5 - Psicologia Da Personalidade Infantil
5 - Psicologia Da Personalidade Infantil
5 - Psicologia Da Personalidade Infantil
PSICOLOGIA INFANTIL
DA PERSONALIDADE
INFANTIL
PSICOLOGIA DA PERSONALIDADE INFANTIL
Sumário
Desenvolvimento da personalidade nos primeiros anos de vida ........................ 3
1
FACUMINAS
2
Desenvolvimento da personalidade nos primeiros
anos de vida
É possível observar diferenças individuais relativas ao temperamento do
indivíduo desde muito cedo. Os bebês, por exemplo, experimentam emoções
de diversos tipos, esboçadas em reações de agrado ou desagrado diante das
situações. De acordo com Hidalgo e Palácios (1995), essas reações globais
dão passagem para emoções específicas que vão aparecendo
progressivamente ao longo do primeiro ano de vida – inicialmente, a alegria e o
mal-estar, depois a cólera e a surpresa e, finalmente, o medo e a tristeza.
Assim, alegria, aborrecimento, surpresa, ansiedade, medo e tristeza são
emoções básicas possíveis de serem observadas em todas as crianças
durante a primeira infância.
3
primeiro momento, podem esconder suas emoções em determinadas
situações, mas não são de todo eficazes, pois estão agindo mais conforme o
que seus pais lhes ensinam do que de acordo com uma estratégia de
dissimulação bem compreendida. Num segundo momento, a partir dos cinco ou
seis anos, parecem compreender realmente a diferença entre uma emoção real
e uma emoção expressa, sendo conscientes de seus estados mentais e
conseguindo esconder, deliberadamente, seus sentimentos com objetivo de se
ajustar às normas sociais.
4
mais complexa. Não há, para esta faixa etária, um padrão comportamental
consistente como há para o adulto.
5
O temperamento pode ser conceituado como a qualidade das respostas
emocionais da criança. É mensurado na infância e tem a tendência de se
manifestar em traços mais específicos, sendo influenciado pelos componentes
biológicos ou genéticos mais do que pela experiência (Caspi, 2005). Para
Strelau (1998), o temperamento consiste em uma característica formal do
comportamento, sendo expresso através do nível de energia e de fatores
temporais. São traços básicos e relativamente estáveis, presentes desde cedo
nas crianças. É primariamente determinado por mecanismos biológicos e, ao
longo do tempo, está sujeito a mudanças causadas tanto pela maturação
quanto pela interação do indivíduo com o ambiente.
6
A literatura, porém, não aponta uma distinção clara entre os termos
temperamento e personalidade infantis, que são tratados muitas vezes como
conceitos sobrepostos (Rothbart &Bates, 1998; Shiner & Caspi, 2003). Para
Teiglasi (1995), o contraste entre os dois conceitos é obscuro, pois apresentam
um vocabulário descritivo semelhante, havendo também uma carência de
dados capazes de diferenciá-los com base em fatores biológicos. É possível
elencar três formas de sobreposição ou relacionamento apontados na literatura
entre os conceitos temperamento e personalidade: 1) o temperamento pode ser
considerado como um dos elementos da personalidade; 2) como seu sinônimo;
3) ou como um fenômeno totalmente independente da personalidade (Strelau,
1991, como citado em Hofstee, 1991).
