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GRUPO I
Apresente as suas respostas de forma bem estruturada.

A
Leia com atenção o poema «Reticências», de Álvaro de Campos.

Reticências
Arrumar a vida, pôr prateleiras na vontade e na ação.
Quero fazer isto agora, como sempre quis, com o mesmo resultado;
Mas que bom ter o propósito claro, firme só na clareza, de fazer qualquer coisa!

Vou fazer as malas para o Definitivo,


5 Organizar Álvaro de Campos,
E amanhã ficar na mesma coisa que antes de ontem — um antes de ontem que é
sempre...
Sorrio do conhecimento antecipado da coisa-nenhuma que serei.
Sorrio ao menos; sempre é alguma coisa o sorrir...
Produtos românticos, nós todos...
10 E se não fôssemos produtos românticos, se calhar não seríamos nada.
Assim se faz a literatura...
Santos Deuses, assim até se faz a vida!

Os outros também são românticos,


Os outros também não realizam nada, e são ricos e pobres,
15 Os outros também levam a vida a olhar para as malas a arrumar,
Os outros também dormem ao lado dos papéis meio compostos,
Os outros também são eu.
Vendedeira da rua cantando o teu pregão como um hino inconsciente,
Rodinha dentada na relojoaria da economia política,
20 Mãe, presente ou futura, de mortos no descascar dos Impérios,
A tua voz chega-me como uma chamada a parte nenhuma, como o silêncio
da vida...
Olho dos papéis que estou pensando em arrumar para a janela por onde não vi
a vendedeira que ouvi por ela,
E o meu sorriso, que ainda não acabara, inclui uma crítica metafísica.
Descri de todos os deuses diante de uma secretária por arrumar,
25 Fitei de frente todos os destinos pela distração de ouvir apregoando,
E o meu cansaço é um barco velho que apodrece na praia deserta,
E com esta imagem de qualquer outro poeta fecho a secretária e o poema...
Como um deus, não arrumei nem uma coisa nem outra...
Fernando Pessoa, Poesias. Álvaro de Campos, Lisboa, Ática, 1944.

ENTRE NÓS E AS PALAVRAS • Português • 12.o ano • Material fotocopiável • © Santillana 1


1. Interprete a metáfora presente no primeiro verso, relacionando-a com o sentido
global do poema.
2. Clarifique o significado que o termo «romântico» adquire no poema. Justifique a
sua resposta com citações pertinentes.
3. Explicite o papel da «vendedeira da rua» (v. 18), indicando os efeitos que o seu
canto tem no sujeito poético.

GRUPO II
Nas respostas aos itens de escolha múltipla, selecione a opção correta.
Escreva, na folha de respostas, o número do item e a letra que identifica a opção
escolhida.
Leia com atenção o texto seguinte.

«Romântico» — o termo e o conceito


O vocábulo «romântico», tal como «barroco» ou «clássico», apresenta uma
história complexa. Do advérbio latino «romanice», que significava «à maneira dos
romanos», derivou em francês o vocábulo «romanz», escrito «rommant» depois do
século XII e «roman» a partir do século XVII. A palavra «rommant» designou,
5 primeiramente, a língua vulgar, por oposição ao latim, tendo vindo depois a designar
também uma espécie de composição literária escrita em língua vulgar, em verso ou em
prosa, cujos temas consistiam em complicadas aventuras heroicas ou corteses.
O vocábulo francês «rommant» passou para a língua inglesa sob a forma
«romaunt». Cerca de meados do século XVII, encontramos já em uso, em francês e em
10 inglês, os adjetivos «romanesque» e «romantic», correspondentes àqueles nomes.
No século XVII, o adjetivo inglês «romantic» significa «como os antigos romances»
e pode qualificar uma paisagem, uma cena ou um monumento ou pode oferecer um
significado estético-literário. Com efeito, num texto de Thomas Rymer1, o vocábulo
«romântico» possui claramente um significado literário, referindo-se ao carácter
15 fantasioso e romanesco de alguns poemas que, por isso mesmo, pareciam afastar-se
das normas estritamente clássicas.
Não admira que, na atmosfera racionalista que envolve a cultura europeia desde
os finais do século XVII, o vocábulo «romantic» passe a significar «quimérico»,
«ridículo», «absurdo» — qualidades (ou defeitos) que se atribuíam precisamente aos
20 romances e poemas romanescos, quer da literatura medieval, quer de Ariosto, de
Boiardo2, etc. Tal como «gótico», «romântico» designa, na época do Iluminismo3, tudo
o que é produzido pela imaginação desordenada, aquilo que é inacreditável e que
reflete um gosto artístico irregular e mal esclarecido.
No entanto, a par deste significado pejorativo, a palavra que vimos a analisar
25 oferece, no século XVIII, um outro sentido: à medida que a imaginação adquire
importância e à medida que se desenvolvem formas novas de sensibilidade,
«romantic» passa a designar o que agrada à imaginação, o que desperta o sonho e a
comoção da alma, aplicando-se às montanhas, às florestas, aos castelos, etc. Nesta
aceção — que, como foi dito acima, já remonta ao século XVIII —, foi-se obliterando a

