DISSERTAÇÃO Fernando José Alves em Adela Cortina
DISSERTAÇÃO Fernando José Alves em Adela Cortina
DISSERTAÇÃO Fernando José Alves em Adela Cortina
Recife
2020
FERNANDO JOSÉ ALVES
Recife
2020
Catalogação na fonte
Bibliotecária Maria do Carmo de Paiva, CRB4-1291
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________
Prof. Dr. Marcos Roberto Nunes Costa (Orientador)
Universidade Federal de Pernambuco
_________________________________________________
Prof. Dr. Junot Cornélio Matos (1º Examinador)
Universidade Federal de Pernambuco
_________________________________________________
Prof. Dr. Marlesson Castelo Branco do Rêgo (2º Examinador)
Instituto Federal de Educação de Pernambuco
AGRADECIMENTOS
Ao Pai Eterno, por ter me iluminado com este mestrado e também pela
presença constante, fortaleza que me capacitou diante das inúmeras dificuldades e
descrença dos homens.
À minha linda família, em especial minha querida esposa Joana D’arc
Gonçalves Alves e minhas filhas Juliana e Fernanda (minha mentora), e meus netos
Júlia e Kauã pela espera por minha presença, quando a ausência se fez necessária
nos dias e noites, diante de livros e esperanças. Obrigado pelo apoio sincero e
amoroso.
Ao Prof. Dr Junot Cornélio de Matos, pela solidariedade, paciência e maestria
na Coordenação do PROF-FILO, assim como pela amizade na qual promoveu uma
prática afetuosa no grupo, possibilitando a concretude de uma relação dialógica entre
o educador e o educando, contribuindo com a causa que abracei de uma educação
humanizada e humanizadora. Minha gratidão e reconhecimento.
Aos amigos colegas de sala de aula que foram verdadeiros companheiros e
irmãos, sempre compartilhando as tristezas e alegrias, muitos vindo de lugares
longínquos, mas todos promovendo um ambiente saudável e dialógico, onde
direcionou a práxis pedagógica filosófica. Aprendi muito com cada um de vocês.
Aos Mestres, Professores, Doutores, Alfredo Moraes, Itamar Nunes, Sérgio
Ramos, Maria Betânia Santiago, Nélio Melo, Walter Matias, Evandro, pela orientação
pontual, sempre dispostos e amáveis em responder nossas indagações. Tenham a
certeza que cada texto ou tema trabalhado foi de grande valia na formação desse
mestrando. Obrigado por acreditar em minha capacidade como estudante e ser
humano.
Ao Amigo Orientador Prof. Dr. Marcos Roberto Nunes Costa. Sem a sua
orientação nada seria possível. O senhor deu a guinada inicial para o caminhar dessa
obra. A sua sapiência colocou Adela Cortina com a sua tese da Ética Mínima, em
busca de uma sociedade mais justa e menos desigual e que alavancou o pensar e a
diretriz dessa dissertação. As suas orientações, tanto no projeto básico, assim como
no transcorrer dessa escrita, me proporcionaram uma confiança e autonomia no
conduzir dos capítulos e subcapítulos dessa obra. Meus sinceros agradecimentos.
À minha querida Coorientadora Profª. Drª. Célia Maria Rodrigues da Costa
Pereira. A sua simplicidade e presteza nas colocações, em especial no caminhar
pedagógico, me redirecionaram a um olhar crítico e assertivo na intervenção. Fica
aqui o meu respeito e apreço pela vossa dedicação.
Ao Amigo Prof. Ms. André Parisi, por sua disponibilidade e aconselhamentos
em torno do tema. Meus agradecimentos sinceros.
Aos Amigos Alunos e Professores da EREM – Escola Integral de Referencia
Desembargador José Neves Filho, pela colaboração em suas participações diretas e
indiretas, de forma espontânea, que fortaleceram esta pesquisa. Vocês foram os
verdadeiros autores desta pesquisa, em especial o primeiro ano “D”.
A todos e todas fica registrada a minha sincera gratidão.
RESUMO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................. 09
2 DO MÁXIMO AO MÍNIMO: AS NOVAS BASES DA ÉTICA ............................ 17
2.1 ETICA E MORAL E A NOÇÃO DE FELICIDADE ............................................. 18
2.2 A ÉTICA E A NOÇÃO DE DEVER NA MODERNIDADE .................................. 30
2.3 A PROPOSTA DE UMA ÉTICA MÍNIMA .......................................................... 35
3 A INTRODUÇÃO DA FILOSOFIA NO CURRÍCULO ESCOLAR ..................... 48
3.1 A FILOSOFIA NA ESCOLA E O EXERCICIO DO PENSAR............................. 49
3.2 O ENSINO DA FILOSOFIA E A LEI 13.415/2017 ............................................. 58
3.3 A NOVA BASE NACIONAL CURRICULAR COMUM ....................................... 64
4 DO PENSAR AO AGIR: UMA INTERVENÇÃO PEDAGOGICA ...................... 71
4.1 CARACTERIZAÇÃO DA ESCOLA ................................................................... 74
4.2 QUESTÕES METODOLÓGICAS ..................................................................... 77
4.3 RELATO DAS AULAS ...................................................................................... 80
4.4 ANALISE DOS QUESTIONÁRIOS: CONTEXTUALIZANDO A EXPERIÊNCIA E
MOSTRANDO OS RESULTADOS OBTIDOS ............................................... 101
4.5 ANALISE DA INTERVENÇÃO ....................................................................... 105
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................108
REFERÊNCIAS .............................................................................................. .112
APÊNDICE A – TEXTO DA AULA EXPOSITIVA: CONCEITUAÇÃO DA ÉTICA
.........................................................................................................................117
ANEXO A – TEXTO: ÉTICAS DE MÁXIMOS E ÉTICAS DE MÍNIMOS.........119
ANEXO B – FRASES DA “ÉTICA MINÍMA” PRODUZIDAS PELOS ALUNOS
DA TURMA 1º ANO “D” ..................................................................................120
9
1 INTRODUÇÃO
Uma das queixas mais comuns nos dias atuais é a de que o mundo está
perdido, que os sublimes valores não são mais cultivados pelas pessoas e que se está
caminhando na direção dos contra valores, em que o certo é visto como o errado e
vice versa. O cidadão comum, aquele que paga seus impostos e que se enaltece por
viver uma vida reta, costuma recordar os tempos passados, em que os pais e
professores eram respeitados.
Tempo em que as pessoas costumavam frequentar a Igreja nos finais de
semana e onde os idosos eram respeitados. Tempos em que os filhos pediam bênção
aos seus pais e, por conseguinte, a sociedade estava muito bem encaminhada, pois
havia respeito às autoridades, disciplina, temor a Deus, valorização e respeito às
normas.
Neste sentido, uma espécie de saudosismo dos valores morais vai tomando
conta das pessoas, que anseiam pela restauração da antiga ordem, em que o respeito,
a moral e os bons costumes ditavam o comportamento das pessoas. Tudo isto vem
acompanhado do sentimento de que estamos vivendo um período de degradação
moral, onde a ética não é mais valorizada e cada um vive por si mesmo, deixando-se
guiar por suas vontades. Esta seria, inclusive, a causa principal das crises econômicas
e políticas. Um mundo que não tem Deus e não cultiva a moral e os bons costumes,
só pode caminhar para o abismo.
O que mais chama atenção neste rosário de lamentações do homem
contemporâneo é a alusão à decadência moral da humanidade. Isto leva
inevitavelmente a reacender a discussão a respeito da ética e da moral. O debate
acerca dos valores morais aos poucos vai tomando conta de todos os setores da
sociedade, numa espécie de corrida em busca do tesouro perdido e esquecido pela
modernidade.
