Resenha - As Parábolas de Jesus

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

Teologia

Rebecca Domingues

RESENHA: AS PARÁBOLAS DE JESUS, DE JOACHIM JEREMIAS.

Teologia do Novo Testamento

São Paulo

2021
A obra “As parábolas de Jesus”, de Joachim Jeremias, é estruturada por meio de uma
divisão em três partes. A primeira, a mais breve, fala do problema o qual conduziu toda sua
pesquisa na área; a segunda, contém dez capítulos, em semelhança da terceira. Assim, para
dar início a essa obra, Jeremias explica que os problemas começam quando Jesus falava em
aramaico, e ao acontecer uma tradução para o grego, há certo “desvio de sentido”. O autor
acredita que não somente o teor verbal, mas o material das imagens devem ter sido
traduzidos para as circunstâncias helenísticas. Além disso, há também, na perspectiva de
Jeremias, muitas ornamentações, de maneira que o conteúdo capaz de apresentar material
palestinense nas imagens deve ser o preferido ao analisar as parábolas de Cristo.

Passando para uma análise do círculo dos ouvintes, já na segunda parte da obra, o
autor dispõe-se a analisar a parábola dos trabalhadores na vinha. Brevemente comenta
sobre as alegorizações com as quais sofreu - como com Irineu e Orígenes, por exemplo -, e
discorre sobre a interpretação que atribui o tema “julgamento”, sobre uma “inversão de
hierarquias” no último dia e sobre “igualdade das recompensas” no Reino de Deus,
chegando à conclusão que ela trabalha, na realidade, a bondade e compaixão divina, e que
revela as boas novas do Evangelho ao mesmo tempo em que possui um lugar central na
realidade do próprio Jesus, que conta com a parábola como forma de se posicionar diante
dos ataques que sofria. No entanto, ao analisar a parábola da ovelha perdida, Jeremias diz
que, em cada Evangelho, as parábolas parecem ter uma aplicação condizente à realidade dos
ouvintes, o que faz questionar: quem são os verdadeiros ouvintes?

Jeremias, então, direciona sua análise à parábola da ida ao juiz, presente em Mateus
e Lucas; com relação a esta parábola, o autor novamente conclui como em cada Evangelho,
ou seja, em cada círculo de ouvintes, ela toma um enfoque diferente. Só em Mateus ela se
preocupa em ratificar a orientação para uma conduta de vida, já que, em Lucas, o enfoque é
completamente sobre o julgamento iminente, e a esse enfoque Jeremias chama de
“parábola da crise”.

Desta análise o autor já passa a outra, desta vez em cima da parábola do grande
banquete. Para ele, tem um acento social em Lucas, enquanto a intenção original, por parte
do próprio Jesus, recai na salvação dos gentios. Coisa semelhante acontece com a parábola
do administrador desonesto (Lc 16), que passa por diversas interpretações diferentes,

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trabalhadas brevemente pelo autor, e tudo isso em decorrência da mudança do círculo de
ouvintes.

No sétimo capítulo, Jeremias trata do que o próprio título aponta, ou seja, a


influência da situação da Igreja. Seu ponto está em demonstrar, por meio da análise de
algumas parábolas - como a do assaltante noturno (Mt 24; Lc 12); a das dez virgens (Mt 25),
a do porteiro (Mc 13, Lc 12; Mt 24); do homem de confiança (Mt 24; Lc 11) e a do grande
banquete (Mt 22; Lc 14) - como a Igreja interpretou a aplicação das mesmas em seu próprio
contexto, normalmente atribuindo uma vinda iminente que exigiria de Corpo uma séria
vigilância, e, em especial, aplicou muitas delas ao discípulos de modo geral, quando na
verdade o autor demonstra que há uma breve deslocação de sentido neste último aspecto,
uma vez que, segundo o mesmo, as parábolas seriam voltadas aos chefes religiosos,
adversários de Jesus e líderes das comunidades.

A partir do capítulo oito, Jeremias começa a discorrer sobre a alegorização, que foi
uma responsável direta pela mudança de sentido na interpretação das parábolas de Jesus. O
autor cita alguns tipos de camada presentes nesse contexto de alegorização; a primeira seria
a alegoria cristológica, ou seja, colocar Jesus como personagem das parábolas anteriormente
citadas; a segunda, a reinterpretação alegórica e, por fim, a interpretação alegórica
secundária. Nisso os sinóticos e o Evangelho de Tomé são comparados, na busca por um
entendimento da tradição que perpetuou essas alegorias. No fim, o autor compreende que
as obras mais livres de alegorias são o material de Lucas e o Evangelho de Tomé.

