Advocacia Predatoria Processos Extintos

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PODER JUDICIÁRIO DE PERNAMBUCO

1° Vara Cível de Araripina

R ANA RAMOS LACERDA, S/N, Fórum Dr. Francisco Muniz Arraes, Centro, ARARIPINA - PE

e-mail: vara01.araripina@tjpe.jus.br

Processo nº 0002317-88.2020.8.17.2210

Autor:

Réu

SENTENÇA

Trata-se de ação anulatória de negócio jurídico, envolvendo as partes acima epigrafadas.

DO AJUIZAMENTO EM MASSA DE AÇÕES:


O advogado dos autos, XXXXXXX, OAB/PE XXX, iniciou o ajuizamento de ações
predatórias em novembro de 2019 e no período de 2 (dois) anos e 03 (três) meses
ajuizou 11.142 (onze mil, cento e quarenta e dois) ações em apenas 07 (sete)
Comarcas, quais sejam: Exú, Araripina, Ipubi, Bodocó, Parnamirim, Ouricuri e
Trindade.
Para se perceber o absurdo de tal ajuizamento em massa, somente entre 01 janeiro
de 2022 e 07 de fevereiro de 2022, o Dr. XXX ajuizou mais ações do que 23 (vinte e
três) Varas Únicas de 1° Entrância, as quais receberam uma quantidade inferior de
processos no mesmo período.
Para indicar o prejuízo de tal ajuizamento em massa, verifica-se que o advogado
ajuizou 4.956 (quatro mil, novecentos e cinquenta e seis) ações em um ano. Em
números fornecidos pela COPLAN, no ano de 2020, cada magistrado pernambucano
proferiu 868 sentenças no ano. Desta forma, seria necessária a nomeação de 06 (seis)
Juízes apenas para decidirem as causas do referido advogado.
A título de exemplo, a Vara Única de Ipubi possuía, em 2019, 1.673 (mil, seiscentos
e setenta e três) processos em tramitação.
Atualmente, após o ajuizamento temerário e em massa promovido pelo referido
causídico, a unidade encontra-se com 4.321 (quatro mil, trezentos e vinte e um)
processos em tramitação, um aumento de quase 300%.

1- Nota Técnica nº 01/2020. Relator: Juiz Paulo Luciano Maia Marques. TJRN. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/dl/nota-tecnica-juizados-especiais.pdf

2- https://www.dizerodireito.com.br/2019/12/a-pratica-de-sham-litigation-litigancia.html

3-https://www.migalhas.com.br/depeso/342536/sham-litigation-o-abuso-do-direito-processual-na-pratica
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1° Vara Cível de Araripina

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e-mail: vara01.araripina@tjpe.jus.br

O referido advogado ajuizou 2.600 (duas mil e seiscentas) ações somente no


Município de Ipubi, município com a população de 31 mil habitantes. Desta forma,
tal ajuizamento em massa é surpreendente e possui indícios de ilicitude, já que a
comarca é considerada de pequeno porte, com uma população adulta (acima de 18
anos) abaixo de 20.000 habitantes.
Atente-se para o fato de que a Comarca de Ipubi possui vários outros advogados
atuantes, além de Defensor Público, o que denota ser ao menos curioso o fato de tão
alta parcela de jurisdicionados serem patrocinados exclusivamente por este
advogado, o qual, inclusive, sequer possuí escritório profissional na Comarca, sendo
sediado na cidade de Ouricuri, cidade que fica a 33 km de distância.
No ano de 2021, na comarca de Ipubi, os cerca de 400 (quatrocentos) advogados
inscritos na OAB da Subseção de Araripina, os advogados inscritos em outras
subseções, Ministério Público, Defensoria Pública, Polícia Civil, Fazendas Públicas
Estadual e Municipal ajuizaram, juntos, 31,63% das novas demandas, enquanto o
Dr. Murilo, sozinho, ajuizou 69,37% das ações ajuizadas no mesmo ano.
Na 1° Vara Cível da Comarca de Araripina, em 2020, houve 2.132 (duas mil, cento
e trinta e duas) ações novas, sendo que 1.440 (mil, quatrocentos e quarenta) destas
ações foram ajuizadas unicamente pelo Dr. XXX.
Em Araripina, o referido advogado ajuizou o total de 3.880 (três mil, oitocentos e
oitenta) ações.

AÇÕES AJUIZADAS COM A MESMA PETIÇÃO INICIAL E CAUSA DE PEDIR


SEMELHANTE PATROCINADA PELO MESMO ADVOGADO:
Compulsando as ações ajuizadas, constata-se que o advogado utiliza da mesma petição
inicial para ajuizar as ações em lote, sendo que todas as ações possuem causa de pedir
semelhante.
Tais ações discutiam inicialmente a nulidade de contrato bancário firmado com parte
analfabeta.
Ocorre que, visando solucionar tal lide, por unanimidade de votos, a Seção Cível do E.
TJPE, em sessão extraordinária realizada no dia 9 de fevereiro de 2021, nos autos do
processo nº 0016553-79.2019.8.17.9000, admitiu a instauração de Incidente de Resolução
de Demandas Repetitivas – IRDR para a fixação de teses jurídicas quanto ao
condicionamento da validade do negócio jurídico de empréstimo bancário a pessoa
1- Nota Técnica nº 01/2020. Relator: Juiz Paulo Luciano Maia Marques. TJRN. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/dl/nota-tecnica-juizados-especiais.pdf

