A Mente Capta
A Mente Capta
A Mente Capta
Aos 14 anos
escreveu e dirigiu sua primeira peça. "O DUELO", sendo"descoberto" por Antonio
Abujamra num Festival de Teatro Amador realizado em Bauru, em 1962.
A partir daí entra em contato com o ambiente teatral paulista onde lê .várias de suas
peças nos seminários realizados pelo extinto Grupo Decisão de São Paulo.
Forma-se em música.e viaja para o exterior onde fica três anos entre Europa e Estados
Unidos.
Nesse mesmo ano ganha o PRÊMIO ANCHIETA, com a peça "OS BASTARDOS", e
menção honrosa no mesmo concurso com "EL CABARET", peça onde contou com a
colaboração de Fauzi Arap. (São ambas proibidas pela Censura).
Muda Para o Rio e em 1978 encena "SE MINHA EMPREGADA FALASSE, com
Thaís Portinho, direção de Nelson Xavier.
Em 1981 é a vez de "A RECEITA DO SUCESSO", dirigida por Jorge Fernando, com
Duse Nacarati, Marcus Alvisi, Vicente Pereira e Vera Setta. Com música da dupla
Dusek / Góes.
E "DOCE DE LEITE", com Marilia Pera e Marco Nanini, onde é um dos autores,
juntamente com Vicente Pereira e Alcione Araújo.
Em 1983, "A FAMÍLIA TITANIC", no Teatro Delfin, com Claudia Jimenez, Pedro
Cardoso, Felipe Pinheiro, Zezé Polessa e Guilherme Karan. Cenário de Naum Alves de
Souza e direção de Felipe Pinheiro e do autor.
Na TV' escreveu para Marília Pera e Marco Nanini no extinto programa "Planeta dos
Homens da Rede Globo e atualmente. trabalha com Chico Anísio, no “Chico Anísio
Show” onde criador de alguns personagens como Washington, Caio Malufus.
A MENTE CAPTA
De Mauro Rasi
ELENCO:
CENÁRIO:
Na porta que divide os dois aposentos ã' inscriÇão: "DOUTORA ROSA CRUZ,
ANTI.PSIQUIATRIA DE APOIO".
DORA ..l. Sabem o que eu descobri? Descobri que o meu problema é: meu pai. minha
mãe e eu! '-.
o~. 0:" posso ir mesmo, que se o Jorge me vê ele me mata...s 'o. OUTRA - Então
vamos trocar? Eu te empres!D
tenho tanto medo delo descobrir que sempre que 10UTRA - Você não disse que ~inha
"AS MAl
., venho pra análise é assim. Fico achando que esque- J'u.. BELAS FANT
ASIAS MANIACO.DEPRESSfl
~
'o; t-J .fechei a porta, que deixei a Janela aberta..p.,:.,... ""'~"',,,;~i }. '.0' .'.. '-, t:;;~
',OUTRO ..1' (PROCU RANDO) f..ch9 gue perdi PARANÓIA SEM SENTIDO
LlNDALVA - Ah, voCê odeia quem faz sucesso, isso sim. Você é um invejoso.
num pique e quando você fala, pesa. Ainda bem que a gente decidiu que a gente não
vai deixar você falar. Cala a bocal
DORA - Pera ar, gente. Vamos mudar de assunto. Ela quer que a gente vá ao
"FANTÁSTICO", né?
"MENDIGA" - Qual?
-.,'
PERSPECTIVA", de Smitson?
LlNDALVA - Não. Ainda estou no meio de "M CANISMOS DA DEPRESSÃO". Eu
gosto de I devagar. Eu s6 leio à .!!9it~, antes de~~ormir, pr
(~.AT~~ÓRICA) Eu não posso mais ficar calada. Eu me sinto tlio mal, tão A
DOUTORA ESTA FAZENDO MIL COISAS).
..A.~n.hora
.',~s~ presta~d?:ate~
ullo'
\/.::SACUDIDA) . . :-Eu acho um absurdo o nosso gru.; :' casa. não era bem uma
casa. Era uma. .1.': ..~ ."
~:r ,_. construindo uma mansão na Barra com uma piscina em forma de peito. E vocês.
trouxas-, pagando.
- Decida.
C não era uma casa?
~ r~.. - Não sei como vores toleram. S6 porque fi chique,. ANALISANDO - Não sei.
