Rigidez Traumatica Cotovelo

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ARTIGO DE ATUALIZAÇÃO

RIGIDEZ PÓS-TRAUMÁTICA DO COTOVELO

POST-TRAUMATIC STIFFNESS OF THE ELBOW

Geraldo Motta Filho1, Marcus Vinícius Galvão2

RESUMO ABSTRACT
Rigidez do cotovelo é uma complicação comum, após trauma Stiff elbow is a common problem after articular trauma, caus-
articular causando comprometimento da função do membro su- ing functional impairment of the upper limb. The gravity of
perior. A gravidade da disfunção depende da natureza do trauma the dysfunction depends on the nature of the initial trauma
inicial e da terapêutica empregada. A avaliação clínica e atra- and the treatment employed. Rigorous clinical evaluation and
vés de exames complementares adequados são fundamentais no complementary exams are essential to creating a therapeutic
planejamento terapêutico. Diversas modalidades cirúrgicas são plan. Several surgical techniques are available and a recom-
disponíveis atualmente e a indicação deve ser individualizada de mendation must be made according to patient characteristics,
acordo com o perfil do paciente, do grau de limitação articular e degree of joint dysfunction and the surgeon’s skill. Articular
habilidade do cirurgião. Incongruência e degeneração articular incongruence and degeneration have negative effects on the
influenciam negativamente o prognóstico, porém, a presença de prognosis, and isolated heterotrophic ossification seems to be
ossificação heterotópica isolada relaciona-se a um prognóstico related to a positive prognosis after surgical treatment.
cirúrgico favorável.

Descritores – Cotovelo/lesões; Cotovelo/cirurgia. Ferimentos Keywords – Elbow/injuries; Elbow/surgery; Wounds and


e lesões injuries

INTRODUÇÃO são: o alto grau de congruência, a complexidade de suas


superfícies articulares e a grande sensibilidade tecidual
Rigidez do cotovelo é uma afecção comum, após
ao trauma, especialmente da cápsula articular. Além da
traumatismo articular podendo causar comprometimento
relação direta da rigidez articular do cotovelo com o
substancial da função do membro superior(1). Diversas
trauma, má reabilitação e imobilização prolongada des-
situações clínicas podem proporcionar perda de movi-
mento no cotovelo. O sucesso de seu tratamento depen- necessária, também, são fatores relacionados à perda de
de de uma avaliação clínica adequada que determine as amplitude de movimento, e nos quais o ortopedista tem
alterações anatômicas envolvidas no processo patológi- influência direta.
co, permitindo ao cirurgião intervir adequadamente(2). O envolvimento do paciente com o tratamento, tam-
bém é citado como fator causal de rigidez articular do
Etiologia cotovelo, porém, para muitos autores essa não é uma
A propensão da articulação do cotovelo a desenvol- causa de grande relevância.
ver rigidez pós-trauma é reconhecida pelos ortopedis- Outras causas descritas incluem queimaduras e os-
tas, mesmo após traumas leves. As principais razões sificação heterotópica, frequentemente consequente a
que expõe a articulação do cotovelo a esta complicação traumatismos cranianos(3).

1 – Diretor Geral do Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia - (INTO), RJ.


2 – Médico do Centro de Cirurgia do Ombro e Cotovelo do Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia - (INTO), RJ.

Trabalho realizado no Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia – (INTO), RJ.


Rua Washington Luís, 61, Centro – 20232-070 – Rio de Janeiro, RJ.
Correspondência: Marcus Vinícius Galvão, Av. Afrânio de Melo Franco, 141, sala 511, Leblon – 22430-060 – Rio de Janeiro, RJ. E-mail: mvgamaral@terra.com.br

Declaramos inexistência de conflito de interesses neste artigo

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Patologia O exame sob anestesia é controverso, quanto a suas


Estudos experimentais em laboratório têm investiga- indicações e eficácia. Morrey recomenda esse procedi-
do as alterações bioquímicas e biológicas, que ocorrem mento, em pacientes que durante o período pós-operató-
nos tecidos periarticulares, como resposta ao trauma. rio não responderam à reabilitação, mesmo com uso de
Cohen et al(4) documentaram que cotovelos rígidos apre- imobilizadores articulados, fisioterapia, e até aparelhos
sentam uma cápsula fina, com desorganização da matriz de mobilização articular contínua (Amac)(1) (Figura 1).
colágena, aumento de citocinas inflamatórias e infiltra-
ção fibroblástica, caracterizando uma condição fibrótica
e inflamatória. Outros autores documentaram aumento
na formação de colágeno do tipo cross-linked, associa-
do à diminuição do conteúdo de proteoglicanos e água
em articulações contraturadas, além de alterações na
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conceito importante que surge a partir das investigações
mais recentes, sugere a existência de uma resposta indi-
vidual a um trauma de mesma intensidade(5,6).