2- https://www.dizerodireito.com.br/2019/12/a-pratica-de-sham-litigation-litigancia.html

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analfabeta à observância de formalidade essencial para sua contratação, sendo


determinada a suspensão de todos os processos pendentes no Estado de Pernambuco.
Com a referida suspensão, o advogado fez o que se chama vulgarmente de
“requentamento” da ação, isto é, com os mesmos dados das ações suspensas, ajuizou
novas ações com causa de pedir diversa, questionando a abusividade das cláusulas
contratuais, criando, pois, um meio de se evadir da suspensão determinada pelo Egrégio
Tribunal de Justiça de Pernambuco.
Como por exemplo, temos o processo nº 0000833-63.2021.8.17.2740 ajuizado em
maio de 2021, com a alegação de nulidade contratual por irregularidades na
firmação do contrato (analfabeto). Tal ação foi suspensa pelo IRDR.
Após suspensão, em setembro de 2021, houve posterior ajuizamento da ação nº
0001417-33.2021.8.17.2740 com as mesmas partes, mesmos documentos, agora sob a
alegação de irregularidades na contratação das cestas de serviços.
Percebe-se, pois, que as ações de massa protocoladas tencionavam a discussão de questão
jurídica supostamente regular, porém verifica-se, “in caso” a ilegalidade na captação
ilícita de clientela, utilização indevida dos serviços judiciais, abuso da gratuidade da
justiça, abuso do direito de litigar, irregularidades na confecção de procuração e demais
documentos, inexistência de litígio real entre as partes e vestígios de apropriação indébita
de valores pelo causídico.
Além disso, o causídico ajuizou ações idênticas, as quais geraram litispendência e
coisa julgada, com consequente extinção dos processos, o que pode ser exemplificado
através das análises das ações 0000135-67.2021.8.17.3060, 0000077-
98.2020.8.17.3060, 0000134-82.2021.8.17.3060, 0000078-83.2020.8.17.3060 e
0000120-98.2021.8.17.3060, entre outras, todas com sentença transitada em julgado.
Para coibir tais atos, este magistrado determinou a juntada de alguns documentos
essenciais ao ajuizamento da ação, principalmente de documentos pessoais dos autores,
porém, em 405 (quatrocentos e cinco) processos o causídico não juntou os referidos
documentos, resultando em 405 (quatrocentos e cinco) sentenças sem resolução do
mérito transitadas em julgado, o que indica uma falta de contato da parte autora com o
advogado, sugerindo o ajuizamento de ações sem a autorização da parte, a qual sequer
sabe quem é o advogado e que tais ações foram ajuizadas.

1- Nota Técnica nº 01/2020. Relator: Juiz Paulo Luciano Maia Marques. TJRN. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/dl/nota-tecnica-juizados-especiais.pdf

2- https://www.dizerodireito.com.br/2019/12/a-pratica-de-sham-litigation-litigancia.html

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DOS INDÍCIOS DE COMETIMENTO DE ILÍCITOS PENAIS E INFRAÇÕES AO


CÓDIGO DE ÉTICA DA OAB:
Existem inúmeros indícios que apontam, em um juízo preliminar, o possível cometimento
de infrações criminais no ajuizamento em massa das referidas ações predatórias.
Para ilustrar o quanto informado, é de mister indicar o recebimento de notícia de delito
pela Vara Única de Exú, formulada por uma das supostas clientes do Dr. XXX, in verbis:
“Eu, (...), venho pedir ajuda no tocante ao caso de minha mãe. A mesma
foi abordada pelo vereador XXX do Sindicato prometendo que ia
arrumar uma indenização para ela e deu entrada num processo nesta
comarca.
Ocorre que a mesma fez os empréstimos de forma consciente e vinha
pagando, porém vereador insistiu e deu entrada no processo mesmo
assim.
O advogado que o mesmo contratou não está querendo peticionar para
desistir do processo e o senhor XXXX agora diz que não tem nada a ver.
(...)
Para minha surpresa, ao consultar na internet percebi que o advogado
fez um monte de processo no nome dela.
Na verdade é um grande esquema montado pelo Vereador XXXX do
Sindicato que vem aliciando todos os idosos para ingressarem na justiça
buscando indenizações mesmo tendo consciência de que fizeram por
vontade própria.
Agora minha mae está precisando de um novo empréstimo para poder
fazer cirurgia de catarata - problema que vem se agravando, porém não
pode fazer em razão dessa enorme quantidade de processos em nome
dela contra bancos.
Ja pedi a XXXX para desistir dos processos, já pedi ao advogado e eles
se recusam. Ficam me jogando de um para o outro, tudo o que eu quero
é desistir desses processos porque como procuradora de minha mae
tenho ciencia de que ela fez os empréstimos porque quis, vinha pagando
normalmente as parcelas e só aceitou ingressar com esses pedidos
porque XXX prometeu que ela ganharia muito dinheiro.
1- Nota Técnica nº 01/2020. Relator: Juiz Paulo Luciano Maia Marques. TJRN. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/dl/nota-tecnica-juizados-especiais.pdf

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O senhor XXXX do Sindicato anda fazendo isso com todos os idosos da


região...”