Equivocado ou não, o grito pelo retorno aos valores morais tem sua razão de
ser, pois o que se nota em um exame mais detido da realidade atual, é um cenário de
inquietações, perturbações, mudanças repentinas, aceleração da vida, o que ocasiona
cada vez mais incertezas quanto ao futuro de cada indivíduo. Para complicar ainda
mais a situação, os indivíduos se veem cada vez mais sós, uma vez que os discursos
de que cada um tem que resolver a sua vida por si mesmo, se espalha de maneira
vertiginosa, seguindo a trilha da hipervalorização do indivíduo.
10
Dentro deste quadro, a realidade aparece aos indivíduos mais como ameaça
do que como condição de sua libertação. É sintomático que as pessoas se percam
em seus projetos e não saibam interpretar os acontecimentos. A percepção que se
tem é a de que, por um lado, nossas ações não alteram em nada o quadro da realidade
local e mundial e, por outro lado, têm-se a sensação de que tudo o que fazemos
repercute, ainda que de maneira indireta, nos destinos da humanidade.
De fato, o impacto de nossas decisões, quer individuais, quer sociais, políticas,
bem como de outra natureza, se estende muito além de nossas fronteiras locais. Elas
se deslocam para além do tempo presente, afetando as gerações futuras, as quais
herdarão os efeitos de nossas escolhas econômicas e políticas.
Hoje somos confrontados, de um lado, por nossa imensa capacidade de
interferir na vida do planeta terra e de nossos descendentes e, por outro, somos
assaltados por uma sensação de impotência frente ao irrefreável processo de
globalização, o qual libera forças inimagináveis, com alto poder de modificar nossas
vidas, assim como de destruir qualquer projeto de civilização. O indivíduo passa a
sentir-se refém do modelo de sociedade que se delineia à sua volta.
Está aparente contradição pode ser descrita nos termos do que o sociólogo C.
Wright Mills descreveu como as armadilhas da vida privada. Mills (1982) observa que
hoje em dia os homens sentem que seus horizontes de ação estão limitados pelo
pequeno círculo de suas relações privadas.
Seu pensamento, compreensão e raio de ação estão cada vez mais
circunscritos à sua vizinhança e aos espaços limitados nos quais se move e toma
decisões. Entretanto, na contra face desta limitação subjaz uma realidade marcada
por mudanças estruturais, de alcance continental e que escapa a qualquer
possibilidade de controle e influência do homem comum e que, por sua vez, interfere
sobremaneira nas suas escolhas e na elaboração do seu discurso e estratégias de
ação.
A consequência mais imediata deste processo é que se perde de vista o quanto
a biografia e a história mundial estão interligados. O homem moderno sente que sua
vida depende cada vez mais de processos que escapam à sua possibilidade de
controle e, ao mesmo tempo, não se percebe como indivíduo histórico, capaz de
delinear os contornos destas idas e vindas com que a sociedade se vê comprometida.
Para tornar este quadro ainda mais instável, este homem comum se ressente
da perda dos valores morais, vendo nesta dissolução a causa de todos os seus
11
modernidade, do projeto que retirou Deus da vida cívica e introduziu o homem como
medida de todas as coisas.
Neste sentido, a discussão e reflexão sobre a ética ganha um novo patamar e
conta novamente com a ajuda da filosofia e da escola. Esta parceria pode render bons
frutos, pois a escola é o lugar propício ao aprendizado e a filosofia possui ferramentas
capazes de proporcionar a reflexão acerca dos valores morais.
Mas aqui surge uma pergunta fundamental: como trabalhar a ética e a moral
no ambiente escolar? Como os jovens estão sendo preparados para lidar com as
questões ético-morais? Como lidar com essas questões na sociedade? Na
comunidade? Na escola? E por fim, qual o papel da filosofia para reflexão sobre a
temática? Uma resposta satisfatória seria fazer todo um percurso histórico e mostrar
como cada filósofo tratou o tema da ética. Outra maneira de trabalhar este tema é
utilizando uma chave de leitura, a partir de determinada problematização.
É possível, por exemplo, questionar qual seria a melhor forma de pensar a ética
em um mundo secularizado, que não apela mais a Deus para fundamentar a moral.
Isto seria pensar uma ética que valorize a interpretação grega, em termos do máximo
de felicidade e também a proposta moderna de reflexão sobre as normas e seu
cumprimento, propondo um mínimo normativo capaz de orientar a ação dos
indivíduos. Essa discussão aparece no pensamento da filósofa espanhola Adela
Cortina, sob o título de Ética Mínima.
Esta é a proposta de investigação que iremos aprofundar nesta dissertação, a
qual versa sobre a discussão dos valores ético-morais na escola, à luz do conceito de
ética mínima de Cortina. O foco da pesquisa são as turmas do primeiro ano do ensino
médio da Escola de Referência (EREM) Desembargador “José Neves Filho”
(modalidade integral), localizada na rua 10, S/N – Bairro de Cajueiro Seco, no
Município de Jaboatão dos Guararapes – PE. Todo o trabalho de pesquisa, com
adoção de questionários, intervenções didáticas, etc, foi realizado nesta escola.
Direcionamos ainda, uma pesquisa bibliográfica em torno do tema em tela.
O pensamento de Cortina gira em torno da possibilidade de congregar duas
propostas filosóficas distintas, de modo a se reintroduzir a importância da ética sob
novas bases, levando em consideração o pluralismo cultural e a necessidade de se
ordenar a sociedade, até mesmo para que os projetos pessoais sejam viáveis.
Reconstruir os projetos de vida a partir da discussão dos valores éticos máximo e
mínimo.
14
1
A tradução mais aproximada deste termo grego é Felicidade, Bem estar.
15
tomadas em conjunto e individualmente por cada pessoa, ao passo que temos que
decidir como interagir com os outros, com o meio e conosco.
Refletir sobre o papel da educação, consoante a reintrodução do ensino da
filosofa no currículo escolar é algo de suma importância, uma vez que nos possibilita
delimitar o alcance e relevância da reflexão para a formação do estudante.
As turmas do ensino médio oferecem um bom exemplo, pois congregam uma
categoria de jovens que estão na fase crucial de decisão acerca de suas carreiras
profissionais.
Compreender como o ensino da ética e da moral fornece instrumentos teóricos
e práticos para a formação dos jovens é extremamente relevante, já que estamos
vivenciando um tempo de incertezas. Ademais, o cenário político, econômico e social
do momento presente tem incitado toda sociedade a falar e discutir sobre ética,
principalmente no caso brasileiro, em que a atividade política e pública em geral tem
sido alvo do constante escrutínio da sociedade que, de certa forma, tem sido
intolerante com a corrupção, não admitindo que a mesma faça parte do cotidiano da
política, por exemplo.
O modelo de vida pública, tal como apresentado nas discussões e nos espaços
midiáticos, pode contribuir para desgastar a imagem da vida pública, gerando
descrença nos jovens quanto à construção de um futuro auspicioso. Por outro lado,
esta mesma situação de degradação da vida pública pode servir de estímulo para se
rediscutir um novo modelo de sociedade e a redefinição da esfera pública em termos
de respeito à diversidade, combinada com a vivência e obediência às normas mínimas
que são válidas para todos.
Esse é o escopo deste trabalho de investigação. Para tornar mais claro este
itinerário conceitual, esta dissertação foi dividida em três capítulos. O primeiro
comporta a parte mais teórica. Nela, traçaremos as principais caraterísticas da ética e
da moral, diferenciando a ética de máximos da ética de mínimos, discutindo desta
forma as principais ideias de Cortina.
Na segunda parte será analisado o papel da educação neste processo
formativo, destacando a importância da reintrodução da filosofia no currículo e como
é possível ensiná-la na escola. Por fim, no terceiro capítulo será apresentado o
relatório de intervenção, mostrando e analisando as práticas que foram vivenciadas
pelos alunos em relação à compreensão e vivência da ética mínima. Aqui serão
apresentados os resultados obtidos com as práticas pedagógicas implantadas nas
16
turmas do primeiro ano do ensino médio. Com isto será possível traçar o perfil deste
aluno e, mais relevante ainda, compreender como se processa a discussão dos
valores morais na escola.
