Psicomotricidade e Aprendizagem
Psicomotricidade e Aprendizagem
Psicomotricidade e Aprendizagem
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................ 2
2 PSICOMOTRICIDADE ................................................................................ 3
Bons estudos!
2
2 PSICOMOTRICIDADE
Fonte: isacolli.com
Elementos da psicomotricidade
De acordo com Fonseca (2008 apud MIGUEL, 2019), são várias as classificações
e as terminologias utilizadas para denominar as funções psicomotoras. De qualquer
forma, os conceitos são basicamente os mesmos; o que muda é a forma de classificar e
agrupar esses conceitos.
4
As terminologias mais utilizadas no Brasil e os seus respectivos conceitos são
apresentados a seguir:
Tônus: de acordo com Sampaio (2009 apud MIGUEL, 2019), é a tensão fisiológica
dos músculos que garante equilíbrio estático e dinâmico, coordenação e postura em
qualquer posição adotada pelo corpo, esteja ele parado ou em movimento. Exemplo: a
maioria das pessoas portadoras da Síndrome de Down possui uma hipotonia, ou seja,
uma tonicidade ou tensão menor do que a normal, o que faz com que haja um aumento
da mobilidade e da flexibilidade e uma diminuição do equilíbrio, da postura e da
coordenação.
5
membros superiores e inferiores se alternam coordenadamente para que haja
deslocamento, de acordo com Le Bouch (1992 apud MIGUEL, 2019).
6
2.1 O papel do psicomotricista
Corroborando com isso, Le Boulch (1985 apud MIGUEL, 2019) indica que o ato
antecipa a palavra, e a fala é uma importante ferramenta psicológica
organizadora, pois é por meio da fala que a criança integra os fatos culturais ao
desenvolvimento pessoal. Logo, a partir do momento em que ocorrem falhas no
desenvolvimento dos movimentos dessa criança, podem também ocorrer falhas
na capacidade de aquisição da linguagem verbal e/ou escrita.
7
2. Psicomotricidade hospitalar: em ambulatórios, UTIs, espaços de saúde
e brinquedotecas, com vistas à reabilitação de alguma debilidade
psicomotora.
3. Psicomotricidade empresarial: atividades de ergopsicomotricidade, em
que se encontram formas de desenvolver aspectos motores dentro dos
espaços de trabalho.
4. Terapia psicomotora: destinada a indivíduos com particularidades em
saúde mental e idade avançada, como é o caso dos idosos (MIGUEL,
2019).
8
criança precisa desenvolver a motricidade ampla, organizar seu corpo, ter
experiências motoras que estruturem sua imagem e seu esquema corporal,
conforme Fonseca (2010 apud MIGUEL, 2019).
11
é de uma enorme importância para o diagnóstico psicomotor e para a intervenção
psicomotora.
É óbvio que estas propostas de desenvolvimento psicológico, apresentam
implicações terapêuticas e educacionais extraordinárias e de grande alcance. Wallon
alerta, no movimento da Escola Nova, de que foi pioneiro, para a excessiva rigidez dos
programas de ensino, para o ensino puramente livresco, para o autoritarismo dos
métodos tradicionais, etc., que, no seu conjunto, colocam a criança e o jovem em uma
posição passiva. Pelo contrário, a perspectiva walloniana aponta para uma posição
intrinsecamente ativa, na qual a ação concreta da criança e do jovem, como seres
inexperientes, se torna a via mais adequada para promover a sua espontaneidade e a
sua curiosidade, daí a importância da aplicação da teoria psicomotora à educação e,
obviamente, da terapia, de onde emergiu em termos clínicos (FONSECA, 2008).
A educação baseada em investigações e explorações livres, em contato sensório-
motor com o mundo exterior e com as próprias fontes de informação, com base em
processos múltiplos de interação social, pode contribuir para o desenvolvimento
harmonioso e total da personalidade da criança e do jovem. Formar-se no seio de vários
grupos, onde as crianças e os jovens efetivamente se devem integrar e vivenciar
emoções e exprimir corporalmente os seus pensamentos e conhecimentos, é essencial
para o desenvolvimento das suas inteligências (FONSECA, 2008).
Além disso para Fonseca (2008), criticando a perspectiva seletiva, individualista e
competitiva do sistema de ensino, Wallon sugere um ensino mais centrado no
conhecimento científico do ser humano em desenvolvimento, um ensino mais
democrático e mais justo em termos sociais, no qual se possam harmonizar as aptidões
individuais com as necessidades sociais, em que o professor não seja mero espectador
do desenvolvimento das crianças e dos jovens, mas, sim, um verdadeiro mediatizador
dos seus potenciais adaptativos, mais conhecedor das suas necessidades de movimento,
das suas emoções e dos seus estilos de processamento cognitivo, e, portanto, em
melhores condições para resolver os conflitos inerentes ao seu processo dialético de
desenvolvimento.
Com base em um melhor conhecimento dos componentes motores, emocionais e
cognitivos, os professores terão, segundo Wallon (1959b, 1963 apud FONSECA, 2008),
12
melhores condições para mobilizar os recursos pedagógicos para lidar com as situações-
limite de desatenção, de desconcentração, de impulsividade, de indisciplina, etc. A
psicomotricidade, na teoria walloniana, encara a motricidade como um meio privilegiado
para enriquecer e ampliar as possibilidades expressivas, afetivas e cognitivas das
crianças e dos jovens, promovendo a sua flexibilidade e a sua plasticidade. Dado que a
escola se baseia em uma espécie de ditadura postural, exigindo das crianças e dos
jovens uma aprendizagem demasiado imóvel, sentada e bradicinética, requerendo uma
contensão constante da sua motricidade, penso que essa visão errada do que é a
atenção está na base de muitos problemas de aprendizagem e de comportamento na
escola atual, na qual a dispersão, a desplanificação e a captação episódica da
informação, etc., acabam por caracterizar a maioria dos comportamentos entrópicos e
desviantes e as baixas de rendimento escolar.
A atenção não se ganha porque a criança está sentada ou parada de forma
monótona, fixa e rígida em uma carteira ergonomicamente contrária à sua atividade
espontânea. É necessário adotar alternativas posturais dentro da sala de aula, recuperar
aulas peripatéticas e modalidades de informação e de comunicação mais dinâmicas,
corporal e tonicamente mais expressivas. Tais alternativas são uma necessidade para
atenuar os conflitos crescentes dentro das escolas. Olhar a criança e o jovem como seres
corpóreos, possuidores de uma totalidade psicomotora, é uma necessidade fundamental
dos sistemas de ensino modernos (FONSECA, 2008).
A diversidade das atividades e das situações é uma característica da escola atual
que assenta no atendimento à diversidade humana. Wallon (1973 apud FONSECA,
2008), já no seu tempo, sugere que se repense o espaço e o tempo escolares (neste
aspecto particular, já há uma perspectiva ecológica da educação). Para esse autor, a
escola tradicional, na sua organização espaço-temporal, ativa os comportamentos
disruptivos, os conflitos eu outro, o egocentrismo, o insucesso escolar, etc. De acordo
com Wallon, a escola do futuro deveria criar mais oportunidades e facilitar mais a
expressividade do sujeito, não só na aquisição e na expressão de vivências corporais e
subjetivas na arte e na ciência, como também refletir sobre os espaços, os materiais, o
mobiliário, os laboratórios, as bibliotecas, os tempos de estudo, os tempos livres, etc., de
forma a aumentar a oferta e a qualidade das situações de interação social e de
13
participação em grupos variados. As reflexões educacionais de Wallon tiveram um
grande impacto na França, após a ocupação nazista, e têm, ainda hoje, em vários países,
uma grande atualidade.
O Projeto Langevin-Wallon, por exemplo, é um documento de referência
consultado por peritos e historiadores de educação, e nele todas estas idéias que
apresentei se encontram dimensionadas em uma espécie de utopia educacional, que de
alguma forma espelha a visão político-social com que Wallon concebeu a sociedade. Em
síntese, na concepção psicomotora da psicogênese está presente que o ato mental
projeta o ato motor, e esse é o conceito central do desenvolvimento e da aprendizagem
em Wallon (FONSECA, 2008).
Como caracteriza Fonseca (2008), a teoria walloniana suscita que a prática
terapêutica e educacional seja enfocada nas necessidades da criança e do jovem nos
planos motores, afetivo-emocionais e cognitivos, que, no seu conjunto, devem promover
o desenvolvimento das suas personalidades em todos os seus níveis e de forma
verdadeiramente integrada. A criança e o jovem, considerados como um todo, devem ser
pensados como seres corpóreos, seres concretos com eficiência postural, com
modulação tônica, com riqueza somatognósica e excelência práxica, plástica e
expressiva.
O êxito na aprendizagem só é possível com a integração neurofuncional de tais
requisitos psicomotores, exatamente porque a motricidade (posturas, atitudes, gestos,
mímicas, etc.) nos ilustra e nos informa sobre os estados mais íntimos da criança e do
jovem. A instabilidade psicomotora (impulsividade, desatenção, hiperatividade, agitação,
etc.) que caracteriza hoje grande percentagem da população escolar (segundo algumas
fontes, 50% de casos nas consultas de psiquiatria infantil) reflete as disposições mentais
e os estados afetivos de muitas crianças e jovens na sociedade agitada atual. A tradição
intelectualista do ensino e de muitos dos seus responsáveis não concebe que a postura,
a tonicidade e a psicomotricidade de muitas crianças e jovens em risco devem merecer
também a atenção devida no sistema de ensino, e não só o desenvolvimento intelectual
que constitui, para muitos deles, a preocupação exclusiva e a meta única da educação
(FONSECA, 2008).
14
É contra a sua natureza tratar a criança e o jovem de forma fragmentada –
educação intelectual para um lado, educação artística e motora para outro. A criança e o
jovem, em cada idade, são um todo indissociável e original, em termos motores, afetivos
e cognitivos. São seres em metamorfose, cujo potencial só se pode enriquecer e ampliar
em um contexto social promotor dessa unidade dialética (FONSECA, 2008).
Wallon lança-nos um desafio quando afirma: “Um dos grandes passos a realizar
pela psicologia é aquele que deve unir o orgânico ao psíquico, o corpo à alma, o indivíduo
à sociedade”. Com uma visão extremamente adiantada para sua época, Wallon (1973
apud FONSECA, 2008) abre, assim, pela psicomotricidade, a via para uma nova
concepção de educação e de terapia, introduzindo já uma neuropsicologia da
aprendizagem, sendo, pela sua obra monumental, um dos seus pioneiros mais
relevantes.
O psiquismo e a motricidade
15
sistema nervoso nos pode elucidar sobre a qualidade dessas relações, o que pressupõe,
obviamente, uma transdisciplinaridade entre a neurologia, a psicologia e a motricidade,
ou seja, aquilo que Ajuriaguerra (1961, 1974, 1976, 1980 apud FONSECA, 2008)
designou por neuropsicomotricidade.