Tal denúncia demostra o ajuizamento ilícito e sem o conhecimento da cliente de 40


(quarenta) ações, entre eles o processo n° 0000296-62.2021.8.17.2580, inclusive o
advogado não apresentou nos referidos processos, até a presente data, a desistência
requerida pela parte.
Ante a notícia delitiva, o magistrado de Exú encaminhou a denúncia para a Polícia
Civil, requisitando a instauração de inquérito policial para apurar os fatos.
Verifica-se, também, o ajuizamento de ações em massa nas quais foi descoberto que
a parte autora era falecida e que o advogado teria realizado acordos extrajudiciais
com os réus, ficando com a totalidade de tais valores.
Nos autos n° 0002365-13.2021.8.17.2210, que tramita na 1ª Vara da Comarca de
Araripina, consta o seguinte despacho:
“(...)
A parte autora e o primeiro requerido entabularam acordo, devidamente subscrito pelo
advogado que atua em favor da autora (vide doc. 90221642).

No sobredito acordo ficou convencionado que o valor de R$ 6.200,00 (seis mil e


duzentos reais) seria depositado, em sua integralidade, na conta 930-0, agência 2130,
Caixa Econômica Federal, de titularidade do advogado da parte, Dr. XXXX, (vide itens
“1” e “2” do doc. nº 90221642).

Conforme informado por um dos requeridos PORTO SEGURO CIA DE SEGUROS


GERAIS, o acordo foi devidamente cumprido, ocasião em que depositou o dinheiro na
conta acima mencionada no dia 21.10.2021 (vide comprovante-doc.-92424207–
pág.1e2).

O acordo foi devidamente homologado (doc. nº 91742064), ocasião em que determinou-


se a intimação pessoal da autora sobre os termos da sentença, bem como sobre o depósito
integral do valor acordado diretamente na conta do advogado que a representa (doc.
91742064).

Em diligência realizada pelo oficial de justiça, este constatou o seguinte:

CERTIDÃO NEGATIVA

Certifico, para os devidos fins de direito, DEIXEI DE INTIMAR a Sra. XXXXXX porque
ela é falecida. Na manhã de hoje, dirigi-me ao Sítio Capim, onde fui informado por
1- Nota Técnica nº 01/2020. Relator: Juiz Paulo Luciano Maia Marques. TJRN. Disponível em:
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populares que a
intimanda na realidade residia no Distrito de Gergelim e era conhecida pela alcunha de
"CHIDA", no referido distrito diligenciei na Rua Antônio Coelho onde falei com a filha
da requerente, XX, que informou que a Sra. Valdecy havia falecido há 09 dias.

Informo que a filha da autora disse que tinha ciência deste processo, afirmando que o
advogado de sua mãe era Dr. XXX, profissional que havia sido indicado pelo Sr. XXX
no Sindicato dos Agricultores de Araripina, relatou ainda que a mãe dela, quando
viva, não havia sido procurada pelo Sr. XXX e nem recebido nenhum dinheiro relativo
ao presente processo e que embora tenha contato com o citado advogado através do
aplicativowhatsapp, até a presente data, este não mencionou sobre nenhum acordo e
nem sobre o recebimento de nenhuma quantia. O referido é verdade. Dou fé. Araripina-
PE, 9 de novembro de
2021 Oficial de Justiça.

(...)

Ante o exposto, a conduta do profissional em tela, Dr. XXXX configura, em tese, crime,
podendo ser o tipificado no art. 168, do CP (apropriação indébita), eis que, supostamente
recebeu verba de cliente sob seu patrocínio, não repassou o dinheiro a este, não prestou-
lhe contas, e sequer informou sobre o acordo entabulado em nome do cliente que
representa.

Vejamos o que preconiza o CP:

Apropriação indébita

Art. 168 - Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

Aumento de pena

§ 1º - A pena é aumentada de um terço, quando o agente recebeu a coisa:

III - em razão de ofício, emprego ou profissão.

É dever do advogado repassar integralmente ao cliente a quantia que cabe a este.

Caso não o faça, sua conduta deverá ser apurada, eis que ultrapassa a mera quebra de
confiança para com o cliente, sendo conduta a ser apurada criminalmente, inclusive sob
o crivo da ética profissional, nos termos do art. 34, da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da OAB).
Vejamos:

Art. 34. Constitui infração disciplinar:

(...)

1- Nota Técnica nº 01/2020. Relator: Juiz Paulo Luciano Maia Marques. TJRN. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/dl/nota-tecnica-juizados-especiais.pdf

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XX - locupletar-se, por qualquer forma, à custa do cliente ou da parte adversa, por si ou


interposta pessoa;

XXI - recusar-se, injustificadamente, a prestar contas ao cliente de quantias recebidas


dele ou de terceiros por conta dele;

Para ilustrar, colaciono alguns julgados disciplinares da OAB/CE:

EMENTA: VERBA RECEBIDA E NÃO PRESTADA CONTA AO CLIENTE. PROVA


DOCUMENTAL. CONDUTA CONTRÁRIA AO CÓDIGO DE ÉTICA. INFRAÇÃO AO
ART. 32 DO EOAB. PENA DE SUSPENSÃO. Advogado que recebe valores destinados
ao seu cliente e não repassa devidamente e não presta contas destes valores comete
infração disciplinar prevista no art. 34, inciso XXI, do Estatuto da Advocacia e da OAB.
Proc. Disciplinar n.° 11932/2008-0 Relator: Júlio César Ribeiro Maia.