Era um lugar Ifrmo,
"'\t.. ,dástatus? Como vocêssão fúteis. .' M~\~,".I,;,: .~~ ,abandonado..,. ':I."~',
"1' vir aqui jogar isso na cara da gente? Você faz tera. DO UNS PAPE:IS,
EXAMINANDO OUTROS)~ -,
~1 LAI Vore não sabe o que está fazendo. Está dan- logo a~rás uma mOltazlOha.
E não era bem eu. Era
'i do um passo muito sério. Perderá tdos os seus ami- eu e nao era eu . . .
~ ~s; ~inguém mais f~I,~r.á com v~ ... ..'~. . DOUTORA _ (IMPACIENTE) Era
vooi OU não
.t COLEGAS) Eu não era assim. Foi elal Foi ELA, tanto medo daquela casa. .. E
tinha um caminho.
'.I' com sua terapia maldital ' zinho perto de um preciplcio, uma jaula, uns. . ~
eso
nho.d
ou.
"
~ DOU'TORA - Vocés melhoraram, ~ão fi? ..:~.:' ~;;: bezinho tinha medo de
ter irmâ'os. :> .'.,
'.~ .
(J;
. ;. .. . .: .;~
~, ;,
'J:.'
)/"
:~.; OUTRO - AI, meu coração.~, dISparou. :! .Jo.Lf;, .'.:.\:,no. V~ amav.a sua mãe.,
:.:'.,,-!ffi'~N';tn:~ftfm~:';
~.. " ','.\fP:'i;. .. "j~))\IU~~l-;~}J[~~!'AJ '!::Jkl:'i~ I' 1\! ft:$;;;:Ç': .,"( ,:, ..,., ' .
",~{t~;k'-;M~}r.
~'?. ,.:.cada susto. Quero so ver quando vocês morrerem. . ~.?"!~ '...
~.r,t.~,,*;!"f,T:!
~-""':.;-": ..'~, '; ., -,' ,.~. ':.,; "' "';', ;'~~~<,:. ~ DOUTORA -
(COMPLETANDO) ;'.;;! Sexualmen
...,.A
ANALI
'
- . · -,.,.,..",,!'i ,. ..
'. ..- ,.,... -., t r.~".'(;.-"~I;'''- li':""fP.?tJ.~~";"';, :"~ ."" "~f". ':,"
,~:'2:;"~ '",,0-" .~};. ....
; '.: .- DOUTORA - Claro. com éssa càbéçà 'lhas querià ~Ú,'DOUTORA - Sabe
que às vezes eu 'também me
'~ ,'"'fSempre quis ter relações sexuais com .,ÍlJa mie. '~
onta o.seu sonho~-espero gue eu não'durma't;~1 ~,não s6 com sua mãe mas também co
seu pai " f,.
,u.paliPiifI
"'coisa tão esquisita :'.': (ENQUANTO ELE CONTA' '; 'um absurdol '~ .. ..;~t~"'"
~'1 .'iA..' .
OUT/NOV/DEZ
45
1'11':<'" .
i.
,.
~~:: ~
.y
I.
46
REVISTA DE lEATRO
f'
m!:f.{SE
.
r-9~1~~El\~RG-YNT.AJ
;~~~~
'''' . ::' "'<:".r~~~DOUTORA ,~:, Ainda nllo passou ''qúaSe híd.. " .
~=,- ;-grt'".ça,~Q~!.
.! pi
"
,.."'~
'
,
-,,..,..t.'49
dorzlnha
por
obelisco
na
cabeça
'"
AI
" :lA
com
'
an
_ "'0
' }J~
'"
Jmt~~~7~r:
;~L
~"
.,
Entendeu? Essa é a diferença. (VENDO QUE. viol AI, que al(viol. . \" (
:
tar. A gente reuniu uma turminha quente, sabe? ,~, ". ,'o "," ,~:' '
A gente queria fazer uma coisa bem louca. ... v". ;., DOUTORA - A Amaracy?
é:?;. : 'fI'
,~.
r
PENTE, UMA CONFUSÃO. D ANALlSAN
tame? .. }.
\ "( :
AMARACY - ~. A primeira. . .
" ,. '1c.'~ ..
. -.
