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Povos Do Deus Remoto - Os Cananeus

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Os Cananeus

Na verdade, os apóstolos do Novo Testamento, como Paulo e João, não foram os


primeiros a fazer uso da estratégia acima a fim de identificar Deus claramente para os
pagãos. Um personagem não menos importante como Abraão empregou o mesmo método
dois mil anos antes! Eis a história...
Javé - “Deus” em nossa Iíngua - fez a um homem, inicialmente chamado Abrão,
algumas promessas estupendas, há cerca de 4.000 anos atrás. Javé ordenou a Abrão
que deixasse sua terra, seus parentes e a casa de seu pai, partindo para um país
estranho, distante e provavelmente selvagem (Gn 12.1). Javé prometeu o seguinte, se
Abrão (cujo nome foi mais tarde mudado para Abraão) obedecesse às suas ordens: “ De
ti farei uma grande nação, e te abençoarei, e te engrandecerei o nome. Sê tu uma
bênção: abençoarei os que te abençoarem, e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem"
(Gn 12.2-3).
Até este ponto, o arranjo especial de Javé com Abrão não parece muito diferente
dos inúmeros pactos similares com deuses tribais através de toda a história, feitos com
seu círculo exclusivo de devotos em várias partes do planeta Terra. Seria Javé, como
alguns críticos insinuaram, apenas um outro insignificante deus tribal aguçando
os sentimentos egoísticos de um seguidor com promessas grandiosas destinadas a
fazê-lo voltar repetidamente com nova adoração e homenagem?
Essa insinuação seria difícil de contestar se não fosse pela última linha deste
acordo Javé-Abrão, onde o primeiro diz: “Em ti serão benditas todas as famílias da terra”
(Gn 12.3, grifo acrescentado).
Essa declaração faz brilhar uma característica especial das promessas de Javé!
Ele não abençoava Abrão com a finalidade de torná-lo egocêntrico, arrogante,
indiferente. Javé o abençoou para fazer dele uma benção, e não apenas para seus
próprios parentes!
Esta benção têm como alvo nada menos do que todas as famílias da terra! Nada
poderia ser menos egoísta ou menos restrito!
Os teólogos chamam de aliança abraâmica a este conjunto de promessas, mas
trata-se de muito mais do que uma simples aliança entre Deus e um indivíduo
específico. Ela marcou o início de um novo e surpreendente desenvolvimento que os
teólogos chamam de revelação especial. Em outras palavras, na ocasião em que Javé
tivesse cumprido todas as suas promessas a Abrão, a humanidade teria condições de
compreender a sabedoria, o amor e o poder de Javé de maneira anteriormente
inconcebível, não apenas aos homens; mas, segundo tudo indica, também aos anjos
(veja 1 Pe 1.12).
Antes de enviar Abrão ao seu novo destino como “ uma benção a todas as famílias
da terra” , Javé primeiro o guiou até uma região desconhecida, habitada por diversas
tribos que abrangiam diferentes clãs e famílias. Eram as tribos dos cananeus, queneus,
quenezeus, cadmoneus, heteus, ferezeus, refains, amorreus, girgaseus e jebuseus (Gn
15.19). Além desses 10, aproximadamente 30 outros povos, espalhados do Egito até a
Caldéia, são mencionados por nome só nos primeiros 36 capítulos de Gênesis. Mais
subdivisões étnicas da humanidade são reconhecidas especificamente nesses 36 capítu
los do que em qualquer outra seção de comprimento comparável em qualquer outro
ponto da Bíblia!
Ao mover-se vagarosamente entre tantos grupos étnicos, seria bastante provável
que Abrão viesse a desenvolver o tipo de perspectiva de todas as famílias da turra
(povos) certamente exigido de alguém destinado a ser uma “ bênção para todas as
famílias da terra”!
Ao que parece, tudo estava prosseguindo da maneira como Abrão esperava.
Mas Javé tinha uma surpresa guardada para ele...