EMENTA: Recebimento pelo advogado de valor em dinheiro, em ação judicial sob o seu
patrocínio e não repassado ao cliente. Ausência injustificada de prestação de contas.
Conduta reprovável do advogado caracterizada como infração disciplinar. Procedência
da representação, ensejando a aplicação da sanção disciplinar de suspensão do exercício
da advocacia (art. 34, incs. XX e XXI, c/c. o art. 37, inciso I, §§ 1º e 2º, e art. 40, inc. II,
da Lei nº 8.906/94). Proc. Disciplinar nº 9331/2010-0 Relator: Conselheiro Neomésio
José de Souza.

EMENTA: VALORES DEVIDO AO CLIENTE RECEBIDO POR ADVOGADO QUE


NÃO PRESTA CONTAS. REPRESENTADO CONFESSO. CONDUTA CONTRÁRIA AO
CÓDIGO DE ÉTICA. INFRAÇÃO AO ART. 34, INCISO XXI DO EOAB. PENA DE
SUSPENSÃO. Advogado que recebe valores destinados ao seu cliente e não repassa ou
não presta contas destes valores comete infração disciplinar prevista no art.34, inciso
XXI, do Estatuto da Advocacia e da OAB, punível com suspensão, conforme art. 37,
Inciso I do EAOB. (J. 13.12.2012, 11ª sessão ordinária, procedente v unânime). (J.
27.09.2012, 8ª sessão ordinária, procedente, v. maioria) Proc. Disciplinar nº 664/2007-
0 Relator: Julio César Ribeiro Maia.

Não fosse o bastante, relatou ainda a filha da autora falecida por meio do oficial de
justiça que: o “Dr. XXX, profissional que havia sido indicado pelo Sr. XXXX no Sindicato
dos Agricultores de Araripina”.

Sendo assim, há também a possibilidade da ocorrência de captação irregular de clientes,


conforme o disposto no art. 34, IV, da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da OAB). Vejamos:

Art. 34. Constitui infração disciplinar:

1- Nota Técnica nº 01/2020. Relator: Juiz Paulo Luciano Maia Marques. TJRN. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/dl/nota-tecnica-juizados-especiais.pdf

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(...)

IV - angariar ou captar causas, com ou sem a intervenção de terceiros;

(...)”

No caso acima descrito, há indícios veemente de captação irregular de clientes, já


que a captação teria sido realizada pelo XXXX do Sindicato dos Agricultores de
Araripina.
Além disso, o advogado, até aquele momento, não teria repassado nenhum valor
decorrente do acordo aos familiares da parte autora.
Em face da ilicitude constatada, houve o devido encaminhamento à OAB e ao
Ministério Público de Araripina, sendo instaurado o procedimento criminal n°
02445.000.033/2021.
Compulsando outro processo, o n° 0001933-62.2019.8.17.2210, que também tramita na
1ª Vara da Comarca de Araripina, verifica-se que o referido advogado realizou acordo
extrajudicial com a parte ré, porém, este Juízo, por precaução, antes de homologar o
acordo, determinou a intimação da parte autora para saber se esta tinha recebido os valores
devidos, porem o oficial de justiça não conseguiu localizá-la, pois ela não residia na
localidade há vários anos, in verbis:
Certifico, para os devidos fins de direito, que me dirigi ao endereço
constante no mandado e ali estando, DEIXEI DE INTIMAR XXXX
porque, segundo populares do Sitio Sipaúba, a intimanda não reside
mais lá há vários anos, mora atualmente no Projeto N11 em Petrolina-
PE. O referido é verdade. Dou fé.
Sobre o fato, o advogado foi intimado para informar o novo endereço da parte,
informando que não sabia qual era o seu atual endereço e que já havia pago os valores a
esta, não juntando qualquer documento.
Deve-se indicar, também, que o causídico ajuizou ações na Vara Única de Ipubi com
partes residentes em outras cidades, a exemplo dos processos 0001462-
37.2021.8.17.2740, 0000647-74.2020.8.17.2740, 0000645-07.2020.8.17.2740, 0000643-
37.2020.8.17.2740, 0000646-89.2020.8.17.2740, nos quais a parte autora reside no
Município de Bodocó.
Também ajuizou ações em Bodocó com parte residente no município de Ipubi, como
por exemplo o processo n° 0000130-61.2020.8.17.2290.

1- Nota Técnica nº 01/2020. Relator: Juiz Paulo Luciano Maia Marques. TJRN. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/dl/nota-tecnica-juizados-especiais.pdf

2- https://www.dizerodireito.com.br/2019/12/a-pratica-de-sham-litigation-litigancia.html

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e-mail: vara01.araripina@tjpe.jus.br

Ajuizou ações em Araripina, mesmo a parte autora tendo residência no município


de Exú, ex: 0002157-63.2020.8.17.2210.
Ajuizou ações em Araripina, mesmo a parte autora tendo residência no município
de Bodocó, ex: 0002160-18.2020.8.17.2210.
Ajuizou inúmeras ações em nome de uma parte e anexou documentos em nome de
terceiros, ex: 0003366-67.2020.8.17.2210

DA CAPTAÇÃO ILÍCITA DE CLIENTELA:


Sobre o tema e ante os casos concretos acima delineados, é fulcral indicar que o Estatuto
da OAB prevê as seguintes condutas como infração disciplinar:
Art. 34. Constitui infração disciplinar:
III - valer-se de agenciador de causas, mediante participação nos
honorários a receber;
IV - angariar ou captar causas, com ou sem a intervenção de terceiros;
O Código de Ética dos advogados também expõe que:
Art. 7º: É vedado o oferecimento de serviços profissionais que impliquem,
direta ou indiretamente, inculcação ou captação de clientela.
Com o novo CPC/15, o instituto da boa-fé ganhou mais eficácia, inclusive determinou
que devem todos os atores processuais se comportarem conforme a boa-fé:
Art. 5º Aquele que de qualquer forma participa do processo deve
comportar-se de acordo com a boa-fé.
Desta forma, constata-se gritante mácula a boa-fé processual, além da captação ilícita de
clientela, não podendo o Judiciário validar ações praticadas nesses moldes, prejudicando
a atuação dos demais advogados que atuam dentro das regras de captação regular de
clientela, com respeito, também, a boa-fé processual e à dignidade da justiça.

