Schmitt e Nazismo
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Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Ahead of print, Vol. XX, N. XX, 2021, p. XX-XX.
Claudia Paiva Carvalho
DOI:10.1590/2179-8966/2020/51724| ISSN: 2179-8966
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Resumo
Este artigo analisa como a produção teórica de Carl Schmitt, especialmente o
“pensamento da ordem concreta”, influenciado pelo institucionalismo, contribuiu para as
transformações nazistas do direito alemão. Por meio de análise bibliográfica, demonstro
que a combinação entre institucionalismo e decisionismo na obra de Schmitt ofereceu
sustentação à ordem jurídica nazista e conferiu um papel de destaque aos métodos de
interpretação jurídica antiformalistas e antipositivistas como instrumentos para a
nazificação do direito.
Palavras-chave: Carl Schmitt; Nazismo; Institucionalismo.
Abstract
This article analyzes how Carl Schmitt’s theoretical work, especially the “concrete order
thought”, influenced by institutionalism, contributed to the Nazi transformations of
German law. Through a bibliographic analysis, I demonstrate that the combination of
institutionalism and decisionism in Schmitt’s work supported the Nazi legal order and
gave a prominent role to anti-formalist and anti-positivist methods of legal interpretation
as instruments for the nazification of law.
Keywords: Carl Schmitt; Nazism; Institutionalism.
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Introdução
1 No original, na biografia sobre Carl Schmitt, Bendersky relata que ele teria dito na entrevista: “I am a
theorist”, “a pure scholar and nothing but a scholar”.
2 A esse respeito, ver o trabalho de Bernardo Ferreira sobre o pensamento antiliberal de Schmitt: (FERREIRA,
2004).
3 É o caso, por exemplo, de Chantal Mouffe, que se apropria dos referenciais de Schmitt críticos à democracia
liberal para resgatar a relação entre política e conflito, em defesa da ideia de pluralismo agonístico.
Diferentemente de Schmitt, Mouffe não entende que democracia e liberalismo são incompatíveis, mas que
se relacionam na forma de um paradoxo necessário (MOUFFE, 2000: 9). Andrea Kalyvas também se propõe a
investigar as contribuições do pensamento de Schmitt à teoria democrática. Amenizando os rótulos a ele
atribuídos de conservador, niilista e anti-normativista, Kalyvas ressalta o papel central que Schmitt confere
ao povo como soberano, sujeito do poder constituinte e núcleo da legitimidade democrática (KALYVAS, 2008:
97).
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compreender a obra de Carl Schmitt no seu tempo e a partir de seus objetivos e conflitos.
É valiosa, a esse respeito, a observação de Gilberto Bercovici:
O grande problema dessa “recepção” de Schmitt é a tendência em amenizar
ou ignorar sua atividade política anterior e, especialmente, em meio ao
nazismo. Não se pode ignorar o fato de que sua obra foi toda elaborada
visando justificar certas correntes político-ideológicas, bem como as suas
próprias posições em relação à turbulenta conjuntura histórica e política da
Alemanha do século XX. Isso sem esquecer que, como jurista, Carl Schmitt era
voltado também para a solução de problemas concretos e conjunturais, não
podendo ter sua obra compreendida isoladamente da sua atuação política e
pessoal no decorrer de sua vida (BERCOVICI, 2002: 193).
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E. Scheuerman, consideram que tal escolha política era consistente com as linhas
doutrinárias já defendidas pelo jurista.
Essa discussão também impacta no tratamento dado à produção de Schmitt
durante o período nacional-socialista, que pode se orientar, por um lado, para
desconsiderá-la como mero artifício de legitimação do Terceiro Reich ou, por outro, para
reconhecer nela um valor teórico merecedor de uma investigação séria, ainda que não
possa ser dissociada dos objetivos de justificação e de sustentação jurídica de um domínio
político totalitário. Uma terceira chave de leitura propõe, ainda, que Schmitt teria se
movido pelo intuito de exercer uma influência sobre Hitler e, com isso, moderar a
radicalidade das transformações nazistas à ordem jurídica e política alemã.