Quadro clínico
A perda de amplitude de movimentos depende da
natureza da lesão e seu tratamento. A perda da extensão
é mais comum, porém, perda de flexão não é incomum,
assim como, da rotação do antebraço(1). A combinação
da perda da extensão associada à perda da supinação do
antebraço, representa limitação grave para determinadas
atividades da vida diária(2).
Figura 1 – Paciente utilizando imobilizador articulado com dispo-
Em pacientes que apresentam luxações simples do sitivo para ganho passivo de amplitude de movimento (flexão)
cotovelo, a perda de movimento é puramente intrínseca,
relacionada à contratura capsuloligamentar e ao dano
muscular. Pacientes com fratura-luxação apresentam li-
CLASSIFICAÇÃO
mitação dos movimentos do cotovelo, seja pela natureza Morrey(1) classificou a rigidez articular em dois gru-
da lesão ou pela reabilitação pós-operatória. Em alguns pos principais, baseando-se na etiologia e localização
casos, a instabilidade articular, incongruência articular anatômica da contratura. Essa poderá ser extrínseca,
ou subluxação, principalmente úmero-ulnar, pode estar quando se limita às partes moles ou a processos extra-
associada à limitação do arco de movimento(1,7). articulares. As intrínsecas referem-se a processos articu-
A dor não costuma ser um sintoma presente, exceto lares, como consolidações viciosas e doenças articulares
na presença de degeneração articular ou nos movimen- degenerativas. Frequentemente, contraturas intrínsecas
tos extremados. Por outro lado, dor em repouso pode apresentam um componente extrínseco associado, sendo
sugerir infecção, principalmente em indivíduos já sub- consideradas contraturas mistas(2).
metidos a cirurgias prévias(1). Nesses casos, a dosagem Kay(8) descreveu outra classificação para a rigidez
da proteína C reativa e velocidade de hemossedimenta- do cotovelo, baseada nos componentes envolvidos no
ção estará indicada. processo. No tipo I existirá somente uma contratura
Um dos parâmetros clínicos mais importantes para isolada de partes moles. No II, contratura de partes
indicação de tratamento cirúrgico é a presença de sinto- moles associada à ossificação heterotópica. No tipo
matologia relacionada ao nervo ulnar. Sinais de neuropa- III, contratura de partes moles associada à fratura ar-
tia indicam necessidade de neurólise e transposição an- ticular consolidada, sem desvio. No IV, a contratura de
terior. Por vezes, a sintomatologia neuropática pode ser partes moles estará associada à consolidação viciosa
subclínica, devendo o examinador procurar identificar de fratura articular e o tipo V refere-se à presença de
esses pacientes por meio de testes provocativos(1-3). barra óssea transarticular.
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Exames complementares Em resumo, a intervenção cirúrgica estará indicada


Na maioria dos casos, radiografias simples em an- em pacientes que apresentam uma amplitude de movi-
teroposterior e perfil do cotovelo são suficientes. Em mento no cotovelo, menor que 100º de flexo-extensão
contraturas maiores que 30º a imagem em anteropos- ou de 50º a –50º de pronossupinação. Porém, a indica-
terior apresenta-se distorcida, nesses casos, as imagens ção deve ser individualizada, de acordo com as neces-
oblíquas são opções adequadas. Além de deformidades sidades funcionais de cada paciente e a habilidade do
articulares, deveremos avaliar o espaço articular, a qua- cirurgião.
lidade da cartilagem articular, sua congruência, presença Pacientes com rigidez articular do cotovelo, inde-
de ossificações heterotópicas e a localização de material pendente da etiologia, que apresentam sinais clínicos de
de osteossíntese(3). neuropatia do nervo ulnar, devem ser tratados cirurgica-
Tomografia computadorizada deverá ser solicitada mente com neurólise e transposição do nervo, associada
sempre que houver acometimento articular associa- à liberação articular do cotovelo. O comprometimento
do, que é mais grave quando acomete a articulação motor exige indicação cirúrgica absoluta(1,2).
úmero-ulnar(2,3) (Figura 2). O grau de acometimento articular é o fator prognósti-
co mais importante, e a variável que orienta a modalida-
de terapêutica e resultados, que irá da liberação articular
até a artroplastia de interposição(1).

