ANTELO Tempos-Valise
ANTELO Tempos-Valise
ANTELO Tempos-Valise
raul antelo
tempos-
valise
tempos-
valise
Conselho Editorial
Alberto Pucheu
Amarílis Anchieta
Lucas Lyra
Mariangela Andrade
Piero Eyben
Imagem da Capa
Manequim nas Catacumbas de Paris, fotografia de Nadar.
(imagem obtida na The Public Domain Review)
Revisão
Lucas Lyra
Antelo, Raul.
Tempos-valise / Raul Antelo. —— Brasília : C14 | Casa de Edição, 2020.
31 p. ; 15,25 cm.
ISBN 978-65-5854***
2020
C14 | casa de edição
Brasília df
Eu platônibus formava co-multitudinariamente em espaço-tempo luté-
cio-zenital avizinhando um longipescocíneo serranhento e encordesmiola-
do. Talcujo apostrofava um qualqueranônimo, “O sr. me propespreme”, o
que jaculado, vagossentou-se vorazmente. Em altera espaçocronia, revi-o
em peripateticomércio com X que lhe dizia: “Você precisa botambotar
mais alto sobretudo”. E porquexplicava-lhe como.
Raymond Queneau, Exercícios de estilo
(trad. Luiz Rezende)
Poesia é fazer tudo falar – e, em troca, depor todo o falar nas coisas, ele
mesmo como uma coisa feita e mais que perfeita. (...). Essa questão da
poesia, tão velha e tão pesada, incômoda e pegajosa, resiste ao nosso tédio
e ao nosso mais forte asco por todas as mentiras poéticas, pelos mimos e
pelas sublimidades. Mesmo se ela não nos interessa, ela nos detém, ne-
cessariamente. Hoje ainda, mas de um modo diferente do que na época
de Horácio ou na de Scève, na de Eichendorff, de Eliot ou de Ponge. E
se foi dito que após Auschwitz a poesia era impossível e, logo depois, ao
contrário, que após Auschwitz ela se fez necessária, foi precisamente da
poesia que pareceu necessário dizer uma coisa e outra. A exigência do
acesso do sentido – sua exação, sua demanda exorbitante – não pode cessar
de deter o discurso e a história, o saber e a filosofia, o agir e a lei.
Jean-Luc Nancy, Fazer, a poesia.
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Exultante travessia. A empresa belga “Haine Saint
-Pierre” (1871), responsável pelas estruturas em fer-
ro da estação e do museu chilenos, levantaria, um
ano mais tarde, por ocasião da Exposição Mundial
do Centenário, o Floraliënhal de Gent; assinaria a
cúpula de ferro do Teatro Amazonas; a casa, tam-
bém em ferro, da família Brennand, no Recife, e
forneceria, enfim, centenas de vagões para a Estrada
de Ferro Sorocabana. Férreo capitalismo global. A
Companhia Central de Construção “Haine St. Pier-
re” era representada, no Chile, por sua subsidiária,
“G. M. y A. Petitjean”, dinâmicos empreendedores
que logo captaram que o tempo se encurtava e, com
o fim da guerra, a hegemonia francesa sofreria um
abalo irreversível, em benefício das empresas ameri-
canas que, aos poucos, ocupavam a região e se sus-
tentavam, simbolicamente, através de institutos de
cooperação cultural sul e norte-americana. Ecos da
guerra. Um dos Petitjeans, Armand, chega a escrever
uma obra denunciando o problema (La concurrence
internationale et les sympathies françaises en Amérique
latine. Paris, Imprimerie nationale, 1918).
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telo de Lancosme, na França, com o nome da praça
Vendôme, que já conotava consumo suntuário. O
resto (vem-, -cosme, um apelo ao cosmos, e à ordem
cosmética, até mesmo pelas ressonâncias orientais
do senhor de Lancosme, no século XVI) sobraria
para o filho homônimo, Armand-Marcel Petitjean
(Mons, Bélgica, 5 jun. 1913 - Saint-Hippolyte-du-
Fort, Ocitânia francesa,17 jul 2003), que nada quis
saber dos negócios, refugiando-se nas artes e na li-
teratura como “Armand Petitjean”. Tendo o francês
e o espanhol como línguas maternas, Armandito,
como era conhecido entre os colegas, aprendeu com
as governantas, o inglês, o alemão e o italiano, re-
tornando, adolescente, a Paris, onde completou sua
formação humanística, em letras e política.