7
as categorias do temperamento na infância. Para estes autores, o
temperamento é um atributo que interage com outros, mas mantém sua
independência. O estudo longitudinal começou em 1956 e foram observadas
100 crianças nos Estados Unidos. A coleta de informações a respeito das
crianças se fez principalmente por meio do relato dos pais e professores e a
partir da observação direta das mesmas. Nove categorias foram analisadas a
partir das informações coletadas: nível de atividade; ritmicidade;
aproximação/afastamento; adaptabilidade; limiar de resposta; intensidade da
reação; qualidade do humor; distração; duração da atenção e persistência. A
partir destas categorias foi possível classificar as crianças em três grupos
distintos: a) temperamento fácil: humor positivo, responde adequadamente à
novidade e à mudança, tem horários regulares de sono e alimentação, sorri a
estranhos, adapta-se facilmente a novas situações e rotinas e aceita melhor as
frustrações; b) temperamento difícil: humor negativo, chora alto (e também ri
alto), responde mal à novidade e mudança, aceita lentamente novos alimentos,
é desconfiada com estranhos; c) temperamento de aquecimento lento: reações
de intensidade moderada, ora positiva, ora negativa, responde lentamente à
novidade e mudança, resposta inicial negativa e moderada a novos estímulos.
(Chess & Korn, 1982; Thomas & Chess, 1990).
8
que o temperamento pode ser medido nos primeiros meses de vida e exerce
influência sobre aspectos do comportamento da criança. Contudo, o
temperamento não é o único fator que influencia o comportamento. Outros
fatores como estados motivacionais do indivíduo, estruturas de conhecimento e
as expectativas influenciam igualmente e intervêm no desenvolvimento. A
pesquisadora avalia o temperamento da criança a partir da sua resposta a
estímulos sensoriais e propõe algumas dimensões que podem sofrer alteração
ao longo do tempo. Tais dimensões classificam-se em: a) reatividade negativa:
aversão à aproximação e expressão de sentimentos negativos; b) reatividade
positiva: aproximação e expressão de sentimentos positivos; c) comportamento
inibido diante de estímulos novos e intensos; e c) capacidade de manter a
atenção (Rothbart, 1981, como citado em Rothbart & Bates, 1998).
9
temperamento refletem tendências mais comportamentais; b) há uma ênfase
na origem biológica do temperamento e na sua continuidade com a
personalidade que será formada ao longo do tempo; c) há uma tendência a se
centrar o estudo do temperamento no período da infância devido à ideia de que
nessa fase a relação entre temperamento e ambiente é menos complexa; d) o
temperamento se refere a diferenças individuais mais do que a características
gerais de uma espécie. Mas há também divergências fundamentais entre as
principais teorias, que instigam o desenvolvimento de novas pesquisas: a) os
teóricos postulam distintos critérios para definir o temperamento, como por
exemplo: estilos de comportamento, reações emocionais ou estabilidade da
conduta; b) os teóricos também divergem no momento de definir as dimensões
que são consideradas como temperamento. Há um consenso para as
dimensões nível de atividade e a emocionalidade, mas nem todas as
dimensões propostas são aceitas por todos os teóricos; c) a maioria dos
investigadores do temperamento está de acordo que este é um componente da
personalidade, mas divergem ao estabelecer os limites entre estes dois
conceitos.
10
A Teoria dos Três Superfatores de Hans Eysenck
O motivo da inclusão de um tópico específico sobre a teoria dos Três
Superfatores proposta pelo pesquisador Han Eysenck se deve ao fato de a
construção do questionário para avaliação do temperamento em crianças pré-
escolares realizada nesta pesquisa basear-se neste modelo.
11
Gardner & Campbell, 2000; Flores-Mendoza & Colom, 2006; Pervin & John,
2004).
12
antissocial, não-empático, criativo e obstinado. Sujeitos com
escores baixos neste fator apresentam características contrárias e
são definidos pelo controle de impulsos.
13
ficarem superestimados mais facilmente, procuram ambientes mais tranquilos e
com menos estimulação. O contrário ocorre com sujeitos extrovertidos,
caracterizados por uma menor atividade no SARA e, portanto, buscam ativação
no ambiente. Em relação ao Neuroticismo, as diferenças dependem de níveis
de atividade do sistema nervoso autônomo (SNA). Indivíduos neuróticos
caracterizam-se por níveis mais elevados de ativação e por limiares mais
baixos no SNA. Há poucos dados referentes aos mecanismos biológicos do
fator Psicoticismo, mas sabe-se que o mesmo associa-se ao sistema de
ataque-fuga pertencente à malha cortiço-amigdalar, ou circuito do medo. Dessa
forma, sujeitos com alto Psicoticismo apresentam baixa atividade no córtex pré-
frontal, o que gera agressividade e impulsividade, bem como apresentam uma
dificuldade de experimentar o medo, o que está vinculado à falta de empatia
(Campbell et al., 2000; Eysenck, 1992; Juan-Espinosa, 2006).