Assim, inicia-se o nono capítulo da segunda parte. Aqui Jeremias fala a respeito das
coleções e fusões das parábolas. Ele cita três subtópicos presentes nas parábolas de Jesus e
na interpretação da Igreja, sendo, respectivamente: parábolas duplas, coleções de parábolas
e fusões de parábolas. O primeiro subtópico lida com parábolas que apresentam dois
elementos que falam sobre um mesmo assunto; para esse, o autor exemplifica o remendo e
o odre de vinho (Mc 2.21; Mt 9.6; Lc 5.36-38; EvT 45b), sal e luz (Mt 5.13-14a), cidade sobre
o monte e candeeiro (Mt 5.14b-16), pássaros e flores (Mt 5.26-30; Lc 12.24-28), uvas e
figueira (Mt 7.16; Lc 6.44; EvT 45a), etc. O propósito desta duplicação seria passar a
impressão de plasticidade, segundo Jeremias. Já o segundo subtópico, “coleções de
parábolas”, lida com o ajuntamento de parábolas feita pelos evangelistas; em suma, trata-se
da reunião de parábolas sobre um mesmo assunto, que é exemplificado por Mc 2.18-21

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(núpcias, manto e vinho), duas parábolas sobre os deveres fraternos; em 21-28 - 24.14 três
parábolas de ameaça; em 24.32-25.46, parábolas de parusia, e assim por diante.

Por último, apresenta-se as fusões de parábolas, que é a mistura de duas parábolas


numa unidade, evento feito pela tendência da tradição de juntar parábolas, como explicado
no subtópico anterior. Os exemplos que temos nesse caso são o grande banquete (Mt
22.1-44), as duas árvores e os dois tesouros (Lc 6.43,45) e o candeeiro que toma a parábola
do olho como lâmpada de corpo como sua interpretação (Mt 6.22, 34-36).

No capítulo dez, é trabalhado o enquadramento das parábolas e é feita a análise de


alguns aspectos como o contexto secundário dos redacionais de situação e de transição; as
fórmulas de introdução e a conclusão das parábolas. O primeiro aspecto lida com uma
repetição do que já fora falado aqui, ou seja, o fato de que certos Evangelhos, como Mateus
e Lucas, algumas parábolas sofreram com um certo desvio de sentido devido ao contexto
que se julgava adequado; o segundo aspecto é aquele que lida com inserções de dados de
situação pela tradição, como é o caso do aprofundamento de sentido das parábolas dirigidas
isoladamente aos discípulos como pontua o autor; o terceiro aspecto apresentada algumas
formas básicas das parábolas como 1) começo em nominativo, 2) começo em donativo; por
fim, o último aspecto diz respeito à conclusão das parábolas, suas aplicações e
reelaborações. Para Jeremias, são poucos os casos em que o material da parábola (parte da
imagem) foi ampliado. Os casos de ampliação à aplicação da parábola são mais frequentes.
Com frequência ainda maior estão as interpretações transformadas ou ampliadas;
preferivelmente são acrescidas conclusões as parábolas ditas generalizantes.

Aqui começa a terceira parte da obra, e o assunto está em algumas ideias-chave


presentes nas parábolas de Cristo. O capítulo um desta parte fala da temática “a presença da
salvação”. Para tanto, Jeremias cita passagens como as de Lc 7.22 e Mt 11.5, que possuem
estreita relação com Is 35.5, e que promulgam não a ideia de milagres que aconteceram,
mas de salvação prometida há muito, com os antigos profetas. O autor também cita Mt 2.19,
que fala sobre as bodas; Mc 2.21, Mt 9.16, Lc 5.36-38, sobre o manto e o vinho novos; cita
também o significado e importância das figuras da colheita, figueira e também as
“profissões” desempenhadas pelo Messias. Valeu-se, também, dos dons de perdão, cura e
vitória sobre Satã. Em cada uma dessas análises e comparações, Jeremias demonstra que há

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uma relação com um período de salvação, que rompe com o antigo período. Como ele
afirma, “o inferno já passou, e o verão está às portas” (p. 121)

O capítulo dois aborda um outro grupo de parábolas: as que mostram que a salvação
foi enviada, e mostram um traço particular que é o direcionamento aos opositores de Jesus;
são, como diz Jeremias, uma defesa e uma justificação do Evangelho. Há, nesse sentido, três
maneira pelas quais Cristo o justifica: 1) dirige o olhar dos seus críticos aos pobres; 2) mostra
que os críticos devem dirigir o olhar também a si próprios; 3) atinge a consciência daqueles
que se escandalizam com o Evangelho, atualizando na sua ação o amor de Deus para com o
pecador que se dispõe à conversão. Dentro deste grupo temos as parábolas do filho perdido,
da ovelha perdida e da dracma perdida, que além de manifestarem as três formas
anteriores, ainda revelam Jesus como representante de Deus.