DA LIDE AGRESSORA:
A presente demanda se classifica como sendo uma demanda agressora, havendo o
ajuizamento de causas fabricadas em lotes mensais de aproximadamente 400
1- Nota Técnica nº 01/2020. Relator: Juiz Paulo Luciano Maia Marques. TJRN. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/dl/nota-tecnica-juizados-especiais.pdf

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(quatrocentos) processos por mês, havendo indícios de que o causídico pratica a


captação ilegal de clientela em massa, usando sempre de uma tese jurídica “fabricada”,
que objetiva exclusivamente o enriquecimento ilícito, com petições iguais, nas quais
muda-se apenas o nome da parte e o número do contrato.
O advogado utiliza desse tipo de artifício, ante a incapacidade das instituições financeiras
de gerir adequadamente os processos judiciais.
Ademais, não é crível que praticamente todos os beneficiários da previdência social
desta região tenham sido fraudados e realizados negócios jurídicos os quais não
reconhecem ou estão em desconformidade com a legalidade, como faz crer o
causídico.

DO ABUSO DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA:


Com esse tipo de demanda predatória, o Judiciário é transformado, como bem explanado
pelo Centro de Inteligência dos Juizados Especiais do Rio Grande do Norte¹, em uma casa
de apostas, pois, devido ao abuso da gratuidade do acesso à justiça, aproveita-se dessa
condição para se ajuizar ações sem qualquer custo para o causídico, o qual tem lucro
considerável, em razão do número elevado de pessoas que são recrutadas por meio de
captadores ilegais de clientela, criando uma indústria de litígio fabricado, abarrotando o
Judiciário, prejudicando, pois, a apreciação de causas urgentes, como por exemplo:
alimentos, criminais, fornecimento de medicamentos, entre outras.
A gratuidade da justiça foi criada para dar acesso ao Judiciário às pessoas
hipossuficientes, porém, quando um único advogado ajuíza 11.142 (onze mil, cento e
quarenta e dois), em parco espaço temporal, acaba penalizando mais de 400 advogados
da região e todos os jurisdicionados, os quais não podem ter suas demandas avaliadas em
tempo hábil, pois a unidade Judiciária tem quase 70% (setenta por cento) de seu
acevo de lides temerárias e o Juiz não consegue visualizar processos distintos,
inclusive lides de emergência acabam sendo encontradas apenas após a rolagem de
150 a 200 páginas do sistema PJE, sendo que o advogado captador marca a opção
prioridade legal no PJE e todas as suas causas “furam fila” e o próprio sistema as
coloca no topo da lista para a análise pelo Juiz.

DO “SHAM LITIGATION”:

1- Nota Técnica nº 01/2020. Relator: Juiz Paulo Luciano Maia Marques. TJRN. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/dl/nota-tecnica-juizados-especiais.pdf

2- https://www.dizerodireito.com.br/2019/12/a-pratica-de-sham-litigation-litigancia.html

3-https://www.migalhas.com.br/depeso/342536/sham-litigation-o-abuso-do-direito-processual-na-pratica
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Verifica-se no caso em tela uma semelhança com o denominado SHAM LITIGATION


(falso litígio), onde foi reconhecido que o direito de petição não apresenta natureza
absoluta, podendo-se limitar o direito de ação quando se vislumbrar a hipótese do abuso
do direito.
Em nosso ordenamento jurídico, o instituto do abuso de direito é conhecido e aplicado no
direito material, principalmente, no âmbito do direito privado. O código civil, em seu
artigo 187, assim dispõe:
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao
exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim
econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Em relação ao direito processual, há prévia disposição sobre o tema no CPC (artigos 77
a 81), sendo previstas punições por ato abusivo no processo judicial.
Ocorre que, o abuso do direito processual encontrou novas formas de ocorrência, sendo
necessário a coibição do abusivo exercício do direito de demanda, inclusive com a
proibição do denominado “Sham litigation”.
Tal precedente foi criado pelo direito anglo-saxão, através de julgamentos realizados nos
Estados Unidos da América, proibindo-se o “sham litigation”.
Sobre o tema, magistral é a manifestação do Dr. Márcio André Lopes Cavalcante²:
Vale ressaltar, no entanto, que, embora não seja da tradição do direito
processual civil brasileiro, é admissível o reconhecimento da existência
do ato ilícito de abuso processual, tais como o abuso do direito
fundamental de ação ou de defesa, não apenas em hipóteses previamente
tipificadas na legislação, mas também quando configurada a má
utilização dos direitos fundamentais processuais.
É importante, ressaltar, contudo, que o reconhecimento do eventual abuso
do direito ação deve ser sempre excepcional. Isso porque o acesso à
justiça é um direito fundamental intimamente ligado ao Estado
Democrático de Direito.
Logo, esse abuso deve ser reconhecido apenas quando isso estiver
caracterizado estreme de dúvidas, ou seja, de forma muito explícita, sem
contradições.

