Psicologia Social e Pessoalidade - Mary Jane P. Spink
Psicologia Social e Pessoalidade - Mary Jane P. Spink
Psicologia Social e Pessoalidade - Mary Jane P. Spink
social e pessoalidade
SPINK, MJ., FIGUEIREDO, P., and BRASILINO, J., orgs. Psicologia social e
pessoalidade [online]. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais;
ABRAPSO, 2011. ISBN: 978-85-7982-057-1. Available from SciELO Books
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Psicologia social e pessoalidade
Mary Jane P. Spink
Pedro Figueiredo
Jullyane Brasilino
Organizadores
2011
Esta publicação é parte da Biblioteca Virtual de Ciências Humanas do Centro
Edelstein de Pesquisas Sociais – www.bvce.org
ISBN 978-85-7982-057-1
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2. Agradecimentos
3. Apresentação
9. Sujeito na psicanálise:
O ato de resposta à ordem social
Patrícia do Prado FerreiraLemos
Este livro apresenta onze ensaios que exercitam a analítica de nossos modos
humanos de viver. Ou seja, não se trata apenas de buscar as várias maneiras de
conceituar o ser humano, mas de ver nas palavras/saberes as ações/fazeres que
juntos se materializam no efeito de ser pessoa.
Podemos falar que são ensaios sobre regimes de ser pessoa que colocam em
ação, pessoas jurídicas, pessoas de gênero, pessoas de direitos, pessoas de
deveres, pessoas de sexo, etc. Vivemos a era dos regimes em que nos é proposto
que cuidemos de nosso “si mesmo” encontrando a “direção ideal” para que
possamos suportar o peso da vida. A isso se costuma chamar “qualidade de
vida”. Com efeito, não faltam dispositivos para nos indicarem os regimes que
devemos seguir. São “regimes de verdade” localizados historicamente e
constituídos em jogos de saber-poder: “cada sociedade tem seu regime de
verdade, sua política geral de verdade” (Foucault, 1985, p.12). 1 As relações de
poder disciplinar estabelecidas em nossas sociedades são positivas, na medida
em que instituem e criam espaços, arquiteturas, cidades, sociedades, corpos,
além das individualidades: as pessoas, os sujeitos em processos de subjetivação.
O poder despersonalizado, anônimo, pode personalizar nos tornando alguém-
pessoa.
Muitas peças se unem em redes para nos produzir. Uma série de agenciamentos
construídos coletivamente nos torna um acontecimento humano, cujo
desdobramento é criar a si mesmo. Ser um efeito de si mesmo. Nesse processo, a
Psicologia tem sido uma disciplina fundamental, tendo em vista que produz
saberes e fazeres, indicando-nos o que e como devemos nos organizar como
efeito de si. Propõe a arte de governar a si mesmo, em especial pela via da
psicologia da consciência. Consequências inúmeras advêm disso e poderão ser
observadas nos ensaios que se apresentam neste livro. Poderíamos dizer que o
foco, ao tratar do conceito de pessoa/sujeito, é expor a arte de governar a si
mesmo. Governo entendido como certa forma de disposição das coisas dirigidas
por um regime de verdade (no caso sobre si).
Como bem nos mostrou Foucault, a partir do século XVI-XVIII, a população foi
sendo o objetivo de governo das ciências (políticas, econômicas, estatísticas,
etc.). Gerir a população nos mínimos detalhes foi a empreitada humana levada
ao extremo na Era Moderna que se estende aos nossos dias. Gerirmo-nos é a
palavra de ordem. Desta feita, criamos dispositivos e tecnologias para tal. Mas,
sem a menor dúvida, termos voltado a gerir a nós mesmos foi a maior das tarefas
humanas, para a qual criamos ciências (humanas). E o que não dizer quando o
foco do gerenciamento se fecha em um controle micro?
Usando uma imagem forte: se antes o “bobo” deveria animar a corte para não
sucumbir, agora essa estratégia não basta, contudo é preciso incitar a si mesmo,
conhecer-se e se responsabilizar pela gerência de sua vida. Mas o Estado paira
como o grande irmão que tudo olha: se o seu “eu/si mesmo” não der conta de
gerir-se, que chamem a polícia, a Justiça ou o psicólogo (uma espécie de
bombeiro/SAMU do eu).
O sétimo ensaio foi escrito por Emanoel José Batista de Lima (“O cuidado em
saúde mental e a noção de sujeito: Pluralidade e movimento”). Fundamentando-
se em sua experiência em Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), versa sobre
a temática do Cuidado em Saúde Mental no âmbito da Reforma Psiquiátrica.
Conclui que, ao invés desses espaços se tornarem substitutos dos tradicionais
hospitais psiquiátricos, mantêm práticas que repõem a cultura manicomial e
reativam processos de segregação. Sob essa ótica, articula essa situação com a
permanência de relações de assujeitamento, mantidas em jogos de poder-saber
(Foucault), tutelados ainda a um saber psiquiátrico, cujos efeitos são
intervenções baseadas em racionalidades biologicistas, em que os usuários do
serviço são estigmatizados em uma concepção de sujeito sem potencialidades.
O oitavo ensaio foi produzido por Sheila Ferreira Miranda (“A questão do
reconhecimento: Axel Honneth e a atualização do modelo conceitual hegeliano a
partir da Psicologia Social de George Herbert Mead”). A autora toma por base as
reflexões de Axel Honneth sobre posturas de Hegel e George Herbert Mead que
lhe permitiram a construção da Teoria do Reconhecimento, criticando o conceito
de “psíquico” que permeou o início da Psicologia (atrelado à consciência
entendida como interiorização de objetos estáticos e dados naturalmente). Por
fim, detendo-se mais nos conceitos de “Eu, Mim e Outro Generalizado”
desenvolvidos por Mead, chega à tese de Honneth de que o conflito compõe o
“principal motor” da vida social, o qual gera negociações e operações
interpretativas diversas advindas das relações de reconhecimento
(intersubjetivo).
Por fim, temos o texto de Antônio Fernando Gomes Alves (“A constituição do
eu trabalhador”) que se apoia na concepção marxista sobre a centralidade do
trabalho na vida humana (inclusive tida como a atividade responsável pela
diferenciação entre seres humanos e animais). Para discorrer sobre o que chama
de “eu trabalhador” nos dias atuais em que há mudanças relevantes nas relações
trabalhistas e nos modos de produção, o autor ressalta que ainda temos um
trabalho alienado, acrescido da “instabilidade”, por causa das substituições da
mão de obra humana por máquinas e, mais ainda, porque estimula o
conhecimento/qualificação individual acirrando a competitividade.
Fica o convite para nos debruçarmos em textos tão diferentes, mas com um
mesmo nó que os enreda, que os faz rede. Os fios desta rede não se atam em uma
ponta final, mas nos remetem a um novo percurso que é a investigação das
pesquisas desses doutorandos que construíram estes ensaios, pois lá, certamente,
encontraremos mais questões a nos aguçarem. Ademais nos remetem a continuar
acompanhando a produção de Mary Jane em busca de um capítulo seguinte,
ainda não escrito, a interpelar nossos modos de viver. Por ora, um livro que:
Porém, temos certa dificuldade de nomear esse ser que somos quando
teorizamos a respeito da vida em sociedade e, nesse âmbito, nem sempre
tomamos alguns cuidados no uso de nossas categorias. Por exemplo,
incorporando o gênero de fala próprio aos manuais de metodologia, falamos de
sujeitos, quando nos referimos aos “participantes” de nossas pesquisas. Por suas
conotações “ideológicas”, procuramos evitar o uso da palavra indivíduo, mas a
deixamos escapar em seus múltiplos sentidos: individualmente, para nos
referirmos a cada um de um grupo; individualismo para nos reportarmos a
modos de vida pouco solidários. E pessoa? No caso da Psicologia Social, não
seria este mais um termo a ser considerado dentre as muitas possibilidades de
falarmos de quem somos e de quem são os outros que compartilham, por querer
ou sem querer, de nossas vidas?
Desse modo, explorar as possibilidades de uso psicossocial do termo pessoa,
sugestão que deu origem ao livro em que se insere este texto, foi o desafio que
nos levou a propor esse assunto como tema de disciplina do curso de doutorado
em Psicologia Social, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
ministrado em 2010.
No referido texto, Mauss adota uma perspectiva evolutiva. Como ele mesmo
afirma, a intenção
Segue situando a persona latina, estágio em que a noção não se refere apenas a
um elemento da organização social, mas a um fato fundamental de direito: o fim
do direito do pater de matar seus filhos; o estabelecimento do direito a ter um
nome, prenome, sobrenome. Essa compreensão possibilitou a emergência da
pessoa como fato moral, ressignificação que tem muito a ver com os estoicos
“cuja moral voluntarista, pessoal, podia enriquecer a noção romana de pessoa, e
mesmo se enriquecer ao mesmo tempo em que enriquecia o direito”. Para
Mauss,
Contudo, não foi por meio do pensamento discursivo, o Cogito ergo sum de
Descartes, que o problema da consciência encontrou sua solução, mas em
decorrência dos movimentos sectários dos séculos XVII e XVIII que iriam
influenciar a formação do pensamento político e filosófico. Foram eles que
propuseram as questões da liberdade individual, da consciência individual, do
direito de comunicar-se diretamente com Deus e de ter um Deus interior. Na
interpretação de Mauss, é com Kant e, sobretudo com Fichte, que a categoria do
“Eu” se torna condição da consciência e da ciência.
O sujeito de fato envolve o objeto para que possamos ter consciência. Mas
não nos é tão inevitável reconhecer que o sujeito é essencial para que haja
um objeto presente. De acordo com nossa concepção de ciência,4 o mundo
surgiu durante milhões de anos, apenas nos últimos momentos dos quais
existiram formas de vida; e apenas nos últimos segundos desses momentos
existiram quaisquer formas humanas. O mundo estava presente muito antes
de apareceram os sujeitos. O que fazem os idealistas românticos é pressupor
que para que esses objetos estejam presentes há que haver um sujeito. De
certo modo poderíamos dizer que isso reflete o dogma filosófico que o
mundo não poderia estar presente a não ser se criado por um ser consciente.
Mas esse problema é mais profundo que um dogma filosófico. Trata-se do
pressuposto que a própria existência de um objeto, como tal, envolve a
existência de um sujeito para o qual é um objeto (Mead, 1969, p.17).
Em resumo, Mead aplica a ideia de evolução também aos objetos – sejam eles
humanos ou não humanos (p.218), ou seja, ao mundo tal como o vivenciamos.
Seguindo Spencer, aplica as noções darwinistas à própria sociedade, incluindo aí
as materialidades e as socialidades. Conforme ele afirma: “As sociedades se
desenvolvem tal como as formas animais se desenvolvem, ajustando-se aos
problemas que encontram à sua frente” (p.24). Em suas palavras,
Para ele, o self emerge por meio da habilidade de assumir a atitude do grupo ao
qual pertence. Além disso, a estrutura da sociedade está impregnada nos hábitos
sociais e, na medida em que introjetamos esses hábitos, é que nos tornamos
selves.
Esse outro generalizado é de dois tipos: um, mais concreto, se refere aos grupos
de pertença, isto é, clubes, partidos políticos, etc. O outro, mais genérico, é
constituído de classes ou agrupamentos mais amplos – como todos os que estão
em débito financeiro. E a pertença a esses grupos mais amplos possibilita um
sem número de relações sociais, mesmo que indiretas. Assim, o mais amplo
desses grupos abstratos é o de pertença a uma comunidade linguística, “uma
relação que emerge do funcionamento universal dos gestos como símbolos
significantes no processo social genérico de comunicação humana” (Mead,
1969, p.222).