Como caracteriza Fonseca (2008), em neurologia, o estudo do comportamento é
um meio para atingir um fim, isto é, a compreensão do sistema nervoso e o tratamento
das doenças nervosas. Em psicologia, o estudo do comportamento é, simultaneamente,
um fim em si próprio e um meio para predizer e para controlar o comportamento. Na
motricidade, o estudo do movimento (entendido desde o reflexo mais simples à
expressão práxica mais complexa) só é viável e equacionável com o contributo tanto dos
enfoques quanto das metodologias, isto é, o estudo das relações entre as funções do
comportamento e as estruturas do sistema nervoso, demonstrando, concomitantemente,
a sua integração e interação sistêmica. Em síntese, é impossível estudar a motricidade
isolada da psicologia e da neurologia. No fundo, o pensamento walloniano aponta desde
sempre para esta síntese.
O estudo sistêmico, dinâmico e neurofuncional do comportamento e da
aprendizagem humanos, logo, da psicomotricidade, permite hoje, à luz dos
conhecimentos atuais das três disciplinas, rejeitar o falso isolamento dos processos
mentais em relação aos processos motores, como já tinha adiantado Wallon nos anos de
1930. De fato, observando os produtos motores, podemos desenhar inferências acerca
da produção da motricidade, ou seja, dos processos mentais nela envolvidos, e
perspectivar deduções sobre as estruturas dos seus substratos neurológicos
subjacentes, algo fundamental para entender o desenvolvimento psicomotor e a
aprendizagem na criança e no jovem (FONSECA, 2008).
Os processos motores são gerados por sistemas e subsistemas neuroanatômicos,
filogenética, sociogenética e ontogeneticamente estruturados, desde a tonicidade à
praxia fina, desde a protomotricidade à neomotricidade, da primeira à terceira unidade
funcional do cérebro, de acordo com a teoria introduzida por Luria (1966b, 1966c, 1969a,
1975 apud FONSECA, 2008).
Em termos neuroevolutivos, filogenéticos, sociogenéticos e ontogenéticos, os
processos mentais são um produto do desenvolvimento sóciohistórico e sociocultural
16
(Vygotsky, 1962, 1978, Wallon, 1963a, 1963d, 1966, 1968, Fonseca, 1989, 1992, 1998,
1999 apud FONSECA, 2008). No comportamento humano, os fatores biológicos e os
fatores sociais têm uma influência inquestionável na organização neurológica (Luria,
1973 apud FONSECA, 2008).
Pela mesma lógica inferencial, os processos mentais monitorizam e substituem os
processos motores, em um a espécie de delegação funcional vicária. As relações entre
o psiquismo e a motricidade são extremamente intricadas, o nosso conhecimento e a
nossa compreensão sobre tais relações fundamentais são ainda fragmentados, todavia
as linhas gerais dessas relações foram já apontadas há cerca de 70 anos por renomados
autores, como Dupré (1909, 1915 apud FONSECA, 2008), Gourevitch (1926 apud
FONSECA, 2008) e Goldstein, Homburger, Collin, McGraw e tantos outros, citados por
Wallon (1973 apud FONSECA, 2008) e Ajuriaguerra (1974 apud FONSECA, 2008). Entre
os, autores como S. de Athyde (1972 apud FONSECA, 2008), Alvim (1962 apud
FONSECA, 2008) e, principalmente, João dos Santos (1977 apud FONSECA, 2008) e
Arquimedes S. Santos (1973, 1999 apud FONSECA, 2008) traçam, igualmente, as linhas
mais relevantes dessas relações tão importantes para a compreensão das interações
dialéticas entre os processos mentais e os processos expressivos ou motores.
Segundo Fonseca (2008), psiquismo e motricidade combinam-se, pendular e
hermeneuticamente, em termos de comportamento filogenético, sociogenético,
ontogenético, disontogenético e retrogenético, tendo em atenção que todo o estado
psíquico se traduz em um estado motor ou tônico-motor, em proporções distintas desde
a infância à senescência, passando pela adolescência e pela vida adulta. A mesma
dialética interativa se observa em dimensões específicas e dialógicas entre o normal e o
patológico, o paranormal e o parapatológico, o atípico e o desviante, o evolutivo e o
involutivo. Toda a emoção e todo o pensamento exprimem-se e atualizam-se em
mímicas, gestos e praxias, como se a motricidade consubstanciasse uma linguagem do
psiquismo – a comunicação não-verbal de Argyle (1975 apud FONSECA, 2008) e
Corraze (1980 apud FONSECA, 2008) e a linguagem corporal de Fonseca (1999 apud
FONSECA, 2008) –, como se todo o processo motor refletisse uma representação mental
concomitante. O psiquismo e a motricidade constituem-se em uma contínua interação e
em uma tensão equilibrada entre o centro e a periferia, que, no seu todo, equaciona uma
17
espécie de equivalência e simpatia funcional, em que os processos motores se
relacionam com os processos mentais, demonstrando que o processo perceptivo de
captação e de recepção de dados se flexibiliza e ajusta sistemicamente com os processos
motores de expressão e de comunicação, consubstanciando uma totalidade
somatopsíquica e psicossomática integrada com e nos vários ecossistemas.
Werner e Wapner (1957 apud FONSECA, 2008) adiantam mesmo, na sua teoria
sensório-tônica, que a regulação psicomotora envolve uma interdependência entre o
componente perceptivo (input), o componente psíquico (integração e planificação) e o
componente motor (output). Em uma perspectiva próxima à de Wallon, esses autores
evocam que a função perceptiva de captação e de extração de dados de informação do
mundo exterior joga com uma interação recíproca entre os processos sensoriais e
motores emanados do estado geral do organismo, pressupondo uma integração
multissensorial coerente, decorrente de um estado de vigilância tônico-postural
sustentado por uma unidade interativa e retroativa entre a percepção e a ação.
Segundo os mesmos autores, a percepção ascende aos níveis corticais superiores
por meio de uma interdependência vicária de dois processos que ocorrem
simultaneamente: o desequilíbrio (extracorporal), provocado pelo estímulo sensorial
oriundo do mundo exterior, e o equilíbrio sensório-tônico (intracorporal), que se opera no
corpo, emergido e organizado, portanto, no mundo interior. Não basta,
consequentemente, que a sensação seja recebida; para que ela seja integrada,
processada e transformada, é necessário que a informação sensorial seja transportada
da periferia do corpo e dos órgãos sensoriais aos centros do cérebro, através de uma
compensação e de um reajustamento tônico que a promove como aferência, ou seja, a
um processo mais complexo de integração cortical, para aí ser, então, processada e
modificada em percepção. Para que isso ocorra, o controle postural e a complexa rede
vestibular e cerebelar subjacente à estimulação do mundo e do espaço exterior devem
prevenir o corpo de se desequilibrar pelo seu efeito. Ao contrário, a função sensório-
tônica equilibra o corpo, prevenindo-o de se perturbar com a estimulação, garantindo uma
contrarreação tônico-muscular e postural compensatória, equivalente a um sistema de
alerta básico e essencial, que previne o corpo de ser afetado pelo bombardeamento dos
estímulos (dos objetos e das situações), possibilitando, assim, a organização de um
18
sistema de atenção que ajusta os componentes motores aos perceptivos, algo perturbado
que se observa em muitas crianças com instabilidade e hiperatividade (FONSECA, 2008).
Ao distinguir três tipos de estimulação simultânea, a teoria sensório-tônica, dá um
enfoque muito importante à sensibilidade proprioceptiva, a que Wallon se refere. Ao
distinguir a estimulação objetal (emergida diretamente dos objetos) da estimulação
situacional (decorrente do envolvimento espacial e situacional) e, finalmente, da
estimulação proprioceptiva (surgida do interior do corpo e do estado tônico dos seus
músculos), o processo psicomotor só poderá desencadear-se quando todas essas
estimulações multimodais vicariadas se integrarem no cérebro por equivalência funcional,
conjugando dados perceptivos com motores, mediatizados por retroações circulares. Só
dessa forma a motricidade reflete, em termos de retroação, uma organização psíquica
interior deveras complexa e integrada. A evolução humana, a filogênese e a ontogênese,
em síntese, são reflexo disso (FONSECA, 2008).
A recepção sensorial (processo de input das teorias do processamento de
informação), considerando as suas várias facetas, implica que o corpo, em cada
momento, estabeleça uma interação com o envolvimento que se inicia em um
desequilíbrio, que é, por sua vez, contrariado pela emergência de um reequilíbrio interior,
que resulta em um ajustamento sensório-tônico, no qual se inscreve o estado de
vigilância e de alerta, o estado de dinamogenia funcional (Wallon, 1956, 1959b, 1963d,
1970 apud FONSECA, 2008), no qual a dinâmica do pensamento espelha uma dinâmica
motora. O psiquismo encontra na motricidade as suas condições de expressão e de
projeção no espaço, só assim o sujeito se encontra envolvido em um estado harmonioso
de equilíbrio dinâmico com o meio ambiente. Em todas as realizações mentais subsistem
resíduos de estados tônicos e motores, e é nisso que se evidencia o estado de atenção
e a própria mímica do indivíduo, uma ligação íntima entre o psiquismo e a motricidade,
que retrata a unidade psicossomática do sujeito.
A grande diversidade das atitudes mentais e emocionais só se diferencia e
incorporaliza quando se observa uma integridade dos processos tônico-posturais e
tônico-emocionais, caso contrário, a inexpressão ou desvio das disposições mentais
encontra paralelo em disfunções tônicas, posturais e práxicas, muitas vezes não óbvias,
mesmo em termos clínicos, mas relevantes em termos de comportamento humano. Entre
19
o psiquismo e a motricidade, há uma concomitância funcional na qual a tonicidade
participa, quer na regulação das posturas e das contrações musculares, quer nas
operações mentais de coordenação de imagens ou de evocação das idéias. O próprio
pensamento exige uma orientação no espaço virtual das imagens e das idéias, a
atualização do seu conteúdo psíquico resulta da recombinação e de coordenação,
simultânea e ou sequencial (Das, 1996, 1998 apud FONSECA, 2008), das
representações mentais, uma harmonia cinética interiorizada (Luria, 1975 apud
FONSECA, 2008) da qual participam influências exteriores, mnésicas e emocionais.
A acinesia e, eventualmente, a bradicinesia, por exemplo, levam às mesmas
consequências, quer nos processos motores, quer nos processos mentais. Não há
iniciativa, não há plano nem expressão, a conservação das atitudes posturais não se fixa,
daí resultando uma coordenação dispráxica, isto é, uma coordenação postural e motora
pobre e imprecisa. Em analogia, a consciência como que perde suporte e poder de se
deslocar no universo das representações e deixa de dispor também de sinergias, de
flexibilidade e de agilidade mental. Quando se compromete esta pré-adaptação das
funções mentais às funções motoras, a atipicidade das suas relações ilustra o surgimento
de uma taxonomia desintegrativa e funcional, ou melhor, psicomotora, cuja base teórica
e clínica se encontra já esboçada na obra pioneira de Dupré (1915 apud FONSECA,
2008), quando disseca a síndrome de debilidade motora e mental.
