Dist Cristaos Novos

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Junho 2001 Semestral Volume 10

Veja nesta edição

Minha História
Os Judeus do Papa
Judaizante e Hebraísta
O Mistério do Pe. Sanctos Saraiva

Inês Henriques de Leão


e sua parentela

Bandeirantes e Cristãos-Novos
em Curitiba

ainda nesta edição:


Obituário e outras notícias

Um perfil do banqueiro Raphael Mayer:


benfeitor esquecido
Raphael Mayer, 1894-1978
Editorial
om dia, leitor (a). Antes de qualquer outra coisa que se escreva, vamos confirmar, este é o décimo número que lançamos. Nossa numeração
B anterior, seguiu alguns padrões acadêmicos, o que nos tirou a clareza da sequência numeral. Assim confirmamos: este é o décimo número de
Gerações/Brasil ! O que temos a oferecer? Algumas biografias de pessoas que gozaram prestígio em vida e depois foram sendo esquecidas. É o
estranho caso do Padre Sanctos Saraiva, um português de origem cristã-nova que viveu em vários lugares do Brasil, até abjurar a batina. O outro é
Raphael Mayer, um judeu-italiano que foi banqueiro no Brasil, filantropo, ajudou muitas pessoas e entidades, e depois desapareceu como que por
encanto. Nós recuperamos as histórias destes dois personagens incomuns. Trazemos também um artigo sobre os “judeus do Papa”, ou seja os judeus
do Comtat Venaissin (França), que por viverem numa cidade papal, obedeciam leis especiais, forjando uma identidade peculiar. Outros dois artigos
são de muito valor: num deles, Rubens R. Câmara, analisa didaticamente o processo inquisitorial de Inês Henriques de Leão, seguindo todos os passos
processuais, da entrega da prisioneira até o seu julgamento. Inês Henriques pertenceu a importantes troncos cristãos-novos portugueses, basta dizer que
um de seus primos afastados era...Baruch de Espinoza ! Falando em primos, Ricardo Costa de Oliveira, traz um ensaio sobre uma família paranaense
que descende de um bisavô de Antonio José da Silva, “o Judeu”. Como se vê, apesar de não obedecermos a uma pauta pré-estabelecida, estamos
comemorando, ao nosso modo, os 500 anos de Brasil. Uma bom proveito deste nosso esforço é o que desejamos aos nossos leitores.
Todos Nós!

O “Conde” Raphael Mayer,


um benfeitor quase esquecido
Anna Rosa Campagnano

Raphael Mayer, Italian (1894-1978) was a self made man of meteoric success in Brasil. He arrived here in the
early century. Here he built a carreer becoming an important banker, contemporary with Getulio Vargas and
Oswaldo Aranha, President of the UN General Assembly at the time of the creation of the State of Israel. As the
racist laws of Italy were implemented, he helped many refugees with his money and influence.

história de Raphael Mayer, também conhecido como Raffaele


A Mayer, um judeu triestino que emigrou para o Brasil em 1926, apre-
senta fatos interessantes que são, em parte, difíceis de seguir em uma
certa sequência, devido à falta de dados suficientes2. Mesmo estando
ainda vivos sua filha, Lia Lustosa, que tem dois filhos, Fernanda e Jonas,
e a filha de seu irmão Mario, Edda Bergmann, atual presidente da
B’nai B’rith, as lembranças são fragmentadas. A documentação, por
outro lado, é rica: diplomas honorários, atestados de contribuições finan-
ceiras às mais variadas obras de beneficiência, tanto judaicas como
católicas, títulos nobiliários, fotografias, etc. Através dessa documenta-
ção, portanto, aparece a figura de Raphael Mayer como a de um homem
que, do nada, tornou-se uma personalidade pública, aproveitando-se
desse fato não somente em benefício próprio, mas também para auxiliar
a comunidade judaica em geral, o seu país de origem, e o Brasil.
Comecei a conhecer sua história através de um outro sobrinho,
Giulio Mario Guglielmi, filho de Renzo e de Gina Guglielmi (ambos
já falecidos), irmã de Edda. Giulio conta que seu tio Raphael chegou ao
Brasil a bordo de um navio do Lloyd de Trieste, onde trabalhava como
comissário de bordo. Chegando ao Brasil, encantou-se com este país,
decidindo aqui ficar. Parece que, com um primo, Carlo Mayer, ou com
um amigo, abriu um bar em São Paulo, mas não teve sucesso. Empre- no Brasil”, editado em 1936 pela SEI (Sociedade Editora Italiana) em
gou-se então como office-boy no Banco Ítalo Brasileiro. Este banco São Paulo. O período mais brilhante do banco foi aquele no qual se
havia sido fundado em 1924 com o nome de Banca Popolare Italiana, e fizeram as subscrições “Pro Patria” , por ocasião da guerra da Itália na
sua sede ficava em um elegante edifício no número 25 da Rua Álvares Abissínia (região central da Etiopia), em 1935/36. Com a anexação da
Penteado. Um dos diretores o viu um dia, enquanto lustrava os bronzes região africana ao território italiano, a Itália foi punida por 52 nações
do portão de entrada. Após fazer-lhe algumas perguntas, percebeu que com severas sanções econômicas. As subscrições “Pro Patria” foram
ele era muito inteligente e estava sendo desperdiçado naquele tipo de feitas nos países onde havia uma grande porcentagem de imigrantes
trabalho, e promoveu-o a contínuo. italianos. A subscrição “Pro Patria” foi inaugurada no dia 1º de abril de
Com o passar dos anos, fez uma belíssima carreira, até chegar a 1935 pelo Conde Francesco Matarazzo, que ofereceu a enorme soma de
diretor superintendente do banco. Esta sua posição está mencionada à mil contos de réis. Com a entrada do Brasil na guerra, em 1942, o banco
pág. 513 de um velho livro, “Cinquenta anos de trabalho dos italianos passou a chamar-se Banco Nacional da Cidade de São Paulo, trans-

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ferindo-se para uma sede própria situada na rua São Bento, no centro da depois um segundo título, “Commendatore”, de outro nobre “bizan-
cidade. Várias empresas eram sócias do banco, como a Superga, de tino”, Vito Zappalà-Lascaris di Dorilea, “III General e Grão Mestre
artefatos de borracha, a Copam, de armações para óculos, a Certo, de da Ordem Internacional da Legião de Honra da Imaculada”, em
produtos alimentícios, famosa especialmente pela produção de óleo Palermo, a 8 de dezembro do mesmo ano. Culminou, nessa sucessão de
vegetal, a Uva, que produzia o vinho Centauro, o Laboratório Biosin- títulos bizantinos, sendo nomeado “Conde”, em 1951, por Teodoro
tético, a Tecelagem Taquara, uma firma de tecidos que fabricava voal, e Costantino Augusto Giulio Angelo Flavio, Marziano II, “pela graça de
muitas outras. Mayer também foi diretor da Lacta, cujo proprietário era Deus Imperador Titular de Constantinopla e de todo o Oriente
Assis Chateaubriand, diretor administrativo dos Diários Associados e Romano”.5 O seu brasão condal é assim descrito: “de prata o leão de
também da Rede Tupi. vermelho, com a faixa azul atravessada, gravado com três meias-luas o
Tendo enriquecido, Raphael Mayer foi morar em uma casa sun- campo”.
tuosa no bairro da Aclimação, na rua Pandiá Calógeras, cujo jardim Foram muitas as entidades auxiliadas por Raphael Mayer, entre
tinha vinte mil metros quadrados. Ele também usava a casa para dar elas o Hospital Israelita Albert Einstein, o Lar dos Velhos, e a Sinagoga
recepções e festas, através das quais consolidava antigas relações e da Abolição. Em muitas das entrevistas que fiz com judeus italianos em
fazia novas, que lhe serviam tanto para seus próprios negócios, como São Paulo que haviam fugido das leis raciais de julho de 1938, Raphael
para obras de beneficiência. Através dessas festas, por exemplo, ele Mayer é mencionado várias vezes como uma pessoa sempre pronta a
conseguiu vender muitos bônus do Estado de Israel que, em 1954, ajudar os seus correligionários nos primeiros e difíceis momentos de
concedeu a ele e a sua mulher o título de “Guardian of Israel” (Guar- adaptação no Brasil. Edda Bergmann, por exemplo, conta que seu pai,
dião de Israel). Era amigo de Getúlio Vargas e de membros de sua Mario Mayer, era funcionário da Banca Commerciale Italiana. Decidiu
família, os quais frequentemente, de passagem por São Paulo, emigrar para o Brasil após a decretação das leis raciais, impelido pelo
hospedavam-se em sua casa. Parece que, muitas vezes, ele financiou fato de que, em 1938, seu irmão, Raphael Mayer, havia alcançado uma
o governo Vargas, chegando a ser conhecido como o banqueiro de posição tal que lhe permitia ajudá-lo a emigrar e, quando chegasse, a
Vargas. Seu sobrinho, Bruno Levi, lembra de ter participado de encontrar-lhe trabalho. Ele conseguiu emprego na firma Superga, de
algumas dessas festas, onde estavam presentes personalidades da São Paulo. Como Edda conta, Raphael era amigo de Getúlio Vargas e,
política, da indústria e da alta sociedade, tais como membros da família ainda antes que fossem promulgadas as leis raciais, Oswaldo Aranha e
Vargas, Oswaldo Aranha, Negrão de Lima, Tancredo Neves, Assis João Briccolo, diretor do banco do qual Raphael havia se tornado
Chateaubriand, etc. É interessante notar, salienta Bruno Levi, que de proprietário, pediram a Mario Mayer que fosse encontrá-los em Berna.
todos estes personagens, o único que não era anti-semita, e o demons- Nessa ocasião, Mario Mayer foi informado das futuras leis, e con-
trava através de seus jornais, era o Assis Chateaubriand. vencido a emigrar para o Brasil. Quando o navio Conte Grande atracou
O relacionamento com todas essas pessoas e entidades políticas, em Recife, Raphael Mayer e Oswaldo Aranha, com as respectivas
nacionais e internacionais, que sem dúvida ajudava a política externa esposas, o estavam esperando e, todos juntos, viajaram para o Rio de
do Brasil, está evidenciado nos vários documentos e honrarias recebi- Janeiro e depois para Santos. A família de Edda ficou hospedada na
dos por Raphael Mayer, entre os quais podemos citar: um salvo-con- casa de Raphael até conseguir acomodações apropriadas.
duto emitido pelo Palácio da Presidência da República, assinado por Ettore Baroccas conta... “quando o Brasil entrou na guerra,
Benjamin Vargas, irmão do presidente, expedido em 23 de maio de precisaram transferir a firma para um brasileiro e escolheram para
1944, nomeando Raphael Mayer “Guarda Pessoal”, com livre acesso isso o administrador da mesma, o qual os enganou, tendo eles per-
ao palácio; o diploma de membro efetivo do Serviço de Saúde da dido tudo6. Então, Leone Baroccas deixou o seu trabalho por conta
Aeronáutica, expedido pelo Ministério da Aeronáutica em janeiro de própria e, com a ajuda de Raphael Mayer, foi trabalhar como em-
1941; o Diploma de Honra ao Mérito Rural, concedido pelo Instituto pregado em seu banco e, em seguida, em uma firma de tecidos”.
Brasileiro de Propaganda e Defesa do Café. Lembramos que a po- Laura Salmoni, esposa de Giuseppe Levi, em um depoimento feito
lítica de defesa do café foi, a partir de 1938, uma das bases da política no arquivo da memória, diz: “tínhamos um primo no Brasil, Raphael
econômica de Vargas; a medalha Marechal Cândido Mariano da Sil- Mayer, que era proprietário, em São Paulo, de um banco (Banco Ítalo
va Rondon, que lhe foi outorgada em novembro de 1959 pela Socie- Brasileiro) e da fábrica de chocolates Lacta”. Esse primo empregou seu
dade Geográfica Brasileira, os diplomas que lhe foram concedidos marido primeiro na Lacta, para que se familiarizasse com a lingua
pela União Cultural Brasil-México; pelo Instituto Brasil-Honduras; portuguesa, e depois o mandou para Jaú, distante aproximadamente 100
pelo Instituto Cultural Brasil-Mônaco, com o agradecimento de S.A kms de São Paulo, como diretor de uma das filiais do banco.
S. Ranier III; pela Asociación Panamericana de Intercambio Cul- Bruno Levi citou-lhe várias vezes. Ele conta, por exemplo, sobre a
tural, da Bolívia, com direito ao uso da Cruz de Mérito; uma medalha ajuda oportuna do tio, certa vez em que estava para ser expulso do
da Fundación Internacional Eloy Alfaro, do Panamá; muitos diplo- Colégio Dante Alighieri. Nesse colégio, na época fascista, vigorava a
mas e agradecimentos de entidades católicas, provavelmente em obrigação, instituida pelo diretor Attilio Venturi, de fazer a saudação
decorrência de financiamentos concedidos por seu banco. fascista ao entrar. Bruno se recusava a fazê-lo e, denunciado, sem a
Os imigrantes italianos bem-sucedidos financeiramente, buscavam ajuda de Raphael Mayer teria sido obrigado a mudar de escola. Porém
títulos que pudessem ajudá-los a ingressar na sociedade brasileira. ele permaneceu na mesma e foi dispensado de fazer a saudação, que,
Procuravam diferenciar-se dos imigrantes comuns adquirindo títulos para ele que vinha de uma família que fugira do regime nazi-fascista,
nobiliários. Os mais ricos buscavam o Vaticano ou a Casa de Savóia e, era ultrajante. A obrigação dessa saudação na escola havia sido abolida
em troca de ricas doações, recebiam títulos condais (Matarazzo, Crespi, por ordem expressa do Presidente da República, em abril de 1938.
Siciliano, etc.). Como era impossível para Mayer receber um destes Evidentemente, o diretor da escola não havia seguido as ordens. De fato,
títulos, ele aproximou-se de nobres italianos que alegavam descender da como consta em um artigo do Jornal da Manhã de 11 de março de
nobreza bizantina e tinham o direito de conferir títulos. Em 15 de 1939, (que encontrei no arquivo do Ministério do Exterior em Roma), a
fevereiro de 1947, na cidade de Nápoles, ele foi elevado à condição de ordem foi novamente repetida, após a inspeção feita na escola pelo prof.
“Comendador” por Antonio de Curtis dei Griffo-Focas, “Príncipe Eusébio de Paula Marcondes. Desta vez, o prof. Venturi assegurou que
Imperial de Bizâncio, Porfirogenito3 da Estirpe Constantiniana dos “respeitaria, com profunda lealdade, as leis do país”.
Griffo-Focas, Grão-Mestre Hereditário da Ordem Soberana Militar No livro inédito de Umberto Beer, “Va fuori d’Italia”7, na pá-
Angélica Constantiniana”. Esse “príncipe bizantino” era ninguém menos gina 4, está escrito: “... um dia, enquanto eu estavano escritório do
que o comediante Totó4, neto ilegítimo de um marquês e que dois anos sr. Farina, do Banco Francês e Italiano para a América do Sul, apro-
antes fora reconhecido como membro dessa estirpe. Mayer recebeu ximou-se sorridente o sr. Raphael Mayer, diretor do Banco Ítalo Bra-
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MAYER LEVI MORPURGO

Jona Mayer Regina Valenzin Girolamo Levi Elvira Guttman Abramo Leonello Morpurgo Maria Zoé Morpurgo

Rafael Mario
Emma Giuseppe Giuditta Vittorio Mario Elio Carlo Alberto
Nora Adele Liliana
c. Hans Rosenthal
Lya Silvana Guido
Franca Finzi
Edda Bergman Gina

Giulio Guglielmi Bruno Nora


c. Anna c. Giuseppe
Kulikovsky Anaw
Fernanda Lustosa Jonas
Marilia Livio Paolo

sileiro, que me ofereceu um lugar em sua firma. E eu aceitei e come- 4 O comediante Totó teve uma vida plena de lances rumorosos. Ele
cei a trabalhar. (Este sr. Mayer teve grande importância em minha nasceu como filho ilegítimo de uma jovem trabalhadora e de um
vida, como veremos em seguida. Ele era uma das personalidades moço pertencente à nobreza, recebendo o nome de Antonio Clemen-
importantes do setor bancário: infelizmente, por negócios errados, te, porém, com o casamento de sua mãe, ele foi reconhecido pela fa-
ele decaiu muito na escala financeira...Para recomeçar a trabalhar, mília paterna, tomando o nome de Antonio Maria de Curtis dei
fui novamente ajudado pelo sr. Mayer, o qual me ofereceu a direção Griffo Focas (Nápoles, 1898 – Roma, 1967), herdando assim os tí-
de uma pequena fábrica de caixas de papelão que, por estar quase tulos nobiliárquicos pertencentes aos seus ancestrais. Mas Totó fêz o
falida, o banco de Mayer havia adquirido. Essa firma havia sido seu nome e fortuna como comediante em vários filmes.
agregada a uma outra indústria de propriedade do banco, a COPAM 5 Até os reis sem reinos são biografados. Foi difícil mas encontra-
(Cia. Paulista de Artefactos de Metal), que fabricava armações de mos a biografia deste obscuro Marziano II, “Basileus Titolare di
celulóide para óculos”. Costantinopoli, Despota di Nicea e della Bitinia, Gran Duca, Se-
Se sua vida profissional foi, até certo ponto, plena de satisfações, bastocratore e Patrizio Bizantino, dei Basilei di Trebisonda,
não se pode dizer o mesmo da familiar. Raphael Mayer casou-se, em Sovrani di Cefalonia e dell´Asia Minore, Erede Porfirogenito,
setembro de 1941, com Emília Frioli, filha do adido cultural italiano em Principe Imperiale e Reale Lascaris-Doukas, Gran Capo della
São Paulo. Ele teve três filhos Alberto Jonas Mayer, que morreu com Casa Lascaris, Dinastia IX del S.R.I d´Oriente...” Ele nasceu ita-
apenas sete anos, de tuberculose; Raphael Mayer Junior, que teve liano em 17 de março de 1921, filho de Olga e Prospero Gottardo
morte violenta aos vinte e três anos e Lia Mayer Lustosa que vive Lascaris Ventimiglia Lavarello di Turgoville, professor de Direito
atualmente com dois filhos, Fernanda e Jonas, ambos estudantes e Oficial do Exército montenegrino. Sua genealogia (???) inclui
universitários. um rio, uma ninfa, os Giulli (de Júlio César) e a dinastia bizantina
Edda Bergmann mostrou-me um livro que Raphael Mayer man- dos Lascaris, mas nenhuma soberania sobre qualquer palmo de
dou imprimir por ocasião da morte do filho Jonas. Trata-se de uma terra nos últimos quinhentos anos. Dele há uma fotografia no
obra sobre o Talmud, intitulada: artigo citado. V. “Imp. Casa “Lascaris” (Relig. Cattolica). Sua
Altezza Imperiale Marziano IIº”, em “Anuário Genealógico
Seleção de Máximas, Parábolas e Lendas8 Latino”, do Coronel Salvador de Moya, vol. 2, 1950, pp. 3-16.
Em memória do inesquecível Alberto Jonas, que teria sido 6 Por lei, durante a guerra, de 1942 a l945, todos os bens que esta-
educado com a orientação espiritual do Talmud. Aos meus caros vam no nome de cidadãos do Eixo Roma-Berlim-Toquio, foram
filhos Lia e Raffaele, aos quais indico o Talmud como mestre intelec- temporariamente confiscados.
tual para a formação de uma alma perfeita. 7 O general Umberto Beer, nasceu em Ancona e morreu em S. Paulo
Ao Brasil, terra bendita, na qual encontrei Pátria, Família, Paz. (1896-1979), era filho de Ercole e Adelaide (Camerini) Beer. Foi
A morte do segundo filho perturbou profundamente Raphael ajudante de ordens do rei Vítor Manuel III e era um dos soldados
Mayer, que começou a perder o interesse pelo trabalho e pela polí- mais condecorados do Exército Italiano. Deixou inédita suas memó-
tica. Mas manteve o banco até o fim do governo de Jânio Quadros. rias: “Và Fuori D´Italia, Doce Pinceladas de Umberto Beer”.
Com a renúncia do mesmo, desgostoso com os altos e baixos da polí- 8 Organizada por Moisés Bilinson e Dante Lattes. Tradução de
tica, vendeu a sua empresa para o grupo Bradesco. Vicente Ragognetti. Com dedicatória de Raphael Mayer. Edigráfi-
ca São Paulo – Rua de Nascimento, 114, São Paulo
Notas
2 Raffael Jedidia Mayer, nasceu em Trieste (20-08-1894), filho de Jona Anna Rosa Campagnano, autora de “A árvore de Avraham” (1991), dire-
e Regina (Valenzin) Mayer, e faleceu em S. Paulo (22-09-1978). tora do Arquivo Histórico Judaico Brasileiro, prepara uma dissertação de
mestrado sobre o bagitto (dialeto dos judeus livorneses) na USP.
3 Filho do Imperador.