Quando o Senhor disse: “ Em tí serão benditas todas as famílias da terra” , Abrão
certamente pensou que ele e a nação que descenderia dele tornar-se-iam a única fonte
de iluminação espiritual para toda a humanidade. Mas não era bem isso que Javé tinha
em mente! De fato, quando Abrão finalmente aproximou-se de Canaã (como era
chamada aquela terra estrangeira), ele logo ficou sabendo que duas de suas cidades -
Sodoma e Gomorra - já se achavam mergulhadas em profunda decadência. Outras,
especialmente as cidades dos amorreus, começavam a seguir o exemplo de Sodoma e
Gomorra (veja Gn 15.16). Javé, o Todo-poderoso, não parecia ter outro defensor além
de Abrão em toda aquela região do mundo, o que deve ter feito Abrão sentir-se
realmente muito necessário!
Quando, porém, Abrão e sua caravana se entranharam em Canaã, uma agradável
surpresa os esperava. Eles passaram perto de uma cidade chamada Salém, que
significa “ paz” na língua dos cananeus. O nome cananeu dessa cidade, incidentalmente,
iria mais tarde fazer surgir a significativa saudação hebraica Shalom e seu equivalente
árabe, Salaam. Salém contribuiria mais tarde com suas cinco letras para formar a última
parte do nome Jerusalém - "o fundamento da paz” . Porém, ainda mais interessante do
que a cidade de Salém propriamente dita era o rei que reinava sobre ela -
Melquisedeque!
O seu nome é uma combinação de duas outras palavras dos cananeus: melchi -
“rei”, e zadok - “justiça”. Um “rei de justiça” entre os cananeus, notórios pela sua
idolatria, sacrifício de crianças, homossexualismo legalizado e prostituição no templo?
Com certeza Melquisedeque recebeu um nome completamente impróprio!
Absolutamente não! Alguns anos mais tarde, ao voltar de uma operação
surpreendente de resgate contra Quedorlaomer (veja Gn 14.1-16), Abrão chegou ao
vale de Savé. Os habitantes da região naqueles dias chamavam habitualmente o vale
de Savé de “vale do rei” (veja Gn 14.17). Que rei?
Não é difícil adivinhar! Um historiador judeu de nome Josefo conta-nos que o
Vale de Savé não era outro senão o vale de Hinom - que ficava logo abaixo da muralha
situada ao sul da cidade que é agora a velha Jerusalém. Os arqueólogos modernos
que estão escavando as ruínas da Jerusalém dos tempos de Davi, esperam descobrir,
em breve, os escombros de uma antiga cidade dos cananeus nessa mesma encosta
entre o Vale de Savé e a muralha ao sul da antiga Jerusalém !
Não seria de modo algum surpreendente se essas ruínas queimadas há tanto
tempo pertencessem à cidade de Melquisedeque - a Salém original. E o Vale de Savé
- o “ vale do rei” recebeu provavelmente esse nome para homenagear o próprio rei
Melquisedeque!
Mal Abrão entrara nesse “ vale do rei” quando o rei Melquisedeque “ trouxe pão e
vinho” para ele. O narrador não diz que Melquisedeque “ viajou para encontrar-se com
Abrão, levando pão e vinho”, mas simplesmente que ele “ trouxe pão e vinho” - talvez
outra evidência quanto à proximidade^ntre o Vale de Savé e Salém.
Chega agora o inesperado. Este “ rei de justiça” cananeu, segundo o autor de
Gênesis, atuava também como “ sacerdote do (El Elyon)” - “ Deus Altíssimo” (Gn 14.18).
Quem era El Elyon?
Tanto El como Elyon eram nomes cananeus para o próprio Javé. El ocorre
freqüentemente nos textos ugaríticos da antigüidade. 3 O termo cananeu El insinuou-se
até mesmo na língua hebraica dos descendentes de Abrão em palavras tais como
Betel - “a casa de Deus” , El Shaddai - "Deus Todo-poderoso ou Altíssimo” , e
Elohim, “Deus” (forma plural de El que não obstante retém um significado singular
misterioso).
