Pigmentos Leon Gontran Damas

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Pigmentos

Léon-Gontran
Damas

Tradução

Eduardo Viveiros de Sousa

Planaltina, Distrito Federal

2019
Aviso! (que serve de prefácio)
Esta tradução foi feita calcada na tradução inglesa de Alexandra Lillehei em
2011, nas palavras da autora, “para o preenchimento parcial dos requerimentos do
grau de bacharel em artes, com honras departamentais, do colégio de letras” da
Wesleyan University.
Fiz esta tradução porque, certa feita, nos meus estudos sobre minha
identidade racial negra, conheci o movimento denominado negritude, capitaneado
por Aimé Césaire, Léopold Cédar Senghor e Léon Damas. Obviamente, busquei na
internet, esta enorme biblioteca em escala mundial aonde você pode aprender
qualquer coisa que você deseje (e tão mau-utilizada ou mesmo subutilizada pela
imensa maioria das pessoas, que não fazem a mínima ideia do grau de poder
posto em suas mãos por Ela) traduções em português destes autores. Encontrei
duas traduções de Aimé Césaire, “Discurso sobre o Colonialismo” (imensos
agradecimentos ao pessoal do site
https://antropologiadeoutraforma.files.wordpress.com/2013/04/aime-cesaire-
discurso-sobre-o-colonialismo.pdf por distribuir este conhecimento de fundamental
importância para o povo negro brasileiro) e “Diário de um Retorno ao País Natal”,
traduzido por Lílian Pestre de Almeida, ao preço de cerca de R$ 40,00 na livraria
Cultura online. Infelizmente na época, andava a passar por sérios problemas
financeiros e não pude comprar este livro, pelo que fiquei a ver navios. Encontrei
somente estes dois livros.
Intensifiquei as buscas internet afora atrás dos outros dois fundadores da
negritude, sem sucesso porém. O máximo que encontrei foi exatamente esta
tradução em inglês do livro “Pigmentos” de Alexandra Lillehei. Meu inglês é
bastante precário, entretanto consigo me virar razoavelmente bem ao ler textos
nessa língua, pelo que comecei a lê-lo. Reparei, contudo, que eu conseguia me
virar e portanto podia estudar, ainda que precariamente, mas e os restantes meus
irmãos negros, na sua imensa maioria nascidos sob o império da opressão racial
branca, portanto sem ter tido acesso a estudos ao longo da vida? Ficariam a ver
navios, e eu a desfrutar de meus privilégios linguísticos egoísticamente, como um
típico membro da classe média negra? Não podia fazer isso. Até onde eu sei, não
havia tradução deste livro de Léon Damas para o português, e não sei por quais
motivos o movimento negro, formado em grande parte por negros estudados ou
“sabidos”, no dizer dos negros pobres, muitos falantes praticamente nativos de
francês e inglês, jamais viram valor em fazer chegar este e outros materiais de
imenso valor aos negros brasileiros, principalmente após o advento da internet, já
que não há movimento negro se não há educação negra para as massas negras,
isso é básico. De qualquer forma, sou adepto do “se não tem tu, vai tu mesmo”
então, ainda que com um inglês precário, resolvi empreender esta tarefa
monumental de traduzir este grande livro, mesmo estando longe, muito longe, de
ser um bom tradutor de qualquer coisa.
Esta tradução está licenciada com a licença Creative Commons, atribuição
4.0 internacional, o que significa que eventuais erros poderão ser revistos e
corrigidos por qualquer um, principalmente por quem (assim espero) seja
realmente tradutor profissional, embora tenha feito o máximo possível para que
esta tradução fosse a mais razoável possível. Tentei ser o mais literal possível na
tradução mas, lembrado do adágio italiano “traduttore, traditore”, tive que
modificar algumas palavras ou mesmo explicar ao leitor algumas coisas típicas da
cultura na qual Léon Damas viveu e que, de outro modo, teriam ficado nebulosas
na mente do leitor. Espero que o leitor perdoe-me por isto, e tire o máximo proveito
de Léon Damas e seu livro Pigmentos.
O tradutor
Pigmentos
ce n’est pas une joie pour moi de présenter L.-G. Damas, le poète
nègre qui est fier d’être nègre, c’est un honneur à l’intégrité
humaine que je revendique; et je le remercie amicalement du fond du
cœur.

Robert Goffin, prefácio à edição de 1962 de Pigments.


Eles Vieram Naquela Noite
Para Léopold-Sedar Senghor

Eles vieram naquela noite quando o


Tom
Tom
rolou de
ritmo
em
ritmo
o frenesi
Dos olhos
O frenesi
Das mãos
O frenesi
dos pés das estátuas
A PARTIR DO MOMENTO
Em que muitos de MIM, MIM, MIM
morreram
Desde àquela noite em que eles vieram quando o
Tom
Tom
rolou de
ritmo
em
ritmo
o frenesi
Dos olhos
O frenesi
Das mãos
O frenesi
dos pés das estátuas
ILS SONT VENUS CE SOIR

Pour Léopold-Sedar Senghor

Ils sont venus ce soir où le


tam
tam
roulait de
rythme
en
rythme
la frénésie
des yeux
la frénésie des mains
la frénésie
des pieds de statues
DEPUIS
combien de MOI MOI MOI
sont morts
depuis qu’ils sont venus ce soir où le
tam
tam
roulait de
rythme
en
rythme
la frénésie
des yeux
la frénésie
des mains
la frénésie
des pieds de statues
SENSAÇÃO
O perfume delicado
da mulher que toca-me sutilmente
caminhando displicentemente
traz-me de volta o começo de nossos erros.

Novas marcas
de indescritíveis feitiços mudos
nas rugas de um semblante de sonhos
ressoa
a tristeza de um dia que não pára de ser
apenas um pouco mais cansativo
o dobre de finados
de nosso sonho.

