Pensamento, Linguagem e Aprendizagem
Pensamento, Linguagem e Aprendizagem
Pensamento, Linguagem e Aprendizagem
Resumo
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Mestre em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEd) da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (UFRN). Professora da Rede Municipal de ensino da cidade do Natal. Suporte – especialista em
educação da Rede Estadual de ensino do estado do Rio Grande do Norte. Pesquisadora do Grupo de Estudos e
Pesquisas em Educação – GEPEd/UFAC. E-mail: andreiakelly@gmail.com.
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Introdução
Sabe-se que o homem, durante toda a sua história e evolução na Terra, sempre buscou,
e ainda busca criar mecanismos de comunicação e transformar tecnologias na tentativa de
alcançar maior entendimento e conforto para a humanidade.
Tudo isso só se tornou possível devido à capacidade que o ser humano possui de
desenvolver funções mentais superiores, tais quais a linguagem e o pensamento; como
também, a de formar grupos tendo como base características de afinidades, opiniões, ações,
gostos e relações.
O desenvolvimento do pensamento, da linguagem e da comunicação é de suma
importância para a complexidade das atividades superiores. É por meio do desenvolvimento
da linguagem e da comunicação que o pensamento pode se constituir.
Assim, muitas são as teorias que abordam e tentam entender como ocorre o processo
de aprendizagem. Que fatores e outros processos o perpassam? Quais as características e as
implicações destes fatores e processos para um melhor desenvolvimento e uma
potencialização da aprendizagem? Neste estudo, um recorte de uma de nossas pesquisas, nós a
Teoria Vigotskiana, por percebermos que essa teoria contribuí para o entendimento das
questões acima explicitadas.
Essa teoria foi desenvolvida por Lev Semiónovitch Vygotsky e colaboradores, em
meados da década de 1920, na Rússia. Tal teoria tem como base o estudo do desenvolvimento
das funções psicológicas superiores considerando as facetas sócio-histórico e culturais do
homem, no referente à consciência e ao intelecto humanos, como descreve Oliveira em,
[...] a tarefa intelectual a que [Vygotsky] se dedicou [...] [foi] a tentativa de reunir,
num mesmo modelo explicativo, tanto os mecanismos cerebrais subjacentes ao
funcionamento psicológico, como o desenvolvimento do indivíduo da espécie
humana, ao longo de um processo sócio-histórico (OLIVEIRA, 1994, p. 14).
28); enquanto que a segunda baseava-se na filosofia idealista e “[...] entendia a psicologia
como ciência mental, acreditando que a vida psíquica humana não poderia ser objeto de
estudo da ciência objetiva, já que era manifestação do espírito” (REGO, 2001, p. 28).
Nesta linha de produção e formação acadêmica, Vygotsky (2001) entende que a
psicologia é capaz de explicar as funções psicológicas superiores, para isso ele propõe uma
nova psicologia, que se baseia nas duas visões das correntes psicológicas de sua época e nos
referencias já mencionados. Nestes estudos, Vygotsky (2001, 2003a, 2003b) defende que a
aprendizagem é um processo de interiorização dos sentidos construídos a partir da
experiência, da maturação e da interveniência que os mediadores sociais proporcionam
concomitantemente, além do desenvolvimento cognitivo decorrente desta relação. Assim, o
autor ressalta a relação dialética entre desenvolvimento e aprendizado, que será discutida
posteriormente, neste capítulo.
Na tessitura de sua teoria e na busca de compreender a construção do conhecimento e
do desenvolvimento humano, Vygotsky (2001, 2003a, 2003b) define conceitos com a
intenção de revelar a trajetória e os desencadeamentos da linha sócio-histórica-cultural do
desenvolvimento das funções psicológicas superiores. Expõe também a relação e a ação
destes conceitos no processo de aprendizagem que se dá na interação social e na utilização de
mecanismos que auxiliem tal interação. Tais conceitos são: zona de desenvolvimento
proximal (ZDP), instrumentos, signos, sistemas simbólicos, representações mentais, cultura,
interação social e mediação.
A partir destas conceituações, Vygotsky (2001, 2003a, 2003b) propõe uma teoria
sobre o desenvolvimento humano, na qual considera não só o desenvolvimento do indivíduo,
mas também da espécie humana. Para tanto, seu estudo baseou-se no desenvolvimento da
linguagem e do pensamento, enfocando a importância da interação social e da mediação para
o desenvolvimento das funções mentais superiores. Dessa forma contribui para o
entendimento dos processos de desenvolvimento humano, mais especificamente para a
compreensão do processo de aprendizagem.
Nesse sentido, ao estudar o desenvolvimento da linguagem e do pensamento
vigotskiano enfatiza que dois são os componentes estruturantes da palavra: a função
designativa (referência objetal) e o significado. O primeiro componente consiste na
compreensão da palavra como designadora/nomeadora de objetos, pessoas, ações, etc.;
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desvinculação da ação e do uso do instrumento com a atividade prática, isto é, com a presença
do instrumento ou a ação sem abstração, só na presença do objeto, por exemplo.
Distinguindo-se na dimensão filogenética do desenvolvimento duas fases: a pré-
lingüística no desenvolvimento do pensamento (utilização de instrumentos e inteligência
prática) e a pré-intelectual no desenvolvimento da fala (alívio emocional e função social),
como afirma Oliveira (1994, p. 46), “antes de dominar a linguagem, a criança demonstra
capacidade de resolver problemas práticos, de utilizar instrumentos e meios indiretos para
conseguir determinados objetivos”.