20
Síndrome de debilidade motora e mental
21
encefalopatia infantil ou fetal ou mesmo uma regressão atávica, utilizando as suas
palavras.
Citando o mesmo autor, “os problemas motores não são mais do que problemas
aparentes, em que a constatação objetiva é simples e segura, pois, nos casos de lesões
limitadas às áreas motoras primárias do tipo piramidal, elas não só são evidentes, como
podem ocorrer isoladamente”. Pelo contrário, quando as lesões são mais amplas e
difusas e se espalham por áreas corticais secundárias e terciárias ou subcorticais, elas
podem interferir com efeitos globais em várias nuances nos problemas de
comportamento e de aprendizagem, bem como nos “problemas de realização, de
projeção, de aplicação e de concentração ideomotora” (Wallon, 1938, 1984; Dantas,
1992; Krock, 1994 apud FONSECA, 2008). Dupré (1915 apud FONSECA, 2008) chegou
mesmo a equacionar uma patologia psicomotora, não só no âmbito da epilepsia, como
também nas síndromes de Parkinson, frontais e pós-encefálicas. Paratonias, catatonias,
incontinências posturais, adiadococinésias, sincinesias patológicas (contralaterais e de
imitação), assinergias, ataxias, apraxias, etc., entraram definitivamente no vocabulário
clínico e são magnificamente aprofundadas em toda a obra walloniana.
A vulnerabilidade dos sistemas mentais tem sempre o seu reflexo nos sistemas
tônicos, posturais e motores, como se verifica em várias perturbações mentais, como é
exemplo a esquizofrenia, na qual se detectam aberrações psicomotoras difusas. As
dissociações dos processos mentais e dos processos motores variam de grau, desde a
condição defectológica, passando à condição parapatológica, até à condição ideal, dita
“normal”, na qual podem emergir vários quadros e graduações clínicas. Em tais quadros,
verificam-se distração, turbulência, inadaptação ao real, discordâncias internas, redução
do campo mental, falta de interiorização, seleção restrita de dados para a resolução de
problemas, falta de comportamento de análise, de comparação e de verificação de dados,
sistema de necessidades bastante limitado, etc., em tudo análogos às disfunções
corticais frontais (ditas disfunções executivas) e com mais incidência nas disfunções
mesencefálicas (FONSECA, 2008).
A imperícia (do termo francês maladress, equivalente ao termo inglês clumsyness),
característica de muitas crianças e jovens com deficiência mental e com dificuldade de
aprendizagem, é outro exemplo explicativo e demonstrativo das relações entre os
22
processos mentais e os processos motores. As distonias, os traços hipertônicos
hipoextensíveis ou hipotônicos-hiperextensíveis, as paratonias, as adiadococinésias, as
sincinesias labiais e contralaterais, os desequilíbrios abruptos, as reequilibrações e
oscilações posturais, as perturbações vestibulares estáticas e dinâmicas, a
desintegração sensorial próprio e exteroceptiva, a confusão das informações táteis e
cinestésicas, a disfunção de orientação espacial, a falta de sistemas estáveis de
referência lateral e direccional, a falta de dominância aferencial e efetora, a desorientação
espaço-temporal, os bloqueios ou incontinências motoras, a diminuta dissociação de
movimentos, a ausência de planificação motora, a motricidade randomizada, a
manipulação grosseira e dismétrica, etc., ilustram a pletora e a miríade dos sinais
psicomotores disfuncionais naquelas crianças. Tais traços espelham, segundo Dupré
(1915), Wallon (1925, 1937, 1932 a), Ajuriaguerra (1974) Ajuriaguerra e Diatkine (1948),
Ajuriaguerra e colaboradores (1960), algumas insuficiências piramidais, extrapiramidais
e cerebelares. Não se trata de patologias ou de paralisias, nem de enfermidades motoras,
e, sim, de algo diferente, como equaciona Wallon (1932a, 1963d, 1958b, 1984). A
imperícia ou dispraxia parece revelar que a integração dos automatismos emocionais e
motores nos atos intencionais não se opera funcionalmente, isto é, verifica-se um
desquite entre os processos mentais que integram, elaboram e regulam os processos
motores e os processos mentais que os executam e os controlam e regulam, sendo,
portanto, a síntese psicomotora que ilustra o comportamento adequado e harmonioso
(FONSECA, 2008).
As sínteses, as cadeias, as sequencializações sistêmicas dos automatismos e dos
fatores psicomotores (Fonseca, 1992, 1999) não se integram no todo do movimento
intencional, não evocam coesão interna, não estão interconectadas, nem se
interinfluenciam, coíbem ou afetam mutuamente. Trata-se da ausência do sistema
psicomotor humano, por falência das suas propriedades reguladoras (Fonseca, 1989,
1992). Na lógica de Maturana e Varela (1997, 1998) e de Maturana (1998), compreende
a falta de uma organização autopoiética, isto é, entre os sistemas de produção de efeitos
(motores) e os sistemas de integração energética do meio circundante (sensoriais e
retrossensoriais). Não se constatam concatenações e contínuas interações e
transformações, a unidade entre os processos e os produtos está posta em causa,
23
gerando uma espécie de entropia psicomotora. A regulação sutil, a enteléquia cerebelar,
subcortical e cortical e a sistematização espaço-temporal e topográfica dos processos
motores não se estabelece e, como, consequência, sofrem interferências psicológicas
perturbadoras (FONSECA, 2008).
O ato motor executa-se por imagens mentais (Wallon, 1984 apud FONSECA,
2008), mas, para tanto, é necessário que o córtex pré-motor frontal receba dados corretos
intracorporais (parietais) e extracorporais (occipitais e temporais). Só posteriormente o
córtex motor (área 4) aciona o complexo piramidal, que induz, nos âmbitos extrapiramidal,
reticular, cerebelar e medular, as unidades motoras a atuarem e produzirem o ato motor.
O sistema psicomotor humano pensa (psíquico) antes de agir (motor). As zonas
rolândicas projetivas do corpo (área motora primária), quer motoras secundárias e
terciárias pré-frontais, quer sensoriais parietais, occipitais e temporais, são unidades
gêmeas em estreita conexão neurológica, que precisam interagir funcionalmente para,
em conjunto, originar o movimento voluntário e intencional, revelando a fusão
psicomotora sistêmica, composta de dois componentes interligados, o de planificação e
o de execução, ambos presentes em todas as condutas humanas de sobrevivência, de
prazer ou de utilidade.
A praxia é, portanto, o espelho de uma organização gnósica multifacetada e
multimodal. Quando esta não fornece dados precisos e ajustados (sinergias de imagens)
(Camus, 1981; Wallon, 1973, 1984 apud FONSECA, 2008), a praxia é mal elaborada,
resultando daí uma imperícia, um lapso, um disparate, um desleixo, um torpor, um erro,
uma inadaptação, uma descoordenação, etc.
De acordo com Fonseca (2008), os processos motores exigem o concurso de
representações mentais. A apraxia, em um grau mais severo, e a dispraxia, em um grau
mais ligeiro, revelam que os processos motores são produzidos com a abolição ou a
distorção de imagens, ou seja, as representações mentais permanecem ilesas ou
incólumes, os fatores somatognósicos e espaço-temporais não ascendem aos processos
de elaboração frontal e, por essa disfunção psicomotora, os processos motores resultam
desorganizados, rígidos e dismétricos, porque a síntese ideomotora não se efetivou em
tempo útil.
24
Na concepção de Dupré e Menklen (1909), Dupré e Collin (1911), Dupré (1909,
1915), a debilidade motora e mental (ou síndrome psicomotor de Dupré) enuncia sinais
disfuncionais que estão longe de ser exclusivamente piramidais. O que se verifica é,
antes, a vulnerabilidade e o enfraquecimento das disposições psíquicas que suportam o
plano do movimento, ou seja, dá-se uma falência sistêmica da síntese psicomotora que
se opera no córtex pré-motor e que se gera na área suplementar motora. No caso da
debilidade motora, os fatores psicomotores tônicos, posturais, vestibulares,
somatognósicos e espaço-temporais fornecem informações fortuitas, impensadas,
alienatórias e inopinadas, pondo em causa a integração de dados próprio e
exteroceptivos, que tendem a conduzir a uma construção ou organização práxica
insuficiente e inconveniente (FONSECA, 2008).
Kleist e Liepmann, célebres neurologistas alemães citados por Ajuriaguerra e
Hécaen (1964 apud FONSECA, 2008), sugerem que o aparelho de projeção ideomotora
é independente do sistema mental, daí a sua classificação de problemas
frontocerebelares distintos das psicoses motoras, como a acinésia, a astenia, os
sintomas tônicos, a hipotonia, etc., que se identificam nas fases paroxísticas de muitos
indivíduos doentes mentais, e que são normalmente enunciadoras de ataxias frontais,
manifestações coréicas, movimentos e atitudes forçadas e rígidas, sem adaptabilidade e
plasticidade, consubstanciando efetivamente que, em termos patológicos, subsiste um
ponto de contato entre os processos mentais e os processos motores.
Em muitas disfunções mentais, as manifestações tônicas e posturais acusam uma
espécie de ambivalência funcional, quer em relação à motricidade quer em relação ao
psiquismo. Por esse fato, não é estranho que uma emoção malintegrada possa
desencadear reações tônicas e posturais exarcebadas, resultando, no doente mental, em
um acréscimo de efeitos atetósicos e coréicos (FONSECA, 2008).
Também no indivíduo dito “normal” qualquer estado afetivo, emocional ou mental
tende a repercutir no domínio tônico, mímico, postural e gestual, uma vez que os núcleos
integradores da tonicidade no tronco cerebral se conjugam com o córtex cerebral, com o
cerebelo e com os corpos estriados (núcleos caudados e putâmen), que presidem ao
controle dos automatismos sensório-motores desde os mais simples aos mais complexos
(FONSECA, 2008).
25
Em resumo, a insuficiência funcional dos substratos neurológicos, seja, do tronco
cerebral, do cerebelo, do mesencéfalo, do diencéfalo, dos corpos estriados ou do córtex,
induzem disfunções motoras e mentais, que, no seu todo, explicam uma hierarquia de
síndromes psicomotoras concomitantes, que Wallon (1973, 1932a, 1928, 1925 apud
FONSECA, 2008) diferenciou em quatro categorias principais: assinergia, hipertonia-
coréia, automatismo e córtico-associativo. Embora hoje questionada, à luz dos novos
conhecimentos e das novas tecnologias de observação neurológica, essa hierarquia
fornece um esquema didático e original da organização neuropsicomotora humana.