Elyon também aparece como um nome para Deus nos textos antigos escritos em
fenício - uma ramificação posterior da língua cananeia antiga de Melquisedeque.4 A
forma composta El Elyon aparece até numa inscrição aramaica da antigüidade
encontrada recentemente na Síria.5 Quando ligados, os dois termos El e Elyon significa
“Deus Altíssimo”.
Pergunta: Abrão, o caldeu, que aparentemente chamava o Todo-poderoso de Yahweh
(Javé), ressentiu-se do uso feito por Melquisedeque desse termo cananeu El Elyon como um
nome válido para Deus? Não temos de aguardar uma resposta! Melquisedeque agiu de forma
a testar imediatamente a atitude de Abrão: “Abençoou ele (Melquisedeque) a Abrão, e disse:
“Bendito seja Abrão pelo Deus Altíssimo (El Elyon); que possui os céus e a terra; e bendito seja
o Deus Altíssimo (El Elyon), que entregou os teus adversários nas tuas mãos" (Gn 14.19-20).
Prepare-se para a resposta de Abrão. Talvez estejamos prestes a ouvir o primeiro
argumento teológico na narrativa bíblica. O que ele dirá? Vai responder: “Um momento,
alteza! O nome correto para o Altíssimo é Yahweh e não El Elyon! Além disso, não
posso aceitar uma benção oferecida sob esse nome cananeu El Elyon, desde que todo
conceito cananeu deve estar, sem dúvida, tingido de noções pagãs. De todo modo,
Javé me disse que eu é que deverei ser uma bênção para todas as famílias da terra,
inclusive cananeus como Vossa Majestade. Não acha então que está sendo um tanto
presunçoso ao abençoar-me?”
Nada disso! A resposta de Abrão foi simplesmente dar a Melquisedeque “ o dízimo”
(a décima parte) de tudo que havia tomado de Quedorlaomer na operação de resgate
(Gn 14.20). Este ato de Abrão ao “ dar o dízimo” a Melquisedeque deu lugar mais tarde
a um extenso comentário do autor da Epístola aos Hebreus, no Novo Testamento.
Por exemplo: “Considerai, pois, como era grande esse (Melquisedeque) a quem Abrão,
o patriarca, pagou o dízimo, tirado dos melhores despojos!” O escritor continuou
comentando que o sacerdócio do cananeu Melquisedeque deveria ser, então,
considerado superior ao sacerdócio levítico do povo judeu, com base no fato de
“Levi... pagou-os (os dízimos a Melquisedeque) na pessoa de Abraão. Porque aquele
(Levi) ainda não tinha sido gerado por seu pai, quando Melquisedeque saiu ao
encontro deste (Abraão)” (Hb 7.4-10).
Com respeito ao ato de Melquisedeque abençoar Abraão e a aceitação implícita
dessa benção por parte deste, o mesmo autor comenta que Melquisedeque “
abençoou o que tinha as promessas. Evidentemente, não há qualquer dúvida, que o
inferior é abençoado pelo superior” (Hb 7.6-7, grifo acrescentado).
Mas isso não é tudo que indica a incrível grandeza desse personagem cananeu
chamado Melquisedeque. O autor de Hebreus cita, a seguir, uma profecia do rei judeu
Davi - o rei que primeiro conquistou a antiga Salém das mãos dos jebuseus (1.000
a.C.) e fez dela Jerusalém, capital da nação judaica. A profecia declara explicitamente
que o Messias judeu, quando vier, não servirá como membro do sacerdócio levftico
inerentemente temporário, com sua linhagem restrita. Em vez disso, vai ser um
sacerdote da “ ordem de Melquisedeque”, e cuja ordem não ficará aparentemente restrito
a qualquer linhagem particular. E não apenas isso, mas a filiação do Messias à “ordem
de Melquisedeque” é confirmada por nada menos que um juramento divino; e Ele
pertencerá eternamente à mesma! “O Senhor jurou e não se arrependerá: tu és sacerdote
para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque” (SI 110.4, grifo acrescentado).
Javé talvez tivesse avisado Abrão antecipadamente de que encontraria alguém como
Melquisedeque representando o Deus verdadeiro entre os cananeus. Tudo o que posso
dizer é: Se Javé não avisou Abrão com antecedência sobre Melquisedeque (e o registro
não dá qualquer indicação nesse sentido), então a descoberta de um homem como ele
entre os “ incultos cananeus” deve ter realmente abalado o pai Abrão!