TRATAMENTO
A escolha da técnica a ser empregada depende da
etiologia da rigidez articular e da experiência do cirur-
gião. Diversas modalidades de tratamento foram des-
critas na literatura especializada, porém com resultados
inconsistentes.
Tratamento incruento
As modalidades não-operatórias, no manejo da ri-
gidez pós-traumática do cotovelo, consistem no uso de
imobilizadores articulados e fisioterapia. O tratamento
conservador até o quarto mês não é de exceção, especi-
Figura 2 – Imagem em corte sagital de tomografia computa-
dorizada do cotovelo demonstrando presença de corpos livres ficamente em quadros de rigidez não associadas a defor-
intra-articulares com degeneração articular ulnoumeral midades articulares e ossificação heterotópica. Apesar
de alguns autores apresentarem ganhos de extensão de
Eletroneuromiografia é necessária quando existir até 30º, com esse tipo de tratamento, esses resultados
não foram reproduzidos pela maioria, sendo indicação
suspeita clínica de neuropatia do nervo ulnar(3).
de exceção. Manipulação sob anestesia em contraturas
Por outro lado, imagem de ressonância magnética é
crônicas, além de não apresentar bons resultados, pre-
exame de exceção na propedêutica desta patologia(9).
dispõe a formação de hematoma, dor, rigidez adicional
e ossificação heterotópica(10,11).
Indicações cirúrgicas
O arco funcional do cotovelo é definido como uma Tratamento cruento
amplitude de movimento de flexo-extensão de 30º a O tratamento cirúrgico do cotovelo rígido estável
130º e pronossupinação de 50º a –50º(10). Por outro pode ser realizado por via cruenta ou por técnica vídeo-
lado, perda de 50% da mobilidade do cotovelo repre- artroscópica. A opção por via cruenta é preferencial em
senta perda funcional de 80% da função da extremi- casos em que exista uma retração acentuada de partes
dade. Da mesma forma, contraturas em flexão maiores moles, onde a cirurgia artroscópica é tecnicamente di-
de 45º determinam disfunção grave na capacidade de fícil, e quando há indicação de ressecção de ossifica-
posicionar a mão no espaço. ção heterotópica, reconstrução articular ou artroplastia
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por interposição. Na presença de deformidade articular é que ele não atua na limitação da flexão, e requer a
pós-traumática, a realização de osteotomias corretivas, identificação e proteção das estruturas neurovasculares.
associada à artrólise estará indicada. Artroplastia total Apesar disso, essa via de acesso permite exposição di-
do cotovelo é uma opção em indivíduos idosos, com reta da cápsula anterior e identificação de ossificações
baixa demanda, com limitação funcional e degeneração heterotópicas nessa topografia(1,17).
articular(1).
A literatura ortopédica atual registra resultados fun- Acesso medial
cionais semelhantes, nos grupos submetidos à libera- O acesso medial tem sua principal indicação, em pa-
ção cruenta ou artroscópica, mas não existem trabalhos
cientes com sinais de acometimento do nervo ulnar. Essa
comparativos entre as técnicas, provavelmente pela di-
via de acesso, além de permitir o tratamento das altera-
ficuldade em identificar grupos homogêneos que pos-
ções neurológicas do ulnar, também possibilita a abor-
sibilitem esse tipo de avaliação(12-14).
dagem de toda a cápsula anterior e o recesso posterior
A maioria das séries, não recomenda a realização
