Oficinas Terapêuticas Com Música em Saúde Mental

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Revista Contexto & Saúde

Editora Unijuí
Programa de Pós-Graduação em Atenção Integral à Saúde
http://dx.doi.org/10.21527/2176-7114.2018.34.15-19

Oficinas Terapêuticas Com Música


em Saúde Mental
Elisiane Damasceno Marques Nascimento1, Vivian Lemes Lobo Bittencourt2,
Carolina Renz Pretto3, Cátia Cristiane Matte Dezord4, Sabrina Azevedo Wagner Benetti5
Eniva Miladi Fernandes Stumm6

RESUMO
Objetivo: Discutir sobre a utilização de oficinas terapêuticas com o uso de música para indivíduos em sofrimento psíquico
em um Centro de Atenção Psicossocial. Método: Relato de experiência realizado por uma enfermeira e uma psicóloga em
um Centro de Atenção Psicossocial com 40 usuários, que participam das oficinas de música juntamente com as profissionais
responsáveis. Resultados: O uso da música para fins terapêuticos mostrou-se efetivo. Ocorreram manifestações dos usuários
referentes à sensação de bem-estar, raciocínio, expressão corporal, integração com os demais participantes e melhora do
vínculo com a equipe técnica. Discussão: Redefinir o objeto de trabalho implica repensar os meios de intervenção, e adotar
tecnologias que respondam ao projeto proposto e que possibilitem momentos de intersecção de sujeitos. Essas ações certa-
mente contribuem no sentido de potencializar a interação entre usuário e trabalhador, saberes e representações, de maneira
democrática e respeitosa. A música exerce influência psicológica sobre o comportamento do indivíduo. Ela possui a capacida-
de de reconstruir identidades, integrar pessoas por meio de seu poder de inserção social e redução da ansiedade, melhorar
a autoestima, além de funcionar como importante meio de comunicação. Conclusões: A experiência vivenciada promoveu a
amplitude do conhecimento acerca das ações e promoção da qualidade de vida dos usuários e do incentivo da capacitação
de profissionais técnicos para aperfeiçoar na prática clínica do processo de reabilitação psíquica dos usuários assistidos.
Palavras-chave: Serviços de saúde mental. Enfermagem. Música.
THERAPEUTIC OFFICES WITH MUSIC, IN MENTAL HEALTH
ABSTRACT
Objective: Discuss therapeutic workshops with the use of music, for individuals in psychological distress, in a Psychosocial Care
Center. Method: Experience report performed in by a nurse and a psychologist a Psychosocial Care Center, with 40 users parti-
cipating in the music workshops, along with the professionals responsible. Results: The use of music for therapeutic purposes
was effective. Users’ manifestations related to the sensation of well-being, reasoning, corporal expression, integration with the
other participants and improvement of the link with the technical team. Discussion: Redefining the work object involves re-
thinking the means of intervention, adopting technologies that respond to the proposed project and that allow moments of in-
tersection of subjects. These actions certainly contribute to maximize the interaction between user and worker, knowledge and
representations, in a democratic and respectful way. Music exerts psychological influence on the behavior of the individual. It
has the ability to rebuild identities, integrate people through their power of social insertion and reduction of anxiety, improves
self-esteem, and functions as an important means of communication. Conclusions: The lived experience promoted the amplitu-
de of the knowledge about the actions and promotion of the quality of life of the users, and of the incentive of the qualification
of technical professionals to improve in the clinical practice of the process of psychic rehabilitation of the assisted users.
Keywords: Mental health services. Nursing. Music.

Recebido em: 15/1/2018


Aceito em: 24/4/2018

1
Enfermeira. Especialista em Enfermagem em Saúde Mental. lisinascimento12@gmail.com
2
Enfermeira. Mestre em Atenção Integral à Saúde. Docente no curso de Graduação em Enfermagem na Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das
Missões, campus Santo Ângelo. vivillobo@hotmail.com
3
Enfermeira. Mestre em Atenção Integral à Saúde. carol_pretto14@yahoo.com.br
4
Mestre em Atenção Integral à Saúde. Docente no curso de Graduação em Enfermagem na Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do
Sul (Unijuí). catiacmatte@yahoo.com.br
5
Enfermeira. Mestre em Atenção Integral à Saúde – Unijuí/Unicruz. Especialista em Gestão e Saúde no Sistema Prisional – UFMG e Gestão em Saúde: Práticas
Coletivas – URI. sabrina.benetti@hotmail.com
6
Enfermeira. Doutora em Ciências-Enfermagem pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Docente permanente no Mestrado PPGAIS na Universidade
Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí). eniva@unijui.edu.br