Como podemos entender a afirmação bíblica de que Melquisedeque era superior em
nível espiritual a Abraão? O que o tornava superior?
Segundo este autor, a resposta parece estar no que Melquisedeque representava
em contraste com o que era representado por Abraão na economia de Deus. O tema
deste livro é que Melquisede que apresentou-se no Vale de Savé como um símbolo ou
tipo da revelação geral de Deus à humanidade; Abraão, por sua vez, representava a
revelação especial de Deus à humanidade, baseada na aliança e registrada no cânon.
A revelação geral de Deus é superior a sua revelação especial de duas maneiras: ela
é mais antiga e influencia cem por cento da humanidade (SI 19) em lugar de apenas
uma pequena porcentagem! Assim sendo, era apropriado que Abraão, como representante
de um tipo de revelação mais recente e menos universal, pagasse o seu dízimo de
reconhecimento ao representante da revelação geral.
A presença de Melquisedeque, anterior à de Abrão, em Canaã, não diminuiu de
forma alguma o destino especial dado por Deus a este último! Pelo contrário, não
existe a menor evidência de que os dois homens se olhassem com a mais leve
insinuação de inveja ou competição. Melquisedeque repartiu seu “ pão e vinho” com
Abraão e o abençoou, e Abraão “ pagou o dízimo” a Melquisedeque. Eles eram irmãos
em El Elyon/Javé e aliados em sua causa! Desde que a revelação geral e a especial
têm ambas origem em El Elyon/Javé, era de se esperar que Melquisedeque repartisse
seu pão e vinho com Abrão e este “ pagasse o dízimo” a Melquisedeque.
O surpreendente é que eles continuaram a fazer isso através da história subseqüente da
humanidade. Pois à medida que a revelação especial de Javé - vamos chamá-la de fator
Abraão - continuou a estender-se ao mundo, através das eras do Antigo e Novo
Testamentos, ela descobriu sempre que a revelação geral de Javé - que chamaremos
de fator Melquisedeque já se achava em cena, trazendo o pão, o vinho e a bênção de
boas-vindas!
O presente livro é minha tentativa de traçar através da história alguns exemplos
desta magnífica interação entre o fator Melquisedeque - a revelação geral de Deus -
e o fator Abraão - a revelação especial de Deus.
Existe, porém, um terceiro fator. E sua relação não é nada bela. Um outro rei
cananeu, de caráter bem diverso de Melquisedeque, encontrou-se com Abraão naquele
mesmo dia no Vale de Savé. Bera, rei de Sodoma.
Bera mostrou-se amável também para com Abraão, oferecendo-lhe os despojos
tirados de Quedorlaomer, os quais tinham sido originalmente produtos de um saque em
Sodoma.
Observe a reação de Abraão: “ Mas Abraão lhe respondeu: Levanto minha mão ao
Senhor, o Deus Altíssimo (Javé - El Elyon no original. Assim como os apóstolos Paulo
e João aceitaram mais tarde o “ Theos” e “ Logos” como nomes gregos válidos para o
Deus verdadeiro, Abrão em seus dias aceitou El Elyon, o nome cananeu dado a Deus
por Melquisedeque), o que possui os céus e a terra, e juro que nada tomarei de tudo
o que te pertence, nem um fio, nem uma correia de sandália, para que não digas: “
Eu enriqueci a Abrão” (Gn 14.22-23).
Os representantes do fator Abraão no decorrer da história tiveram de seguir o
exemplo deie ao exercer esse mesmo discernimento - a percepção necessária para
distinguir o “ fator Melquisedeque” realmente amigável entre os cananeus, desse outro
componente oculto da cultura cananeia - que chamaremos de “ fator Sodoma”.
Eles tiveram de aprender a aceitar um e rejeitar o outro, como fez Abrão no vale
de Savé.
Passemos agora ao exemplo seguinte destes três fatores mesclando-se e/ou
reagindo, na história:

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