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Meus Ancestrais — os “Judeus do Papa”
Jean-Jacques Leopold Monteux

I n the XIV century, Avignon, France was the headquarters of the Popes and until 1791 it belonged to the
Catholic Church. The jews who came from this town were subject to peculiar legislation, they became
known as “the Pope’s jews”. Jean-Jacques Leopold Monteux one of the descendants of these families
tells the story of the group, identifying people and their customs.
A Genealogia, mais que um passatempo, mais que uma pesquisa-é um
tributo; é um ato de amor aos nossos ancestrais.
vocar a historia dos Judeus do Papa é relembrar a história milenar do
Eaconteceu
próprio judaismo . Retrocedamos para o ano 66 D.C. quando
a primeira guerra entre judeus e romanos; Jerusalem é tomada
por Tito em 70 d.C.; o Templo é destruido tem inicio a segunda diáspora.
Lendas e antigas tradições orais nos dão conta de três barcos com exi-
lados judeus que são lançados ao mar. Errando pelo mar Mediterrâneo
aportam ao acaso na costa sul da então Gália — atual França —
iniciando deste modo as primeiras implantações judaicas em solo gaulês.
Essa lenda adquire um contôrno de realidade quando em 1967 junto à
cidade de Cavaillon, em Provence , é descoberto um candelabro de sete
ramos, que de acordo com H. Morestin “trata-se do mais antigo
testemunho de uma presença judaica em Gália”, que pelo seu estilo é
datado da segunda metade do primeiro século e cuja peça ,é hoje con-
servada no museu judaico daquela cidade. A população judaica do sul
da França sempre se baseou nessa lenda para provar a sua presença na
região desde os tempos mais remotos. René Moulinas em sua obra “Les
Juifs du Pape” cita uma petição endereçada em 1808 a Napoleão pela
comunidade judaica de Avignon:
“O estabelecimento de israelitas em Avignon remonta aos
tempos mais antigos e não se distancia muito da época de sua
dispersão após a queda de Jerusalém; duas familias existem ainda,
que são descendentes daqueles primeiros hebreus”
Leopold Jacob Monteux, circa 1920
O primeiro registro formal da presença judaica nessa região , na
região de Provence, data de 1178 quando por um ato do Imperador constituirem ainda em “ghetos”. Relacionamentos entre judeus e ca-
Frederico I do Sacro Império Romano Germânico que detinha o tolicos eram rigorosamente proibidos e sujeitos a severas punições.
poder sobre as terras da região, a comunidade judaica de Avignon é Essas medidas, no entanto, eram muitas vezes quebradas pelos seus
colocada sob a proteção do bispo local. Após reinados e impérios do- próprios autores, ou seja , por papas e cardeais que recorriam sempre
minando a região, são os condes provençais que no século XIII que necessário aos serviços prestados pelos talentosos médicos ju-
detem os direitos sobre as terras do sul da Gália. Afonso, conde de deus, cuja tecnica fora obtida, não em escolas , mas na experiência da
Poitiers ao fazer em 1268, inventário de seu dominio, dominio esse prática diária de sua comunidade. A comunidade judaica, podia
que mais tarde receberia a denominação de Comtat Venaissin , naquele momento exercer diversas atividades, tais como: alfaiates;
registra a presença judaica nas comunidades de Avignon, Bollène, pedreiros; carpinteiro ; padeiros; tintureiros etc. Tinham acesso à pro-
Bonnieux, Carpentras, Cavaillon, Lapalud, L’Isle-sur-la-Sorgue , priedade imobiliária , sendo que muitos possuiam imóveis rurais,
Monteux, Mornas et Valréas. Em 1274, as terras do Comtat principalmente vinhedos. Somente era vetado o acesso à função pú-
Venaissin, em decorrência do Tratado de Paris, tem seus direitos blica, pois isso poderia criar uma condição de superioridade em rela-
transferidos ao Papado. Um acontecimento singular transformou a ção aos católicos. Esse cotidiano, no entanto, iria mudar de forma
historia de toda a região: eleito Papa o arcebispo de Bordeaux, Bertrand dramática em decorrencia de acontecimentos externos.
de Got, sob o nome de Clemente V, decide ficar por algum tempo em Os judeus são expulsos do reino da França por Felipe o Belo em
Avignon, para se refugiar da agitação constante de Roma. Em 1309 o 1394, e em consequência um contingente expressivo vem buscar abrigo
Papa se instala provisoriamente na cidade. Seu sucessor em 1316 trans- nas terras do Papado. O aumento incessante desse fluxo migratório em
fere definitivamente a sede do governo pontifício para Avignon. direção ao Comtat Venaissin representou o início de tensões no seio da
Durante quase setenta anos Avignon será a sede do Papado. A vida comunidade cristã local. Como forma de aplacar os ímpetos anti-
cotidiana da população judaica do Comtat Venaissin sob administra- judaicos de seus fieis cristãos, o Papado criou os primeiros “ghetos” em
ção pontifical é permanentemente marcada pelo perigo da contamina- seus domínios, em 1453. Os problemas se agravam com a chegada de
ção doutrinal “que ela representa para os cristãos e em decorrência judeus, expulsos da Espanha em 1492 e de Portugal em 1496, os quais
medidas discriminatórias são aplicadas. As mulheres judias são encontraram refugio no Imperio Otomano, na Italia e no Comtat
obrigadas a ostentar um determinado tipo de penteado, enquanto que Venaissin. Novas medidas discriminatórias são aplicadas. Uma bula
os homens trazem pregado às suas vestes um símbolo em forma de papal obrigou aos judeus o uso de um humilhante chapéu amarelo. Para
roda. Em cada localidade de Provence, a comunidade judaica era continuar atendendo ao sentimento anti-judaico da população cristã, as
obrigada a se agrupar em quarteirões específicos, sem no entanto se autoridades pontifícias determinam que os judeus do Comtat somente
5 • GERAÇÕES / BRASIL, Junho 2001, vol. 10 • 5
poderão residir em “ghetos” situados nas localidades de Carpentras, • Isaac Adolphe Crémieux (1796-1880). Advogado, Deputado,
Cavaillon, Isle-sur-Sorgue e em Avignon. Essas quatro cidades são Senador, Ministro de Estado. Autor da “ Lei Crémieux” que
designadas por seus habitantes judeus de “As Quatro Santas Comunida- conferiu cidadania franceêsa aos judeus de Argélia.
des” numa terna lembrança das comunidades de Jerusalém, Safed , • Alfred Joseph Naquet (1834-1916). Químico e político republi-
Hebron e Tiberíades. Esses “ghetos” recebem o nome de “carriere” cujo cano. Autor da “Lei Naquet”, que regulamentou o divórcio na
significado era rua. O talento e o espirito dos ocupantes dessas quatro França (1884).
comunidades judaicas acabaram por transformar as “carrières” em • Pierre Monteux (1875-1964) Maestro das Orquestras: Sinfônica
verdadeiras repúblicas autônomas, perfeitamente estruturadas, dispondo de Paris; Opera de Paris; Metropolitan Opera de New York; Sin-
de organismos institucionais, administrativos e financeiros, regidos por fônica de Boston; Filarmonica de San Francisco; London Symphony
uma peculiar forma de constituição interna. A língua falada nas Orchestra; Concertgebouw de Amsterdam. Introdutor dos Ballets
“carrières” é um dialeto em que o hebreu e o provençal se fundem. Russos no Ocidente.
Diversas peças do folclore judaico-provençal foram escritas nesse dia- • Darius Milhaud (1892-1974) Músico com mais de 450 composi-
leto: Cantos de circuncisão ; Pequenas Comédias; A Tragédia da ções. Viveu dois anos no Brasil. Fundamental para a história da
Rainha Ester,etc. Entretanto a vida nessas “carrières” é dificil. Diversas música do século XX.
familias ocupam a mesma casa. A saida do “gheto” é permitida somente • Isaac Gaston Crémieux (1836-1864) Mártir francês — Fuzilado
em horas autorisadas. Para o cristão, a presença de um judeu é consi- em Marseille. Seu ultimo brado foi “Viva a Republica”.
derada ofensiva. Durante a Semana Santa e na passagem de procissões • Armand Lunel (1892). Novelista francês. Autor de várias obras
existe a proibição do judeu de sair de sua casa. Muitas das condições baseadas nos judeus de Carpentras. Uma delas, “Esther de Carpen-
humilhantes aplicadas encobre sutilmente um convite à conversão ao tras”, sobre uma velha peça de Purim provençal, foi musicada por
catolicismo sempre rechassado pela comunidade judaica. seu amigo Milhaud.
As medidas discriminatórias se mantiveram até a Revolução Fran- • Pierre Vidal-Naquet (1930) — Historiador. Autor de “Os Assas-
cesa de 1789 que anexou à República as terras do Comtat Venaissin per- sinos da Memória”, dedicado “á memória de minha mãe, Margue-
tencentes ao dominio papal. Esse extraordinário evento marcou uma ver- rite Valabrégue. Marselha, 20 de maio de 1907. Auschwitz, 2 de
dadeira libertação para a comunidade judaica das quatro “carrières”, que junho (?) de 1944. Eternamente jovem”.
são são extintas. Após uma participação ativa no movimento revolucio-
Esses homens construiram um patrimônio inestimável, classi-
nário, os judeus do Comtat tornam-se cidadãos franceses. Tem início a
ficado hoje de monumento histórico e representado pela sinagoga de
dispersão para outras cidades da região e posteriormente para Paris.
Carpentras, cuja primeira construção data de 1367, reconstruida em
A necessidade de controle da população judaica até a Revolução foi
1741 sobre as fundações originais e pela Sinagoga de Cavaillon cuja
tão intensa, que propiciou um legado extraordinário de registros civis. O
construção data igualmente do século 18. Esses homens jamais aban-
genealogista francês Michel Mayer-Crémieux assim se expressou :
donaram suas crenças, suas idéias, suas convicções. Esses homens,
“Felizes os genealogistas que possuem ascendendência judaica no
meus ancestrais, eram os “Judeus do Papa”.
Comtat Venaissin”. Além dos registros pertencentes aos Arquivos
Departamentais e Nacionais da França o genealogista poderá consultar
os registros civis de Carpentras em hebreu, pertencentes aos Arquivos REFERÊNCIAS
Centrais para a Historia do Povo Judeu localizados em Jerusalém e que • Alicia Arias-Crémieux — “Quienes fueron los Judios del Papa”,
compreende dois volumes: Pinkas Ha-yahas (casamentos, circuncisões e publicado no Boletim nº 10 Toldot, Asociacion de Genealogia
nascimentos) e Hazkarat nefachot (falecimentos). Esses nossos an- Judia de Argentina
cestrais, judeus de Provence, apesar das humilhações e provações • Cercle de Genealogie Juive (França) — Documentos
sofridas souberam preservar sua liturgia, seus modos, seus costumes. • Darius Millaud — “Notes sans musique” (autobiografia).
Esses homens atendiam pelos nomes de Crémieux , Monteux , • Elisabeth Sauze-Ministerio da Cultura — França — “Les
Naquet, Vidal, Milhaud, Lunel, Baze, Alphandery, Lisbonne, Mosse, Synagogues du Comtat “
Valabregue, etc. Eles não tiveram papel preponderante na história • Michel Mayer Crémieux — “Mes ancêtres: Les Juifs du Pape”
universal do judaísmo, mas deixaram no entanto, descendentes com • René Moulinas — “Les Juifs du Pape” (1992)
brilho invulgar na politica , na literatura, na música e na na defesa de sua • Thierry Jacob — “Les Juifs du Comtat Venaissin”
pátria, como: http://www.chez.com/tjacob

ASCENDÊNCIA DE JEAN-JACQUES LEOPOLD MONTEUX


LINHA AGNÁTICA
G NASCIMENTO NASCIMENTO
ANO LOCAL ANO LOCAL
I JEAN-JACQUES L. MONTEUX 1936 São Vicente, SP , BR
II JACQUES MONTEUX 1899 Paris , 5e, FR ISABEL CARVALHO-OLIVEIRA 1904 Itatiba , SP , BR
III LEOPOLD JACOB MONTEUX 1866 Marseille , 13 , FR BLANCHE ESTHER LECLERE 1876 Chantilly , 60 , FR
IV JULES DAVID MOSSÉ MONTEUX 1833 Entraygues , 84 , FR ANNA CRÉMIEUX 1834 Marseille , 13 , FR
V JOSEPH MONTEUX 1804 Bedarrides , 84 , FR ROUSSE MOSSÉ 1808 Carpentras , 84 ,FR
VI ISAAC MONTEUX 1777 Carpentras , 84 , FR PRECIEUSE MONTELIS 1775 Cavaillon , 84 , FR
VII BESSALET MONTEUX 1754 Carpentras , 84 , FR NEHUMI MONTEL 1778 Carpentras , 84 , FR
VIII ABRAHAM MONTEUX 1722 Carpentras , 84 , FR SARAH MONTEUX Carpentras , 84 , F
IX SALOMON MONTEUX 1696 Carpentras , 84 , FR EVA SARAH LISBONNE Carpentras , 84 , FR
X EMMANUEL MONTEUX 1679 Carpentras , 84 , FR RACHEL SALON Carpentras , 84 , FR
XI ISAAC DE MONTEUX 1650 Carpentras , 84 , FR
XII ABRAHAM DE MONTEUX 1620 Carpentras , 84 , FR

6 • GERAÇÕES / BRASIL, Junho 2001, vol. 10


O mistério do Padre Sanctos Saraiva,
um “judaizante” na Corte de D. Pedro II
Paulo Valadares
To list all intelectual activities of the Portuguese Sanctos Saraiva (1834-1900) is fascinating: Botanist, mineralogist,
philologist and catholic priest. Two instants are interesting in his biography. He was asked by D. Pedro II,
brazilian monarch, to evaluate his knowledge of hebrew, establishing a lasting friendship between them. He
was a descendant of portuguese new-christians, later he abandoned the catholic priesthood

Padre Sanctos Saraiva foi uma celebridade no Brasil nas últimas ram com filhos de Mestre Thomaz da Victória, “Rabino q[ue] lhe
O décadas do séc. XIX, pois era uma “figura singular de erudito,
sacerdote (ou ex-sacerdote), filólogo, cientista, professor, poeta, po-
ensinava a sua seita” e que são troncos de uma farta descendência
com este apelido Saraiva ou Cardoso, espalhada pelo nordeste de
lemista, tradutor e exegeta”, como enumerou suas atividades o je- Portugal4. A lista dos “99 chefes de família” atingidos pelo pogrom
suíta Arthur Rabuske, um de seus biógrafos1. Sua singularidade es- de Vila Nova de Fózcoa, composta por António Joaquim Ferreira
tava não apenas no enorme leque de interesses que ele pesquisava, Pontes, trás entre eles membros desta estirpe5. António José Saraiva
mas também em sua própria figura misteriosa, de quem se dizia ser (1917-1993), autor de “Inquisição e Cristãos-Novos” reconhecia-se
filho de um rabino sírio, ter vivido em locais e situações tão diferen- como sendo de origem judaica6. Creio que o Padre Sanctos Saraiva
tes, conviveu com orientalistas em Londres, discutiu hebraico com D. viesse desta mesma origem. Não tenho ainda a ligação entre uma e
Pedro II, colheu plantas e minerais na Serra da Cantareira. Pregou outra linhagens, mas os indícios que tenho apontam nesta direção.
para bispos e viveu como rústico agricultor no interior de Santa Ca-
tarina. Hoje ele é uma figura quase ignorada no ambiente intelectual
brasileiro. Nosso interesse é recuperar este personagem para a histó-
ria cultural brasileira e devolver aos cristãos-novos portugueses um
de seus vultos mais interessantes.

Quem era Sanctos Saraiva.