DOUTORA - Eu não sou bruta, não, ~inha filha. I: que eu sou das antigas, viu? No
meu tempo não tinha disso, não. A gente mandava logo ariar umas panelas, lavar e
passar roupa que é um santo remédio pra curar dor de cotovelo. Mas, já que você
tápagando, vai, minha filha, vai logo pro tatame. (ENQUANTO AMARACy.sE
AFASTA, ELA COMENTA, IM'PRESSIONADA). E: incrrvell Os pa
cientes vêm aqui já sabendo tudo sobre a própria .§):J-dIOZ OFF - ". . . Vou por ~ma
cortina laranja no doença: "Ai, a senhora não acha que a minha ma- canto esquerdo,
um puff à direita. Não posso <!snia tem muito a ver com aquele ensaio de Lam.bi-
quecer de passar no marceneiro e encor,nenàar um somen?", "Ai, eu acho que o meu
caso está mUito sarrafo de vinte e duas polegas de diâmetro. . :.
bem classificado por Kanplan . . : , "Ai, Jeffers descreve uma neura igualzinha à minha
.~ :.
, ~'
minha desses? Ah. eu dava logo umas bordoadas mas, infelizmente, a ciência me
proíbe de bater.
(AANALlSANDA QUE DIZ QUE QUER SAIR, PENSA; EM OFF). "";; ", brJil,,-"
...~f :-;'--:',F~r~
';~ ".
- . .o.i, " . . ,
DOUTORA - (NERVOSA). Pois se tomasse um bom banho frio, s.abe. pegasse numa
enxada, ia ver como passava. Ficava boazinha.
DOUTORA - Garanto que a sua casa está uma bagunça. Se vore arrumasse a sua casa,
você ia ver co
. mo arrumava a sua cabeça (TOM). Antes de ir pro tatame vamos "Esvaziar a mente".
Todos vocês já conhecem o exercrcio, não é? Então vamos fazer.
48
DOUTORA - Silêncio! Todo mundo bem extrovertido, olhando ao redor, observando,
se locali. zando, se tocando, se sentindo . . . Sinta O seu companheiro, a sua
companheira e NAo PENSE.
(DANDO UNS TAPA~ NAS COSTAS DE UM)._ Extrovertel Tá muito pra dentro.
.'..
~ém introvertido aqui dentro, remoendo coisas eu dou uns tapas, hein? Depois não vão
reclamar, dizer: "Ai, a doutora me bateu; a doutora é bruta; a doutora é isso e
aquilo. . :'. A doutora faz o que pode. E, muitas vezes, o que não pode. Mas OS meios,
aqui no caso, justificam os fins (A SI MES.
MA). Mesmo que não se saiba bem qual é o fim. . . (A ELES). Não pensem em nada.
Simplesmente es. tejam aqui e mais nada (A UM ANALISANDO).
DOUTORA - Quero só ver, Todo mundo pensando em nada, Quero OUVI R todo
mundo pensando em nada.
REVISTA DE TEATRO
~ i ,':.'1 AAAAAAAAAAAAADDDDDDDDDDDDDDAII
..\~;. ". 'U., IJ.;Í .!lI'-) .'10: t t1"e, """ )J~ ,.11 -".., ~.' "
~'~r .. '"m.:.' - .
"
~: . l;';
do grupo colaborar e recriar a situação dolorosa da nossa amiga aqui, para que ela,
mais uma vez, Ó VI'tima, viva os' horrores daquela situação passada, na esperança de
que, vendo onde marcou, pare de marcar, esqueça e parta pra outra (TOM). Eu quero
avisar que aqui a gente s6 vive a situação doloro~ sa passsada UMA VEZI Depois, se
precisar recriar
mento alheio: "Ai, eu quero relembrar aquela situaçlo horrorosa que me aconteceu há
dez anos atrás . . . " "Ai, eu quero relembrar aquela coisa pavorosa que me aconteceu
quando eu tinha seis anos. . :' (CATEGÓRICA)' Quer sofrer, tem que pagarl Vou
mandar por uma'tabuleta aqui: "Sofrimento é lucro". Se na'o vou . . . Que eu estou
desconfiada que vocês andam fazendo do sofrimento, uma carreiral
AMARACY - (CONTANDO SEU CASO). Dany era tão encantador, tão -bonitinho. . .
(SURGE DANY ATRÁS DELA. NO TATAME).
AMARACY - Sempre. Desde pequena. Achava que tinha perdido, que tinha esquecido
em algum lugar. mas não, era roubada mesmo. Roubada pelos meus amiguinhos. pelos
colegas, pelas emprega
10 ~ das e at4 pelos meus irmãos. Fui assaltada por um ""~ttrombadinha. doutora.
quando vinha para o con
DOUTORA - Quando foi que você achou que te "roubaram" o primeiro namorado?
