Licenciaturas em Educação Do Campo
Licenciaturas em Educação Do Campo
Licenciaturas em Educação Do Campo
Educação do Campo
Organizadores
Equipe Editorial
Elizandro Maurício Brick — Editor
Sílvio Domingos Mendes da Silva — Editor Adjunto
Maria Carolina Machado Magnus — Editora Adjunta
Inara Fonseca — Editora Adjunta
Conselho Editorial
Adriana Angelita da Conceição - UFSC
André Recht - UFVJM
Andre Taschetto Gomes - UFSC
Anieli Cristina Ottone Silveira - UFVJM
Angela Carine Moura Figueira - UFRGS
Antônio Fernando Gouvêa Silva - UFSCar
Antônio Munarim - UFSC
Beatriz Bittencourt Collere Hanff - UFSC
Clécio Azevedo - UFSC
Danilo Seithi Kato - UFTM
Danilo Piccoli Neto - UFSC
Débora Regina Wagner - UFSC
Décio Auler - UFSM
Demétrio Delizoicov - UFSC
Gabriela Furlan Carcaioli - UFSC
Glaucia de Sousa Moreno - UNIFESSPA
João Batista Santiago Ramos - UFPA - Castanhal
Juliano Camillo - UFSC
Juliano Espezim Soares Faria - UFSC
Karine Halmenschlager - UFSC
Lucena Dall’Alba - UFSC
Marcelo Gules Borges - UFSC
Marilisa Bialvo Hoffmann - UFRGS
Mônica Castagna Molina - UnB
Mônica de Caldas Rosa dos Anjos - UFPR
Nathan Carvalho Pinheiro - UnB
Néli Suzana Quadros Britto - UFSC
Ofélia Ortega Fraile - UFVJM
Patricia Guerrero - UFSC
Penha Souza Silva - UFMG
Polliane Santos de Sousa - UFRB
Renilto Carlos da Silva - UFPA - Castanhal
Salomão Antônio Mufarrej Hage - UFPA
Thaise Costa Guzzatti - UFSC
Ubiratan Francisco de Oliveira - UFT
Wagner Ahmad Auarek - UFMG
Welson Barbosa Santos - UFG
Welton Yudi Oda - UFAM
Valter Martins Giovedi - UFES
anos
5
2019 CED UFSC
CIÊNCIA
CIDADANIA
DIVERSIDADE
ARS ET SCIENTIA
UFSC
Lantec
ODIO
Vozes do Campo
REDE
TAS
UNIVERSI
UnB
CTEC \ FUP
Licenciaturas
em Educação
do Campo
Resultados da Pesquisa sobre os Riscos
e Potencialidades de sua expansão
1ª Edição
Organizadores
Florianópolis
LANTEC/CED/UFSC
2019
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
Centro de Ciências da Educação - CED
Projeto gráfico
Marina Moreira Moraes
Diagramação
Brunna C. Casagrande
Guilherme Behling
Marina Moreira Moraes
Ilustração
Eduardo Eising
Leonardo O. Cordeiro
Matheus Amarante
Geoprocessamento
Jonas Ambrósio Hamud
Supervisores
Erick Kallel Peixer Carraro
Giuliano Vieira Benedet
Revisão Textual
Sandra Maria Alencar Fonteles
L698
Inclui bibliografia
E-book (PDF) bibliografia
ImpressoInclui
ISBN 978-65-80460-25-0 ISBN 978-65-80460-26-7
CDU: 37(81)
Posfácio 441
11
Apresentação
Mônica Castagna Molina1
Gisele Masson2
Este livro tem como objetivo contribuir com o processo de reflexão e análise
da experiência de oferta dos cursos de Licenciatura em Educação do Campo
nas Universidades Públicas Brasileiras. A realização dos cursos, que foram
conquistados em decorrência da luta dos movimentos sociais do campo, tem
sido acompanhada de um intenso processo de investigação e sistematização
das concepções e práticas formativas que sua execução materializa. Esta obra
é resultado de uma dessas pesquisas, intitulada “Políticas de Expansão da Edu
cação Superior no Brasil”, realizada com apoio financeiro da CAPES, a partir do
Programa Observatório da Educação, que foi desenvolvida entre 2013 e 2017
em sete subprojetos, e teve como objetivo geral analisar as políticas de expan
são da Educação Superior no país, considerando as mudanças econômicas,
políticas e sociais advindas da Reforma do Estado brasileiro.
12
dade Federal do Tocantins - UFT (Campus de Tocantinópolis), na região Norte;
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia - UFRB (Campus Amargosa) e
Universidade Federal do Maranhão - UFMA (Campus Bacabal), na região Nor
deste; Universidade de Brasília (Campus Planaltina), na região Centro-Oeste;
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ (Campus Seropédica) e
Universidade Federal de Viçosa, na região Sudeste; Universidade Federal de
Santa Catarina - UFSC e Universidade Federal da Fronteira Sul - UFFS (Campus
Laranjeiras), na região Sul.
13
Nessas mesmas dez instituições, também se buscou analisar as potencialida
des da expansão dos cursos, observando-se os seguintes pontos: 1) consoli
dação da Educação do Campo como área de produção de conhecimento; 2)
acúmulo de forças para conquista de novas políticas e cursos para os campo
neses; 3) desencadeamento de novas lógicas para Organização Escolar e Tra
balho Pedagógico nas Escolas do Campo; 4) reinserção da questão agrária nos
debates acadêmicos, com a realização de novos projetos de ensino, pesquisa e
extensão articulados com a oferta da LEdoC (MOLINA, 2015).
14
lizados textos fundamentais à sua compreensão e ao trabalho da pesquisa.
Nesse primeiro encontro, também foram apresentados aos docentes das di
ferentes áreas do conhecimento os debates mais específicos relativos às dis
putas presentes no âmbito das políticas de formação docente, centradas na
Epistemologia da Prática e na Epistemologia da Práxis. Nesse primeiro curso
de formação, tivemos o privilégio de contar com os professores Erlando da
Silva Rêses e Kátia Augusta Curado Pinheiro Cordeiro da Silva, aos quais ex
pressamos nosso reconhecimento e gratidão.
15
do de investigação como um conjunto de princípios que fundamentam a forma
como a realidade será analisada. No caso do Materialismo Histórico-Dialéti-
co, a categoria “totalidade” indica a importância de se conceber o objeto de
pesquisa como um todo concreto de menor complexidade, que só pode ser
apreendido se for analisado na sua relação com a totalidade sócio-histórica
capitalista. É nesse sentido que a “historicidade” é um pressuposto importante
para a análise do objeto de estudo, a fim de captá-lo na sua gênese e desenvol
vimento histórico.
Paulo Netto (1994) ressalta, no entanto, que uma “totalidade imediata é amorfa”
e que uma “totalidade sem negatividade é morta”. Esse entendimento expressa
a importância de se trabalhar com a mediação e a contradição, o que implica
em considerar a contradição fundamental da sociedade capitalista, ou seja, o
antagonismo entre capital e trabalho, e como ele se expressa nas concepções
de educação e de campo. Para tanto, a categoria da mediação ajuda a conceber
a totalidade parcial (objeto de pesquisa) sem estabelecer uma relação mecâ
nica com a totalidade social. O particular como categoria mediadora permite
captar a dinâmica própria do objeto (singular) contextualizado numa totalidade
abrangente (universal).
16
A análise dessas questões foi fundamental para superar as representações co
tidianas que os sujeitos pesquisadores têm a partir de suas vivências e relações
na sociedade capitalista, procurando entender desde a gênese da política de
formação de professores do campo até a sua efetivação nas Licenciaturas em
Educação do Campo, segundo as determinações mais universais do modo de
produção capitalista. Portanto, com esse entendimento, foi possível apontar os
limites e as possibilidades da formação de professores do campo na perspec
tiva da formação humana, ou seja, romper com a especialização do currículo
universitário, tentando superar a orientação para a eficiência e o desempenho
individual, com o intuito de desenvolver as múltiplas potencialidades humanas
e o compromisso com a luta social coletiva. Obviamente esse terceiro momen
to de formação apenas trabalhou aspectos centrais de O Capital, os quais pre
cisam ser constantemente aprofundados, já que se trata de uma obra ampla,
densa, cuja construção analítica ainda está em processo.
17
Porém, é fundamental destacar aqui de que tipo de conhecimento científico
estamos falando, por isso é imprescindível resgatarmos o alerta de Gaudêncio
Frigotto, quando afirma que
A matriz original dessa política de formação docente tem como horizonte for
mativo o cultivo de uma nova sociabilidade, cujo fundamento é a superação da
forma capitalista de organização do trabalho na perspectiva da associação li
vre dos trabalhadores, na solidariedade e na justa distribuição social da riqueza
gerada coletivamente pelos homens. Como consequência daquelas perguntas
sobre a concepção de ser humano, de educação e de sociedade que orienta
riam a matriz formativa da LEdoC, chegou-se ao que se considera uma impor
tante contribuição dessa política para o conjunto das políticas de formação de
educadores: a imprescindível redefinição das funções sociais da escola como
parte do desafio de superação da sociabilidade hegemônica na sociedade (MO
18
LINA, 2017). A partir dessa perspectiva e intencionalidade, apresentamos a se
guir como se estrutura a presente publicação.
Este trabalho está organizado em sete blocos que seguem o Prefácio de Gau
dêncio Frigotto, que nos deu a honra de abrir o livro. No primeiro bloco, o artigo
de Deise Mancebo, Coordenadora Geral da Pesquisa, apresenta o atual contex
to da Educação Superior, no qual se tem avançado aceleradamente para sua
privatização, com intensa ampliação da disputa dos fundos públicos, conforme
demonstram os dados que ela apresenta. As tensões e as contradições exis
tentes atualmente na oferta desse nível de ensino são o pano de fundo sobre
o qual se colocam os desafios e disputas enfrentadas para tentarmos manter
as Licenciaturas em Educação do Campo e o direito à educação dos sujeitos
coletivos que as integram.