É apenas por meio dessa capacidade de absorver a atitude do outro generalizado
em relação a si mesmo que se pode pensar. Logo, o pensamento, para Mead, é
um processo de conversação consigo mesmo, quando se assumem as atitudes
comuns do grupo e quando os símbolos usados são comuns ao grupo, de modo
que o sentido seja compartilhado. É um processo de comunicação decorrente da
participação na experiência de outras pessoas. Portanto, o self é uma experiência
social que só existe num grupo de indivíduos sociais, proveniente do processo
evolutivo tal como resultam outras formas biológicas.
Trata-se de uma forma biológica que pode cooperar com outros por meio de
símbolos significativos; entender as atitudes de outros e responder a elas por
causa de desenvolvimentos no sistema nervoso central. O que Mead quer
demonstrar, então, é que a evolução da “mente”, assim como a das instituições
sociais, é uma evolução social, o que possibilita a complexidade das soluções
encontradas nas sociedades de humanos. Em síntese, embora as teorizações de
Mead tenham por foco os processos, ele considera não ser possível ter processos
sem alguma estrutura, ou seja, sem uma forma na qual o processo possa se
expressar. Evolução da mente, no plano biológico, e evolução social andam de
par em par.
Até que ponto, pois, a noção meadiana de self se aproxima da noção maussiana
de pessoa? A ideia de evolução que norteia suas teorizações parece distinta: vista
num plano histórico longitudinal, as sociedades, no texto de Mauss, evoluem da
personagem em dramas que extrapolam as especificidades locais para a categoria
de “Eu” contemporânea. Como Mead, Mauss parte do pressuposto de que as
formações sociais também são processuais, também evoluem. Porém, talvez por
adotar uma perspectiva de tempo longo, Mauss não tem por foco os processos de
desenvolvimento dessa experiência de Eu, deixando-a restrita à instauração de
uma experiência do Eu, limitada ao indivíduo.
Essa genealogia tenta descrever as formas pelas quais esse moderno regime
do eu emerge não como o resultado de um processo gradual de
esclarecimento, no qual os humanos, ajudados pelos esforços da ciência,
acabam, finalmente, por reconhecer sua verdadeira natureza, mas a partir de
uma série de práticas e processos contingentes e definitivamente menos
refinados e menos dignos (Rose, 2001, p.35).
O foco não é, portanto, a história da pessoa, mas das práticas que localizam os
seres humanos em regimes de pessoa: as linguagens de pessoalidade, a variedade
de normas, técnicas e relações de autoridade no interior das quais essas
linguagens têm circulado. Por conseguinte, uma genealogia que pode seguir
diversas trajetórias (Rose, 2001, p.37):
Onde, como e por quem, certos aspectos do ser humano se tornam
problemáticos?
Que meios têm sido inventados para governar o ser humano?
A quem se concede – ou quem reivindica – a capacidade de falar de forma
verdadeira sobre os humanos, sobre sua natureza e seus problemas, e o que
caracteriza as verdades sobre as pessoas às quais se concede tal autoridade?
Que formas de vida constituem as finalidades, os ideais ou os exemplares
dessas diferentes práticas de ação sobre as pessoas?
Como esses procedimentos para regular as capacidades das pessoas se
ligam a objetivos morais, sociais ou políticos mais amplos, concernentes às
características indesejáveis e desejáveis das populações, da força de
trabalho, da família, da sociedade?
Cada uma dessas direções da investigação realizada por Rose foi inspirada na
obra de Michel Foucault, em particular nas questões relacionadas à ciência do
governo. Cabe destaque, pois, nesse contexto, as reflexões de Foucault sobre
governamentalidade.
A longa trajetória que leva da arte de governo à ciência política incluiu uma
transformação fundamental no direito político, processo que teve início no
século XVII, com a introdução das tecnologias disciplinares, essencialmente
centradas nos corpos individuais. A partir da metade do século XVII, essa forma
de lidar com a vida passou a ser complementada por uma nova tecnologia que,
segundo Foucault, não excluía a técnica disciplinar, mas que a embutia e a
modificava parcialmente e que, sobretudo, iria utilizá-la, implantando-se de certo
modo nela, e incrustando-se efetivamente graças a essa técnica disciplinar
prévia. Nesse enquadre, a disciplina não desapareceu, mas se tornou ainda mais
fundamental.
Entretanto, de acordo com o autor (e para outros autores que dialogam com
Foucault), não se trata apenas de empreendimentos coercitivos, voltados ao
controle e à repressão de subjetividades. As tecnologias discutidas por ele não
funcionam exclusivamente pela repressão e nem é essa sua principal função,
porém buscam produzir sujeitos de determinado tipo, moldar e organizar a
psique, fabricar indivíduos com certo padrão de desejos e aspirações. São
técnicas que procuram governar as diferenças individuais, com a finalidade de
maximizar a eficiência individual e social. Portanto,
Harré, como Mead, situa a pessoalidade no fluxo da ação: “a pessoa não tem
outros atributos psicológicos além de seu poder de produzir o fenômeno
psicológico no fluxo das ações públicas e privadas” (Harré, 1998, p.15). Em
síntese, propõe que entendamos nossa experiência de singularidade por
intermédio de relacionamentos interpessoais contextualizados, e não como uma
interioridade ontológica. Entretanto, Harré não abandona a corporeidade e nem
as materialidades que dão aos selves sua singularidade. Para ele, a pessoalidade é
produto de três expressões de singularidade que denomina de self 1, self 2e self
3, uma hierarquização que tem valor meramente heurístico e visa pontuar a
diversidade intrínseca dos selves e a falácia de considerar a pessoalidade apenas
a partir de uma das posições possíveis. Self 1, 2 e 3 são meras versões de selves
que são, por definição, múltiplos. Interpretamos, portanto, que a proposta de
Harré propõe o desafio de trabalhar simultaneamente com as multiplicidades de
versões, decorrentes da diversidade de situações em que seres vivos e
materialidades estão localizados (Law & Mol, 2002).
Para Harré, é necessário que seja feita uma distinção entre individualidade,
unicidade e singularidade. A individualidade está relacionada à dimensão
temporal-espacial e decorre dos aspectos de pessoalidade que estão atrelados à
corporeidade (embodiment) – ou seja, ao self 1 – e suas formas características de
expressão. Difere, pois, de individualismo que, no enquadre teórico de Harré,
não existe, pois nossas características pessoais, expressas no self 2, são
fundamentalmente relacionais.
A opção por self certamente nos situa no cerne das teorizações que buscam não
dicotomizar ser e sociedade, ser e outros, materialidades e socialidades. Mas,
sendo de origem anglo-saxã,6 não se traduz facilmente para as línguas latinas,
pois, como dito anteriormente, o “Eu” tende a ser pensado no enquadre da
singularidade e da individualidade, perdendo sua qualidade reflexiva (não há self
sem outro). Acrescenta-se a essa dificuldade a estreita associação entre “Eu” e o
cogito cartesiano. Há, portanto, tendência a dar ao termo conotações de
individualidade e interioridade.
Caberia então usar o termo pessoa? Foi esta a proposta feita quando discutimos
as bases da abordagem sobre as práticas discursivas do cotidiano. Afirmávamos,
então, que a noção de pessoa era intrinsecamente relacional. “A pessoa, no jogo
das relações sociais, está inserida num constante processo de negociação,
desenvolvendo trocas simbólicas num espaço de intersubjetividade, ou mais
precisamente, de interpessoalidade.” (Spink & Medrado, 1999, p.55). Porém,
acrescentaríamos agora que, para além desses jogos relacionais, a noção de
pessoa – pelo menos na proposta de Harré – nos indica a necessidade de
entender como as diversas tecnologias de governo, sobretudo no que diz respeito
aos documentos que cristalizam identidades (RG, passaportes, certificados de
nascimento, de batismo, de conclusão de cursos, entre muitos outros), integram a
complexa matriz de práticas sociais que, historicamente, tornaram necessário
teorizar sobre esse ser que somos.
Referências bibliográficas
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______. (2001) Como se deve fazer a história do eu. Educação & Realidade, 26
(1), 33-57.
2 Traduzido, em português, como “eu”, a despeito de este termo não ter a mesma
Neste ensaio, tenho como objetivo apontar reflexões sobre uma possível noção
de pessoa articulando três desenvolvimentos teóricos: a noção de eu
interiorizado de acordo com Nikolas Rose (1997, 2001) e Ian Hacking (2002); a
ideia de performance [enactment] desenvolvida por Annemarie Mol (2008),
trazendo algumas considerações sobre familiares cujas crianças sofreram
violência e são atendidas em instituições como exemplo; e, por fim, a discussão
de Rom Harré (1998) sobre o que seria “pessoa” no contexto da Psicologia
Discursiva. Tais reflexões ajudarão a compreender como a crença de que as
pessoas sejam entidades singulares implica em sociabilidades e práticas de
governos do eu. De outra forma, adotar uma noção de pessoa que é construída de
múltiplas formas em uma sociedade – a partir do momento que diferentes
ontologias constroem diferentes pessoas – faz-se, a meu ver, crucial para
compreender certas práticas sociais.
Esse tipo de feedback, outrora chamado por Hacking de looping effect (1995),
faz com que ele denomine-se um nominalista dinâmico, opondo-se aos
nominalistas clássicos que pensariam que todas as categorias, classes e
taxonomias são criadas e fixadas por seres humanos e que as classificações
podem ser ampliadas ou revistas, mas que quando instauradas, são praticamente
fixas e não interagem com o que é classificado:
Nikolas Rose (1997) parte de postura semelhante. Para ele, as crenças, normas e
técnicas que passaram a existir sobre a alcunha das disciplinas psi através do
século XX sobre inteligência, personalidade, emoções, desejos, relações grupais,
distress psiquiátrico e assim por diante, não vêm de uma iluminação ou
mistificação: eles mudaram profundamente os tipos de pessoas que nos são
disponíveis ser – são formas de pensar a nós mesmos, modos de agir sobre nós
mesmos e o tipo de pessoas que se presume que devemos ser em nossas relações
de consumo, produção, vida amorosa, religiosa e modos de adoecer e morrer. Os
seres humanos nas sociedades ocidentais passaram então a se compreender e
relacionar consigo mesmos como
Desta forma, o autor diz ter como intento selecionar as formas pelas quais um eu
funciona como um ideal regulatório nos mais diferentes aspectos de nossas
formas contemporâneas de vida, sendo montado de forma aleatória e
contingente, ficando no ponto de intersecção de “uma gama de diferentes
histórias, de diferentes formas de pensamento, de diferentes técnicas de
regulação, de diferentes problemas de organização” (Rose, 2001, p.35), devendo
estas serem tratadas a partir de uma perspectiva de governo. Ou seja, Rose
afirma que nossa relação com nós mesmos tem a forma que tem atualmente
porque esta tem sido o objeto de uma variedade de esquemas, mais ou menos
racionalizados, que acabaram por modelar nossas formas de compreender e viver
nossa existência enquanto seres humanos tendo objetivos distintos, tais como
“masculinidade, feminilidade, honra, reserva, boa conduta, disciplina, distinção,
eficiência, harmonia, sucesso, virtude, prazer: a lista é tão diversa e heterogênea
quanto interminável” (2001, p.36).
