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nayara_araujo1990@hotmail.com
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As estrofes acima transcritas são de autoria de João Alves Rocha, descrito como
músico e poeta por seu filho Francisco Alves Rocha, quando da publicação de alguns
sonetos escritos pelo pai. No composição deste livro, intitulado Estes Sonetos, consta que
Rocha nasceu na cidade do Crato, Ceará, em 15 de dezembro de 1900. Nos documentos e
* Graduada em História pela Universidade Federal de Campina Grande, UFCG. Atualmente, mestranda em
História Cultural pelo Programa de Pós-graduação de História da Universidade Federal de Pernambuco,
UFPE; bolsista CNPq.
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Estrofes do soneto “Desilusão” (p. 68), de autoria de João Alves Rocha, poeta cratense, publicado por seu
filho no livro Estes Sonetos em 2012.
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No entanto, devemos observar que tal empreitada não teve o pontapé inicial dado
por este senhor. A construção deste primeiro Cine-theatro é atribuída à figura de Teófilo
Hamdan, assírio/libanês instalado na cidade, comerciante e industrial, em meados da
década de 1920. O memorialista Wilson H. Lima Verde, em seu livro Iguatu – dando nova
vida ao que vi, ouvi, li, falaram, me disseram, assim descreve seu cinema: “Estruturado
com um moderno maquinário e contando com o aparelhamento de 400 poltronas, palco e
espaço bem definido para funcionamento da Banda de Música, visto que tal fato acontecia
ainda na época do cinema mudo” (VERDE, 2012: 465). Em entrevista realizado com o
referido memorialista, ele acrescenta:
2
Cidade situado no interior do Ceará, região centro-sul, distante da capital Fortaleza 380 km. É uma região
de clima semi-árido com uma área 11029,002 km².
3
Entrevista concedida pelo senhor Wilson Holanda Lima Verde, gerente aposentado do Branco do Brasil de
Iguatu, memorialista e escritor, em data de 06 de junho de 2012.
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Notamos a partir de sua fala, então, que a construção do prédio descrito em seu
livro se deu com a atuação efetiva do cinema na cidade, mudando-se após a conclusão da
obra. O endereço em que se encontrava o prédio do Cine-Theatro Iguatu à época era a Rua
do Fogo, hoje denominada de Floriano Peixoto, no centro da cidade. Na década de 1970 a
estrutura foi totalmente destruída para dar lugar à construção de um prédio que se tornaria
sede da Telemar – empresa de telecomunicações. Tal localidade estava bem próxima da
rua Epitácio Pessoa, uma conhecida rua de casas de comércio da época e ainda de hoje. Na
foto a seguir, observamos uma parte do centro da cidade com visão de cima (talvez
sobrevoando a cidade) e em seu verso alguns escritos, já um tanto corroídos pelo tempo.
Dentre o pouco que ainda está legível podemos ler “Praça Gonçalves de Carvalho, Iguatu”
escrito em máquina de datilografar e, abaixo, escrito à mão observamos o nome de
Nasareth, algumas palavras indecifráveis por conta do tempo e, em seguida, a data 10 de
junho de 1958.
A respeito desta fotografia, notamos ao centro a praça que, nesta data, já sofrera
modificações em seu nome, deixando de ser Getúlio Vargas para ser reconhecida como
Gonçalves de Carvalho. No prédio circulado encontramos o Cine-Theatro Iguatu, situado
próximo ao Palacete do Senhor Otacviano Benevides, construído no início da década de
1920, o qual serviu de sede para o I Congresso Algodoeiro do Ceará, em 1925 e seus bailes
ainda são relembrados pelos senhores como um festejo que movimentava a cidade. O
mesmo foi totalmente destruído também na década de 1970 para dar lugar à sede da Caixa
Econômica Federal. Seguindo ao outro extremo da praça, em linha diagonal, observamos
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O autor do artigo, Luiz Barros, teria transcrito um trecho dos escritos de seu pai
sem o cuidado de transpor a data? Ou a referida data no início do tópico sobre A estrada de
ferro em Iguatu, 5 de novembro de 1910 – data de sua inauguração – teria sido a mesma
em que escrevera? Na próxima citação usada pelo autor, Alerano diz o seguinte: “Em
1912, um movimento revolucionário depôs o velho Presidente Dr. Nogueira Acioli. O Cel.
Belizário afastou-se da política”. Assim, observando a citação seguinte, (pré)-supomos que
4
Tal texto encontra-se transcrito na íntegra no livro “A Estrada de Ferro de Iguatu”, de José Hilton Lima
Verde Montenegro, publicado em 2010.
5
tais escritos tenham sido feitos posteriormente. Apesar dessa questão ter aparecido ao
longo da pesquisa e inquietado um pouco, a maioria dos autores colocaram como momento
de emergência do cinema na cidade a década de 1920.