19
Referências
FRIGOTTO, G. A interdisciplinaridade como necessidade e como problema nas
ciências sociais. Ideação. Revista do Centro de Educação e Letras da UNIOES
TE, Foz do Iguaçu, PR, v. 10, n. 1, p. 41-62, 1º semestre de 2008.
PAULO NETTO, J. Razão, ontologia e práxis. Serviço Social & Sociedade, São
Paulo, ano XV, n. 44, p. 26-42, 1994.
20
PREFÁCIO
21
Prefácio
A coletânea Licenciaturas em Educação do Campo, fruto de uma pesquisa em
âmbito nacional para averiguar suas potencialidades e riscos, nos traz uma
densa radiografia do significado dessa conquista em âmbito nacional. Uma
conquista protagonizada pela luta dos movimentos sociais do campo, em
especial do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que nove
anos antes haviam conquistado a criação do Programa Nacional de Educação
na Reforma Agrária (PRONERA).
22
e preservação do meio ambiente, mas com o lucro a qualquer preço, ou um
alimento saudável?
23
O conjunto de textos da coletânea, fruto de uma ampla pesquisa envolvendo
todas as regiões do Brasil e que se orientou pelo método materialista histórico,
traz para o interior das universidades e da sociedade a lição de que as mu
danças revolucionárias sempre se deram no plano da ação prática no seio das
contradições, e onde o esforço é da relação orgânica entre a teoria e a prática.
Trata-se de uma unidade no diverso, em que, na teoria, o desafio é ir à raiz das
determinações que produzem a desigualdade e injustiças em nossa socieda
de. Na ação política que se dá sempre no campo das relações de forças reais
presentes na sociedade, somos chamados a avançar, ainda que seja um passo
de cada vez.
24
do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, acabou entregando o poder a for
ças de extrema-direita. Forças estas que se pautam pela estupidez, insensatez
e insanidade de três fundamentalismos articulados e de traços neofascistas.
25
CONTEXTO
GERAL DA
PESQUISA
26
27
Políticas, Gestão e Direito à Educação
Superior: novos modos de regulação
e tendências em construção
Deise Mancebo1
Introdução
O Brasil vive uma complexa conjuntura econômica e política. Do ponto de vista
econômico, temos uma crise capitalista mundial, crise orgânica e geral do capi
talismo, cujo marco foi o ano de 2008. Os impactos dessa crise manifestam-se
de forma diferenciada em termos geográficos e temporais, mas é inegável que,
no último período, impactou com força a periferia do sistema capitalista, pro
duzindo estruturais e perversas desigualdades, o que incluiu nosso país. Res
salte-se que, no Brasil, foram abaladas as bases sociais da própria reprodução
política, cujos destaques foram o impeachment da presidenta eleita Dilma Rou
sseff, que veio a ser substituída pelo vice-presidente Michel Temer por decisão
do Congresso Nacional, em 2016, e a condenação do ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, retirando-o da disputa eleitoral de 2018.
desenvolve “uma zona de anomia que, de um lado, deve ser mantida a todo custo em relação com o
direito e, de outro, deve ser também implacavelmente libertada dessa relação” (p. 92). Deve-se registrar
que, no Brasil, essa zona de anomia foi construída a partir de uma imensa ampliação do número de
normas em várias áreas do Direito visando sancionar a cidadania.
28
Obviamente essa conjuntura afeta todas as instituições republicanas e so
bremodo as Instituições de Ensino Superior (IESs), assim como as políticas e
ações que estavam em curso no tocante a esse nível de ensino, a exemplo das
metas e estratégias previstas no Plano Nacional de Educação (2014-2024).
O novo projeto veio a ser aprovado pelo coletivo de pesquisadores4 com o título
“Políticas, gestão e direito à Educação Superior: novos modos de regulação e
tendências em construção” e está sendo desenvolvido em 8 eixos de análise,
que visam aprofundar os seguintes aspectos: (Eixo 1) - a política econômica
e o financiamento da Educação Superior; (Eixo 2) - as novas configurações da
Educação Superior (arquiteturas acadêmicas); (Eixo 3) - a nova gestão pública e
a reconfiguração da avaliação e da regulação da Educação Superior; (Eixo 4) - o
trabalho na Educação Superior; (Eixo 5) - o acesso e a permanência na Educa
ção Superior; (Eixo 6) - os novos modos de regulação e tendências em constru
ção na produção do conhecimento; (Eixo 7) - a Educação Superior do Campo
e os processos de formação de educadores e (Eixo 8) - as políticas e a gestão
da educação profissional tecnológica e a reconfiguração da formação docente.
contexto de crise: novos modos de regulação e tendências em construção”, escrito em final de 2018 por
mim e João dos Reis Silva Júnior (UFSCar), ainda no prelo.
29
1. A complexa conjuntura político-econômica brasileira
Pode-se afirmar que os 12 anos de lulismo (que abrangeram os dois mandatos
de Luís Inácio Lula da Silva e o primeiro mandato de Dilma Rousseff) efetiva
mente ampliaram as políticas sociais compensatórias, trazendo melhorias para
os setores sociais mais empobrecidos, mas abandonaram uma agenda de re
formas estruturais. Adicionalmente o lulismo manteve intacto o oligopólio da
mídia e não contribuiu para a elevação dos níveis de politização e organização
da classe trabalhadora (SINGER; LOUREIRO, 2016; RIZEK; OLIVEIRA; BRAGA,
2010)6. A dinâmica do lulismo configurou um período de “neotrabalhismo” e
uma estratégia de conciliação de classes. Jamais rompeu com o modelo eco
nômico de subordinação ao capital financeiro e mostrou-se social por meio de
políticas focais, cotas e programas sociais conjunturais, além da implantação
de poucas políticas universais de Estado.
Por outro lado, a crise de 2008 nos Estados Unidos – que migrou em seguida
para a Europa e segue até os tempos atuais em face da vulnerabilidade sis
têmica do regime de predominância financeira hegemônico na atual fase do
capitalismo – configurou um quadro externo que impôs mudanças à periferia.
Deve-se registrar que a crise é estrutural (MÉSZÁROS, 2002) e que, longe de en
fraquecer a hegemonia neoliberal, aprofundou a lógica rentista sobre as diver
sas dimensões da vida humana e fomentou uma guinada política conservadora
em boa parte do mundo (MANCEBO; SILVA JÚNIOR, 2019).
6Para a apreciação dessa discussão, é importante a obra “Hegemonia às avessas: economia, políti
ca e cultura na era da servidão financeira” (2010), organizada por Cibele Saliba Rizek, Francisco de
Oliveira e Ruy Braga. É composta de textos de dezenove pesquisadores, nacionais e estrangeiros,
que versam sobre temáticas múltiplas e a partir de ângulos diversos, mas há uma unidade nuclear
que indica, por um lado, o chamado desmanche neoliberal e, por outro, a esterilização das forças
sociais organizadas em movimentos, no lulismo.
30
to significativo da espoliação dos trabalhadores, desemprego, precarização
dos postos de trabalho restantes, redução de salários, aumento da intensi
dade do trabalho, ofensiva contra as condições de vida e de luta das classes
subalternas, com o sucateamento dos serviços públicos (educação, saúde,
saneamento, abastecimento, transportes) e o reforço do aparelho repressivo
de Estado, ampliando, sobremodo, as desigualdades estruturais (MANCEBO;
SILVA JÚNIOR; OLIVEIRA, 2018).
7A essência das mudanças dessa nova legislação diz respeito à afirmação do negociado sobre
o legislado, à flexibilização da jornada de trabalho, à introdução de novas modalidades de con
tratação, como o trabalho intermitente, por exemplo, e à ameaça à garantia de gratuidade do
processo trabalhista.
8A
Proposta de Emenda Constitucional (PEC) no 6/2019 apresentada pelo governo e que tramita
na Câmara trata da Previdência Social, atropela a Constituição Federal e os direitos já adquiridos
pelo trabalhador. Construída à luz do discurso de iminente insustentabilidade do regime previ
denciário, a PEC promove profunda modificação na Seguridade Social, consistindo na quebra do
paradigma de evolução protetiva instaurado com a Constituição Cidadã de 1988.
9Na realidade, a nova equipe de governo advoga a privatização geral das empresas públicas para
arrecadar e diminuir a dívida pública. Defende ainda um novo marco regulatório na infraestrutura
que conceda à iniciativa privada aeroportos, rodovias, ferrovias, portos e exploração de petróleo.
Especificamente a entrega da exploração do petróleo no pré-sal a empresas estrangeiras tornará
mais difícil, senão impossível, o alcance do índice de 10% do Produto Interno Bruto (PIB), definido
como necessário para a implantação do Plano Nacional de Educação 2014-2024.
31
3- a reforma do Estado, com a redução dos “gastos com a máquina pública”, ou
seja, do serviço público, o que atinge diretamente a prestação ao usuário e os
servidores públicos. A equipe econômica do governo eleito defende, inclusive,
a continuidade da regra draconiana da Emenda Constitucional nº 95, de 16 de
dezembro de 2016, que congela as verbas orçamentárias das áreas sociais por
vinte longos anos;
De fato, de 2016 para cá, o Poder Executivo e o Congresso Nacional não pou
pam esforços à aplicação de uma cartilha que para muitos de nós era inima
ginável, de modo que assistimos a um forte retrocesso nos direitos inscritos
na Constituição de 1988, nas conquistas mesmo que insuficientes alcançadas
nos governos liderados pelo Partido dos Trabalhadores desde 2003 e até em
algumas conquistas da Era Vargas;
32
festações que capturam para uma lógica reacionária o
descontentamento com as instituições (IASI, 2017, p. 1-2).