O termo assinergia foi introduzido por Babinsky (1914 apud FONSECA, 2008) e
refere-se a uma insuficiência cerebelar que se evidencia essencialmente no desequilíbrio
e na marcha, facilmente visíveis no bebê no primeiro ano de vida, quando inicia os seus
primeiros passos, e no indivíduo embriagado. Em tais casos de expressão motora,
seguindo as palavras de Wallon, “o tronco vacila e as pernas afastam-se para alargar a
base de sustentação, as reequilibrações surgem sucessivas, cambaleantes e titubeantes,
os braços balançam ativa e passivamente de forma dismétrica, uma espécie de queda
esforçadamente controlada, sem firmeza, sem fixação correlativa de segmentos imóveis
e sem controle postural, que em si projetam uma marcha sinuosa e ziguezagueante”.
O equilíbrio humano constitui, filogenética e ontogeneticamente, uma das
primeiras conquistas neuroevolutivas da espécie, porque se trata, de fato, de um
fenômeno postural e locomotor sem paralelo nos vertebrados, que produziu e produz
adaptações neurofuncionais singulares, que estão na origem da evolução cultural da
espécie e da evolução mental da criança (Fonseca, 1989, 1998, 1999 apud FONSECA,
2008).
Equilibrar o deslocamento das pernas em uma queda controlada e calculada,
como é a marcha bípede e assimétrica, exige a manutenção de uma sinergia, em
perpétua adaptação, processada vestibular e cerebelosamente, na qual a colaboração
cinética e o ajustamento tônico e fásico de todos os segmentos, principalmente dos
membros, do tronco e da cabeça, devem manter um jogo de compensações recíprocas
26
muito complexo e neurologicamente integrado. No caso da assinergia, pelo contrário, as
contraturas onerosas escondem-se por detrás de uma hipertonia sem plasticidade, quase
uma paralisia agitante e inconsistente, como se se tratasse de uma incontinência ou
persistência tônica (FONSECA, 2008).
Nessas condições, que originam insegurança gravitacional e sinais vestibulares
disfuncionais (Ayres, 1982 apud FONSECA, 2008), a assinergia atesta uma síndrome de
insuficiência cerebelar e mesencefálica, com repercussões diretas nos processos
motores e indiretas nos processos mentais, fundamentalmente na atenção e na
concentração. A insuficiência de regulação cerebelar revela-se, porém, não só na
marcha, como na imobilidade, no equilíbrio estático e dinâmico, e também nos
movimentos finos e elaborados das extremidades (Fonseca, 1992 apud FONSECA,
2008).
Estudos mais recentes revelam insuficiência cerebelar em crianças disléxicas
(Fonseca, 2002 apud FONSECA, 2008). No equilíbrio, tal insuficiência de tipo axial tende
a evocar oscilações multidireccionais e reequilíbrios bruscos, sem o jogo gradual e
oportuno das sinergias posturais ativas e passivas.
Nas praxias, a mesma insuficiência, agora do tipo apendicular, tende a induzir
dismetrias nas quais a falta de inibição – a exata repartição da imobilidade de que nos
fala Wallon (1928, 1973 apud FONSECA, 2008) – e de regulação e controle rigorosos do
tônus tende a induzir movimentos distais descontrolados, sem inervação recíproca e sem
simultaneidade clônico-fásica entre músculos agonistas e antagonistas. O encadeamento
de micro contraturas sobre micro contraturas provoca inevitáveis resistências, bloqueios,
frenações e acelarações tônicas, que roubam plasticidade, graduação, controle,
regulação, precisão e harmonia cinética dos movimentos intencionais.
Efetivamente, a totalidade do corpo e do cérebro deve-se acomodar
permanentemente ao equilíbrio anti-gravítico, pois só com este controle postural
cibernético o indivíduo pode se posicionar, deslocar e navegar no espaço e manipular
criativamente qualquer objeto. Da mesma forma, só na posse da manutenção de uma
atitude mental disponível, gravitacional e proprioceptivamente segura e coerentemente
integrada, pode-se manter um estado de vigilância e de atenção para identificar e
27
selecionar dados relevantes, excluindo, simultaneamente, dados irrelevantes de uma
dada situação (FONSECA, 2008).
Para Fonseca (2008), todo esse controle postural, baseado em sinergias tônico-
musculares, vai permitir posteriormente atingir a concentração psíquica superior,
processo de controle fundamental a qualquer aprendizagem, processo este mais
enfocado em sinergias mentais e em procedimentos de elaboração e de planificação que
vão estar na origem da resolução de problemas.
Tal insuficiência postural, que indicia uma desregulação cerebelar e também
vestibular, característica de muitas crianças com disfunções cerebrais mínimas e também
observável em crianças com déficits de atenção com ou sem hiperatividade e com
dificuldades de aprendizagem (conceito de co-morbidade), repercute em uma imperícia
global e fina, quer nos processos práxicos, quer nos processos mentais, dando lugar,
respectivamente, à assinergia motora e à assinergia mental (FONSECA, 2008).
A assinergia motora é essencialmente caracterizada pela falta de estabilidade, na
qual a fixação e o deslocamento dos segmentos corporais surgem imprecisos,
negligentes, instáveis e oscilantes. Tal instabilidade, como é óbvio, pode implicar-se ou
ascender, segundo Wallon, a uma assinergia perceptiva ou cognitiva, como que
ilustrando um continuum disfuncional. Nos casos mais severos, como na ataxia, tal
oscilação postural é transmissível e visível no âmbito do controle micromotor binocolar
dos olhos (nistagmo), quando, paralelamente, emergem irritações labirínticas
descontroladas, que podem produzir descargas tônicas incongruentes, impedindo
mesmo a manutenção e focagem dos olhos em múltiplas posições ou fixações e em
diversificadas perseguições, explorações estático-dinâmicas e varreduras e escrutínios
visuoespaciais (FONSECA, 2008).
De acordo com Fonseca (2008), tal efeito da postura na visão pode gerar
instabilidade na complexa micro motricidade binocular, que é regulada pelos centros
cerebelares de coordenação oculogira, prejudicando, consequentemente, a visão
estereoscópica, certamente afetando as funções de captação, de extração e de
processamento de dados espaciais centrais e periféricos, especialmente a percepção
visual e os seus subsistemas e subprocessos, e, por empatia funcional, muitas funções
28
mentais superiores implicadas em processos de aprendizagem superior, como, por
exemplo, a leitura e a escrita.
Neurosistemicamente falando, não se pode separar o sistema vestibular do
sistema visual, porque ambos compreendem a captação de dados intrassomáticos e
extrassomáticos, indispensáveis a qualquer processo de adaptação ao mundo exterior.
É, pois, possível compreender que uma assinergia motora possa induzir uma assinergia
mental, como Dupré (1909, 1915 apud FONSECA, 2008) defendeu e Wallon (1928,
1932a, 1973, 1984 apud FONSECA, 2008) ilustrou com os seus casos clínicos.
As pesquisas mais recentes, de Berthoz (1997 apud FONSECA, 2008), vão
exatamente no mesmo sentido. Casos clínicos mais severos chegam mesmo a revelar
oscilações da cabeça e do tronco, como, por exemplo, nos indivíduos com sequelas de
hidrocefalia, microcefalia, meningite, paralisias cerebrais e mesmo com síndrome de
Down, nas quais a imobilidade completa é quase irrealizável, condição esta que se pode
revelar com diferentes nuances também em alguns casos de ataxia.
Conforme Fonseca (2008) prestar atenção, mantê-la, fixá-la, orientá-la e imobilizá-
la ativamente é uma condição básica e um pré-requisito psicofuncional do processamento
de informação necessário a qualquer aprendizagem não-simbólica ou simbólica, o que
pressupõe, naturalmente, a observância de sinergias e de modulações sensório-tônicas
e tônico-motoras que são reguladas pelos centros cerebelares, vestibulares e reticulares.
A assinergia e a ataxia, ou as suas manifestações mais leves, provocadas por
insuficiência ou imaturidade cerebelar e vestibular, interferem obviamente, quer nos
processos motores, quer nos processos mentais, é esse um dos aspectos mais originais
do pensamento walloniano.
Para Wallon (1959b, 1963, 1973, 1984 apud FONSECA, 2008), há dois tipos de
equilíbrio interdependentes, o postural e o superior. O postural, envolve a gestão tônica
da gravidade nas suas múltiplas dimensões estáticas e cinéticas, tônicas e posturais. O
superior envolve o aparelho oftalmocefalogiro, que participa nas aprendizagens mais
complexas. Entre ambos, existe uma equivalência, uma alternância e uma sucessão de
predominâncias funcionais, em que a assinergia crava as suas aberrações.
Parece inquestionável que o aparelho psíquico também necessita de equilíbrio e
de sinergias para processar, integrar, elaborar e comunicar informação. Ele também
29
necessita localizar, evocar, disponibilizar, ideias e engramas que ascendem e se
distribuem por várias áreas corticais, o que exige, consequentemente, uma elaboração e
uma planificação de dados sensório-motores para construir os seus pensamentos e
condutas (FONSECA, 2008). Na prática psiquiátrica, é fácil encontrar casos de adultos
que enunciam falta de concentração psíquica e a dissociação da consciência, isto é,
desequilíbrios e assinergias mentais, como nas síndromes de neurastenia ou
hipocondria.
De acordo com Wallon (1925, 1973 apud FONSECA, 2008):
30
analogia com a persistência de reflexos nas paralisias cerebrais, o quadro mais saliente
desta síndrome psicomotora (FONSECA, 2008).
Para Fonseca (2008), traços de assinergia motora e de ataxia são característicos
de muitas crianças portadoras de deficiência mental, crianças psicóticas, algumas
crianças autistas ou com paralisia cerebral. Todos esses casos defectológicos, que
apresentam necessidades especiais e invulgares, retratam uma insuficiência cerebelar e
vestibular, para além de outras perturbações neurofuncionais associadas.
Inconsistências tônicas e mímicas não-intencionais, dificuldades de distribuição,
manutenção e dosagem da tonicidade, agitações violentas e divagações cinéticas,
interferências motoras parasitas incompreensíveis, cascatas de caretas e explosões de
sorrisos inconsequentes, sincinesias erráticas, extravagância vesânica e insensata,
atenção incerta e descontínua, etc., ilustram uma falência da tonicidade e da postura
característica da assinergia motora e mental que, na sua globalidade, espelham uma
debilidade vestíbulo cerebelar e um funcionamento mental hesitante e difuso (FONSECA,
2008).