1- Nota Técnica nº 01/2020. Relator: Juiz Paulo Luciano Maia Marques. TJRN. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/dl/nota-tecnica-juizados-especiais.pdf

2- https://www.dizerodireito.com.br/2019/12/a-pratica-de-sham-litigation-litigancia.html

3-https://www.migalhas.com.br/depeso/342536/sham-litigation-o-abuso-do-direito-processual-na-pratica
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Sobre o “sham litigation” é de mister indicar o conceito brilhantemente cunhado pela Dra.
Katia Maria da Costa Simionato³:
A expressão sham litigation foi consagrada nos Estados Unidos após
diversos julgamentos realizados pela Corte Suprema, os dois principais
casos que levaram à construção dessa doutrina foram Eastern Railroad
Presidents Conference v. Noerr Motor Freight Inc. e United Mine Workers
v. Pennington, em que se reconheceu que o direito de petição não
apresenta natureza absoluta, legitimando a intervenção da autoridade
antitruste nas hipóteses em que agentes econômicos privados praticam
infrações contra a ordem econômica por meio do exercício abusivo do
direito de ação.
Essa teoria ainda é recente no Brasil, tendo-se notícia de alguns casos
analisados pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade)
envolvendo as empresas Instituto Aço Brasil (IABr), que ingressou com
diversas demandas judiciais com a finalidade de prejudicar importadores
concorrentes de vergalhões de aço; Eli Lilly do Brasil Ltda. e Eli Lilly and
Company que moveram ações judiciais contraditórias e enganosas para
obter exclusividade na comercialização de medicamentos e das Empresa
Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) em que se discute a extensão
do monopólio postal.
Sham litigation diz respeito ao ajuizamento de ação judicial que careça
de fundamentação jurídica, com a finalidade exclusiva de prejudicar
concorrente, ou seja, está diretamente relacionada ao uso abusivo do
direito processual, com o objetivo implícito e dissimulado de prejudicar a
concorrência.
É certo que "o art. 5º, XXXV, consagra o direito de invocar a atividade
jurisdicional, como direito público subjetivo" (SILVA, 1999, p. 432).
Entretanto, a despeito da previsão constitucional do acesso à justiça (art.
5º, XXXV da Constituição Federal) que dispõe: "a lei não excluirá da
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito" (BRASIL,
1988), o direito de ação não é absoluto e encontra seu limite no abuso de
direito, ou seja, no excessivo uso do direito, coibido expressamente pelo
art. 187 do Código Civil ao prescrever que "também comete ato ilícito o
titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites

1- Nota Técnica nº 01/2020. Relator: Juiz Paulo Luciano Maia Marques. TJRN. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/dl/nota-tecnica-juizados-especiais.pdf

2- https://www.dizerodireito.com.br/2019/12/a-pratica-de-sham-litigation-litigancia.html

3-https://www.migalhas.com.br/depeso/342536/sham-litigation-o-abuso-do-direito-processual-na-pratica
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impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons
costumes" (BRASIL, 2002).
A norma processual civil também impõe limites ao uso abusivo do direito
de ação na medida em que determina a todos os litigantes que se
comportem no processo com boa-fé (art. 5º do CPC), bem como tipifica e
reprime a litigância de má-fé (arts. 79 e 80 do CPC), a qual é passível de
multa e indenização pelos prejuízos sofridos..
(...)
O STJ aplicou a teoria em julgamento recente:
O ajuizamento de sucessivas ações judiciais, desprovidas de
fundamentação idônea e intentadas com propósito doloso, pode
configurar ato ilícito de abuso do direito de ação ou de defesa, o
denominado assédio processual. STJ. 3ª Turma. REsp 1.817.845-MS, Rel.
Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. Acd. Min. Nancy Andrighi, julgado
em 10/10/2019 (Info 658)
Portanto, o caso dos autos não se qualifica diretamente com a figura do “Sham
Litigation”, sendo situações diversas. Porém, o entendimento firmado nesse tipo de
demanda deve aqui ser utilizado, isto é, o direito de petição/demanda não apresenta
natureza absoluta, legitimando a intervenção da autoridade Judiciário.
O próprio Superior Tribunal de Justiça já se manifestou indicando que, muito
embora o sham litigation ter se formado e consolidado no âmbito do direito
concorrencial, nada impediria que "se extraia, da ratio decidendi daqueles
precedentes que a formaram, um mesmo padrão decisório a ser aplicado na
repressão aos abusos de direito material e processual, em que o exercício
desenfreado, repetitivo e desprovido de fundamentação séria e idônea pode, ainda
que em caráter excepcional, configurar abuso do direito de ação.”
Desta feita, a partir do momento que se ajuíza ações temerárias e com os vícios
processuais já devidamente explanados, pode o Poder Judiciário, de maneira
excepcional, limitar o direito de ação, o qual não é absoluto.
Ao fazer isso, resguarda-se o direito à saúde, alimentação, moradia, liberdade, entre
outros direitos fundamentais, os quais deixam de ser avaliados de maneira célere,
pois a unidade judiciária encontra-se abarrotada com litígios fabricados e o
magistrado não consegue sequer visualizar os processos que tratam de demandas
1- Nota Técnica nº 01/2020. Relator: Juiz Paulo Luciano Maia Marques. TJRN. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/dl/nota-tecnica-juizados-especiais.pdf

2- https://www.dizerodireito.com.br/2019/12/a-pratica-de-sham-litigation-litigancia.html

3-https://www.migalhas.com.br/depeso/342536/sham-litigation-o-abuso-do-direito-processual-na-pratica
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urgentes, pois quase 70% de seu acervo encontra-se nas mãos de um único
advogado.
Inclusive, o Conselho Nacional de Justiça lançou, em 08/02/2022, recomendação
sobre litígios predatórios e demandas repetitivas, com causas de pedir semelhantes
(recomendação nº 0000092-36.2022.2.00.0000), na qual orienta os Tribunais do país
a adotarem medidas de cautela com o fim de coibir ações predatórias e o
ajuizamento em massa de ações no território nacional, as quais, inclusive,
prejudicam e cerceiam o direito de defesa das partes.