Editora Unijuí – Revista Contexto & Saúde – vol. 18, n. 34, jan./jun. 2018 – ISSN 2176-7114 p. 15-19
Vivian Lemes Lobo Bittencourt – Elisiane Damasceno Marques Nascimento – Carolina Renz Pretto
Cátia Cristiane Matte Dezord – Sabrina Azevedo Wagner Benetti – Eniva Miladi Fernandes Stum

INTRODUÇÃO estudo tem como objetivo discutir sobre a utilização


de oficinas terapêuticas com o uso de música para in-
No campo da saúde mental, desde o Movimen- divíduos em sofrimento psíquico em um Caps.
to da Reforma Psiquiátrica Brasileira, tem-se ampliado
a participação de usuários em discussões que envol- METODOLOGIA
vem questões relativas às políticas em saúde mental,
com o intuito de oportunizar ações inovadoras (NETO; A presente pesquisa é um estudo de natureza
AMARANTE, 2013). Assim sendo, cabe ao profissional descritiva, tipo relato de experiência. É caracterizada
de saúde que atua nesse cenário o uso de estratégias como uma pesquisa descritiva em razão de apresen-
humanizadas que envolvam equipe, usuários em so- tar uma reflexão sobre uma ação, ou um conjunto que
frimento psíquico e família, de maneira a fortalecê-los aborda uma situação vivenciada no âmbito profissio-
para o enfrentamento do processo de adoecimento nal (CAVALCANTE; LIMA, 2012).
mental. Foram realizadas oficinas com música com 40
Os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) inte- usuários de um Caps, com idades entre 40 e 50 anos.
gram a rede de atenção à saúde e assistem pessoas As oficinas foram realizadas duas vezes na semana du-
em sofrimento psíquico e seus familiares, constituin- rante dois meses, totalizando 18 encontros de uma
do-se em serviços reguladores da assistência em saú- hora cada. Os encontros foram conduzidos por uma
de mental. Oficinas terapêuticas, conforme o mode- enfermeira e uma psicóloga.
lo assistencial de saúde mental proposto pela Lei nº Conforme o redirecionamento do modelo assis-
10.216, de 6 de abril de 2001, constituem-se em uma tencial de saúde mental proposto pela Lei nº 10.216,
das formas de tratamento oferecidas nos Caps (BRA- de 6 de abril de 2001, as oficinas terapêuticas são
SIL, 2012). Os profissionais do Caps, por meio de ati- uma das formas de tratamento oferecidas nos Caps,
vidades terapêuticas expressivas e oficinas, expandem serviços considerados hoje como reguladores da as-
cotidianamente o uso da arte no processo de cuidar e sistência em saúde mental (BRASIL, 2001). Mediante
escutar, por meio da criação de novas possibilidades
as atividades terapêuticas expressivas e oficinas, os
existenciais para o sujeito (LIMA; VIEIRA; SILVEIRA,
profissionais do Caps expandem cotidianamente o uso
2015).
da arte no processo de cuidar, por meio do estabeleci-
Os Caps são serviços estratégicos propostos mento de novas possibilidades existenciais para o su-
pela reforma psiquiátrica e possuem diretrizes de jeito (TAVARES; SOBRALI, 2005).
atendimento com base comunitária (BERNARDI; KA-
Essas oficinas tinham como principal objetivo a
NAN, 2015). Constitui-se em um local aberto, que as-
promoção de interação e convivência entre os usuá-
siste as pessoas pelo Sistema Único de Saúde (SUS),
rios e os profissionais, com a utilização da criatividade
com equipe técnica e integrada, a qual desenvolve
artística como atividade e a oferta de um espaço que
atividades por meio de um plano terapêutico indivi-
propicia a troca de experiências. As oficinas terapêu-
dual, aplicado aos usuários. As modalidades de aten-
ticas propõem à pessoa em tratamento psiquiátrico a
dimento podem incluir oficinas terapêuticas, as quais
sua inserção em ações que possam, com o desenvol-
englobam artesanato, pintura em tela, jogos, música,
atividades físicas, culinária e terapia em grupos. ver de atividades artísticas e artesanais, ampliar seus
meios de comunicação e, assim, recuperar a sua cida-
No espaço das oficinas, a música auxilia na
dania (RAUTER, 2012).
construção ou no resgate de algumas histórias dos
usuários em sofrimento psíquico e funciona como
DESCRIÇÃO DA EXPERIÊNCIA
disparadora de memórias, contribuindo para o alívio
da ansiedade e do estresse, favorecendo a reflexão A vivência foi realizada em um Caps a partir da
(FRANZON et al., 2016). organização de oficinas de música coordenadas pela
A enfermagem é uma arte que tem por base o enfermeira e pela psicóloga do serviço. O espaço
cuidado com o outro, em busca de desenvolver um onde ocorreu as oficinas é amplo e climatizado, com
trabalho humanizado e direcionado à prevenção do o intuito de proporcionar um ambiente agradável aos
sofrimento psíquico. Além disso, os resultados deste participantes. A oficina iniciava com canções e, no
trabalho podem ser importantes por favorecerem a decorrer, os usuários eram orientados a tocar algum
reflexão sobre os benefícios da música como alternati- instrumento. Aqueles que já possuíam conhecimento
va na melhora psíquica dos usuários de um Caps. Este musical auxiliavam os demais. Buscava-se dar liberda-