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30 conexão do vocábulo com o género literário do romance, tendo vindo «romantic» a
exprimir sobretudo os aspetos melancólicos e selvagens da natureza. […]
A palavra adquire definitivamente direito de cidadania na língua francesa, quando
Rousseau4, num passo famoso dos seus Devaneios de um caminhante solitário, escreve
que «as margens do lago de Bienne são mais selvagens e românticas do que as do lago
35 de Genebra».
Aguiar e Silva, Teoria da literatura, vol. I, 8.ª ed., Coimbra,
Livraria Almedina, 1996 (com adaptações e supressões).
(1) Thomas Rymer: historiador inglês (1643-1713).
(2) Ariosto e Boiardo: poetas italianos que viveram no século XV.
(3) Iluminismo: movimento cultural que defendia o uso da razão como caminho para a Humanidade alcançar a
liberdade e a autonomia.
(4) Jean-Jacques Rousseau: escritor e filósofo francês do século XVII, é um dos nomes maiores associados ao
Romantismo. Proclamou que o Homem é naturalmente bom, sendo corrompido pela sociedade.

1. A partir dos finais do século XVII, devido à atmosfera racionalista,


(A) o adjetivo «romântico» adquiriu uma conotação negativa.
(B) a imaginação passou a ser muito valorizada.
(C) o adjetivo «romântico» adquiriu um sentido positivo.
(D) o papel das emoções na criação artística passou a ser preponderante.
2. A forma verbal «obliterando» (l. 29) significa
(A) «evidenciando».
(B) «acentuando».
(C) «extinguindo».
(D) «formando».
3. O constituinte «complexa» (l. 2) desempenha a função sintática de
(A) predicativo do sujeito.
(B) modificador restritivo do nome.
(C) modificador do grupo verbal.
(D) predicativo do complemento direto.
4. O constituinte «das normas estritamente clássicas» (ll. 16-17) desempenha a função
sintática de
(A) predicativo do complemento direto.
(B) modificador do grupo verbal.
(C) complemento direto.
(D) complemento oblíquo.
5. A oração «que envolve a cultura europeia desde os finais do século XVII» (ll. 17-18) é
uma subordinada
(A) adverbial temporal.

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(B) substantiva completiva.
(C) adjetiva relativa explicativa.
(D) adjetiva relativa restritiva.
6. A expressão «No entanto» (l. 24) assegura a coesão
(A) frásica. (C) interfrásica.
(B) lexical. (D) referencial.
7. Os termos «vocábulo» (l. 1) e «palavra» (l. 4)
(A) contribuem para a coesão referencial.
(B) estabelecem entre si uma relação de hiponímia/holonímia.
(C) contribuem para a coesão interfrásica.
(D) estabelecem entre si uma relação de sinonímia.
8. Identifique a função sintática do constituinte «em complicadas aventuras heroicas
ou corteses» (l. 7).
9. Indique o tipo de coesão assegurado pela palavra «seus» (l. 33).
10. Transcreva a oração subordinada presente na frase «No entanto, a par deste
significado pejorativo, a palavra que vimos a analisar oferece, no século XVIII, um outro
sentido […]» (ll. 24-25).