A carne exorcizada
é feita
deteriorada
e comida
a memória
ressuscitada
permanece
em cada sonho ilusório

E em meu leito cheio de entusiasmo


molhada como você
a mulher com o perfume delicado
que toca-me sutilmente
caminhando displicentemente
respondeu-me
em um grande barulho de sensações saciadas.
CAPTATION
Le parfum frêle
de la femme qui me frôle
dans son chemin d’indifférence
me remet au matin de notre erreur

Sillon nouveau
d’incantations fugitives muettes
à la poursuite d’un semblant de rêve
résonne
tristesse d’un jour qui n’en finit d’être
à peine plus las
le glas
de notre rêve

La chair exorcisée
entame
émiette
et mange
le souvenir
ravivé
debout
de tout semblant de rêve

Et dans mon lit d’enthousiasme


mouillée comme toi
la femme au parfum frêle
qui m’a frôlé
dans son chemin d’indifférence
m’a répondu
dans un grand bruit de sens repus
Em memória de G.M.
Pendendo no desejo insatisfeito de ontem
de onde o teimoso incenso esporadicamente vem até nós
a maré estava baixa
o voo dos flamingos sem qualquer importância
e a voz do farol ao longe
mais forte
do que o fogo do crepúsculo
dos mangues.

Por muito tempo


por muito tempo suas mãos clamam pelo fim dos cálculos
das horas
destas horas pelas quais
nós fomos
dois limões esmagados.

Contra o exagero
da servidão das dunas
das amendoeiras da Enseada
dos mosquitos
dos sapos-cururu
dos vaga-lumes que não entenderam
o espetáculo
eu gastei anos de esforço
da espessura vertical
de todas as torres Eiffel.
À La Mémoire de G.M.
Accoudés au désir de la veille insatisfait
d’où nous venait l’encens sporadiquement têtu
la marée était basse
tout vol de flamants sans importance
et la voix du phare à des milles
plus forte
que l’incendie crépusculaire
des palétuviers

Longtemps
longtemps tes mains s’époumonneront à rompre avec tout calcul
avec les heures
ces heures au bout desquelles
nous étions
deux citrons pressés

Contre l’exagération
de la servilité du sable
des amandiers de l’Anse
des moustiques
des crapauds-bœufs
des lucioles qui ne comprenaient pas
la démonstration
j’ai donné des années d’efforts
de l’épaisseur verticale
de toutes les Tours Eiffel
Obsessão
Um sabor de sangue vem a mim
um sabor de sangue cresce em mim
irrita meu nariz
minha garganta
meu olhos

Um sabor de sangue vem a mim


um sabor de sangue preenche
meu nariz
minha garganta
meus olhos

Um sabor de sangue vem a mim


irritantemente vertical
como
a pagã obsessão
por turíbulos.
OBSESSION

Un goût de sang me vient


un goût de sang me monte
m’irrite le nez
la gorge
les yeux

Un goût de sang me vient


un goût de sang m’emplit
le nez
la gorge
les yeux

un goût de sang me vient


âcrement vertical
pareil
à l’obsession païenne
des encensoirs
Nevralgia

A nevralgia de uma torneira a pingar


enche o jarro do meu recepcionista
que um arco-íris inala.

Feche a nevralgia da torneira a pingar


que enche o jarro do meu recepcionista
que um arco-íris inala.

Tire da torneira a pingar


o jarro do meu recepcionista
que um arco-íris inala.

Ou corte da mão ao cotovelo


o arco-íris que inala
o jarro do meu recepcionista
que a nevralgia
de uma torneira a pingar preenche.
NÉVRALGIE

Névralgie d’un robinet qui coule


emplit le broc de ma concierge
qu’un arc-en-ciel aspire

Fermez la névralgie du robinet qui coule


emplit le broc de ma concierge
qu’un arc-en-ciel aspire

Enlevez du robinet qui coule


le broc de ma concierge
qu’un arc-en-ciel aspire

Ou coupez de la main jusqu’au coude


l’arc-en-ciel qui aspire
le broc de ma concierge
qu’emplit la névralgie
d’un robinet qui coule
BASTA

Basta de blues
de toques de piano
de trompetes mudos
de ritmos loucos em seus pés
Para saciar o ritmo.

Basta de temporadas suingueiras


em casas de shows
irritantes
como gritos de animais selvagens

Basta de partidas
de lambidas
de lamber o saco
e
de agir
como hiperassimilados

Basta por um instante


de levar uma vida fácil
e de desejos
e de necessidades
e de egoísmo
das pessoas.
TRÊVE

Trêve de blues
de martèlements de piano
de trompette bouchée
de folie claquant des pieds
à la satisfaction du rythme

Trêve de séances à tant le swing


autour de rings
qu’énervent
des cris de fauves

Trêve de lâchage
de léchage
de lèche
et
d’une attitude
d’hyperassimilés

Trêve un instant
d’une vie de bon enfant
et de désirs
et de besoins
et d’égoïsmes
particuliers.
Há Algumas Noites

Para Alejo Carpentier

Há algumas noites sem nome


há algumas noites sem lua
quando atingem o ponto do úmido
sufoco
o odor acre do sangue
supera-me
jorrando
de cada trompete mudo

Algumas noites sem nome


algumas noites sem lua
a dor que em mim habita
oprimi-me
a dor dentro de mim
sufoca-me

Noites sem nome


noites sem lua
quando eu teria gostado
de não ter mais dúvidas
tal minha obsessão
por uma necessidade de fugir

Sem nome
sem lua
sem lua
sem nome
noites sem lua
sem nome sem nome
quando âncoras amargas dentro de mim
tão profundas quanto uma linda faca malaia.
IL EST DES NUITS

Pour Alejo Carpentier


Il est des nuits sans nom
il est des nuits sans lune
où jusqu’à l’asphyxie
moite
me prend
l’âcre odeur de sang
jaillissant
de toute trompette bouchée

Des nuits sans nom


des nuits sans lune
la peine qui m’habite
m’oppresse
la peine qui m’habite
m’étouffe

Nuits sans nom


nuits sans lune
où j’aurais voulu
pouvoir ne plus douter
tant m’obsède d’écoeurement
un besoin d’évasion

Sans nom
sans lune
sans lune
sans nom
nuits sans lune
sans nom sans nom
où le dégoût s’ancre en moi
aussi profondément qu’un beau poignard malais.
Posição

Para J.D.

Os próprios dias
tem tomado a forma
de máscaras africanas
indiferentes
a qualquer profanação
feita de cal-viva
que um piano
embeleza
repetindo a velha nota
de um luar suspirante
de qualquer tamanho
na mata
gôndolas
e etc.
POSITION

Pour J. D.

