difícil, complexo e de longa duração. As terapias complementares, se integradas, podem ser
um importante recurso na remissão de sintomas ou até controlar sentimentos negativos
apresentados pelo paciente.

A Análise Bioenergética, que é uma terapia complementar, é uma técnica que se


fundamenta na associação do corpo e mente, conjuntamente, que visa buscar o bem-estar e
restaurar a vitalidade corporal.

Para Volpi (2003, p.21) o resultado na bioenergética está ligado à ideia de reviver o
passado que se encontra no corpo, criando raízes na própria história promovendo o reencontro
entre o individuo e seu corpo. Quando se fala em corporiedade, na bioenergética, observa-se a
respiração, o movimento, o sentimento, a auto-expressão e a sexualidade. É através do corpo
que se chega á liberdade, a graça e á beleza. A liberdade é ausência de restrição nos
sentimentos e nas sensações, a graça é a capacidade de se expressar e a beleza é a harmonia.
Lowen (1982, p. 37) assim resume a terapia corporal, afirmando que [...] “a vida de um
indivíduo é a vida de seu corpo”.
41

Este trabalho foi uma tentativa de abordar a bioenergética no tratamento de uma


paciente portadora do Transtorno de Personalidade Borderline.

Embora a paciente não tenha conseguido realizar a postura do grounding e os


exercícios da bioenergética propostos, ora por desinteresse e falta de vontade, ora por receio e
medo, ou pela falta de tônus muscular, ainda vislumbro a possibilidade de se aplicar as
técnicas de bioenergética, de maneira gradativa e paulatinamente, em algumas
particularidades apresentadas pela paciente, tais como a depressão e a impulsividade.

Um bom suporte familiar, social e institucional pode contribuir para a integridade


física e psicológica. No presente caso, é necessário integrar um planejamento assistencial
adequado à família da paciente.

Ademais, dada à complexidade da patologia entendo que mais estudos são necessários
para a sua compreensão e orientação.
42

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44

YIN, Roberto K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 2ª Ed. Porto Alegre. Editora:
Bookmam. 2001.
45

6 ANEXOS

ANEXO I

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Eu,......., fui informada a respeito do objeto de estudo e concordo em


participar da atividade acadêmica proposta por Edna Kazue Uemura, aluna do Curso de
Bioenergética do Instituto Ligare de Presidente Prudente.

Estou ciente de que é uma atividade didática, e fui informada de maneira


clara e detalhada do objetivo deste estudo, bem como esclareci minhas dúvidas.

Meu consentimento é voluntário e poderei cessar o processo a partir de


minha comunicação.

Autorizo a utilização das informações por mim prestadas, as atividades


desenvolvidas e os resultados obtidos na literatura científica, resguardadas as normas de sigilo
e anonimato.

Este termo de consentimento encontra-se impresso em duas vias, sendo


que uma via foi entregue a mim e a outra será arquivada pela aluna responsável.

Presidente Prudente, 10 de junho de 2019

_____________________________________

PACIENTE (RG)

_____________________________________

ALUNA: EDNA KAZUE UEMURA


46

ANEXO II – RELATO DA PACIENTE

Primeira tentativa de suicídio

31/08/16- Quarta-feira, 20h50min.

Acordei, era aula de didática, detestava aquela aula, então faltei. Levantei da cama
depois do almoço para ir para o estágio no colégio A., fiquei até às 5 da tarde e depois fui
direto para o consultório da psicóloga, seria a minha primeira consulta depois de muitos
meses.

Uns dias antes pedi para que voltássemos a terapia, pois como sempre, estava afetando
a minha faculdade de novo. Quando cheguei ao consultório, o dia tinha sido normal, tão
bonito, passei o dia na escola, o lugar que eu mais adorava ficar, nenhum tipo de pensamento
tinha passado pela minha cabeça o dia todo.

Eu só sei que a consulta seria de apenas uma hora, mas viraram exatamente 3 horas.
Durante o tempo todo da consulta eu falava que não tinha mais vontade de viver e que me
mataria caso eu mandasse mensagem para meu ex-namorado e ele não quisesse mais nada
comigo. Mas eu falava de uma forma tão comum, tão natural, que qualquer pessoa que
ouvisse, não acreditaria que eu estava falando sério.

Na questão do ex-namorado: eu não o amava, e sim, a ideia de ter “a vida perfeita”


com alguém da igreja. Foi eu quem terminou o namoro de quase dois meses, eu não queria,
mas quando vi que ele não se importava e caiu a ficha de que fui rejeitada, de que tudo que
eu tinha planejado não ia ser mais possível, entrei em desespero, fiquei péssima, quis sumir,
queria que ele me quisesse de volta, mesmo sabendo lá no fundo que nem de homem eu
gostava, porém não me aceitaria nunca.

O ritmo da conversa foi sobre isso o tempo todo, parecia que eu estava dopada, como a
psicóloga mesma disse, mas eu não tinha tomado remédio nenhum, acho que eu só tinha
desistido da vida mesmo.

Na época, fazia pouco tempo que eu tinha feito 20 anos.

Saí do consultório as 20h30 e fui direto para a residência, cheguei as 20h50, já tinha
mandado a mensagem e ele não se importou, disse que eu podia me matar se quisesse. Depois
disso sentei na cama com uma garrafa de água e bebi por volta de 100 comprimidos, logo em
seguida mandei fotos dos remédios vazios e só disse: eu fiz. Ela me mandou vomitar, passar o
47

telefone para alguém e eu apenas ignorei e desliguei o celular. (eu tinha que mostrar que ela
não podia duvidar de mim). Não passou 5 min e o remédio começou a fermentar no meu
estômago, então logo corri para o banheiro, não consegui segurar o vômito. Só lembro de
estar sentada no chão do banheiro abraçada ao vaso enquanto vomitava e um telefone fixo me
ligou, atendi, já estava dopada, então não respondia mais por mim. Era a psicóloga, ela pediu
que eu passasse o telefone para alguém e eu o fiz.
48

ANEXO III – TESTE


49

ANEXO IV - MOTVIVAÇÃO
50
51

V – ANAMNESE
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