OUTROOO

GRUPO I

«Olá, guardador de rebanhos,


Aí à beira da estrada,
Que te diz o vento que passa?»

«Que é vento, e que passa,


5 E que já passou antes,
E que passará depois.
E a ti o que te diz?»

«Muita cousa mais do que isso.


Fala-me de muitas outras cousas.
10 De memórias e de saudades
E de cousas que nunca foram.»

«Nunca ouviste passar o vento.


O vento só fala do vento.
O que lhe ouviste foi mentira,
E a mentira está em ti.»

4
FERNANDO PESSOA, Ficções do interlúdio — 1914-1935, O
guardador de rebanhos, de Alberto Caeiro, edição de Fernando
Cabral Martins, Lisboa, Assírio & Alvim, 1998.

1. Este poema consiste num diálogo entre alguém que passa na estrada e um «guardador de
rebanhos», interpelado pelo primeiro. Os dois têm maneiras distintas de ver a natureza.

1.1. Explique as diferentes visões da natureza dos interlocutores.

2. Segundo o «guardador de rebanhos», o vento «[…] passa / E […] já passou antes, / E […]
passará depois.» (versos 4 a 6).

2.1. Interprete a utilização das três formas do verbo «passar» na segunda estrofe do poema.

3. Considere a segunda e a quarta estrofes do poema.

3.1. Comente o efeito expressivo das repetições presentes nas duas estrofes, relacionando-as com
as ideias transmitidas nestes versos.

GRUPO II

Leia o texto.

Em toda a natureza que nos rodeia, principalmente nos espaços em que a intervenção do
Homem é menos percetível, são agora bem evidentes os sinais que dizem estarmos em pleno
inverno. Entre as ima-gens mais expressivas associáveis a este período do ano, evidencia-se a que
é construída pela vegetação natural, arbórea e arbustiva, maioritariamente despida da sua
5 folhagem.
O inverno fica mais bem caracterizado se à paisagem desnudada acrescentarmos os tons
cinzentos de dias curtos e pouco luminosos, uma chuva que tende a ser persistente e o frio que,
nalgumas montanhas mais elevadas, a transforma em neve. Quando o vento sopra forte, estão
reunidos os ingredientes para uma invernia perfeita.
10 Esta convergência de fatores extremados torna-nos mais relutantes em sair para o campo,
em desfru-tar da natureza, especialmente agora, nestes primeiros dias do mês de fevereiro, no
pico da estação.
Mesmo considerando uma menor atividade da vida selvagem, já pressentida e anunciada
num texto anterior, há animais que não se detêm perante o inverno, período invariavelmente duro
15 para a maioria deles. É que, além dos efeitos gravosos do tempo agreste que nesta época do ano
se abate por todo o lado, as espécies de fauna selvagem também se confrontam com um
problema maior: a escassez de alimento, realidade que é acentuada quando o estado de
conservação dos habitats de que dependem se encontra alterado e empobrecido.
Os bichos contrariam a adversidade decorrente da perda de biodiversidade, aproximando-se
20 dos povoados onde se concentram os agentes destas alterações do meio, procurando alternativas
para saciar a fome, numa luta inadiável pela sobrevivência. Estes desvios forçados da sua
conduta geram movimenta-ções, das quais resultam aproximações e encontros próprios do
inverno. Esta é uma das razões por que devemos vivê-lo no monte, no campo.
Se desejamos sentir a natureza de uma forma intensa, o inverno é a estação indicada.
25 Pressionando- -nos mais, revela-se também mais envolvente, pelo que é nos momentos em que
tendemos a manter-nos na nossa zona de conforto, afastados da vida selvagem, que devemos sair
de casa, para, por exemplo, nos determos em pormenores do mundo natural quando as condições
atmosféricas nos reduzem o campo de visão ou afetam, em termos de segurança ou proveito,
uma maior progressão no terreno. São pormenores que nos escapam nos meses mais propícios a
30 grandes caminhadas, em que todos os nossos sentidos estão dirigidos para o muito que se pode
captar em cenários amplos e abrangentes, repletos de uma atividade intensa e permanente.
Nossa e dos seres selvagens que nos rodeiam.