Optou-se aqui pela adoção de uma metodologia de natureza qualitativa e
bibliográfica a partir do desenvolvimento do método descritivo. O percurso
metodológico envolveu: leituras de obras filosóficas, pedagógicas e artigos que
versam sobre a temática proposta; realização de uma pesquisa empírica; elaboração
de um questionário como técnica de pesquisa e realização de uma intervenção
didática, composta de cinco aulas direcionadas à discussão dos valores ético-morais,
onde se buscou analisar a teoria da filósofa Adela Cortina e aplicando seus conceitos
e pensamento à realidade das turmas de primeiro ano do ensino médio da escola
integral Desembargador “José Neves Filho”, no qual foi o objeto da pesquisa.
Partindo do recurso metodológico conhecido como tipo ideal, proposto por Max
Weber, nos propusemos a validar as teses de Cortina a partir de um processo de
intervenção, ministrando aulas sobre Ética Mínima, estimulando os alunos ao debate,
elaborando um questionário e propondo formas de apresentação do tema, o que gerou
um engajamento satisfatório e a possibilidade de poder verificar a plausibilidade das
teses de Cortina acerca das éticas de máximos e das éticas de mínimos.
17
As bases da discussão sobre a ética mínima, tal como apresentada por Adela
Cortina encontram-se na própria história da filosofia, desde os gregos, passando pelos
medievais, com um forte apelo ao sujeito dado pela modernidade, até chegar às
discussões contemporâneas, que têm na referida autora uma das principais
representantes. O problema ético encontra acolhida já na filosofia grega, sobretudo
nos trabalhos de Aristóteles, embora essas discussões apareçam de forma esparsa
em Sócrates e Platão. A sistematização da ética é feita pelo Estagirita em obras como
a Ética a Nicômaco, servindo de referência das questões envolvendo a filosofia
prática.
Não é a intenção deste capítulo traçar todo itinerário conceitual e filosófico a
ética ao longo de toda a história da filosofia. Tal propósito não estaria em sintonia com
a proposta que aqui se apresenta, a saber, destacar as principais características da
Ética Mínima, segundo a proposta de Adela Cortina, relacionando este arcabouço
conceitual com a prática e o ensino da filosofia no ensino médio. Desta forma, serão
apresentados aqueles aspectos conceituais que estão presentes na tradição filosófica
e que são considerados importantes pela autora, sobretudo no que diz respeito à
compreensão e distinção entre a ética dos máximos e dos mínimos.
O destaque será dado ao próprio conceito de ética e aos elementos que são
considerados fundamentais pelos gregos, como a discussão da felicidade e sua
relação com a realização do homem na pólis, algo que está presente nas obras
daqueles que são considerados os mais importantes representantes da filosofia grega,
Sócrates, Platão e Aristóteles.
Em seguida será mostrado como essa discussão foi incorporada pelos
medievais, com destaque para a filosofia de Santo Agostinho. Na sequência da
discussão serão apresentadas as bases filosóficas da modernidade e seu
distanciamento da noção de felicidade e a introdução da questão deontológica 2 na
moral. Após este caminho conceitual a discussão será retomada com a apresentação
do conceito de ética mínima. Desta forma será possível compreender melhor em que
consiste tal proposta.
2
O termo remete à Deontologia, que é a parte da filosofa moral que discute a questão do dever e da
obrigação. É comumente conhecida como Teoria do Dever.
18
humanas com base no argumento de que cada um tem a sua verdade. Por
conseguinte, alerta Adela Cortina (2009, p. 38) a “ética não é uma moral institucional”.
Pelo contrário, afirma Cortina (2009, p. 39)
O trânsito da moral para a ética implica uma mudança de nível
reflexivo, a passagem de uma reflexão que dirige a ação de modo
imediato para uma reflexão filosófica que só pode orientar o agir de
modo mediato.
É possível, pois notar, que há uma similitude distinção básica entre os conceitos
de ética e moral. Se na linguagem cotidiana eles são apresentados como se fossem
a mesma coisa, os estudiosos da filosofia procuram demonstrar que apesar da
similitude eles guardam campos semânticos distintos, o que os torna diferentes
quando se investiga o sentido que é dado a cada um deles.
A fim de esclarecer ainda mais seu pensamento, Cortina (2009, p. 40) faz a
seguinte afirmação a respeito da tarefa ética:
Entre os gregos, essa tarefa reflexiva está muito atrelada ao ideal da felicidade
como bem supremo e da realização humana por meio de uma vida que seja guiada
pela razão e não pelos instintos. O homem se realiza quando vive conforme a sua
21
essência, no diálogo entre seus pares, no espaço público, o qual encontra sua
expressão visível na pólis. Sócrates (470-399 a.c.) opera uma mudança significativa
na filosofia, uma vez que desloca o ponto central de investigação filosófica, o qual
estava centrado no problema da natureza, para a questão do homem.
Os naturalistas, afirma Giovanni Reale (1990, p. 87) “procuraram responder à
seguinte questão: o que é a natureza ou a realidade última das coisas? Sócrates,
porém, procura responder à questão: o que é a natureza ou realidade última do
homem?” A questão aqui colocada diz respeito à essência do homem.
E qual a resposta de Sócrates para esta questão? A este respeito, Giovanni
Reale (1990, p. 87) é enfático ao afirmar que:
Está claro aqui que se a essência do homem é a sua alma, isto significa que
ele deve cuidar dela mais do que do corpo. Por conseguinte, prossegue Giovanni
Reale (1990, p. 88) “ensinar os homens a cuidarem da própria alma é a tarefa suprema
do educador”. Esta divisão entre corpo e alma irá configurar o ideal de felicidade
proposto pelo filósofo grego. É feliz quem valoriza a alma, quem a alimenta com a
reflexão e o conhecimento. Ao apresentarem a resposta de Sócrates a esta questão,
Giovanni Reale (1990, p. 92) afirma que:
A felicidade não pode vir das coisas exteriores, do corpo, mas somente
da alma, porque esta e só esta é a sua essência. E a alma é feliz
quando é ordenada, ou seja, virtuosa. Diz Sócrates: “para mim quem
é virtuoso, seja homem ou mulher, é feliz, ao passo que o injusto e
malvado é infeliz”. Assim como a doença e a dor física são desordem
do corpo, a saúde da alma é ordem da alma – e essa ordem espiritual
ou harmonia interior é a felicidade.
3
Platão não fala em três almas, mas em três partes da alma. Isto pode ser visto no livro IV de sua obra
“República”. A alma racional fica localizada na cabeça e comando as outras partes e dela deriva a
sabedoria e a prudência. A alma irascível fica localizada na altura do coração, onde prevalecem os
sentimentos de ímpeto, suscitando assim a coragem. E a alma concupiscente, que fica localizada no
baixo ventre e é responsável pelos apetites sexuais (PLATÂO, 2002).
23
Aristóteles admite como premissa básica o fato de que toda arte, e ação
humanas tendem a um bem. A fim de corroborar esta afirmação, o filósofo enfatiza
que o bem “é aquilo a que todas as coisas tendem”, ou seja, há um forte conteúdo
finalista que predispõe o estagirita a compreender o governo da cidade como a busca
pela realização do bem.
No escopo da valorização da cidade, tendo em vista a realização do bem
supremo, que é a eudaimonia, Aristóteles destaca a supremacia desta em relação ao
indivíduo, uma vez que é impossível alcançar esta felicidade quando se está apartado
do convívio com os outros homens e cidadãos. O bem, para o qual tendem todas as
artes e habilidades humanas, pode ser alcançado através do esforço, do estudo, do
aperfeiçoamento das artes. Porém, o bem supremo, sua presença no meio dos
homens, é fruto da organização da pólis, da reunião dos homens, de sua
predisposição para realizar o bem comum.