Ela deixa claro o uso do termo ontologias, querendo com isso enfatizar que se a
realidade é feita e se a mesma é localizada histórica, cultural e materialmente, ela
deve ser múltipla. Portanto, coexistem no presente diferentes versões, diferentes
realidades e diferentes performances. Vou tentar ilustrar essas breves reflexões
discutindo a partir do que é chamado de violência contra a criança e falando
sobre cuidadores/as cujos filhos/as sofreram violência e são atendidos/as em
instituições.
Desta forma, realidades distintas sobre o trato com a criança que são
performadas pelos/as cuidadores/as, no caso, pais/mães de crianças que sofreram
violência e são atendidas numa instituição, são um bom exemplo. Mas, tamanho
relativismo não significa que eu, enquanto pesquisador, esteja também de longe,
analisando tais performances de modo a acreditar que, uma vez que eles/as
descrevam e argumentem seus atos a partir de determinada posição, deva-se
aceitar seus argumentos como verdadeiros e justificáveis. Pelo contrário, esse
relativismo evolve questões ético-políticas (Íbãnez, 2005) no que diz respeito à
violência contra a criança e acredito que diferentes argumentos que permitem a
prática da violência precisam ser desnaturalizados. Portanto, faz-se importante
compreender as múltiplas versões de atos que são classificados como violência
contra a criança – e aqueles que não são – para estes/as cuidadores/as.
Durante as intervenções com esse público – que podem acontecer por meio de
palestras, oficinas, aconselhamento, orientação, visitas domiciliares etc. – as
instituições utilizam diversas estratégias retóricas com os/as cuidadores/as
quando há conflitos entre os novos repertórios sobre a violência que eles
fornecem e o repertório dos/as cuidadores/as. É a partir desses conflitos que
os/as cuidadores/as vão argumentar sobre o que eles consideram ou não
violência, e os profissionais – guiados pelo discurso em sua maioria acadêmico e
pautado nos direitos humanos – vão realizar argumentos sobre argumentos
(Billig, 2008) para defender suas posições, bem como também podem assim
fazer os/as cuidadores/as. Porém, pretendo sair deste perspectivismo em que há a
“realidade lá” – a violência contra a criança – e os modos de posicionar-se sobre
ela.
Adotarei então que esses/as cuidadores/as são não apenas alvos de tecnologias
disciplinadoras, mas, também, pessoas produzidas por diferentes performances
em sua ontologia. Pensar desta forma permite, acredito eu, entender que
dispositivos de produção de sentidos – a palmada pedagógica, a surra “pra não
virar gente ruim”, a bolinação verbal/física “normal” da menina em puberdade
entre os homens da família – produzem a experiência do ser pai/mãe e os
mecanismos pedagógicos e/ou de violência aceitos/não aceitos contra seus/as
filhos/as. Além disso, permite compreender também as formas que os/as
cuidadores/as argumentam sobre as relações que os produziram como pais/mães
que se posicionam de maneiras distintas ao performar um ato como violência ou
não.
Porém, não esquecendo que, como afirma Harré (1998) “cada pessoa exercita
seus poderes para apresentar um conjunto único de atitudes” (p.69). Ou seja,
aqui é o self 3, os padrões múltiplos e cambiantes de um grupo complexo de
disposições, habilidades e capacidades atribuídas a nós por outras pessoas; e o
self 1, a singularidade estrutural da experiência individual e ação, ordenada por
referência aos nossos corpos individuais que estão em jogo. Estes conceitos
serão desenvolvidos logo abaixo.
O que foi conceituado nas linhas acima como selves 1, 2 e 3 é a forma que Rom
Harré (1998) metaforicamente concebe uma pessoa. O autor toma como ponto
de partida o fato de que, na literatura, seja ela psicológica ou não, “nem aquilo o
que é chamado de pessoalidade [selfhood] nem consciência são noções claras,
unívocas ou diretas” (p.1). Os seres humanos são indivíduos, mas isso não
implica em possuirmos “unicidade”.6 Duas pessoas podem ter características
semelhantes, mas ainda assim não são as mesmas: há a individualidade, em que
somos uma coisa diferente das outras – sou Pedro e não João; e há também a
unicidade, em que somos algo único e parecido com nenhuma outra coisa – sou
um Pedro distinto de outro Pedro por mais que este possa parecer comigo. Para o
autor (1998), isso é válido para todos os seres orgânicos:
Como dito anteriormente, ao mesmo tempo cada ser humano é uma complicada
colcha de retalhos de atributos pessoais e relações sempre-em-mudança. Desta
forma, algo que possa ser chamado de “personalidade” é problemático, uma vez
que a preservação desta unicidade no contexto de tantas similaridades entre
pessoas acontece somente na relação constante com outras pessoas e com nós
mesmos. Poderia ser dito que há uma unidade em cada pessoa a partir de um
determinado contexto e em situações diversas, mas não algo que pode ser
apreendido globalmente e rigidamente como “personalidade”.
Outra forma de abordar o self seria descrevê-lo como um estado mental. Harré
(1998) questiona se esta seria uma forma adequada, uma vez que lhe parece que
as pessoas não possuem um “estado mental”, e sim produzem fluxos de ações,
alguns privados, outros públicos, que apresentam uma série de propriedades que
costumamos chamar de “mentais”; fluxos estes que apresentam estabilidades e
repetições recorrentes. Há padrões de estabilidade, mas também de mudança,
nos fluxos de atos cognitivos e emotivos que cada pessoa produz, geralmente em
conjunto com outras pessoas. Os atos privados são os que mais comumente
costumam ser tomados como atributos mentais. Entre os atributos de uma
pessoa, não há apenas aqueles produzidos no fluxo de ação, portanto a
Psicologia tem que dar cabo de explicar as habilidades e disposições necessárias
para produzir o fluxo de atividades que chamamos de “vida mental” (Harré,
1998, p.3). Seu argumento é que tudo aquilo que costumamos chamar de vida
mental é produzido ad hoc ao decorrer das ações das pessoas, e não são nada
mais que atributos de um fluxo de ação.7 Assim, não há entidades mentais:
apenas ações privadas e públicas com que as pessoas se engajam.
Harré afirma então que o self, esta singularidade que cada um de nós
acredita/sente ter, também não é uma entidade e sim um local de onde a pessoa
percebe o mundo e um lugar no qual se pode agir. Apenas as pessoas existem: os
selves seriam apenas ficções gramaticais, características necessárias de discursos
orientados a pessoas. Apesar de não haver essa “entidade self”, nós poderíamos
tomar três aspectos (selves 1,2e 3)doque seria uma pessoa como modos de
existência e comportamento forjados em modos de falar sobre estes aspectos
utilizando pronomes, nos vários usos da expressão “o self”. Desta forma, nosso
senso de singularidade como seres psicológicos vem de um senso de sermos
distintos, termos continuidade e sermos autônomos.
Referências bibliográficas
Billig, M. (2008) Argumentando e Pensando: uma abordagem retórica à
Psicologia Social. Petrópolis: Vozes.
Davies, B. & R. Harré (1990) Positioning: The discursive production of selves.
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Routledge.
______. (2001) Como se deve fazer a história do eu. Educação & Realidade, 26
(1), 33-58.
(CAPES).
2 O conceito/ideia de self varia e é distinto de acordo com os diferentes autores
que procuraram descrevê-lo seja como identidade, entidade interior ou vida
psíquica interna. Uma reflexão interdisciplinar sobre o conceito/ideia de self nas
sociedades ocidentais é feita de modo bastante interessante no livro Rewriting
the Self (1997), editado por Roy Porter.
3 Modos de ser uma pessoa ou condições de pessoalidade, segundo Hacking
(2002).
4 Esse é um argumento interessante que não tem espaço de ser tratado aqui. Peço
para conferir o exemplo de Hacking sobre “cavalo, planeta, luva e personalidade
múltipla” no capítulo 6 “Making Up People” do livro Historical Ontology
(2002). Há uma versão deste livro em português – Ontologia Histórica (2010) –
lançado pela Editora Unisinos, porém a tradução e os constantes erros de grafia
tornam a leitura difícil.
5 Teoria criada por Bruno Latour, Michel Callon e John Law. Eu seria
extremamente negligente em tentar explicar/resumir esta teoria em uma nota de
rodapé. Porém, indico como leitura o livro Reassembling the social (2005) de
Bruno Latour.
6 A palavra usada pelo autor em língua inglesa é uniqueness, que poderia ser
traduzida como singularidade. Porém, pela distinção que o autor faz entre
singularity e uniqueness, preferi traduzir por unicidade.
7 Como exemplo de que a “vida mental” é produzida ad hoc, conferir Edwards e
Potter (1992) e Edwards et al. (1992) para uma discussão de que nossas
memórias, consideradas comumente como sendo uma entidade mental privada,
são construídas retoricamente, como parte de argumentos voltados a objetivos
específicos.
8 A expressão “jogos de linguagem”, cunhada por Wittgenstein, salienta que a
Persona e Personagem
Este ensaio pretende, a partir do entendimento da origem das palavras persona e
personagem, e do uso e sentido desses termos na arte cênica (teatral), contribuir
para o entendimento da ideia de pessoa. O significado da palavra persona, da
qual mais tarde derivará, em português a palavra pessoa, já é conhecido:
Lat. Personam. A língua arcaica comprova com a sua forma persoa, tendo-
se dado depois a assimilação de RS=SS. A princípio em Roma, persona era
a máscara que os atores usavam nas cenas, justamente para tomar a
individualidade da figura que encarnavam ou representavam. Por isto, ainda
dizemos as personagens e também os personagens da peça, do drama, da
comédia. Ensinam Battisti e Alessio que persona provém do etrusco
phersu, máscara, correspondendo ao Gr. Prósopon, rosto, face, feição.
No teatro grego, a persona é a máscara, o papel assumido pelo ator, ela não
se refere à personagem esboçada pelo autor dramático. O ator está
nitidamente separado de sua personagem,é apenas seu executante e não sua
encarnação a ponto de dissociar, em sua atuação, gesto e voz. Toda a
sequência da evolução do teatro ocidental será marcada pela completa
inversão dessa perspectiva: a personagem vai-se identificar cada vez mais
com o ator que a encarna e transmudar-se em entidade psicológica e moral
semelhante aos outros homens, entidade essa encarregada de produzir no
espectador um efeito de identificação.
Essa passagem deixa mais clara a dimensão ativa da personagem: ela é ação,
ação vista e reconhecida pelo outro (neste caso, o espectador, aquele que vê,
confirma e reconhece a personagem). A arte dramática refere-se à ação. A
própria palavra drama, que gera a arte dramática (ainda que hoje traga a ideia de
sofrimento e dor) originalmente significava ação, ação culminante (cf. Silveira
Bueno: drama – Gr. Atos, ação): se a personagem só existe na ação e a ação
ocorre em um tempo e um espaço, (como afirma Aristóteles) podemos afirmar
que toda personagem é contextualizada; isto é, para se entender, e
consequentemente, criar uma personagem, é necessário determinar que ação ela
realiza e em que tempo/espaço (contexto) essa ação ocorre.