da articulação. Essa exposição é limitada e ineficiente,
de artrólise nas crianças e adolescentes, seja aberta ou
quando a doença acomete a articulação umerorradial
artroscópica, em virtude da qualidade dos resultados
e as estruturas laterais. Os reparos anatômicos desse
obtidos nesse grupo de pacientes(15). Porém, séries mais
acesso são o epicôndilo medial, o nervo ulnar e o septo
recentes afirmam que em pacientes sem incongruência
ou degeneração articular os resultados são semelhantes intermuscular medial do braço. A chave para uma boa
aos da população adulta(16). exposição é a separação do pronador redondo da massa
Dessa forma, independente da técnica, para que o tra- flexora e sua elevação permitindo a visualização ampla
tamento cirúrgico seja eficiente é necessário identificar da cápsula anterior. Para abordar a face posterior da
corretamente a causa da rigidez, o que possibilitará um articulação realiza-se liberação do nervo ulnar, o des-
planejamento cirúrgico específico e sequencial. colamento da porção medial do tríceps, permitindo-se
a identificação dos osteófitos(1,2).
Procedimento cruento
Acesso lateral limitado: o procedimento colunar
Os cuidados no trato das partes moles periarticulares
devem ser a principal preocupação quando utilizamos O procedimento colunar descrito por Mansat e
a técnica cruenta, principalmente em pacientes subme- Morrey(18) permite a abordagem anterior e posterior da
tidos previamente à cirurgia, em virtude do risco de articulação. A região anterior da articulação é identifi-
complicações pós-operatórias. cada no intervalo entre as fibras distais do braquiorra-
O percentual de complicações nas liberações cruentas dial e do extensor radial longo do carpo. Dessa forma
é de aproximadamente 10 a 30%, dependendo da nature- é possível ressecar os 2/3 laterais da cápsula anterior
za das alterações existentes e do tratamento empregado. e incisar o seu 1/3 medial. Quando a cabeça radial es-
As complicações descritas, em ordem de frequência, tiver envolvida e existir indicação de sua ressecção, o
incluem: complicações de pele, infecção, neuropatia do acesso lateral estará indicado. Osteófitos do processo
nervo ulnar, ossificação heterotópica e dor(1,2,12). coronoide e da região anterior da extremidade distal
A seguir serão discutidas as diversas opções de aces- do úmero podem ser, então, ressecados. A seguir, por
sos cirúrgicos utilizados para o tratamento da rigidez meio da elevação da porção lateral do tríceps expõe-se
pós-traumática do cotovelo. a cápsula posterior, osteófitos posteriores, tecido fibroso
que preenche a fossa olecraneana e osso heterotópico
Acesso anterior permitindo a ressecção adequada.
Urbaniak et al(17) popularizaram o acesso anterior ao A complicação mais comum dessa abordagem é
cotovelo, principalmente para o tratamento da perda de parestesia no território do nervo ulnar, seja por aces-
extensão do cotovelo. Propõem, apenas, uma capsulo- so agressivo às estruturas mediais, pela colocação de
tomia anterior transversa, em pacientes com contratura afastadores nessa topografia ou ainda, pelo ganho de
em flexão isolada. Outros autores realizam, por esse movimento pós-operatório, principalmente de flexão,
acesso, uma capsulectomia anterior associada a teno- que expõe o nervo à tensão aumentada, tornando uma
tomia do braquial. A grande limitação desse acesso neuropatia subclínica em sintomática(18,19).