No capítulo três é introduzido o grupo de parábolas intitulado de “a grande


confiança”; nele aparecem as parábolas de grão de mostarda, fermento, semeador e
camponês paciente de um lado; e de outro, as parábolas do juiz iníquo e do homem que
pede por ajuda à noite. As duas primeiras (grão e fermento) são trabalhadas juntas e, para o
autor, significam o estabelecimento do Reino de Deus enquanto algo a abraçar o pequeno
número de discípulos em um grande povo oriundo do milagre divino. A parábola do
semeador surge em semelhante mentalidade oriental, significando que a hora de Deus está
chegando e com ela uma grande colheita que não pode ser apreendida pelo entendimento;
o que se repetirá com a parábola do camponês paciente. Assim, todas possuem um
contraste entre começo e fim, que demonstra o milagre de Deus.

O segundo grupo de parábolas - juiz e homem que pede ajuda -, por sua vez, não
dizem respeito puramente à perseverança na oração; antes, essencialmente são uma
espécie de “a minore ad maiorem”, em que Deus é colocado como bom e compassivo,
atentando às orações dos seus e às atendendo em amor e misericórdia. Por fim, ambos os
grupos de parábolas encontram-se num contexto em que Jesus sofria com dúvidas da parte
do povo sobre sua missão, e em que queria dar a certeza da salvação futura a seus
discípulos.

No quarto capítulo introduz-se o grupo de parábolas que falam a respeito da


condenação porvir e do chamado ao arrependimento. A primeira parábola citada é a das
crianças na praça (Mt 11.17; Lc 7.32), a qual tem o significado, para Jeremias, de uma crítica

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aos oponentes de Cristo, que reclamavam por ele não estar de acordo com “seu tom”. Logo
após uma sentença é aplicada (Lc 12) e outras parábolas emergem no sentido de trazer uma
advertência, é o caso da figueira estéril, laço ao pássaro despreocupado, o pai de família
assaltado e o rico e o tolo. Muitas dessas parábolas, por sua vez, eram dirigidas
essencialmente aos dirigentes do povo, em especial aos escribas, é o caso do servo ao qual
se confiou a vigilância, dos talentos confiados e do porteiro. Muito fora confiado a eles, o
julgamento de Deus, então, surge e eles serão cobrados, afinal, como vemos na comparação
dos dois escravos, aquele que conhecia a vontade de Deus e não a fez será mais
severamente castigado. Assim, essas parábolas cumprem uma missão: não passar máximas
éticas, mas, sim, acordar um povo que ruma para a perdição e convocá-lo à conversão.

O capítulo cinco trata da temática “está tarde demais”, em suma, ela se apresenta
nas parábolas do banquete e das dez virgens e, segundo Jeremias, alude a um entendimento
de que em derradeiro momento Jesus voltará e aqueles que se derem por “escusados” não
terão mais o tempo que até agora tiveram. Essa temática é seguida por outra
intrinsecamente ligada a ela, e que é falada no capítulo seis, i.e, é a exigência da hora, o
momento que demonstra que agora é a hora de tomar uma decisão, e é expressa por meio
da parábola do devedor, do administrador desonesto, do rico e do lázaro - a qual o autor diz
que deveria ser chamada de “parábola dos seis irmãos” -, do hóspede sem veste de festa, da
recompensa do servo, do serviço a dois senhores, das construção da casa, do sepultamento
dos mortos, do credor que deve olhar para frente, do filho do homem sem pátria, das
construção da torre e do rei que faz guerra (Lc 14.28-32), do espírito mau que volta a casa
(Mt 12.43-45b; Lc 11.24-26), etc. Cada uma dessas parábolas e citações constituem,
segundo o autor, uma verdade: a volta do Senhor virá e é necessário que uma decisão seja
tomada agora. Essa decisão, por sua vez, exige obediência total.