Todos esses fenômenos não podem ser tomados numa dimensão psíquica
autônoma, como se fossem patologias individuais generalizadas, mas como
algo que diz respeito a processos sociais e históricos objetivos. Na realidade,
podemos identificar neles permanências e atualizações de nosso passado au
toritário e antidemocrático (GODOY, 2016, p. 14).
33
tura brasileira, mas pode ser localizada, em escala mundial, desde as últimas
décadas do século XX (CHESNAIS, 1996; HARVEY, 2005).
elaborado por Chaves e Amaral, apresentado no XXVI Seminário Nacional da Rede Universitas/
11Gráfico
Br,em2018.Disponívelem: <https://drive.google.com/file/d/1Yz1oa0Og3zjA_SNLJrzcCx-TwaVzz4lk/view>.
34
Na Educação Superior brasileira, pode-se tomar o ano de 2013 como o ponto
de inflexão a partir do qual são visíveis os impactos do ajuste econômico em
direta relação com a chegada da crise econômica internacional ao país. De
todo modo, o golpe de 2016 mantém e aprofunda a tendência – o que deve
ser potencializado com os recentes resultados eleitorais –, impondo uma forte
“adaptação e acomodação” das Instituições de Ensino Superior (IESs) à con
juntura de forte ajuste econômico. Vejamos os principais impactos nas redes
pública e privada de Educação Superior.
35
Matrículas nas IESs % Matrículas ∆% Anual das
Ano
Públicas Públicas Matrículas Públicas
2014 1.961.002 25% 1%
2015 1.952.145 24% 0%
2016 1.990.078 25% 2%
2017 2.045.356 25% 3%
36
derão ser estendidos para os trabalhadores das atividades-fim mesmo na
rede pública12.
do gasto público no Brasil” – foi encomendado, anteriormente ao golpe, por Joaquim Levy, ex-Ministro
da Fazenda do governo de Dilma Rousseff.
37
portanto, fundamento para a afirmação de que os alunos das universidades fe
derais pertencem aos estratos de renda mais altos da sociedade, muito menos
que possuem capacidade financeira para pagar mensalidades.
Para finalizar este item, com certeza, defendemos que se cobre mais dos mais
ricos, mas não com o pagamento de mensalidades. Nesse campo, o que é preci
so é uma reforma tributária que permita tratamento isonômico aos contribuintes,
a criação de um imposto sobre fortunas e o aumento da taxação de heranças.
De fato, ocorreu uma diminuição no ritmo de evolução das matrículas nas ins
tituições privadas do Ensino Superior nos últimos anos. Conforme dados do
Censo da Educação Superior do INEP (2014, 2015, 2016 e 2017), o comporta
mento das matrículas na rede privada foi o seguinte: em 2013, houve um cres
cimento de 4,54%; em 2014, de 9,19%; em 2015, de 3,55%; em 2016, houve um
decréscimo de 0,27%; e em 2017, as matrículas voltaram a crescer a uma razão
de 3,02%. Assim, se tomarmos tão somente o número de matrículas, a crise se
faz visível nesse setor a partir de 2015, porém em 2016 chega a ocorrer um de
créscimo no número de alunos matriculados. Todavia, esse dado não é o único
nem o melhor indicador da situação dessas IESs.
Não se pode esquecer que estamos lidando com uma fração do empresariado
brasileiro fortemente organizado, articulado e ágil, e já se pode verificar algu
mas saídas que essas instituições vêm desenvolvendo para o enfrentamento
da crise. Primeiramente operaram mudanças organizacionais (denominadas
de governança corporativa) com o fito de diminuírem as despesas, promovendo
o enxugamento do quadro de trabalhadores, aumentando o número de alunos
por turma, incrementando o uso do EaD (em torno de 25% das matrículas nesse
setor em 2017), modificando currículos, suprimindo disciplinas e rearranjando
turmas, na maior parte das situações sob o olhar complacente do MEC.
38
Adicionalmente essas empresas possuem uma larga experiência de lobbies
no Congresso e governos, o que lhes tem possibilitado uma potente indução
estatal. Conforme dados apresentados por Reis (2018), em 2017 o governo
federal liberou R$ 21,82 bilhões para o FIES (Fundo de Financiamento Estu
dantil) e o PROUNI (Programa Universidade para Todos), e o que é mais sur
preendente é que essas despesas passaram a representar aproximadamente
16,74% do orçamento total sob a supervisão do MEC. De fato, o número de
novos contratos do FIES caiu muito de 2014 para 2017, como amplamente
noticiado pela grande imprensa brasileira. De acordo com o Portal do Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), enquanto em 2014 ha
via um total de 731.700 novos contratos, em 2016 esse número caiu para
203.392 novos contratos (FNDE, 2017). Todavia, em termos de recursos des
tinados pela União para esse fim, o aumento dos repasses permaneceu como
tendência, passando de 15 bilhões de reais em 2014 para R$ 20,47 bilhões em
2017 (REIS, 2018).
Assim, estudos demonstram que: (1) o setor privado teve seu crescimento esti
mulado pela política estatal adotada no país, em especial por meio do FIES e do
PROUNI; (2) essa política tem contribuído para viabilizar os lucros dos grupos
financeiros/educacionais, em especial dos grupos de capital aberto como a
Kroton/Anhanguera, a Estácio, a Ânima e Ser Educacional; (3) quem, de fato,
mais tem usufruído dos cerca de R$ 22 bilhões anuais de recursos do Fundo
Público têm sido os proprietários e acionistas das grandes empresas de educa
ção, que tendem a ter maior poder de influência sobre os órgãos responsáveis
por tais programas (MANCEBO, 2018).
O período que vai de 2008 a 2013 é o ápice desse processo, de modo que hoje
estamos diante de um setor fortemente financeirizado, cujas ações são alta
mente rentáveis. Desde então, a lógica dos negócios passa a ser a da “maximi
zação do lucro para o acionista” (GUTTMANN, 2008, p. 12), qual seja,
39
[...] ocorre um esforço contínuo em alinhar os objetivos
da administração dessas empresas educacionais aos
interesses dos acionistas, através da adoção de práticas
mais justas, proporcionando maior liquidez e melhor va
lorização das ações negociadas no mercado (MANCEBO;
SILVA JÚNIOR; OLIVEIRA, 2018, s.p.).
Considerações finais
Muitas resistências vêm ocorrendo quanto ao quadro de exceção em curso no
país. Os movimentos sociais e sindicais no Brasil têm muita vitalidade e vêm
-se opondo aos acontecimentos, mas também é certo que se exaurem na luta
pela vida cotidiana, pelo salário, pela terra, pela moradia, pela manutenção dos
direitos e nem sempre conseguem tempo e energia para conceber claramente
um projeto de futuro para além do capital. Adicionalmente a ação coletiva tem
-se tornado mais difícil, porque os indivíduos são submetidos a um regime de
concorrência em todos os níveis. As formas de gestão na empresa, o desem
prego, a precariedade, as avaliações individualizadas são poderosas alavancas
de concorrência interindividual e definem novos modos de subjetivação, pouco
afeitos à construção de coletivos e, por consequência, ao enfraquecimento da
capacidade de agir contra o neoliberalismo. Todavia, isso é vital, é preciso que
tais movimentos deem esse salto, inclusive ultrapassando a política de conci
liação de classes.
40
programas e atividades que estão sendo impostos, muitas vezes com alianças
e interlocutores internos às IESs. Urge, portanto, uma reconciliação da acade
mia com o conhecimento crítico, reflexivo e, por isso mesmo, insubmisso aos
interesses mercantis e antidemocráticos.
41
Referências
AGAMBEN, G. Estado de exceção. São Paulo: Boitempo, 2004.
42
nível em: <http://www.inep.gov.br/superior/censosuperior/sinopse/default.a>.
Acesso em: 10 jan. 2018.
MÉSZÁROS, I. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. São Paulo:
Boitempo, 2002.
43
REGIÃO
NORTE
44
45
E
S
ANO
PL
Riscos e potencialidades do
curso de Licenciatura em
Educação do Campo diante
da consolidação da política
de formação dos educadores
do campo: a experiência da
UFPA (Campus do Tocantins/
Cametá) em discussão
¹Doutora em Educação pela Universidade Federal do Pará (UFPA), é docente do Programa de Pós
-Graduação em Educação e Cultura na linha de pesquisa Políticas e Sociedades da UFPA, Campus do
Tocantins em Cametá. Atua como docente na Faculdade de Educação do Campo e também está na
função de vice-diretora da Faculdade.
²Doutorado-sanduíche em Educação: Currículo pela Universidade de Wisconsin-Madison (1999) e Pon
tifícia Universidade Católica de São Paulo (2000). É professor do Instituto de Ciências da Educação da
Universidade Federal do Pará e docente do Programa de Pós-Graduação em Educação, e do Programa
de Linguagens e Saberes da Amazônia. É bolsista produtividade do CNPq.
³Professora Assistente na Universidade Federal do Pará, Faculdade de Educação do Campo, Campus Uni
versitário do Tocantins/Cametá. Graduada em Ciências Econômicas (UFPA), é Especialista em Gestão
Urbana e Desenvolvimento Local (UFPA) e Mestre em Planejamento do Desenvolvimento (UFPA). Atual
mente está na Direção da Faculdade de Educação do Campo.
47
Introdução
Este texto trata das pesquisas realizadas no âmbito da Rede Universitas/BR4 e
do Observatório da Educação Superior do Campo (Obeduc)5 sobre as políticas
de Educação Superior, com destaque para a sua expansão e para a formação
dos educadores do campo. No caso específico deste artigo, analisamos o Mo
vimento da Educação do Campo no Estado do Pará e suas contribuições para
consolidar o Curso de Licenciatura em Educação do Campo como política de
Educação Superior na Universidade Federal do Pará, Campus Universitário do
Tocantins, Cametá.