Ao reforçar sua argumentação, Aristóteles (1991, p. 6) faz a seguinte
observação:
Atingir o bem do indivíduo é algo bom, mas atingir o bem do Estado é tarefa
ainda mais sublime e grandiosa. A ciência da política é fundamental porque é capaz
de determinar quais as artes são importantes na cidade. Desenvolver o entendimento
acerca da política, da arte de bem governar, é desenvolver as potencialidades
necessárias que conduzirão os indvíduos a bem executar suas potencialidades.
Percebe-se então que Aristóteles concede importância crucial ao bem da
cidade, demonstrando que do desenvolvimento da arte de bem governar, procede a
realização do bem supremo, tudo isto em função do bem estar dos indivíduos,
habitantes da pólis e beneficiários diretos do seu desenvolvimento. É por isso que na
escala de valores do estagirita, a realização da cidade precede à realização do
indivíduo, sendo fundamental na criação das estruturas que propiciarão tal
desenvolvimento e realização do bem supremo.
Desta forma, a cidade passa a ser um núcleo importante na reflexão aristotélica
acerca da realização do bem supremo. A cidade é uma associação política que tem
por finalidade a realização das potencialidades dos cidadãos. A cidade, enquanto
categoria política, assume importância crucial para Aristóteles (1997, p. 1), confome o
que está escrito no início de sua obra, intitulada Política:
proposto pelos gregos, introduzindo um elemento que irá caracterizar todo este
período, a saber, a religião cristã e sua doutrina da realização humana dentro do plano
salvífico de Deus.
Inspirados na sagrada escritura e no magistério da Igreja, os pensadores deste
período levaram em consideração os ensinamentos dos grandes baluartes da tradição
cristã, presentes no novo testamento, com destaque para os apóstolos Pedro e Paulo.
Em suas cartas dirigidas à comunidade cristã, estes apóstolos desenvolveram e
aprofundaram toda a concepção cristã de mundo, baseada nos ensinamentos de
Cristo, tal como nos são apresentados nos evangelhos.
O que se depreende destes estudos é a valorização da vida extraterrena, a qual
será experimentada pelos homens após sua morte. De acordo com os relatos dos
evangelistas e das cartas paulinas, a grande meta do homem, o telos da vida cristã é
alcançar a morada eterna, nos céus, quando o homem terá finalmente a oportunidade
de contemplar Deus face a face. Mas para que isto ocorra e o homem não experimente
a danação eterna, o fogo tormentoso destinado a Satanás e seus seguidores, ele deve
levar uma vida de santidade, afastando-se do pecado e buscando continuamente a
união espiritual com Deus, a fim de praticar as boas obras.
Por meio da ascese, que se pratica através de exercícios espirituais, do jejum,
da oração e das obras de caridade, o homem se afasta do mal e se aproxima do bem
supremo, que é Cristo, o filho de Deus, aquele que veio assumir os pecados da
humanidade e conduzi-los à salvação eterna. Para isto faz-se necessário que o
homem abandone a sua vida de pecado, e uma das formas mais eficazes para
alcançar tal graça é afastar-se das coisas do mundo, das obras seculares.
O cristão deve viver neste mundo como um peregrino, alguém que “está no
mundo, mas não é deste mundo” (BÍBLIA, João 17, 15-16), conforme as palavras do
evangelista. Em sua epístola aos Romanos, Paulo mostra que a lei de Moisés, embora
tenha sido entregue por Deus ao próprio Moisés, foi enxertada com inúmeros códigos
humanos, e que a mesma não pode ser mais importante que a lei do espírito deixada
por Jesus Cristo e segundo a qual o homem deve viver em função da adoração ao
Cristo e não na estrita obediência à lei, principalmente quando esta lei expressa
apenas as tradições humanas.
O corolário desta edificação teológica é, naturalmente, a valorização do eterno,
em detrimento do mundo terreno, marcado pela contingência, pela maldade humana,
28
exposto ao pecado dos homens. As questões éticas aqui propostas também se voltam
para a questão da felicidade, da realização humana.
Fiel aos propósitos deste trabalho dissertativo, não se fará aqui uma exposição
detalhada de toda filosofia medieval, que é bastante complexa e variada. Aqui serão
enfatizados alguns elementos que irão reforçar a discussão acerca do conceito de
ética mínima, tal como proposto por Adela Cortina. Ao contrário do que pode parecer
à primeira vista, a Idade Média não é um período unívoco, com uma única forma de
se conceber a filosofia, mas um momento rico e complexo na formação da civilização
ocidental. A influência do cristianismo se faz sentir em muitos trabalhos deste período,
servindo como base principal da reflexão filosófica.
Em sua obra sobre a filosofia na Idade Média, Etienne Gilson (1995, p. 15-16)
faz um interessante resumo da religião cristã:
É em face desta doutrina que Agostinho de Hipona (354 d. C. – 430 d. C.) irá
construir seu pensamento. A filosofia de Santo Agostinho trata de questões do gênero
humano, do problema do mal, da justiça divina e do destino ultraterreno do homem.
Um pensamento marcado por dualidades e contrastes como céu e inferno, bem e mal,
corpo e alma, a Cidade de Deus e a Cidade Terrena, a justiça divina e a justiça dos
homens, a Igreja de Cristo que cultua o Deus Uno e o Teatro que cultua os Deuses
pagãos.
Os escritos do Bispo de Hipona, na sua quase totalidade, versam sobre
questões relacionadas à fé cristã. Sua concepção cristã aparece na formulação de
sua visão política. Agostinho foi muito influenciado pelo dualismo platônico e
certamente foi influenciado pela concepção do Estado ideal de seu mestre filosófico.
Porém, o tratado de Agostinho não tem esta pretensão.
29
Adela Cortina (2009) alerta para o fato de que a questão ética e desloca da
ideia de felicidade, própria dos pensadores antigos e medievais, para a noção de
norma, característica que está muito presente na modernidade. Ao examinar o
conceito de modernidade proposto por Max Weber, Jürgem Habermas (1992, p. 109-
110) leciona que:
dando lugar à ciência, com seu rigor e pressupostos de validade. Para realizar tal
intento, Immanuel Kant se põe a realizar a tarefa crítica, ou seja, questionar a validade
e o alcance do pensamento filosófico ancorado na razão, a fim de averiguar quais são
os limites do conhecimento.
Neste sentido, o que se coloca em perspectiva é saber até onde a razão pode
se arvorar em detentora de todas as possibilidades do saber. Em outras palavras, é
necessário averiguar o que a razão pode conhecer, assim como o que escapa às suas
possiblidades e quais os critérios que validam um conhecimento de base científica.
Este problema ocupou grande parte dos esforços de Immanuel Kant, e aparecem sob
o nome de estudos críticos, nos quais se destacam as seguintes obras: A Crítica da
Razão Pura, Crítica da Razão Prática e Crítica da Faculdade do Juízo. Nestas três
obras estão contidos os fundamentos do pensamento kantiano.
Elas expõem de forma profunda o projeto da filosofia de Immanuel Kant, além
de revelar dois aspectos importantes: primeiro, que a filosofia de Immanuel Kant
separa o conhecimento científico do filosófico e do teológico e em segundo lugar, que
esta separação reflete a adesão do filósofo alemão ao projeto iluminista. No que
concerne ao primeiro aspecto é importante fazer uma breve exposição, uma vez que
o propósito aqui é discutir o viés iluminista do pensamento kantiano.
A necessidade de fazer a cisão entre filosofia e ciência se dá pelo fato de que
Immanuel Kant considera que existem limites para o conhecimento e de que a razão
não pode conceder a si mesma, o poder de conhecer todas as realidades do mundo.
Esta preocupação é exposta por Immanuel Kant (2001, p. 29) em uma das passagens
de sua Crítica da Razão Pura:
Na Crítica da Razão Pura, Kant submete a razão a um tribunal que terá por
finalidade julgar o alcance de sua capacidade cognitiva, bem como suas pretensões
em relação ao conhecimento. Os limites da razão devem ser estabelecidos com base
no saber empírico, aproximando, pois, o conhecimento da ciência. A razão pura só
terá força se aliada e iluminada pela ciência.