A repercussão da assinergia motora e da ataxia pode estender-se mesmo ao plano
da linguagem falada e escrita, confundindo-se aqui com a assinergia mental, uma vez
que as disfunções cerebelares se implicam também em problemas fásicos, articulatórios,
oromotores e grafomotores. Distonias laríngicas, hipertonias faríngicas e digitais,
discinésias e dispraxias linguais e terminais, ecolalias, dislalias e disartrias, voz rouca e
estrangulada, sigmatismos, agramatismos, disfasias, dissincronismos entre a respiração
e a fonação, gagueira, dislexia, disgrafia, disortografia e discalculia, etc., podem emergir
por disfunção das conexões cerebelar-vestíbulo-mesencefálicas (apud FONSECA,
2008).
A assinergia da linguagem, segundo Wallon (1973, 1984 apud FONSECA, 2008),
é ideomotora e de raiz fronto cerebelar; de qualquer forma, revela a importância do
cerebelo não só nas disfunções psicomotoras como nas disfunções da fala e da escrita.
Talvez a enormidade das conexões fronto cerebelosas (terceira unidade de Luria)
e sensório cerebelar (segunda unidade de Luria) possam induzir tal empatia funcional.
Como a assinergia e a ataxia põem em jogo descontinuidades explosivas, incontinências
e persistências tônicas e posturais, dificuldades em dissociar o esforço do espasmo e em
31
distribuir contínua e dinamicamente os fluxos e as concatenações sinápticas, elas podem
projetar-se no plano da antinomia consciente-inconsciente e inundar todas as formas de
conduta e de expressão (FONSECA, 2008).
Se entendermos, como J. dos Santos (1977 apud FONSECA, 2008), que a
psicomotricidade é a expressão corporal do funcionamento psíquico, a assinergia e a
ataxia exteriorizam que tal funcionamento carece de regulação, de organização e de
controle, pois ainda se encontra fragmentado e sem ligação entre os seus elementos
componentes. Passageira e transiente na evolução infantil, a persistência da assinergia
e da ataxia, porém, reflete uma insuficiente elaboração mental, e nela se podem inscrever
igualmente todos os quadros de senescência e de involução e de retrogênese
psicomotora (Ajuriaguerra e Hécaen, 1964, Fonseca, 1986a, 1998).
A mentalidade assinérgica coexiste com uma vulnerabilidade profunda do
psiquismo, normalmente associada a excitações propulsivas, impulsivas, deambulativas
e agressivas, e também a estereótipos raros e pouco desenvolvidos. Wallon (1925, 1928,
1932ª apud FONSECA, 2008) caracteriza este quadro com fases de regressão
psicomotora, de demência, de marasmo orgânico e de decadência epiléptica com perda
de discernimento e desinibição.
Outras características se identificam na assinergia mental adulta, como
adinamismo emocional (inações e não-emoções), relações fortuitas e fugazes, atividades
fragmentadas, dispersas e sem motivo, ecopraxias e ecolalias, apraxias, manipulações
sem finalidade e sem utilidade, diversões frequentes, divagações, consciência centrada
no imediato, perseverança, verborreia, excessos de entonação, indolência, indecisão,
negligência, inquietude incoerente, desinteresse total e absoluto, confusão temporal,
atitudes de oposição, inimitação, ausência de reciprocidade ou de afiliação afetiva,
incoerência gestual, interação relacional inexistente, etc., que, no seu todo, respondem a
um quadro de dissociação e de descontinuidade da consciência, no qual a insuficiência
cerebelar e vestibular parecem desempenhar um papel relevante (FONSECA, 2008).
Na criança, Wallon (1932ª apud FONSECA, 2008) retrata a assinergia mental
como um estado, no qual ela “encontra inúmeras dificuldades em ordenar as suas
impressões e dar prioridade às suas necessidades, além de revelar problemas de
orientação temporal e corporal com confusão prolongada entre a sua direita e a sua
32
esquerda, e de orientação da sua pessoa, exibindo atraso no emprego correto de
pronomes pessoais. O seu comportamento face ao envolvimento é disperso e
inconsistente, expõe-se com facilidade e fecha-se na sua oposição, além de demonstrar
tendência para ser implicativa e arreliativa”.
Inúmeros casos de necessidades educativas especiais podem ser integrados
nessa descrição clínica, quer nas crianças portadoras de deficiência mental
(dependentes, treináveis ou educáveis, ou decorrentes de hidrocefalia, microcefalia,
oligofrenia, aminoacidopatia, galactosemia, síndrome de Down, etc.) quer nas crianças
com multideficiências (criança cega e surda), das crianças com paralisia cerebral
(espásticas, atetósicas, atáxicas, etc.), e das crianças com psicopatologias e deficiências
emocionais (psicóticas, autistas, caracteriais, etc.), ilustrando que a síndrome
psicomotora de assinergia motora e mental está associada a uma insuficiência vestíbulo
cerebelar, cuja repercussão em termos de estruturação e de organização
psiconeurológica é deveras relevante, uma vez que o potencial de aprendizagem se
encontra vulnerabilizado (FONSECA, 2008).
33
atividade, dando suporte ao sistema ideocinético-piramidal; preparação da posição de
partida e compensação plástica das forças que podem se opor à qualidade da conduta;
compreensão de um sistema de interação sensório-motora; regulação dos circuitos
tônico-posturais e tônico-vestibulares necessários à atividade postural e à atividade
cortical; etc (FONSECA, 2008).
Em termos de paralisia cerebral, que não é bem a definição a que Wallon se refere,
a atetose é essencialmente caracterizada pela disfunção dos gânglios da base, com
implicações na desregulação e descoordenação de movimentos, de posturas e de
automatismos, daí resultarem movimentos anormais e involuntários do tronco e dos
membros, com torções e serpenteações tônicas, principalmente quando a intenção
motora entra em jogo antes da sua execução, não sendo assegurado o controle tônico-
postural e tônico motor nas extremidades corporais, por meio das quais se produz a
atividade cerebral. A atetose, no caso da paralisia cerebral, pode gerar atrofia, hipotonia
e hiperextensibilidade, podendo originar, simultaneamente, posturas corporais fixas
(cabeça para trás, pescoço tenso, boca aberta, etc.) (FONSECA, 2008).
Na opinião de Fonseca (2008), a supressão de processos de inibição e a ativação
de processos de facilitação parecem estar igualmente deslocados em termos funcionais
e coordenativos, daí emergindo imobilizações ou gesticulações forçadas e resíduos
assinérgicos, hipertonias, hipotonias e distonias desreguladas, confirmando uma certa
ambivalência tônica e uma certa suscetibilidade emocional, com efeitos desviantes na
atividade motora e mental.
A insuficiência extrapiramidal desencadeia uma espécie de exacerbação e
exageração de reflexos que não são devidamente inibidos e que, obviamente, interferem
na qualidade e eficácia da atividade postural, motora e mental (FONSECA, 2008).
Como caracteriza Fonseca (2008), a persistência de reflexos de defesa ou de
automatismos, a associação de reflexos medulares, cervicais e labirínticos, a presença
de contorcionismos e de manifestações hipertônicas, a identificação de contraturas nas
extremidades e na face, a observância de sinergias inoperantes e emocional ou
relacionalmente desorganizativas, etc., revelam tipos e subtipos de rigidez e de flacidez
tônica, bem como tremores distais e proximais de origem extrapiramidal que objetivam
uma insuficiência dos centros inibidores, cuja expressão patológica mais grave é a
34
catatonia. A catatonia, que pode interferir na atividade motora automática e voluntária,
ilustra sinais de entorpecimento, amimia e rigidez, que podem surgir com uma recusa
ativa de expressão motora, como no negativismo ou na passividade.
No primeiro caso conforme Fonseca (2008), surgem sinais de oposição, com
contraturas de evitamento relacional. No segundo caso, surgem estados de inércia
motora ou ecopraxias, ecomimias e ecolalias estereotipadas, podendo estar associadas
com surtos de fúria catatônica e descargas motoras inconsequentes e, por vezes,
agressivas.
A insuficiência extrapiramidal traduz, portanto, um estado característico de
flutuação hipo-hipertonia, mais dinâmica que estática, podendo manifestar-se ora na
motricidade (macro e micromotora, como na marcha e na preensão) ora na linguagem
(oromotricidade, como na fluência e na articulação de palavras, e na grafomotricidade
com sinais de disgrafia), assim como exprimir-se em uma emotividade exagerada, na
qual sua conexão com o psiquismo parece ser óbvia. Com base nesta descrição, Wallon,
mais uma vez, confirma a equivalência funcional e disfuncional que caracteriza a sinergia
entre os processos motores e os mentais (FONSECA, 2008).
A disfunção dos centros inibidores – inibição psicomotora (Ajuriaguerra, 1956,
1961, 1978; Ajuriaguerra e Angelergues, 1962; Camus, 1981, 1988, 1998 apud
FONSECA, 2008) indica que os centros inferiores não se subordinam aos centros
superiores, o que se identifica é uma espécie de eretismo ou de exaltação dos sistemas
subcorticais sobre os corticais, subvertendo o princípio de hierarquia dominante da
organização neurológica proposto por H. Jackson (1931, 1951 apud FONSECA, 2008),
que pode ser visível em múltiplos casos patológicos.
A coréia, outra síndrome extrapiramidal, compreende uma contração
espasmódica, involuntária, irregular e ampla de grupos musculares, normalmente
associada à fragilidade e à ineficácia da atividade motora. Por se verificar uma espécie
de dança tônico-clônica entre as estruturas tônico-posturais de suporte, é outra das
manifestações da insuficiência extrapiramidal, mais visível nos territórios da face e dos
dedos, isto é, nas principais sedes da expressão mímica, podendo mesmo apresentar
adicionalmente outras perturbações mentais associadas, como, por exemplo, nos
35
estados de adinamia (Kleist, já citado por Ajuriaguerra) e de acinésia ou de hipercinesia
(Wallon, 1932, 1935, 1973 apud FONSECA, 2008).
Esta alternância de estados é característica da síndrome psicomotora de
hipertonia-coréia, na qual surgem, segundo Wallon (1932 apud FONSECA, 2008),
“frequentes atitudes e impulsividades, oferecendo manifestações intermediárias entre
uma atividade dissociada e incontinente, nas quais as irradiações caóticas surgem
intempestivas, e entre atividades coordenadas e bem ligadas, porém inoportunas,
excessivas ou extravagantes, que simulam gesticulações de polichinelo, com ênfase
teatral, associadas a expressões pseudo espontâneas e jogos fisionômicos cuja
continuidade extenuante esconde problemas de ordem afetiva”. Em tais casos, parece
que o inconsciente interfere na motricidade e na comunicação de uma forma por vezes
indiscernível, todavia indutora de situações de crise devidas a uma insuficiente
elaboração mental, com perturbações emocionais que se manifestam em formas motoras
parasitas e incompreensíveis.