4As pesquisas da Rede Universitas analisam a expansão da educação superior do campo e suas
contribuições para as políticas da educação superior e para o desenvolvimento do campo e da
sociedade brasileira.
5Os estudos do Observatório da Educação Superior do Campo analisam práticas contra-hegemôni
cas na formação de profissionais da Educação e das Ciências Agrárias nas regiões Norte e Nordes
te do Brasil, envolvendo a Universidade Federal do Pará (UFPA), a Universidade de Brasília (UnB), a
Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa) e Universidade Federal de Sergipe (UFS).
48
O território da pesquisa aqui apresentada foi a experiência formativa do Curso
de Licenciatura em Educação do Campo ofertado pela Universidade Federal
do Pará, no Campus Universitário do Tocantins, em Cametá/PA, que se encon
tra localizado na Amazônia Tocantina, nordeste paraense. O curso atualmente
oferta suas turmas nos seguintes municípios:
No município de Cametá, são ofertadas quatro (4) turmas, sendo uma (1) na
comunidade de Vila do Carmo. No município de Oeiras do Pará, são ofertadas
duas (2) turmas e nos municípios de Baião, Mocajuba, Limoeiro do Ajuru e Iga
rapé-Miri é ofertada uma (1) turma, totalizando dez (10) turmas, com oferta de
400 vagas para o curso de Licenciatura em Educação do Campo no Campus de
Cametá da UFPA, entre os anos de 2014 e 2018.
49
No caso dos estudantes, priorizamos os que possuíam relação identitária com
o território camponês ou que construíram suas relações de trabalho vinculadas
ao modo de vida camponês em seu próprio espaço de vivência, ou ainda que
atuavam como educadores nas escolas rurais sem ter curso de graduação. Em
relação aos docentes, procuramos entrevistar os que atuavam nas diferentes
áreas de conhecimento que envolvem o Curso de Licenciatura em Educação do
Campo da UFPA/Cametá (Educação, Ciências Agrárias - Agroecologia e Ciências
da Natureza), além de terem envolvimento com a proposta pedagógica do curso.
50
Campo, que tem no Fórum Paraense de Educação do Campo (FPEC) sua ex
pressão mais significativa de organização e mobilização pela construção de
um projeto popular de desenvolvimento e de educação, que se constrói em arti
culação direta com os fóruns regionais de Educação do Campo.
Esses eventos têm mobilizado um número cada vez mais abrangente de sujeitos,
instituições públicas, movimentos sociais e entidades não governamentais nos
processos de definição e implementação de políticas e práticas educacionais
sintonizadas com a realidade do campo, constituindo-se espaços em que mani
festam depoimentos, insatisfações, aspirações e reivindicações com relação à
educação que se deseja ver concretizada nas escolas do campo.
51
cação do Campo da Região Tocantina, município de Cametá (2010), o Fórum
Mocajubense de Educação do Campo - Formec (em 2011), o Fórum Cametaense
de Educação do Campo, criado em 2012, a aprovação do Curso de Licenciatura
em Educação do Campo em 2012 (Edital nº 2) e a participação na aprovação do
Plano Municipal de Educação de Cametá (2015).
52
A participação do Movimento Paraense por uma
Educação do Campo no processo de consolidação
das Licenciaturas em Educação do Campo
A partir do Edital de 2012, com a ampliação da oferta do Curso de Licenciatura
em Educação do Campo em mais de 40 Instituições de Ensino Superior, o Fórum
Nacional de Educação do Campo (FONEC) assumiu a responsabilidade de forta
lecer o diálogo com essas instituições na perspectiva de reafirmar os princípios
da Educação do Campo. Era preciso organizar um momento para congregar pes
quisadores, docentes, discentes, coordenadores, movimentos sociais e represen
tação dos estados, o que tornou os Seminários Nacionais das Licenciaturas em
Educação do Campo espaços democráticos e dialógicos que congregam partici
pantes dos cursos ofertados nas diversas regiões brasileiras.
53
O Seminário também contou com a participação de representantes do Fórum
Paraense e de fóruns regionais e municipais de Educação do Campo, entre os
quais, citamos: Fórum Regional de Educação do Campo da Região Tocantina II,
Fórum de Educação do Campo, das Águas e das Florestas, Fórum Municipal de
Educação do Campo do Acará, Fórum de Educação do Campo de Caetés, Fó
rum Municipal de Educação do Município de Abaetetuba e o Fórum Regional da
Educação do Campo do Sul e Sudeste do Pará. Todos esses coletivos inserem
em suas demandas sociopolíticas o direito de acesso à educação pública e de
qualidade nos territórios onde vivem os sujeitos do campo.
54
Nesse cenário, os movimentos sociais têm pautado o seu protagonismo em um
processo de resistência contra a lógica hegemônica e institucionalizada nas uni
versidades, e tal processo é caracterizado “como um espaço pessoal, em que a
lógica e a força da dominação é contestada pelo poder da ação subjetiva para sub
verter o processo de socialização” (GIROUX, 1998 apud GUARESCHI, 2002, p. 53).
Esses eventos têm explicitado, a partir da fala dos sujeitos participantes, o quanto
tem sido desafiador para as Instituições de Ensino Superior romper com uma lógica
institucional e estrutural que tem sido hegemônica na oferta desse nível de ensino
e na produção do conhecimento. Por outro lado, a expansão das Licenciaturas em
Educação do Campo tem provocado mudanças nos processos curriculares e for
mativos ao incorporar políticas afirmativas para atender aos sujeitos que moram,
estudam e trabalham no campo. Além disso, a consolidação dos cursos na pers
pectiva de construir uma formação contra-hegemônica centrada no reconhecimen
to de uma educação diferenciada, contextualizada, crítica e emancipadora implica
em contar com a participação efetiva dos movimentos sociais nesse processo.
55
A Formação em Alternância e os riscos do
distanciamento dos princípios originários do
Curso de Licenciatura em Educação do Campo
56
guir ver por dentro a realidade e não olhar simplesmente de
fora, mas estando lá dentro, e ver como nós podemos valo
rizar e utilizar esse conhecimento ao nosso favor, enquanto
docente futuramente, que precisamos fazer essa mudança
e essa valorização desses conhecimentos” (Estudante José
Dias, Curso de Licenciatura em Educação do Campo, 2016).
7MatrizAndifes diz respeito ao modelo de Orçamento de Custeio eCapital (OCC)para o conjunto das univer
sidades federais do país. A Licenciatura em Educação do Campo, ao se constituir um curso permanentenas
IESs públicas, neste “processo de transição do valor custo-aluno de PROCAMPO, para o valor custo aluno
na matriz OCC, tende a ‘homogeneizar’ os estudantes do campo, caso estes valores não considerem as
especificidades dos sujeitos que estudam na Licenciatura em Educação do Campo” (SILVA, 2017, p. 265).
57
Outra ponderação dos depoimentos refere-se à indissociabilidade entre Tempo
Universidade e Tempo Comunidade, visto que, sendo educativos, esses tempos
se traduzem em totalidade na produção do conhecimento, incitando a transfor
mação social. Porém, para que isso se efetive, é de fundamental importância
que o docente que orienta as pesquisas dos estudantes na inter-relação en
tre teoria e prática tenha clareza do significado e da importância de ensinar e
aprender na universidade e nas comunidades. Para a docente entrevistada, tal
construção no processo de formação da LEdoC se afirma pelo trabalho coletivo
entre os sujeitos envolvidos nesse processo. Dessa forma, docentes/orienta-
dores e estudantes passam a compreender que o conhecimento científico e os
saberes das comunidades se integram e se inter-relacionam.
58
ciado, que parece que a gente sai daquele olhar comum.
Vimos como se a gente não fosse do local, como se a
gente acabasse de chegar e querer entender e a analisar
tudo aquilo que está ali no nosso meio.“ (Estudante João
Carlos, Curso de Licenciatura em Educação do Campo,
2016).
59
saberes tradicionais das comunidades vivenciadas pelos estudantes, no entan
to essa materialidade se torna viável sob a perspectiva da interdisciplinaridade.
60
e trabalham, combinando reflexões coletivas que viabilizem a compreensão e a
intervenção qualificada nessa mesma realidade (HAGE; SILVA; FARIAS, 2016).
A inspiração do curso de Licenciatura em Educação do Campo na Pedagogia da
Alternância busca principalmente considerar que a práxis é sua filosofia principal
pelo fato de procurar integrar os saberes, práticas culturais e as relações políticas
presentes no cotidiano dos sujeitos sociais que protagonizam seus modos de
vida e de trabalho no campo. Portanto, em que pese a práxis estar vinculada como
um princípio desde a gênese da Pedagogia da Alternância, sua expansão como
metodologia também vai ganhando outros sentidos, pois vai se constituindo uma
pedagogia em múltiplas relações de forma multidimensional e complexa (GIMO
NET, 2007), conforme especificam Borges et al. (2012, p. 40):
61
A experiência vivida no Tempo Comunidade me proporcio
nou um vínculo ainda mais forte. Eu acreditava que enten
dia, que eu conhecia tudo sobre a comunidade, que não
precisaria pesquisar, porque eu moro lá na comunidade
desde os meus 6 anos, onde eu estou inserida. Eu acredi
tava que já sabia de tudo, que tudo que tinha conhecido já
era algo concreto, mas através da pesquisa comecei a des
construir aquilo que eu acreditava, pois eu jamais imagi
nava que tinha uma concepção de educação equivocada,
pois achava que as pessoas não tinham educação porque
não tinham a concepção de que elas deveriam estudar,
não tinha essa lógica. Mas quando eu faço a pesquisa, eu
vejo que não, que elas tinham vontade imensa de estudar,
mas não tinham era oportunidade de estudar, não tinham
apoio no trabalho da roça, da pesca e não tinham também
representatividade, não tinham como chegar lá com os
políticos, pois não tinham autonomia dos conhecimentos
das legislações para requerer seus direitos, lhes faltava
muito conhecimento (Estudante Antônia Maria, curso de
Licenciatura em Educação do Campo, 2016).