Portanto, da década de 1920 até o ano de 1953 o Cine-Theatro Iguatu, que já havia
mudado de dono – passara às mãos do já mencionado poeta João Alves Rocha – e de nome
– o novo dono o batizaria de Cine Guarany –, funcionou como único cinema da cidade. Na
data do centenário do município, 25 de janeiro de 1953, um novo cinema começou a
funcionar, o Cine Sá, construído pelo relojoeiro recifense Emanuel de Sá, situado à Praça
Cel. Cícero Belizário, mesma praça em que se deu as festas do centenário. O episódio foi
relatado, em entrevista de Wilson H. Lima Verde, como um acontecimento grandioso que
contou com a presença de diversos políticos, do prefeito Agenor Araújo, além do
compositor Humberto Teixeira – natural de Iguatu – e seu amigo e cantor Sivuca.
Com uma estrutura de cinema dita como o que havia de mais moderno na época, o
Cine Sá passou a fazer concorrência ao Cine Guarany, mas as pessoas entrevistadas não
souberam dizer se esse teria sido o principal motivo do fechamento na década de 1960 do
primeiro cinema a funcionar em Iguatu5. Tampouco as referências e documentos analisadas
até o momento nos possibilitou obter tal informação. É importante notar, portanto, a frágil
situação no tocante às fontes, pois um ou dois órgãos públicos no município se preocupa
com o registro histórico num cenário em que nenhum arquivo público municipal possui
atualmente jornais, por exemplo, preservados. Alguns raros jornais na íntegra e outros
poucos recortes se encontram sob a tutela do senhor Wilson H. Lima Verde.
5
Para a composição deste artigo foram analisadas seis entrevistas, sendo uma do já mencionado memorialista
Wilson H. Lima Verde. As demais são de José Bezerra, Eneas Paulino e Francisco de Paula da Silva,
Epitácio Araújo e Francisco de Sales.
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Assim como as relações dentro de uma urbe são pensadas, a organização física dela
igualmente o é. A igreja é construída e ao seu redor se estabelecem casas, a prefeitura, a
delegacia, uma praça de convivência, etc. A igreja católica, ao adentrar o espaço ainda
vazio e sem nome, vai, aos poucos, participando e observando tal espaço sendo apropriado,
dividido, articulado.
A nomeação dos lugares ao mesmo tempo que permite a abertura aos espaços vai
tornando esses nomes próprios esvaziados e desgastados (CERTEAU, 2008: 184). Seria
talvez essa a possibilidade de explicação na mudança de nomes porque passam os
logradouros? Também podemos observar que as práticas cotidianas vão permitindo aos
passantes a atribuição de outras denominações que, situado dentro daquela articulada teia
de eventos e acontecimentos, lhe permite assim ser chamada. Novamente, fazendo
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referência à praça situação na frente do Cine-Theatro Iguatu, o autor Hugo Victor, no ano
de 1925, diz: “possui a cidade, talvez, o mais vasto e mais belo [cinema] do interior, de
propriedade dos srs. Hamdan & Barreto, à praça Justiniano de Serpa” (VICTOR, 1925:
16). Esta mesma praça mencionada neste trecho por ele é também dita como a principal
praça do passeio público, construída pelos comerciantes. Notamos, assim, que ao passo que
alguns espaços já sofreram diversas nomeações, outros se mantiveram conservados, tanto
oficialmente quanto no imaginário social. Como exemplo, observamos a praça da Matriz
que, apesar de não guardar sua estrutura física preservada, ainda consta de mesma
nomeação.
escritos de Alerano Barros, o local onde se construiria a Estação de Trem fora escolhida
com cuidado e da sua inauguração em diante as práticas sócio-culturais também se
modificaram.
O trem surge como uma necessidade para fazer escoar mais rápido a produção de
algodão da região, vista como a maior produção do estado (NOGUEIRA, 1985: 95). Antes
da chegada do trem tal escoamento era realizado em “lombos de burros”, o que tornava a
chegada ao destino final mais demorada. Quanto mais rápido o produto chegasse ao seu
destino final, mais rápido os produtores obteriam o retorno financeiro e assim poderia
aumentar a produção, dispor de lazer e outros bens. Portanto, a manobra política do Cel.
Belizário pode ser vista como o pontapé para uma modernização da cidade de Iguatu, pois
da sua chegada em diante se observaria a instalação de hotéis antes inexistentes, do passeio
público próximo a estação, do passeio na estação, da instalação de cinema, dentre outros
aspectos.
que as novas construções seguiam em harmonia com a modernização, assim como também
considerou importante destacar as antigas construções colocando-as como “prédios
grosseiros e acachapados”. Salientamos também que dentre as construções mencionadas,
sua maioria são destacadas situando-se no centro, ao redor da igreja Matriz, ou ainda
próxima à Estação, locais que lhes permitiam viver a modernização – como aproveitar a
chegada do trem para a compra de jornais da capital, para ir ao lançamento de um filme
que acabara de chegar também via trem, etc.
cenários notamos a produção algodoeira das regiões próximas sendo transportadas até a
Estação, de lá para o porto de Fortaleza, ou de Recife posteriormente, e dos portos para o
exterior. Como o algodão se destacava como principal produto da balança comercial as
industrias voltaram-se mais para seu tratamento, descaroçando-o, limpando-o, etc.