36
contradições sistemáticas, insubordinações, rebeldias, conflitualidades, indisciplina
crônica, incorrigibilidade, perversidades, depravações, provocações, insensibilidade
absoluta a ameaças, promessas ou encorajamentos, resistências cegas, negativismos,
intimidações, etc., são algumas formas de insociabilidade, penúria mental e de
antagonismo com o meio que esta síndrome pode evocar. Wallon fornece, neste quadro,
um conjunto de sinais psicomotores disfuncionais que devem ser levados em conta na
caracterização da delinquência (Fonseca, 1977e apud FONSECA, 2008).
Impulsividades e instabilidades que exprimem conflitos internos e várias
disfunções cognitivas em diferentes parâmetros (input, elaboração e output) são
frequentes e permanentes. As ações e os gestos parecem não ultrapassar os seus
primeiros efeitos, a intencionalidade de os prosseguir com um projeto ou com um
programa intencional coerente é quebrada ou interrompida à mínima distração.
Mudanças de interesse e de ocupação são exageradas. Reações mentais do tudo ou
nada, com ideação suspensa ou eclipse psíquico são frequentemente observáveis.
Conclusões de tarefas arrastam-se indefinidamente. A atração por tudo o que se vê é
irresistível, tudo tem que ser mexido, sem de fato se mexer com qualquer intenção ou
finalidade (FONSECA, 2008).
Age-se sem se pensar, a ação decorre mais de uma percepção do que de uma
captação precisa de estímulos e de situações. A comunicação é confusa e restrita em
termos semânticos e sintáticos, a descrição de eventos e acontecimentos é concreta,
gestualizada e baseada em onomatopeias, com enumerações e narrações vagas e
desordenadas no espaço e no tempo, por vezes ilógicas e aberrantes. O comportamento
em geral é, em larga medida, episódico e assistemático (FONSECA, 2008).
Conforme Fonseca (2008), as consequências ao nível relacional e, sobretudo,
educacional, são inúmeras, como se pode conjeturar. É fácil, nesta descrição walloniana,
encontrar uma espécie de viscosidade psíquica, na qual a instabilidade ininterrupta gera
uma descontinuidade da ação e do pensamento. A estrutura cognitiva não tem precisão,
flexibilidade ou agilidade.
Processar informação ou modular uma ideia e comunicá-la com perfeição e
eficácia, resolver problemas e encontrar a solução conveniente torna-se esgotante e
desmotivante. Refletir e pensar antes de agir é quase irrealizável; não subsiste,
37
consequentemente, uma preensão psíquica. Aprender e estudar, nessas condições, é,
normalmente, moroso, desinteressante e doloroso (FONSECA, 2008).
A insuficiência extrapiramidal (também dita, por Wallon, optoestriada) põe em jogo
uma espécie de claudicação da atividade motora e mental, porque as relações entre a
atividade cortical e a subcortical, entre a ideação e a afetividade, entre o gesto intencional
e as reações automáticas estão efetivamente perturbadas (FONSECA, 2008).
38
sensório-motores muito elaborados, como também por implicarem uma estreita relação
funcional entre a ideação e a ação, entre os fins e os meios.
Aqui, a hierarquia dominante dos centros corticais faz-se sentir sobre os
subcorticais, onde as funções piramidais se sobrepõem às extrapiramidais para
exercerem com plenitude a sua atividade superior. A perda desta hierarquia funcional ou
deste controle cortical e inter-hemisférico tende a provocar uma exaltação descontrolada
dos sistemas extrapiramidais sobre os piramidais, dos intra sobre os inter-hemisféricos,
podendo dar origem a impulsividades emotivas, desequilíbrios afetivos multifacetados e
micro desajustamentos nos sub processos informacionais e cognitivos (FONSECA,
2008).
A patologia optoestriada é, preferencialmente, assimétrica nas suas funções
motoras, na qual a hemiplegia é a forma mais completa, que se caracteriza por uma lesão
hemisférica oposta, tornando praticamente impossível qualquer movimento intencional.
Os membros apresentam uma impotência completa, subsistindo apenas algumas
contrações sincinéticas, enquanto a musculatura mímica da face se encontra menos
afetada. O tronco exibe ligeiras afecções piramidais, enquanto as extremidades acusam,
incontestavelmente, contraturas em flexão na mão e em extensão e em abdução no pé.
Manifestações atetósicas podem, ainda, atestar a existência de insuficiências estriadas
e mesencefálicas (FONSECA, 2008).
A unilateralidade das lesões e o desnivelamento local do tônus ainda podem ser
observados na coréia de origem extrapiramidal, uma discrepância e uma oposição de
efeitos que pode também ser detectada na irregularidade da convergência ocular, que
ilustra o estrabismo, e uma inclinação transversa da língua no interior da boca que, pode
implicar problemas de articulação e de falação (FONSECA, 2008).
O equivalente funcional desta insuficiência extrapiramidal superior pode
caracterizar-se por subcoreia, cujo quadro disfuncional demonstra manifestações de
inconsistência afetiva e de humor, bruscas variações e intermitências emotivas,
impulsividade, atitudes de oposição, condutas perversas, libertação de automatismos mal
controlados, impetuosidade dos desejos, humor despótico, etc., que são reveladoras de
fraco controle cortical ou de sinais do tipo epiléptico. Um estado de mitomania, de
desordem íntima e de exuberância abrupta parece desencadear-se, tendo como fundo
39
uma espécie de inquietude e de ambivalência tônica, muscular, relacional e afetiva, que
em alguns casos se ajusta a personalidades delinquentes ou sociopatológicas
(FONSECA, 2008).
A insensibilidade social e a intransigência cruel às necessidades dos outros na
visão de Fonseca (2008), parecem ocorrer nos estados de insuficiência extrapiramidal
superior, com a dissolução da percepção e da cognição ou das suas consequências
afetivas, que reforçam a persistência de um egocentrismo inconsequente e paranormal,
que, no fundo, evocam uma instabilidade e uma impotência de reflexão e de planificação
que pode estar na base de inúmeras dificuldades de adaptação.
A agitação subcoreica que Wallon (1925, 1928, 1973, 1984 apud FONSECA,
2008) descreve é um estado de obnubilação mental que identifica uma espécie de
abolição simultânea da atividade cinética e mental superior. Por um lado, o ato
desencadeia-se sem qualquer distinção interna ou sem qualquer ajustamento ou
intervenção exógena; por outro, a atividade mental está mais sujeita a automatismos do
tudo ou nada, que desencadeiam cascatas de reações, cujos efeitos desastrosos não
são previstos nem inibidos ou refletidos.
Trata-se de uma desorganização cortical, mais especificamente, de uma
insuficiência frontal, que é ultrapassada por reações subcorticais, subvertendo a
hierarquia funcional dos substratos neurológicos (Wallon, 1932,1973, 1984; Trang-
Thong, 1976; Camus, 1998 apud FONSECA, 2008).
40
construtiva e criativa da ação e do pensamento, bem como na base de toda a evolução
cultural. Todas as reações medulares, reticulares, cerebelares, extrapiramidais e
piramidais, em termos funcionais, têm de se sujeitar à intencionalidade da conduta,
processo complexo que une os mais vastos motivos, meios e consequências para atingir
um resultado ou um determinado fim. Os lobos frontais, nos seus subsistemas motores e
mentais (córtex motor associativo e área suplementar motora), submetem todas as sub-
rotinas tônicas, posturais e automáticas disponíveis às suas intenções superiores.
Com as vias fronto-pôntico-cerebelares, as conexões talâmico-frontais e
frontoparietais, fronto-occipitais e fronto-temporais, o lobo frontal, que atingiu na
filogênese a maior expansão cerebral, em comparação com outras áreas (Fonseca,
1974ª, 1989, 1998, 1999 apud FONSECA, 2008), consegue, na sua multiplicidade de
funções e variedade de relações, estabelecer a unidade dinâmica e a coerência funcional
de todos os substratos para planificar e para executar as mais diversas atividades
motoras, mentais e relacionais.
Pela sua ação, o lobo frontal inibe todas as veleidades afetivas, ordena e
categoriza o afluxo aferente de informações e de impressões sensoriais (intra e
extrassomáticas), dá-lhes expressão harmoniosa, precisão e eficácia e, posteriormente,
de acordo com as circunstâncias, previsões e preferências refletidas, sequencializa
espaço-temporal e intencionalmente todas as suas atividades conscientes. Pela sua
complexidade funcional e estrutural, pela sua função organizadora e de síntese, entende-
se que a sua insuficiência tende a determinar estados e tipos de apraxia, de amnésia e
de afasia, pondo em risco a qualidade da expressão, da adaptação e da comunicação do
indivíduo (FONSECA, 2008).
41
Com esta estrutura, que ocupa quase metade dos hemisférios cerebrais, o sistema
nervoso atingiu a máxima separação e distância interior entre os estímulos e as
respostas, transcendeu os reflexos e os automatismos para produzir atividades reflexivas
e volitivas, julga e regula a percepção externa e planifica as respostas, em concordância
com o que está sendo percebido (Damásio, 1994, 1999 apud FONSECA, 2008).
Perante essa arquitetura funcional e essa complexidade organizativa, as
disfunções ou insuficiências frontais produzem efeitos multifacetados em termos de
comportamento e de aprendizagem, dos quais destaco inércia (da agitação subcortical à
passividade frontal), anorexia, bradicinésia, paratonias, hipotonia, apraxias, mutismo,
hiperatividade, apatia, depressões hipomaníacas, indecisão, impaciência, inatenção,
subjetividade radical, confusão espaço-temporal, hiperestesia psíquica,
despersonalização, digressões e associações inoportunas, divórcio entre a ação e a
representação, tautologias puras, etc (FONSECA, 2008).
Concluindo como afirma Fonseca (2008), as síndromes psicomotoras só podem
ser compreendidas à luz de uma integração e de uma equivalência ou empatia funcional
entre os processos motores e os processos psíquicos, que desfrutam do mesmo cérebro
e do mesmo corpo, razão pela qual a psicomotricidade não é mais do que a expressão
corporal da atividade psíquica.
Como Wallon (1932, 1958, 1963, 1973, 1984 apud FONSECA, 2008), também
defendo que a criança normal se descobre na criança patológica ou parapatológica, o
verdadeiro laboratório para os estudos da psicologia.
Com base nessa aproximação psicopatológica, Wallon, independentemente de
algumas vulnerabilidades conceituais, abre espaço, com a sua perspectiva compreensiva
da psicomotricidade, para uma neuropsicologia, no seu tempo, talvez a primeira tentativa
bem-sucedida. O seu contributo é hoje considerado por Camus (1998 apud FONSECA,
2008) como extremamente atual, na medida em que o estudo das síndromes
psicomotoras nos oferece uma via original de abordagem ao desenvolvimento psicomotor
da criança dita normal.
42
4 APRENDIZAGEM HUMANA
Fonte: construirnoticias.com
44
relacionadas. Um exemplo é o que ocorre quando você relaciona ter dor dente ao
comportamento de ir ao dentista, essa relação é considerada uma aprendizagem do tipo
associativa.