35 5
As margens de pequenos cursos de água e a vegetação, normalmente discreta, que as reveste
são um excelente motivo para caminhar nesta altura do ano. Nos lamaçais e bancos de areia das
suas margens, confere-se a presença de quem aí vive pelas pegadas e outros sinais no terreno.
A água é também uma fonte de atração para quem procura cenários maiores, ou até um lado
mais espetacular da natureza bravia. Por esta altura é expectável encontrar cascatas e quedas
de água na sua força maior, animando os troços mais acidentados dos rios que escaparam às
diversas barreiras edificadas pelo homem e que, por isso, se mantêm livres.
Num texto anterior, já se referiu o valor acrescido que o inverno representa para quem
acompanha com regularidade a vida selvagem nas montanhas, atendendo à raridade de algumas
das espécies de aves que, principalmente nos anos em que a estação se revela mais rigorosa, nos
podem surpreender. Mas, em redutos protegidos, beneficiando de ambientes mais amenos,
também por isso procurados pelas aves, resulta proveitoso despender tempo a observar, a
identificar, a fotografar. Estuários e lagoas interiores são espaços naturais especialmente indicados
para visitar nesta época do ano. E, mesmo em espelhos de água de parques e jardins criados em
ambientes urbanos, vale a pena investir algumas horas. Em todos eles poderemos encontrar
espécies de aves que só nesta época estão entre nós.

45 O inverno deve ser vivido na natureza mesmo por aqueles que desejam que ele acabe
depressa e que aguardam com alguma impaciência a explosão primaveril e todo o tempo quente
e longo que lhe suce-derá. Depois de um inverno intensamente sentido, a primavera e todas as
mudanças que na Natureza a anunciarão serão mais valorizadas e apreciadas.

MIGUEL DANTAS DA GAMA, http://www.wilder.pt/cronicas/no-inverno-mais-proximo-da-natureza,


publicado em 1 de fevereiro de 2016; consultado em 14 de outubro de 2016 (com adaptações).

1. O texto apresenta características específicas de


(A) diário. (C) apreciação crítica.
(B) artigo de opinião. (D) artigo de divulgação científica.

2. A questão central deste texto tem que ver com

(A) as adversidades do inverno.


(B) os aspetos positivos do inverno.
(C) a forma como tendemos a experimentar a natureza durante o inverno.
(D) os motivos que fazem com que o inverno seja a estação indicada para sentirmos a natureza.

3. Segundo o autor, no inverno,

(A) é possível conhecer melhor a forma como os animais saciam a fome.


(B) é mais fácil conhecer os animais, uma vez que estes, quando procuram alimento, se aproximam
dos meios povoados.
(C) as espécies animais tendem a manter-se na sua zona de conforto.
(D) torna-se fundamental analisar o estado de conservação dos habitats das espécies de fauna
selvagem.

4. O trecho «quando as condições atmosféricas […] afetam, em termos de segurança ou


proveito, uma maior progressão no terreno» (linhas 25 e 26) aponta para

(A) o prazer sentido depois de se percorrer um terreno particularmente acidentado.


(B) os esforços que implica percorrer um terreno particularmente acidentado.
(C) a facilidade em caminhar quando estão reunidas determinadas condições meteorológicas.

6
(D) a dificuldade em percorrer um terreno quando estão reunidas determinadas condições
meteorológicas.

5. As duas ocorrências de «nos», na linha 27, correspondem, respetivamente, a

(A) um nome e uma preposição contraída.


(B) duas preposições contraídas.
(C) um pronome demonstrativo e uma preposição contraída.
(D) um pronome pessoal e uma preposição contraída.

6. Em «redutos protegidos» (linha 40), a palavra «reduto» significa

(A) «espaço de defesa». (C) «habitat».


(B) «local de refúgio». (D) «reserva».

7. O uso da palavra «lhe» (linha 46) contribui para a coesão

(A) referencial. (C) aspeto-temporal.


(B) lexical. (D) interfrásica.

8. Identifique a função sintática desempenhada pelo constituinte «à paisagem desnudada» (linha


5).