62
luta histórica o reconhecimento da realidade concreta, o que tende a desconside
rar o Tempo Comunidade como um tempo educativo e formativo. A seguir, trata
mos das potencialidades que têm afirmado o curso de Licenciatura em Educação
do Campo como uma política de formação.
63
Olha, a gente percebe assim, que esse curso de Licen
ciatura em Educação do Campo, ele nos traz novos
olhares, ele nos dá novos horizontes, da forma como ele
trabalha por área de conhecimento, ele vai alargar a nos
sa visão de mundo e de sujeito do campo, pois contribui
para desvelar a nossa realidade. Então, quando a gen
te tem uma formação que engloba uma área maior, eu
acho que a minha visão de profissional, a minha visão de
escola, ela é ampliada, daí eu passo a entender e tenho
uma possibilidade muito maior de intervir dentro dessa
realidade como profissional. Então, vejo que a nossa pe
dagogia, ela vai ser uma pedagogia muito pautada nes
sa questão do conhecimento interdisciplinar, desse co
nhecimento mais amplo. Eu estou bem empolgado com
a questão dessa formação. Assim, justamente por isso,
eu acho que aumenta o nosso leque de possibilidade
de atuação e de conhecimento para interferir na nossa
realidade e na nossa escola. Eu vim para Educação do
Campo muito com esse desejo de poder dar um retorno
para minha comunidade e de poder discutir a nossa re
alidade e de poder levar uma proposta nova. Acho que a
Educação do Campo, ela acaba nos possibilitando isso.
Então, eu acredito que essa formação na Educação do
Campo, ela vai nos dar essa base para entendermos
nossa realidade e poder trabalhar nela, assim como
fazer uma escola diferenciada (Estudante João Carlos,
Curso de Licenciatura em Educação do Campo, 2016)
64
na cidade também. Mostra que a licenciatura hoje tem
a Educação Básica como esse grande arcabouço de es
tudo, de pesquisa e de extensão, não só para pesquisar,
mas para procurar alternativas de intervenção, que é a
grande questão.” (Coordenadora do Curso de Licencia
tura em Educação, 2016).
65
entendimento de Caldart (2015, p. 118), quando observa em seus estudos que
“a tarefa da transformação da escola é prática, não se resolve pela teoria, por
que implica em entendimento prático do que fazer e como fazer. Mas se trata
de uma prática que não se realiza sem teoria”.
Essas formulações podem ser ampliadas com o que dizem os sujeitos entrevis
tados nos próximos depoimentos, salientando as contribuições da formação
propiciada pela LEdoC no Campus da UFPA/Cametá:
66
cessos administrativos dos municípios. Esse é o papel
dos docentes para sensibilizar também a administração
pública, que possam assumir esse processo da educa
ção voltada realmente a essa escola rural e à escola do
campo, mas a gente sabe as dificuldades que vão acon
tecer. Mas eu não vejo que isso vai resolver o problema,
eu não entendo que seja isso. Mas a gente vai criando
uma expectativa no povo do campo e a gente não dá
conta disso, mas acredito que se tivermos uma parceria
com administrações dos municípios, a gente vai poder
construir esse conhecimento científico das ciências na
turais inserido nesse processo da Educação do Campo
e no campo.” (Estudante José Dias, Curso de Licenciatu
ra em Educação do Campo, 2016).
67
porque o transporte para esses professores irem até as
escolas é dificultoso, nem sempre tem transporte, ele pre
cisa se virar muitas vezes de alguma outra forma para po
der conseguir chegar até a localidade. A própria questão
da sazonalidade das chuvas que afeta muito, e até da fal
ta de formação mesmo para os professores. Então, acre
dito que se faz necessária uma formação mais voltada
para a interdisciplinaridade mesmo, inclusive envolvendo,
fazendo as formações, mas fazendo-a voltadas lá dentro
da comunidade, envolvendo os próprios moradores, en
volvendo não só a comunidade escolar, mas todos os su
jeitos da comunidade, em que o professor possa sempre
relacionar com a prática junto com os alunos. Em meu
ponto de vista, isso pode ser um caminho para pensar
mos a escola do campo.” (Docente Paulo José, Curso de
Licenciatura em Educação do Campo, 2017).
Convém ressaltar que, por meio do processo formativo ofertado pelo curso,
identifica-se na prática docente diferenciada o compromisso político e social
com uma prática engajada e em sintonia com um currículo representativo das
experiências dos próprios sujeitos do campo. Damos ênfase ainda para o ponto
em que tratamos da necessidade de o poder público assumir a responsabilida
de com as escolas localizadas nas comunidades rurais, pois a formação dos
educadores e educandos não pode ser pensada isoladamente, mas integrada
ao compromisso político e administrativo assumido pela gestões federal, esta
dual e municipal de garantir aos sujeitos do meio rural o direito de estudar em
uma escola pública do campo de qualidade.
68
Outro ponto de destaque nos depoimentos sobre a formação da LEdoC se ex
pressa no sentido de superar a fragmentação da teoria e da prática existente no
contexto das escolas rurais. No entanto, alguns fatores (professores que não
residem nas comunidades, dificuldades de acesso às comunidades, transporte
escolar escasso e precário, excesso de carga horária e a falta de tempo para
uma organização mais efetiva do trabalho) têm dificultado a execução de uma
pedagogia articulada com a vida dos estudantes e sintonizada com a realidade
concreta das comunidades. Em que pese tais dificuldades, a docente da LE
doC observa que a interdisciplinaridade é um dos caminhos para a superação
dessa fragmentação do conhecimento, e que o percurso formativo proposto é
responsável pela formação de educadores como intelectuais orgânicos para
compreenderem que escola-comunidade-saberes/práticas culturais compõem
o tripé da efetiva materialidade das ações educativas e da afirmação de políti
cas públicas que reconheçam a identidade das escolas do campo.
Caldart (2011, p. 104), em seus estudos sobre a formação por área de conhecimen
to, contribui com os seguintes questionamentos: “O que seria de fato uma forma
ção por área de conhecimento? Quais os elementos que a diferenciam de uma for
mação específica e disciplinar? E como operacionalizá-la efetivamente nas aulas?”.
69
A iniciativa dos cursos de Licenciatura em Educação do Campo foi a de apresen
tar ao MEC/SECADI e às universidades um curso que viesse a se desafiar com
uma proposta de formação que transcendesse a visão dicotômica estabelecida
pelo currículo ainda hegemônico nas escolas básicas e nas universidades. A
LEdoC ofertada pelo Campus da UFPA/Cametá materializou a proposta de uma
experiência formativa para que os sujeitos envolvidos com o curso pudessem
olhar sua realidade em primeiro lugar e identificar que os conhecimentos não
estão separados, mas articulados e indissociáveis. Trazemos como ponto de
reflexão entrevista que retrata essas colocações:
70
Esse conhecimento, porém, ele vai ser importante nesse
processo, como é fazer com que o aluno aprenda isso,
mas que ele aprenda de maneira que venha a significar
que esse conhecimento tenha significado por ele. Se eu
tiver trabalhando, no caso, biologia e achar que aquele
conteúdo pode ser trabalhado só em biologia, eu vou es
tar limitando esse aluno a não ter outras possibilidades,
e sendo que o aluno, ele pode criar várias possibilidades.
Então, eu não vou limitar esse aluno, eu vou deixar ele ir
além. Então, o curso, ele traz isso de bom para nós, de
pensar uma nova perspectiva de educação onde nós dei
xamos o aluno criar, inovar e associar os conhecimentos
que ele traz e o conhecimento que ele aprende na escola.
Dessa forma, é possível pensarmos as diferentes áreas
do conhecimento.” (Estudante Maria do Espirito Santo,
Curso de Licenciatura em Educação do Campo, 2016).
Caldart (2011, p. 107) reitera que a docência por área busca incitar a organiza
ção do coletivo de educadores e o trabalho curricular de forma integrada na
perspectiva interdisciplinar, no sentido de romper com as dicotomias estabele
cidas pelo sistema capitalista e pelos ajustes da formação disciplinar, que era
e ainda é instrumentalizada pela concepção de uma pedagogia da hegemonia,
fragmentando cada vez mais a relação do ensino com o trabalho e da teoria
com a prática. A seguir, apresentamos o depoimento de uma docente que traz
um conjunto de reflexões acerca das possibilidades e das dificuldades de de
senvolver seu trabalho docente com enfoque interdisciplinar a partir das áreas
de conhecimento ofertadas pela LEdoC da UFPA, Campus de Cametá, cuja
ênfase é em Ciências Agrárias e da Natureza.
71
grande trabalhar isso, essa interdisciplinaridade na verda
de das disciplinas, porque precisa de um planejamento
coletivo, precisa de um acompanhamento pedagógico co
letivo, também um acompanhamento pedagógico onde a
equipe sempre seja a mesma, para facilitar, na verdade, a
compreensão e a melhorar as reformulações.
72
econômicos e naturais. Portanto, trabalhar todos esses conhecimentos de
forma integrada representa um desafio que pode ser superado pelo planeja
mento coletivo e o acompanhamento permanente das ações pedagógicas.
Sobre a integração dos conhecimentos na área de Ciências Agrárias e da
Natureza, faz jus ao seu processo formativo, uma vez que tem graduação em
Biologia e pós-graduação nas áreas de Física e Química. Assim, afirma que
sua formação lhe possibilita dialogar com a Biologia, a Química, a Física e
também com as Ciências Agrárias, ressaltando que a integração curricular
é viável e possível do ponto de vista da produção do conhecimento e de sua
relação com a realidade vivida pelos sujeitos sociais em suas comunidades.