Por observação: quando alguém adquire ou muda um comportamento a partir da
observação de como outras pessoas se comportam. Por exemplo, quando você assiste
a um tutorial de como preparar um prato e passa a implementar esse novo repertório de
comportamento na sua vida (HEUMANN, 2018).
Complementando esse raciocínio, Illeris (2013 apud HEUMANN, 2018), na obra
Teorias contemporâneas da aprendizagem, destaca três dimensões ou esferas da
aprendizagem:
1. Conteúdo: diz respeito ao que é aprendido, engloba conhecimentos,
habilidades, insights, significados, valores, postura, modo de agir, entre outras coisas que
contribuem para a compreensão e para a capacidade de quem aprende.
2. Incentivo: esfera relacionada à energia necessária para promover a
aprendizagem. Engloba sentimentos, motivação, emoções. Sua função é garantir o
equilíbrio mental.
3. Interação: diz respeito aos impulsos que dão início ao processo de
aprendizagem, tais como: percepção, ação, experiência, imitação, participação, entre
outros.
Dando continuidade à essa compreensão, Illeris (2013 apud HEUMANN, 2018)
ainda destaca dois processos essenciais na aprendizagem:
Processo externo: remete à interação do indivíduo com o meio no qual está
inserido.
Processo psicológico/interno: remete à aquisição e à elaboração das
informações disponíveis no meio.
Para Illeris (2013 apud HEUMANN, 2018), esses processos ocorrem em toda
forma de aprendizagem, contudo, algumas teorias se dedicam mais à compreensão e
explicação de um ou de outro processo. Por exemplo, teorias cognitivistas costumam se
dedicar mais aos processos internos, enfatizando os aspectos mentais. Já as teorias de
aprendizagem social tendem a destacar mais os processos externos, de interação do
indivíduo com o meio. Destaca-se, nesse sentido, que ambas as teorias contribuem para
45
o desenvolvimento da compreensão do conceito através de uma abordagem
diversificada, demonstrando a característica multiparadigmática da aprendizagem.
47
4.2 Aprendizagem motora
Toda habilidade motora deve ser aprendida. Desde as mais simples, como
caminhar e saltar, até as mais complexas, como tocar um instrumento musical ou praticar
um esporte, são adquiridas e/ou aprimoradas em algum momento da vida por meio de
um processo chamado de aprendizagem motora. A aprendizagem motora corresponde a
um conjunto de processos cognitivos que resulta em uma melhora relativamente
permanente na capacidade do indivíduo em desempenhar uma habilidade devido à
prática ou à experiência. (MAGILL, 2000 apud COSTA, 2018). Percebe-se algumas de
suas características implícitas nesse conceito: a aprendizagem é uma mudança interna;
requer uma melhora relativamente permanente, e não transitória, ao longo do tempo; e
ela não existe sem prática ou experiência. Por corresponder aos processos cognitivos
internos, essa aprendizagem não é diretamente observável e, devido a isso, se infere a
partir do desempenho — um comportamento motor que pode ser visto. Dessa forma,
visualiza-se o desempenho motor para concluir se o indivíduo aprendeu ou não uma
habilidade.
Como a aprendizagem é uma alteração relativamente permanente, deve-se ter
claro quais os fatores que influenciam o desempenho de forma transitória. Por exemplo,
o desempenho de uma habilidade pode ser ocasionado por um estado emocional, uma
condição do sistema muscular, uma motivação, perda de sono, drogas, cafeína, etc.
Imagine duas situações: em uma, o indivíduo realiza a habilidade após uma boa noite de
sono, motivado, descansado e não fadigado; na outra, depois de uma noite mal dormida,
desmotivado, cansado e fadigado. É muito provável que o seu desempenho nesses dois
casos seja muito diferente, mas não devido à aprendizagem da habilidade, e sim aos
fatores que o influenciam de forma transitória. A fim de definir se há aprendizagem e se
certificar que o comportamento motor não é transitório, o desempenho deve apresentar
quatro características (COSTA, 2018).
1. Aperfeiçoamento: o desempenho observado apresenta melhora em relação ao
desempenho visto previamente.
2. Consistência: os níveis de desempenho, entre uma e outra tentativa, tornam-se
mais semelhantes.
48
3. Persistência: a melhora do desempenho deve ser observada hoje, amanhã,
semana que vem, etc., a fim de garantir que ela é relativamente permanente.
4. Adaptabilidade: o desempenho aperfeiçoado se adapta a uma variedade de
características do contexto, como estado emocional, condições climáticas, ambiente
onde a habilidade é desempenhada, suas características, etc (COSTA, 2018).
Dessa forma conforme Costa (2018), se o nível de proficiência do desempenho
do indivíduo for relativamente estável ao longo de várias observações e sob diferentes
conjuntos de circunstâncias, pode-se assumir que ele é um reflexo preciso do nível de
aprendizagem motora dessa pessoa.
A prática possui muita importância, uma vez que, a partir dela, ocorre a
aprendizagem motora. Porém, ela não pode ser entendida como uma simples repetição
mecânica do movimento. Para aquisição de novos movimentos, ela consiste no sucesso
gradual de uma pesquisa para soluções motoras ideais aos problemas adequados, no
processo de resolver obstáculos por meio de técnicas que mudam e são aperfeiçoadas
com as tentativas (COSTA, 2018).
Nesse contexto, a abordagem para o ensino da habilidade de rebater, por
exemplo, não deve se basear em fazer o aprendiz rebater uma bola atrás da outra, em
um movimento repetitivo e impensado. Pelo contrário, ele precisa experimentar esse
gesto de diferentes formas a fim de achar a melhor opção para solucionar determinado
problema, como encontrar o melhor movimento para rebater uma bola alta, ou uma bola
à meia altura e rápida, ou uma bola rasteira (COSTA, 2018).
Outra questão da prática é a especificidade da aprendizagem, na qual o que se
aprende depende, em grande medida, do que se pratica. Por exemplo, à primeira vista,
o futebol e o futsal são esportes muito parecidos, mas há diferenças entre eles que
influenciam o desempenho decisivamente, como o tamanho e o peso da bola, ou o
tamanho e a superfície do solo. Assim, a força que se imprime em um chute ou passe é
diferente nas duas modalidades, bem como o jeito com que a bola rola sobre a superfície,
modificando a forma como o jogador deve conduzi-la. Além disso, a movimentação deles
se difere, devido à diferença no número de jogadores e no tamanho do campo/quadra.
Por isso, se um indivíduo deseja jogar futebol, ele deve praticar o futebol; já aquele que
quer aprender futsal, precisa praticar o futsal. Da mesma forma, o vôlei de quadra e de
49
areia, embora pareçam semelhantes, possuem divergências. A superfície possivelmente
é a principal, porque se movimentar em uma quadra é muito diferente do que na areia.
Além disso, no vôlei de praia, muitos fatores do ambiente influenciam o jogo, como sol e
vento, o que não acontece no de quadra. Uma prova real da especificidade da
aprendizagem são os casos de atletas que migraram de um esporte para o outro (do vôlei
de quadra para o de praia ou vice-versa, e do futebol para o futsal ou vice-versa) e não
obtiveram tanto sucesso como no esporte de origem, o qual praticaram durante anos de
sua carreira (COSTA, 2018).
A especificidade segundo Costa (2018), é um fator determinante do sucesso no
desempenho. Por isso, se você quer que seu time de futebol saiba jogar na chuva, os
jogadores devem praticá-lo na chuva; se deseja que seu atleta de tênis saiba jogar na
quadra sintética e na grama, ele deve treinar nesses ambientes; e se você quer que seu
atleta de basquete cobre um lance livre com torcida contra, ele precisa praticar o
arremesso com barulho.
50
Indivíduo
51
Atenção: é necessária para se aprender qualquer coisa.
Memória: é a capacidade de conservar experiências prévias para um uso
posterior.
Estágio de aprendizagem: o indivíduo passa por fases de aprendizagem durante
as quais o desempenho apresenta uma melhora (COSTA, 2018).
Imagine dois indivíduos, A e B, que estão aprendendo a mesma habilidade motora
— saque no tênis — a partir da prática de exercícios iguais. O indivíduo A tem 10 anos;
possui boa memória e alto potencial genético para o desenvolvimento de habilidades
motoras; domina esportes como vôlei, basquete e futebol; apresenta uma grande
motivação para a prática de exercício físico e consegue se concentrar nas atividades
realizadas. Já o indivíduo B tem 45 anos; possui baixa capacidade de atenção e memória
e baixo potencial genético para o desenvolvimento de habilidades motoras; nunca se
motivou a aprender novas habilidades e, por isso, raramente praticou esportes (COSTA,
2018).
Ambiente
52
O ambiente como explica Costa (2018), possui duas categorias de classificação:
as condições reguladoras fixas e as reguladoras em movimento. A primeira ocorre
quando a habilidade é realizada em um ambiente estacionário, em que o contexto ou o
objeto sobre o qual se age não se altera durante a sua execução. Por exemplo,
arremessar dardos no alvo ou um lance livre no basquete, realizar um chute a gol sem
goleiro no futebol, executar a primeira tacada no golfe, etc. Em todas essas situações, o
participante pode iniciar a ação quando estiver pronto e executar a habilidade de acordo
com a sua vontade. As habilidades motoras realizadas em um ambiente fixo são
conhecidas como habilidades fechadas.
Já a reguladora em movimento acontece quando a habilidade é executada em
ambiente em movimento e imprevisível, no qual as condições estão constantemente
mudando. Por exemplo, chutar uma bola ou rebater uma bola de basebol em movimento,
atacar uma bola no vôlei, lançar um dardo no alvo móvel, etc. O movimento obedece ao
ambiente para cumprir seu objetivo, e o aprendiz deve sincronizá-lo a esse ambiente. As
habilidades motoras feitas em um ambiente em movimento são chamadas de habilidades
abertas (COSTA, 2018).
Como caracteriza Costa (2018), percebe-se a importância do fator ambiente para
a aprendizagem e o refinamento de uma habilidade ao realizá-la sem o considerar. Por
exemplo, rebater uma bola no basebol sem se atentar ao seu tamanho, à sua velocidade
e ao seu posicionamento, ou arremessar uma bola na cesta de basquete sem considerar
o tamanho e peso da bola, bem como a distância e altura da cesta. A tentativa de executar
uma tarefa sem avaliar o ambiente é destinada ao fracasso.
Tarefa
53
Musculares: as habilidades motoras grossas envolvem o recrutamento de
grandes grupos musculares para a execução do movimento (correr, saltar, chutar,
arremessar); já as motoras finas, o recrutamento de pequenos grupos musculares em um
movimento preciso (escrever, digitar, costurar).
Temporais: as habilidades discretas se definem por ter um início e um fim
(arremessar, rebater). Nas habilidades em série, a discreta é repetida ou combinada
(sequência de ginástica, drible do basquete).