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Acesso posterior extenso periarticulares e os portais artroscópicos, associado


Essa via de acesso está indicada em casos graves, à redução do volume capsular, que poderá ser de até
quando a exposição medial e lateral é necessária ou em 6cm³, o que dificulta a realização da distensão hídri-
casos em que a superfície articular está acometida(1). ca da articulação, aumentando o risco de lesão das
Realiza-se um acesso posterior de pele, sendo o nervo estruturas nobres(23).
ulnar a primeira estrutura a ser identificada e liberada de Nessa técnica, o passo inicial é a identificação e a
seu leito. Em seguida, é realizada a dissecção do retalho ressecção de todos os corpos livres. A seguir, realiza-se
cutâneo lateral, elevando a massa extensora da cápsu- a ressecção de osteófitos e ossos heterotópicos, preser-
la anterior, identificando-se e protegendo o complexo vando-se, integralmente, a estrutura capsular. Morrey(1),
ligamentar lateral. Em seguida, é feito o descolamento preferencialmente, observa por meio do portal antero-
do retalho medial e o nervo ulnar, previamente identifi- medial e realiza a ressecção óssea através do portal an-
cado, deverá ser protegido. Nos casos, em que persistir terolateral. O uso de retratores capsulares popularizados
a limitação da flexão, após a liberação lateral, a ressec- por Kelly et al(23) é extremamente útil nesse momento.
ção da banda posterior do ligamento colateral medial Após a realização do tempo ósseo descrito anteriormen-
estará indicada, por este ser um restritor importante da te, a cápsula anterior é liberada, de proximal para distal,
flexão a partir de 110º. Por esse acesso, a ressecção da sempre lateral ao processo coronoide, observando por
cápsula medial também poderá ser realizada por visão meio do portal medial. Aspiração não deve ser utilizada,
direta, assim como eventual ossificação heterotópica(20) devendo-se usar somente fluxo gravitacional de saída.
(Figura 3). O nervo radial encontra-se em risco nesse momento,
estando entre um a dois milímetros (mm) da cápsula
articular. O risco de lesão nervosa é minimizado, quando
realizamos a capsulectomia umeral, evitando-se traba-
lhar no tecido capsular que se encontra na topografia
da cabeça do rádio. A seguir confeccionam-se o portal
central posterior e o posterolateral, realizando-se a abor-
dagem posterior na mesma sequência(21-23).
Atualmente, diversas séries de casos têm apresen-
tado resultados satisfatórios com índice de complica-
ções equivalente às artrólises realizadas por técnica
aberta(13,14,23) (Figura 4, A, B, C e D).

Artroplastia de interposição
A artroplastia de interposição, associada à artrólise
Figura 3 – Imagem de artroscopia do cotovelo visualizando o
recesso posterolateral da articulação permitindo acesso à ca- deve ser considerada em pacientes jovens, que apresen-
beça do rádio tam contratura mista com sinais radiográficos de de-
generação das superfícies articulares de mais de 50%,
ou que necessitem de remodelagem das superfícies
Procedimento artroscópico
articulares por consolidação viciosa. Fáscia lata é o
A cirurgia, por técnica vídeoartroscópica, para o tra- tecido mais comumente utilizado nesse procedimento,
tamento do cotovelo rígido pós-traumático tem tornado- e deve ser suturado, cuidadosamente, ao redor de toda
se uma prática corrente, com resultados consistentes na a superfície articular, comprometida por meio de sutura
literatura ortopédica. Porém, é um procedimento tecni- transóssea. A abordagem ao compartimento lateral do
camente complexo para o cirurgião. Deve ser indicado, cotovelo, com liberação do complexo ligamentar late-
preferencialmente, nas contraturas menos graves, com ral é possível com a exposição ampla da articulação,
perda menor que 15º de extensão, e quando existirem realizando-se um fulcro de abertura lateral sobre o liga-
corpos livres intra-articulares(13,14,21,22). mento colateral medial, que deverá estar íntegro. A res-
O que torna o procedimento complexo é a proxi- secção da cabeça do rádio associada deve ser evitada,
midade das estruturas neurovasculares, com os tecidos pois aumenta o risco de instabilidade pós-operatória.

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4A 4B 4C 4D
Figura 4 – Incidências radiográficas em anteroposterior (A) e perfil (B) de um paciente com anquilose articular submetido à artro-
plastia total semiconstrita do cotovelo (C) e (D)

O emprego do fixador externo articulado, por quatro a seis Na literatura ortopédica há pouca informação a respeito
semanas é recomendado, propiciando distração articular, desse procedimento. Mansat e Morrey(24) relatam 76% de
estabilidade e permitindo a mobilização precoce(20). resultados satisfatórios, porém, com 50% de complicações,
sendo dois casos de infecção profunda. Além disso, segundo
Artroplastia total de cotovelo Mansat e Morrey(24) e Blaine et al(25), a artroplastia total do
Estará indicada em pacientes idosos, com mais de cotovelo, em pacientes que previamente foram submetidos a
65 anos, que apresentam restrição funcional grave do artroplastia de interposição, apresenta resultado e incidência
cotovelo, associada à degeneração das superfícies ar- de complicações comparadas às das séries de revisão de
ticulares. artroplastia total de cotovelo (Figura 5, A, B e C).