Este aspecto que se faz presente nos escritos críticos de Immanuel Kant diz
respeito à sua filiação e adesão à corrente iluminista de pensamento, a qual valoriza
a razão em detrimento do pensamento religioso.
34
Adela Cortina (2015, p. 115) faz uma distinção entre éticas de mínimos e éticas
de máximos nos seguintes termos:
Esta distinção é importante para os fins desta pesquisa, além de expor de forma
didática a linha de reflexão proposta por Adela Cortina. De um lado existem as éticas
que dão conta daquilo que é universalizável, entendida como aquelas exigências
mínimas que devem ser levadas em conta por todo ser racional, caso a sociedade ou,
mais precisamente, os homens desejem de fato constituir um espaço democrático de
convivência, participação, diálogo, entendimento.
Isto não significa dizer que tal espaço suponha uma relação não conflituosa
entre os indivíduos. As divergências compõem o amplo espectro de relações
permeadas pelo mínimo ético exigível para todos os homens. A questão é saber como
estes conflitos são equacionados, na medida em que se valoriza a discussão, o
respeito ao outro e a adesão, desde que as condições para o debate sejam
equitativas, às regras mínimas que os próprios indivíduos instituíram, de modo a que
todos se submetam a tais normatizações.
Ao mesmo tempo isto não exclui o fato de que possam ser oferecidos aos
indivíduos modelos de felicidade, os quais podem ser partilhados, sugeridos, mas não
impostos a todos, uma vez que a felicidade, melhor dizendo, os caminhos que a ela
conduzem são compreendidos de forma diferente pelos indivíduos.
Neste sentido, Adela Cortina (2015, p. 115) nos apresenta o que ela mesma
chama de “dupla faceta da moralidade”. Esta dupla face, de acordo com Adela Cortina
(2015, p. 115) encerra uma vantagem especial, pois permite esclarecer pelo menos
dois fenômenos:
respeito a noções como justiça social, respeito às diferenças, resolução pacífica dos
conflitos, repúdio ao autoritarismo e a todas as formas de intolerância.
Esses mínimos éticos encontram amparo em uma moral civil a qual, segundo
Adela Cortina (2009, p. 156-157):
as pessoas parte daquilo que as diferencia dos outros. O que identifica o indivíduo
com os seus concidadãos, alerta Adela Cortina (1999, p. 252):
Mais uma vez destacamos algumas palavras do texto, a fim de reforçar o elo
entre o conceito de cidadania e a proposta da ética mínima de Adela Cortina. A
cidadania aqui é vista como acesso aos bens sociais, econômicos, mas também diz
respeito à participação nas decisões coletivas por meio do diálogo.
Entretanto, e é sempre bom enfatizar este aspecto, a tese da filósofa espanhola
resgata a noção de felicidade, algo que já tinha sido discutido nos gregos.
Ao projetar o caminho para a felicidade, os homens entram em diálogo, se
dispondo a criar e dar sentido aos valores, ao invés de ficar apenas cumprindo
normas. O processo de criação dos valores é próprio do homem.
Para falar desta capacidade humana, Adela Cortina (2009) relembra muitas
vezes o discurso das três metamorfoses de Friedrich Nietzsche, que aparece em seu
livro Assim Falou Zaratustra, onde ele apresenta a figura do Super Homem.
A figura de Zaratustra aparece na obra com a finalidade de denunciar esta ilusão,
qual seja a admissão por parte dos homens, filósofos, cientistas, de que por trás da
46
aparência do mundo se esconde algo como uma essência ou norma universal que
valha para todos os homens. Como prenúncio desta libertação, o super homem afirma
o seu querer em face de toda e qualquer tentativa de amarrá-lo a uma vontade que
lhe é estranha, ainda que esta apareça como a vontade do seu grupo, comunidade,
legislação moral.
Este processo aparece em Zaratustra na forma que Friedrich Nietzsche
denomina de as três metamorfoses do espírito. Além de abrir a primeira parte da obra,
este discurso expõe de forma bastante simbólica a tarefa constante que cabe ao
indivíduo no caminho para a remoção das amarras impostas pela moral, entendida
como maneira de ver consagrada pelo meio social em que se vive e que adquire status
de verdade divina, absoluta.
Que metamorfoses são estas? Pela boca de Zaratustra, Friedrich Nietzsche
ensina que são três as metamorfoses do espírito: como este se torna camelo, o
camelo, leão e o leão, criança. O camelo representa o espírito de suportação, a
afirmação da vida no que ela tem de peso, dureza, dor. A segunda metamorfose se
dá no deserto, curiosamente um lugar central para a mística cristã, o ambiente propício
para o encontro com Deus e a renúncia aos ideais mundanos. É no deserto que o
camelo se torna leão. Este animal representa as condições para que o espírito alcance
a sua liberdade.
Como isto ocorre? Amarrando o dragão que o escraviza. Este dragão atende pelo
nome de “tu deves”. O leão quer ser senhor em seu próprio território, afirmando um
solene “eu quero”, atitude sem a qual este não pode passar à terceira transformação,
apresentada na figura da criança.
A partir desta última mudança o espírito pode aspirar à liberdade, visto que a
criança é inocência, esquecimento, um novo começo, em tudo abertura para novas
aquisições (cf. NIETZSCHE, 2005). A partir deste momento, ou novo começo, o super-
homem pode aspirar à sua concretização num indivíduo aberto a múltiplas
possibilidades, sem as amarras impostas pela norma universal.
Através do espírito da criança, surge a necessidade de se recorrer ao diálogo
com os homens, para que se estabeleçam os mínimos éticos necessários à
implantação da justiça. Essas categorias são ensinadas na ética, no ramo da filosofia
que trata da reflexão sobre os valores morais. Por conseguinte a reinserção da filosofia
no ensino médio representa um ganho significativo na reflexão dos valores morais e
47
do próprio conceito de ética. No próximo capítulo será feita uma incursão a respeito
da prática e do ensino da filosofia no ensino médio.
48
O ser humano não encara a sua existência como uma mera sucessão de
eventos, mas se coloca diante dela, faz escolhas, cria valor, estabelece os limites do
certo e do errado, do bem e do mal. É justamente isso que configura sua natureza
ética.
O homem não é um ser de contatos, mas de relações, ele se abre à realidade,
ao outro, à totalidade das coisas que estão presentes no mundo e fazem parte de seu
cotidiano. Há, portanto, uma pluralidade na relação do homem com o mundo, como
nos diz Freire (1967, p. 39-40) na sequência de seu argumento:
Freire (1967, p. 35), afirmava que “não há educação fora das sociedades
humanas e não há homem no vazio”. Neste sentido, é preciso fugir das teorias
descoladas da realidade, que constroem um cenário em que a filosofia é trabalhada
na escola de forma totalmente livre e independente das condições econômicas,
sociais, políticas e culturais que formam a sociedade brasileira.
52
O contexto escolar no qual a filosofia está inserida não pode sufocar a natureza
do fazer filosófico. A este respeito, Marcondes; Franco (2011, p. 7) afirma que “a
Filosofia enquanto pensamento crítico e reflexivo tem como característica colocar a si
mesma em questão”. O que ela, a Filosofia, complementa Matos (2015, p. 372) “e
somente ela - é convocada a fazer no processo de aprendizagem dos adolescentes e
jovens no espaço/tempo da escola”.
O ensino da filosofia não se exaure na mera transmissão de determinados
conteúdos programáticos. Ele se caracteriza, sobretudo, pela construção de uma
atitude. A este respeito, afirma Cerletti (2004, p. 27-28):
Este “fazer com” nos remete às reflexões de Paulo Freire acerca de uma
educação bancária e de como é necessário propor um ensino que não seja mera
transmissão de informações.
De acordo com Freire (1987, p. 37-38):
É possível afirmar que os cantos aqui apresentados falam dos valores morais,
daquilo que afeta os alunos e constitui seu universo valorativo, dirigindo não apenas
suas visões de mundo, mas suas ações rumo a determinadas vivências ético-morais.