14
métodos diversos de avaliação são necessários para fornecer informações
mais confiáveis e válidas da personalidade da criança.
15
No tocante ao grau de concordância entre o relato dos diferentes
informantes sobre a criança, tem-se, de acordo com revisão realizada por De
Fruyt e Vollrath (2003), uma alta correlação entre relatos de pais e mães, bem
como uma alta correlação entre o relato de professores. Já a correlação entre o
relato de pais e professores, apresenta-se como moderada.
16
temperamento: 1) Força de Excitação: maneira como o indivíduo reage à
estimulação; 2) Força de Inibição: capacidade do indivíduo de inibir um
comportamento quando necessário; 3) Mobilidade: habilidade do indivíduo em
responder adequadamente às mudanças ambientais. Destaca-se também o
trabalho de Fermino Sisto (Sisto, 2004), que desenvolveu a Escala de Traços
de Personalidade para Crianças (ETPC), tendo como base o modelo de
estruturação da personalidade proposto por Hans Eysenck. A ETPC avalia
quatro fatores da personalidade em crianças de 5 a 10 anos de idade, num
questionário de auto relato: Neuroticismo, Psicoticismo, Extroversão e
Sociabilidade.
17
A primeira hipótese sustenta a ideia de uma base comum entre os dois
construtos. Tal base seria o nível de estimulação cerebral (arousal), conceito
presente em vários modelos do temperamento, como o modelo EASI de Buss e
Plomin, ou a busca por sensação de Zuckerman. O nível de estimulação
cerebral é reportado como um forte influente na eficácia do aprendizado e
como uma medida dos traços de temperamento relativos à necessidade de
estimulação - como o nível de atividade ou a busca por sensações. D.
Robinson e Behbehani (1996) investigaram a relação entre a inteligência e o
nível de estimulação cerebral e concluíram que este último exerce influência
sobre os recursos de atenção e memória de trabalho.
18
ocidental. Nesse caso, características temperamentais ligadas à
emocionalidade negativa prejudicariam a execução de tais tarefas (Miklewska
et al. 2006).
Tal divergência nos achados foi explicada por Lemelin et al. (2006), que
sugeriram que o nível elevado de atividade no início da infância (aos nove
meses) pode servir para organizar a estimulação, eliciar a interação adulto-
criança e permitir que as crianças fiquem alertas às diferentes dimensões do
ambiente. Porém, se o nível elevado se mantiver (a partir dos quinze meses)
pode acabar obstruindo estes processos.
19
mostra-se interessante, posto que a literatura nem sempre apresenta relações
robustas entre temperamento e cognição - as correlações normalmente variam
de fracas a moderadas. Os dados sugerem que estas características podem
contribuir, em interação com outras variáveis, para uma parte da variância no
funcionamento cognitivo.
20
que a associação entre temperamento e desempenho acadêmico é mediada
por variáveis como sexo, nível de instrução dos pais, nível socioeconômico e
vocabulário da criança. Porém, estes autores constataram, em pesquisa com
pré-escolares, que o temperamento permanece como um preditor do
desempenho acadêmico mesmo quando essas terceiras variáveis são
controladas. De acordo com estes autores, as habilidades numérica e
linguística estão positivamente associadas com atenção; negativamente com a
emocionalidade negativa; e não apresentam correlação significativa para
soothability (capacidade de se acalmar) e sociabilidade. As habilidades
emergentes no aprendizado da leitura e escrita, além das habilidades
aritméticas foram relacionadas também com a educação parental e extensão
do vocabulário das crianças. Os resultados revelaram que temperamento –
principalmente a emocionalidade e o nível de atividade – prediz habilidades
linguísticas e numéricas. Estas duas características temperamentais foram
consideradas, pelos autores, como as que apresentam a mais forte ligação
com o sucesso escolar. Conclusão similar foi reportada por Matheny (1989), ao
observar que o nível de energia e a emocionalidade podem contribuir para as
diferenças individuais na forma como a criança absorve o material ensinado no
contexto escolar.