Francisco Rodrigues dos Sanctos Saraiva nasceu em Vila
Seca de Armamar, na região de Lamêgo, em 22 de fevereiro de 1834,
filho do “rabbino hespanhol da Syria” António dos Sanctos Saraiva e
Anna Rita Rolla. Esta é a informação consagrada que com o passar
dos anos e desídia dos pesquisadores tornou-se a verdade oficial. Es-
tranhando o caso de judeu sefardita retornar a Portugal, os magre-
binos são exceção, e ignorando a existência de uma família Saraiva
no Império Otomano, fomos a pesquisa e encontramos, graças a ajuda
de Maria das Dores Almeida Henriques e Maria Dulcinéia B. Cabral
de Sena, o seu certidão de batismo no Arquivo Distrital de Viseu.
O certidão de batismo é o principal documento individual do
mundo ibérico até a proclamação das repúblicas. Com a união da
Igreja e Estado, o batismo católico é a porta para o ingresso na cida-
dania plena. Para o genealogista ele é importante pois trás, a data e o
local do nascimento, os nomes dos pais e avós, também os padrinhos,
identificando suficientemente o personagem.
No caso de Sanctos Saraiva, confirmou-se parcialmente o seu
aniversário, apenas o ano é diferente, ele nasceu em 1831. O dados
genealógicos são descritos pelo documento: “filho de António dos
Santos, Mesão Frio, Mondim (outro nome é ilegível) e Ana Rita.
Nepto paterno de Joaquim dos Santos, Jeronima de S. José da fre-
guesia de Mondim e materno de José Rodrigues Saraiva e Anna
Cardoza desta freg[uesi]a”2. O que se percebe nesta documentação é
que Sanctos Saraiva é filho e neto de portugueses. Nada nos autoriza
a tomar como legítima a versão do “rabbino syrio”, pois nos parece a Outra família Saraiva, ou outro ramo da mesma, foi para Ams-
criação deste ancestral mítico apenas uma forma de desvencilhar-se terdã onde trocou de nome7. O mais famoso deles foi o comerciante
do passado católico ou legitimar-se como hebraísta. Duarte Saraiva (1570-1650), nascido em Amarante, que na comuni-
A família Saraiva tem origem em Trancoso, difundindo-se por dade holandesa era conhecido como David Senior Coronel — a ele
migração de seus membros por toda a região, sendo muitas vezes foi dedicado o livro “Conciliador” do rabino Manasseh ben Israel8.
reconhecidos como cristãos-novos3. O mais importante destes ramos David Senior Coronel era um homem muito rico e viveu também no
é a família Saraiva, inicialmente de Mesão Frio, depois estabelecida Recife Holandês. Flávio Mendes Carvalho, autor de “Raízes Ju-
em Barcelos, começada por dois irmãos cristãos-novos, que se casa- daicas no Brasil. O Arquivo Secreto da Inquisição”, afirmava que a
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família cearense Saraiva Leão, da qual fazia parte, descendia de um Janeiro a Corte política, ao mesmo tempo em que estimulava um
irmão do parnas (dirigente comunal) holandês9. Porém na Diáspora ambiente intelectual. D. Pedro d´Alcântara, como ele preferia ser cha-
sefardita este nome não prosperou, sendo encontrado apenas entre os mado durante os trabalhos eruditos, era o que se podia chamado de
judeus de Hamburgo. “orientalista”. Ele falava, lia e escrevia em hebraico. Frequentou
sinagogas na América e na Europa, numa delas chegou a fazer aliá,
lendo a Torá na Sinagoga Central de Londres, em Upper Street,
Ahasveros convidado pelo rabino Barnett-Myers. Participou do “III Congresso
Usando a imagem literária de Ahasveros, pode-se afirmar que de Orientalistas de S. Petersburgo” (1876), onde discutiu as inscri-
Sanctos Saraiva foi também uma espécie de “judeu errante”, ele viveu ções do rei moabita Méscha, os Samaritanos e a primitiva toponímia
em dois continentes, quatro paises e em muitas cidades. Nascido em do Eretz Israel. Terminou por fazer uma peregrinação a Terra Santa,
Vila Seca de Armamar, morou em Lamêgo, estudou na Universidade de visitando a Jerusalém, Belém, “onde colhi umas florzinhas em memó-
Coimbra, onde teria cumprido um doutorado em “Teologia e Direito”, ria de Rute”12. Havia mesmo um filosemitismo latente na Corte que
ao que parece em 1850. Sua formatura teria coincidido com a revolta da culminou com o engenheiro André Rebouças, propondo a criação de
“patuléia”, quando então ele expa- um Estado Judeu na região de Palmas, no Paraná, em 1889.
triou-se para Londres, onde especia- Segundo o próprio D. Pedro d´Alcântara, ele começou aprender
lizou-se nas áreas que lhe dariam hebraico com o “judeu sueco” Leonhard Akerblom13, Cônsul dos
notoriedade. “D´essa convivência com Paises Nórdicos no Brasil, e que foi sucedido nesta função por profes-
o mundo scientífico londrino, onde sores exclusivos, um deles, o alemão C.F. Seybold, acompanhou até o
pontificavam sabios orientalistas he- último dia de vida do monarca brasileiro. Assim com professores parti-
breus, surgiu a multiforme cultura culares ele foi aprendendo a seu hebraico, até que um dia resolveu fazer
d´esse homem, que estava fadado a uma avaliação do progresso destes estudos, já conhecendo a fama do
maravilhar os seus contemporâneos Padre Sanctos Saraiva, convidou para que este fosse ao Paço de S.
com o seu saber’10. De Londres, ele Cristovão, onde recebeu em audiência privada. Quem conta é Eliézer dos
foi a Roma, e usando os contatos que Sanctos Saraiva, filho do erudito.
fizera na Inglaterra, recebeu a direção
de uma paróquia no Brasil. “Depois de se ter excusado receber a quem quer que fosse, D.
Pedro, mandando que o introduzissem no seu gabinete de estudo, dis-
Em 1860, por falar inglês, é nomeado capelão da “Companhia se-lhe:
de Mineração Morro Velho” em Minas Gerais. Ele ficou pouco tem- — Agora o sr. é o padre Saraiva e eu D. Pedro: nada de formali-
po na região, pois assustado com a intolerância do clero mineiro, dades, vamos conversar, e diga-me com franqueza, o que pensa de
mudou-se para o Rio Grande do Sul, onde assumiu em 23 de junho de meus estudos.
1862 como “vigário encomendado” da Paróquia de S. Francisco de Durante cêrca de duas horas estiveram ambos em amistosa pa-
Paula de Cima da Serra, apesar de caráter inamovível do seu cargo, lestra, que versou sobre questões philologicas, sobre o hebraico de
cinco meses depois já estava na Paróquia de S. Sepé. que o monarcha era apaixonado cultor e sobre os meios de interpre-
Nos pampas ele vive várias aventuras: “viajava elle de S. Gabriel tar os textos mais complicados das linguas orientaes.
para S. Sepé, quando, no penetrar em uma casa de negócio, á beira da Depois d’este encontro, o imperador, por varias vezes em con-
estrada, afim de comprar alguma coisa, appareceu um individuo de má versa com seus intimos, enalteceu os meritos invulgares do padre
catadura, que, de um modo brutal, atirou uma moeda sobre o balcão, Saraiva, dizendo que nunca se lhe tinha deparado vulto mais extraor-
dizendo ao dono. — Dê-me dois vintens de cachaça! Sendo-lhe offe- dinario e eminente, sem exceptuar os mais celebres sabios da Eu-
recida a bebida o padre Saraiva recusou e agradeceu. O gaúcho insistiu, ropa”14.
e ainda nova recusa. Nâo notára aquelle que o dono do negócio lhe
piscava o olho para que aceitasse. O tal homem voltou á carga: — Pois As entrevistas se sucederam entre o monarca e o sacerdote. Sempre
há de beber, por bem ou por mal! Sem perder a presença de espírito, o tendo como mote o estudo do hebraico. Saraiva escreveu inclusive
padre Saraiva sacou de uma pistola, e encostou o cano ao peito do uma monografia, defendendo o idioma bíblico: “Acerca da necessi-
valentão, dizendo-lhe: Monte a cavallo, e já! E desappareça d´estes dade e utilidade das línguas bíblicas no Império do Brasil, como po-
sítios” 11. O bandido que era conhecido por ter cometido alguns deroso auxiliar das ciências eclesiásticas e da filologia”. A amizade
homicídios fugiu frente a firmeza do barbudo misterioso. sincera entre ambos ultrapassou o campo político. Tanto que após um
Em 1865 ele retornou a Portugal onde permaneceu por cinco anos, atentado a vida do Imperador, o republicano Saraiva manifestou-se
ao que tudo indica, passou este tempo estudando nas bibliotecas locais. contra o atentado, e quando da Guerra do Paraguai, o pacifista Sa-
Nesta época mantém relações com o historiador Alexandre Herculano, raiva compôs um poema em hebraico para celebrar o Imperador. Este
autor de “História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em poema ainda inédito, foi descoberto por Reuven Faingold quando se-
Portugal”. Voltou ao Brasil em 1870 para o Rio de Janeiro, onde lecionava material para um exposição sobre as relações do monarca
mantém contatos com o Imperador. É nomeado reitor do Colégio Dom brasileiro com os judeus, e chama-se “Lashilton shel Brasil — Petrus
Pedro d´Alcântara, em Botafogo, com trezentos alunos. Em 1875 vai Beit: Shira Leiom Hazikaron kol Umah begvul Hamilchama al
para o interior de Santa Catarina, onde adquire uma propriedade rural e Paraguai” (Ao Governo do Brasil – Pedro II: Poema para o Dia da
labuta incognito até 1891. É o lugar onde viveu por mais tempo. Dalí Recordação de toda a Nação na Guerra do Paraguai)15.
vai a Pelotas, no Rio Grande do Sul, onde lecionou em dois colégios Nesta passagem pelo Rio de Janeiro ele pesquisou e escreveu o
“Ateneu Pelotense” e “Colégio Evolução”. Em 20 de maio de 1892 principal trabalho de sua bibliografia, que é o “Novíssimo Dicionário
chegou a S. Paulo, onde a convite de G.W. Chamberlain, lecionou na Latino-Portuguez, etymológico, psosodico, historico, geographico,
“Escola Americana” e no “Mackenzie College”. mythologico, biographyco, etc...redigido segundo o plano de L. Qui-
cherat...Rio de Janeiro – BML. Garnier”. Ele não está datado, mas
acredita-se que foi impresso em Havre em 1881. Considerado pelos
Na Corte de D. Pedro II especialistas como o melhor escrito sobre o assunto. No final de sua vida
No período em que Sanctos Saraiva viveu o seu apogeu criativo, o ele redigia um “Dicionário Etymologico da Lingua Portuguesa”, no qual
Brasil tinha como chefe de Estado, D. Pedro II, que mantinha no Rio de só chegou a letra “A”.

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Conflitos “campanha obscurantista, que mira jungir definitivamente o Brasil ao
O ex-padre Sanctos Saraiva foi produto do meio cristão-novo. solio papal”, conforme a prosa arrevesada de Mattathias Gomes dos
Muito religioso, ligado ao Transcendente não pode efetivamente ser um Santos, vice-presidente da Colligação Nacional Pro-Estado Leigo,
“sacerdote”, pois a sua crença não era a crença de sua religião. Nâo lhe assustado com a aproximação entre o Estado Novo e a Igreja Católica.
adiantou a formação sacerdotal católica, pois ele não se convenceu desta Uma reação que culminou na lei apresentada pelo deputado Jorge
crença. Por volta de 1875 ele abandonou definitivamente o sacerdócio e Amado, descendente de cristãos-novos sergipanos, reconhecendo a
o catolicismo. Mas não se filiou a nenhuma igreja protestante, porém liberdade de cultos religiosos, no final da década de quarenta.
manteve com os presbiterianos boas relações intelectuais, e o seu filho Sanctos Saraiva deixou escritos que não foram publicados e
único, recebeu um nome vetero-testamentário, Eliézer, cuja escolha outros se perderam no anonimato de publicações obscuras do interior
reflete a sua trajetória peculiar. Já que o primeiro Eliézer, originario de do país. Mesmo assim é possível encontrar em sua bibliografia alguns
Damasco (talvez uma projeção do mito do “rabbino syrio”), abandonou títulos que remetem a sua condição de “judaizante”. São poemas que
a idolatria, para reconhecer a verdade monoteísta, tornando-se homem de estão na periferia do judaísmo, mas que fazem parte desta herança
cultural. São eles; “Cântico de Moysés” (1863), “Poema sobre a
confiança do patriarca Abraão16.
Terra Santa” (1864) e principalmente “Harpa d´Israel” (1898), uma
tradução tirada diretamente do hebraico e comparada com a versão de
Antonio Pereira de Figueiredo. A estes deve-se acrescentar uma tra-
dução que ele fêz do “Livro de Hhanokh”18, cuja autoria é atribuida
ao rabino Aharon HaLevy.

Final
Francisco Rodrigues dos Sanctos Saraiva morreu no Hospital
Samaritano em S. Paulo, em 3 de junho de 1900. Mas o seu corpo foi
levado para Santa Catarina, onde foi sepultado ao lado de sua com-
panheira Ana Felícia, mãe do seu filho Eliézer19. Deste modo, quase
sorrateiro, terminou a vida desta figura tão peculiar. Mesmo assim é
possível encontrar na sua trajetória alguns traços comuns a tantas
biografias de cristãos-novos anônimos, que sem acreditar nos dogmas
católicos, inconformados com a hegemonia da Igreja, mas sem acesso
ao Judaísmo, procuraram outras saidas religiosas, atraidos pelo
Protestantismo histórico, onde levaram suas convicções, dando a este,
um caráter filo-semita. Outros, como Sanctos Saraiva, foram edu-
cados como católicos, flertaram com o Protestantismo, enfim não fo-
ram judeus, nem cristãos integrais, apenas cristãos-novos ou juif en
potentiel, como na classificação de I. S. Revah.
Notas
1 “Francisco Rodrigues dos Santos Saraiva: Algo de sua vida e
obra, máxime no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina”, em
Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina”,
3a fase, nº 5, 1984, pp. 119-157. Agradeço a Sra. Arina Lopes
Vieira, de Imaruí, e ao Dr. Mário Gentil Costa, Florianópolis, a
cessão de grande parte da bibliografia sobre o nosso personagem.
2 Arquivo Distrital de Viseu, fl. 30/30, v., maço 17, nº 1, freguesia
de Armamar (1831).
3 João Nunes Saraiva, nascido em Trancoso, foi banqueiro de Feli-
pe IV. Denunciado como judaizante participou de dois autos-da-
fé. V. “El Proceso Inquisitorial de Juan Núñez Saravia, banquero
de Felipe IV” , de Antonio Domínguez Ortiz, Hispania (Tomo
XV, nº LXI, Madrid, pp. 559-581).
4 Luís de Bivar Guerra, “Lista dos judeus q[ue] se baptizaram em
Barcellos e das gerações q[ue] delles procedem” (Armas e Tro-
féus, II Série, Tomo 1, 1960, Lisboa). No título “Da Casa do
M[estr]e Thomaz Rabino” (pp. 286-291) ele reconstruiu seis gera-
ções da família Saraiva. A onomástica é semelhante a da família
do Padre Sanctos Saraiva. P.ex., Filipa Cardosa, filha de um
Saraiva, casou-se com Francisco Rodrigues e tiveram filhos, netos
e bisnetos com o sobrenome Saraiva (séc. XVI e XVII).
“Lashilton shel Brasil — Petrus Beit: Shira Leiom Hazikaron kol Umah begvul 5 O pogrom de Vila Nova de Fozcoa atingiu os cristãos-novos desta
Hamilchama al Paraguai” (Ao Governo do Brasil — Pedro II: Poema para o
cidade e foi descrito por um dos autores que registrou o fato as-
Dia da Recordação de toda a Nação na Guerra do Paraguai)
sim: “Escorraçando as que não tinham sido varejadas pelas
balas, como a do barão de Vila Nova de Fozcoa, as dos Campos
Sua despedida do sacerdócio foi registrada num manifesto de título Henriques, dos Lopes Cardoso, dos Cavalheiros, dos Campos,
agressivo, “O Catholicismo Romano ou a Velha e fatal Ilusão da dos Almeidas, dos Navarros, dos Margaridos, dos Saraivas, dos
Sociedade” onde ele formulou suas idéias religiosas, escrito em 1888 e Tavares. O exodo é em massa, tal qual nos tempos de Israel sob a
republicado em 193217. Este livro foi reeditado como uma reação a lança dos filisteus. Das noventa e nove famílias foragidas, no
9 • GERAÇÕES / BRASIL, Junho 2001, vol. 10 • 9
terror do ferro e do fogo, umas acolhem-se aos concelhos de Além com a brasileira Louise Marie Josephine Meyrad, como teve uma
Douro, outras poisam mais longe, no Porto e em Lisboa”. Cf. filha, Marie Louise (1869), que se casaria com o médico Hans
Sousa Costa, “ Páginas de Sangue. Brandões, Marçais & Co.” Naegli, de Genebra. Marie Louise Ingeborg Naegli, nascida em 1894,
(1919), p. 200. Veja também, J. Silvério de Campos Henriques de foi a última descendente de Akerblom. V. Axel Paulin, “Svenska
Andrade, “A quadrilha dos Marçais”, p. 265. öden i Sydamerica” , pp. 150-3. Nele há uma fotografia de Akerblom
6 Carlos Cãmara Leme, “Eu sou Israelita”, em Jornal Público/Fim e afirma que ele não era judeu. Agradeço a Nair Pacheco e Maillie
de Semana (Lisboa, 01-02-1991) Fjalgren, da representação diplomática sueca pelo auxílio biblio-
7 Nos registros de casamentos da comunidade holandesa há um só gráfico; a Ian Hamilton (Genealogiska Föreningen, Estocolmo), a
Saraiva constando daquele rol. É Mozes Isaac Saraiva, que se Ulf Goranson e Hakan Hallberg (Uppsala Universietsbibliotek), por
casou com Rachel David Jessurun, em 20 de Siwan de 5449. V. outras informações e contatos.
“Handleiding bij de index op de Ketuboth van de Portugee- 14 Eliézer dos Sanctos Saraiva, ob. cit., p. 20-1.
Israelietische Gemeente te Amsterdam van 1650-1911”, organiza- 15 Exposição iconográfica: “Luzes do Império. D. Pedro II e o Mun-
do por D. Verdoomer e H.J.W. Snel. do Judaico” (S. Paulo, 1999), Prof. Reuven Faingold (Curador),
8 O livro era dedicado aos “Nobilissimos, y magnificos señores, catálogo, pág. 17.
...David Senior Coronel; ...Doctor Abraham de Mercado;. 16 (“Ele é socorro”, Bereishit, 15:2), outros nove personagens bíblicos
..Jahacob Mvcate; ..Ishac Castanho; Y mas Señores de nuestra reeberam o mesmo nome, inclusive um filho de Moisés e um profeta.
nascion, habitantes en el Recife de Phernambuco” (1651). 17 Há um exemplar na Biblioteca Mário de Andrade (S. Paulo) e que
9 Flávio Mendes Carvalho (1954-1996) foi neto materno de Osmun- trás um carimbo curioso: “Livraria do Globo. L. Marrano (...)”
do Saraiva Leão. V. Obituário, em Gerações/Brasil, novem- 18 Jornal do Comércio, Desterro, dezembro de 1888
bro/96 e abril /97, vol.3, 1 e 2, pp. 13-4. 19 Eliézer dos Sanctos Saraiva nasceu em Picadas do Norte, S. José,
10 Eliézer dos Sanctos Saraiva, “O Sabio das Picadas” (1939), p. 15. 13 de novembro de 1879 e morreu em S. Paulo, em 19 de junho
11 Eliézer dos Sanctos Saraiva, ob. cit., p. 17. de 1944. Formado engenheiro, trabalhou no Observatório Astro-
12 O diário imperial desta viagem foi publicado por Reuven Faingold nômico de S. Paulo e lecionou idiomas no Mackenzie College.
sob o título “D. Pedro II na Terra Santa. Diário de Viagem – Dirigiu uma escola chamada “Instituto Sanctos Saraiva”, onde
1876” (1999). Oswaldo Aranha e Marcondes Filho foram seus alunos. Autor de
13 Leonhard Akerblom (Solleftea, 1830 – 1896), filho de Carl Magnus e “O sábio das Picadas”, uma biografia paterna. Pertenceu ao Ins-
Catharina Margareta (Eneroth) Akerblom, era Doutor em Filosofia tituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina. Casado com
pela Universidade de Uppsala. Ele começou a carreira diplomática Lígia “dos Sanctos Saraiva”, não teve filhos. Agradeço a Adonias
representando os paises nórdicos no Brasil e terminou sua carreira Costa da Silveira (Instituto Presbiteriano Mackenzie, 08-07-1997)
como “generalkonsul” da Suécia em Lübeck Akerblom foi casado pela ajuda em compor a biografia deste personagem.