Dentre essas industrias uma seria destaque na economia algodoeira da região por
várias décadas. A CIDAO – Companhia Industrial de Algodão e Óleo, começou a ser
construída em 1921 e teve suas obras concluídas em março de 1924. Essa industria era
propriedade do Sr. Trajano de Medeiros e com sua forte atuação no referido setor rendeu-
lhe à cidade a alcunha de Princesa do Ouro Branco. Para Nogueira, ela foi a maior
industria da cidade. Um desvio da linha de ferro foi construído passando por dentro da
fábrica, provavelmente no intuito de fazer escoar mais rápido a produção. Esse mesmo
desvio seria responsável no ano de 1933 pela recepção de Getúlio Vargas pelo Dr. Manoel
Carlos de Gouvêia e a visita ao Hospital Santo Antônio, construído com material retirado
da construção da estação às escondidas (MONTENEGRO, 2010: 59).
propulsor para a expansão do que estava ganhando cada vez mais as manchetes de jornais
como “progresso”, pois assim acreditavam os intelectuais observadores desse início do
século XX. Com entusiasmo, seus escritos tomavam nota da chegada da modernização, do
trem, da eletricidade, do telefone, do cinema, dentre outros (VICTOR, 1925: 47).
Inclusive, as análises de tal episódio nos faz lembrar a exibição do primeiro filme
pelos irmãos Lumière, na França no século XIX. O referido filme ficou popularmente
conhecido como “A chegada do trem na estação”. Com menos de 10 minutos, a câmera foi
posicionada em um tripé próximo a linha de ferro, permitindo filmar o trem ainda diminuto
aparecendo no horizonte e ir crescendo, ganhando cada vez mais o quadro da tela, ao ponto
de fazer as pessoas que ali assistiam sair correndo diante da ilusão de que o trem os
atropelariam (XAVIER, 1996: 25). O cinema como mais um invento modernizador
preconizava em seu primeiro filme também uma criação fruto da modernização. Ao
mesmo tempo essa cena poderia ser vista como uma alegoria capaz de passar a mensagem
de que a modernização agora ganhava velocidade, vinha de trem. Foi, portanto, de trem
que os filmes chegaram da capital e ganharam as salas do primeiro cinema da cidade de
Iguatu, filmes ainda mudos e acompanhados pela banda de música da cidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nos idos dos anos 1980 a linha ferroviária acabou com o transporte de passageiros,
permanecendo apenas como transporte de cargas. A historiadora Ana Isabel R. Parente
Cortez, na sua dissertação sobre as memórias acerca do trem na cidade do Crato, observou
uma canção popular muito conhecida entre os participantes da feira agropecuária da
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(...)
Levava eu e tu
(...)
[CORTEZ, 2008:79]
Um episódio não menos triste do que o cantado acima se deu com a desativação da
CIDAO, em Iguatu, também na década de 1990. Com o fechamento total da fábrica sua
estrutura toda foi destruída, bem como o desvio dos trilhos no intuito de, em seu lugar, ser
erguido um campus universitário, conhecido como cidade universitária, para abrigar a
todas s universidades existentes na cidade – URCA, UVA e FECLI. O projeto inicial
visava preservar os trilhos e as fachadas dos prédio, conservando um espaço para museu
que homenagearia tanto à industria quanto á produção algodoeira e ao trem. Contudo, o
que observamos – e tal episódio foi ressaltado em matéria do Diário do Nordeste – foi a
completa destruição de sua estrutura física, a entrega de partes de um antigo trem para a
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sucata e a retirada dos trilhos. Esse foi mais um dentre tantos do patrimônio do município
que perdemos para que seu espaço pudesse ser reaproveitado.
Aqui nos detivemos a abordar apenas o início do século XX, quando da chega e
atuação do trem e, principalmente do cinema. Num primeiro momento deste artigo
priorizamos analisar o cinema na sociedade, sua construção, a participação popular, sua
localidade dentro do mapa urbano em articulação com os demais espaço públicos, dentre
outros aspectos, para num segundo momento observar algumas práticas, atividades e
informações a respeito da cidade na década de 1920 à luz dos escritos de Hugo Victor,
contemplando, por fim, a construção e dinâmica do trem no referido recorte.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano, vol. 1. Trad.: Ephraim Ferreira Alves.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.
MONTENEGRO, José Hilton Lima Verde. A Estrada de Ferro de Iguatu – 100 anos.
Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2010.
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NOBRE, F. Silva. O Ceará e o Cinema. Rio de Janeiro: Cia Brasileira de Artes gráficas,
1989.
ROCHA, João Alves. Estes Sonetos. Crato, CE: BSG – Bureau de Serviços Gráficos,
2012.
VERDE, Wilson Holanda Lima. Iguatu: pelos novos caminhos da História (dando nova
vida ao que vi, ouvi, li, falaram, me disseram). Fortaleza: Expressão Gráfica Editora, 2011.