ZE RÃ, O SONOPLASTAMUDAR DE MÚ
Fomos à uma festa no Tenis Clube. Antes não tivéssemos ido. Todos não tiravam os
olhos de Dany. Eu fingia que não estava vendo mas não perdia nada. nenhum detalhe.
Chegava até a medir a linha dos olhos de um com os olhos de outro para ver se
estavam olhando no olho (PEGA UMA FI
'TA M!:TRICA E 'MEDE). Minhas amigas, "ami. gas" . . . Ah, se pudesse matá-las,
esquartejá-las. pulverizá-Ias . . . se aproximavam de mim só para estar perto de Dany,
para tOcá-lo. cheirá.Jo. pegá-Io.. .
49
1I1I
:í~
~'I!:
DOUTORA - (FURIOSA):- Eu não estudei em Viena, não, Amaracy. Nem sou amiga
da Karen
Horney, da Ana Freud e da Melanie Klein. Eu sou. neta de escravos. Minha avó ia pro
tronco. Eu sou de Jacarepaguá. Porisso não me venha com fital
AMARACY - (INDIGNADA). Mas. doutora. . . A senhora não acha que o meu caso
se configura um caso t(pico de distorção do e9O, um trauma cumulativo e que seria
necessário rever o papel dos mecanismos fóbicos e contrafóbicos? Quem sabe também
dar uma olhada na transfenfncia . . .
50
DOUTORA - (CONTINUANDO). Agora. ela sO teve um problema: que isso acentuou
-d'emais O narcllismo dela. Ficava o dia inteiro se olhando nas panelas. Bem. mas Isso
Já li outra história. Eu nlo posso me deter nisso agora. O próximo I '
FALSA LOIRA - Ai, deixa eu ir pro tatame, de. pressal Depressa I Deixa eu ir pro
tatame . . . (EM. PURRA QUEM ESTA NO TATAME). Sai! Sai! Ai, doutora Rosa,
me acode. Me socorre, pelo amor de Deus.
LHER. Dai' disseram que quem tinge muita a ca~ belo, se a tinta far muito farte, pode
ficar louca, porque ela penetra na cabeça pelos poros. Pelos poros, ah . . . E eu tingi
demais a meu cabela. Ele era castanha. eu adiava. Tingi de loiro e fui fic?n. da cada
vez mais loira.loin'ssima e dai, quando eU ouvi aquilo EU ENTENDI TUDOI Bem que
eu sentia uma coisa escorrendo, descendo aqui dentro.
TINTAI A tinta atingiu meu cérebro. Eu estou fi cada louca. dautora. Fiquei laira mas
fiquei lauca E quanda ela atingir a caraçãa eu marrerei loira
\o doutara. -
:,.;
TEVISTA DE TEATR
'.
:'LA
,
' NALlSANDO - (DESESPERADO) . .. Doutora. que está acontecendo? t
Meu Deus. como eu me identifico com ela. Eu SINTO elal (AOS OUTROS) Olhem
para mim. EI sou a doutoral
"'f
SEM ENTENDER). .
1 .,
y -t~ __-'
." .:.. bobo. Ninguém criá nada. ninguém Presta. . . ~ OUT,RA - Por quê ela está
entrando. e saindo? O
~'~ ",'~ generalizando. não. meu bem? ' 3 ANALlSANDA - QUE DIZ QUE
QUER SAIR:
'f\' ;.J ANALISANDO - ~erá doutora? Às vezes fico pen- abandonada por ela. . .
fo~' que sou bobo? Não estarei me projetando nos ou- l\ ANALISANDO - Acha que
ela faria isSo?
tl
Olhem bem para e~ pessoa. Gravem bem a sua fi- (TODOS OLHAM
ASSUSTADOS PARA ELA).
, ,"~~~,.: J!.
, 1-:~!.,t.~;
, ',,;:,(~..,;,,
c ~udo que "se os anjos dizem amdm . . . (MAL ACABA DE DIZER OUVE-5E UM
REPICAR DE SINOS E UM CORO ANGELlCAL DIZENDO: "AM~MII" E A QUE
FRANZE FICA COM O NA. RIZ PERMANENTEMENTE FRANZIDO. ESTÃO
TODOS ASSOMBRADOS. A QUE FRANZE CORRE OLHAR-SE NO
ESPELHO/NÃO CON. SEGUE MAIS DESFRANZJR O NARIZ. GRITA E SAI
CORRENDO. DESESPERADA).
,," lho...
,.
CUPADOS). . ,_ ,1ft" ,