Diante de tais considerações, na análise de uma ação, de um ato, seja teatral, seja
cotidiano, observa-se que:
2) Toda ação tem uma logicidade que lhe é própria, tem uma estrutura: é
compreensível, é possível perceber e lhe atribuir sentido, finalidade ou
direção. (toda ação é comunicativa);
4) Toda ação, para efeito de análise, pode ser dividida em uma dimensão
‘interna’, que se refere aos aspectos psicológicos, mentais, simbólicos, e
uma dimensão externa, relativa aos gestos, sons e movimentos observáveis;
A leitura das obras de Stanislavsky, já a partir de seus títulos, também irá nos
informar sobre a questão da “construção da personagem”, da “criação de um
papel” além de indicar quais recursos comporão a “preparação do ator” para que
possa dar conta dessa criação e dessa construção. Basta correr alguns itens dos
índices: o estudo das circunstâncias externas; dar vida às circunstâncias externas;
avaliação dos fatos; impulsos interiores e ação interior; o período da encarnação
física; caracterização física; vestir a personagem; tornar expressivo o corpo;
imaginação; concentração da atenção; unidade e objetivos; memória das
emoções; adaptação; forças motivas internas; a linha contínua [da ação]; o
estado interior de criação; no limiar do subconsciente
Mead (1973) mostra que é o jogo a atividade mestra para a formação da pessoa,
pois nessa atividade, o indivíduo exerce a possibilidade de se colocar no lugar do
outro, a “adoção do papel do outro” (p.183); possibilidade essa advinda do
regramento que caracteriza o jogo, onde cada um dos atos do indivíduo “é
determinado por sua expectativa das ações dos outros que estão jogando”
(p.184), e estes fatos configuram a formação da pessoa, por meio da constituição
de “um outro generalizado” que permitirá a interação entre pessoas.
Além disso, da mesma forma que adota as atitudes dos outros indivíduos
para com ele e deles entre si, tem que adotar suas atitudes para as distintas
fases ou aspectos da atividade social comum ou série de empreendimentos
sociais nos quais, como membros de uma sociedade organizada ou grupo
social, estão todos envolvidos (...) (p.184-5, tradução do autor).
O jogo, por sua natureza, permitirá a evidenciação de dois momentos no
desenvolvimento da pessoa. Na primeira etapa, a pessoa individual está
constituída simplesmente por uma organização das atitudes particulares de
outros para com o “indivíduo” e das atitudes recíprocas nos atos específicos em
que participam. Em um segundo momento, além das atitudes desses indivíduos
particulares, a pessoa está composta “também por uma organização das atitudes
sociais do outro generalizado, ou grupo social como um todo” (p.187).
mesmo sem suas formas mais simples, ao nível animal, o jogo é mais do
que um fenômeno fisiológico ou um reflexo psicológico. Ultrapassa os
limites da atividade puramente física ou biológica. É uma função
significante, isto é, encerra um determinado sentido. No jogo existe alguma
coisa “em jogo” que transcende as necessidades imediatas da vida e confere
sentido à ação. Todo jogo significa alguma coisa. Não se explica nada
chamando “instinto” ao princípio ativo que constitui a essência do jogo;
chamar-lhe “espírito” ou “vontade” seria dizer demasiado. Seja qual for a
maneira como o considerem, o simples fato de o jogo encerrar um sentido
implica a presença de um elemento não material em sua própria
essência”(p.3-4)
Circunscrevendo sua proposta, esse autor toma o jogo como “forma específica
de atividade”, como “forma significante”, como “função social”. Sintetiza sua
definição:
definir jogo como uma ação livre, sentida como fictícia e situada fora da
vida comum, capaz, não obstante, de absorver totalmente o jogador; uma
ação despida de qualquer interesse material e de qualquer utilidade; que se
realiza em um tempo e um espaço expressamente circunscritos, desenrola-
se ordenadamente de acordo com determinadas regras e provoca, na vida,
relações de grupos que se cercam voluntariamente de mistério ou que
acentuam pelo disfarce sua estranheza diante do mundo habitual (p.16).
Reina dentro do domínio do jogo uma ordem específica e absoluta. [...] Ele
cria e é ordem. Introduz na confusão da vida na imperfeição do mundo uma
perfeição temporária e limitada, exige uma ordem suprema e absoluta: a
menor desobediência esta ‘estraga o jogo’, privando-o de seu caráter
próprio e de todo e qualquer valor. [...] Todo jogo tem suas regras. São elas
que determinam aquilo que ‘vale’ dentro do mundo temporário por ele
circunscrito. As regras de todos os jogos são absolutas e não permitem
discussão (p.13-4).
A terceira perspectiva a ser considerada é aquela trazida pela arte teatral. Das
várias aplicações e acepções do termo no contexto das artes cênicas, merece
destaque uma apresentada por Pavis (p.219):
O jogo de teatro (este era antigamente o nome para o jogo de cena, aquilo
que o ator faz em cena, fora do seu discurso) é a parte visível e
propriamente cênica da representação. Ela obriga o espectador a receber o
conjunto de acontecimentos na força de sua enunciação. Mesmo a leitura do
texto dramático exige visualizar o jogo dos atores.
Tomado em seu sentido mais amplo, o jogo irá compor o próprio cerne da
representação teatral: o próprio atuar é um jogar, é seguir convenções de alguma
forma compartilhadas entre os atores e entre os atores e seus espectadores, e
evidenciar um sentido que organiza a ação entre os atores e essa organização
também captada pela plateia que participa da teatralidade. Pavis esclarece:
Para captar o jogo do ator, é preciso, na verdade, como leitor, mas também
como espectador, relacionar a enunciação global (o gestual, a mímica, a
entonação, as qualidades da voz, o ritmo do discurso) com o texto proferido
ou a situação armada. O jogo se decompõe então em uma sequencia de
signos e unidades que garantem a coerência e a interpretação do texto
(p.220).
Para completar esta reflexão acerca da pessoa, jogo e teatro, resta trazer à tona a
acepção etimológica original do termo “protagonista”, que, segundo Silveira
Bueno, significa “personagem principal de um drama, comédia; personagem
principal, mais importante de uma tragédia, de um caso policial”. Do grego
protagonistès, protos, primeiro e agonistès, combatente, lutador. A ideia de
“luta/oposição” já estava presente no conceito de conflito, apresentado na
primeira parte deste ensaio: não importa que com um simples espaço a ser
percorrido, a personagem age sobre esse espaço, vencendo-o. Na relação entre
personagem e pessoa, fica agora acrescida a dimensão do protagonista: a relação
entre pessoa, personagem/protagonista, aquele que luta com sua realidade.
Referências bibliográficas
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IV.
Ewen, F. (1991) Bertold Brecht: sua vida, sua arte, seu tempo. São Paulo: Globo.
Ryngaert, J.-P. (1995) Introdução à análise do teatro. São Paulo: Martins Fontes.
Foucault (2004) se insere na tradição crítica kantiana a partir da qual realiza uma
história crítica do pensamento. Mas, ao se interrogar sobre os modos de
subjetivação do sujeito, não o faz por meio das condições formais nem tampouco
destaca as condições empíricas que, num determinado momento da história,
permitiram ao sujeito tomar ciência de um objeto já dado na realidade. Foucault
analisa a constituição do sujeito a partir de certo tipo de conhecimento, ou seja,
dos seus modos de subjetivação em um determinado tempo e lugar.
Rose (2001a), partindo das noções foucaultianas, traz a ideia de pessoa como
artefato histórico e cultural. Para este autor, falar do ser humano inserido na
história não é fazer uma “história da pessoa”, mas “compreender as técnicas
intelectuais e as práticas que têm constituído os instrumentos por meio dos quais
o ser humano tem, historicamente, constituído a si próprio” (Rose, 2001a, p.35).
Daí Fonseca (2007) nos alertar para a necessidade de distinguir essas duas
expressões utilizadas por Foucault no conjunto de sua obra e que, por vezes,
surgem como semelhantes, ora demarcam a diversidade ou, ainda, sugerem uma
sobreposição. Para Foucault, os modos de subjetivação podem adquirir dois
sentidos: primeiro, os modos de subjetivação constituem como modos de
objetivação do sujeito, ou seja, “modos em que o sujeito aparece como objeto de
uma determinada relação de conhecimento e poder” (Castro, 2009, p.408). E,
num outro sentido, o autor define-os a partir da relação do sujeito consigo
mesmo ou das atividades que incidem sobre si mesmo (Castro, 2009).
Foucault (2004) não realiza uma arqueologia do saber sobre qualquer tipo de
verdade, mas somente a partir daqueles em que o próprio sujeito é colocado
como objeto de saber possível, tentando extrair os processos de objetivação e
subjetivação que fazem dele, objeto de conhecimento.
Gros (2008) afirma que o sujeito, nesse momento para Foucault, deve ser
“compreendido como transformável, modificável: é um sujeito que se constrói,
que se dá regras de existência e conduta, que se forma através dos exercícios, das
práticas, das técnicas, etc.” (2008, p.128). Mais do que entender o si das práticas
do sujeito, Foucault assinala a necessidade de compreender a “relação consigo”.
Para ele, a subjetividade não constitui uma substância ou uma determinação
transcendental, mas uma questão prática, na qual o sujeito se relaciona consigo
próprio para se construir, se elaborar como sujeito de si (Gros, 2008). Foucault
marca uma clara distinção na constituição do sujeito moderno nesse momento,
pois, no projeto anterior, sua preocupação se dirigia aos modos de subjetivação
que estavam atrelados aos regimes de verdade, saber e poder.
Para Nardi e Silva (2009), o conceito de estética em Foucault não está atrelado
ao culto à beleza ou ao gozo pela vida, mas à capacidade do homem em deixar-
se afetar sensivelmente pelo outro e pelo mundo. Este é o elemento que compõe
as práticas de estetização como um modo de reflexão da liberdade. Para estes
autores, o desenvolvimento de uma estética da existência foucaultiana consiste
na possibilidade de as pessoas poderem gozar livremente de suas liberdades,
atualizando os processos de subjetivação ao construir a própria experiência.
Considerações finais
Que sujeitos jovens se constituem na contemporaneidade que não aqueles
ditados pelos manuais de Psicologia como naturalizados, essencializados,
normalizados e disciplinados? Como a juventude, particularmente aquela que
habita espaços de vulnerabilidade e violências, deve ser pensada?
A resposta para tais indagações poderia ser efetuada pela via da resistência ao
produzir “modos éticos e criativos de estar no mundo” como afirmam
Nascimento e Coimbra (2010, p.47).
São dos encontros da “galera” e das irrupções das expressões culturais juvenis
que é preciso pensar alternativas de resistência, modos de se criar e se
(re)inventar, quais sejam, romper com o que já existe, afirmar outras lógicas,
produzir novas realidades.
Referências bibliográficas
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Jullyane Brasilino 1
A Lei 11.340/06, em especial, foi implantada para criar “mecanismos para coibir
a violência doméstica e familiar contra a mulher”, com destaque para “a criação
dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher”. A partir de
propostas de prevenção (para a sociedade), assistência (para mulheres) e
responsabilização (para os homens), esta lei propiciou a reconfiguração da
violência, antes circunscrita e legislada dentro de casa ou a partir de dispositivos
jurídicos que a inscreviam entre aquelas de menor potencial ofensivo (Medrado
& Méllo, 2008).
O governo da vida exercido pela Lei estabelece novos regimes de verdade sobre
a violência conjugal, talvez a forma de violência mais afetada pelo processo de
legitimação pública dessa lei, visto que regula relações consideradas de âmbito
privado. A judicialização pode ser entendida como uma forma de interpretar a
violência conjugal a partir de uma leitura estigmatizante. A consideração da
polaridade vítima/agressor e/ou vítima/réu, denunciado, acusado, seria uma
forma de enxergar a violência conjugal que impõe uma série de limites à sua
compreensão e às suas possibilidades de intervenção.