Também ligado ao capítulo anterior, o capítulo sete fala do viver como discípulo,
trabalhando com as parábolas do tesouro do campo e da pérola, fala sobre a alegria que
conduz os discípulos a agirem; para Jeremias, ser discípulo, nas parábolas, não é sobre um
ato heróico e sim sobre uma entrega absoluta oriunda da alegria e do amor, como mostrado
na parábola do bom samaritano. Vale também aqui o perdão como apresentado na parábola
do servo sem misericórdia (Mt 18.23-35), ou no sentir-se abrigado nas mãos divinas (Jo 8.35;
Mc 3.31; Mt 6.26-30; Lc 12.24; 12.27).

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Outra característica do discípulo é que ele é levado ao trabalho pelo dom de Deus e
pelo apelo de Cristo (Mc 1.17; 13.52; Mt 9.37; 10.6; 18.12-14; 16.19) e também possui
poderes judiciários (Mt 18.18; 16.19); além disso, ele não pode ser abalado pelo inimigo (Mt
16.18) e nada lhes pode ser impossível (Mt 17.10; Lc 17.6). No entanto, não pode esperar a
falta de oposição (Mt 10.24; Lc 6.40; Jo 15.20; Mt 10.16; Lc 10.3), de maneira a
verdadeiramente carregar sua cruz.

Nos quase últimos capítulos, oito e nove, Jeremias fala a respeito das etapas
redentivas da missão de Cristo. O oitavo capítulo mostra como o sofrimento é a via para a
glória do Filho do homem e demonstra como o cálice (Mc 10.38; 14.36), o pastoreio (Jo
10.11,15), a espada (Mc 14.27), a pedra rejeitada (Mc 8.31) e o grão de trigo revelam que a
dor da morte é o que introduzirá a grande glória de Jesus. Dessa maneira, a consumação
entra em pauta no nono capítulo. Aqui muitas passagens são citadas, e muitas parábolas são
colocadas pelo autor como uma demonstração do que ocorre nesta etapa redentiva (a
exemplo dos últimos sendo os primeiros, os famintos sendo saciados, o escondido
tornando-se manifesto, os humildes sendo exaltados, as núpcias sendo celebradas, etc.).

Finalmente no capítulo dez, o verdadeiro último capítulo - considerado por Joachim


Jeremias como uma espécie de apêndice -, o fato de Jesus ter agido tanto quanto falou em
parábolas é trabalhado pelo autor. Em suma, seu caminho ao lado de publicanos e
pecadores, seus milagres, suas repreensões e suas parábolas apontavam para uma realidade
profética acerca de que aquele era o tempo do Messias, e o tempo do Messias é um tempo
de perdão.

O grande número das ações parabólicas de Jesus proclama a irrupção do tempo da


salvação. Isto, porém, significa: As ações parabólicas de Jesus são pregação. Mostra
que Jesus não só pregou a mensagem das parábolas, mas também as viveu e as
corporificou em sua pessoa. “Jesus não só falou a mensagem do Reino de Deus, ele
a é ao mesmo tempo”. (JEREMIAS, 1986, p. 228)

● Considerações finais, crítica pessoal:

Assim encerra-se a obra “As parábolas de Jesus”, desenvolvida por Joachim Jeremias.
Esta obra é um exercício teológico que acaba por nos tirar da zona de conforto, ou melhor
dizendo, da “caixinha” que por vezes a vivência eclesiológica - ou mesmo nossas tradições
individuais - nos colocam. Muitas das análises feitas pelo autor vão de encontro ao que

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nossos estudos nos apontaram anteriormente, outras, por sua vez, seguem um caminho
completamente diferente e rompem com uma mentalidade que esteve na Igreja por anos
incontáveis. É o tipo de desconforto que todo aquele que se propõe a estudar teologia deve
fazer. É árduo e bastante intrigante em certos momentos, em outros pode ser bastante
monótono e cansativo, mas é perfeitamente o que a teologia bíblica precisa fazer: caçar as
fontes, comparar, analisar, destrinchar. Dessa maneira enriqueceremos nosso conhecimento
e aprenderemos melhor sobre a própria fé que professamos. Assim sendo, é recomendado
para o estudante de teologia que se aventure nessa obra de Jeremias, e é possível dizer que
é leitura obrigatória para qualquer um que queira estar nesse caminho.

Referência Bibliográfica:

JEREMIAS, Joachim. As parábolas de Jesus. 5ª ed. São Paulo. Paulus, 1986.

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