21
(Coplan et al., 1999). Sisto et al (2004b) também observou, em crianças de 7 a
9 anos, que as meninas obtiveram índices maiores de Neuroticismo e
Psicoticismo em relação aos meninos, não sendo encontradas diferenças
significativas para a Extroversão.
DESENVOLVIMENTO DA PERSONALIDADE DA
CRIANÇA: O PAPEL DA EDUCAÇÃO INFANTIL
Quando nasce uma criança, que responsabilidades seu nascimento
agrega à vida dos pais e à sociedade que a cerca? Como devem ser
organizadas suas condições de vida e educação? Quais as suas necessidades
presentes e futuras? Que capacidades ela formará ao longo da vida? Como
educá-la para que seja sujeito de seus atos, consciente de seu posicionamento
e lugar no mundo?
22
Buscaremos, assim, apresentar alguns princípios que consideramos
fundamentais para a compreensão do desenvolvimento da personalidade das
crianças pequenas, a partir dos pressupostos da Teoria Histórico-Cultural.
Entendemos que o diálogo que aqui travamos com os autores que nos ajudam
a refletir sobre o tema sob essa perspectiva pode ampliar-se em/para outros
espaços, contribuindo para que professores e professoras tomem ciência de
quanto - ainda que muitas vezes de maneira pouco intencional - interferem na
formação da personalidade infantil e sobre como o entendimento desse
processo pode tornar mais desenvolvente (Davídov, 1988) a sua atuação junto
às crianças. Assim, compreendemos que a discussão conceitual sobre o
desenvolvimento da personalidade e, sobretudo, sobre a interferência que o
processo educativo exerce sobre ele constitui temática importante à formação
de professores e professoras que atuam ou atuarão em creches e pré-escolas.
Acreditamos ser imprescindível, ao lado da observação atenta das crianças, o
aprofundamento das leituras, dos estudos e debates protagonizados pelos
professores e professoras que trabalham nesses espaços, já que na sua
prática se concretiza a produção de currículos específicos da e para a
Educação Infantil (Carvalho, 2011; Brasil 2009a), o que lhes possibilita
contribuir para ampliar e qualificar positivamente o modo pelo qual meninos e
meninas se relacionam com o mundo a seu redor, com as pessoas, e nesse
processo, como constroem progressivamente a compreensão de si mesmos.
23
Sabemos que, com base no Materialismo Histórico-Dialético, o
movimento e a contradição constituem categorias essenciais à explicitação dos
fenômenos. Vigotski3 e seus colaboradores embasaram todo o seu construto
teórico nesta filosofia. Com base neste ponto de vista, compreendemos que o
desenvolvimento humano envolve, em movimento contínuo, duas forças que,
se do ponto de vista do senso comum se mostram contraditórias e
independentes, são, para a Teoria Histórico-Cultural, essencialmente inter-
relacionadas: as forças sociais e as forças biológicas. De acordo com Vygotsky
(1931/2013a),
24
personalidade, uma vez que essas se formam na e pela atividade (Bissoli,
2005).
25
integradas, caracterizam a forma peculiar de cada indivíduo atuar no mundo. É
um sistema estável. Assim, a personalidade desenvolvida caracteriza-se por
determinadas reações unívocas aos acontecimentos (relativa unidade de
comportamentos, reações do indivíduo ao que acontece no seu entorno) e por
valores unitários. Isso significa que ela não é meramente reativa às situações.