Genealogia Pelo Mundo


Genealogists` Magazine é a revista G. Strickland, R. Usher e D. Williams. O uso de oficiais estrangeiros
editada pela Society of Genealogists (14 nos exércitos de libertação não era algo tão incomum. Mesmo os EUA
Charterhouse Buildings, Goswell Road, contavam em suas fileiras com o francês Lafayette e o alemão De Kalb,
London EC1M 7BA), cujo presidente é dentre tanto outros militares.
S.A.R. Príncipe Michael de Kent, KCVO.
No número de dezembro de 2000 há um Argentina
belo artigo de Brian Vale sobre os “British Genealogia Argentina. A Asociacion de Genealogia Judia de Ar-
sailors and the Independence of South gentina é uma das mais ativas sociedades genealógicas em atividade.
America” Durante este período 200 oficiais Além de palestras sobre o tema ela publica uma revista chamada
e 3000 marinheiros defenderam bandeiras TOLDOT (“Generaciones”), que é distribuida aos sócios, trazendo o
sul-americanas. O caso brasileiro é um dos mais interessantes, dos 46 resultado de suas pesquisas. Ela já está no número 14. Sempre ofere-
navios de guerra do país, 14 eram comandados por britânicos. Entre cendo material diversificado e de alta qualidade. A junta governativa da
1825-28, tempo da guerra com Argentina, 1200 marinheiros da mesma AGJ Argentina é composta por: Paulo Armony (Presidente); Hector
origem guarneciam as naves brasileiras. A Argentina também possuia Mondrik (Vice-presidente); Silvia B. de Adaszko (Secretária); Marcelo
em seus quadros outro tanto de britânicos. Tanto que o Embaixador Benveniste (Protosecretário); Gustavo Wengrovski (Tesoureiro) e
inglês no Rio classificou o conflito como “a war betwixt Englishmen” . Mónica E. de Benatuil (Protesoureira). O endereço é Juana Azurduy,
Vale nomeia 60 oficiais britânicos que serviram no Brasil entre 1822 a 2223, Piso 8 (1429) Buenos Aires, Argentina. Ou
1850:A. Anderson, C.J. Appleton, W. Blakeley, G. Broom, L. genarg@infovia.com.ar – http: //www.agja.com.ar
Brown, D. Carter, A. Challes, S. Chester, F. Clare, G. Clarence, S.
Clewley, T. Cochrane, G. Cowan, T. Craig, V. Crofton, T. Crosbie, Brasil
F. Drummond, W. Eyre, D. Fubbs, S. Gillet, J. R. Gleddon, J.P. O Colégio Brasileiro de Genealogia (Av. Augusto Severo nº 8-12.
Grenfell, B. e R. Hayden, T. Haydon, W.J. Inglis, W. January, B. 20021-040, Rio de Janeiro, RJ) que está festejando o seu “Ano do
Kelmare, W.MacErwing, R. Mackintosh, D. Macreights, G. Cinqüentenário”, elegeu em 11 de fevereiro de 2000 a sua junta
Manson, W. March, C. Mosselin, R.N. Murphy, E. Newton, J. governativa para o biênio 2000-2001: Paulo Carneiro da Cunha
Nichol, J. Norton, G. W. Oudsley, W. Parker, T. Poynton, A. Reid, (Presidente), Victorino Chermont de Miranda (Vice-presidente),
C. Rose, J. Sewell, J. Shepherd, R. Steel, G. Strickland, J.V. Taylor, Nelson Vieira Pamplona (Primeiro-secretário), Atila Augusto da Cruz
J. e T. Thompson, J. Wallace, C. e J. Watson, M. Welch, J.H.B. Machado (Segundo-secretário), Roberto Guião de Souza Lima
White, J. Williams, B. Bourwill, R. Wright e C. F. Yell. Para a Guerra (Primeiro-tesoureiro), José Ubaldino Motta do Amaral (Segundo-
da Argentina: C. Adams, R.T. Bell, C. Browning, A. Heart, R. tesoureiro), Frieda Wolff, Roberto Menezes de Morais e Christovão
Montgomery, J. Morrow, T. Reed, E.Ruxton, M.Smith, Dias de Ávila Pires Jr (Conselho Fiscal).

10 • GERAÇÕES / BRASIL, Junho 2001, vol. 10


PROCESSO Nº 2742, ANO DE 1618,
DO TRIBUNAL DO SANTO OFÍCIO, INQUISIÇÃO
DE LISBOA, CONTRA INÊS HENRIQUES DE
LEÃO, SOLTEIRA, CRISTÃ-NOVA, NATURAL DA
CIDADE DO PORTO.
Rubens R. Câmara

The inquisitorial processes document the persecutions that the judaizing new-christians suffered. It is possible
to read the physical description of the accused, his genealogical relationship and his habits. Rubens R. Câmara
took the process No. 2742 of 1618 against Inês Henriques de Leão and explains all the steps of the judiciary
process which was common to all others. Inês Henriques de Leão belongs to an important jewish family. She is
related to the Aboabs and a cousin of the philosopher Baruch de Espinoza.

1. O processo movido pelo Tribunal do Santo Ofício contra Inês ou pérolas incrustadas. Havia também um relicário de ouro com
Henriques de Leão tem, em linha gerais, a seguinte estrutura: motivos religiosos católicos, ou seja, com imagem de Nossas Se-
a) Termo de Entrega da ré à Inquisição de Coimbra nhora de um lado e Santa Catarina, de outro.
b) Inventário dos bens 4. As imputações contra a ré, nos autos denominadas de “Culpas”,
c) “Culpas” [Imputações] são constituídas por vários traslados de depoimentos constantes
d) Genealogia da ré em processos da Inquisição contra outros cristãos novos, a maioria
e) Audiências de inquirição e admoestações parentes da ré, que a incriminavam. O primeiro desses traslados é
f) Libelo relativo ao processo contra um tio da ré, Luis da Cunha:
g) Procuração do defensor
“Do processo de Luis da Cu-
h) Contestaçao e contradita das testemunhas
nha, cristão-novo, médico na
i) Confissões, admoestações e contradição
cidade do Porto, o qual foi pre-
j) Libelo “diminuto” [Aditamento]
so e recolhido nos cárceres do
k) Confissões e admoestação
Santo Ofício da Inquisição de
l) Novo libelo
Coimbra ao primeiro dia do
m) Audiência de “tormento” [Tortura]
mês de setembro do presente
n) Sentença condenatória
ano [1618] e aos seis dias do
o) Abjuração
dito mês e anos pedia audiên-
p) Termo de Segredo
cia e começou por confessar
q) Contas
suas culpas e desta ré entre
r) Termo de Soltura
outras coisa o que se segue:
2. A primeira peça do processo é o “Termo de Entrega” da ré à Aos seis dias do mês de setem-
Inquisição de Coimbra: bro de mil e seiscentos e de-
“Aos quatorze dias do mês de outubro do ano de seiscentos e zoito anos em Coimbra na ca- Baruch de Espinoza, primo de Inês
dezoito nesta cidade de Lisboa nos Estaus e Cárceres do Santo sa do notário da Santa Inqui- Henriques de Leão
Ofício desta cidade, foi entregue Inês Henriques de Leão, cristã- sição, estando ai o senhor Simão Barreto de Meneses, Inquisidor,
nova, solteira, filha do Licenciado Luis Gomes de Leão, por um em audiência pela manhã, mandou vir perante si um homem que
oficial da Inquisição de Coimbra, o alcaide destes Cárceres Hei- viera preso do Porto para estes cárceres e sendo presente, para
tor Teixeira, nele se deu por entregue e como assim fez, assinou em tudo dizer a verdade, lhe foi dado juramento dos Santos
este termo e sendo assinado se lhe não achei nada contra o regi- Evangelhos em que ele pôs a mão e sob encargo dele prometeu
me, eu Francisco de Sousa escrevi.” dizê-la e disse que se chama Luis da Cunha, doutor em medicina,
da cidade do Porto, casado com Florência Dias, cristã-nova, da
3. A seguir vem o “Inventário” dos bens que a ré possuía, declaran- mesma cidade e que ele é de idade de 39 anos. Disse entre outras
do que origem desses bens era, em parte, proveniente de Florença, coisas que havia onze anos, pouco mais ou menos, não se lembra
onde seus pais faleceram e de onde viera há cerca de sete ou oito o mês, nem a era certa, nesta cidade de Coimbra em casa de seu
anos, e outras peças eram presentes de seus avós e parentes. Ao irmão Antônio Dias da Cunha, estando ele confitente com Inês
final, declarou que não possuía bens de raiz. Há nessa parte há Henriques, sua sobrinha, filha de sua irmã Maria da Paz e de
uma descrição detalhada desses bens, na verdade, uma grande Luís Gomes Leão, seu cunhado, ambos defuntos, ele confitente e a
quantidade de jóias, englobando metais e pedras preciosos. São dita sua sobrinha se deram conta um ao outro, não se lembra a
descritos anéis, brincos, colares, gargantilhas, pulseiras e outras que propósito, nem quem começou a prática, de como criam e
peças, sendo a maioria de ouro com diamantes, rubis, esmeraldas viviam na Lei de Moisés e nela esperavam se salvar, e que então
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não falaram mais, porém daí por diante se ficaram conhecendo e ele, natural de Lisboa; ela, do Porto, donde se foram para Roma,
tratando como judeus e se declaravam por tais quando havia e de Roma para Florença; e que seus avôs paternos se chamaram
ocasião para isso. Aos costumes, disse nada.” Antônio Gomes e Isabel Gomes, já defuntos, e não sabem onde
Os demais depoimentos trasladados para os autos contêm pratica- viveram; e seus avós maternos se chamam Lopo Dias da Cunha,
mente as mesmas declarações, variando um pouco a época, o local físico no Porto, e Inês Henriques; e não tem outros antepassados,
e as pessoas envolvidas que, como diziam, se davam conta umas nem lhe sabe o nome e que da parte de seu pai não tem tio, nem
às outras de como criam e viviam na Lei de Moisés e nela espe- tia; e da parte de sua mãe, tem três tios e três tias e que se cha-
ravam se salvar. Há, num ou outro depoimento, relatos sobre co- mam: Antônio Dias da Cunha, cônego em Coimbra; Luís da
mo observavam o Sábado, jejuavam em datas especiais e acen- Cunha Henriques, médico, marido de Florência Dias do Porto;
diam candeeiros às sextas-feiras ao pôr do sol. Paulo Lopes da Cunha, mercador, casado com Catarina de Pina,
Além do depoimento de Luís da Cunha, foram trasladados tam- moradores no Porto; Filipa de São Francisco e Grácia do Espí-
bém os das seguintes pessoas: Diogo de Pina; Paulo Lopes, tio da rito Santo, freiras no Mosteiro de Monchique do Porto; e Ângela
ré; Francisco Rodrigues Villa Real; Grácia Vaz; Lucrécia Macha- Henriques, casada [pela] Segunda vez com Cristóvão Lopes, mer-
do, prima da ré; Antônio Vaz, filho de Thomé Vaz e irmão de cador, morador em Viana; e que tem um irmão que se chama
Florência Dias, mulher de Luis da Cunha; Felipa de São Fran- Antônio Gomes de Leão, pensador em Madrid, de vinte e um para
cisco, freira e tia da ré; Inês Henriques, avó da ré; João Batista e vinte e dois anos, solteiro; e que ela é solteira e não tem filho,
sua mulher Camila Dias; Isabel Nunes, mulher de Álvaro Annes e nem filha; e que ela nunca foi presa, nem penitenciada pelo Santo
Florência Dias, mulher de Luís da Cunha. Ofício e que por ele ficaram presos os ditos seus avós, tios e tias e
A quase total literalidade dos depoimentos deveu-se a um possível as mulheres deles e os maridos delas no mesmo dia em que pren-
arranjo que os confitentes engendraram para miminizar as conse- deram a ela, exceto as ditas freiras e o dito seu irmão e que ela é
qüências desse processos contra si e outros de sua progênie. Nesse cristã, batizada na Sé do Porto e não sabe quem foram seus pa-
sentido, aponta a “denunciação que fez Heitor Teixeira, Alcaide drinhos, o deão que então era um desembargador que não sabe o
destes Cárceres, a qual está no processo de Miguel Soares”, que nome e que ela é crismada na Igreja de São João do Porto e não
disse ter ouvido fragmentos de uma conversa entre a ré e Miguel sabe por que Bispo e foi seu padrinho Jorge Lopes”.
Soares: A ré declarou que não sabia mais sobre outros antepassados e a
“...e denunciando disse que ontem, dois deste presente mês e ano mesa inquisitorial parece não ter se preocupado em avançar mais
[dezembro de 1618], às horas de jantar, indo ele para a vigia, ouviu na genealogia, pois, estando presos e processados seus avós, pode-
falar Inês Henriques de Leão com Miguel Soares, marido de Maria ria ter requerido que se trasladasse para os autos a parte genealó-
de Sousa, presos que estão no lado do corredor do meio velho, ela na gica pertinente. Pesquisas recentes trouxeram uma pequena
oitava e ele na nona casa, ficando ao meio a porta do dito corredor extensão à genealogia de Inês Henriques de Leão: o doutor Lopo
da vigia, que não se abre pela banda de dentro; ele não tem Dias da Cunha era filho de Antônio Dias e Felipa Mendes, neto
companheiro, ela, uma velha que se chama Catarina Henriques; paterno de Isaac Rua e Velida, judeus batizados em pé no ano de
porquanto ele testemunha ouviu que se falavam, se chegou à dita 1496 em Barcelos.
porta do corredor e se pôs a escutar; conhecendo-os bem na fala, No que se refere à idade da ré, a mesa demonstrou uma certa
ouviu o que estavam falando, ela dando-lhe conta do que se passara desconfiança, pois, tendo Inês declarado que tinha idade de vinte e
naquela manhã na mesa, como quem se aconselhava e ele res- dois para vinte e três, a mesa achou que “parecesse de mais”. A
pondendo-lhe; o que foi dito por Miguel Soares entendia ele suspeita do inquisidor com relação à idade da ré tinha fundamen-
testemunha melhor porque falava mais alto, [...], ouviu deles os to. Localizou-se recentemente o assento de batismo de Inês Hen-
seguinte: Já que tendes confessado, o que nos querem mais? E ela riques de Leão na freguesia da Sé da cidade do Porto no dia 02 de
respondeu algumas palavras que ele testemunha não percebeu mais novembro de 1590:
que a última delas na seguinte forma: E pedem mais pessoas. [...], “Aos dois dias do mês de novembro [de 1590] batizei a Inês, filha
que na mesa lhe diziam que ela fora judia mais tempo que tinha de Luis Gomes de Leão e de sua mulher Maria da Paz, moradores
confessado e que lhe falavam em mais cerimônias; o dito Miguel na rua São Domingos, foram padrinhos Agostinho[?] da Grão[?]
Soares respondeu falando mais alto como falava e de maneira que e o doutor Melquior Dias [...]”
ele testemunha entendeu o seguinte: Não sei, logo, o que mais nos Ora, tendo sido batizada em novembro de 1590, evidentemente
querem, se ainda não estão contentes e nos querem mais, confessai Ignês terá nascido naquele ano, ou mesmo antes, o que a colocaria
embora mais tempo que há dois anos mais ou o que quiseres que com mais de 28 anos de idade, não de vinte e dois para vinte e três
críeis em Deus dos Céus e que tiráveis da lampreia o quarto traseiro, anos, como declarara. A par dessa questão cronológica, a aparên-
mas mais pessoas, contudo, não lhe deis nenhuma; confessai cia física da ré, que era “grossa de corpo”, ou seja, obesa, como
‘diminuta’ que assim é bom; eles tomam nos por um dedo e por ele declarou uma testemunha, terá cooperado para que a idade decla-
nos levam a mão toda e depois o braço, assim nos pescam todo o rada por ela fosse desacreditada pela mesa.
corpo e depois que nos têm de dentro, fazem-nos espremer; eu se Observa-se, ainda, que a ré declinou os nomes de alguns parentes,
soubera quem aqui me meteu houvera lhe de dar mil estocadas pelo que se achavam também presos, excetuando as tias freiras e o irmão
coração...” que morava em Madrid. É bem provável que omitiu nomes de outros
Confessar “diminuta” significava admitir menos culpas do que as parentes ou conhecidos que não estavam envolvidos com o Santo
imputadas à pessoa. Por outro lado, fica patente a estratégia de Ofício, tudo em conformidade com a postura que recomendava não
admitir cerimônias e ritos, sem contudo dar novos nomes à mesa dar novos nomes à mesa. De fato, não há notícia de prisão de seu
inquisitorial. irmão Antônio Gomes de Leão, mas quanto às freiras, talvez a ré
5. A seguir, trata o processo da genealogia da ré: ainda não tivesse conhecimento de que as mesmas já se achavam
“disse que se chama Inês Henriques de Leão, cristã-nova de vinte presas por ocasião dessas declarações. Por outro lado, Inês Henriques
e dois para vinte e três anos, porquanto parecesse de mais, natu- afirmou que, por parte de seu pai, não tinha tios ou tias. Ou ela omitiu
ral e moradora na cidade do Porto, e que seu pai se chama Luís propositadamente os parentes de seu pai, ou eles já teriam falecido.
Gomes de Leão, letrado, pensador, que morreu em Florença; e Nessa parte genealógica, a ré é questionada sobre sua própria bio-
sua mãe, mulher de seu pai, Maria da Paz, também lá morreu; grafia:

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(Duarte Dias) (Lopo Dias) (Leonor)
Abraham Aboab Isaac Rua Velida ....... Henrique Bentalhado

(Josuá Habillo)
Miguel Dias Antonio Dias Isabel Henriques Duarte Fernandes

Duarte Dias, “o feio” Dr. Lopo Dias da Cunha Inês Henriques Maria Nunres

Manuel Dias Henriques Florencia Dias Dr. Luis da Cunha Maria da Paz Luis Gomes de Leão Ana Débora Garcês

c.g.
Isaac de Matatias Aboab Inês Henriques de Leão Baruch d’Espinoza
(1631-1707)
Genealogista
c.g.