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tica francesa, porque il parle six langues (y compris
le Joyce), Petitjean logo se tornou colaborador assí-
duo da Nouvelle Revue Française e publicou ao todo
quatro livros, Imagination et réalisation (1936), Le
Moderne et son prochain (1938), Combats prélimi-
naires (1941), e um outro, de ressonâncias ducham-
pianas, La Mise à nu (1946), onde reúne fragmentos
de sua vida exposta à la haine, isto é, ao ódio e a
humilhação. O resto é silêncio.
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os instantes em que as formas se transformam, em
que a metamorfose fornece o jogo completo do ser.
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Paris é, portanto, a contra cara do Rio de Janeiro
(“BULEVAR DE CARTON”), onde o palácio do
Catete rima apenas com foguete, um fogo fátuo e
celebratório de inconsequente heterologia (“se me-
zclaron todas las razas en una gran paila de palo /
con café y bananas”). Toda entidade metamórfica é
um valor destituído da ambição de querer reconhe-
cer-se em um único espelho. A vida que circula em
nós e fora de nós é a mesma vida. Paris-Santiago,
Paris-Rio de Janeiro... Ela é partilhada por múlti-
plos corpos que, não podendo ser associados a uma
identidade, nada de funcional ou ecológico têm em
comum. No entanto, tudo quanto vemos, o firma-
mento como um todo, é o maior sítio arqueológico
do cosmos, um imenso museu a céu aberto1. Qual
o segredo, portanto, dessas metamorfoses dadaístas?
Elas constroem um limiar onde todas as fronteiras
e identidades são suspensas temporariamente, dese-
nhando um quiasma à la Moebius, em que o mun-
do é o laboratório da gênese do eu, ao mesmo tem-
po em que a subjetividade torna-se a matéria mais
sutil desse mundo, uma energia que não cessa de
transformá-lo. “Enervemos, desconcertemos, tur-
bemos. Charlot: Nihilismo de la risa” – responde,
um século atrás, Jacques Edwards, num manifesto
Dadá (“Sociedad Anónima para la explotación del
vocabulario”) da mesma revista Grécia (nº 40, Ma-
dri, jun. 1920).
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Petitjean não podia desconhecer, quinze anos
passados, essas metamorfoses de Edwards, por isso
não espanta que, em Imagination et réalisation, con-
siderasse a previsão um mero atributo da imagina-
ção, e desse modo, restituísse à poesia a antiga fun-
ção profética. O poeta, um arauto. A tese aymará de
Huidobro: “o poeta é um pequeno deus”. A mesma,
aliás, de Dante Milano ou Henriqueta Lisboa. Con-
tudo, a profecia do pensamento novo já não provém
de um espírito pítico. Ela é mais natural e bem mais
racional. Não se demandam do poeta prementes se-
gredos, uma vez que os segredos já não são íntimos,
nem se aprofundam no passado, porque todos os
passados se equivalem. Os segredos são certamente
agora mais formais e matemáticos, projetados como
signos muito coerentes, num porvir bem definido.
Entretanto, e à maneira de Lautréamont, Petitjean
também não se coloca uma trascendência remota.
A seu ver, a previsão é imanente à visão; só vemos
corretamente se formos capazes de prever alguma
coisa, de modo que uma meditação psico-fisiológica
da visão nos forneceria uma psíquica da natureza,
ao mesmo tempo que uma meditação sobre a ob-
jetividade do conhecimento do real nos daria uma
física do pensamento. Em suma, Bachelard conclui
que as imagens e a imaginação de Petitjean estão
tão estreitamente unidas entre si, quanto a ação e
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a reação no campo das forças. As forças têm uma
quantidade, mas elas possuem também uma qua-
lidade decorrente da diferença de intensidade entre
essas forças. No jogo de forças ativas e reativas, cap-
tam-se, em consequência, as obrigações recíprocas
entre objeto e sujeito, o objeto que requer o sujeito
para libertar-se, na imaginação, e o objeto, que serve
ao sujeito como ponto de união em relação ao qual
possa se desdobrar por meio da imaginação, abolin-
do para sempre o acaso.