A VIRTUDE COMO NORTE AO OPERADOR DO DIRETO:


A principal qualidade do operador do direito é a virtude. Melhor dizendo, um atributo
essencial de qualquer ser humano deve ser a conduta virtuosa.
Impossível se falar em virtude sem indicar o filósofo estoico Catão de Útica. Este foi um
filósofo e político romano célebre pela sua inflexibilidade e integridade moral. Viveu na
época de Júlio César, grande defensor da república, inclusive Sêneca o cita
frequentemente como exemplo do sábio estoico ideal.
Catão dedicou-se principalmente ao estudo da filosofia moral, exercendo a virtude com
uma paixão vigorosa, na qual todos diziam que ali havia uma inspiração divina. Porém,
acima de qualquer virtude, ele indicava a severidade da justiça, que não se dobra, nem
por graça, nem por favor algum.
Muitos levaram o exercício da ação virtuosa às últimas consequências.
Catão deu a vida tentando restaurar a República Romana.
Trásea e Agripino resistiram à tirania de Nero.
Públio Rutílio Rufo foi exilado de Roma por manter firme seus ideais, entre eles a conduta
virtuosa.
Não se quer, na presente ação, exigir a mesma virtude vivida por Catão, porém deseja-se
o mínimo de atitude virtuosa, com a observância do código de ética da OAB, ou até
mesmo o princípio básico que não se deve prejudicar outro ser humano para saciar a
ganância.

1- Nota Técnica nº 01/2020. Relator: Juiz Paulo Luciano Maia Marques. TJRN. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/dl/nota-tecnica-juizados-especiais.pdf

2- https://www.dizerodireito.com.br/2019/12/a-pratica-de-sham-litigation-litigancia.html

3-https://www.migalhas.com.br/depeso/342536/sham-litigation-o-abuso-do-direito-processual-na-pratica
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Desta forma, trago aqui as palavras de uma das supostas clientes que narra seus problemas
devido às ações ajuizadas sem seu consentimento (0000296-62.2021.8.17.2580, que
tramita na Vara única da Comarca de Exú):
“(...) agora minha mãe está precisando de um novo empréstimo para
poder fazer cirurgia de catarata - problema que vem se agravando,
porém não pode fazer em razão dessa enorme quantidade de processos
em nome dela contra bancos.
Já pedi a XXXX para desistir dos processos, já pedi ao advogado e eles
se recusam. Ficam me jogando de um para o outro, tudo o que eu quero
é desistir desses processos porque como procuradora de minha mãe
tenho ciência de que ela fez os empréstimos porque quis, vinha pagando
normalmente as parcelas e só aceitou ingressar com esses pedidos
porque XXXX prometeu que ela ganharia muito dinheiro. ”

CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Ante o exposto, conclui-se que tais ações predatórias possuem indícios de irregularidades,
vícios insanáveis de representação, captação ilegal de clientes, falta de conhecimento da
parte autora no ajuizamento das ações, além de ofensa à boa-fé processual.
Não se trata de obstrução ao acesso ao Poder Judiciário, pois as partes autoras
poderiam ter ajuizado a mesma quantidade de ações, mas desde que fossem
realizadas de maneira espontânea, sem irregularidades, com o consentimento livre
e esclarecido do suposto cliente.
Há na jurisprudência pátria, inúmeras decisões acerca da ilicitude das ações predatórias,
inclusive a presente sentença utilizou os argumentos que subsidiaram as referidas
decisões: 5000095-97.2020.8.21.0093/RS; nota técnica 01, PODER JUDICIÁRIO DO
ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE- CENTRO DE INTELIGÊNCIA DOS
JUIZADOS ESPECIAIS; Apelação Cível n. 0700069-80.2021.8.02.0015; STJ. 3ª Turma.
REsp 1.817.845-MS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. Acd. Min. Nancy
Andrighi, julgado em 10/10/2019; STJ - REsp: 1817845 MS 2016/0147826-7)
Recentemente, o Tribunal de justiça de Alagoas assim se manifestou:
ACÓRDÃO: APELAÇÃO CÍVEL EM AÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE
NEGÓCIO JURÍDICO. INDEFERIMENTO DA INICIAL POR
INÉPCIA. AJUIZAMENTO DE MAIS DE DEZ AÇÕES CONTENDO
1- Nota Técnica nº 01/2020. Relator: Juiz Paulo Luciano Maia Marques. TJRN. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/dl/nota-tecnica-juizados-especiais.pdf

2- https://www.dizerodireito.com.br/2019/12/a-pratica-de-sham-litigation-litigancia.html