“perguntada por que terras andou e que línguas sabe, e se sabe ler e “Relaxada à Justiça Secular” significava que, não sendo da filo-
escrever, disse que sabe ler e escrever e falar português que é a sua sofia do Tribunal do Santo Ofício da Santa Madre Igreja impingir
língua e a italiana; e que seria de três para quatro anos [de idade] aos réus a pena de morte, o condenado era colocado à disposição
quando se foi com sua mãe por terra a Roma, onde estaria quatro da Justiça Comum que, se fosse o caso, referendava a recomen-
anos, e daí se foi com seus pais para Florença, onde esteve cinco dação da pena capital.
anos, um com os ditos seus pais e quatro no mosteiro que se chama Após o Libelo, seguem-se a habilitação do procurador da ré, no
Mente Dominis [sic] de freiras descalças de São Francisco [...] e caso o licenciado Manoel Rodrigues Cabral, a contestação, feita
mortos os ditos seus pais, se veio com seu irmão e uma criada de por negação geral das imputações, e a contradita das testemunhas.
sua mãe que se chama Brites Gomes, a qual tinha vindo com eles e Nessa última parte, tenta a ré mostrar que as imputações a ela
não sabe se é cristã-nova, mas sabe que está casada no Porto com feitas basearam-se em testemunhas que eram suas inimigas ou de
um alfaiate de quem não sabe o nome; chegados a Livorne se algum de seus parentes. Como exemplo, cite-se o caso de Maria
embarcaram e aportaram nesta cidade a cerca de oito anos pouco Cardoso, que segundo Inês Henriques de Leão lhe tinha grande
mais, ou menos; e aqui esteve perto de dois meses, depois foi para ódio e “lhe beberia o sangue se pudesse”. Segundo a contradita,
Coimbra com o dito seu tio Antônio Dias da Cunha que veio aqui essa Maria Cardosa era empregada na casa do tio da ré, o cônego
buscar e em sua casa esteve oito meses e daí se foi para o Porto Antônio Dias da Cunha, onde Inês passou seis ou sete meses
para a casa dos avós e com eles viveu ai até ser presa”. depois que voltou da Itália. Faltava ao serviço e andava pela casa
Nessa parte, fez também uma demonstração de que era doutrinada dos criados, sendo que Inês “pelejava com ela” sem obter re-
na fé católica dizendo que: sultado. Houve uma briga entre as duas e a ré cortou-lhe o rosto.
“ia à igreja ouvir missa e pregação e se confessava e comungava Mais tarde, Maria Cardosa veio a ficar grávida de um pajem cha-
quando manda a Santa Madre Igreja e fazia as mais obras de mado Domingos e, por vingança, colocou a culpa no tio de Inês.
cristã; e logo após se pôs de joelhos, se benzeu e disse o Pai Nos- Para provar sua inocência, o Cônego Antônio Dias da Cunha ajui-
so, Ave Maria, Credo, Salve Rainha, mandamentos da lei de Deus, os zou uma ação, conseguindo contra Maria Cardosa e o dito pajem
da Santa Madre Igreja e os artigos da fé e das obras de miseri- sentença de morte, que, ao que tudo indica, foi comutada e os
córdias e virtudes teológicas”. condenados “ficaram com grande ódio contra o dito seu tio e, por
Finalmente, nessa audiência, informavam à ré que estava presa em conseguinte, contra ela, ré, pelo que seus testemunhos lhe não
virtude de ter se apartado da fé católica, professando a lei de Moisés e podem, nem devem, prejudicar em coisa alguma”. Outro caso, foi
era aconselhada a confessar suas culpas, bem como fornecer detalhes o do físico Nicolau Lopes que pretendia se casar com uma filha
das práticas hereges e nomes de pessoas envolvidas. Inês Henriques de Lopo Dias, avô da ré, mas que teve sua pretensão frustrada.
de Leão, no entanto, disse que não tinha culpas a confessar. Respondeu-lhe Lopo Dias, na ocasião, “que nem uma negra lhe
Regularmente admoestada das conseqüências de sua atitude, foi-lhe daria, quanto mais sua filha”. Anos mais tarde, Nicolau Lopes
nomeado curador e enviada ao cárcere do Santo Ofício. voltaria à casa de Lopo Dias para, dessa vez, pedir-lhe a mão da
própria ré, Inês Henriques, e mais uma vez recebeu uma negativa.
6. Em novas audiências perante o inquisidor, o licenciado Pero da Além disso, a causa da inimizade de Lopo Dias e Nicolau Lopes é
Silva de Sampaio, foram-lhe repetidas todas as acusações de prá- que sendo ambos da mesma profissão, o segundo andava “desa-
ticas de ritos judaicos, que ela negou sistematicamente. Admoes- creditando suas [de Lopo Dias] curas, dizendo que as não fazia
tada mais um vez sobre sua postura de negar as acusações, foi-lhe como convinha por ser muito velho”. Enredados nessa mesma
lido o libelo que, ao final, pedia: malquerença estavam Grimaesa Cardosa, mulher do dito Nicolau
“[que] a ré Inês Henriques de Leão seja declarada por herege e Lopes, e Branca Rodrigues, sua tia. Refutou, também, o testemu-
apóstata de nossa Santa Fé Católica, porquanto incorrendo em nho de um tio, Luis da Cunha Henriques, físico, natural do Porto,
sentença de excomunhão maior; em confisco de seus bens para o sendo a razão da inimizade o fato de o avô dela, o doutor Lopo
fisco e câmara real; e nas mais penas contra os semelhantes esta- Dias da Cunha, ter-lhe destinado um rico dote que o dito tio da ré,
belecidas; e como herege e apóstata pertinaz e negativa seja re- por inveja, não queria que se efetivasse. Outro depoimento tam-
laxada à Justiça Secular” bém contestado foi o de Pero Aires Vitória que tinha negócios
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em canaviais no Brasil em sociedade com o avô da ré, mas que o mandou que a desatassem e fosse levada a seu cárcere, onde seria
dito Pero Aires Vitória não dava contas a Lopo Dias, surgindo daí curada”.
grandes desavenças. Outra testemunha contraditada foi a do 9. A sentença final foi prolatada aos 5 de abril de 1620, confir-
próprio tio, Luis da Cunha, que segundo Inês lhe tinha granve mando-se os termos do Libelo (abjuração, perdimento de bens,
inveja e queria apoderar-se de um dote que seu avô, o doutor cárcere e hábito).
Lopo Dias da Cunha, lhe destinara. O tio fazia também arranjos
para casá-la “com um mancebo que não cria na lei de Moisés”, 10.Aos aos 5 de junho de 1620, Inês Henrique de Leão peticionou,
razão pela qual tinham desentendimentos. sob o argumento de que abjurara sua fé, bem como cumpria suas
obrigações religiosas cristãs, penitências, uso do hábito e do cár-
7. A seguir, no processo, lêem-se as confissões da ré que, na verda- cere, requerendo sua soltura, que foi, aos 22 de fevereiro de 1621,
de, repete os depoimentos das testemunhas sobre como se encon- deferida.
traram há “três anos pouco mais, pouco menos”, mas sem se
lembrarem do “dia ou mês”, e se deram conta que criam na lei de Rubens Rodrigues Câmara, advogado e genealogista, autor de “A Grande
Moisés e esperavam nela se salvar, mas não se lembravam tam- Família. Homenagem aos 75 anos de Luíza Soares de Jesus” (1996).
bém que iniciara a conversa, nem a que propósito. Ademais, re-
petem-se as confissões, por negação geral, e novos libelos. Mas
nessa parte do processo, é importante destacar que os iniquisido- Diplomacia Portuguesa
res fizeram admoestações à ré, “antes do tormento”, para que Foi criada em Portugal (22-02-2000) a Fundação Aristides de
confessasse suas “mais culpas” e tendo ela dito que nada mais ha- Sousa Mendes, com recursos do Ministério dos Negócios Estrangei-
via a confessar, foi-lhe lida a “sentença do tormento” : ros, para homenagear o seu ex-cônsul em Bordeaux, que durante a II
“Acórdão os inquisidores ordinários e deputados da Santa Inqui- Guerra Mundial emitiu vistos de entrada salvando muitos judeus do
sição que vistos estes autos, dos urgentes indícios que deles e da Holocausto. O objetivo da Fundação é a criação de um museu que
prova da Justiça resultam contra Inês Henriques de Leão, consta sirva para a educar contra a intolerância das novas gerações. O presi-
nestes autos do não fazer inteira e verdadeira confissão de suas dente da Fundação é a escritora Maria Barroso, auxiliada por um
culpas, porquanto não disse todas as pessoas que sabe andarem Conselho formado por Álvaro de Sousa Mendes (filho do Cônsul),
apartadas de nossa Santa Fé Católica e terem crença na Lei de António de Sousa Mendes (neto) e José Manuel Duarte. Aristides de
Moisés e quem a denunciou, nem das mais cerimônias que fez por Sousa Mendes do Amaral e Abranches nasceu em Cabanas de
guarda da mesma Lei e sendo por tudo perguntada com muita Viriato em 19-07-1885 e morreu em Lisboa, em 03-04-1954. Sendo
caridade e admoestada a confessar a verdade delas para se usar os seus pais, o juiz José de Sousa Mendes e Angelina Ribeiro de
com ela da misericórdia, o n ão quis confessar. O que tudo visto Abranches. Era descendente direto de um “cavaleiro da Ordem de
e com o mais que dos autos consta, mandam que antes de outro Cristo, Familiar do Santo Ofício” (Luiz Ribeiro de Abreu Castelo
despacho a ré Inês Henriques de Leão seja posta a tormento, Branco), e o seu irmão gêmeo César de Sousa Mendes foi Ministro
conforme o assento que neste processo está tomado onde será dos Negócios Estrangeiros do Governo Salazar. O ilustre genealo-
perguntada pelas sobreditas culpas para que manifeste a verdade gista português José António Severino da Costa Caldeira (Associa-
para salvação de sua alma e das ditas pessoas” ção Portuguesa de Genealogia), é autor do artigo “Ascendência
arganilense de Aristides de Sousa Mendes (Glosando um mote do
8. Publicada a sentença, inicia-se, no processo, sua parte mais dra- padre José da Costa Saraiva)”, publicado num jornal de Arganil, em
mática. Novamente admoestada para dizer toda verdade, Inês 1989, revelando que o “heróico diplomata tenha tido antepassados
Henriques de Leão foi, por fim, levada à tortura. No “Termo de arganilenenses, ainda que muito remotos, e que esses antepassados
admoestação na casa e tribuna junto ao tormento”, lê-se que como a hajam sofrido também o labéu, então ignominioso, de judeus”. No
ré não confessasse mais coisas do que já dissera, “foi mandado vir o caso a sua 7ª avó, Maria Mendes da Silva (1653 - ? ), por linha
ministro ao qual o Senhor Inquisidor Pero da Silva de Sampaio deu materna. Outro diplomata português que também deu a sua
juramento dos Santos Evangelhos, sob o encargo dele lhe foi dito que contribuição à salvação dos judeus durante a II Guerra Mundial foi
fizesse bem e fielmente seu ofício, executando nessa mulher o que lhe Alberto Carlos de Lis-Teixeira Branquinho (1902-1973). Ele en-
fosse mandado e que tivesse segredo em tudo que visse ou ouvisse,o trou para o serviço diplomático em 1930, exerceu funções no Rio de
que ele prometeu cumprir sob encargo do dito juramento. E logo Janeiro, e em 8 de abril de 1943, assumiu um posto em Budapeste,
levou a ré para a casa do tormento e despojada de seus vestidos a onde permaneceu até 1944. Alí “emitiu mais de 800 vistos a
assento no escabelo na forma ordinária, estando nesse estado, o refugiados e deu proteção a judeus na capital da Hungria”, segundo
Senhor Inquisidor a admoestou de novo [para que] confessasse suas noticiou um jornal português. Tanto Souza Mendes, quanto Teixeira
culpas, protestando que se morressse, ou quebrasse algum membro, Branquinho, foram homenageados na ONU por seus atos
ou lhe causasse algum mal no dito tormento, a culpa seria sua e não humanitários em janeiro de 2000.
dele, Senhor Inquisidor, nem dos mais ministros do Santo Ofício. E
por dizer que tinha dito a verdade, o ministro, fazendo seu ofício, lhe
pôs as mãos para trás e atadas, lhe foi dando voltas com a correia O último marechal brasileiro
nos braços, e a ré foi sempre gritando, dizendo que tinha dito a Marechal já foi o último posto do Exército Brasileiro. Era
verdade. E logo lhe foi posto o cordel por cima da correia, dando concedido ao General-de-Exército que tivesse participado de com-
voltas e ela sempre gritando que tinha dito a verdade e que Deus lhe bate. O posto foi extinto em 1967. Do grupo de marechais brasileiros
valesse e a Virgem Nossa Senhora. E sendo perfeitamente atada, foi vive o último deles, o carioca Waldemar Levy Cardoso, que
outra vez admoestada pelo Senhor Inquisidor [para que] acabasse de completou 100 anos. Cardoso, irmão de outro marechal. É filho do
confessar a verdade, e por dizer que a tinha dito, lhe foi posto o português António de Almeida Cardoso e da judia magrebina
calebre [= corda grossa] e começado a levantar até o lugar do libelo, Estella Levy. Ele nasceu no Rio de Janeiro (04-12-1900). Sua
onde foi outra vez admoestada para que acabasse de confessar suas carreira militar foi brilhante. Ocupou todos os postos militares, lutou
culpas, e ela dizia que não tinha culpas que confessar. Foi levantada na II Guerra Mundial e um de seus destaques profissionais foi ter
até a roldana, onde foi novamente admoestada pelo Senhor sido Presidente da Petrobrás. A Folha de S. Paulo publicou um
Inquisidor, e por dizer que não tinha mais o que confessar, foi artigo com fotografia registrando a efeméride. [“Último marechal do
deixada cair [...]. Por estar satisfeito ao assento, o Senhor Inquisidor Brasil chega aos 100”, Isabel Clemente, 14-01-2001]
14 • GERAÇÕES / BRASIL, Junho 2001, vol. 10
Bandeirantes e Cristãos-Novos em Curitiba.
Tempo e comemoração em família. Um casamento de herdeiros de Bandeirantes e Cristãos-Novos
em Curitiba. Uma interpretação genealógica e sociológica de alguns dos primeiros curitibanos.
Ricardo Costa de Oliveira.

T he lawyer and playwriter Antonio Jose da Silva, tied and burnt in 1739 is the most well known victim of
the Inquisition in Brazil. It is known that he had children but until now there is no genealogy of his
descendants. In Paraná there lives a family called Miranda Coutinho who belongs to the local elite and is
descendant of from the same branch as Antonio Jose da Silva. In this article Ricardo Costa de Oliveira,
member, of this family writes about their origins from the XVIII century to modern date.