O ensino da filosofia prima então pela otimização da experiência, entendida,
conforme assevera Larossa (2018, p. 18) como “o que nos passa, o que nos acontece,
o que nos toca”, embora, reforça Larossa (2018, p. 18) a “cada dia se passam muitas
coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece. Dir-se-ia que tudo o que
se passa está organizado para que nada nos aconteça”.
Com estas observações, Larossa (2018) faz uma alusão ao excesso de
informação, que acaba negando e dificultando a experiência. Portanto, o ensino da
filosofia no ensino médio precisa tomar o devido cuidado para não se converter em
mera transmissão de conteúdos específicos, em um desfilar de doutrinas e filósofos,
sem que tudo isto possa atravessar o aluno, tocá-lo, fazer sentir a sua existência a
partir da experiência de si mesmo e do outro.
Destarte, a lei 11.684/2008 contribuiu para trazer a discussão acerca do ensino
da filosofia ao debate público, mobilizando a universidade a pensar práticas realmente
eficazes de se reintroduzir a filosofia na prática escolar. Entretanto, sua eficácia esteve
atrelada à reformulação da Base Nacional Curricular Comum.
Faz-se necessário então ver o que diz a legislação a respeito do ensino da
filosofia, sobretudo a nova Base Nacional Curricular Comum.
A autora reforça seu raciocínio ao enfatizar que a formação deve colaborar para
o exercício da atividade docente, “uma vez que professorar não é uma atividade
burocrática para a qual se adquire conhecimentos e habilidades técnico-mecânicas”
(cf. PIMENTA, 1999, p. 18). Para finalizar sua reflexão, Pimenta (1999, p. 18) aponta
a razão de ser da formação docente:
61
Em outro momento, o texto da base afirma que (cf. BRASIL, 2018, p. 561):
No que diz respeito ao papel da filosofia, inserida no conjunto dos saberes que
compõem as Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, a Base destaca o seguinte (cf.
BRASIL, 2018, p. 563):
Em seguida, Pereira & Neves (2012, p. 18) fazem uma afirmação que antecipa
o que foi proposto pela nova Base Nacional Curricular Comum, no que diz respeito às
Ciências Humanas e Sociais Aplicadas:
dificuldade de lidar com esta diversidade. É possível questionar também até que ponto
o desenvolvimento técnico e científico tem sido acompanhado por um
desenvolvimento moral, entendida aqui na perspectiva da ética mínima de Adela
Cortina.
Este é o ponto paradoxal de todo este processo. O homem alcançou um grau
de Desenvolvimento tecnológico nos 400 últimos anos superior as suas perspectivas,
contudo, seu desenvolvimento moral parece não ter o mesmo curso. Palavras como
honestidade, dignidade, honra, respeito, solidariedade, justiça, parecem vazias de
sentido na sociedade presente.
Ainda na linha de compreensão do papel da educação para a formação ética
dos seres humanos, Adela Cortina (2003) entende que a educação do cidadão e da
cidadã deve levar em conta a dimensão comunitária das pessoas, seu projeto pessoal
e também sua capacidade de universalização, que deve ser exercida dialogicamente,
pois, dessa maneira, elas poderão ajudar na construção do melhor mundo possível,
demonstrando saber que são responsáveis pela realidade social.
Em uma sociedade regida pela lógica do mercado, é muito comum se atribuir
mais valor ao ter do que ao ser. Aqui se cria outro paradoxo, que é o de buscar o
sentido maior da felicidade em pequenos e instantâneos momentos de euforia na vida
do indivíduo. Após esta introdução passaremos então à descrição da pesquisa,
expondo o relatório de intervenção.
O foco deste relatório de intervenção é a discussão dos valores éticos e morais
em sala de aula a partir de uma sequência de aulas de filosofia realizadas ensino
médio, no 1º ano, em uma Escola de Ensino Integral. Focando assim, o ensino de
Filosofia na sala de aula, trazendo a Ética e a Moral, de acordo com a formulação de
uma ética mínima, proposta pela filósofa Adela Cortina, no contexto da formação do
cidadão comprometido com suas atividades em torno da comunidade.
A avaliação foi feita a partir de determinados indicadores. Um deles é a própria
experiência e prática de sala de aula bem como os registros de aulas feitos através
de trabalhos e das anotações na caderneta.
Porém, um dos elementos que serviram de base para se elaborar este relatório
de intervenção foi o questionário que foi respondido pelos alunos, o qual foi
complementado pelas atividades lúdicas que eles, os alunos, prepararam e que se
materializaram no sarau filosófico.
74
questão, porém, é que os problemas não são técnicos, mas práticos, e não se
encontram na esfera da "ação racional teleológica", mas da "ação comunicativa".
A tática utilizada pelos que detêm o controle do sistema é a despolitização das
massas, eliminando os conteúdos práticos dos problemas, visando transformá-los em
técnicos e que, como tal, devem ser resolvidos cientificamente. Está aberto o campo
para a tecnoburocracia (cf. HABERMAS, 1987).
Jürgem Habermas (1987) acredita que uma nova zona de conflitos não virá da
luta de classes, ou destas disparidades entre centro e periferia do sistema, mas surgirá
exatamente do sistema de opinião pública, administrado pelos meios de comunicação,
que é onde atuam os mecanismos de despolitização das massas, os quais ocultam
as diferenças entre as questões técnicas de regulação do sistema e as possibilidades
reais de emancipação existentes no marco institucional (esfera da ação comunicativa).
Em síntese, podemos dizer então que, para o sociólogo alemão, a ação
comunicativa surge como uma interação de, no mínimo dois sujeitos, capazes de falar
e agir, que estabelecem relações interpessoais com o objetivo de alcançar uma
compreensão sobre a situação em que ocorre a interação e sobre os respectivos
planos de ação com vistas a coordenar suas ações pela via do entendimento.
Nesta seara, a filósofa Adela Cortina destaca que a justiça e felicidade não deve
estar ausente numa sociedade pluralista, onde encontramos diferentes e, às vezes,
opostos projetos de vida feliz.
Ou seja, a filósofa espanhola propõe uma “ética cívica” para articular o justo e
o bom, aonde se discute as éticas mínimas e máximas.
Adela Cortina (1999, p. 60) assim se expressa:
partir de um amplo esforço cognitivo em busca dos nexos causais que estão por trás
dos fenômenos, quer naturais, quer sociais.
A metodologia aqui utilizada segue o padrão qualitativo, pois se pretende
aplicar o conceito a determinada realidade, no caso em questão, as turmas de primeiro
ano do ensino médio da Escola Desembargador José Neves Filho, fazendo
correlações teóricas entre os autores aqui escolhidos e a realidade cotidiana da sala
de aula.
É sempre bom recordar que a análise da realidade a partir de determinada
perspectiva teórica é sempre uma aproximação. A teoria explica a realidade, mas não
pode substituí-la.
Neste sentido vale à pena recordar o conceito de tipo ideal recurso
metodológico criado pelo sociólogo alemão Max Weber. No que diz respeito à
investigação, afirma Max Weber (2001, p. 137), “o conceito de tipo ideal propõe-se a
formar o juízo de atribuição”. O tipo ideal “não é uma ‘hipótese’, mas pretende apontar
o caminho para a formação de hipóteses. Embora não constitua uma exposição da
realidade, pretende conferir a ela meios expressivos unívocos” (WEBER, 2001, p.
137).
Por ser um “juízo de atribuição”, o tipo ideal não constitui uma exposição
objetiva da realidade, como se fosse possível retratá-la na sua inteireza através de
conceitos.
Na verdade, atribuir um caráter ontológico4 à realidade, como se ela fosse algo
concreto, objetivo, constituída por uma essência que pode ser expressa pelo
pensamento, constitui hoje um empreendimento destinado a recair nos velhos
preconceitos morais, sem dar conta da complexidade da sociedade.