Para demarcar qual a noção de pessoa que atravessa nosso objeto de estudo nos
baseamos em Rose (2001a). Partindo da proposta de fazer uma história do eu, o
autor afirma que tal propósito é uma genealogia da relação do ser consigo
mesmo, além das possibilidades que tal relação tem assumido. Nesse sentido, o
foco não é na história das pessoas e sim nas relações que ele chama de
“genealogia das relações” que o ser humano tem estabelecido consigo, com seus
eus.4 Essa forma de nos relacionarmos com nós mesmos está para além das
mudanças históricas e culturais nas quais estamos imersos. Devem ser tratadas
da perspectiva do governo que molda a forma como compreendemos e vivemos
nossas existências como seres humanos “[...] em nome de certos objetivos –
masculinidade, feminilidade, honra, reserva, boa conduta, civilidade, disciplina
[...]” (p.36). O que ele chama de subjetivação é o que nos acompanha ao longo
de nossas vidas, um processo interminável.
Com tais provocações não pretendemos apontar conclusões, nem tão pouco
saídas para o problema da judicialização das relações conjugais violentas.
Contudo, enfatizamos que apenas judicializar não dá conta desse problema que
requer outras estratégias de enfrentamento. Desejamos a continuidade nos
debates e reflexões para que possamos promover transformações. Que novas
dobras sejam possíveis.
Referências bibliográficas
Butler, J. (2008). Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade.
São Paulo: Civilização Brasileira, 2.ed.
O outro em mim
O encontro com a teoria freudiana é o ponto de partida para a construção
lacaniana sobre o imaginário. Após quatro anos desta aproximação inicial com a
teoria psicanalítica – que ocorre no momento da construção de sua tese em
psiquiatria intitulada Da psicose paranoica em suas relações com a
personalidade (1932), – sabe-se que Lacan discursa sobre o “estádio do
espelho”, no XIV Congresso Psicanalítico Internacional em Marienbad em 1936,
na antiga Tchecoslováquia, mas não há um texto transcrito deste momento. Esta
elaboração é, reconhecidamente, a mais notável de Lacan sobre o conceito de
imaginário.
A criança irá se identificar com este objeto fixo que se mostra com uma
aparência unificada, mais semelhante à ideia que tem de seus pais ou de seus
cuidadores, que lhe parecem muito mais capazes, poderosos e coordenados que
ela. É também neste momento que a fala do Outro parental como “boa menina”,
“menino de ouro”, “filha má” é internalizada. A imagem que reflete no espelho
acompanhada do discurso do Outro e que, portanto, é estruturada
linguisticamente, compõem o que a criança percebe como seu eu (self). O eu
será preenchido por imagens ideais e, certamente, terá outras imagens agregadas
ao longo da vida (Fink, 1998):
Žižek (2006) coloca que é como se tratasse de um rolo de filme preso. A imagem
especular congela o movimento, somente dando visibilidade à imobilidade.
Logo, esse olhar imaginarizado só permite ver os objetos de forma petrificada. O
olhar não só mortifica os objetos como constitui um ponto congelado de não
movimento.
E é a partir dessa sua construção que se pode dizer que Lacan está afirmando que
o significante é material, mas não uma substância. Uma combinatória entre
significantes arranja o que em Psicanálise se conhece por cadeia significante,
isto é, da articulação de S¹ – S² – S³ – Sn... emerge esta cadeia:
A situação do sujeito é caracterizada pelo lugar que ele (sujeito) ocupa no mundo
simbólico, na sua fantasia do desejo do Outro. É desse lugar no simbólico que
dependem a relação do imaginário e do real e, consequentemente, a própria
constituição de mundo do sujeito. Lacan diz que “o homem passa pela
experiência de que se vê, se reflete e se concebe como outro que não ele mesmo
– dimensão essencial do humano, que estrutura toda a sua vida de fantasia”
(Lacan, 1953-1954, p.96).
Quinet nos ajuda a compreender este ponto ao dizer que o espelho tem a função
de um anteparo ao inconsciente, uma barreira que “o imaginário do olho da
consciência é uma cortina à determinação simbólica” (Quinet, 2004, p.130).
Portanto, o sujeito não é senhor em sua própria morada, como nos advertiu
Freud. O sujeito está sempre referenciado ao Outro, à deliberação simbólica que
o constitui, à imaginarização que o permite enxergar o mundo e ao real, do qual
só é possível sentir seus efeitos:
Žižek (2007) utiliza-se de uma piada para explicar esse funcionamento que
tentamos elucidar. A piada é de um louco que acredita ser um grão de milho. Ele
fica um longo tempo em tratamento e um dia recebe alta por estar totalmente
curado. A família comemora a sua recuperação. Um dia, o então “ex-louco”
encontra-se com uma galinha e corre para se esconder debaixo da cama. A mãe,
assustada, pergunta por que ele se escondeu se já não é mais um grão de milho e
então, ele responde “eu sei, mãe, mas será que a galinha sabe?”. Para Lacan
(1958) tanto na psicose como na neurose a condição do sujeito depende da
relação que estabelece com o Outro (A). Assim, surge a questão “O que sou eu
aí?”, onde o sujeito encontra-se no lugar de sua inefável e estúpida existência,
tendo como objeto os outros (objetos ou ele mesmo) e o Outro como lugar onde
se pode colocar a questão de sua existência. “O que a galinha quer de mim?”, é a
pergunta que o louco se faz.
Que o sujeito sobre o qual opera seja o sujeito da ciência, segundo uma
fórmula em vias de tornar-se um refrão, não quer dizer nada além de que a
invenção da psicanálise, bem como seu exercício e sua transmissão, são
determinadas pelas condições do discurso (Askofaré, 2009, p.174).
Além disso, sem o aparato do campo social o sujeito não sobrevive, pois, como
se sabe, ele precisa do cuidado do próximo. Esta condição de necessidade do
outro para a vida é o que Freud denomina de “desamparo fundamental”. A
qualidade de desamparado que necessita dos cuidados de um estranho é também
o que faz emergir o Outro, que significa não só o cuidador, pessoa física, como
também a própria ordem social que é introduzida através deste que tenta
amparar. O Outro que cuida é um ser de linguagem, que irá atender ás
necessidade específica de fome, por exemplo, mas que também trará o
significante, a palavra.
Elisabeth chega a Freud diagnosticada como histérica, o que foi confirmado por
ele e que acrescentou tratar-se de histeria de conversão. A paciente tinha 24 anos
e apresentava, há mais de dois anos, dores nas pernas e dificuldades para andar.
Na sua história de vida havia o cuidado com outras pessoas: seu pai havia ficado
doente por 18 meses até a morte, sua mãe apresentava sérios problemas na vista
e uma irmã mais velha havia morrido em decorrência de um problema cardíaco.
Elisabeth era a caçula de três irmãs e possuía um laço terno estreito com os pais,
especialmente com o pai, que costumava dizer que a filha ocupava lugar de filho
e amigo. Isto a afetava, pois se mostrava descontente por ser mulher e tinha
fantasias absolutamente ambiciosas para a época. Ela queria estudar e não se
sentia inclinada em ocupar o lugar de esposa em um casamento. Foi durante este
período da doença, que levou seu pai, que Elisabeth diz ter sentindo, pela
primeira vez, as dores descritas, tendo ficado um dia e meio de cama por isso.
Entretanto, só dois anos depois do pai ter falecido que, de fato, ficou sem andar
por causa das dores, principalmente no pé.
Posteriormente à morte do pai, ocorreram os casamentos de suas irmãs mais
velhas. A primeira casou-se com um homem que parecia poder lhe oferecer uma
boa vida, e o casal se mudou da cidade, fato que acarretou em um sentimento de
desamparo em Elisabeth, especialmente porque se deparou com a
impossibilidade de concretizar seu ideal de ter uma família feliz, mesmo com a
falta do pai. A segunda irmã também se casou, e ainda que com uma pessoa
menos inteligente, possuía um comportamento em relação às outras pessoas que
agradava muito à Elisabeth e sua família. Isto inclusive fez com que o casamento
fosse visto com outros olhos pela paciente.
Toda a família de Elisabeth se reuniu em uma estação de veraneio para que ela
descansasse dos exaustivos cuidados aos outros. Foi então que seus sintomas se
instauram. Tempos depois, sua irmã – casada com o cunhado “dos olhos” de
Elisabeth – que estava grávida, morre. Freud ouve Elisabeth por um tempo,
sempre atento às causas de seu sintoma e insistindo para que ela lhe dissesse
tudo o que lhe passasse pelos pensamentos, sem se censurar. A partir desta
técnica, da associação livre, chega ao esclarecimento do que provocara as dores
em Elisabeth. O passeio à estação de veraneio é realmente o ponto central, pois
ali, fica evidente, para Elisabeth, seu carinho e afeto pelo cunhado. Na ocasião
da morte de sua irmã, no entanto, o pensamento de que ele agora estava livre e
poderia se casar com ela, também lhe fora insuportável.
Assim, Freud considera que as dores de Elisabeth não tinham uma só origem.
Elas decorriam de uma sucessão de eventos traumáticos, que se reuniam neste
sintoma. A morte do pai lhe causara as dores que a estavam concentradas
exatamente no lugar onde o pé de seu pai tocava suas coxas enquanto lhe
cuidava. E, não conseguir ficar de pé (to stand), associava-se ao seu sentimento
de desamparo, receio de “ficar só”, especialmente relacionado ao fato de não
conseguir estabelecer uma nova vida à sua família, não conseguindo mesmo “dar
um único passo à frente”. Em inglês, como apontado na nota de roda pé deste
texto de Freud, o verbo to stand tem sua tradução como “erguer-se sozinha” ou
“ficar de pé sozinha”. Freud associa a dor física à palavra falada, isto é, ao
significante:
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______. (2007). El acoso de las fantasías. Buenos Aires: Siglo XXI Editores.
Introdução
Produzir um texto de caráter teórico-científico requer, de quem o escreve, uma
série de cuidados e algumas considerações. René Lourau (2004), um dos
construtores do campo conhecido como Análise Institucional, ao propor o
conceito de implicação, denunciou a falsa ideia da pretensa neutralidade
científica ao indicar que o observador, desde a eleição de objetos, encontra-se
implicado com o âmbito a ser observado; apontava que os processos de análise
provocam transformações nos espaços institucionais de investigação e/ou de
intervenção.
Antes das cenas e seus ecos, faz-se necessário demarcar o plano da Reforma
Psiquiátrica e seu impacto no contexto nacional.
Em outra produção textual, Amarante (2008) aponta que tal processo social
complexo inclui quatro dimensões: teórico-conceitual, técnico-assistencial,
jurídico-política e sociocultural. Segundo o autor, a partir da primeira dimensão,
deve-se operar um rompimento conceitual com a construção tradicional da
Psiquiatria, ancorada no positivismo, acerca da ideia de doença mental que
acaba produzindo um afastamento do sujeito que por ela é acometido,
encobrindo o sujeito, sua existência e suas múltiplas dimensões da vida; deste
modo, na dimensão técnico-assistencial, deve-se articular a integralidade do
sujeito, levando-se em consideração sua singularidade, seus contatos afetivos e
redes de solidariedade, seus problemas cotidianos, seus referentes socioculturais,
sua ligação com o seu território de inserção, seus desejos e projetos de vida.
Nessa direção, a Reforma acaba se estabelecendo como um movimento político
que visa transformações importantes em nossa sociedade, posicionando-se para
além de mudanças técnicas, enfrentando a cultura manicomial e a intolerância ao
diferente.
Cenas e inquietações
CENA 01
Uma das instituições em que trabalhamos foi convidada, por uma prefeitura de
um município da Grande Teresina, para a realização de estágios em serviços de
saúde e assistência social de sua rede. O CAPS era uma desses serviços e, em
conjunto com outros professores, comporíamos um grupo de supervisores de
estágios que lá aconteceriam.