Rituais Dialéticos um homem rico pela inquisição que o perseguiu e o prendeu em


1666, tendo conseguido escapar com vida, destino melhor que o seu
oda comemoração é um fenômeno social. Rituais de passagem
Tfuturo.
procuram reafirmar os vínculos do passado com o presente e o
Tentativas de se marcar o vórtice do tempo social. A presença
bisneto9.
O estigma de cristão-novo e de vítima da inquisição não foi impe-
portuguesa no planalto curitibano data de meados do século XVII. dimento para as posições privilegiadas obtidas posteriormente por
Analisaremos alguns grupos que contribuíram no povoamento de Amaro de Miranda Coutinho no então longínquo litoral paranaense. Aos
Curitiba em relação às suas origens. Estabeleceremos algumas cone- nove de novembro de mil setecentos e dezoito recebeu, diretamente do
xões entre os grupos tupi (que estão no que nós chamamos de Brasil Rio de Janeiro10, uma sesmaria de uma por duas léguas na paragem do
há mais de 500 anos) com os portugueses de São Paulo e os judai- Curral, pela estrada da Praia11. Em dezesseis de setembro de mil
zantes do Rio de Janeiro na formação de alguns dos primeiros habi- setecentos e quarenta e três recebeu outra sesmaria no litoral na loca-
tantes de Curitiba e povoadores do Paraná.. Toda genealogia é uma lidade do Olho D’Agua, com uma por uma légua, do lado de terras da
comemoração do passado familiar em seus marcos de continuidade. Companhia de Jesus, o que mostra o grande prestígio de Amaro de
A linguagem genealógica pode revelar aspectos das estruturas so- Miranda Coutinho na região. Ele foi um dos poucos a ter recebido duas
ciais, econômicas, políticas e culturais do passado. datas de sesmaria na listagem feita por Marina Ritter. De acordo com
hipótese conversada com Antonio Roberto Nascimento, o tratamento
preferencial recebido por Amaro de Miranda Coutinho no sul do Brasil
Quem casou com quem. Casar é fazer alianças deve estar relacionado com os interesses estratégicos da Coroa na ocu-
sociais pação e povoamento de regiões remotas no início do século XVIII ,
Aos vinte e sete de setembro de mil setecentos e quarenta e dois enquanto que em outros centros os cristãos-novos eram perseguidos em
houve um casamento na Igreja de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais função de seus atributos intelectuais ou materiais mais desafiadores ao
de Curitiba2. O então Alferes Miguel de Miranda Coutinho contraiu status quo colonial.
núpcias com Isabel da Silva de Jesus. O pai do noivo era o Amaro de A melhor prova da recuperação social de Amaro Miranda Cou-
Miranda Coutinho casado com Maria de Barros e moradores em tinho na nova comarca foi o casamento de seu filho, o Alferes Miguel de
Paranaguá. A noiva era filha de João Carvalho de Assunção casado Miranda Coutinho com Isabel da Silva de Jesus, herdeira familiar
com Maria Bueno da Rocha, moradores de Curitiba. Miguel de Mi- das principais famílias da Capitania de São Paulo. O título de alferes
randa Coutinho seria o primeiro Capitão-Mor Diretor de Guaratuba, a já revelava certa integração nas formações de ordenanças, o que
terceira vila mais antiga do Paraná, estabelecida em 17713. Isabel era significava a sua aceitação nas estruturas de uma classe dominante
bisneta do Capitão-Povoador de Curitiba Mateus Martins Leme4. militarizada na época. Através da genealogia de Isabel é possível a
recuperação de parte das estruturas de parentesco presentes no povoa-
mento inicial do Paraná.
Cristãos-Novos no Paraná setecentista
Bandeirantes em Curitiba
A maro de Miranda Coutinho era um indivíduo com uma curiosa
5
história social . Amaro e a sua família tinham sido submetidos a Isabel da Silva de Jesus era filha do Capitão João Carvalho de
um rigoroso auto-de-fé. O seu processo data de 1711. O Santo Ofício Assunção12, proprietário da fazenda de Furnas, herdada de seu pai. O
esteve particularmente ativo no Rio de Janeiro no começo do século Capitão João Carvalho possuiu lavras de ouro no Arraial Grande (São
XVIII. Amaro e a sua família eram cristãos-novos. Ele nasceu e foi José dos Pinhais) e se dedicava a incursões exploratórias no sertão.
batizado no Rio de Janeiro em oito de maio de mil seiscentos e se- Participou da descoberta dos campos de Palmas com outros ban-
tenta e cinco6 . Dos seus onze irmãos, sete foram mencionados no deirantes, como Zacarias Dias Cortes, que na década de 1720 explo-
auto-de-fé de vinte e seis de julho de mil setecentos e onze7. Eles ravam ouro no vale do Rio Uruguai. O Capitão também participou da
eram filhos do licenciado Aires de Miranda Henriques, nascido na governança de Curitiba, tendo sido eleito vereador em 1740. O Ca-
Bahia, com Ana Gomes Coutinha. Tratava-se não apenas de uma pitão João Carvalho de Assunção foi casado com Maria Bueno da
elite social, mas também de uma elite cultural. Um dos irmãos era o Rocha, de cuja origem iremos analisar adiante.
Doutor João Álvares Figueiró, titulado em Coimbra. Eram primos O Capitão João Carvalho de Assunção era filho do Capitão Ma-
pelo lado materno com o Antonio José da Silva, o Judeu, dramaturgo noel Picam de Carvalho casado em mil seiscentos e oitenta e três com
nascido no Rio de Janeiro e autor de óperas sarcásticas de sucesso em Maria Leme. Manoel Picam de Carvalho seria natural de Paranaguá.
Lisboa. Este foi queimado8 em 1739. Eram todos bisnetos de Miguel Desde cedo se dedicou a mineração no antigo Rio do Picam, com o
Cardoso, mercador, senhor de engenho, homem público e um dos seu pai de mesmo nome. Membro das ordenanças. Foi proprietário do
chefes da comunidade marrana do Rio de janeiro. Era considerado sítio do Itaqui e da sesmaria de Furnas. Devido a disputas e rixas com
15 • GERAÇÕES / BRASIL, Junho 2001, vol. 10 • 15
1683-1684 adiante, e de forma fragmentária. Logo, parte das informções
dos pioneiros do povoamento de Curitiba são muito precárias. Os Góes,
por exemplo, são de difícil análise em suas origens. O fato é que Mateus
Martins Leme pertence ao título Martins Bonilhas e Leme da clássica
Genealogia Paulistana de Silva Leme. A genealogia dos Lemes é
razoavelmente conhecida desde a sua vinda de Flandres e de Bruges,
passando por Portugal e pelas Ilhas Atlânticas até São Vicente e São
Paulo.
O Capitão Manoel Picam de Carvalho era filho de Manoel
Picam de Carvalho com Ana Maria Bicudo. Esta era filha de Garcia
Rodrigues Velho com Isabel Bicudo de Mendonça. Francisco Negrão
apresenta Garcia Rodrigues Velho como o descobridor do ouro em
Curitiba14. Silva Leme15 também indica um Garcia Rodrigues Velho
casado com Isabel Bicudo (moradores em Paranaguá), sendo que o
Garcia Rodrigues Velho16 era filho do Coronel Garcia Rodrigues
Velho, casado com uma mulher da qual não se conhece o nome, e
que também estiveram em Curitiba. Seguindo a possibilidade de
identificação dos dois Garcias Rodrigues Velho presentes no territó-
rio do atual Paraná, seguimos Silva Leme nas origens desses bandei-
rantes mineradores dos sertões com o nome de Garcia Rodrigues Ve-
lho. São quatro Garcia Rodrigues Velho, dos quais supomos que o
quarto último foi o casado com Isabel Bicudo de Mendonça, pais de
Ana Maria Bicudo casada com o primeiro Manoel Picam de Car-
valho. O segundo Garcia Rodrigues Velho foi casado com Maria
Betting, filha de Geraldo Betting, natural da Alemanha e destacado
mineralogista. Daí viria a grande capacidade de se encontrar novas
lavras e certo expertise mineralógico dessa família. Geraldo Betting
foi casado com Custódia Dias, neta do português Manoel Fernandes
Ramos casado com Suzana Dias. Ora, este último casal representa a
cabeça do título dos Fernandes Povoadores de Silva Leme. Eles fo-
ram os responsáveis pela expansão para o sul-sudoeste de São Paulo.
Foram os chefes dos grupos fundadores de Santana de Parnaíba e de
Sorocaba. E mais, Suzana Dias seria filha da índia batizada como
Beatriz Dias, por sua vez filha de Tibiriçá, o chefe dos tupiniquins de
São Paulo. Há uma visível rede de parentesco e poder na expansão
dirigida para o sul. A cada geração se avançava mais para o sertão,
porém se preservava a ordem das famílias principais que comandam
esse empreendimento colonizador.
Outra figura importante desse processo de avanço para os ser-
Antônio José da Silva, o Judeu (1705-1739) primo do capi- tões, inserido nesse grupo familiar foi Fernão Dias Paes. O segundo
tão Amaro de Miranda Coutinho Garcia Rodrigues Velho casado com Maria Betting são os pais de Maria
Garcia Betim17, a casada com o Capitão Governador Fernão Dias
Simeão Cardoso, Manoel Picam teria se mudado para as proximida- Paes, o caçador de esmeraldas, um dos símbolos máximos do bandei-
des do Rio Iguaçú. Dos diversos filhos do Capitão Manoel Picam, é rantismo nas atuais Minas Gerais.
interessante o registro de Maria Leme casada com Zacarias Dias O quarto Garcia Rodrigues Velho, o descobridor do ouro em
Cortes, explorador do distante sudoeste, descobridor dos Campos de Curitiba, casou com Isabel Bicudo de Mendonça. Ela era filha de
Palmas e do vale do Uruguai. Gonçalo Pires Bicudo casado em 1634, em São Paulo, com Juliana
Maria Leme, a primeira, casada com com o Capitão Manoel Picam Antunes Cortes. Este muito provavelmente foi o primeiro casal de
de Carvalho, era filha do Capitão-Povoador Mateus Martins Leme. moradores de nomes portugueses em Curitiba18. Silva Leme afirma
Mateus Leme foi uma das principais lideranças na sociedade curitibana que já estariam na área de Curitiba em 1660. Desde a década de 1650
do final do século XVII. Bandeirante paulista com várias entradas no que eles já povoavam o local em que seria estabelecido o município
sertão. Na sua sesmaria no Rio Barigui, oficializada em documento de de Curitiba19. Eles teriam vindo também em função das tropelias
1/9/1668, possuía vários escravos indígenas. Participou do ato de levan- entre poderosas famílias de São Paulo, a conhecida guerra entre os
tamento do pelourinho de 4/11/1668 e da criação da vila em 29/3/1693. Pires e os Camargos. Curitiba seria mais um ponto de refúgio e de
Faleceu Mateus Leme em 1697 com testamento, no qual se conhece o ataque para o partido dos Pires, grupo tendendo mais a ser da facção
padrão de vida da classe dominante curitibana do século dezessete. Os pró-portuguesa dos Pires. Ermelino de Leão também refere que vie-
bens materiais eram muito diminutos13. O filho Antonio Martins quando ram acompanhando o casal Gonçalo Pires Bicudo e Juliana Antunes
casou com a filha de Baltazar Carrasco dos Reis levou cinqüenta vacas, Cortes os sogros Inocencio Fernandes Preto e Catarina Cortes mais o
um escravo rapaz e três espingardas. As posses resumiam-se a gado Capitão Nuno Bicudo de Mendonça20 (irmão de Gonçalo). Com-
vacum, cavalgaduras, ovelhas, poucas ferramentas e alguns escravos da pletando a rede de parentesco dos primeiros povoadores ainda temos
terra. Mateus Leme era senhor de cerca de trinta escravos de origem o irmão de Juliana Antunes Cortes (filhos de Inocêncio Preto com
índia, alguns dos quais deveriam ficar livres nas disposições do testa- Catarina Cortes), Inocêncio Fernandes Preto, o moço, casado com
mento. Mateus Leme foi casado com Antonia de Góes e a partir desse Maria de Siqueira (falecida em 1674) e pela segunda vez com Izabel
ponto começam algumas dúvidas sobre a origem dos primeiros curiti- da Costa21. Da primeira mulher teve Maria de Siqueira, casada com
banos. Os registros eclesiásticos só contemplam informações de Luiz de Góes, que seria irmão de Antonia de Góes, mulher de Mateus
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Martins Leme. Estes foram alguns dos principais moradores da Vilinha O pai do Capitão Antonio Bueno da Veiga era Baltazar da Costa
do Atuba, Vila dos Cortes ou Vila Velha, conforme era conhecida a Veiga, potentado em arcos, senhor de muitas terras com muitos ín-
localidade, de acordo com o inventário de Maria Bicuda22. Em 1654 já dios cativos. Seguiu em 1676 para as Minas Gerais sob o comando de
haveria um primitivo templo no Atuba com a imagem de Nossa Fernão Dias Pais. Faleceu em 24/8/1700. Outro filho de Baltazar da
Senhora da Luz, em uma modesta capelinha coberta de palha23. Costa Veiga e irmão de Antonio Bueno da Veiga foi o Capitão-Mor
O culto de Nossa Senhora da Luz foi trazido com essas pessoas. Amador Bueno da Veiga, importante personagem em Minas gerais,
Culto tradicionalmente português, esteve associado a religiosidade sendo o chefe dos paulistas na guerra dos emboabas. Baltazar da Cos-
popular nos arredores de Lisboa. Outra filha de Inocêncio Fernandes ta Veiga era filho de Jerônimo da Veiga, falecido em 1660, casado
Preto com Catarina Cortes foi Mariana da Luz. com Maria da Cunha. Ela era por sua vez filha de João Gago da
Inocencio Fernandes Preto (casado com Catarina Cortes e pais Cunha (filho de Henrique da Cunha Gago com Isabel Fernandes) com
de Juliana Antunes Cortes e de Inocencio Fernandes Preto, o moço) Catarina do Prado (filha de João do Prado, natural de Olivença, com
era filho de Domingas Antunes com Gaspar Fernandes. Domingas era Filipa Vicente, que era filha de Pedro Vicente com Maria de Faria,
filha de Antonio Preto, português vindo por volta de 1560 para São sócios do Engenho dos Erasmos, um dos primeiros estabelecimentos
Paulo. Foi juiz ordinário em 1575, almotacel em 1576 e 1580 e econômicos no litoral vicentista).
vereador em 1577 e 1580. Participou da entrada do Capitão-Mor Baltazar da Costa Veiga era casado com Maria Bueno de Men-
Jeronimo Leitão ao litoral paranaense em 158524. Silva Leme coloca donça34, filha de Amador Bueno, o moço, casado com Margarida de
Antonio Preto como irmão de Manoel Preto, proprietário de uma Mendonça em 1638 em São Paulo. Amador Bueno era filho de
grande fazenda com a capela de Nossa Senhora da Expectação do Ó, Amador Bueno da Ribeira (o aclamado), Capitão-Mor e ouvidor da
com centenas de índios cativos. Ele foi um bandeirante que partici- Capitania de São Paulo. Casou-se com Bernarda Luiz, filha de Do-
pou da entrada de 1602 ao Guairá com Nicolau Barreto e um dos mingos Luiz Carvoeiro, Cavaleiro da Ordem de Cristo, casado com
chefes da grande bandeira de 1628 também contra o Guairá. Pedro Ana Camacho.
Taques informa que ele destruiria várias reduções no Ivaí, no Tibagi e O núcleo do poder mameluco de São Paulo no século XVII era
no Uruguais25. representado em boa parte por este núcleo familiar. O Capitão-Mor
Gonçalo Pires Bicudo (casado com Juliana Antunes Cortes) era Amador Bueno da Ribeira era filho de Maria Pires, da importante família
filho do Capitão Manoel Pires com Maria Bicudo. Manoel Pires é Pires35 ( Maria Pires era irmã de Beatriz Pires, por parte de pai, e logo tia
registrado no sertão desde 1615. Participou com o seu genro Antonio do bandeirante Manoel Pires, já visto atrás na genealogia curitibana).
Raposo Tavares na grande bandeira ao Guaíra de 1628. Manoel Pires Maria era filha de Salvador Pires com Messiauçu, filha de Antonio
também participou de ações contra os jesuítas em São Paulo e em Rodrigues com Antonia Rodrigues e neta materna da índia Antonia
Barueri. Foi um dos chefes da bandeira destroçada em 1641 em Rodrigues, filha do chefe tupiniquim Piquerobi. Por essas linhas se
Mbororé. Teve fazendas em Parnaíba e em Cutia com grande escra- revela certa continuidade entre os maiorais tupi e a fundação de São
vatura índia26. Manoel Pires era filho de Beatriz Pires, filha de Sal- Paulo. Poder que é transmitido aos seus antepassados como Amador
vador Pires, personagem de destaque em São Paulo no século de- Bueno da Ribeira. Também a mulher do Capitão-Mor, Bernarda Luiz
zesseis com grandes lavouras mantidas por índios. Foi da governança seria bisneta de Joana Ramalho36 (casada com o Capitão-Mor Jorge
de São Paulo e faleceu com testamento em 1592. Era cabeça do título Ferreira), filha de João Ramalho com Izabel Dias, a filha do grande chefe
dos Pires na Genealogia de Silva Leme27. Antonio Raposo Tavares índio Tibiriçá, tão importante para a colonização de São Paulo que os
foi casado com Beatriz Furtado de Mendonça, filha de Manoel jesuítas e o poder municipal o enterraram com honras na Igreja da Sé.
Pires28.. Maria Bicudo (a mãe de Gonçalo Pires Bicudo) era filha de O pai de Bernarda Luiz, Domingos Luiz Carvoeiro, também é
Antonio Bicudo Carneiro com Isabel Rodrigues. Antonio Bicudo importante para a futura fundação de Curitiba por outro motivo. Era ele
Carneiro era natural da Ilha de São Miguel nos Açores. Participou da Cavaleiro Professo da Ordem de Cristo e foi o fundador da Capela de
governança de São Paulo, tendo sido juiz em 1574 e 1584, vereador e Nossa Senhora da Luz em São Paulo. Anchieta escreveu ao Capitão
ouvidor em torno de 1585. Esteve em vária entradas ao sertão, Jeronimo Leitão que Domingos Luiz estava acabando a Igreja e nela já
inclusive na de Afonso Sardinha de 1593, na de Nicolau Barreto ao havia tido uma missa com muita festa. A data era 15/11/157937. Em
Guairá em 1602 (primeira naquela região) e na de 1628 também ao outro artigo exploramos as conexões entre o culto de Nossa Senhora da
Guairá com Antonio Raposo Tavares29.. Antonio Bicudo Carneiro Luz e o projeto expansionista de Portugal e de suas instituições como a
teria mandado levantar o pelourinho em São Paulo em 158530. Está Ordem de Cristo38.
apontado como o capítulo 1 do título dos Bicudos, importante família Isabel Fernandes da Rocha (casada com o capitão Antonio
de bandeirantes e sertanistas de São Paulo na genealogia Paulistana. Bueno da Veiga) foi inventariada em Curitiba em 171739. Ela era
Já a esposa de Antonio Bicudo Carneiro está como filha de Garcia filha do Capitão Antonio Bicudo Camacho com Maria da Rocha. O
Rodrigues com Izabel Velho, pais também de sua irmã Messia Capitão Camacho seguia o típico padrão dos bandeirantes pioneiros
Rodrigues casada com Domingos Gonçalves da Maia, pais por sua de Curitiba. Natural de São Paulo, dedicava-se a mineração. Possuía
vez do primeiro Garcia Rodrigues Velho(analisado atrás). Todos no lavras de ouro em Santa Cruz do Sutil, na área de Palmeira. Constava
título dos Garcias Velhos da Genealogia Paulistana de Silva Leme. em quase todos os inventário de Curitiba de 1694 até 1699. Senhor de
Retornando para a nossa noiva de 1742, Isabel da Silva de Jesus, muitos escravos. Posteriormente se mudaria para São Francisco do
analisaremos a mãe dela, Maria Bueno da Rocha31. Filha do Capitão Sul40. Era filho de Sebastião Fernandes Camacho com Isabel Bicudo
Antonio Bueno da Veiga casado com Isabel Fernandes da Rocha. O de Brito. Sebastião Fernandes Camacho era filho do pai com o mes-
Capitão Antonio Bueno da Veiga teria vindo para Curitiba em mo nome. Ambos eram experimentados sertanistas, sendo que o pai
168432. Dedicava-se a mineração. Recebeu a sesmaria33 de Miringuava participou da bandeira contra o Guairá em 162841. Este Sebastião
em 9/12/1719. Também consta a sesmaria de Goramiringuaba recebi- Fernandes Camacho mais velho foi casado com Maria Affonso, filha
da em 16/8/1743, com duas léguas por duas léguas, onde o Capitão de outra de igual nome, casada supostamente com Marcos Fernandes
Antonio Bueno da Veiga possuía três fazendas de gado. Para o fim de (irmão de Messiauçu e bisnetos do Piquerobi). A Maria Affonso mãe
sua vida, a pecuária parece ter passado a ser uma forte atividade eco- seria filha de Pedro Affonso, um dos pioneiros de São Paulo. Pedro
nômica, o que evidencia o destino econômico da região em meados Affonso teria “resgatado” uma tapuia do sertão que seria a mãe das
do século XVIII. Antonio Bueno da Veiga casou-se pela segunda vez irmãs Affonso. Tal fato, colocado por Silva Leme, motivou e motiva
em Minas Gerais. grande polêmica, uma vez que seriam os antepassados de pessoas

17 • GERAÇÕES / BRASIL, Junho 2001, vol. 10 • 17


também da Família Camargo42. O fato é que estes são os primórdios da Silva. O domínio familiar do atual litoral sul do Paraná era muito
genealógicos de São Paulo e aconteceu intensa mestiçagem entre grande e também cobria as terras ao norte de Guaratuba, haja visto
portugueses e tupiniquins. que em 20/5/1787 o Capitão-Mor Miguel de Miranda Coutinho e sua
Isabel Bicudo de Brito43, casada com o segundo Sebastião Fer- esposa venderam a seu filho a localidade de Caiová (atual Caiobá)
nandes Camacho, era filha de Antonio Bicudo com Maria de Brito. por 25$000 a seu filho Joaquim47. O domínio familiar ficou garan-
Novamente o círculo do parentesco se fecha. Antonio Bicudo era filho tido, uma vez que o sucessor do Capitão-Mor Miguel de Miranda
do Ouvidor de 1585, o açoriano Antonio Bicudo Carneiro com Isabel Coutinho foi o seu outro filho Manoel de Miranda Coutinho, nomea-
Rodrigues (filha de Garcia Rodrigues com Isabel Velho, título Garcias do Capitão-Mor de Guaratuba em 5/4/179548. Era casado com Maria
Velhos). Maria de Brito era filha de Diogo Pires (filho do pioneiro Serafina de Araújo, filha do Tenente Joaquim Araújo de Morais com
Salvador Pires, título dos Pires. Diogo era irmão de Beatriz Pires e tio do Ana Maria Matozo49. O inventário da esposa do segundo Capitão-
bandeirante Manoel Pires) com Isabel de Brito44. Mor de Guaratuba revela importantes aspectos da vida material da
classe dominante da região naquela época e foi transcrito por Joa-
Os frutos do casamento quim da Silva Mafra em sua História de Guaratuba.
O casal Miguel de Miranda Coutinho e Isabel da Silva de Jesus teria Outro filho que foi identificado foi José de Miranda Coutinho.
uma longa e próspera (para as condições do Paraná do século XVIII) Seguiu a típica carreira militar. Em 1762 ele consta no documento
vida. Encontramos registros do casal na fundação da vila de Guaratu- dos oficiais presentes no cerco da Colônia do Sacramento e que com-
ba em 1771. Joaquim da Silva Mafra na sua História do Município de bateram os espanhóis no Rio da Prata50. Em 1771 aparece como
Guaratuba45 considera o então Capitão-Mor Diretor Miguel de Mi- Vereador em São Francisco do Sul51. Antonio Roberto Nascimento
randa Coutinho como o seu grande povoador. Um dos principais em sua Genealogia Francisquense (Gente de São Francisco do Sul -
responsáveis pela governança e segurança da recém-criada povoação Os Miranda Coutinho, o encontra como Sargento-Mor, que deve ter
litorânea. O Capitão-Mor faleceria em junho de 1793 e sentia-se sido sua última posição. Uma das suas filhas, Rita Clara de Miranda
completamente integrado no status quo colonial do Brasil Meridio- casou com o Capitão Salvador Gomes de Oliveira, que foi Vereador,
nal. Inclusive mandou vir da Bahia uma imagem de Nossa Senhora Juiz Ordinário e Juiz de Órfãos em São Francisco do Sul52. O Capi-
do Bom Sucesso46. O seu casamento durou mais de cinqüenta anos e tão Oliveira também era o titular da sesmaria de Porto da Caçada,
ele alcançou um dos mais elevados cargos no Paraná Colonial. Não recebida em 180553. Os casamentos preferenciais na classe domi-
conseguimos descobrir por quanto tempo mais viveu a viúva Isabel nante da região continuavam nos descendentes do casal de 1742.