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CNE (Comité national des écrivains). Com o fim
da guerra, Aragon chega mesmo a pedir sua execu-
ção e Sartre traça um retrato impiedoso dele no pri-
meiro volume das Situações, posições equilibradas,
porém, pela defesa que Jean Paulhan empreende,
em 1947, louvando o comportamento heroico de
Petitjean durante a guerra (que lhe custou sua mão
direita) e assim separando o joio do trigo, em De la
paille et du grain. É algo com que tornaríamos a nos
reencontrar, mais recentemente, no affaire Paul de
Man-Blanchot-Heidegger. Ou ainda no negacionis-
mo pandêmico de Agamben.
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o inconsciente). É aquilo de que falava, no início,
Jean-Pierre Faye: o paradoxo fundamental da his-
tória, ação e discurso, no qual incessantemente o
pensamento tropeça.
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abandonar o campo de Nevers, onde fora internado
no outono de 1939, Benjamin mesmo apropria-se
da definição de Bachelard para referir-se a Petitjean
como um “jovem e ardente filósofo”. Daí que a ilu-
minação (sempre profana, profane Erleuchtung) do
pequeno Rimbaud da filosofia francesa mantenha
uma obscura conexão com o mito, porque toda
imagem dialética neutraliza totalmente a noção de
progresso.
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à feira de Nîmes, onde assistiram a uma tourada. A
despeito de todos os motivos literários para aprecia-
rem o espetáculo, Milliet sentiu-se enojada e Lacan,
embora não partilhasse a mesma aversão, nem por
isso se mostrou um espectador entusiasmado. Peti-
tjean, no entanto, recuperava o fervor que mostrara
ao resenhar as Méditations catastrophiques, de Elie
Faure, e O herói de Baltasar Gracian, na revista Ven-
dredi (1938).
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le signe et le jeu dans le discours des sciences hu-
maines” (1966) para, mais recentemente, retornar
em Ernesto Laclau, como base de sua teoria do
populismo, como reação à máquina neoliberal con-
temporânea (Emancipación y diferencia, 1996). Se a
vanguarda, a dialética ambicionaram conquistar o
poder como sinônimo de revolução, o significante
vazio nos persuade que a hegemonia não se dissolve
nunca, ela é o real da história e, por isso mesmo, o
sintoma de toda construção política.
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com a outra cena, a da guerra, obscena, e o silêncio
que ela impôs no traidor, supõe toda uma modifica-
ção no conceito de inconsciente: um saber que não
pensa, mas que elabora, trabalha, difere. E trai. Em
Petitjean, ele se traduz em ecologia, o mundo tor-
nado cosmos, através do GRIT (Groupe de Réfléxion
Inter- et Transdisciplinaire; Inter- and Transdiscipli-
nary Reflection Group); através da revista Transver-
sales Science / Culture, animada por Petitjean, que
nela divulga, por exemplo, o darwinismo neuronal
de Gérard Edelman ou o princípio de responsabi-
lidade de Hans Jonas; e por meio do círculo Pierre
Mendes France (CIPMF), que reunia, entre outros,
a Félix Guattari, André Gorz, Paul Virilio ou André
Bourguignon, associado ao Grupo dos Dez, funda-
do por Robert Buron, Henri Laborit, Edgar Morin,
René Passet e Jacques Robin, que logo assimilou
personalidades como Henri Atlan, Jacques Attali,
André Leroi-Gourhan, Ilya Prigogine, Michel Ser-
res, Michel Rocard e Jacques Delors.
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tuados para além das significações. Por essa via, o
gozo não é mais infinito: ele tem limite. A ética.
O equívoco é um simples suporte contingente do
inconsciente, que, ali e assim, se manifesta.
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Notas
30
sobre o autor
primeira edição
31