O pensamento filosófico contemporâneo é quase unânime em reconhecer que
não existe “a realidade”, mas construções teóricas que ajudam e interpretar o mundo,
levando em consideração as múltiplas possibilidades compreensivas. Daí a
importância da metodologia weberiana que, em certos aspectos, continua válida para
o trabalho científico.
4
Esta palavra deriva do grego e pode ser traduzida como o estudo do ser. Ao se referir ao caráter
ontológico da realidade, parte-se do pressuposto de que há uma essência, algo que está por trás das
coisas. Seria a realidade última das coisas. Em seu tratado de Metafísica, Aristóteles se referia ao
estudo do ser enquanto ser, ao estudo e investigação das causas primeiras (cf. ARISTÓTELES,
2002).
79
1º aula
Esta primeira aula teve como objetivo iniciar a discussão conceitual sobre ética
mínima. Isto foi feito através de uma dinâmica, conhecida como Jogo do número
Chinês, seguida de uma leitura do texto de Adela Cortina acerca da ética mínima, no
qual se introduz a diferenças entre mínimos e máximos éticos.
O planejamento da aula teve como intuito incentivar os alunos, para que se
sentissem motivados ao livre pensar. Para isto se fez necessário criar um clima de
descontração. A dinâmica de grupo atende a esta proposta, ou seja, que os alunos
sejam impelidos à reflexão.
A dinâmica de grupo (cf. MILITÃO, 2001, p. 5) tem o objetivo de integrar,
desinibir, “quebrar o gelo”, divertir, refletir, aprender, apresentar, promover o
conhecimento, incitar a aprendizagem, competir e aquecer seus componentes no
sentido de promover uma interação dialógica.
Neste sentido, Cano (2005, p. 30) destaca que a nossa comunicação deve estar
permeada de:
Passo 01
Esta atividade lúdica tem como base o despertar do aluno para descobrir
através da ludicidade o segredo da aprendizagem do número chinês.
O segredo desta brincadeira é observar o todo e fazer a correlação com a ética,
porque a ética está presente nos valores e atitudes dos seres humanos, como traço
cultural. Tudo isto conforme os valores morais que direcionam o comportamento dos
indivíduos em cada grupo social.
Objetivo:
Regras do jogo:
82
As palavras de Emanuel Levinás ecoam muito bem nesta discussão, pois elas
trazem à tona a ética como fundamento do ser humano e não apenas como um
departamento da moral. Ela tampouco pode ser reduzida à obediência a regras e
normas, conforme o viés que assumiu na modernidade.
85
Passo 02
2ª aula
Esta aula também foi introduzida com uma atividade lúdica. Tendo como
proposta aguçar, inquietar o alunado para a empatia e acolhimento do outro,
aguçando sua capacidade de ler uma imagem e fazendo uma correlação com o livro
didático.
A proposta aqui é a de promover um saber visual, escrito e problemático. O
primeiro passo foi realizar a dinâmica da exclusão, como forma de suscitar o respeito
e acolhimento do outro.
Passo 01
5
A palavra telos deriva de Teleológico e se refere à finalidade das coisas. Aristóteles afirmava que as
coisas têm um telos, ou seja, elas tendem para uma determinada finalidade, Assim, o telos da faca é
cortar, o da medicina é curar, o da política é o bem estar dos cidadãos (cf. ARISTÓTELES, 1991).
86
Dinâmica da exclusão
Regra da dinâmica:
87
Esta atividade foi iniciada com o grupo em círculo, o professor solicitou que se
agrupassem em pares e com quem tenham afinidades, solicitando depois que um dos
componentes se retire da sala. Neste momento se formam dois grupos distintos. Um
fica dentro da sala e outro do lado de fora da sala.
O professor conversa com o grupo que ficou no lado de fora da sala, dizendo
que ao entrarem de volta a sala relataram um fato importante de sua vida, e deixa o
grupo refletindo, logo em seguida o professor conversa com o grupo que ficou dentro
da sala, fazendo o seguinte pedido: o grupo não dará ouvidos à sua fala dos colegas,
a atitude de vocês será pelo menosprezo perante a exposição do fato narrado por
eles. Nesta simulação, os alunos que ficaram dentro da sala para ouvir, fazem
movimentos adversos (cantar, brincar, sair do lugar, falar com outras pessoas,
telefonar, etc.).
Com o grupo que ficou do lado de fora será solicitado a pensar em um fato
inédito que acontecerá com a sua pessoa, este fato será relatado ao seu parceiro,
quando estiverem juntos na sala.
Objetivos:
Passo 02
Leitura de imagem
Partindo para o segundo momento, que foi realizado com o livro didático,
“Fundamentos da Filosofia” de Gilberto Cotrim, os alunos foram apresentados, através
da imagem do quadro de Abraão e Isaac (1634), à cena bíblica do que sacrifício de
Isaac, em que Abraão está prestes a tirar a vida de seu filho, atendendo a Deus, que
lhe pedira esse sacrifício como prova de sua obediência e fé, ato que é sustado pelo
aparecimento de um anjo que segura sua mão e impede o desfecho trágico.
88
Diante do quatro se questiona o que você sente ao ver essa cena? Você
mataria um filho para cumprir uma ordem do ser em quem mais confia e respeita (no
caso Deus)? Ou desobedeceria a ele para preservar o filho que você tanto ama e não
se tornar um assassino?
Neste momento é realizada uma ação exploratória no sentido de investigar os
conhecimentos prévios em relação ao tema abordado “a ética e a moral”, tema de
grande relevância para a educação secundaria, assim previsto nas Orientações
Curriculares para o Ensino Médio, (cf. BRASIL, 2006, Art. 35)
Passo 03
Dando continuidade ao tema em voga, foi realizada uma Leitura acerca dos
conceitos da ética e da moral vivenciada no capítulo 18, intitulado “Ética na História –
algumas concepções da filosofia moral”, na página 335 do livro didático de Gilberto
Cotrim (2016), Fundamentos da Filosofia, onde se trabalhou os 4 períodos de vivência
histórica da ética no contexto global:
Período da Antiguidade: reflexão da ética grega; a ética helenística;
Período da Idade Média ou Medieval: Santo Agostinho; Ética Cristã
Período da Idade moderna: A moral iluminista; a ética kantiana.
Período da Idade Contemporânea: A ética do discurso de Jürgem Habermas.
90
3ª aula
Passo 01
Passo 02
4ª aula
Passo 01
A primeira atividade neste dia de aula, foi distribuído junto aos alunos, um
questionário com 9 perguntas abertas, salientando que as respostas estariam
contribuindo para configurar uma solução para as indagações de minha dissertação
de mestrado, intitulada “A DISCUSSÃO DOS VALORES ÉTICO-MORAIS: A ética
mínima no ensino de filosofia à luz do pensamento de Adela Cortina”, neste dia estava
94
E nesta ação exploratória que realizamos esta atividade com o intuito de capitar
respostas através da visão crítica dos estudantes, assim como, conceitos formados
por eles sobre a ética no contexto de sua vivencia social.
As respostas estarei discutindo na análise e resultados do questionário,
descrito no item 4.4.
Passo 02
Foi solicitado que realizassem frases com éticas mínimas que deveriam ser
praticadas em sala de aula. A atividades fora tão instigante que os próprios alunos
pediram para fazer um banner com as frases mais destacas (Anexo 02). Pendurando
95
em cima da lousa para que todos observassem o pensamento gerado pela turma em
torno de uma ética mínimo, que devem praticar para se obter um mínimo de convívio
com o outro, e assim, trilhar caminhos de uma ética máxima, entre elas a felicidade.
Os objetivos de nossas aulas de filosofia é promover uma humanização do ser
humano, porque nossa vocação “e ser cada vez mais humanos” (SOUZA, 2007 p.
13601) ou nos desumanizamos ao longo da vida, tudo depende de nossas
experiências de nossa vida pessoal e coletiva, sendo assim, Freire(1987) relembra
que o ser humano nasce inconcluso e inacabado, vistas a construção de um projeto
humano para o conjunto da sociedade e para cada um de nós, e dos grupos culturais
aos quais pertencemos.