9. Classifique a oração «para, por exemplo, nos determos em pormenores do mundo natural»
(linhas 24 e 25).

10. Indique o valor da oração subordinada adjetiva relativa «que nos rodeiam» (linha 29).

OUTROOOOO
Três andamentos no movimento perpétuo da obra pessoana
Seria decerto ingénuo relacionar diretamente a perenidade1 do génio de Fernando Pessoa com
a pro-fusão de edições do autor que têm marcado o panorama editorial português nos últimos
meses. No entanto, essa presença deverá ser tida em conta. E, quase no rescaldo do ano, talvez
5 valha a pena destacar o aparecimento de alguns títulos (apenas alguns, sublinhe-se) que dão
visibilidade atual a este autor da nossa maioridade cultural.
Um desses livros é assinado por Fernando Cabral Martins, que produziu uma admirável
síntese em torno de alguém que pouco se presta a sumas proveitosas. […] Se o terreno biográfico
é escasso e friável2, a obra, de tão polimórfica, mostra‑se de quase impossível cartografia.
10 Pessoa albergava «uma sociedade dentro de si» (como notou Richard Zenith, em Livro do
desassossego, Assírio & Alvim, 2014), e encontrou no trabalho de Cabral Martins um tratamento
simultaneamente exaustivo e arejado. Introdução ao estudo de Fernando Pessoa é exatamente o
contrário do que a singeleza do seu título poderia fazer adivinhar. […]
Apenas um conhecimento profundo da constelação pessoana permite a Cabral Martins um
15 manejo tão articulado dos materiais à sua disposição. […] O fenómeno dos heterónimos
merece‑lhe a fórmula «apoteose da montagem» (p. 91); ao longo do seu estudo, converge para a
heteronímia […] um amplo conjunto de fluxos interpretativos, que se vão retomando e ampliando,
em leituras progressivamente enri-quecedoras.
Dos heterónimos de Pessoa, Álvaro de Campos é certamente o mais complexo, o único que
20 trilha um percurso com etapas claramente distintas, e porventura o mais fascinante deles. Numa
conhecida carta enviada por Pessoa, enquanto Campos, à Contemporanea, e endereçada a José
Pacheco, está patente essa «evolução», mas também o risco de falácia que essa noção envolve:
«Fui em tempos poeta decadente; hoje creio que estou decadente, e já o não sou» (Obra completa,
Álvaro de Campos, ed. Jerónimo Pizarro e Antonio Cardiello, Tinta-da-China, 2014, p. 544). Como
25 confirmam Pizarro e Cardiello, Campos é «a síntese de uma evolução poética e ficcional». No

30
entanto, uma vez que esta edição congrega não só a poesia mas também a prosa de Campos — o
que acontece pela primeira vez —, os organizadores destacam um aspeto que deveria merecer
reflexão: «Não conhecemos a prosa decadente de Campos, nem a sua prosa sensacionista […],
nem a prosa tardo-modernista, mas uma prosa mais ou menos sempre idêntica a si mesma,
muito semelhante à de Fernando Pessoa, embora com algumas diferenças que parecem de
«carácter»» (p. 16). […] Esta edição surge na sequência de um volume, igualmente assinado por
Pizarro e Cardiello, devotado uni-camente à prosa de Campos […]. No tocante ao corpus dos
poemas, a revisão do cânone é substancial-mente mais profunda, e as propostas de leitura são,
em alguns casos, razoavelmente distintas de leituras anteriores. […] [M]esmo um poema tão
omnipresente como «Ode marítima», por exemplo, enverga nada menos do que três emendas. O
trabalho de Pizarro e Cardiello resultou numa edição histórica, profusa-mente anotada e
comentada, que autoriza uma sólida visão de conjunto do heterónimo pessoano.
Entre os 136 «subautores e tarefeiros criados por Fernando Pessoa» (Eu sou uma antologia),
encontra-se o Sr. Pantaleão, «desdobramento natural de um Pessoa inconformado com um país
corrompido, plantado à beira do abismo» (Cartas, visões e outros textos do Sr. Pantaleão, Assírio &
Alvim, ed. Manuela Parreira da Silva e Ana Maria Freitas, p. 7). Mas também «um ensaísta com
vocação de agitador» e «um visionário», como lhe chamou Teresa Rita Lopes (Pessoa por conhecer I,
Estampa, 1990). Este livro não vai mudar a nossa imagem de Pessoa, mas é verdade que ela fica
mais completa com esta adição ao cosmos pessoano. A edição dos escritos de mais esta
«personalidade fictícia» (p. 17) é menos do que uma novidade explosiva, mas mais do
que uma simples curiosidade. Não totalmente inédita, embora em grande medida por publicar, a
obra de Pantaleão ajuda a compreender Pessoa, especialmente o jovem — estes escritos datam
dos 19, 20 anos do autor. Há, contudo, sinais que antecipam o autor da maturidade. Pensemos
45 nós no palco dos heterónimos […], em poemas como «A ceifeira» […] ou até no Livro do
desassossego […], Pantaleão antecipa já, ainda que de forma embrionária, muito Pessoa posterior.
Como dizia Eduardo Lourenço, «os heterónimos são a Totalidade fragmentada» de Pessoa.
O estabe-lecimento rigoroso dos escritos que nos legou, o estudo deles e a leitura crítica da sua
vida são a melhor forma de garantir que este movimento se perpetua.