As crianças muito pequenas, do mesmo modo que os chimpanzés, são capazes de
utilizar os instrumentos e o ambiente para conseguirem resolver alguns problemas simples ou
alcançar determinados objetos ou fins. Com essa constatação, Vygotsky (2001, 2003a, 2003b)
prova que, na infância, o indivíduo vive o que a espécie viveu no principio de sua linha
histórica de desenvolvimento e apresenta que, no início do desenvolvimento, a criança tem
um comportamento similar ao dos antropóides superiores. Tudo isso, pode ser explicado pelo
momento do desenvolvimento do pensamento da linguagem, porque no começo do
desenvolvimento, quando o pensamento é pré-lingüístico e a fala é pré-intelectual a criança
não é capaz de abstrair e mediar, no sentido humano destas capacidades, os objetos que a
cercam, o que a faz agir emocionalmente e resolver apenas os problemas práticos.
Já na dimensão ontogenética, há uma fase pré-verbal do pensamento e uma pré-
intelectual da fala, ocorrendo nesta última o encontro e a união das curvas de evolução do
pensamento e da fala, nesse ponto do desenvolvimento há uma transformação do biológico no
sócio-histórico-cultural. Ou seja, a fala promove um salto qualitativo e humaniza o indivíduo
que deixa de pensar de maneira primitiva e passa para uma forma mais complexa. Assim, o
pensamento da criança evolui, possibilitando uma maior complexidade de relações entre
objetos e suas significações, uma vez que inicia a possibilidade de generalização e
categorização dos mesmos e a apropriação e internalização dos sentidos e usos das palavras.
Cabendo ressaltar que “[...] o ser humano não só é um produto de seu contexto social, mas
também um agente ativo na criação deste contexto” (REGO, 2001, p. 49).
Vygotsky (2003a) afirma a existência de raízes pré-intelectuais da fala, que não têm
relação com a evolução do pensamento, tais quais: o balbucio, o choro e as primeiras
palavras. Para ele estas raízes não são predominantemente emocionais, mas sociais, como as
risadas, sons inarticulados e movimentos; configurando-se em uma fala afetivo-conativa.
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Enuncia que posteriormente quando as crianças descobrem que “‘cada coisa tem um
nome’” (STERN, 19142, apud VYGOTSKY, 2003a, p. 53), o nome, para elas, passa a fazer
parte da estrutura do objeto, esta fase é importante para que a criança entenda a palavra
enquanto signo e para que descubra a função simbólica da fala de forma gradual, por meio de
uma série de mudanças “moleculares” (VYGOTSKY, 2003a).
O autor explica ainda que a fala sussurrada não se desenvolve espontaneamente antes
da idade escolar, não é uma transição entre fala exterior e fala interior, não possui a mesma
função desta última, nem apresenta estrutura semelhante à fala em voz alta. Ele entende que a
fala torna-se interior porque muda de função, de função de escape emocional e meio de
comunicação social para guia de ação e pensamento e comunicação social mais elaborada.
Além de promover a internalização das funções psicológicas superiores, as quais têm como
base o contexto sócio-histórico-cultural, possibilitam à criança significar e entender melhor o
que o outro pensa, expressar melhor seu pensamento, tornar-se capaz de imaginar coisas que
não existiram e ampliar a capacidade mental e social.
O desenvolvimento da fala passa pelas seguintes fases: fala exterior, fala egocêntrica e
fala interior. Na primeira fase a fala tem a função de comunicação social, expressão e
compreensão do que se pensa; na segunda esta função acrescenta-se a de guia de ação e por
fim, a fala interior assume a função de guiar o pensamento. Portanto, a diferença das funções
nas suas fases de desenvolvimento é: a fala exterior age como expressão do pensamento,
enquanto que a fala egocêntrica guia a ação, e a fala interior é mais aprimorada e guia o
pensamento, além da ação e torna a expressão do pensamento mais sofisticada.
No que se refere às operações mentais, nas crianças, argumenta que estas se
desenvolvem em quatro estágios: a fala pré-intelectual e o pensamento pré-verbal, domínio da
sintaxe da fala antes da do pensamento, fala egocêntrica e fala interior. Já no adulto, enuncia
que a fala interior e o pensamento estão ligados, mas não são iguais, se unem para produzir o
pensamento verbal.
Portanto, o discurso interno tem como função auxiliar o indivíduo nas suas operações
psicológicas, e a fala egocêntrica tem uma função pessoal – associada às necessidades do
pensamento.
Vygotsky (2003a) sustenta que a linguagem ao tornar-se racional, propicia o
surgimento das duas funções básicas da linguagem. A Teoria Vigotskiana defende que estas
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STERN, W. Psychologie der fruehen Kindheit. Leipzig, Quelle & Meyer, 1914.
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funções são: a principal de intercâmbio social, isto é, o sistema de linguagem é criado para
que ocorra comunicação entre os semelhantes e, a segunda de pensamento generalizado, ou
seja, é a linguagem que ordena e nomeia o real – é através desta função que a linguagem
torna-se um instrumento do pensamento. Em síntese, Vygotsky (2003a) explicita que:
Considerações Finais
Para Vygotsky (2003a), a linguagem é social uma vez que é construída socialmente e
que surge nos grupos para que os seres humanos possam se comunicar. Podemos enunciar que
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REFERÊNCIAS:
ARAÚJO, Miriam Dantas de. O adolescente e a leitura. 1997. 174 f. Dissertação (Mestrado
em Educação) – Universidade Feral do Rio Grande do Norte, 1997.
BLANCK, Guillermo. Vygotsky: o homem e sua causa. In: MOLL, Luis C. Vygotsky e a
educação: implicações pedagógicas da psicologia sócio-histórica. Tradução Fani A. Tesseler.
Porto Alegre: Artes Médicas, 2002. p. 31-55.
REGO, Teresa Cristina. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. 12. ed.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.
______. Pensamento e linguagem. Tradução Jefferson Luiz Camargo. 2. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2003a.