Já as contínuas são movimentos cíclicos, em que não se pode definir início e fim
(correr, nadar).
Ambientais: as habilidades fechadas são realizadas em um ambiente estável e
previsível (chutar uma bola parada, arremessar um dardo em um alvo fixo); já a aberta é
feita em um ambiente instável que influencia a ação (rebater uma bola, arremessar em
um alvo móvel) (COSTA, 2018).
Funcionais: as habilidades estabilizadoras requerem algum grau de equilíbrio
(girar, rolamento corporal). As locomotoras, por sua vez, envolvem a alteração da
localização do corpo em relação a um ponto fixo (correr, saltar em distância). Já nas
manipulativas, se aplica força em um objeto ou recebe força dele (arremessar, receber).
Além dessas classificações, Gentile (1972 apud COSTA, 2018) propôs uma
bidimensional com base no contexto ambiental em que a pessoa realiza a tarefa e na
função da ação que caracteriza a habilidade. Cada fator é subdivido a fim de criar um
esquema que leva a 16 categorias de habilidades.
A aprendizagem motora é dependente da interação de cada fator individual com a
tarefa realizada em determinado ambiente. Qualquer alteração em um dos três fatores
afetará o movimento que surge dessas interações, evidenciando o processo dinâmico e
sistêmico da aprendizagem (COSTA, 2018).
54
6 TEORIAS DA APRENDIZAGEM MOTORA
55
considerável, o aprendiz entra no estágio autônomo, em que a habilidade já se tornou
automática, e ele não pensa conscientemente no que está fazendo enquanto a
desempenha e pode realizar atividades cognitivas de ordem mais alta e simultânea. Por
exemplo, quando se aprende a caminhar com proficiência, não é mais necessário pensar
na execução dos passos e pode-se fazer atividades ao mesmo tempo, como caminhar e
ler o jornal; caminhar e mexer no celular; caminhar e pensar no trabalho, etc. No âmbito
esportivo, o jogador de futebol não pensa em como está conduzindo a bola com o pé, ele
executa o movimento automaticamente, olha para os seus companheiros e adversários
e analisa qual a sua melhor opção de passe.
Teoria de Adams
Teoria de Bernstein
57
Teoria de Gentile
Gentile (1972, 1987 apud COSTA, 2018) propôs uma teoria de aprendizagem
motora do ponto de vista do aprendiz. No primeiro estágio, o objetivo é entender o
movimento e estabelecer o seu padrão básico. Em termos gerais, entender o movimento
pode representar o que o indivíduo deve fazer para atingir a meta. Já em termos de
movimento, significa compreender o padrão de movimento adequado necessário para
alcançar essa meta. Por exemplo, nesse primeiro momento, se ele está aprendendo a
arremessar uma bola na cesta, o foco será entender como coordenar adequadamente os
movimentos dos braços e da mão para executar o arremesso com proficiência. Além
disso, o aprendiz deve saber discriminar os aspectos ambientais que podem interferir no
movimento dos que não exercem influência sobre ele.
Os aspectos que o influenciam são denominados de condições reguladoras—em
um arremesso, trata-se do peso e tamanho da bola, bem como da distância da bola até
a cesta. Já os aspectos que não influenciam o movimento são chamados de condições
não reguladoras, por exemplo, a cor da bola a ser arremessada (COSTA, 2018).
No segundo estágio Costa (2018) diz que o objetivo do aprendiz é descritivo, em
termos de fixação/diversificação. Ele deve adquirir três características para refinar a
habilidade aprendida no outro estágio: adaptação, consistência e economia de esforço.
A adaptação se refere ao indivíduo adaptar o padrão de movimento a qualquer situação
de desempenho que exija essa habilidade. Por exemplo, após aprender o padrão de
movimento do arremesso, ele deve saber arremessar de diferentes distâncias, parado e
em movimento, etc. Além disso, é exigido que o aprendiz aumente a consistência em
atingir a meta (um padrão de arremesso proficiente), acerte a cesta na maioria das
tentativas e aprenda a desempenhar a habilidade com economia de esforço. Dessa
forma, ele não precisará prestar tanta atenção no gesto de arremessar e,
consequentemente, atentará a outras características do ambiente que influenciam o seu
padrão de movimento.
Um aspecto importante referente ao processo de aprendizagem motora, presente
em todas as teorias citadas na visão de Costa (2018), é a quantidade de melhora do
58
desempenho em cada fase. Nos estágios iniciais da aprendizagem, o indivíduo apresenta
uma rápida e grande melhora e torna-se mais habilidoso a cada execução. No entanto,
no estágio final, como ele já é muito capaz, as melhorias na performance são lentas.
Nesses casos, pode-se adicionar algumas dificuldades, como realizar um treino técnico
com a fadiga já instaurada (um treino de finalização no futebol após todo o treinamento
físico).
A aprendizagem motora é um conjunto de processos cognitivos, que resulta em
uma melhora relativamente permanente na capacidade do indivíduo em desempenhar
uma habilidade, devido à prática ou à experiência. Já o processo de aprendizagem se
influencia pela interação do indivíduo com o ambiente e a tarefa a ser executada. Por fim,
diversas teorias foram elaboradas sobre como ele ocorre. Em todas elas, o aprendiz parte
de um estágio inicial, no qual ele demanda de muita atenção para executar as
habilidades, com desempenho inconsistente e uma grande quantidade de erros
grosseiros; culminando em um estágio final, em que ele demanda de baixa atenção para
realizar as habilidades, com desempenho consistente e poucos erros (COSTA, 2018).
Fonte: tribunademinas.com
59
Atualmente como afirma Santos (2020), a educação infantil tem sido moldada para
tratar a criança como o centro do processo de ensino-aprendizagem. Mediante essa
moderna empreitada, é preciso reconhecer que nem sempre a infância foi tratada sob
esse prisma. Por vezes, as crianças foram tidas como adultos em miniatura, ou até
mesmo foram desvalorizadas em suas expressões próprias do mundo infantil, quando,
na verdade, esses pequenos ávidos por aprender estão em contínua descoberta de si e
do entorno que os cerca.
Em contrapartida, hoje, o professor que está alocado no ensino infantil é tido
apenas como um facilitador da aprendizagem. Não seria essa uma visão reducionista
demais do seu valoroso papel de cuidar e educar as crianças? Diante desse contexto de
prática profissional, será apresentada a importância da psicomotricidade para o
desenvolvimento integral das crianças, bem como a preciosa oportunidade que o
profissional de educação física tem em mãos para sistematizar o ensino por intermédio
da teoria e das técnicas psicomotoras (SANTOS, 2020).
Inicialmente conforme Santos (2020), faz-se necessário refletir acerca do papel da
psicomotricidade no desenvolvimento integral das crianças desde a mais tenra idade.
Uma vez ciente de que diferentes grupamentos etários estão presentes na educação
infantil (Figura 1), o educador precisa direcionar a sua prática pedagógica às
necessidades e etapas do desenvolvimento do aluno. O tão falado desenvolvimento
integral da criança seria, portanto, a demonstração da difícil equação entre propostas de
ensino e realidade escolar, entre teorias e técnicas pedagógicas. Na prática, trata-se de
trabalhar a criança como um todo, sem privilegiar as partes, na busca pela sinergia no
aprendizado.
Figura 1. Grupamentos etários das crianças no ensino infantil.
60
Eis aí o papel singular da psicomotricidade, ciência aplicada que aglutina não
somente os aspectos emocionais e cognitivos, mas também leva em consideração a
contribuição dos aspectos motores na dinâmica do processo de ensino-aprendizagem
(AQUINO et al., 2012 apud SANTOS, 2020).
Nesse sentido, para o educador no ensino infantil, a atividade psicomotora é uma
ferramenta que pode ser acoplada à engrenagem de ensino, a fim de polir a pedra
preciosa da aprendizagem. Contudo, para que a boa semente das técnicas psicomotoras
possa crescer e dar frutos, é preciso que o psicomotricista cerque a sua área de
intervenção de criatividade e ludicidade. Nesse sentido, o lúdico é a chave entre o mundo
real e o imaginário para a criança, e essa abordagem não somente desperta a criança
para a aula, como também favorece a sua espontaneidade e participação (CIPRIANO;
MOREIRA, 2016 apud SANTOS, 2020).
Diante desse cenário, qual é a importância da psicomotricidade para a educação
física escolar no ensino infantil? De acordo com Aquino et al. (2012, p. 256 apud
SANTOS, 2020):
É claro que uma total algazarra em sala de aula denota, no mínimo, a ausência
do docente; se porventura este estiver presente, possui nota zero de
intencionalidade pedagógica, não é mesmo? Nesse sentido, se o movimento é
um aliado do desenvolvimento dos aspectos emocionais e cognitivos, por que
61
não o ordenar de modo a alcançar tal êxito? É por isso que o papel do educador
no ensino infantil vai muito além de vigiar as crianças enquanto elas brincam
(BORRE; REVERDITO, 2019 apud SANTOS, 2020).
O trabalho pedagógico segundo Santos (2020) precisa ter bem claro o seu alvo a
longo, médio e curto prazo para que seja bem-sucedido, de forma que a educação infantil
não seja apenas um mero passatempo para as crianças, mas sim um investimento, cujo
aprendizado poderá contribuir sobremaneira para as demais etapas da escolarização que
estão por vir. Nessa perspectiva, destaca-se a relevância de os educadores que atuam
no ensino infantil, desde os pedagogos até os profissionais de educação física, buscarem
aprofundar os seus conhecimentos acerca da teoria e das técnicas psicomotoras por
meio da formação continuada.
De acordo com Aquino et al. (2012 apud SANTOS, 2020), a psicomotricidade é
uma valiosa ferramenta que poderá auxiliar no desenvolvimento das potencialidades e/ou
diminuir as defasagens das crianças, de modo a estimular o desenvolvimento integral dos
alunos. Nesse sentido, pode-se concluir que a psicomotricidade é uma ferramenta que
poderá ser aplicada no ensino infantil, a fim de contribuir para o desenvolvimento integral
das crianças. O educador que atua com esse público poderá oportunizar o
desenvolvimento dos elementos psicomotores, de modo a estimular o aprendizado não
somente dos aspectos emocionais e cognitivos, mas também dos motores.
Quanto à linguagem corporal, cabe destacar o papel do profissional de educação
física no ensino infantil, uma vez que tanto a psicomotricidade quanto à educação física
escolar converge para o mesmo objeto de trabalho: o corpo em movimento. Sendo assim,
o educador poderá valer-se da teoria e das técnicas psicomotoras nos diferentes estágios
de desenvolvimento das crianças, a fim de adequar as propostas pedagógicas à
realidade escolar, bem como às limitações e potencialidades dos alunos (SANTOS, 2020)
62
8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
HEUMANN, Sabine. Imagem pessoal: Aprendizagem. [S. l.], p. 16, nov. 2018.
63