Ficamos nos perguntando se, num dia como aquele, não poderiam estar
ocorrendo oficinas das mais diversas ordens, grupos terapêuticos, assembleias,
etc. Mais tarde, quando a Coordenadora chegou, como a adivinhar nosso
questionamento, foi adiantando que o CAPS estava vazio daquele modo porque
não era o dia de atendimento psiquiátrico: “Aqui, meu filho, só tem gente
quando o médico está por aqui”. Fala que nos deu um pequeno indicativo das
relações de saber-poder lá travadas.
CENA 02
CENA 03
CENA 04
A última cena indica imposições e tutelas nas relações para com os usuários.
Apontam para um processo de docilização dos sujeitos, que devem se submeter a
tudo que a equipe de trabalho prescreve. Outro vetor importante é a
medicalização das práticas em saúde mental, delineando mais uma vez as
relações de saber-poder presentes no cotidiano desses serviços, uma centralidade
no papel da medicina psiquiátrica e em sua tecnologia, o que acaba por reduzir a
importância dos outros campos de produção de conhecimento e suprimir as
vozes, saberes e modos de levar a vida construídos pelos próprios usuários e por
suas comunidades.
Yasui (ibid.) ainda ressalta que o cuidado está para além do âmbito da saúde,
configurando-se como uma atividade central na vida humana, sendo o encontro o
lócus privilegiado de sua efetivação. O espaço das relações entre os sujeitos é
onde se dá a produção do cuidado, onde surgem reflexões éticas em função da
vinculação que estabelecemos com os outros. Desse modo, “o cuidado é uma
condição que possibilita, produz, mantém, preserva a vida humana, que é frágil e
fugaz” (Yasui, 2007, p.161).
Nas práticas em saúde mental, o cuidado não deve ser concebido apenas como
uma reprodução ou mera execução de técnicas para tratar uma problemática que
se encontra no sujeito. Cuidar nos remete a relações com os outros, que
envolvem comprometimento e implicação nos espaços de encontro.
Desse modo, nos âmbitos de assistência à saúde, torna-se tarefa vital do cuidado
o movimento de consideração e construção de projetos de vida num palco onde o
sujeito que cuidamos não seja compreendido como unidade estanque e
permanente; tal encontro já revela o desejo de mudança em busca de
transformações de quadros. Assim, a tarefa de cuidar se afasta das proposições
de cura, tratamento e controle, o que proporciona uma abertura para a invenção
da saúde e da vida (Ayres, 2009).
Em outra produção textual, Ayres (2005) aponta que o cuidado se aporta numa
relação de encontro que deve ser pautada pelos seguintes aspectos: movimento;
interação; identidade e alteridade; plasticidade; projeto; desejo; temporalidade;
não causalidade; responsabilidade. Tais aspectos indicam outra frequência de
cuidado, para além da reprodução tecnocientífica, delineando o fomento de
relações baseadas na ética, na inventividade, na horizontalidade e na implicação
afetiva em relação a quem se cuida.
Cuidado e pluralidade
Ballarin, Carvalho e Ferigato (2009), em um trabalho de resgate de produções
brasileiras sobre o cuidado em saúde mental, distinguiram três eixos temáticos
de sentidos para o cuidar, estando os mesmos entrelaçados, a saber: perspectiva
ética e filosófica; a dimensão técnica e instrumental do cuidar em saúde mental;
a dimensão política do cuidado.
A Filosofia era concebida, para os antigos, mais como uma arte de viver do que
como um processo de conhecimento, o que delineia uma relação diferente entre
o sujeito e a verdade. Uma série de práticas de si para si, o que Foucault chama
de exercícios espirituais, é agenciada para que o sujeito possa se autoconstituir e
se autogovernar. “A filosofia era então uma preparação para a vida, um modo
refletido de exercer a liberdade, ou seja, uma ética” (2011, p.15). A liberdade
estava relacionada com o cuidado de si, com o domínio de si, a partir de
exercícios para com os apetites, excitações e exaltações que poderiam aprisionar
o sujeito.
Muitas das poesias, a maioria de autoria dos usuários, foram compiladas para a
publicação de um livro intitulado Recados da Alma (o qual acompanhamos o
lançamento). O evento aconteceu em um grande teatro de Teresina-PI e foi
marcado pela declamação das poesias por seus próprios autores bem como pelas
falas que desenhavam os efeitos de todo o trabalho, que indicavam como o
exercício da escrita pôde suscitar questões acerca de suas existências e
reverberações em relação às suas próprias condições. Longe de ser pensado
como um modelo ou como uma técnica a ser reproduzida, o trabalho relatado na
cena em questão pode indicar caminhos para a invenção de cotidianos de
serviços; refletir acerca de como práticas dessa ordem podem ajudar na
potencialização de espaços de criação da vida e, talvez, aproximar-se da questão
de Foucault (1995) em relação ao sujeito: “(...) não poderia a vida de todos se
transformar numa obra de arte? Por que deveria uma lâmpada ou uma casa ser
um objeto de arte, e não a nossa vida?” (p.261).
Referências bibliográficas
Amarante, P. (Coord.). (2003). Saúde mental: políticas e instituições. Rio de
Janeiro: Fiotec/Fiocruz, EAD/Fiocruz.
_____. (2008). Saúde Mental e Atenção Psicossocial. 2ª ed. Rio de Janeiro:
Editora Fiocruz.
______. (2004). In: Ditos e Escritos V: Ética, Sexualidade, Política (p. 234239).
Rio de Janeiro: Forense Universitária.
______. (2009b). História da Sexualidade III: O Cuidado de Si. 10ª reimp. São
Paulo: Graal.
______. (2010). A Hermenêutica do Sujeito. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes.
que a teoria esteja ancorada na realidade como parte dela, e, justamente por
isso, seja capaz de mostrar quais são os elementos não desenvolvidos do
real que permitem perceber o horizonte de sua superação através da crítica
(Souza, 2009).
Por esta razão, Honneth (2003) parte de elementos teóricos não desenvolvidos
por seus antecessores, para formular uma tentativa de atualização das ideias
propostas pelos mesmos, buscando renovar as potencialidades da teoria crítica, a
partir de uma tese que contempla a leitura dos conflitos sociais, feita através de
uma clave comunicativa.6
Esta teorização está ancorada na forma como o autor compreende a sociedade:
como um processo intersubjetivo de luta por reconhecimento, que apresenta
como núcleo estrutural as intermináveis disputas por aceitação de diferentes
pretensões identitárias. Estas envolvem tanto características individuais,
contextualmente específicas, quanto o respeito solidário, institucionalizado
através das normas do direito positivo. Um processo de lutas que pode resultar
tanto na reelaboração de significados e práticas identitárias (individuais e/ou
coletivas), quanto na reestruturação moral das sociedades. “Desse modo,
Honneth preferirá partir dos conflitos e de suas configurações sociais e
institucionais para, a partir daí, buscar suas lógicas” (Nobre apud Honneth,
2003, p.16). Vejamos como esta elaboração teórica é conduzida em sua tese a
partir da etapa de apropriação da leitura da Psicologia Social de Mead.
Se para Mead (1973) o Mim representa a imagem que o outro tem do indivíduo,
(necessária para a apreensão da própria identidade) este último só se torna capaz
de desenvolver o Eu a partir do julgamento sobre questões práticas, estabelecido
na perspectiva do Mim. Isto significa que o Eu só existe a partir do Mim.
Ainda segundo Mead (1973), existe uma tensão permanente entre o Eu e o Mim,
uma vez que o Eu representa a dimensão da reação prática espontânea e
inovadora, que ocorre em contraponto ao conteúdo normativo incorporado pelo
Mim:
Referências bibliográficas
Farr, R. M. (2008). George Herbert Mead: filósofo e psicólogo social. In: As
raízes da Psicologia Social Moderna (pp.79-112). Petrópolis: Vozes.
como constituída num único nível da sociedade. “Torna-se cada vez mais
impossível identificar o grupo, concebido como referente, como um sistema
ordenado e coerente de posições de sujeitos” (p. 41), de forma que as categorias
tradicionais – por exemplo, as de classe – são insuficientes para a realização de
uma leitura da identidade global dos sujeitos. A posição dos indivíduos no
sistema produtivo, por exemplo, não mais determina sua localização nos demais
sistemas (político e social).
3 De acordo com Mattos (2006, p. 15-16), “os principais autores que procuram
Heli de Andrade
Como objetivo desse texto, gostaria de analisar como a Psicologia Social poderia
nos ajudar a entender melhor o processo de formação da pessoa dentro do
mundo corporativo.
Assim como a sociedade evolui, essa cultura organizacional também vive o seu
processo de evolução, mas em um ritmo mais acelerado, sejam por inovações
administrativas que são impostas pelos controladores ou mesmo pelo mercado,
ou por fatos do mundo corporativo como fusões, aquisições, entrada em novos
mercados ou internacionalização.
Essa caracterização tem como princípio uma visão essencialista, pois considera
que a pessoa é essencialmente boa e pura, mas que essa bondade e essa pureza
vão se perdendo na medida em que essa pessoa vai sendo transformada ao longo
da sua vida, dentro dos contextos dos quais participa, sendo o ambiente do
trabalho um desses contextos, cuja importância pode variar de pessoa para
pessoa, mas sem dúvida, trata-se de um dos contextos mais importantes da vida
de uma pessoa nos tempos atuais.
Assim, esse conceito tem servido de base para muitos treinamentos corporativos
que visam à formação de lideranças internas, possibilitando à pessoa que
desenvolve sua “Inteligência Emocional” a capacidade de se adaptar e de lidar
de maneira mais saudável com as demandas da vida do trabalho dentro de uma
organização. Portanto, na sequência da linha de argumento, busquei organizar e
mostrar algumas contribuições advindas da Psicologia Social que nos permitirão
compreender e definir melhor essa pessoa corporativa. Nesse estudo, selecionei
três autores que nos ajudarão nessa busca, a saber: George H. Mead, Michael
Foucault e Nikolas Rose.
Eis que nos deparamos então com uma das principais incongruências do mundo
corporativo. Pois os líderes que são vistos e identificados como vencedores em
suas respectivas carreiras corporativas são copiados pelos mais novos que
aspiram ao mesmo sucesso. Entretanto, esses líderes foram reconhecidos e
subiram na hierarquia corporativa principalmente pelos resultados que
apresentaram em suas atividades e seus comportamentos e atitudes não
necessariamente representam a cultura organizacional que a corporação está
pregando naquele dado momento. Mas, dado o respaldo e o poder que têm na
organização, não se sentem tão impelidos a readequarem seus comportamentos e
atitudes às exigências da nova cultura. Nesse meio ficam os novos líderes ou
aspirantes a líderes, sendo treinados e avaliados sob as diretrizes dessa nova
cultura, e no dia-a-dia, não observam em seus respectivos chefes o exemplo
esperado e, muitas vezes, encontram comportamentos e atitudes contraditórias e
até mesmo opostos ao que é recomendado pelas atuais diretrizes corporativas.
[...] isso “diagrama” um ser que, do interior dos discursos que o rodeiam e
das práticas pelas quais ele é agenciado/montado, é capacitado a saber, ou
obrigado a saber, aquilo que está em sua positividade – um ser que pensa a
si mesmo tanto como livre quanto como determinado pelas positividades
essenciais a si mesmo, que delimita a possibilidade de suas práticas de
liberdade no mesmo momento em que concede a essas positividades o
status de verdade (Rose, 2001, p.197).