Uma pessoa com personalidade madura tem consciência de suas
possibilidades, dos motivos de sua conduta, e acima de tudo, pode dominar
ativamente seu comportamento.
26
Diferentemente de outras abordagens, a Teoria Histórico-Cultural tem
como um de seus pressupostos que o desenvolvimento da personalidade não é
natural, mas histórico e social, ou seja, depende da integração do indivíduo,
desde os primeiros momentos de vida, na sociedade, que é repleta de
exigências, expectativas e costumes. Por isso as regularidades que
caracterizam a formação da personalidade desde a infância até a vida adulta
são – como o são todas as esferas do desenvolvimento da pessoa sob essa
mesma óptica–, resultantes do intercâmbio entre as peculiaridades do
desenvolvimento psicofisiológico da criança e de seu desenvolvimento cultural
(Vygotski, 1931/2013a). É na atividade social que a personalidade se configura.
27
SOBRE O DESENVOLVIMENTO DA PERSONALIDADE NA
INFÂNCIA
Ao nascer, a criança é imediatamente inserida nas relações sociais:
todas as suas necessidades são atendidas pelo adulto, que se torna o centro
das atenções do bebê. O carinho, a atenção e a fala constante com a criança
criam nela uma necessidade socialmente mediada: a necessidade de novas
impressões (Bozhovich, 1981), isto é, a necessidade de ver mais, ouvir mais,
tocar mais e ser mais tocada. É importante lembrar que, no bebê, os aparatos
visuais e auditivos não estão ainda completamente desenvolvidos. É o
enriquecimento das impressões visuais e auditivas que contribui para que a
evolução orgânica dos sentidos aconteça de forma satisfatória. Por isso,
quanto mais ricas forem as vivências da criança com o adulto - que se torna o
mediador dos primeiros contatos sensoriais do bebê com o mundo à sua volta -
, mais positivo será o desenvolvimento físico e emocional nesse primeiro
período de vida.
28
Assim, conversar com a criança, mostrar a ela os objetos e as pessoas,
tomá-la no colo, tocá-la de maneira carinhosa são formas de comunicação
mediadas afetivamente que sofisticam a percepção e promovem o
desenvolvimento funcional do cérebro através do enriquecimento das
impressões sobre o mundo e as pessoas e da possibilidade de o bebê realizar
as suas primeiras formas de generalização: as generalizações sensoriais.
Basta recordar a unidade sensório-motora que caracteriza o primeiro ano de
vida. A percepção acontece à medida que o bebê atua sobre os objetos à sua
volta, em interação constante com o adulto. Cabe lembrar que é justamente
essa interação o motivador principal do desenvolvimento intelectual e afetivo do
bebê. Assim, conhecendo quanto o trabalho educativo sistematizado e
intencional pode impulsionar o desenvolvimento das crianças desde muito
pequenininhas, podemos compreender a importância de que na Educação
Infantil, desde o berçário, os bebês sejam cuidados e educados por
professores e professoras (Brasil, 2009a, 2009b).
29
conversar com os bebês sobre os objetos que manipula e reconhece – que
devem ser variados e atrativos –, mais estará contribuindo para incrementar o
seu pensamento.
30
dá mostras de que sua personalidade está em vias de passar por uma
completa transformação.
31
importância fundamental na formação da personalidade. O autor afirma que
nossas memórias mais antigas em relação à primeira infância têm origem a
partir do momento em que linguagem e pensamento deixam de ser processos
independentes e passam a constituir um único processo, mediado pelos
significados das palavras – que passam a ser o substrato tanto da forma como
pensamos o mundo quanto da forma como expressamos nossa compreensão
dele (Vygotsky, 1931/2013a).