Partindo desses questionamentos, busco analisar como o chamado pensamento
da ordem concreta de Schmitt contribuiu para as transformações nazistas do direito
alemão. O texto está estruturado em três partes: a primeira se dedica a traçar a influência
institucionalista e a adesão de Schmitt ao nazismo; a segunda parte aborda a formulação
do jurista sobre o pensamento da ordem concreta e sua relação com o decisionismo; por
fim, o terceiro tópico trata dos métodos de interpretação apresentados por Schmitt a
partir da concepção do direito como ordem concreta e tendo em vista a nazificação do
sistema jurídico alemão.
No contexto da crise final da República de Weimar, até 1933, Schmitt não apoiava a
ascensão nazista ao poder, mas defendia, em outra linha, uma solução autoritária de
direita que envolvia o fortalecimento do presidente do Reich e a manutenção das
instituições. Após o golpe do Estado alemão contra a Prússia, em 1932, Schmitt participou
ao lado do governo do processo que analisava a legitimidade da intervenção estatal,
atuando no sentido de justificar as medidas de exceção que tinham sido adotadas. Não
obstante, ainda que manifestasse até então a preferência por uma via mais conservadora
para enfrentar a crise, tão logo o Partido Nacional-Socialista ascendeu ao poder4, Schmitt
4 Dois decretos marcaram a consolidação nazista no poder. O primeiro chamado Decreto do Incêndio do
Reichstag foi aprovado pelo presidente, sob a pressão de Hitler, em 28 de fevereiro de 1933, em resposta ao
incêncio do prédio do Parlamento, prevendo, entre outras medidas, a suspensão de diversos direitos e
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garantias. O segundo é conhecido como a Lei de Concessão de Plenos Poderes de 1933 ou Lei habilitante de
28 de março de 1933, que conferiu plenos poderes a Hitler.
5 Tradução livre do original: “The technical formula behind this essay may be described briefly as: a. a
continuous repetition to reach saturation, past the audience’s expected ceiling of endurance; b. simple
wording so that the ordinary man (...) could understand, and yet, c. the contente should de interesting enough
so as to make everytbody else give it careful atention”.
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7Tradução livre do original: “Whereas the pure normativist thinks in terms of impersonal rules, and the
decisionist implements the good law of the correctly recognized political situation by means of a personal
decision, institutional legal thinking unfolds in institutions and organizations that transcend the personal
sphere. And whereas the normativist in his distortion makes of law a mere mode of operation of a state
bureaucracy, and the decisionist, focusing on the moment, always runs the risk of missing the stable content
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De acordo com o próprio Schmitt, o texto Sobre os três tipos de pensamento jurídico serviu
de fundamento para discursos que ele proferiu, nos meses de fevereiro e março de 1934,
perante organizações de juristas nacional-socialistas, especificamente a Sociedade
Imperador Guilherme para o Fomento das Ciências e a Federação de Juristas Alemães
Nacional-Socialistas (SCHMITT, 1934: 132). O público-alvo ao qual Schmitt se dirigia e os
objetivos políticos concretos que estavam em jogo são de importância central para
compreender o texto. Sabe-se que Schmitt buscava, então, tornar-se um jurista influente
e intervir na elaboração de um projeto constitucional para o sistema político nazista.
Outro aspecto relevante é que o livro foi publicado em 1934 pela Hanseatische
Verlagsanstalt, editora conhecida pela orientação nacionalista de direita e por contar com
uma clientela de escritores e leitores nazistas. A obra também foi lançada como uma
inherent in every great political movement, an isolated institutional thinking leads to the pluralism
characteristic of a feudal-corporate growth that is devoid of sovereignty”.
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Para além do embate teórico, Schmitt nota que, na prática, o positivismo nunca
teria se fixado na realidade alemã, a não ser na superfície. Particularmente, ele destaca
como o pensamento da ordem concreta permaneceu vivo na práxis da Administração
Pública e do exército prussiano, uma vez que “eram em si mesmas formações e
ordenamentos demasiado firmes e plenos de vitalidade a ponto de deixarem desnaturar
o seu direito próprio interno por um pensamento legalista de matriz normativista ou
positivista” (SCHMITT, 1934: 164). De fato, para Schmitt, os conceitos relativos ao poder
de organização, de serviço e de prestação, na Administração Pública, e a ligação entre os
conceitos de liderança, disciplina e honra na estrutura militar, teriam um papel tão central
na ordem concreta das duas instituições que elas não seriam possíveis sem contar com
essas construções conceituais, incabíveis na lógica do pensamento normativista abstrato.