Les jours eux-mêmes


ont pris la forme
des masques africains
indifférents
à toute profanation
de chaux vive
qu’encense
un piano
répétant la rengaine
d’un clair de lune à soupirs
tout format
dans les halliers
gondoles
et cætera
O Vento

Para Henriette e Jean-Louis Baghio’o

No oceano
noite escura
eu acordei
apaixonado
sem estar agarrado a nada
a nada que o vento disse
no oceano
noite escura

Se o vento repete sua lição para amanhã


ou o vento canta seus tesouros enterrados
ou o vento fala de seus fieis da manhã
ou se o vento é um porão de loucos
no oceano
noite escura

Enquanto um barco pisa a espuma


e vai
vai em seu caminho sensual
no oceano
noite escura
LE VENT

Pour Henriette et Jean-Louis Baghio’o


Sur l’océan
nuit noire
je me suis réveillé
épris
sans jamais rien saisir
de tout ce que racontait le vent
sur l’océan
nuit noire

Ou bien le vent repasse sa leçon du lendemain


ou bien le vent chante des trésors enfouis
ou bien le vent fait sa prière du soir
ou bien le vent est une cellule de fous
sur l’océan
nuit noire
pendant qu’un bateau foule l’écume
et va
va son destin de roulure.
sur l’océan
nuit noire
Em Fila Indiana

E os cascos
das bestas de carga
que constroem na Europa
um amanhecer ainda incerto
lembra-me
uma estranha auto-negação
de uma trays [1] completa
que dá ritmo às Antilhas
às coxas das mulheres trabalhadoras
na fila indiana.

E a estranha auto-negação
de uma trays completa
que dá ritmo às Antilhas
às coxas das mulheres trabalhadoras
na fila indiana
lembra-me
os cascos
das bestas de carga
que constroem na Europa
um amanhecer ainda incerto.

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[1] – Termo anglófono incorporado à língua criola, e que mantém o mesmo significado que
na língua mãe: bandeja de vegetais, bolos, de madeira, retangular, com bordas muito
elevadas.
EN FILE INDIENNE

Et les sabots
des bêtes de somme
qui martèlent en Europe
l’aube indécise encore
me rappellent
l’abnégation étrange
des trays [2] matineux
repus
qui rythment aux Antilles
les hanches des porteuses
en file indienne

Et l’abnégation étrange
des trays matineux
repus
qui rythment aux Antilles
les hanches des porteuses
en file indienne
me rappellent
les sabots
des bêtes de somme
qui martèlent en Europe
l’aube indécise encore

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[1] - Terme anglais passé dans le langage créole et gardant le même sens: plateau à légumes,
à gâteaux,en bois, de forme rectangulaire, à bords très relevés.
Enquanto Esperamos

As rodas berram suas fadigas nas luvas brancas


que não dão a mínima
a tantas piscadelas
da ambulância
de lábios vermelhos
e assim vai.

Antes de chegar na fumaça cilíndrica


nas antenas loucas
e
murmúrios epiléticos
primeiro
ligam-se em uma sabedoria virgem
e então e depois
um guardanapo
que limpa os dedos
transforma-se
em um docinho.

Um outro policial para alugar o ouvido


um quebra-cabeças para os desempregados
barrigas que aumentam
a Internacional
sem metrônomo.

Estória de um terceiro andar


a jovem noiva finalmente agarrou-se a um cachorro
em sua necessidade de abrir-se a alguém.

E o bandido assobiou a última novidade


sem falar dos escrúpulos acordados
três horas antes.
DANS SON ATTENTE

Des essieux crient leur fatigue à des gants blancs


qui s’en balancent
à tant d’oeillardes
par ambulance
de lèvres rouges
et la suite

Avant d‘arriver aux fumées cylindriques


aux antennes à javas
et
roucoulements d’épileptiques
d’abord
des reliures d’une sagesse de puceaux
et puis et puis
une serviette
qui éponge des orteils
en forme
de sucre d’orge

Encore un flic pour remplir l’oreille


d’un casse-tête à chômeurs
ventres que gonfle
l’internationale
sans métronome

Histoire d’un troisième étage


la jeune mariée enfin s’est emparée
d’un chien
dans le besoin de s’ouvrir a quelqu’un

Et le voyou siffle la nouveauté


sans parler des scrupules d’un réveil
avec trois heures de retard.
Soluços

Para Vashti e Mercer Cook

E em vão tomo sete goles de água


três ou quatro vezes ao dia
volto à minha infância
em soluços tremidos
meu instinto
como um policial ou bandido.

Desastre
diga-me sobre o desastre
diga-me algo sobre ele

Minha mãe querendo um filho com boas maneiras à mesa


mãos sobre a mesa
o pão não está cortado
o pão está partido
o pão não está gasto
o pão de Deus
o pão vindo do suor de seu pai
o pão do pão.

Um osso pode ser comido discreto, se tiver vontade


um estômago deveria ser educado
e não um estômago sem educação
arrotos
um garfo não é um palito de dentes
não assoe o nariz
abertamente
em público
e então sente-se corretamente
um nariz bem asseado
não limpa um prato.

E assim por diante


e então em nome do Pai
do Filho
e do Espírito Santo
ao final de toda refeição
e assim por diante
e então o desastre
conte-me sobre o desastre
fale-me sobre ele.

Minha mãe queria um filho notável

Se você não aprender a lição de história


você não irá à missa
com a sua melhor roupa
Esta criança será a desgraça de nossa família
Esta criança, por Deus, será nossa.

Cale-se
você tem que aprender Francês, por bem ou por mal
o Francês da França
o francês Francês.

Desastre
fale-me do desastre
fale-me sobre ele

Minha mãe queria um filho


um filho da mãe

Você não deve saudar o vizinho


você está com os sapatos sujos de novo
e não me deixe te pegar na rua
em cima da grama ou na Savana
na sombra do memorial de guerra
brincando
saindo com um qualquer
com um qualquer que nunca foi batizado.