73
A gente percebe que essa questão, no geral, a maioria
dos professores, eles têm uma unidade nessa questão
da interdisciplinaridade, porque a maioria dos profes
sores tem essa preocupação, mas isso está bem sub
jetivo, assim, porque percebemos que a maioria faz
estas relações e procura passar para nós um trabalho
realmente dentro dessa perspectiva. Daí percebemos
que os professores deixavam de lado sua visão mais
conteudista. Mas teve aqueles que não trabalharam
dessa forma e aí percebemos que estes não acredita
vam no projeto do curso. Acredito que a interdiscipli
naridade é importante, porque, digamos assim, é uma
forma de se trabalhar de uma forma que não volte para
a questão do currículo fragmentado. Então, essa for
mação interdisciplinar é aquilo que a gente acredita,
e que parece que a escola não faz parte deste mundo
contextualizado, porque vejo que o mundo não é divi
dido. Dessa forma, então, é uma forma de a gente ver
o mundo como ele é, por isso a escola deve trazer o
mundo para dentro da escola e não trazer assuntos
que parece como um corpo estranho, totalmente des
ligado da realidade local. Então, quando a gente traz
essa visão para dentro da escola, a gente ajuda o alu
no a se perceber dentro da escola e perceber o mundo
dentro da escola (Estudante Antônia Maria, Licencia
tura em Educação do Campo, 2016).
74
[...] pela maneira disciplinar ligada a lógica do modo de
produção da ciência próprio do capitalismo (modelo po
sitivista de pensar o conhecimento, a ciência), que é ca
racterizado pelo isolamento e fragmentação: isolam-se
recortes e constituem-se campos epistemológicos para
produzir a ciência (CALDART, 2011, p. 109).
75
as problemáticas elencadas nos componentes curricula
res e como estão relacionadas no cotidiano deles. Para
mim, isso é interdisciplinaridade, por isso que afirmo que
depende muito de quem está à frente dessa construção,
desse processo, entendeu? De compreender como fazer
essa integração dessas áreas de conhecimento no con
texto da Educação do Campo, e mais, possibilitar a esses
estudantes, a partir das discussões em sala de aula, o
que ele vai perceber e como vai interagir na sua comu
nidade," (Docente Paulo José, Licenciatura em Educação
do Campo, 2017)
Fica evidente ainda que essas construções pedagógicas com enfoque inter
disciplinar dependem principalmente dos docentes e orientadores que estão
à frente do processo de formação inicial com os estudantes, visto que a prá
tica educativa nas escolas do campo será diferenciada à medida que os estu
dantes trocarem saberes em prol de uma formação diferenciada e sintonizada
com seus modos de vida. A esse respeito, Frigotto (2011, p. 50) argumenta:
76
no seu bojo não decorre de uma arbitrariedade racional e
abstrata. Decorre da própria forma de o homem produ
zir-se enquanto ser social e enquanto sujeito do conheci
mento social (FRIGOTTO, 2011, p. 35-37).
Considerações finais
Neste artigo, tratamos da política de formação dos educadores situada no
contexto de expansão da Educação Superior, visto que essas políticas es
tão atreladas às diretrizes formuladas pelos organismos multilaterais que
têm definido a perspectiva de formação e de atuação dos profissionais,
cujo direcionamento tem sido a formação aligeirada e ainda centrada em
uma racionalidade técnica e prática, para dar conta das demandas e neces
sidades do mercado de trabalho.
77
Dito isso, reafirmamos que nesse cenário de reivindicações o protagonismo dos
movimentos sociais locais aparece articulado ao Fórum Paraense de Educação
do Campo e ao Fórum de Educação do Campo, das Águas e das Florestas do
Território da Amazônia Tocantina, para pautar uma educação diferenciada para
os povos do campo, posicionando-se diante das políticas de exclusão, de vul
nerabilidade social e de precariedade da educação que tem sido ofertada nas
comunidades rurais, desde a Educação Infantil até o Ensino Médio. No entanto,
muitas conquistas foram sendo reveladas devido às lutas desses movimentos
sociais, entre as quais destacamos a aprovação do Curso de Licenciatura em
Educação Campo na UFPA, Campus do Tocantins, Cametá, como possibilidade
de ingresso de homens e mulheres do campo na Educação Superior.
78
Quanto às potencialidades, tratamos da LEdoC como espaço para acúmulo de
forças na conquista de novas políticas públicas, dando destaque, neste caso, às
contribuições dessa Licenciatura na construção da escola do campo. O destaque
se deve também à forma como a LEdoC tem-se reconfigurado ao ser pautada por
outra lógica de Organização do Trabalho Pedagógico, vinculada aos saberes, tem
pos, identidades e memórias dos sujeitos do campo. Enfatizamos que é preciso
avançar para outra concepção de escola, diferenciada da que é produzida pelos
padrões hegemônicos do sistema capitalista, cuja lógica de ensino se propaga
pela acumulação flexível e pelo imediatismo do trabalho. Diante disso, afirmamos
que é preciso transformar a escola existente, que ainda se apresenta como ru
ral, seriada, multisseriada, urbanocêntrica, com condições precárias, professores
sem formação superior ou com formação aligeirada e com contratos temporários
de trabalho. Nesses pilares da escola rural, não cabe a diversidade dos povos do
campo, das águas e das florestas, por isso os sujeitos coletivos do campo lutam
pela complexa transformação da escola que existe.
80
CORREIA, D. M. das N.; BATISTA, M. do S. X. Alternância no Ensino Superior: o
campo e a universidade como territórios de formação de educadores do cam
po. In: ROCHA-ANTUNES, M. I.; MARTINS, M. de F. A.; MARTINS, A. A. (org.).
Territórios educativos na Educação do Campo: escola, comunidade e movi
mentos sociais. Belo Horizonte: Autêntica, 2012.
81
N
U
N
WA
V
NA
NN
Construindo um caminho:
potencialidades e riscos na
Licenciatura em Educação do
Campo da UFT - Tocantinópolis
Ubiratan Francisco de Oliveira¹
Rejane Medeiros²
Maciel Cover³
Introdução
Criados no Brasil a partir dos anos 2000, os cursos de Licenciatura em Educa
ção do Campo (LEdoCs), com uma proposta de formação de professores que
atenda às demandas e especificidades das populações do campo brasileiro,
desafiam-nos a sistematizar a experiência para aprender com seus acertos e
erros, na perspectiva de aprimorar a prática educativa das instituições e agen
tes envolvidos. O texto que ora apresentamos se orienta no esforço de análise
proposto em pesquisa sobre as políticas de Ensino Superior no Brasil da Rede
Universitas, que, no âmbito do Subgrupo-7, objetiva compreender a expansão
do Ensino Superior no campo brasileiro, com olhar especial para as Licencia
turas em Educação do Campo.
84
fenômenos ocorridos em cada licenciatura desta pesquisa e suas relações
contraditórias ou não com a totalidade que os cerca. A totalidade não é a soma
das partes do objeto em estudo, mas sim as relações entre elas e com o con
junto que as forma (SANTOS, 2008).
Os desafios diante da estrutura conservadora das IFES voltada para uma for
mação mercantilizada são elementos de análise da pesquisa, principalmente
neste momento de institucionalização das Licenciaturas em Educação do
Campo. Molina (2015) nos apresenta algumas das questões que são estrutu
rantes de nossa pesquisa:
85
porém um curso contra-hegemônico diante das forças conservadoras, um cur
so que teve origem na luta do movimento campesino por terra e território. Suas
potencialidades e suas fragilidades devem ser analisadas em face de fenôme
nos específicos e gerais que dão conta de sua totalidade como um curso supe
rior na universidade e no Brasil. As análises não podem deixar de lado o contex
to do curso na luta de classes e o trabalho como princípio formativo.
O perfil dos docentes e dos discentes que nele ingressam é elemento funda
mental para que seus propósitos sejam alcançados. A relação com os movi
mentos sociais é preceito básico para uma licenciatura que foi gerada a partir
da luta desses movimentos por uma educação libertadora e comprometida
com suas causas. Por fim, um projeto político de curso deve refletir tudo isso
e apontar os rumos a serem tomados para o cumprimento de seus propósitos.
86
com perfil em etnomusicologia e 1 docente de Letras. Das vagas destinadas
às Artes, 1 não foi preenchida por falta de candidatos inscritos no concurso.
O grupo inicial de 6 docentes ficou responsável por planejar o início das ati
vidades e elaborar o Projeto Político do Curso (PPC), contudo o prazo para a
aprovação no Conselho Superior estava se encerrando, levando em considera
ção que já estávamos em novembro de 2013, e no primeiro semestre de 2014
deveria iniciar-se a primeira turma. Foi elaborado um PPC com problemas no
aprofundamento teórico-metodológico do projeto a ser construído, principal
mente no que se refere à Alternância Pedagógica e à formação por Áreas de
Conhecimento. A instituição orientou o colegiado a ir reformulando a proposta
à medida que o colegiado fosse se consolidando com as aulas e a chegada
dos demais docentes. Na pressão do tempo, o PPC foi aprovado com as lacu
nas a serem resolvidas na Alternância Pedagógica e na formação por Áreas de
Conhecimento (Artes e Música).
87
Em 2016 o colegiado completou o quadro de professores efetivos com a entrada
de 1 de Artes e 2 de Música, sendo um deles via concurso público e uma outra
por remoção da LEdoC do Campus de Arraias para Tocantinópolis. Apesar do
pouco tempo de existência, a rotatividade de docentes tem sido um elemento a
ser considerado no desenvolvimento do curso, pois foram 6 substituições nesse
processo de consolidação dessa graduação na universidade. Isso teve muitas
implicações na reformulação do PPC, na implantação da Alternância Pedagó
gica e na construção de um consenso em torno da formação por Áreas de Co
nhecimento, que pode ser considerado o ponto de maior polêmica no colegiado.