Fica evidente como Schmitt busca localizar, na história das ideias e da prática
jurídica alemã, provas do enraizamento de uma compreensão e do funcionamento do
direito como ordem concreta. Sua estratégia argumentativa passa pela apropriação de
autores e exemplos do passado a fim de reforçar a tese de que a influência
institucionalista sempre esteve presente na história do direito na Alemanha. Aproveita-
se, assim, para conciliar a nova ordem jurídica nazista com o caráter conservador das
concepções institucionalistas “por parecerem reconhecer o caráter natural, a dignidade e
a intangibilidade da família, da Igreja, da propriedade e da empresa” (SEELAENDER, 2009:
426).
O texto também incorpora algo que está no cerne do institucionalismo e que diz
muito sobre a virada de Schmitt para o pensamento da ordem concreta. Institucionalistas
rejeitam a separação entre ser x dever-ser porque pensam o direito dentro da realidade
social, já mediada e construída juridicamente, ou seja, no interior das instituições que
influenciam e determinam o próprio funcionamento e a reprodução do direito (MACEDO
JR, 2011: 80). Como consequência, não são as normas que criam as instituições, mas as
instituições que produzem suas regras, o que implica em uma normatização do factual
que visa extrair o dever-ser do ser (SEELAENDER, 2009: 428). Ou seja, inverte-se o
elemento contrafactual do direito para afirmar, ao contrário, que as coisas devem ser da
forma como elas são e porque sempre foram assim.
Para Schmitt, tal raciocínio diferencia normativismo e pensamento da ordem
concreta, na medida em que: “Todo e qualquer ordenamento, também o ‘ordenamento
jurídico’, está vinculado a conceitos normais concretos que não são derivados de normas
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genéricas, mas geram tais normas a partir de seus própios ordenamentos e com vistas a
ele” (SCHMITT, 1934: 143). Schmitt assimila, neste ponto, as lições de Santi Romano, que
caracterizava o ordenamento jurídico como uma entidade que, acima de mover-se
segundo as regras, movia as próprias regras. Por isso, “uma alteração da norma é mais
consequência do que causa de uma alteração do ordenamento” (SCHMITT, 1934: 144).
Na sua análise sobre o pensamento decisionista, Schmitt observa que suas
primeiras formulações, pré-modernas, não apresentavam uma decisão pura, mas
“limitada e integrada pelo pensamento do ordenamento; ela emana de um ordenamento
pressuposto” (SCHMITT, 1934: 145). Somente com Hobbes é que se desenvolve o
decisionismo puro e autêntico, caracterizado por uma decisão soberana que “nasce de
um nada normativo e de uma desordem concreta” e que funda tanto a norma como o
ordenamento porque representa o início absoluto (SCHMITT, 1934: 147).
Tendo percorrido a evolução do pensamento e da prática jurídica, Schmitt
conclui, com apoio nas teorias de Maurice Hauriou e Santi Romano, que “o mero
restabelecimento de um conceito de ‘instituição’ supera tanto o normativismo até o
momento presente quanto o decisionismo, e com eles também o positivismo composto
por ambos” (SCHMITT, 1934: 168). Embora pareça indicar um afastamento em relação ao
decisionismo, logo em seguida, Schmitt confere ao Estado um papel superior perante as
demais ordens concretas, atuando como a “instituição das instituições”:
Para o modo de pensar do institucionalismo, o próprio Estado não é mais uma
norma ou um sistema de normas, também não mera decisão soberana, mas
a instituição das instituições, em cujo ordenamento numerosas outras
instituições, independentes entre si, encontram a sua proteção e ordem
(SCHMITT, 1934: 168).
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8No original: “Or cette totalité supérieure est la vision du monde national-socialiste, l’ordre global völkisch
ou encore la communauté populaire raciale”.
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Como defende Schmitt no texto O Führer protege o Direito, retomado mais à frente, a
necessidade extrema constitui o princípio último da ordem jurídica e autoriza o Führer a
criar o direito “sem mediações”, no exercício da liderança política em momentos de crise
ou de exceção (SCHMITT, 1934a: 179).