Desastre
diga-me do desastre
fale-me sobre ele

Minha mãe queria um filho muito dó


muito ré
muito mi
muito fá
muito sol
muito lá
muito si
muito dó
ré-mi-fá
sol-lá-si

Eu ouvi que você não quer ir


para sua lição de vi-o-li-no
Um banjo
você disse “banjo”
o que você disse?
“um banjo”
você realmente disse
“um banjo”?
Não senhor
você tem que aprender que não permitimos isto em nossa casa
nem “ban”
nem “jo”
nem “gui”
nem “tarra”
nós morenos não somos disso
isso é coisa de preto.
HOQUET

Pour Vashti et Mercer Cook

Et j'ai beau avaler sept gorgées d'eau


trois à quatre fois par vingt-quatre heures
me revient mon enfance
dans un hoquet secouant
mon instinct
tel le flic le voyou

Désastre
parlez- moi du désastre
parlez-m'en

Ma mère voulant un fils très bonnes manières à table


Les mains sur la table
le pain ne se coupe pas
le pain se rompt
le pain ne se gaspille pas
le pain de Dieu
le pain de la sueur du front de votre Père
le pain du pain

Un os se mange avec mesure et discrétion


un estomac doit être sociable
et tout estomac sociable
se passe de rots
une fourchette n'est pas un cure-dent
défense de se moucher
au su
au vu de tout le monde
et puis tenez-vous droit
un nez bien élevé
ne balaye pas l'assiette

Et puis et puis
Et puis au nom du Père
du fils
du Saint-Esprit
à la fin de chaque repas
Et puis et puis
et puis désastre
parlez-moi du désastre
parlez-m'en

Ma mère voulant d'un fils mémorandum

Si votre leçon d'histoire n'est pas sue


vous n'irez pas à la messe
dimanche
avec vos effets des dimanche
Cet enfant sera la honte de notre nom
cet enfant sera notre nom de Dieu

Taisez-vous
Vous ai-je ou non dit qu'il vous fallait parler français
le français de France
le français du français
le français français

Désastre
parlez-moi du désastre
parlez-m'en

Ma Mère voulant d'un fils


fils de sa mère

Vous n'avez pas salué voisine


encore vos chaussures de sales
et que je vous y reprenne dans la rue
sur l'herbe ou la Savane
à l'ombre du Monument aux Morts
à jouer
à vous ébattre avec Untel
avec Untel qui n'a pas reçu le baptême

Désastre
parlez-moi du désastre
parlez-m'en

Ma Mère voulant un fils très do


très ré
très mi
très fa
très sol
très la
très si
très do
ré-mi-fa
sol-la-si
do

Il m'est revenu que vous n'étiez encore pas


à votre leçon de vi-o-lon
Un banjo
vous dîtes un banjo
comment dites-vous
un banjo
vous dîtes bien
un banjo
Non monsieur

vous saurez qu'on ne souffre chez nous


ni ban
ni jo
ni gui
ni tare
les mulâtres ne font pas ça
laissez donc ça aux nègres
Um mendigo suplicou-me dez sous [2]

Eu também um belo dia peguei


meus trapos
rasgados.

Eu também
com olhos que sustém
uma mão
eu sustentei
a puta da pobreza.

Eu também tive fome neste maldito país


eu também acreditei que eu poderia
suplicar dez sous
por pena de minha barriga
vazia.

Eu também
nas intermináveis avenidas
cheias de policiais
quantas noites senti-me perdido
eu também
com os olhos vazios.

Eu também
esfomeado com olhos vazios
eu também acreditei
que eu poderia suplicar por dez sous
com os olhos
da barriga
vazia
até o dia em que eu me
fartasse
de vê-los zombando
de meus trapos rasgados
e rindo
ao ver um negro
com os olhos da barriga vazios.

__________________________________________________________________________
[2] – Sous: em francês, quer dizer “sob vácuo”, e refere-se a um método de cozinhar em
sacolas plásticas seladas a vácuo em baixas temperaturas por um tempo maior que o
tradicional (wikipédia).
UN CLOCHARD M’A DEMANDÉ DIX SOUS

Moi aussi un beau jour j’ai sorti


mes hardes
de clochard

Moi aussi
avec des yeux qui tendent
la main
j’ai soutenu
la putain de misère

Moi aussi j’ai eu faim dans ce sacré foutu pays


moi aussi j’ai cru pouvoir
demander dix sous
par pitié pour mon ventre
creux

Moi aussi
jusqu’au bout de l’éternité de leurs
boulevards à flics
combien de nuits ai-je dû
m’en aller
moi aussi
les yeux creux

Moi aussi
j’ai eu faim les yeux creux
moi aussi j’ai cru
pouvoir demander dix sous
les yeux
le ventre
creux
jusqu’au jour où j’en ai eu
marre
de les voir se gausser
de mes hardes de clochard
et se régaler
de voir un nègre
les yeux ventre creux
Vendas

Para Aimé Césaire

Eu me sinto ridículo
nestes sapatos sociais
nesse smoking
nessa camisa social
nesse colarinho branco
neste monóculo
neste chapéu coco

Eu me sinto ridículo
com meus dedos que não foram feitos
para ficar com este suéter de manhã até a tarde
com esta manta que enfraquece meus membros
e substitui do meu corpo a minha bela tanga.

Eu me sinto ridículo
com meu pescoço sendo uma chaminé
com estas dores de cabeça que só param
nas vezes em que saúdo alguém.

Eu me sinto ridículo
nestas salas-de-estar
nestas maneiras
nestas reverências
nessa necessidade idiota de ser um palhaço.

Eu me sinto ridículo
com todos com quem eu falo
até que eles sirvam à tarde
um pouco de água quente
e alguns bolos de lágrimas

Eu me sinto ridículo
com as ideias que eles abrigam
com o sabor de seus desejos
de suas paixões
de seus instintos escancarados à noite
como um capacho.