1) A alta rotatividade de docentes pode ser lida como uma situação de risco ao
andamento do processo de consolidação do curso dentro dos padrões apresen
tados pela proposta original;
88
1.2 Processo de entrada de discentes
Seguindo a orientação do edital, nos três primeiros anos do curso (2014, 2015
e 2016) a UFT ofertou 120 vagas por ano. Em 2016 foram ofertadas 50 vagas
e em 2017, 60 vagas. A seleção dos cursistas tem sido feita por processo
seletivo específico para a Educação do Campo, realizado pela Comissão Per
manente de Seleção da UFT. O edital é aberto para candidatos com o Ensino
Médio concluído ou em vias de conclusão. A política de cotas da UFT prevê,
em todos os seus processos seletivos de entrada, a reserva de 5% das vagas
para indígenas e 5% para quilombolas.
Contudo, ficou negociado que definiríamos o perfil das provas, que o tema fosse
relacionado à Educação do Campo e as questões orientadas por temas relativos
ao campo, com obras literárias condizentes com a realidade e a cultura da região.
O primeiro vestibular, realizado em 2014, contou com 428 inscritos (16 indíge
nas, 5 quilombolas, 3 na cota de negros e 94 na cota socioeconômica), tendo
sido 103 aprovados, mas somente 75 efetivaram suas matrículas. Foi conside
rado um processo seletivo de alta demanda, que superou as expectativas da
universidade diante das baixas entradas nos cursos de licenciatura da institui
ção. Contudo, o número de indígenas, quilombolas e negros inscritos no siste
ma de cotas e que foram reprovados chamou a atenção. Reuniões foram reali
zadas para se refletir sobre a questão. Outros fatores foram avaliados também
após o primeiro vestibular: o acesso da população do campo à internet para
fazer a inscrição, os documentos e questionários exigidos para os estudantes
em situação de vulnerabilidade socioeducacional.
89
em educação indígena do Campus de Araguaína, foi solicitado à COPESE que
as avaliações de redação, item que gerou a maior parte das reprovações de indí
genas e quilombolas, fossem corrigidas pelos profissionais da etnolinguística.
Essa foi uma das alterações feitas para o processo seletivo de 2016 em relação
aos candidatos indígenas, fato inédito na universidade e uma demanda levanta
da pelos povos indígenas e pesquisadores da área havia mais de uma década.
Com 190 inscritos, 10 dos 22 indígenas foram classificados, e dos 16 quilombo
las inscritos, 6 foram classificados. A mudança surtiu efeito, porém ainda foram
poucos os que efetivaram as matrículas e destes, a evasão indígena ainda é um
grande gargalo da LEdoC. Quanto aos quilombolas, também houve pouca efeti
vação de matrículas, porém a evasão é nula.
90
7) Apesar de o processo seletivo ter possibilitado a entrada de discentes do
campo, houve uma variação grande entre as turmas no que se refere à parti
cipação de discentes oriundos do campo. As habilitações em Artes e Música
têm atraído jovens das cidades ligados a movimentos artísticos de igrejas e
comunidades de bairro. A necessidade de um processo seletivo especial para
o campo ainda é uma demanda a ser conquistada. No entanto, a possibilidade
de formar educadores do campo no campo e na cidade também pode ser vista
como ponto positivo, uma vez que muitas escolas da cidade vêm recebendo
crianças e jovens do campo e a atuação dos nossos egressos nessas escolas
pode fortalecer a construção de um currículo mais apropriado à realidade des
sas crianças e jovens. Além do mais, o MEC considera escolas do campo as es
colas de cidades que possuem quantidade expressiva de discentes do campo,
realidade marcante de todas as cidades da região do Bico do Papagaio;
91
1.4 Participação dos discentes na organicidade do curso
As dificuldades encontradas para conseguir alojamento e refeição para os
discentes no início do curso resultaram na abertura de edital de bolsa per
manência exclusiva para a Educação do Campo. Um levantamento realizado
na UFT verificou que havia bolsas sem uso na instituição e que atenderiam à
Licenciatura. O colegiado elaborou uma justificativa com base nos documen
tos do MEC sobre as condições socioeconômicas dos discentes do campo e
a necessidade de programas específicos de assistência estudantil para esse
público. A partir de então, os discentes se organizaram em grupos e passaram
a constituir suas moradias coletivas. Foi um processo de auto-organização
discente que pode ter contribuído muito com sua formação social, porém não
foi sistematizado e potencializado como princípio formativo da Educação do
Campo. É bom ressaltar que ainda passávamos por um processo de assimila
ção da proposta pedagógica em construção.
92
(ARROYO, 2011; CALDART, 2015). Trata-se de uma formação pensada para além
da escolarização, que vai em busca da autonomia político-pedagógica do edu
cador e da educadora do campo. São educadores e educadoras entrelaçados
por territórios diversos dos povos do campo com suas realidades distintas, seus
saberes, seus sabores, suas relações com a natureza mediadas pelo trabalho.
93
Os desafios de trabalhar a formação por áreas de conhecimento são vários.
Pode ser destacada a dificuldade de se pensar a partir da transdisciplinaridade,
como a área de conhecimento exige, segundo Rodrigues (2010, p. 104): “a difi
culdade de pensar e agir como área em contraponto à formação disciplinar dos
educadores responsáveis por planejar e conduzir as práticas” é um problema a
ser superado. Outra dificuldade diz respeito ao caráter conteudista da formação
disciplinar, modelo de ensino que vem com uma receita de conteúdos a serem
“aplicados”, sem os quais o discente não adquire conhecimento “suficiente” para
ser um “bom professor” ou “boa professora”. Muitas vezes os conteúdos partem
de uma realidade distante e abstrata da vida dos alunos e alunas do campo, con
teúdos que por muito tempo contribuíram para o processo de subalternização
dos povos do campo e minorias, por seu caráter colonizador (ARROYO, 2014).
94
de música orientado por uma linha conservadora e elitista, a LEdoC possibilita
a democratização do acesso a esses cursos para uma população que tem a
música e a expressão corporal e oral na sua cultura, porém desconsiderada
nos padrões da academia conservadora.
Considerações finais
A pesquisa realizada na Licenciatura em Educação do Campo - Artes e Música,
da Universidade Federal do Tocantins, Campus Tocantinópolis, buscou anali
sar os processos seletivos de discentes e docentes tomando por base os res
pectivos editais, o PPC e as atas de reunião do NDE e do Colegiado, conside
rando ainda a experiência de cada pesquisador no processo de consolidação
do curso. Aqui pesquisador e objeto de pesquisa se misturam, como acontece
em uma pesquisa participante (BRANDÃO, 2008), com o intuito de contribuir
para a transformação da realidade pesquisada, como ocorre na pesquisa-ação
(THIOLLENT, 2011). É um desafio que exige postura autocrítica permanente,
pois estamos pesquisando nossas próprias práticas pedagógicas, nossas
ações e intervenções nos processos de ensino e aprendizagem, e nesse senti
do o risco da “autoproteção” é uma realidade.
95
1) As 5 turmas em andamento, somando mais de 250 discentes, fato que com
prova a existência de demanda pela formação de educadores para o campo;
96
1) O Processo Seletivo Especial para a Educação do Campo ainda é um grande
desafio, pois, apesar dos avanços no sentido de garantir sua realização, ame
açada com o ingresso na UFT pelo SISU, ainda temos de melhorar o processo
para garantir o maior número possível de discentes do campo, como estabelece
a Política Nacional de Educação do Campo (Decreto 7.352/2010);
2) Por mais que a rotatividade dos docentes tenha essa face de risco, apresen
ta-se uma outra face, a da oportunidade, em razão de uma possível oxigenação
de ideias que novos docentes podem trazer, tendo-se o devido cuidado para não
desvirtuar a proposta original do curso nos parâmetros construídos pelo con
junto de atores que compõem o cenário da Educação do Campo;
3) Por fim, o compromisso assumido e não atendido pela UFT de oferecer infra
estrutura básica, como alojamento e refeição para os discentes, além das difi
culdades encontradas para acesso à bolsa permanência, o que só foi obtido no
início do curso para todos os discentes, mas a queda do orçamento no período
pós-golpe de 2016 vem afetando o atendimento aos alunos e alunas para quem
esses benefícios são imprescindíveis.
97
Referências
ARROYO, M. Currículo, território em disputa. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.
______. Outros sujeitos, outras pedagogias. 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 13. ed. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra, 1987
.
______ . Pedagogia da esperança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
98
LUKÁCS, G. Para uma ontologia do ser social. Volume 1. São Paulo: Boitempo, 2015.
99
cação do Campo, artes e formação docente. Palmas: EDUFT, 2016, v. 1, p. 105-122.
OLIVEIRA, A. U. de. A geografia das lutas no campo. São Paulo: Contexto, 2002.
100
101
Potencialidades da Licenciatura em
Educação do Campo na UNIFESSPA:
acesso e permanência dos povos do
campo na Universidade e a
interdisciplinaridade como
projeto formativo
Maura Pereira dos Anjos1
Introdução
Este artigo é parte constituinte dos resultados da pesquisa intitulada "Análise da ex
pansão da Educação Superior - riscos e potencialidades na expansão das Licencia
turas em Educação do Campo", desenvolvida pelo Subprojeto 7: Educação Superior
e Educação do Campo, da Rede Universitas/BR, e integrante da pesquisa "Expansão
da Educação Superior no Brasil", financiadapelo Observatório da Educação da Coor
denação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
102
O referencial teórico-metodológico utilizado compõe-se de estudos produzidos
pela Rede Universitas sobre Educação Superior e Educação do Campo, ancorados
no Materialismo Histórico Dialético, buscando dialogar com as categorias contra
dição, dialética e historicidade para analisar a implementação dessa política.