32
consciência dos pais e dos professores sobre a importância desse momento
crítico, que representa uma virada no desenvolvimento da criança, é
fundamental para evitar as crises (Vygotsky, 1932/2013b), que acontecem
quando há uma profunda diferença entre aquilo que a criança já é capaz de
fazer e o que efetivamente lhe é permitido pelos adultos. Neste contexto, se
não é possível deixar que a criança resolva tudo por si mesma, o adulto pode
apresentar opções para que ela faça escolhas. O importante é que ela assuma
uma nova posição nas relações, que não seja mais tratada como um bebê e
que exercite, na medida do possível, a sua autonomia. Assim, se as condições
de vida e de educação incentivaram a sua condição de sujeito em
desenvolvimento, com voz e vez, esta autonomia resulta das vivências
anteriores da criança, nas quais ela foi desenvolvendo a fala, o andar, a
memória, as percepções em geral e a percepção de si mesma. Cabe recordar
que sua relação com o entorno mudou proporcionalmente ao desenvolvimento
de suas capacidades. Ela é capaz de compreender os fatos e a si mesma de
maneira inteiramente nova, e nessas condições, o adulto tem o papel essencial
de evitar crises, permitindo que a criança assuma novos papéis nas relações
com as pessoas (Leontiev, 2010).
33
possibilidade de realizar ações com objetivos indiretos; a representação
simbólica, que permite o uso de objetos substitutivos para representar objetos
reais; a consciência, primeiro afetiva e cada vez mais racional de si como
pessoa que, além de realizar ações, também participa de relações como um
“eu social” (Bozhovich, 1987, p. 264); a subordinação de motivos, que permite
que a criança hierarquize suas ações e atue segundo essa hierarquização; a
formação de instâncias éticas internas (Vygotski, 1932/2013b), que possibilitam
que a criança diferencie o querer do dever e, no jogo, atue conforme as regras,
apropriando-se das normas e valores sociais. Com todo esse desenvolvimento,
que é cognitivo e afetivo, integradamente (Gomes, 2008), agora, ao brincar, a
criança imita os papéis sociais dos adultos que pôde observar em suas
experiências reais de vida. Ela representa simbolicamente as atividades
realizadas por eles, desenvolvendo, progressivamente, suas formas de
compreender o mundo, as pessoas e a si mesma.
Por outro lado, algo precisa ser lembrado: embora tenham importância
essencial, os jogos de papéis não são os únicos responsáveis pelo
desenvolvimento de todas as aprendizagens importantes da criança na
Educação Infantil. O seu envolvimento em outras atividades, que desenvolvam
a sua capacidade expressiva e o seu conhecimento do mundo, das pessoas e
dos objetos sociais tem um papel fundamental. O desenho, a oralidade, o
movimento que promove a consciência corporal, a pintura, a modelagem, os
conhecimentos matemáticos, a música, a escrita e a leitura também assumem
grande importância na formação das capacidades intelectuais, práticas e
34
artísticas e no desenvolvimento da personalidade. Disso decorre a necessidade
de que a criança esteja envolvida em atividades diversificadas e significativas,
que instiguem a sua curiosidade e a afetem positivamente e, nesse sentido,
mobilizem-na para se apropriar dos objetos culturais, desenvolvendo suas
funções psíquicas superiores. Neste contexto, o trabalho do professor
enquanto pessoa que, ao propor situações que possibilitem a ampliação das
necessidades de conhecer e de se expressar das crianças, diversifiquem e
enriqueçam as suas atividades, torna-se essencial para o desenvolvimento da
personalidade infantil (Zaporóshetz, 1987).
35
(1991, citado por Mészáros, 2008), depositar em cada homem toda a obra
humana que o antecede, tornando-o efetivamente humano.
36
criança com o seu entorno social. A escola da infância tem um papel
fundamental na qualificação desses processos quando realiza um trabalho
pedagógico marcado pela intencionalidade e sistematicidade.