Eu me sinto ridículo
entre eles como um cúmplice
entre eles como um cafetão
entre eles como um assassino
com as mãos assustadoramente vermelhas
com o sangue de sua ci-vi-li-za-ção.
SOLDE

Pour Aimé Césaire


J’ai l’impression d’être ridicule
dans leurs souliers
dans leur smoking
dans leur plastron
dans leur faux-col
dans leur monocle
dans leur melon

J’ai l’impression d’être ridicule


avec mes orteils qui ne sont pas faits
pour transpirer du matin jusqu’au soir qui déshabille
avec l’emmaillotage qui m’affaiblit les membres
et enlève à mon corps sa beauté de cache-sexe

J’ai l’impression d’être ridicule


avec mon cou en cheminée d’usine
avec ces maux de tête qui cessent
chaque fois que je salue quelqu’un

J’ai l’impression d’être ridicule


dans leurs salons
dans leurs manières
dans leurs courbettes
dans leur multiple besoin de singeries

J’ai l’impression d’être ridicule


avec tout ce qu’ils racontent
jusqu’à ce qu’ils vous servent l’après-midi
un peu d’eau chaude
et des gâteaux enrhumés

J’ai l’impression d’être ridicule


avec les théories qu’ils assaisonnent
au goût de leurs besoins
de leurs passions
de leurs instincts ouverts la nuit
en forme de paillasson

J’ai l’impression d’être ridicule


parmi eux complice
parmi eux souteneur
parmi eux égorgeur
les mains effroyablement rouges
du sang de leur ci-vi-li-sa-tion
Limbé [3]

Para Robert Romain

Devolva minhas bonecas pretas


para que possam dispersar
a imagem das prostitutas pálidas
mercenárias do amor que passeiam pra lá e pra cá
na avenida do meu tédio.

Devolva minhas bonecas pretas


para que possam dispersar
a imagem eterna
da imagem alucinatória
dos fantoches bundudos empilhados
cuja miserável piedade
o vento leva para o nariz.

Dê-me a ilusão da qual não mais me satisfarei


a necessidade esparramada
de roncos piedosos
embaixo do desdém inconsciente do mundo.

Devolva-me minhas bonecas pretas


para que então eu possa brincar com elas
os jogos inocentes do meu instinto
que permanecem nas sombras de suas leis
minha coragem recuperada
minha audácia
tornei-me eu mesmo mais uma vez
eu mesmo mais uma vez
diferente do que eu fui Ontem
ontem
sem complexo
ontem
quando a hora do desenraizamento veio
eles conhecerão o rancor que há em meu coração
abertos para a minha desconfiança tarde demais
eles roubaram o espaço que era meu
os costumes
os dias
a vida
a canção
o ritmo
o esforço
a trilha

__________________________________________________________________________

[3] - “Limbé” é uma palavra criola que significa “tédio” ou “tristeza”. Lilyan Kesteloot,
“Léon Damas: Pigments,” em Black Writers in French, traduzido por Ellen Conroy
Kennedy (Philadelphia: Temple University Press, 1974).
as águas
as cabanas
a fumaça cinza da terra
a sabedoria
a palavra
a discussão
os anciães
a cadência
as mãos
as estampas dos pés
o solo

Devolva minhas bonecas pretas


minhas bonecas pretas
bonecas pretas
pretas
pretas.
Limbé

Pour Robert Romain

Rendez-les moi mes poupées noires


qu’elles dissipent
l’image des catins blêmes
marchands d’amour qui s’en vont viennent
sur le boulevard de mon ennui

Rendez-les moi mes poupées noires


qu’elles dissipent
l’image sempiternelle
l’image hallucinante
des fantoches empilés féssus
dont le vent porte au nez
la misère miséricorde

Donnez-moi l’illusion que je n’aurai plus à contenter


le besoin étale
de miséricordes ronflant
sous l’inconscient dédain du monde

Rendez-les moi mes poupées noires


que je joue avec elles
les jeux naïfs de mon instinct
resté à l’ombre de ses lois
recouvrés mon courage
mon audace
redevenu moi-même
nouveau moi-même
de ce que Hier j’étais
hier
sans complexité
hier
quand est venue l’heure du déracinement
Le sauront-ils jamais cette rancune de mon cœur
À l’œil de ma méfiance ouvert trop tard
ils ont cambriolé l’espace qui était mien
la coutume
les jours
la vie
la chanson
le rythme
l’effort
le sentier
l’eau
la case
la terre enfumée grise
la sagesse
les mots
les palabres
les vieux
la cadence
les mains
la mesure
les mains
les piétinements
le sol

Rendez-les moi mes poupées noires


mes poupées noires
poupées noires
noires
noires
O Lamento Negro

Para Robert Goffin

Eles devolveram-me a vida


só que mais pesada e cansada.

Meus olhares diários sobre meus ontens


com grandes olhos que os contemplam com rancor
com vergonha.

Os dias inexoravelmente
tristes
nunca páram
em memória
do que foi
minha vida truncada

Ainda continua
meu entorpecimento
do passado
dos sussuros das cordas vocais retorcidas
dos corpos carbonizados
dos dedos novamente queimados
da carne morta
das marcas
feitas com ferro quente
de braços quebrados
sob o chicote que descarregado (nas costas)
sob o chicote que lidera o engenho
e faz a descida refinadamente doce de sangue do sangue do meu sangue
e a vara do feitor que mostra o céu.
LA COMPLAINTE DU NÈGRE

Pour Robert Goffin


Ils me l'ont rendue
la vie
plus lourde et lasse.

Mes aujourd'hui ont chacun sur mon jadis


de gros yeux qui roulent de rancoeur
de honte.

Les jours inexorablement


tristes
jamais n'ont cessé d'être
à la mémoire
de ce que fut
ma vie tronquée.

Va encore
mon hébétude
du temps jadis
de coups de corde noueux
de corps calcinés
de l'orteil au dos calcinés
de chair morte
de tisons
de fer rouge
de bras brisés
sous le fouet qui se déchaîne
sous le fouet qui fait marcher la plantation
et s'abreuver de sang de mon sang de sang la sucrerie
et la bouffarde du commandeur crâner au ciel.
Tantas Vezes

Tantas vezes meu senso de raça assusta-me


como um cão latindo na madrugada
em alguma
morte que se aproxima
eu sempre sinto-me pronto para espumar de raiva
contra o que me cerca
contra o que evita-me
de ter sido
um homem.

E nada
nada acalmaria tanto meu ódio
como uma bela piscina
de sangue
feita
destes cutelos afiados
que descarnam
as manhãs de rum.
SI SOUVENT

Si souvent mon sentiment de race m’effraie


autant qu’un chien aboyant la nuit
une mort prochaine
quelconque
je me sens prêt à écumer toujours de rage
contre ce qui m’entoure
contre ce qui m’empêche
à jamais d’être
un homme.

Et rien
rien ne saurait autant calmer ma haine
qu’une belle mare
de sang
faite
de ces coutelas tranchants
qui mettent à nu
les mornes à rhum
S.O.S.