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A MESMA PARTE AUTORA, COM A MESMA CAUSA DE PEDIR,


ALTERANDO, TÃO SOMENTE, A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA RÉ.
MEDIDA QUE EXTRAPOLA, EXCEPCIONALMENTE, O DIREITO
FUNDAMENTAL AO ACESSO À JUSTIÇA. AÇÃO QUE SE
ASSEMELHA À SHAM LITIGATION (FALSO LITÍGIO). O
EXERCÍCIO DESENFREADO, REPETITIVO E DESPROVIDO DE
FUNDAMENTAÇÃO SÉRIA E IDÔNEA PODE, AINDA QUE EM
CARÁTER EXCEPCIONAL, CONFIGURAR ABUSO DO DIREITO
DE AÇÃO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO NÃO
VERIFICADA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E
NÃO PROVIDO Proc. Nº 0700069-80.2021.8.02.0015 - Acórdão, Rel. e
Voto TJ/AL - 2ª Câmara Cível - A8 1 Apelação Cível n. 0700069-
80.2021.8.02.0015-Rescisão do contrato e devolução do dinheiro-2ª
Câmara Cível- Relator: Des. Otávio Leão Praxedes.
Sobre o tema, assim se decidiu o Superior Tribunal de Justiça: "(...) é
preciso repensar o processo à luz dos mais basilares cânones do próprio
direito, não para frustrar o regular exercício dos direitos fundamentais
pelo litigante sério e probo mas para refrear aqueles que abusam dos
direitos fundamentais por mero capricho, por espírito emulativo, por
dolo ou que, em ações ou incidentes temerários, veiculem pretensões ou
defesas frívolas, aptas a tornar o processo um simulacro de
processo."(STJ - REsp: 1817845 MS 2016/0147826-7, Relator: Ministra
NANCY ANDRIGHI,Data de Julgamento: 10/10/2019, T3 - TERCEIRA
TURMA, Data de Publicação: DJe 17/10/2019).
No caso dos autos, após detida análise, percebe-se uma visível captação ilícita de
clientela, falta de consentimento livre e esclarecido do suposto cliente no ajuizamento das
ações, utilização indevida do direito de ação, abuso do direito de litigar, irregularidade na
confecção dos instrumentos procuratórios, falta de litígio real entre as partes, indícios de
apropriação indébita de transações com a parte ré, não restando qualquer incerteza de que
as ações nesta comarca carecem de pressupostos processuais mínimos, dentre eles a
adequada representação processual, a vontade manifesta de litigar, o interesse
processual, a individualização do caso concreto, a higidez da documentação e a
devida observância da boa-fé processual.
O Magistrado tem o poder-dever de prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à
dignidade da justiça e indeferir postulações meramente protelatórias (art. 139, III
do CPC/2015), as partes e seus procuradores devem observar seus deveres (art. 77,
1- Nota Técnica nº 01/2020. Relator: Juiz Paulo Luciano Maia Marques. TJRN. Disponível em:
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II do CPC/2015) e todos devem atuar na prevenção da litigância de má-fé (art. 80,


V do CPC/2015).
ANTE O EXPOSTO, EXTINGO, sem resolução de mérito a presente ação, com base no
art. 485, IV e VI do CPC.
Oficie-se à OAB e ao Ministério Público Estadual, encaminhando-se cópia desta
sentença e dos documentos anexos.
Encaminhe-se cópia da sentença e dos documentos anexos ao NUMOPEDE;
Considero inviável desde logo a repropositura nos termos acima, na forma do art. 486, §
1º, do Código de Processo Civil, que dispõe: "No caso de extinção em razão de
litispendência e nos casos dos incisos I, IV, VI e VII do art. 485 , a propositura da nova
ação depende da correção do vício que levou à sentença sem resolução do mérito".
Despesas processuais pela parte autora suspensas na forma do art. 98, § 3º do Código de
Processo Civil.
Sem honorários advocatícios.
Caso seja interposto recurso de apelação em face da sentença, determino desde logo:
a) Intime-se o apelado para apresentar contrarrazões no prazo legal;
b) Caso o(s) apelado(s) apresentem apelações adesivas, intime-se o apelante para
apresentar contrarrazões (art. 1.010, § 2º do CPC/2015);
c) Decorrido o prazo legal, com ou sem manifestação, remetam-se os autos ao Tribunal
de Justiça para julgamento do recurso, independentemente de nova conclusão ou juízo de
admissibilidade em primeiro grau (art. 1.010, § 3º do CPC/2015).
d) Não interposto recurso de apelação, ainda assim o réu deverá ser intimado do trânsito
em julgado da sentença (art. 331, § 3º do Código de Processo Civil).
Após o trânsito em julgado, dê-se baixa e arquive-se.
Assinado digitalmente por LEONARDO COSTA DE BRITO:1878107

LEONARDO COSTA DE BRITO: DN: C=BR, O=ICP-Brasil, OU=Autoridade Certificadora da Justica - AC-JUS, OU=Cert-JUS Institucional - A3, OU=01554285000507,
OU=Tribunal de Justica de Pernambuco-TJPE, OU=Magistrado, CN=LEONARDO COSTA DE BRITO:1878107
Razão: Eu sou o autor deste documento

1878107 Localização: sua localização de assinatura aqui


Data: 2022-02-11 11:31:06
Foxit Reader Versão: 10.0.0
Araripina, datado e assinado digitalmente.
Leonardo Costa de Brito
Juiz de Direito

1- Nota Técnica nº 01/2020. Relator: Juiz Paulo Luciano Maia Marques. TJRN. Disponível em:
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