Miguel Cardoso
Chefe da Comunidade Criptojudia Francisca Coutinha
do Rio de Janeiro, séc. XVII

Baltasar Rodrigues Coutinho


Isabel Cardoso

Ana Gomes Coutinha

Cap. Amaro de Miranda Coutinho


Lourença Coutinha Maria Coutinha
Amaro de Miranda Coutinho

Cap-mór Miguel de Miranda Coutinho (? – 1793)

Antônio José da Silva


Sarg-mór José de Miranda Coutinho Dr. João Tomás de Castro
O Judeu, 1705 – 1739

Rita Clara de Miranda (ambos queimados pela Inquisição)

Alf. João Gomes de Oliveira (1824 – 1842)


latifundiário

Cap. João Gomes de Oliveira


(1865 – 1934)

João Gomes de Oliveira


(Joinvile, 1896 – ?, 1937)

Cel-Aviador João Vitor Gugisch de Oliveira


(Lages, 1936)

Prof. Dr. Ricardo Costa de Oliveira


(RJ, 1964)

18 • GERAÇÕES / BRASIL, Junho 2001, vol. 10


O primeiro poeta paranaense • Carvalho Franco, Francisco de Assis (1954). Dicionário de Ban-
deirantes e Sertanistas do Brasil. Séculos XVI-XVII-XVIII .
ernando Amaro de Miranda54é considerado o primeiro poeta
FCoutinho
paranaense. Ele seguramente é descendente de Amaro de Miranda
e parente do Capitão-Mor Miguel de Miranda Coutinho.
• Dines, Alberto (1992). Vínculos do Fogo. Companhia das Letras.
• Dicionário Histórico-Biográfico do Paraná (1991). Livraria do
Chain-Banestado.
Nasceu em Paranaguá em 24/6/1831 e faleceu jovem em 15/11/1857.
• Ferreira da Silva, Lina Gorenstein (1995). Heréticos e Impuros.
Era filho de Antonio Dionizio de Miranda, natural de São Francisco
Coleção Biblioteca Carioca. Volume 39.
do Sul e de Ana Rosa de Miranda, de Paranaguá. Fernando Amaro foi
• Leão, Ermelino de (1926).Dicionário Histórico e Geográfico do
guarda-livro e se dedicou ao comércio em Morretes. Também foi
Paraná. Placido e Silva.
Secretário da Câmara de Morretes. Joaquim Tamujas escreveu que
• Nascimento, Antonio Roberto (inédito). Gente de São Francisco
“O Amaro do seu nome teria sido uma homenagem a um cidadão de
do Sul. Os Miranda Coutinho, Os Gomes de Oliveira.
nome Amaro de Miranda, e, provavelmente tio do poeta. Há referên-
• Negrão, Francisco (1926-1950). Genealogia Paranaense. Im-
cias histórica , hoje sabida, de que uma sua ascendente de nome Ma-
pressora Paranaense.
ria seria proprietária de uma sesmaria em terras de Paranaguá, pro-
• Oliveira, Ricardo Costa de (inédito). A Identidade do Brasil
vavelmente localizada na região do Pontal do Sul”55. As informações Meridional. Ciclo de Debates Brasil 500 anos- Funarte.
correspondem ao já analisado. Amaro de Miranda Coutinho recebeu • Rheingantz, Carlos G. (1965). Primeiras Famílias do Rio de
uma sesmaria no litoral ao sul de Paranaguá e era casado com Maria Janeiro, Volume II. Livraria Brasiliana Editora.
de Barros. Um dos filhos também foi o Amaro de Miranda Coutinho, • Ritter, Marina Lourdes (1980). As Sesmarias do Paraná no Século
o moço. Joaquim Tramujas afirma que o poeta envolveu-se em uma XVIII. Estante Paranista 9. IHGEP.
paixão com uma filha do Comendador Ricardo dos Santos e teria • Silva Leme, Luiz Gonzaga da (1903-1905). Genealogia Pau-
sofrido “total restrição paterna”56. O autor aventa a hipótese da re- listana. Duprat.
jeição ter sido motivada por razões centradas no preconceito racial. • Silva Mafra, Joaquim da (1952). História do Município de Gu-
Seria Fernando Amaro um “mulato”, o que teria possivelmente cau- aratuba.
sado a sua rejeição e a sua desdita amorosa que teria contribuído pa- • Tramujas, Joaquim(1957). Contribuição à Biografia de Fernando
ra sua morte precoce, na versão de Tramujas. O fato é que Fernando Amaro. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Paranaguá,
Amaro de Miranda era descendente de refugiados da inquisição, Ano II, jul.-dez.. N°12, 33-37.
parente de outro escritor de infeliz destino, o Antonio José da Silva. • Varnhagen, Francisco Adolfo de (1962). História Geral do Bra-
Apesar da modéstia do meio cultural em que ele viveu e a sua sil.. 7° Edição.
pequena contribuição, ele foi homenageado pelas outras gerações • Wolff, Egon e Frieda (1986). Dicionário Biográfico de Judaizan-
como o primeiro poeta paranaense, ou como coloca o Almanach do tes e Judeus no Brasil. Erca Editora e Gráfica.
Paraná de 1901 — “Foi elle quem orchestrou primeiro, em terras
paranaenses a ouvertura do sonho”57.
Notas
Conclusão 1 Primeiro Livro Manuscrito de Matrimônios da atual Basílica de
Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba.
omemorações são rituais de passagem. Comemora-se a perma-
C nência. Continuidades que de acordo com as genealogias clássicas
atravessam mais de quinhentos anos. Analisamos alguns membros da
3 História do Município de Guaratuba. Joaquim da Silva Mafra :
1952, 89,92.
4 Genealogia Paranaense. Francisco Negrão. Volume 4 : 1929, 211.
elite “paranaenses” colonial. Os descendentes paranaenses da fundação 5 Heréticos e Impuros.. Lina Gorenstein Ferreira da Silva,44,173. A
de São Paulo e de boa parte da sua classe dominante nos séculos XVI e genealogia dos descendentes de Amaro de Miranda Coutinho está
XVII representam linhas de ascendentes muito mais distantes do que os sendo pesquisada por Antonio Roberto Nascimento, cujo rascunho
que vieram nas caravelas ou as viram das praias. Possíveis heranças tupi inicial nos foi entregue.
que permanecem recônditas, escondidas. Depois se constrói o núcleo de 6 Rheingantz (1965), Primeiras Famílias do Rio de Janeiro, Volu-
poder mameluco em São Paulo de Piratininga. A família dos Bueno da me II, 605.
Ribeira é um bom exemplo. Domingos Luiz Carvoeiro criou a Igreja de 7 Egon e Frieda Wolff. Dicionário Biográfico de Judaizantes e
Nossa Senhora da Luz em São Paulo58. Seus descendentes estariam na Judeus no Brasil, 1986, 51-52 e 89.
povoação de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba. Com as 8 Ver Vínculos do Fogo, Alberto Dines.
pequenas e as grandes bandeiras se atinge o Atuba e o Barigui. Curitiba 9 Op. cit. Genealogia. Lado Materno 1.
seria em meados da década de 1650 um ponto de apoio e refúgio do 10 Arquivo Nacional. Sesmarias do Paraná.
partido dos Pires, a facção considerada mais pró-portuguesa na famosa 11 As Sesmarias do Paraná no Século XVIII. Marina Lourdes Ritter.
Guerra de Famílias entre os Pires e os Camargos. Outros refugiados Lista de sesmarias no Paraná.
cristãos-novos chegam às terras paranaenses para aqui refazerem as suas 12 Dicionário Histórico e Geográfico do Paraná, 960. Ermelino de
vidas. Todos estariam procurando a terra sem mal ou a simples pros- Leão.
peridade material ? Singelas histórias dos distantes séculos XVI , XVII, 13 Op.cit. 1270-73.
XVIII e que continuam com outras gentes (vindas de horizontes ainda 14 Genealogia Paranaense, Volume 4, 209-210. Francisco Negrão
mais distantes) nos séculos XIX e XX. Histórias da nossa gente e dos 15 Genealogia Paulistana, Volume 7, 456. Silva Leme.
nossos antepassados. Que descansem em berço forte. 16 Outra opinião apresenta Ermelino de Leão no seu Dicionário do
Paraná , 438, que o coloca como filho de Domingos Rodrigues da
Fontes Primárias : Cunha e vinculado no título dos Cunha Gago da Genealogia
• Primeiro Livro Manuscrito de Matrimônios da atual Basílica de Paulistana de Silva Leme. A hipótese de Silva Leme nos parece
Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba. mais significativa no atual estágio de pesquisas.
• Arquivo Nacional, Sesmarias Paranaenses e Catarinenses. 17 Genealogia Paulistana, Volume 7, 452.
18 Dicionário Histórico e Geográfico do Paraná, 1235. Ermelino Leão.
Referências Bibliográficas : 19 Op.cit. 775-776.
• Arroyo, Leonardo (1954). Igrejas de São Paulo. Coleção Docu- 20 Silva Leme, 448.
mentos Brasileiros 81. José Olympio. 21 Silva Leme, V8, 326-327.
19 • GERAÇÕES / BRASIL, Junho 2001, vol. 10 • 19
22 Ermelino de Leão, 776. pode mudar radicalmente o que Silva Leme colocou na Introdução
23 Ermelino de Leão, 1275. do seu Volume 1.
24 Dicionário de bandeirantes, 316. 43 Silva Leme, V6, 338 e 297.
25 Op. Cit. 318-319. Silva leme, V8, 269 –278. 44 Silva Leme, V7, 396-397 e 470.V2,5.
26 Dicionário de Bandeirantes. Francisco de Assis Carvalho Franco, 45 Joaquim da Silva Mafra. História do Município de Guaratuba, 89.
303. 46 Op. Cit., 68.
27 Silva Leme, V2, 5. 47 Op. cit. , 113.
28 Silva Leme, V6,449. 48 Op. cit. , 86.
29 Carvalho Franco, 101. 49 Op. cit. , 86.
30 Silva Leme, V6, 297. 50 Francisco Adolfo de Varnhagen, História Geral do Brasil. Tomo
31 Silva Leme, V3, 204. IV, Notas a Seção XLIV, 223 : 1962. 7° Edição.
32 Ermelino de Leão, 74. 51 Joaquim da Silva Mafra, op. cit. , 42-51.
33 Marina Ritter, 231-232. 52 Os Gomes de Oliveira, Antonio Roberto Nascimento, inédito.
34 Silva Leme, V3, 202-203. 53 Arquivo Nacional, Sesmarias Catarinenses.
35 Silva Leme, V2, 5. 54 Um resumo das informações literárias sobre esse personagem está no
36 Silva Leme, V9, 67. Existe uma polêmica sobre os vínculos entre Dicionário Histórico-Biográfico do Paraná, 16-19. 1991. A melhor
Anna Camacho, esposa de Domingos Luiz Carvoeiro, com João tentativa biográfica foi escrita por Joaquim Tramujas, Contribuição à
Ramalho e Tibiriçá. O documento mais famoso que comprovaria a Biografia de Fernando Amaro. Instituto Histórico e Geográfico de
hipótese desta descendência, o Testamento de João Ramalho, é Paranaguá, Ano II, jul.-dez. de 1957. N°12, 33-37.
questionado por alguns pesquisadores, o que inviabilizaria a cone- 55 Op. cit. , 34.
xão genealógica entre Anna Camacho como bisneta de João Ra- 56 Op. cit. , 34.
malho. Novas pesquisas podem trazer mais elementos para a pos- 57 Ermelino de Leão, Dicionário do Paraná, 644. “Nascido em lar
sível descendência ou não entre eles. pobre, Fernando Amaro de Miranda descendia de uma velha e
37 Igrejas de São Paulo, 23, Leonardo Arroyo. histórica família , que se salientou pelos dons naturais da inteli-
38 A Identidade do Brasil Meridional. Ricardo Costa de Oliveira. gência”.
Ciclo de debates Brasil 500 anos. 58 Leonardo Arroyo, Igrejas de São Paulo , 1954, 23. José Olympio
39 Genealogia Paranaense, Negrão, V4, 210. Editora. Coleção Documentos Brasileiro N° 81.
40 Ermelino de Leão, 73.
Ricardo Costa de Oliveira, Bacharel em Ciências Sociais (UFRJ),
41 Carvalho Franco, 91.
Mestre em Planejamento e Desenvolvimento Urbano (Universi-
42 Silva Leme, V1, 2-3,5. Todas as primeiras famílias de São Paulo
dade de Londres) e Doutor em Ciências Sociais (UNICAMP).
estão sendo reavaliadas criticamente em suas genealogias, o que