37
culturalmente elaborados; os jogos possuem regras convencionadas; os
movimentos possuem significados consolidados ao longo da história, assim
como a música, a pintura, a escultura, o desenho, as ciências. Mediar significa,
então, promover o encontro da criança com o uso social para o qual um objeto
existe. Assim, cada criança não precisa reinventar o conhecimento. O processo
por intermédio do qual ela aprende é um processo de apropriação/objetivação
do existente (Duarte, 1993). Aprender significa saber como utilizar os objetos
em sua função social, conhecendo-os e pensando sobre eles de forma cada
vez mais autônoma. Neste processo, conhecer a si mesma e conhecer as suas
próprias possibilidades. Neste sentido o professor exerce um trabalho
fundamental: o de atuar com a criança, de forma que ela perceba os usos dos
objetos culturais e amplie seus conhecimentos acerca dos saberes e fazeres
humanos; o de organizar situações para que as crianças, em interação, ajam
de forma a interferir nas aprendizagens umas das outras a partir de
conhecimentos prévios, tendo em vista a elaboração de novas e mais
complexas formas de compreensão, que advêm das relações com a cultura
historicamente acumulada nos objetos e nos saberes e fazeres humanos. O
mais importante é que, pela mediação do adulto, a criança esteja sempre em
atividade (Leontiev, 2010): que ela esteja sempre motivada pelo resultado das
ações que desempenha e, desta forma, esteja envolvida física, intelectual e
emocionalmente com o que realiza.
38
usos e os costumes) e as possibilidades não cotidianas e mais complexas de
atuação humana (Heller, 1977, 2008). A creche e a pré-escola são espaços-
tempo de aprender e de expressar-se; espaços-tempo de viver plenamente
cada momento do desenvolvimento sem buscar antecipá-los (Zaporóshetz,
1987) ou aguardá-los passivamente como se fossem um processo autônomo,
natural; espaços-tempo de criação e de ampliação de necessidades
humanizadoras, capazes de motivar as atividades da criança e, nesse
processo, possibilitar o desenvolvimento de novas formas de compreensão e
de ação sobre os objetos e de novas relações com as pessoas, enfim,
espaços-tempo de desenvolvimento da personalidade.
REFERÊNCIAS
Andrade, A.A.C. (2006). Estudo longitudinal das diferenças individuaisno
Transtorno do Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH). Dissertação de
mestrado, Universidade Federal de Minas Geais, Minas Gerais, Brasil.
39
Coplan, R.J, Barber, A.M., & Lagacé-Séguin, D.G. (1999). The role of
child temperament as a predictor of early literacy and numeracy skills in pre-
schoolers. Early Childhood Research Quarterly, 14, 537-55. Juan-Espinosa, M.
(2006). Bases Biológicas da Personalidade. In. Carmem Flores et al.
Introdução à psicologia das diferenças individuais. (pp. 263-299). Porto Alegre:
Artmed, 2006.
Laidra, K., Allik, J., Harro, M., Merenäkk, L. & Harro, J. (2006).
Agreement Among Adolescents, Parents, and Teachers on Adolescent
Personality. Assessment, 13(2), 187- 196.
Maziade, M., Côté, R., Boutin, P., Bernier, H., & Thivierge, J. (1987).
Temperament and intellectual development: A longitudinal study from infancy to
four years. American Journal of Psychiatry, 144, 144–150.
Measelle, J.R., John, O.P., Ablow, J.C., Cowan, P.A., & Cowan, C.P.
(2005). Can Children Provide Coherent, Stable, and Valid Self-Reports on the
Big Five Dimensions? A Longitudinal Study from Ages 5 to 7. Journal of
Personality and Social Psychology, 89(1), 90-106.
40
Miklewska, A., Kaczmarek, M., & Strelau, J. (2006). The relationship
between temperament and intelligence: Cross-sectional study in successive
age groups. Personality and Individual Differences, 40, 643-654.
Coplan, R.J, Barber, A.M., & Lagacé-Séguin, D.G. (1999). The role of
child temperament as a predictor of early literacy and numeracy skills in pre-
schoolers. Early Childhood Research Quarterly, 14, 537-55.
41
42