Somente naquele momento


vocês todos entenderão
quando eles tiverem a ideia
logo eles terão esta ideia
a ideia de devorar uns negros
como Hitler
devorou judeus
sete dias fascistas
de sete dias.

Somente naquele momento


vocês todos entenderão
quando a superioridade deles
cobrir tudo
de uma ponta a outra da avenida deles
e então
vocês os verão
de fato eles farão o que bem entenderem
eles não se contentam mais em rir com o dedo apontado
quando um negro passar
agora
espancam-no friamente
agora
derrubam-no friamente
agora
pisam-no friamente
e friamente
batem-no
derrubam-no
pisam-no
e
cortam o sexo dos negros
para fazerem velas para suas igrejas.
S. O. S.

À ce moment-là seul
comprendrez-vous donc tous
quand leur viendra l’idée
bientôt cette idée leur viendra
de vouloir vous en bouffer du nègre
à la manière d’Hitler
bouffant du juif
sept jours fascistes
sur
sept

À ce moment-là seul
comprendrez-vous donc tous
quand leur supériorité
s’étalera
d’un bout à l’autre de leurs boulevards
et qu’alors
vous les verrez
vraiment tout se permettre
ne plus se contenter de rire avec l’index inquiet
de voir passer un nègre
mais
froidement matraquer
mais
froidement descendre
mais
froidement étendre
mais froidement
matraquer
descendre
étendre
et
couper leur sexe aux nègres
pour en faire des bougies pour leurs églises.
Esteja Certo

Esteja certo que estou


farto
não vou nem esperar
para assumir
um ar
de um Camenbert maduro.

Então
pisarei meus pés nisto
ou melhor
porei minhas mãos na gola
de qualquer coisa que irrite-me, em letras grandes
colonização
civilização
assimilação
e tudo o resto.

Enquanto isso
você me ouvirá
batendo na porta.
POUR SÛR

Pour sûr j’en aurai


marre
sans même attendre
qu’elles prennent
les choses
l’allure
d’un camembert bien fait

Alors
je vous mettrai les pieds dans le plat
ou bien tout simplement
la main au collet
de tout ce qui m’emmerde en gros caractères
colonisation
civilisation
assimilation
et la suite

En attendant
vous m’entendrez souvent
claquer la porte.
Logo

Logo
não vou apenas dançar
logo
não vou apenas cantar
logo
não vou apenar me esfregar
logo
não vou apenas suar
logo
não vou apenas dançar
esfregar
dançar
suar
esfregar
cantar
dançar
Logo
BIENTÔT

Bientôt
je n’aurai pas que dansé
bientôt
je n’aurai pas que chanté
bientôt
je n’aurai pas que frotté
bientôt
je n’aurai pas que trempé
bientôt
je n’aurai pas que dansé
chanté
frotté
trempé
frotté
chanté
dansé
Bientôt
Noite Branca

Para Sônia e Georges Gavarry

Meus amigos eu valsei


valsei como meus antepassados
os gauleses
nunca valsaram
ao ponto em que meu sangue
ainda borbulha
ao ritmo dos vienenses.

Meus amigos eu valsei


valsei minha infância inteira
vageando
em algum Danúbio Azul
Danúbio Branco
Danúbio Vermelho
Danúbio Verde
Danúbio Rosa
Danúbio Branco
vermelho
verde
rosa
o que quer que seja.

Meus amigos eu valsei


valsei
valsei loucamente
até o ponto em que muitas vezes
muitas vezes
eu achei ter o meu braço enrolado na cintura
do tio Gobineau
ou do primo Hitler
ou de um bom Ariano que desfruta sua velhice
em algum banco de praça.
NUIT BLANCHE

Pour Sonia et Georges Gavarry

Mes amis j’ai valsé


valsé comme
jamais mes ancêtres
les Gaulois
au point que j’ai le sang
qui tourne encore
à la viennoise

Mes amis j’ai valsé


valsé toute mon enfance
vagabondant sur
quelque Danube bleu
Danube blanc
Danube rouge
Danube vert
Danube rose
Danube blanc
rouge
vert
rose
au choix

Mes amis j’ai valsé


valsé
follement valsé
au point que souvent
souvent
j’ai cru tenir la taille
de tonton Gobineau
ou de cousin Hitler
ou de bon aryen qui mâchonne sa vieillesse
sur quelque banc de square
Embranquecido

Para Christiane e Alioune Dioup

Para que me importar


com aqueles que chamam-me “embranquecido”
quando tudo em mim
quer ser negro
tal como minha África
que eles roubaram.

Embranquecido

Insulto abominável
que eles carinhosamente gritam
quando minha África
que eles roubaram-me
só quer paz, nada mais que
paz.

Embranquecido

Meu ódio cresce nas franjas


de sua maldade
nas franjas
dos tiros
nas franjas
da chuva de tiros
dos navios negreiros
das cargas negociadas da cruel escravidão

Meu ódio cresce nas franjas


da cultura
nas franjas
das teorias
nas franjas da fofoca
que eles me amolam desde o berço
quando tudo em mim quer ser nada mais do que um negro
tal como minha África que eles roubaram-me.
BLANCHI

Pour Christiane et Alioune Diop

Se peut-il donc qu’ils osent


me traiter de blanchi
alors que tout en moi
aspire à n’être que nègre
autant que mon Afrique
qu’ils ont cambriolée

Blanchi

Abominable injure
qu’ils me paieront fort cher
quand mon Afrique
qu’ils ont cambriolée
voudra la paix la paix rien que
la paix

Blanchi

Ma haine grossit en marge


de leur scélératesse
en marge
des coups de fusil
en marge
des coups de roulis
des négriers
des cargaisons fétides de l’esclavage cruel

Blanchi

Ma haine grossit en marge


de la culture
en marge
des théories
en marge des bavardages
dont on a cru devoir me bourrer au berceau
alors que tout en moi aspire à n’être que nègre
autant que mon Afrique qu’ils ont cambriolée.
Fábula Verdadeira

O cabelo que eu alisei


e tornei a alisar
que agora brilha
mas o custo
é torná-lo bizarro.

Em uma longa cabeleira de lã


meu pescoço desaparece
minhas mãos excitam-se
e meus dedos lembram
o clima quente das manhãs.