Diásporas Contemporâneas
Um judeu italiano no Brasil Afeganistão
O professor Armando Foá, judeu italiano, quando das “Leis Em 1948 cinco mil judeus viviam no Afeganistão Hoje o país é
Raciais” fascistas refugiou-se no Brasil. Aqui integrou-se ao corpo dominado por milícias de estudantes islâmicos radicais (taleban).
docente da Universidade Católica de Campinas (depois renomeada Neste Afeganistão intololerante vive o último judeu local. É Ytzhak
PUCCAMP) como professor de cálculo vetorial. Por sua alta qua- Levy, 59, o guardião da antiga sinagoga e do cemitério em Herat,
lificação intelectual era considerado uma estrela desta universidade, capital do país. Todos os outros foram embora, inclusive sua mulher
sendo muitas vezes convidado a proferir conferências, numa delas sofreu e cinco filhos. Ele porém recusa-se a partir. “Não abandono a
uma crise dos nervos, saindo do salão nobre para uma clínica em Santos, sinagoga e nosso cemitério. Se eu for, quem cuidará dos mortos e de
onde morreu em 18 de novembro de 1957. A razão ? Depressão e pavor nosso prédio?”. Levy, descende dum grupo de judeus vindos da
ao ver que a Krupp, que sustentara o Nazismo, estava construindo uma Pérsia há duzentos anos, que escaparam das conversões forçadas em
filial próxima a Jundiaí. Esta dolorida história foi recuperada e contada Meshed. A história do país registra que três tribos islâmicas locais,
de forma sensível pelo jornalista e escritor Eustáquio Gomes, publicada Afridi, Yussafzai e Durrani (de onde saiu a dinastia real), são
como “Foá e a mecânica celeste” na Revista do Correio Popular (Cam- descendentes do rei Saul. No Cemitério Israelita do Butantã, em S.
pinas, 30-04-2000, p. 50). Paulo, encontra-se sepultado, Moisés Behor Issaharof (Herat, 1905-
S. Paulo, 1964), judeu de origem afegã.
Ostrowiec, Polônia
O genealogista americano Harry Stein publicou na revista Silva e a genealogia dos Abravanéis
“The Kielce Radom Special Interest Group Journal” (vol. 4, nº 2, Aparece na trama do livro “Agosto” de Rubem Fonseca o
Spring 2000, pp. 3-8) o artigo “Ostrowiec: The Witches Survived, repórter Arlindo Silva. É o mesmo que está no “Chatô” de Fernando
The Jews Are Dead”. Nele, Stein, descreveu sua viagem em maio de Morais. Dentre suas façanhas jornalísticas ele foi o primeiro a entrar
1999 a Ostrowic Swietokrzyski, conhecida por “Ostrovya”, 180 kms no quarto de Vargas morto. Mas ele não é um personagem de ficção,
ao sul de Varsóvia. Ostrowiec, de 50 mil habitantes, é uma cidade pois em um de nossos encontros dominicais da SGJ/Br., ele apareceu e
industrial. Ela foi uma cidade de maioria judaica: 80% de judeus em não foi notícia. Ele nos deu a notícia: Estava terminando uma bio-
1857, 63% em 1899, 60% em 1910, 51% em 1921 e 38% em 1938. O grafia do empresário e apresentador de TV Silvio Santos, mas
brasão municipal possui uma estrela de David. Stein, cujo nome precisava de uma genealogia dos Abravanéis, que lhe fornecemos.
original é Brochsztajn, visitou a casa de seus avós, o cemitério e Todos nós ficamos satisfeitos com a carreira que, “A Fantástica
encontrou registros de sua família, para compor a sua genea História de Silvio Santos” vem fazendo, desde o seu lançamento, é o
logia. Dois websites estão relacionados com este artigo: primeiro lugar em vendas. Só nos resta cumprimentá-lo. Parabéns,
www.jewishgen.org/krsig e www.ostrowiec.to.pl/~um/e_index.htm Silva !
20 • GERAÇÕES / BRASIL, Junho 2001, vol. 10
história judaica foi em dois momentos; primeiro como autor de
“Livro da Visitação do Santo Ofício da Inquisição do Grão-Pará” e
atualmente como orientador de Ariel Elias numa dissertação de
mestrado sobre a presença dos judeus em Campinas no final do
século XIX.
• Faleceu em Lima (21-06-2000), o camponês peruano Ezequiel
Ataucusi Gamonal, aos 83 anos, líder messiânico da seita Israe-
litas del Nuevo Pacto Universal, candidato à presidência da repú-
Falecimentos blica do seu país. O seu grupo religioso de cerca de oitocentos mil
• Faleceu em Berlim (13-01-2000), o cantor alemão Estrongo seguidores, espalhados pelas regiões amazônicas de Peru, Bolívia,
Nachama, nascido em Salônica (04-05-1918), filho de um ce- Brasil, Colômbia e Venezuela, o considerava como o terceiro pro-
realista grego. Ele foi deportado para Auschwitz, onde seus pais e feta histórico (Noé foi o primeiro e Abrãao, o segundo). Desde o
irmãs foram assassinados (gassed). Foi poupado graças ao seu momento que aderem a seita eles não cortam o cabelo, nem a bar-
talento como barítono. Após o Holocausto manteve-se em Berlim, ba, usam túnicas, guardam o Sábado e nas luas novas sacrificam
como cantor sacro e também profano. Há disco gravado por ele ovelhas, cabritos e pombas. Apesar do nome eles não possuem
que registra a sua voz; “Chasanut Gesänge Aus der Synagoge” nenhuma ligação com os judeus ou com Israel.
(Repertório do Hazan e cantos da sinagoga). Ele também aparece • Faleceu em Los Angeles (01-07-2.000), o ator norte-americano
rapidamente no filme “Cabaret”. O seu filho Andreas Nachama é o Walter Matthau, nascido em New York (01-10-1920), com o nome
lider da comunidade judaica alemã. de Walter Matuchanskayasky, filho de Melas Matuchanskayasky
• Faleceu em Roma (13-04-2000), o escritor italiano Giorgio Bassani, (segundo sua biografia oficial, um sacerdote ortodoxo russo) e Rose
nascido em Bolonha (04-03-1916). Ele foi também poeta, ensaísta Berolsky, uma costureira judia. O ator participou em mais de 45
e editor na Casa Feltrinelli. É dele a descoberta do romance “O filmes, destacando-se “Uma Loura por um Milhão” (1966), quando
Leopardo” do Príncipe Giuseppe Maria Fabrizio Salvatore Stefa- ganhou um Oscar como coadjuvante. Ele começou a vida profis-
no Vittorio Tomasi di Lampedusa. Porém é mais conhecido como sional vendendo sorvetes e refrigerantes em teatros ídiches, tornou-se
o autor do romance semi-auto-biográfico “Il giardino dei Finzi depois o “ponto” nestes teatros até deslanchar sua carreira como ator.
Contini”, que descreveu a burguesia judia de Ferrara antes das leis Na II Guerra Mundial foi criptógrafo de rádio numa unidade de
raciais e da II Guerra Mundial, publicado em 1962, traduzido para bombardeio na Europa.a.
vários idiomas, inclusive ao hebraico. • Faleceu em Washington (13-07-2000), o diplomata e escritor
• Faleceu em S. Paulo (04-05-2000), o engenheiro e professor norte- polonês Jan Karski, nom de guerre de Jan Kozieleweski, nascido
americano, Hanns John Maier, de 76 anos. Nascido na Alemanha, em Lodz (1914). Tenente do Exército Polonês, católico fervoroso
migrou com a família nos anos trinta para os EUA, onde adquiriu a e anti-comunista, sobreviveu ao massacre dos oficiais poloneses
nacionalidade. No Brasil, foi professor do Instituto Tecnológico da em Katyn ordenado por Stalin. Em 1943 foi a primeira pessoa a
Aeronáutica em S. José dos Campos, entre 1954 a 1957; vice-pre- informar Anthony Eden e Franklin Roosevelt da existência dos
sidente da Case Corporation e administrou uma pousada em Uba- campos de extermínio. Felix Frankfurter, juiz da Suprema Corte
tuba. Sua notoriedade veio da grande quantidade de cartas que pu- americana, que era judeu, reagiu cético a esta notícia: “A man like
blicou nas seções de jornais e revistas nacionais e estrangeiros, me, talking to a man like you, must be totally frank. So I say, I am
opinando sobre os mais diversos assuntos. unable to believe what you told me”. Em 1994 ele foi reconhecido
• Faleceu no Rio de Janeiro (05-06-2000), o jornalista, escritor e como cidadão honorário de Israel e indicado quatro anos depois
publicitário Hélio Kaltman, de 61 anos. Ele começou a carreira no para um Prêmio Nobel da Paz.
jornal “Última Hora”, passou por outros jornais, esteve na publi- • Faleceu em Copenhague (28-07-2000), o físico holandês Abraham
cidade e escreveu vários livros. Porém a sua fama deve-se ao perso- Pais, nascido em Amsterdam (1918). Era considerado um dos
nagem “Dr. Palhares, do Gabinete”, um suposto assessor de minis- principais historiadores da ciência. Escreveu vários livros, des-
tro, que ele criou para agilizar uma devolução de descontos indevidos tacando-se dentre todos a sua biografia de Albert Einstein, “Subtle
em folha, que não conseguia vencer a burocracia. Bem sucedido no Is The Lord – The Science and Life of Albert Eisntein”. Ele
desencalhe do processo ele escreveu um livro sobre a burla. também elaborou conceitos fundamentais da teoria moderna das
• Faleceu em Lisboa (09-06-2000), o engenheiro agrônomo português partículas elementares. Sua genealogia foi descrita na autobio-
António Poppe Lopes Cardoso, nascido em Praia, Santiago, Cabo grafia “A Tale of Two Continents”. “Eu, Abraão (os amigos
Verde (27-03-1933), filho de Álvaro Eurico Lopes Cardoso, Presi- chama-me Bram), sou filho de Isaías, filho de Abraão, que era
dente do Supremo Tribunal de Justiça, e de Maria Júlia Cohen Poppe, cortador de diamantes, filho de Isaías, também cortador de
descendente de judeus e cristãos-novos trasmontanos. Seguindo a diamantes, filho de Abrãao Pays – que casou por duas vezes e
tradição familiar, desde cedo dedicou-se a atividade política, esteve teve onze filhos, do seu primeiro e segundo casamentos – filho de
exilado na França, Brasil e Marrocos (onde foi assessor do Ministro Natham Paes, filho de Benjamin Paes, filho de Natham Paes.
da Agricultura). Após o 25 de Abril de 1974 entrou para o Partido Todos estes meus antepassados, tal como eu próprio, nasceram
Socialista, ocupou a pasta de Ministro da Agricultura no VI Governo em Amsterdam. A razão pela qual posso saber da existência de
Provisório e foi deputado por várias vezes. Quando o seu ministério tantos antepassados paternos é que todos estes Pais pertenciam à
iniciou um processo de reforma agrária ouviram-se insinuações anti- congregação Talmud Torá de Amsterdam e estão registrados nos
semitas contra ele e os “cristãos-novos” das Beiras e de Trás-os-Mon- livros que foram preservados. Não consigo ir para trás na desco-
tes. Segundo o Presidente Jorge Sampaio, o amigo era “um homem berta dos meus predecessores, mas estou certo de que eles che-
lúcido e coerente, um homem que não vergava”. V. “Uma Teia garam a Amsterdam provindos da Península Ibérica após 1590,
Familiar: Cristãos-novos Portugueses Nobilitados no Século Pas- altura em que os primeiros judeus sefarditas chegaram às terras
sado” (Gerações/Brasil, maio 1999, vol. 5, nº 1/2, p. 6 em diante). baixas (hoje Bélgica e Países Baixos), por via da cidade frísia de
• Faleceu em Campinas (19-06-2000), o historiador e professor Emden, quase certamente que provindos de Portugal”
brasileiro José Roberto do Amaral Lapa, natural da mesma cidade • Faleceu em Joanesburgo (19-08-2.000) o empresário sul-africano
(04-08-1929), descendente de tradicionais troncos paulistas e Harry Frederick Oppenheimer, nascido em Kimberly (28-10-
fundador do Centro de Memória da UNICAMP. Sua relação com a 1908), filho de “Sir” Ernest Oppenheimer (1880-1957), um judeu
21 • GERAÇÕES / BRASIL, Junho 2001, vol. 10 • 21
alemão de Friedberg, que de um princípio modesto, formou a An- • Faleceu em Paris (03-02-2001), o jornalista e empresário francês
glo American Corporation of South Africa, Ltd., para a exploração Gilbert Trigano, aos 80 anos. Ele exerceu várias atividades dife-
mineira, controlando através dela o comércio mundial de dia- rentes na sua vida. Foi ator, jornalista do “L´Humanité”, membro
mantes. O Sr. Oppenheimer teve uma educação sofisticada, es- da Resistência. Porém a sua notoriedade, veio por ter criado, junto
tudou em Oxford e depois sucedeu como chairman no grande com o belga Gérard Blitz, o Club Mediterranne, o Med, em 1950.
conglomerado, cargo que ocupou por 25 anos, ao seu pai. Ele foi Que foi dirigida por ele durante mais de trinta anos. Sendo sucedi-
um empregador sensível, construindo casas para os negros que do por seu filho Serge Trigano.
empregava, encorajando a criação de sindicatos e fomentando a • Faleceu em Campinas (25-02-2001), Iandira Valadares, aos 73
educação para eles. Acredita-se que ele teve uma participação anos, mãe de Sara e Paulo Valadares (nosso colaborador).
silenciosa, mas importante, na dissolução do regime de apartheid. • Faleceu em Los Angeles (09-03-2001) o comerciante americano
• Faleceu no Rio de Janeiro (20-08-2.000), a socialite brasileira Leopold Page (Poldek Pfefferberg), nascido em Krakow (20-03-
Beki Klabin, nascida em Istambul (10-09-1921), filha de José 1913). Ele foi o número 173 da “Lista de Schindler”, e também
Alfasso, dono de um moinho. No Brasil ela casou-se com o multi- quem convenceu ao diretor Spilberg a fazer um filme com o epi-
milionário Horácio Klabin, da importante família de industriais e sódio que viveu.
benfeitores do mesmo nome, com quem teve dois filhos: Paulo e • Faleceu em Ma`aleh Yisrael (08-05-2001), o agricultor Arnaldo
Cláudio, que lhe deram sete netos. Ela tornou-se conhecida nacio- (Arieh) Leão Agranionik, nascido em Erexim, RS (1953), des-
nalmente, aparecendo em programas de auditórios, transmitidos cendente de uma família gaúcha, notável pelo cultivo do soja e da
pela TV, como jurada, simulando inclusive um namoro com o criação de cavalos. Ele foi o primeiro brasileiro a ser assassinado por
cantor popular Waldick Soriano. Beki Klabin foi a precursora das grupos terroristas árabes em Israel. Arieh Agranionik deixou três
“emergentes”, mulheres de fortuna recém-adquirida que atraem filhos: Oren, Dudu e Orian.
com sua ostentação a curiosidade popular, tornando-se uma cari-
catura estereotipada da milionária. Visita ao Cemitério da Consolação
ocê acharia interessante participar de uma reunião que estivessem
• Faleceu no Rio de Janeiro (27 -09-2000), o editor brasileiro Abrahão
Koogan, de 88 anos, nascido na Ucrânia. Foi o primeiro editor de
V presentes, dois Presidentes da República (Campos Sales, Was-
hington Luís), Governadores e Presidentes de S. Paulo (Carvalho Pin-
Freud no Brasil. Celebrizou-se pelos dicionários e enciclopedias
to, Abreu Sodré, Bernardino de Campos e outros), além de milioná-
editados por ele. Foi um “editor que nos trouxe uma visão cos-
rios, mecenas, escritores? Dia 3 de junho, último, alguns membros da
mopolita dos fatos culturais, editando e contatando autores inter-
SGJ/Br participaram de uma visita ao Cemitério da Consolação, guia-
nacionais, abrindo um generoso leque de dicionários e enciclopédias
dos pelo Dr. Délio Freire dos Santos, a maior autoridade no assunto,
que hoje compõem as estantes de professores e alunos, pesquisa-
participando de uma reunião semelhante. Num cemitério, além da
dores e eruditos” (Carlos Heitor Cony, “Abrahão Koogan” (FSP, 04-
observação etnocultural – devoção a santos populares, cultos primiti-
10-2000)
vos, é possível encontrar informações históricas (personalidades, fa-
• Faleceu em S. Paulo (?-11-2000), Felícia (Felá) Mester, aos anos, mílias, dados vitais, etc) e principalmente a arte cemiterial. O Dr.
diretora e redatora do Caderno Cultural, publicação da Na´amat Délio, nos introduziu a compreensão da simbologia utilizada nestes
(Pioneiras). “Ativista abnegada, de alma judia e coração sionista, túmulos: a papoula, símbolo do sono eterno; a ampulheta e as asas do
impregnada de amor à Israel e fidelidade à Na´amat. Na Organi- morcego, a passagem do tempo e a sabedoria; a coluna quebrada, a
zação, o expoente máximo de companheirismo e amor; sabedoria, vida interrompida bruscamente; o pelicano, o amor materno. Além de
criatividade, conhecimentos amplos e intelectualidade” lendas milenares, como a de Orfeu e Eurídice descrita em mármore
• Faleceu em New York (04-12-2000), a enxadrista americana nos túmulos dos Trevisioli. A mulher, que forma uma interrogação,
Gisela Kahn Gresser, nascida em Detroit (08-02-1906). Foi a no túmulo do poeta Moacir Piza. O suntuoso conjunto estatuário,
primeira mulher a ser eleita para o Chess Hall of Fame (1992). ninfas dispostas em forma de navio, mais algumas figuras alegóricas
Entre 1944 a 1969 ela venceu o campeonato feminino americano da vida do homenageado, como a caridade amparando a pobreza, no
por nove vezes. túmulo de Name Jafet. Foi uma visita que nos agradou muitíssimo,
ensinou-nos bastante e despertou-nos o interesse para fazer uma
• Faleceu em New York (03-01-2001), o atleta e cronista esportivo visita destas aos cemitérios judaicos de S. Paulo.
americano Marty Glickman, nascido em New York (14-08-1917).
Ele e Sam Stoller, ambos judeus, pertenciam a equipe de reve- Espanha arabizada
zamento 4 x 100, que competiria na Olimpíada de Berlim (1936),
O Último Omeíada ? Assim como há um movimento de pessoas
mas foram excluidos por Avery Brundage, Presidente do Comitê
identificando-se como descendentes de cristãos-novos, há também os
Olímpico dos EUA, que temia desagradar o ditador nazista. Foram
que alegam descender dos moriscos, restos da população árabe que
substituidos pelos negros Owens e Metcalfe que venceram a
compuzeram os reinos islâmicos da região. Várias famílias espanholas,
competição. Mesmo com todo este ambiente anti-semita doze atletas
originárias da região andaluza, são reconhecidas como herdeiras destas
judeus ganharam medalhas olímpicas nestes jogos, inclusive a esgri-
tradições: Abela, Adelmón, África, Alcázar, Allobar, Ambasil,
mista Helene Mayer, filha de pai judeu, que defendeu a equipe
Aranda, Arenós, Belvis, Benajara, Benasar, Benegas, Benjumea,
alemã. Glickman abandonou o esporte, para narrar partidas de
Brea (Será a família da atriz brasileira Sandra Brea ?), Ceuta,
basquete, futebol americano e beisebol, tornando-se um dos mais
Cuéllar, Gali, Granada, Granada Venegas, Hazera, Jaén, Madrid,
populares cronistas esportivos do seu país.
Marín, Muley, Palacios de Moro, Xama e Zegrí. A mais importante
• Faleceu em Long Island (?-01-2001), a juiza americana Beatrice delas é a dos Granada Venegas, possuidores do título “Marqués de
Sobel Burstein, nascida em New York ( 05-1915), filha de Joseph e Campotéjar”, descendente da dinastia que reinou em Granada entre
Tillie Sobel, imigrantes poloneses. Esposa do advogado Herbert 1232 a 1492. Outra família destacada, é a Bejumea (Ibn Ummayya), a
Burstein e mãe de outra juiza, Karen Burstein, ela pertencia a mesma de Julio Salvador y Díez-Benjumea (1910), Ministro da
chamada “primeira família legal de Nassau County”. A juiza Aeronáutica no Governo Franco (1973-4), de quem foi dito: “siendo la
Burstein era Democrata e defendeu fundamentalmente os Direitos da ultima vez por ahora que una persona del linaje de los Omeyas haya
crianças e dos prisioneiros. participado en la gobernación de España”.

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Amílcar Paulo
Paulo Valadares

Relendo a coleção de HaLapid — a revista publicada pela Nascido no Porto, ele passou a infância na freguesia de Fornos,
comunidade reunida em torno da Sinagoga Kadoorie Mekor Haim, concelho de Freixo de Espada à Cinta, terra de seus avós, o que lhe
Porto, entre as décadas de vinte e cinqüenta passadas, encontramos a marcaria a personalidade. Tanto que anotou no seu curriculum vitae:
seguinte notícia sobre um de seus membros: “Um jovem cripto-judeu “embora “tripeiro” por nascimento é transmontano pelo sangue e pelo
trasmontano de 18 anos de idade, natural do concelho de Freixo de fogo vivo do seu amor perene ao Nordeste de Trás-os-Montes”.
Espada à Cinta, Amílcar Nascimento Calvo Paulo, foi recebido na Amílcar Paulo teve várias atividades na sua vida. Freqüentou
Aliança de Abraham a fim de ser pùblicamente um servidor do Deus dois cursos superiores, mas não concluiu nenhum. Foi redator do
Altíssimo e Único. O novo israelita recebeu o nome de Levi Ben-Har. “Diário da Noite”, trabalhou com teatro e principalmente a partir de
Mazal tob a este jovem resgatado1.” Este é o registro formal da en- 1956 um etnógrafo interessado nas tradições criptojudaicas de sua
trada naquela comunidade de mais um criptojudeu atingido pela região. Algumas de suas pesquisas foram utilizadas para o volume IV
“Obra do Resgate” liderada pelo Capitão Artur Carlos de Barros de “Etnografia Portuguesa”, de J. Leite de Vasconcelos. Suas pu-
Basto, o “Guia dos Maranos” (é assim mesmo). Este “baalei teshuvá” blicações encontram-se esparsas por várias revistas portuguesas. O
(retornado ao Judaísmo) ganharia importância posteriormente com seu artigo mais conhecido, foi escrito em parceria com a Profª Anita
suas originais pesquisas etnográficas. Novinsky: “The Last Marranos”, in Commentary, New York, vol.
Amílcar Nascimento Calvo Paulo nasceu em Monte dos Judeus, 43, nº 5, May 1967, pp. 76-81. O Prof º Reuven Faingold lembra-se
freguesia de Miragaia, Porto, em 27 de janeiro de 1929. Era filho do dele como “baixinho e fumando muito”. O Dr. Inácio Steinhardt
guarda-fiscal Francisco Augusto Paulo e Maria do Nascimento cedeu-me a fotografia que ilustra o seu perfil. Ele faleceu em Mira-
Calvo, neto paterno de Manoel Inácio Paulo e Josefina Augusta gaia, Porto, em 15 de março de 1983.
Pereira, neto paterno de Joaquim Maria Calvo e Angélica Camila
Caló. Amílcar Paulo casou-se com Maria de Lourdes da Fonseca Nota
Cordeiro, natural de Reigada, Castelo Branco. Não tiveram filhos. Ha-Lapid, nº 132, luas de março e abril 1946/5706), p. 4.

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Arquivo Histórico Judaico Brasileiro
Rua Prates, 790 — Bom Retiro
01121-000 — São Paulo — SP

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ahjb@uol.com.br
tel.: 228-8769

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é uma publicação semestral da Guilherme Faiguenboim Paulo Valadares - coordenação
Sociedade Genealógica Judaica do Brasil Reuven Faingold Alfredo P. Santana - diagramação
(organização sem fins lucrativos) Alain Bigio
filiada à Association of Jewish Genealogical Societies Anna Rosa Campagnano Endereços para correspondência
(AJGS/USA) Paulo Valadares Caixa Postal 1025
e ao Arquivo Histórico Judaico Brasileiro (AHJB) Campinas - São Paulo
13001-970
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