5A 5B 5C
Figura 5 – Imagens radiográficas evidenciando diferentes tipos de ossificações heterotópicas de acordo com a classificação de
Hasting. (A) Tipo I com ossificação heterotópica isolada em partes moles, (B) tipo IIA a presença de barra óssea incompleta e (C)
tipo IIB anquilose articular

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Ossificação heterotópica Pós-operatório


A ossificação heterotópica é um dos fatores relaciona- O tratamento pós-operatório do cotovelo rígido,
dos à rigidez pós-traumática de cotovelo. depende da sua etiologia e do tipo de procedimento
A eficácia da medicação inflamatória não hormonal e cirúrgico empregado.
da radioterapia, na prevenção de ossificação heterotópica Nos casos em que foi necessária a liberação do com-
no cotovelo, não apresentam comprovação científica(26). plexo ligamentar lateral ou nas artroplastias de interposi-
Não existem, ainda, trabalhos controlados quanto ao ção, o uso do fixador externo é útil, propiciando proteção
uso da Indometacina combinado com os métodos contem- a reconstruções ligamentares e articulares, permitindo a
porâneos de mobilização do cotovelo no pós-operatório. mobilização articular precoce, principalmente nas três se-
Acredita-se que, provavelmente, a utilização dos Amac manas iniciais(1).
e dos fixadores externos articulados, diminuiriam a inci-
Outra opção é a utilização do Amac, pouco disponível
dência de ossificação heterotópica.
em nosso meio, mas, que permite, mobilização passiva da
De toda forma, os cirurgiões que regularmente tratam
articulação com bons resultados, sempre de forma associa-
o cotovelo rígido utilizam baixa dosagem de radiação, ou
três a seis semanas de indometacina, 75mg diariamente, da ao bloqueio contínuo do plexo braquial nos primeiros
divididas em três tomadas. dias, propiciando uma articulação indolor que poderá ser
Hastings e Graham(27) propôs uma classificação da ossi- mobilizada adequadamente(1,3,25).
ficação heterotópica, em três tipos relacionados com a ex- Uma forma de reabilitação mais acessível é o uso de
tensão da formação de osso ectópico (Figura 6, A e B). imobilizadores articulados. Poderão ser utilizados com
A maioria dos pacientes, que apresentam ossificação mobilização contínua ou intermitente, sendo esta última
heterotópica são candidatos à intervenção cirúrgica. O forma, reservada para casos em que se deseja privilegiar
momento ideal para a ressecção será definido pela presen- um movimento específico, seja extensão ou flexão(30).
ça de sinais radiográficos de maturidade da ossificação e O valor da fisioterapia é questionável e controverso na
tempo de evolução mínimo de quatro a seis meses(28,29). literatura ortopédica, pois a potencial agressão a articula-
A utilização da cintilografia óssea tem valor limitado ção, durante as sessões, causa dor e aumento do processo
para avaliação da maturidade da ossificação, sendo pouco inflamatório, impedindo a recuperação da amplitude dos
utilizada na prática clínica. movimentos. Ela deve ser reservada para quando existir
A ossificação heterotópica era considerada fator de uma interação efetiva do cirurgião com o terapeuta, de for-
mau prognóstico quando relacionada à rigidez articular ma que o mesmo esteja informado quanto ao procedimento
do cotovelo(26). Recentemente, alguns autores sugeriram realizado, os resultados e as limitações esperadas(1).
haver evidência clínica, que a associação de rigidez do Cabe ressaltar, que cada paciente necessita uma abor-
cotovelo com ossificação heterotópica apresentaria me- dagem individualizada utilizando-se uma ou mais, das
lhores resultados clínicos pós-operatórios(28,29). técnicas descritas.

Figura 6 – Pós-operatório de artrólise aberta extensa mobilizando precocemente o cotovelo em regime ambulatorial utilizando um
fixador externo articulado (A) e (B)

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CONCLUSÃO de técnicas cirúrgicas mais adequadas. Mas os resul-


tados pós-operatórios dependem da extensão da doen-
Nos últimos 20 anos, dramáticas mudanças na abor- ça, tratamento empregado e experiência do cirurgião.
dagem da rigidez pós-traumática do cotovelo têm sido do- Acreditamos que um melhor diagnóstico e tratamento
cumentadas. O melhor entendimento das alterações patoló- das lesões agudas traumáticas do cotovelo, ainda são a
gicas e biomecânica articular permitiu o desenvolvimento melhor forma de prevenir este tipo de complicação.

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