[...] técnicas do eu: as formas pelas quais nós somos capacitados, através
das linguagens, dos critérios e técnicas que nos são oferecidos, para agir
sobre nossos corpos, almas, pensamentos e conduta a fim de obter
felicidade, sabedoria, riqueza e realização. Através da autoinspeção, da
autoproblematização, do automonitoramento e da confissão, avaliamos a
nós mesmos de acordo com critérios que nos são fornecidos por outros
(p.43).
Sem dúvida, no mundo corporativo somos guiados por essas técnicas, mas há
toda uma construção de um contexto que procura nos fazer acreditar que estamos
sendo os guias de nossas carreiras, fingem que valorizam nossa singularidade,
nos fazem donos do processo de criação de novas técnicas de subjetivação e
quando nos damos conta, se é que um dia nos damos conta, o que entendemos
como nossas metas pessoais, nosso caminho para a felicidade, com certeza estará
profundamente imbricado com objetivos institucionais.
Considerações finais
Podemos concluir, sem sombra de dúvidas, que os olhares da Psicologia Social,
ao analisar o processo de constituição de uma pessoa, possibilitam uma
compreensão mais profunda do mundo particular da constituição e da vivência
da pessoa corporativa.
Nos três autores selecionados, Mead, Foucault e Rose, pode ser identificada uma
estrutura central no processo de formação da pessoa, o qual se concretiza a partir
das transformações pessoais resultantes da interação constante da pessoa com o
meio social em que está inserido.
Já Foucault e Rose trazem uma visão que complementa muito bem esse
entendimento do processo, pois esclarecem como a sociedade e suas
organizações públicas ou privadas, seu aparelhamento institucional; como tudo
isso é utilizado para desenvolver e programar ferramentas e tecnologias que
venham a exercer a influência, a força de transformação a qual as pessoas de
uma sociedade são subjetivadas. E como todo esse processo de subjetivação se
estabelece nas sociedades modernas de uma forma positiva, sutil, aceita sem
maiores resistências, como se tudo fosse um processo de evolução natural das
sociedades.
Por outro lado, como descrito por Rose (2001), as próprias aspirações e imagens
de sucesso felicidade dessas pessoas passam a ser constituídas por
caracterizações de sucessos advindos desse mundo corporativo onde ele está
mergulhado e assim passam a dirigir suas atitudes e comportamentos na direção
desejada pela corporação.
Mead, G. H. (1992) Part III: The Self. Capítulos: 18, 19, 20, 21, 22, 25, 29. In:
______. Mind, Self, & Society: from the standpoint of a social behaviorism.
USA: The University of Chicago Press.
Rose, N. (2001) Inventando nossos eus. In: Silva, T. T. D., (Org.). Nunca fomos
humanos: nos rastros dos sujeitos (pp.137-204). Belo Horizonte: Autêntica.
Mário Quintana em
Porta Giratória (2007, p.38).
A articulação teórica a ser feita no presente texto, terá como eixo Anorteador o
relato de um processo de coaching1 de uma cliente, cujo fragmento de história
de vida é relatado a seguir.
Seu relato é de que tem vivido a vida que foi definida por seus pais. Entre as
várias histórias que contou, destacam-se as seguintes: cursou engenharia por
escolha de seus pais, mas sua preferência seria por Psicologia. O seu primeiro
emprego, onde se mantém até hoje, foi conseguido há dezesseis anos por
solicitação de seu pai a um amigo que ali trabalhava. Há seis anos tornou-se
diretora da empresa, que é muito conservadora e com uma cultura que não lhe
agrada. Tem se saído muito bem na carreira profissional, em razão de sua
dedicação e comprometimento. A promoção ao cargo de diretora foi um
reconhecimento pelo seu desempenho. Entretanto, não fosse pelo receio de
causar um desgosto ao pai, já teria, desde longa data, procurado outra empresa,
aonde pudesse ter mais liberdade e ser mais criativa e feliz.
Mora sozinha em local próximo para ficar mais tempo no trabalho. Tem poucos
amigos, pois é difícil mantê-los devido a sua intensa agenda de compromissos.
Seus relacionamentos sentimentais foram raros. Há oito anos conheceu um rapaz
e apaixonou-se pela primeira vez. Sobre este acontecimento Cristina fez o
seguinte relato:
Não me lembro de nenhum outro momento em minha vida que tenha sido
mais feliz. Infelizmente o rapaz não pertencia a minha classe social, não
tinha curso universitário e trabalhava como balconista em um pequeno
comércio. Ao imaginar que meus pais poderiam não aprovar o
relacionamento, sentime obrigada a me afastar dele, antes mesmo de
apresentá-lo a eles. Depois disso como não apareceu nenhum rapaz com um
perfil aceitável, eu continuo sozinha.
Desde a sua primeira sessão com o coach, Cristina compreendeu que tem muito
pouco ou quase nenhum controle sobre sua própria vida. Tem aceitado viver o
que seus pais decidem ou como imagina que eles iriam decidir. Este
comportamento faz com que seus pais a vejam como a filha ideal. Eles têm lhe
elogiado muito ao longo dos anos.
Embora Cristina tenha abordado muitas vezes esse tema em sua terapia, não
conseguiu alterar essa situação. Como esta condição lhe traz muito sofrimento,
para conseguir algum alívio, justifica que as escolhas na sua vida não foram
suas, isentando-se totalmente da responsabilidade pelo que passa atualmente.
Nos últimos anos ela tem percebido que tudo se transforma à sua volta, que a
vida está em transformação. Lamenta que somente sua vida esteja estagnada e
sem qualquer alteração. Imagina estar vivendo mais do mesmo e sente que
continua sendo a mesma de sempre. Esta percepção agora a incomoda de tal
forma, que pretende buscar a transformação e mudar sua vida. Ainda não sabe
exatamente o que quer, ou aonde quer chegar, mas pelo que já ouviu falar,
participar de um processo de coaching pode ajudá-la a definir e realizar seus
objetivos.
Para buscar analisar este relato de Cristina vamos recorrer aos recursos da
Psicologia Social, recorrendo a dois de seus importantes pensadores: Antônio da
Costa Ciampa com sua teoria de identidade-metamorfose e a George Mead com
seu conceito de self. Acreditamos que se articularmos estas teorias, será possível
compreender o relato de Cristina e o desafio que ela terá pela frente para realizar
a transformação pretendida. Após explorar esta questão buscaremos
compreender como o coaching poderá ajudar Cristina em sua jornada.
A teoria de identidade de Ciampa (1993) considera que a identidade é
metamorfose humana, que se define pela “construção, reconstrução e
desconstrução constantes, no dia-a-dia das experiências vividas” (Kolyniak &
Ciampa, 1994, p.9). Entende que o processo de metamorfose se inicia no
nascimento e continua até além de sua morte, pois os personagens podem servir
de referência para a constituição da identidade de outros personagens.
Outra perspectiva nos traz Outeiral (2002) que vê a identidade como uma
“colcha de retalhos” (p. 59), que é composta desde criança por retalhos de
identificações, que ocorrem com os pais, outros parentes, amigos, vizinhos,
artistas, esportistas, ídolos, professores, colegas, chefes, subordinados e outros
membros da sociedade. Estas identificações se misturam e se fundem
continuamente, constituindo “uma identidade, um indivíduo, alguém único no
mundo, sem igual” (ibid., p.59). Essa identidade vai se transformando
(metamorfoseando) ao longo da vida, expressando-se “na capacidade de
construir novas identidades, integrando nelas as identidades superadas e
organizando a si mesmo e as próprias interações numa biografia inconfundível”
(Habermas, 1983, p.80).
Cristina tem vivido uma identidade pressuposta. Segundo Ciampa (1993) “ela
tem interiorizado e tornado seu aquilo que os outros lhe atribuem, predicando-se
com isto” (p.131). Quando ainda no início, esta predicação é transparente, depois
menos direta e visível e então velada e complicada. Abaixo, vamos ver como o
autor explica o funcionamento do mecanismo que mantém a mesmice. Esta
compreensão nos ajudará a entender o que se passa com Cristina:
De alguma maneira a mesmice parece ter sido conveniente à Cristina, pois pouco
ou nada fez para atingir a condição de ser-para-si,4 de buscar a emancipação e
conseguir libertar-se de sua identidade-mito, aquela que oculta a metamorfose.
Mead (1967) considera que “o self é um objeto para si mesmo” (p.136), que
pode ser ao mesmo tempo sujeito e objeto, diferenciando–se de outros objetos ou
do próprio corpo como organismo fisiológico. Por isso é representado por uma
palavra reflexiva. Ele considera como autoconsciência o fato do indivíduo ser
capaz de sair de si mesmo, “de maneira empírica” (p.138), de forma a tornar-se
objeto para si mesmo. Assim ele “pode experenciar-se a si mesmo,
indiretamente, a partir do ponto de vista de outros indivíduos, membros do
mesmo grupo social ou do ponto de vista generalizado do grupo social a que ele
pertence” (p.171). Ele participa com sua própria experiência como self ou
indivíduo, “tornando-se um objeto para si mesmo, assim como os outros
indivíduos são objetos para ele” (p.136). Acrescenta que o indivíduo torna-se
“objeto para si mesmo somente se assumir as atitudes dos outros indivíduos em
relação a si, no ambiente social em que ambos estejam envolvidos” (p.193).
Este diálogo interno com si mesmo ocorre a partir do ponto de vista do outro
generalizado e permite restabelecer a totalidade dos nossos pensamentos e
sentimentos. Esses são representados apenas parcialmente (expressão de partes
do self) quando comunicados pelo indivíduo durante sua interação social. No
entender de McGraw (2001) é neste diálogo interno, que ocorre de maneira
incessante, que nos percebemos no mundo e que afetará nosso autoconceito e
nossa vida. A internalização de informações consistentemente positivas ou
negativas durante o desenvolvimento do self poderá criar uma visão distorcida
de si-próprio e do mundo, trazendo consequências à Fisiologia, à saúde, às
emoções e à própria vida em geral. Ele acredita que é possível interferir
diretamente neste diálogo interno, evitando assim, que traga consequências
negativas ao indivíduo. Para tanto, sugere que estejamos atentos à “conversa”
desenvolvida durante o diálogo interno.
O coach não dá treinamento, não ensina, não define padrões, não avalia o
desempenho. Além disso, não dá conselhos, dele não se exige senioridade, e não
necessita ser especialista em qualquer atividade da vida do cliente. No coaching
não é o coach e sim o cliente quem identifica e estabelece os objetivos que ele
mesmo pretende atingir.
McGraw, P. C. (2001). Self Matters. New York: Simon & Schuster Source.
Mead, G. H. (1967). Mind, Self & Society. Chicago. The University of Chicago
Press. [publicado originalmente em 1934].
melhorar sua vida pessoal ou profissional e alcançar seus objetivos. Seu método
de aplicação utiliza recursos da Psicologia, Filosofia e Educação, para que, de
uma maneira objetiva, possa propiciar um processo de autorreflexão. Limita-se a
cerca de doze sessões entre o coachee (cliente) e o coach (profissional que
conduz o processo).
2 Nome fictício.
Nietzsche (1888)
A reflexão meadiana enseja pensar que vários selves coabitam um self global por
meio do qual as alterações no campo social afetam a individualidade da pessoa,
passando sua singularidade a conter o universal. Alterado pela dinâmica
capitalista, o “eu” do trabalhador é reconstruído na convivência social,
produzindo ações que evidenciam a mudança no self e no comportamento do
trabalhador.