Souza (2007, p.1361) coloca que a humanização só pode ser construída
coletivamente desta forma a humanização implica então em:
Passo 03
5ª Aula
SARAU FILOSÓFICO
Esta atividade teve um cunho avaliativo, servindo como uma das notas que o
estudante teria na 3º unidade do ano letivo de 2019. A apresentação foi realizada no
98
TEATRO
MÚSICA
99
Este grupo se apresentou trazendo um RAP que trata da valorização dos pais,
para que o indivíduo não venha a se arrepender no momento em que seus pais não
estiverem mais por perto. A equipe revela que o RAP do egoísmo reproduz a “ética
da consciência”. Segue abaixo a letra do RAP.
H.N.M
(HUMILDADE NO MUNDO)
POESIA
PINTURA
QUESTIONÁRIO
Diante aulas assistidas, como você responderia as questões levantados
abaixo:
1. Como os jovens estão sendo preparados para lidar com a temática dos
valores ético-morais na escola?
2. Esses valores ainda estão presentes entre os jovens?
3. Na sociedade/comunidade?
4. Na escola?
5. Ou está havendo uma perda desses valores?
6. Qual o papel que a educação e o ensino de filosofia desempenham na
discussão da temática em sala de aula?
7. Quais os valores basilares elencadas pelos alunos?
8. Quais os valores mínimos necessários a uma convivência democrática?
9. Quais os valores máximos necessários a felicidade humana?
As respostas dadas pelos alunos ilustram bem a forma como o conteúdo foi
repassado e discutido com eles em sala de aula. Em relação aos valores mínimos, a
maioria elencou valores como solidariedade, respeito e defesa de diversidade como
princípios mínimos que devem nortear as relações humanas. Eles ainda apontaram a
importância da filosofia como um saber necessário à apreensão destes valores.
103
pessoa. Isto não pode ser colocado como uma exigência mínima para o bem estar da
sociedade, pois os gostos pessoais divergem.
Logo, o caminho apontado por P.E.S.L em relação aos máximos necessários à
felicidade, dispõe apenas sobre a sua trajetória de vida e não diz respeito às escolhas
dos seus colegas da escola. De qualquer forma, as respostas ao questionário
mostraram que os alunos estão realmente engajados na discussão e na reflexão dos
valores éticos.
No aspecto geral, a intervenção foi bastante satisfatória e isto sob dois aspectos
que vale à pena reforçar aqui. Em primeiro lugar, há que se destacar o engajamento
dos alunos nas atividades, desde aquelas relacionadas à leitura e discussão dos
textos, quanto em relação às atividades que eles deveriam propor e organizar.
O que se viu foi uma atuação bem forte dos estudantes, no sentido de tornar
prático e, portanto, mais palpável o conteúdo trabalhado em sala de aula. A leitura dos
textos de Adela Cortina foi de grande valia no início da intervenção, pois eles serviram
de guia teórico e pano de fundo das atividades lúdicas.
Desta forma, a participação dos alunos contribuiu para elevar o nível da
discussão e não fugir do tema proposto, a saber, a discussão dos valores morais, à
luz do conceito de ética mínima.
O outro aspecto que merece a devida atenção é o que se refere aos resultados
obtidos. É possível dizer que os alunos das turmas do primeiro ano mergulharam no
universo dos valores morais, deixando se envolver nas diversas questões que
atravessam esta discussão. As atividades que foram propostas no sarau, organizado
pelos próprios alunos sugerem um encontro salutar entre a teoria e a prática.
Mais importante que a memorização de determinados conteúdos é a sua
compreensão e, no caso do estudo da ética e dos valores morais, a vivência dos
conteúdos é ainda mais necessário.
Com efeito, a melhor forma de fazer o aluno compreender os limites e
vicissitudes da moral, é colocando-o em situações nas quais sua postura ética é
colocada à prova e isto foi trabalhado bastante na intervenção.
106
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste sentido, só restaria então aos indivíduos viver o presente, aproveitando tudo o
que a vida lhes oferece hoje, uma vez que não há um telos a se alcançar.
Porém, este raciocínio contém uma armadilha, podendo gerar uma atitude de
mera adequação à realidade, quando não redunda em um discurso de conformismo
do tipo, não há nada o que fazer, logo é preciso viver o presente e usufruir de tudo o
que o mercado nos oferece.
De fato, as coisas não são tão simples assim, pois os acontecimentos trágicos,
as incertezas, as surpresas desagradáveis, as injustiças do mundo, etc, continuam
interpelando o homem, levando-o a não abandonar as perguntas fundamentais, como
tanto enfatiza Adela Cortina em seus escritos sobre ética.
A indagação acerca do sentido da vida ainda tem lugar na existência humana,
ainda que as respostas que possam ser dadas a estas questões não comportem mais
as soluções apresentadas por uma metafísica ou por uma teologia da salvação da
alma.
Não obstante os limites que devem ser colocados à filosofia antiga, vale
salientar a relevância de algumas intuições que estão presentes na tradição filosófica.
Uma delas é a valorização do diálogo como busca da verdade.
Foi observado a longo deste trabalho investigativo o quanto o elemento
dialógico é valorizado na concepção de Adela Cortina acerca da ética mínima. Não se
trata de se alcançar uma verdade universal e imutável, mas de estabelecer alguns
consensos que irão servir de base à convivência em sociedade, entre os indivíduos.
Trabalhar a comunicação entre os homens como passo para o entendimento é
um dos elementos chave para se viver nestes tempos de afrouxamentos dos laços
humanos e de multiplicidade de propostas éticas, todas elas calcadas em valores
diferentes e muitas vezes opostos.
Daí a necessidade de se trabalhar estes elementos em sala de aula, utilizando
a discussão teórica e, ao mesmo tempo, dinâmicas que levem o estudante a vivenciar
a ética de forma clara e transparente.
A participação dos alunos em todas as fases da intervenção foi extremamente
salutar e positiva. É claro que sempre há exceções. No ambiente de sala de aula nem
todos os estudantes se engajam de forma plena nos projetos que les são
apresentados. Porém, a despeito destes percalços, foi possível notar uma boa
participação.
111
O melhor de tudo foi observar suas reações às situações que foram colocadas
ao longo da intervenção e ainda vê-los produzir textos e dinâmicas que ilustraram bem
a relação entre ética de mínimos e ética de máximos, tal como está exposto na obra
de Adela Cortina.
Desta forma, a filosofia cumpre o seu papel de ser uma forma de saber que
suscita o pensamento crítico, que engendra a necessidade de reflexão acerca do
homem e da sociedade.
Os jovens foram sendo compelidos, por meio da intervenção, a se colocarem
diante de si mesmos e questionar suas próprias atitudes, num intenso movimento de
reconhecimento de si e percepção do outro. Neste sentido, a intervenção foi de grande
valia.
Porém, ainda é preciso compreender qual será o destino da filosofia no
currículo escolar. As mudanças que foram propostas recentemente pela nova Base
Nacional Curricular Comum ensejam uma nova situação e os teóricos do ensino da
filosofia precisam se debruçar sobre elas.
É preciso ver que destino será dado ao ensino da filosofia no ensino médio, por
exemplo, e que papel ela pode cumprir em um modelo de sociedade que valoriza o
resultado e que tem urgências que não podem ser adiadas.
O lugar da filosofia na sala de aula está mais do que nunca, em debate e é
preciso ter a ousadia de pensar estas questões e inserir a problemática dos valores
morais nesta discussão. Afinal de contas, o papel que cabe à filosofia diz respeito ao
projeto político em curso na sociedade.
Novamente os homens são chamados ao diálogo e instados a responder às
demandas do seu tempo. Uma delas diz respeito ao lugar da filosofia e da ética no
mundo contemporâneo.
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REFERÊNCIAS
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MORAL E DIREITO
MORAL E LIBERDADE
TURMA “D”