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Oficinas Terapêuticas Com Música em Saúde Mental

de aos usuários para a escolha das canções e ritmos, A oficina terapêutica na lógica da atenção psi-
para que cada um desenvolvesse estímulos musicais cossocial é um modelo inovador para o processo de
conforme sua condição física e psíquica. tratamento da doença mental. Ela permite a projeção
As ações consistiram em atividades artísticas, de conflitos internos e/ou externos dos sujeitos por
meio de atividades artísticas, de maneira a valorizar o
artesanais, com acesso ao convívio e comunicação,
potencial criativo, imaginativo e expressivo do usuário
com a finalidade de recuperar sua cidadania. Na exe-
(AZEVEDO; MIRANDA, 2011).
cução das oficinas priorizou-se o trabalho com o uso
da música. Inicialmente, a oficina era realizada nas Atualmente, a música e seus elementos con-
tribuem no sentido de favorecer a expressão sonora.
manhãs de segunda-feira; gradativamente, com a ade-
Para ampliar fronteiras internas são utilizados o som,
são dos usuários, o número de participantes aumen-
o ruído, o silêncio, as intensidades em frequências
tou e foi necessário ampliar os dias de oferta da ofici-
regulares e irregulares, constantes e inconstantes, es-
na de música. Atualmente, são realizadas às segundas táveis e instáveis, definidas e indefinidas, afinadas e
e quartas-feiras com 40 participantes em tratamento desafinadas. A música é um instrumento terapêutico
psiquiátrico; homens e mulheres com média de 45 complementar, capaz de promover um ambiente mais
anos de idade. tranquilo e acolhedor, além de propiciar relaxamento,
Na experiência ora vivenciada nas oficinas pro- entrega e escuta. A utilização da música motiva resul-
postas, evidencia-se que os usuários participantes de- tados positivos por não ser realizada isoladamente,
monstraram e referiram bem-estar, melhora do racio- mas inserida no planejamento junto a outras medidas
cínio, expressão corporal, integração com os demais terapêuticas, tornando perceptível a contribuição des-
participantes e aumento do vínculo com a equipe téc- se recurso (AVELINO et al., 2014).
nica. Durante as oficinas de música, os instrumentos A música exerce influência psicológica sobre o
utilizados sempre eram de escolha dos usuários, com comportamento do indivíduo. Ela possui a capacida-
certa flexibilidade do coordenador do grupo. Nesse de de reconstruir identidades, integrar pessoas por
contexto, observou-se que as seleções de instrumen- meio de seu poder de inserção social e redução da
tos e meios a serem utilizados nas intervenções musi- ansiedade, melhora a autoestima, além de funcionar
cais baseavam-se na criatividade do profissional que como importante meio de comunicação. A música in-
as realizava. Os instrumentos variaram de acordo com tegra elementos históricos, sociais e culturais das pes-
soas, de modo que é importante considerar a indivi-
o interesse do usuário, preferencialmente instrumen-
dualidade de cada participante (SILVA et al., 2013).
tos de cordas, como violão, violino, cavaquinho, tecla-
do e de percussão, ou aparelhos musicais como, CD Oficinas terapêuticas desenvolvidas em uma
player e rádio. instituição de saúde proporcionaram um clima agra-
dável, com compartilhamento de sentimentos e com
A maioria dos participantes da oficina de mú- questões relativas ao estado psíquico trabalhadas. A
sica apresentou alegria no semblante no horário da música promove a criação de um ambiente terapêu-
mesma. Percebe-se que a relação do profissional com tico, no qual o usuário sente-se valorizado e acolhi-
os usuários é fortalecida, facilita o desempenho do do, além do sistema convencional de atendimento à
trabalho, diminui a ansiedade e sofrimento, no mo- saúde. Nesse contexto, a realização de uma oficina de
mento em que é executada a atividade, por alguns mi- música no ambiente terapêutico no campo da saúde
nutos todos parecem se transportar às letras que as mental proporciona uma gama de respostas. A dispo-
canções expressam. sição dos usuários é refletida ou provocada pelos pa-
drões musicais, mediados pelo contexto cultural e pe-
DISCUSSÃO las experiências anteriores com a música, isto é, pelo
fator aprendizagem (RADOCY; BOYLE, 2012).
Redefinir o objeto de trabalho implica repen- O Caps deve se constituir em território existen-
sar os meios de intervenção, adotar tecnologias que cial que possibilite reinventar a vida em seus aspectos
respondam ao projeto proposto, que rompam com a diários, pois é no cotidiano que pessoas com trans-
organização médica do serviço e possibilitem momen- tornos mentais se encontram privadas de liberdade
tos de intersecção de sujeitos. Essas ações certamen- e são nominadas de doentes mentais. As atividades
te contribuem no sentido de potencializar a interação funcionam como catalisadoras existenciais em que os
entre usuário e trabalhador, saberes e representações, usuários podem reconquistar ou conquistar o seu co-
de maneira democrática e respeitosa (RAUTER, 2012). tidiano. Quanto às atividades terapêuticas, igualmen-