Esse dualismo condicionou o que Mead viria a chamar de dualismo entre o self e
o outro. Assim, o self emerge da interação social e o outro exerce o papel
fundamental para nós mesmos e o reflexo psíquico resulta do movimento
dialético da atividade objetivada por meio da qual o indivíduo entra em contato
com o mundo circundante. “Nesse movimento o indivíduo apropria-se dos
objetos materiais e também dos significados sociais mediatizadores dos vínculos
entre o sujeito e o mundo” (Silva, 1986, p.49). O self surge das profundezas do
humano e não como algo dado da experiência humana, isto é, processos
simbólicos construídos. Como aponta Sant’ana (2004, p.27) ao discutir o self,
Mead distingue o “eu” e o mim, concebendo o “eu” “como a fase do self que se
exterioriza, em resposta às atitudes dos outros, enquanto o “mim” é a fase do self
que internaliza aquelas atitudes” e ambos articulados resultam no self elaborado.
Considerações finais
Inquietudes. Eis o painel que se descortina aos nossos olhos. Revisitar essas
concepções do “eu”, self e “mim” preconizadas por Mead requer reposicionar
valores e comportamentos antes construídos para determinar a busca da
sustentabilidade no campo social, mas para quê? Que sujeitos estão envolvidos?
Nessa linha não muito linear, cabe destacar a revisão do papel concorrencial dos
sujeitos, suas identidades contrárias aos valores de cooperação e, portanto,
pensar e repensar a capilaridade que assumem as decisões nos ambientes
produtivos, comunitários ou mesmo familiares na construção desse mosaico de
relações humanas.
É esse trabalhador produtivo do “admirável mundo novo” que abre mão da vida
social para consagrar-se na racionalidade do progresso e determinar seu próprio
destino? Justificam-se jornadas de mais de doze horas (às vezes ininterruptas),
absoluta falta de segurança e qualidade da saúde no trabalho, salários baixos,
nenhuma garantia de justiça social e uma relação de extrema competitividade
entre os próprios trabalhadores: eis o panorama de que provêm as insatisfações
históricas vivas até hoje na memória dos trabalhadores. Memórias que
constituem a construção de um self trabalhador individualizado. Seriam
reminiscências desse trabalhador dos primórdios da era pré-capitalista, ou
mesmo capitalista para o eu trabalhador deste século? Inquietações! Examinando
o cenário do século passado, as condições não parecem distantes das atuais,
como revelam fatos que marcam a sociedade do trabalho do século XXI.
Dizer que surge um “eu” trabalhador dessa nova relação homem-trabalho seria
lançar suspeita de que tempos sombrios reapresentam um “eu” exteriorizado
diferente? Não seriam essas “novas” relações as já vistas no passado, agora
mediadas e transformadas pelo avanço tecnológico? Mas de que ser humano
estamos falando? Seria um self que permite legitimar as condições sociais e de
trabalho, modelando um protótipo de trabalhador flexível, adaptável às empresas
do “futuro”?
Por terem sido de extrema angústia e privação, tais experiências e memórias dos
trabalhadores foram transmitidas geração após geração, o que constitui a
consciência de si como mediadora para a constituição do mim. Esse “eu” estaria
aqui expresso na relação do espelho quando o self passa a permitir e legitimar as
mudanças ocorridas com o “mim” e na explicitação do “eu”, no caso em
discussão o trabalhador quando no ato de trabalhador, na interação social. Entre
o prescrito e o previsto, cresce o abismo na relação entre capital e trabalho e
ergue-se uma barreira real entre os interesses do capitalista e do trabalhador na
qual os meios de produção passam a prevalecer sobre o self individualizado,
produzindo um self coletivo que permite alterar e maximizar as formas de
expansão do capitalismo mediadas pelo capitalismo imaterial cujo aporte de
discussão é o conhecimento gerado pelo trabalhador.
Deixou de ser possível o eu que se satisfaz com sua história de vida numa
relação socialmente construída na presença do outro. Assim, a busca pela
satisfação no acontecimento produtivo do cotidiano é ir e vir constante, um
construir para desconstruir e reconstruir quase instantaneamente pela negação do
outro. O “eu” não deveria ser investigado como um espaço contido de
individualidade humana, “limitado pelo envelope da pele, que foi precisamente a
forma como, historicamente, ele acabou por conceber sua relação consigo
mesmo”, como ensina Rose (2001, p.144).
Escreve Rose, (2008) “o self é para aspirar autonomia, para esforçar-se para
alcançar satisfação pessoal em sua vida na terra” (p.162). Retomar a questão do
sentido do trabalho na vida de cada trabalhador – a formação do eu trabalhador
com um trabalho digno – parece ser o primeiro passo. A tentativa de negar a
perda do eu, a ausência da noção de coletivo ou mesmo do outro, de partilha no
sentido mais amplo da palavra “comunitário” constitui para alguns a razão da
falência ou da perda da esperança desse eu trabalhador.
Referências bibliográficas
Bendassolli, P. F. (2007) Trabalho e identidade em tempos sombrios. Aparecida,
São Paulo: Ideias e Letras.
Farr, R. (2008) George Herbert Mead, filósofo e psicólogo social. In: ______. As
raízes da psicologia social moderna. Petrópolis: Vozes.
Mead, G. H. (1993) Parte III: La Persona. Capítulos 18, 19, 20, 21, 22, 29. In:
______. Espíritu, persona y sociedad: desde el punto de vista del conductismo
social. México: Paidós.
______. (2001) Como se deve fazer a história do eu? Educação & Realidade.
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humanos: nos rastros dos sujeitos (pp.137-204). Belo Horizonte: Autêntica
E-mail: prof_alves@uol.com.br
Beatriz Akemi Takeiti
Doutoranda do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Núcleo de Pesquisa em Lógicas
Institucionais e Coletivas. Possui graduação em Terapia Ocupacional pela
Pontifícia Universidade Católica de Campinas (2000) e Mestrado em Psicologia
Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2003). É Professora
Assistente do Curso de Terapia Ocupacional do Centro Universitário São
Camilo. Tem experiência em atividades de ensino, pesquisa e extensão na área
de Fisioterapia e Terapia Ocupacional, com ênfase no Campo Social, atuando
principalmente nos seguintes eixos: infância e adolescência em situação de
vulnerabilidade e desfiliação social, jovens autores de ato infracional, população
em situação de rua, ações territoriais, educação e violência.
E-mail: biatakeiti@gmail.com
E-mail: emano_lima@yahoo.com
Fernando Fernandes Pimenta
Doutorando do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Núcleo de Estudos e Pesquisas
sobre Identidade-Metamorfose. Possui graduação em Administração de
Empresas pela Escola Superior de Administração de Negócios (1979), Mestrado
em Psicologia (área: Psicanálise) pela Universidade São Marcos (2006), MBA
em Recursos Humanos pela Fundação Getúlio Vargas (2009), Formação em
Psicanálise pelo Centro de Estudos Psicanalíticos (2005) e em Personal and
Executive Coach pelo Integrated Coaching Institute (2009). Experiência
profissional no Brasil, Argentina e USA em Administração Geral, Finanças,
Marketing e Gestão de Pessoas. Coach de Executivos e de Vida. É professor
universitário em cursos de graduação e MBA.
E-mail: fernando.f.pimenta@gmail.com
Heli de Andrade
Doutorando do Programa de Estudos Pós-Graduados em m Psicologia Social da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Núcleo de Trabalho e Ação
Social. Possui graduação em Engenharia Mecânica-Aeronáutica pelo Instituto
Tecnológico de Aeronáutica (ITA-1988), Pós-Graduação em Administração de
Empresas pela Fundação Getúlio VVargas (SP-1991) e Mestrado em
Administração pela Stanford University (USA-1998). Experiência profissional
nas áreas de Finanças e de A Administração, com ênfase em Gestão de Cultura e
Transformação Cultural e em Organizações.
E-mail: heliade@uol.com.br
E-mail: estevamsalgueiro@uol.com.br
Jullyane Chagas Barboza Brasilino
Doutoranda do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Núcleo de Estudos e Pesquisas
em Práticas Discursivas e Produção de Sentidos. Possui graduação em
Psicologia pela Universidade Federal de Pernambuco (2006) e Mestrado em
Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade
Federal de Pernambuco (2010). É integrante do GEMA – Núcleo de Pesquisas
em Gênero e Masculinidades/UFPE. Tem experiência na área de Psicologia, com
ênfase em Psicologia Social. Pesquisando atualmente sobre violência contra a
mulher, gênero e judicialização das relações conjugais.
E-mail: jullyanebrasilino@gmail.com
Mary Jane Paris Spink
Possui graduação em Psicologia pela Universidade de São Paulo (1969) e
doutorado em Psicologia Social – University of London (1982). É professora
titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Programa de Estudos
Pós-graduados em Psicologia Social. Tem experiência na área de Psicologia,
com ênfase em Psicologia Social, atuando principalmente nos seguintes temas:
práticas discursivas e produção de sentidos, risco como estratégia de
governamentalidade e saúde coletiva.
E-mail: mjspink@pucsp.br
E-mail: patricia.ferreiralemos@gmail.com
Pedro Paulo Viana Figueiredo
Doutorando do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Núcleo de Estudos e Pesquisas
em Práticas Discursivas e Produção de Sentidos. Possui graduação em
Psicologia pela Universidade Federal de Pernambuco (2007) e Mestrado em
Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade
Federal de Pernambuco (2010). Têm experiência na área de Psicologia, com
ênfase em Psicologia Social, pesquisando principalmente nos temas: violência
contra criança, segurança da criança no trânsito, psicologia social discursiva e
retórica.
E-mail: pedro.vfigueiredo@gmail.com
Sheila Ferreira Miranda
Doutoranda do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Núcleo de Estudos e Pesquisas
sobre Identidade-Metamorfose. Possui graduação em Psicologia (bacharelado e
licenciatura) pela Universidade Federal de São João Del Rei (2006) e Mestrado
em Psicologia pela mesma Universidade (2009). É docente da Universidade
Presidente Antônio Carlos. Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase
em Psicologia Social, atuando principalmente nos seguintes temas: identidade,
grupos comunitários, oficinas, processo grupal, desigualdade social, violência e
afro-descendência no Brasil.
E-mail: sheilaze@gmail.com
Table of Contents
Front Matter Elementos Pré-textuais Páginas Iniciales
Agradecimentos
Apresentação
Pessoa, indivíduo e sujeito: notas sobre efeitos discursivos de opções conceituais
Mary Jane P. Spink
Das ontologias e selves: singularidades e multiplicidades na noção de pessoa
Pedro Paulo Viana Figueiredo
Ideias do teatro na formulação da ideia de Pessoa José Estevam Salgueiro
Juventude(s), modos de subjetivação e violência: um diálogo com aportes de
Michel Foucault Beatriz Akemi Takeiti
Relações conjugais violentas: processos de subjetivação e suas várias dobras
Jullyane Brasilino
Sujeito na psicanálise: O ato de resposta à ordem social Patrícia do Prado
FerreiraLemos
O cuidado em saúde mental e a noção de sujeito: pluralidade e movimento
Emanoel José Batista de Lima
A questão do reconhecimento: Axel Honneth e a atualização do modelo
conceitual hegeliano a partir da Psicologia Social de George Herbert Mead
Sheila Ferreira Miranda
A noção de pessoa e a persona corporativa Heli de Andrade
A transformação através do processo de Coaching Fernando Fernandes Pimenta
A constituição do eu trabalhador Antônio Fernando Gomes Alves