E meu ser congelado

E lâmpadas de gás
fazem ainda mais triste
estas noites, no fim das quais
ocidentalmente
minha sombra avança
na minha fábula verdadeira
de homem-macaco.
PAREILLE À LA LÉGENDE

Des cheveux que je lisse


que je relisse
qui reluisent
maintenant qu’il m’en coûte
de les avoir crépus

Dans une longue carapace de laine


mon cou s’engouffre
la main s’énerve
et mes orteils se rappellent
la chaude exhalaison des mornes

Et mon être frigorifié

Et becs de gaz
qui rendent plus tristes
ces nuits au bout desquelles
occidentalement
avance mon ombre
pareille à ma légende
d’homme-singe.
Lembrete

Para Richard Danglemont

Há algumas coisas
que eu não quero esquecer
da memória.

E a ameaça de apanhar de bambu


por cada manga caída
durante a indigestão
de cada pedaço da história da França.

E a flauta

Flauta de madeira
tocando canções escravas nas manhãs
enquanto nas savanas
bois ruminam sabiamente
enquanto ao redor
zumbis espreitam
enquanto os donos de fábricas
ejaculam
enquanto o bom negro
entrega dez a quinze horas de trabalho em seu leito.
RAPPEL

Pour Richard Danglemont

Il est des choses


dont j’ai pu n’avoir pas perdu
tout souvenir

Et brimades en bambou
pour toute mangue tombée
durant l’indigestion
de tout morceau d’histoire de France

Et flûte

Flûte de roseau
jouant sur les mornes des airs d’esclaves
pendant qu’aux savanes
des bœufs sagement ruminent
pendant qu’autour
des zombies rôdent
pendant qu’ils éjaculent
les patrons d’Usine
pendant que le bon nègre
allonge sur son grabat dix à quinze heures d’Usine
Shine

Para Louis Armstrong

Com alguns outros


da vizinhança
com alguns outros
só alguns
eu tenho guardado até agora
no teto de minha cabana
a fé cônica de meus ancestrais

E a arrogância automática
das máscaras
das máscaras de cal viva
nunca foi o bastante para remover qualquer coisa
de um passado muito escondido
de pé
nos quatro cantos da minha vida

E minha face brilha com os horrores do passado


e meu riso temeroso foi feito para repelir o espectro dos cães de caça a caçar os
quilombolas.

E minha voz que canta para eles


é gentil o bastante para violentar
a triste alma
de sua por-
no-
gra-
fia
E meu coração mantém-se atento
e meu sonho que alimenta a si mesmo com o ruído de sua
de-
ge-
ne-
ra-
ção
é mais forte do que os brandidos
clubes emporcalhados.
SHINE

Pour Louis Armstrong

Avec d’autres
des alentours
avec d’autres
quelques rares
j’ai au toit de ma case
jusqu’ici gardé
l’ancestrale foi conique

Et l’arrogance automatique
des masques
des masques de chaux vive
jamais n’est parvenue à rien enlever jamais
d’un passé plus hideux
debout
aux quatre angles de ma vie

Et mon visage brille aux horreurs du passé


et mon rire effroyable est fait pour repousser le spectre des lévriers traquant le
marronnage
et mon voix qui pour eux chante
est douce à ravir
l’âme triste
de leur por-
no-
gra-
phie
Et veille mon cour
et mon rêve qui se nourrit du bruit de leur
dé-
gé-
né-
rescence
est plus fort que leurs gourdins d’immondices
brandis
Boas Maneiras

Para Etienne Zabulon

Ninguém boceja em casa


como eles bocejam na casa deles
com
a mão sobre a boca

Eu quero bocejar, sem esnobismo


meu corpo entortado
nos perfumes que atormentam minha vida
que eu mesmo fiz
do focinho do cão invernal
do sol
que nem sequer
aquece
a água de coco que borbulha
na minha barriga quando eu acordo

Deixe-me bocejar
mão

no meu coração
na obsessão de tudo pela qual
em um único dia eu
virei as costas.
SAVOIR-VIVRE

Pour Etienne Zabulon

On ne bâille pas chez moi


comme ils bâillent chez eux
avec
la main sur la bouche

Je veux bâiller sans tralalas


le corps recroquevillé
dans les parfums qui tourmentent la vie
que je me suis faite
de leur museau de chien d’hiver
de leur soleil qui ne pourrait
pas même
tiédir
l’eau de coco qui faisait glouglou
dans mon ventre au réveil

Laissez-moi bâiller
la main

sur le cœur
à l’obsession de tout ce à quoi
j’ai en un jour un seul
tourné le dos
Consideração

Para Jacques Howleti

Quando mais tarde


quando mais tarde meus olhos
meus olhos se estreitarem

Quando mais tarde


quando mais tarde tiver
falsos olhos chineses

Quando mais tarde


quando mais tarde
tudo tiver me deixado
tudo tiver me deixado, até mesmo a teoria
até mesmo a teoria decadente

Quando mais tarde


quando mais tarde
cair
cair o porrete
que suporta os velhos corpos

Você comprar-me-á
diga que você comprar-me-á
algumas flores
não importa
por isso no restaurante da esquina
por isso no restaurante da esquina
eu vou
reviver a lareira
de um copo grande de Bordeaux.
REGARD

Pour Jacques Howleti

Quand sur le tard


quand sur le tard mes yeux
mes yeux se brideront

Quand sur le tard


quand sur le tard j’aurai
de faux yeux de Chinois

Quand sur le tard


quand sur le tard
tout m’aura laissé
tout m’aura laissé jusqu’à la théorie
jusqu’à la théorie choir

Quand sur le tard


quand sur le tard
suivra la pente
suivra la pente le bâton
qui soutient les vieux corps

M’achèterez-vous
m’achèterez-vous dites
des fleurs
que sais-je
pour qu’au bistrot de l’angle
pour qu’au bistrot de l’angle
j’aille
ranimer l’âtre
d’un grand verre de bordeaux
Realidade

Não tendo até agora feito nda


detruído nada
construído nada
não se atrevido a nada
à maneira
do judeu
do amarelo
para uma fuga maciça organizada
da inferioridade

Em vão eu procuro por


um ombro amigo
onde eu possa esconder meu rosto
minha vergonha
da
rea
li
da
de.
RÉALITÉ

De n’avoir jusqu’ici rien fait


détruit
bâti
osé
à la manière
du Juif
du Jaune
pour l’évasion organisée en masse
de l’infériorité

C’est en vain que je cherche


le creux d’une épaule
où cacher mon visage
ma honte
de
la

a
li
té.
Eles sabiam

Eles sabiam tão bem como


sabiam tão bem como fazer as coisas
coisas
que um dia nós fudemos tudo
fudemos tudo e a nós mesmos
fudemos tudo e a nós mesmos completamente.