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Vivian Lemes Lobo Bittencourt – Elisiane Damasceno Marques Nascimento – Carolina Renz Pretto
Cátia Cristiane Matte Dezord – Sabrina Azevedo Wagner Benetti – Eniva Miladi Fernandes Stum

te devem se constituir em espaços de produção de em sofrimento psíquico conseguiram se expressar em


subjetividades, com diálogo, interação, reciprocidade diferentes formas, seja verbal ou não verbal, e que
e vínculo (RAUTER, 2012). tiveram como resultado principal a redução do sofri-
Observou-se que, no momento em que as can- mento vivenciado.
ções eram entoadas, os usuários cantavam, dançavam Avalia-se que, no decorrer das oficinas, evi-
e apresentavam traços de alegria em suas faces, e pro- denciou-se aspectos positivos do uso da música, tais
duziam composições próprias com expressões verbais como tomadas de decisão quanto à opção por de-
que ilustravam suas vivências naquele ambiente. A terminados instrumentos, leveza nos movimentos,
mudança que a música proporciona na vida das pes- expressão facial, habilidades técnicas e socialização.
soas tem sua subjetividade e depende do ponto de Elas cumprem a finalidade de reabilitação psicosso-
vista de cada um e do momento que a pessoa vive; cial, promovem ambientes de reconstrução de papéis
cada um tem sua história, que sempre será única, sociais, intercâmbios e trocas com os espaços sociais
pessoal e original (MENDES et al., 2015). Pesquisa no externos ao Caps.
Estado de São Paulo, em 80 Caps, mostrou que, em Construir este relato foi importante por ampliar
44 desses centros, ocorrem oficinas de música. As conhecimentos sobre essa atividade que vai além e
respostas acerca dos estímulos vivenciados nas ofici- que nos remete à promoção da qualidade de vida dos
nas foram expressos com emoções, afetos, destreza usuários e que requer da equipe que atua em CAPS
técnico-musical, integração social e familiar (SALVA- capacitação com vistas a aperfeiçoar a prática clínica
DOR, 2013). no processo de reabilitação e reinserção dos usuários
As oficinas em Saúde Mental podem ser con- na sociedade.
sideradas terapêuticas quando possibilitam aos
usuários dos serviços um lugar de fala, expressão e REFERÊNCIAS
acolhimento. Além disso, avançam no caminho da
reabilitação, pois exercem o papel de um dispositivo AVELINO, D. C. et al. Trabalho de enfermagem no centro de
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construtor do paradigma psicossocial. Nesse sentin-
vista de Enfermagem da UFSM, Santa Maria, v. 4, n. 4, p.
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dos Caps potencializam subsídios para a instituição ou
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