Diante dessa estruturação do pensamento da ordem concreta, parece correto
concluir que, para Schmitt, “as instituições, a despeito de terem vida própria e autônoma,
não se constituem num contrapeso ao poder do Estado” (MACEDO JR., 2001: 108). Isso
ocorre não só porque o Estado mantém um papel superior, mas também porque, no
domínio nazista, as ordens concretas deveriam ser lidas a partir da visão de mundo
nacional-socialista. Pode-se imaginar, nesse sentido, que as instituições dignas de
proteção seriam, por exemplo, a empresa ariana e a família ariana. Por sua vez, a
possibilidade de tais construções remete à adoção de métodos de interpretação jurídica
que, afastando perspectivas positivistas e formalistas, permitiriam uma politização ou
ideologização do direito, colocado a serviço dos objetivos de dominação nazista.
Para Schmitt, tais cláusulas gerais poderiam ser utilizadas como mecanismos para
a nazificação do direito alemão por meio de um processo de reinterpretação das leis,
dispensando modificações legislativas e permitindo a afirmação de um novo tipo de
pensamento jurídico, que ele identifica como o pensamento da ordem concreta:
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O trecho citado começa com uma referência a Heinrich Lange, outro jovem jurista
ligado ao nazismo que, em 1933, tinha publicado o texto “Liberalismo, Nacional-
socialismo e Direito Burguês”9, no qual sustentava que as cláusulas gerais serviriam para
colocar os “ovos de cuco” nazistas no direito alemão (SCHMITT, 1934: 170). Para Schmitt,
esses “ovos de cuco” podiam ser colocados em todos os ramos do direito.
No direito penal, por exemplo, tipos penais indeterminados “tais como
infidelidade, traição contra o povo e contra a economia nacional” introduziam
apreciações valorativas e políticas na interpretação das normas. No direito tributário, por
sua vez, o código alemão de 1919 determinava a interpretação das leis tributárias de
acordo com “a sua finalidade, o seu significado econômico e o desenvolvimento das
relações [sociais e econômicas]”. Esses conceitos, para Schmitt, “se referem sem
mediações à realidade concreta de uma relação vital” e “conduzem necessariamente a
uma nova espécie de pensamento que faz justiça aos ordenamentos dados ou novos
crescentes da vida” (SCHMITT, 1934: 173). Os princípios genéricos permitiriam, assim,
interpretar as normas jurídicas de acordo com a realidade das ordens concretas que
tinham suas disciplinas próprias impregnadas pelas concepções nazistas.
Outros ramos do direito também sofreram mudanças com a introdução de
princípios e conceitos abertos, suscetíveis de interpretação segundo os preceitos do
nacional-socialismo. Assim, “o novo Direito Público e Direito Administrativo impuseram o
princípio da lideraça [Führergrundsatz], com ele conceitos como fidelidade, obediência
[Gefolgschaft], disciplina e honra, que só podem ser compreendidos a partir de um
ordenamento e uma comunidade concretos” (SCHMITT, 1934: 174).
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10 No original: “Disregard of original legislative intent by ideologically guided judges became far more
significant in the ev-eryday legal life of National Socialism than injustice directly commanded by the law-
maker”.
11 No original: “the training of young jurists was centralized and made uniform. No applicant for judicial service
is accepted unless he undergoes a specified course of education in a ‘training camp’, not in legal matters, but
in National Socialist spirit. Before admission, he is subjected to a searching investigation as to proper
allegiance and subservience”.
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12Sobre as razões da demora desses estudos e, entre elas, a resistência dos próprios juristas para encarar
seus posicionamentos no passado, ver (STOLLEIS, 2001).
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As cláusulas gerais abriam espaço, portanto, para que os conteúdos das ordens
concretas fossem determinados de forma decisionista e interpretados de acordo com os
preceitos do nacional-socialismo. Para Schmitt, tal abertura no campo da aplicação do
direito permitia que fossem dadas respostas concretas para situações concretas. Ao
mesmo tempo, como afirma Ingeborg Maus, cláusulas como “boa-fé” ou “bons-
costumes” já não se referiam à ordem jurídica individual burguesa, mas eram
ressignificadas sob a nova ordem nazista (MAUS, 1997: 135).
4. Considerações finais
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dessas ideias, levando em conta o contexto político e os objetivos concretos que moviam
o jurista, parece um exercício particularmente profícuo tendo em vista a influência que,
tanto concepções institucionalistas do direito, como modelos principiológicos de
interpretação legal – com forte carga axiológica e teleológica – continuaram a exercer no
pensamento e na prática jurídica do pós-guerra.
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