Que eles fizeram tão bem


tão bem eles fizeram as coisas
coisas
que um dia deveriam ter fudido tudo
deveríamos ter fudido tudo e a nós mesmos
fudido tudo e a nós mesmos completamente.

Embora não fosse grande coisa


grande coisa
grande
para finalmente um dia tudo ir
tudo ir
ir
de acordo com nossa própria raça
nossa própria raça.

Embora não fosse grande coisa


não fosse grande coisa
grande coisa
grande coisa.
ILS ONT

Ils ont si bien su faire


si bien su faire les choses
les choses
qu’un jour nous avons tout
nous avons tout foutu de nous-mêmes
tout foutu de nous-mêmes en l’air

Qu’ils aient si bien su faire


si bien su faire les choses
les choses
qu’un jour nous ayons tout foutu
nous ayons tout foutu de nous-mêmes
tout foutu de nous-mêmes en l’air

Il ne faudrait pourtant pas grand’chose


pourtant pas grand’chose
grand’chose
pour qu’en un jour enfin tout aille
tout aille
aille
dans le sens de notre race à nous
de notre race à nous

Il ne faudrait pourtant pas grand’chose


pourtant pas grand’chose
pas grand’chose
pas grand’chose.
Bolas Para o Cassino

Nada a não ser o fabricação


de canhões
granadas
fábricas de armas
a guerra
ela
ela virá logo
para levar bêbados novamente à Marselhesa
de carne defumada

E todo Creusot
trabalhará várias noites
em fornalhas prontinhas

E todos os Schneiders
preencherão seus bolsos com bolas de
cassino
graças à nova fabricação
de canhões
granadas
fábricas de armas
a guerra vem
para levar bêbados novamente à Marselhesa
de carne defumada.
DES BILLES POUR LA ROULETTE

Rien que pour le fonctionnement


d’usines à canons
obus
balles
la guerre
elle
elle va bientôt venir
s’enivrer encore à la marseillaise
de chair fumante

Et chaque Creusot
travaillera des nuits
des fours à bloc

Et tous les Schneiders


s’empliront les poches de billes
pour la roulette
grâce au fonctionnement nouveau
d’usines à canons
obus
balles
venue la guerre
s’enivrer encore à la marseillaise
de chair fumante
No cartão-postal

Deixe toda a ferida escondida da França


ser
um memorial de guerra

Deixe a criançada branca


crescer à sua memorável sombra
sofrendo lavagem cerebral
a fim de tomarem vingança

Deixe os alemães imbecis


jurarem que vão esfolar um francês
e fazer um roupão
com a pele deles

Os franceses imbecis
juram que vão esfolar um alemão
e fazer um roupão com a pele deles

Deixe realizarem todos esses desejos patrióticos


por bebida preta
por licores Pernod
mas que bom seria se dinamitassem
à noite
os monumentos como cogumelos
que também crescem
em casa.
SUR UNE CARTE POSTALE

Passe pour chaque coin recoin de France


d’être
un Monument aux Morts

Passe pour l’enfance blanche


de grandir dans leur ombre mémorable
vivant bourrage de crâne
d’une revanche à prendre

Passe pour le crétin d’Allemand


de se promettre d’avoir la peau du Français
et d’en faire
des sauts de lits

Pour le crétin de Français


de se promettre d’avoir la peau de l’Allemand
et d’en faire des sauts de lit

Passe pour tout élan patriotique


à la bière brune
au pernod fils
mais quelle bonne dynamite
fera sauter la nuit
les monuments comme champignons
qui poussent aussi
chez moi
Et Cetera

Enfrentando a ameaça germânica, os


veteranos lutadores senegaleses entregam
um cabograma de compromissos
indiferentes
(Os jornais)

Para os lutadores veteranos senegaleses


para os futuros lutadores senegaleses
par todos os que vão nascer no Senegal
dos futuros veteranos lutadores senegaleses
dos futuros veteranos que virão de mim mesmo
dos futuros veteranos mercenários
dos pensionistas
dos amarrados
dos condecorados
dos miseráveis
dos gravemente feridos
dos mutilados
dos queimados
dos gangrenados
dos rostos desfigurados
dos braços amputados
dos intoxicados
e de todos os demais
dos futuros veteranos e etc cetera.

Eu
eu digo a eles “porra!”
e outras coisas a mais também

Eu peço a eles
para guardarem os
machetes
os impulsos sádicos
o sentimento
a sensação
de imundície
devido às atrocidades ainda por fazer

Eu peço a eles
para nada fazerem a respeito da necesssidade que eles sentem
de pilhar
de roubar
de estuprar
de corromper novamente os bancos antigos
do Reno

Eu peço a eles
que comecem a invadir o Senegal
Eu peço a eles
para que mandem para o inferno a paz com os “alemães”.
ET CAETERA
Devant la menace allemande, les
Anciens Combattants Sénégalais
adressent un câblogramme d’indéfectible
attachement. (Les Journaux.)

Aux Anciens Combattants Sénégalais


aux Futurs Combattants Sénégalais
à tout ce que le Sénégal peut accoucher
de combattants sénégalais futurs anciens
de quoi-je-me-mêle futurs anciens
de mercenaires futurs anciens
de pensionnés
de galonnés
de décorés
de décavés
de grands blessés
de mutilés
de calcinés
de gangrenés
de gueules cassés
de bras coupés
d’intoxiqués
et patati et patata
et cætera futurs anciens

Moi
je leur dis merde
et d’autres choses encore

Moi je leur demande


de remiser les
coupe-coupe
les accès de sadisme
le sentiment
la sensation
de saletés
de malpropretés à faire

Moi je leur demande


de taire le besoin qu’ils ressentent
de piller
de voler
de violer
de souiller à nouveau les bords antiques
du Rhin

Moi je leur demande


de commencer par envahir le Sénégal

Moi je leur demande


de foutre aux « Boches » la paix
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http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/.

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