https://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/pessoa-ilimitado-1678285,
consultado em 12 de outubro de 2016 (com adaptações).
NOTAS

(1) perenidade (linha 2) — perpetuidade.


(2) friável (linha 8) — que se parte ou se esboroa facilmente, quebradiço.

11. Para responder a cada um dos itens, de 1.1 a 1.6, selecione a opção correta. Escreva, na folha
de respostas, o número de cada item e a letra que identifica a opção escolhida.

11.1. O artigo consiste numa apreciação crítica sobre três obras relacionadas com Fernando
Pessoa:
(C) uma edição do Livro do desassossego feita por Richard Zenith; a Introdução ao estudo de
Fernando Pessoa, de F. Cabral Martins; uma edição da poesia de Campos feita por J.
Pizarro e A. Cardiello.
(D) uma edição do Livro do desassossego feita por Richard Zenith; uma edição da poesia de
Campos feita por J. Pizarro e A. Cardiello; uma edição de textos do Sr. Pantaleão, alter ego
de Pessoa, feita por Manuela Parreira da Silva e Ana Maria Freitas.
(E) a Introdução ao estudo de Fernando Pessoa, de F. Cabral Martins; uma edição da poesia
de Campos feita por J. Pizarro e A. Cardiello; a obra Pessoa por conhecer I, de Teresa Rita
Lopes.
(F) a Introdução ao estudo de Fernando Pessoa, de F. Cabral Martins; uma edição da poesia
de Campos feita por J. Pizarro e A. Cardiello; uma edição de textos do Sr. Pantaleão, alter
ego de Pessoa, feita por Manuela Parreira da Silva e Ana Maria Freitas.

8
11.2. O passo «alguém que pouco se presta a sumas proveitosas» (linha 8) traduz a ideia de
que
(G) os textos de Fernando Cabral Martins costumam ser análises e não sínteses.
(H) os textos de Fernando Cabral Martins costumam ser sínteses e não análises.
(I) é difícil fazer sínteses da obra de Pessoa, dada a diversidade da sua produção literária.
(J) é importante fazer sínteses da obra de Pessoa, dada a diversidade da sua produção
literária.

11.3. Na palavra «cartografia» (linha 9), está presente


(K) uma ironia.
(L) um paradoxo.
(M) uma metáfora.
(N) uma hipérbole.

11.4. A obra de Jerónimo Pizarro e Antonio Cardiello sobre Álvaro de Campos


(O) incide unicamente sobre a prosa deste heterónimo.
(P) incide sobre a poesia e a prosa deste heterónimo.
(Q) apresenta poucas notas dos editores.
(R) exclui o poema «Ode marítima».
11.5. No contexto em que ocorre, a palavra «autoriza» (linha 34) significa
(S) «permite».
(T) «justifica».
(U) «aprova».
(V) «confere autoridade a».
11.6. Os textos da personalidade literária Sr. Pantaleão
(W) têm um carácter reflexivo.
(X) têm um pendor digressivo.
(Y) surgem na fase da maturidade do autor.
(Z) revelam a indiferença de Pessoa relativamente à situação do País.

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