³Compuseram a amostragem selecionada pela pesquisa: Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará
e Universidade Federal do Pará (Campus de Cametá) na região Norte; Universidade Federal do Tocantins
(Campus de Tocantinópolis) e Universidade de Brasília na região Centro-Oeste; Universidade Federal de
Santa Catarina e Universidade Federal da Fronteira Sul na região Sul; Universidade Federal de Viçosa e
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro na região Sudeste; Universidade Federal do Recôncavo da
Bahia e Universidade Federal do Maranhão (Campus de Bacabal) na região Nordeste. Um dos critérios
utilizados na seleção foi a representatividade de dois cursos em cada região brasileira.
103
em Educação do Campo (PROCAMPO), com os impactos na ampliação do
quadro de docentes e discentes para atender ao Edital de 2012. Em 2016,
também como estratégia metodológica de pesquisa, foram realizadas entre
vistas com docentes sobre a concepção de interdisciplinaridade e a relação
com a estratégia de formação por área de conhecimento. Para os fins deste
artigo, as entrevistas serão identificadas por letras aleatórias do alfabeto,
sem identificação dos sujeitos. O critério para a seleção dos docentes en
trevistados considerou os primeiros concursados e os que participaram da
construção do Projeto Político Pedagógico. As entrevistas com os discen
tes foram realizadas na universidade pelas pesquisadoras com estudantes
integrantes de movimentos sociais e da coordenação do Centro Acadêmico
de Educação do Campo, inseridos na vivência coletiva de organicidade.
104
como estruturante da Educação do Campo e apresenta quatro questões
relacionadas para compreendê-la.
105
educacional brasileira. [...] Luta por políticas ou me
didas específicas em função de uma desigualdade
histórica no atendimento aos direitos sociais da po
pulação trabalhadora do campo (camponeses, assala
riados rurais, “povos tradicionais”), [...]. A perspectiva
de lutas comuns no plano do direito humano à edu
cação trouxe junto uma necessidade/possibilidade de
comunicação e cooperação entre práticas educativas
diferenciadas que também se colocam no plano do di
reito: direito de desenvolver estas práticas e de que
sejam respeitadas e reconhecidas na sua diversidade.
[...] Entendemos que nessa novidade histórica está a
definição principal da especificidade da EdoC e, ao
mesmo tempo, sua associação às lutas históricas do
conjunto das classes trabalhadoras do país, de todo
mundo (CALDART, 2015, p. 1-2).
106
nado na sociedade capitalista. A instrução pública é a concepção defendida
de educação no neoliberalismo, desvinculada da formação intelectual crítica.
No sudeste do Pará, a especificidade das culturas dos povos indígenas, dos qui
lombolas e dos camponeses, bem como os processos de expropriação da Ama
zônia na expansão capitalista produziu lutas específicas para garantia dos terri
tórios. A Educação do Campo tem possibilitado constituir uma pauta comum eo
reconhecimento da luta por políticas públicas em sua forma e conteúdo.
No cenário nacional, após pressão dos movimentos sociais, foi criado um gru
po de trabalho na Coordenadoria de Educação do Campo criada no MEC/SE-
CADI em 2004, no qual se constituiu a Licenciatura em Educação do Campo
para o atendimento das demandas e necessidades da formação de educado
res para os povos do campo. Em 2007 fizeram parte da experiência-piloto a
Universidade de Brasília (UnB), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),
Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Universidade Federal de Sergipe (UFS).
107
Educação do Campo era ter a área de conhecimento como estratégia pedagó
gica para a construção de práticas interdisciplinares tanto no âmbito universi
tário como sua fomentação nas escolas do campo.
108
Potencialidades e riscos apontados pela pesquisa
na UNIFESSPA
Ao longo dos últimos vinte anos, os esforços empreendidos pelos movimen
tos sociais do campo no sul e sudeste do Pará, em parceria institucional com
a UFPA e, a partir de julho de 2013, com a recém-criada UNIFESSPA, têm re
sultado em um conjunto de ações de ensino, pesquisa e extensão no campo
das licenciaturas e das ciências agrárias. Tais ações foram financiadas desde
1998 pelo Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA), e
a partir de 2012, pelo Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura
em Educação do Campo (PROCAMPO), para a implementação de políticas de
Educação do Campo instituídas no interior da universidade pública.
4O Reuni, criado pelo Ministério da Educação, promoveu a expansão do Ensino Superior em dez anos,
a partir de 2008, com a ampliação de vagas na Educação Superior, nos cursos de graduação. Permitiu
também o ingresso de 680 mil alunos a mais nos cursos de graduação. Suas ações previam, além do
aumento de vagas, a ampliação ou abertura de cursos noturnos, o aumento do número de alunos por
professor, a redução do custo por aluno, a flexibilização de currículos e o combate à evasão (Fonte:
reuni.mec.gov.br/). Há inúmeras críticas a esse programa, das quais não trataremos neste artigo.
109
O acesso e a permanência na Licenciatura em Edu
cação do Campo: Processo Seletivo Especial e a di
versidade de povos do campo
Com a formação por áreas do conhecimento para o atendimento da deman
da de educação para as populações camponesas em Alternância Pedagó
gica, a Licenciatura em Educação do Campo já apresenta em si um grande
desafio, o do acesso à universidade, e para enfrentá-lo foi concebida uma
seleção diferenciada orientada por Processo Seletivo Especial (PSE).
110
Figura 1: Distribuição geográfica dos estudantes da UNIFESSPA
Fonte: MUNIZ; REIS; COSTA; VIEIRA, FECAMPO/UNIFESSPA, 2017. Elaboração: LANTEC-UFSC, 2019.
111
Figura 2: Distribuição geográfica dos estudantes da UNIFESSPA
Fonte: MUNIZ; REIS; COSTA; VIEIRA, FECAMPO/UNIFESSPA, 2017. Elaboração: LANTEC-UFSC, 2019.
112
curso, ou seja, haverá licenciados em Educação do Campo nas diversas áreas
do conhecimento em um território vasto.
Há ingressos de turmas regulares desde 2009, mas ao longo dos anos 2014 e
2016 ingressaram 120 estudantes/ano, resultando no acréscimo de 360 estu
dantes. A Faculdade de Educação do Campo (FECAMPO) se tornou a maior da
UNIFESSPA em número de alunos, com vinte e cinco professores e três técnicos
de apoio administrativo, admitidos em concursos públicos (UNIFESSPA, 2017).
5No PPC do curso, a nomenclatura adotada foi Tempo Espaço Universidade e Tempo Espaço Locali
dade. Neste trabalho adotaremos os termos Tempo Universidade e Tempo Comunidade, como tem
sido designado no cotidiano do curso.
113
Esse problema não é específico da Licenciatura em Educação do Campo e
representa um limite desde a expansão do Ensino Superior, que aumentou o
quantitativo de estudantes e cursos sem a construção de infraestrutura de
sala de aula, laboratório e biblioteca na mesma proporção. Nessa estratégia
utilizada na constituição do PROCAMPO não foram previstos recursos para
montar a infraestrutura necessária para os que ingressam na universidade.
6A organicidade é parte do processo formativo dos estudantes no curso. Está fortemente ligada
à pedagogia dos movimentos sociais, principalmente do MST, como parte do processo formativo
e organizativo instaurado em núcleos de base que participaram do planejamento, da realização e
da coordenação das atividades desenvolvidas nos processos de luta e reivindicação, como prática
educativa desde o acampamento. Foi a partir do trabalho formativo da organicidade que se consti
tuíram as regras de convivência coletiva e as estratégias de permanência e formação. Foram parte
integrante da Educação do Campo desde os cursos implementados pelo Pronera. Pelos limites do
artigo, não aprofundaremos esse ponto no presente trabalho.
114
criação da Licenciatura em Educação do Campo busca romper estigmase lógicas
que desprestigiam a existência desses povos. A luta também surge para dar visi
bilidade às políticas públicas educacionais, às lutas e problemáticas vivenciadas
por eles. A Educação do Campo traz a interdisciplinaridade como matriz forma
dora para contribuir na luta pelos territórios e na compreensão dos processos de
desterritorialização de que são ameaçados, instrumentalizando-os na resistência
à realidade social conflituosa em que vivem, contribuindo em processos educa
tivos que buscam eleger essas temáticas como fontes de aprofundamento de
estudo. No próximo tópico, discutiremos como os docentes que estavam refor
mulando o Projeto Político Pedagógico e o curso compreendiam esse princípio.
115
Segundo a autora (2010, p. 142), a interdisciplinaridade é um eixo estruturante dos
cursos e a pers¬pectiva de transformação das escolas do campo, com a intenção
de “corrigir possíveis erros e a esterilidade acarretada por uma ciência excessiva
mente compartimentada e sem comunicação entre si. [...] a crítica à fragmenta
ção é quase tão antiga quanto ela mesma”.
116
realidade social que é, ao mesmo tempo, una e diversa e
na natureza intersubjetiva de sua apreensão, caráter uno
e diverso da realidade social no impõe distinguir os limites
reais dos sujeitos que investigam, dos limites do objeto in
vestigado (2008, p. 43-44).
Para Caldart (2010, p. 156), o curso tem como finalidade educativa um projeto
que aponte a emancipação e formação humana em todas as suas dimensões
(cognitivas, afetivas, artísticas, sociais, etc.). Além disso, tem como tarefa “a
preparação de educadores para uma escola que ainda não existe, no duplo
sentido de que ainda precisa ser conquistada e ampliada quantitativamente
no campo, e de que se trata de construir uma nova referência de escola" (CAL
DART, 2010, p. 134). Esse projeto formativo consiste em
117
um discurso oficial em termo de educação. Por exemplo,
interdisciplinaridade, que é uma crítica à fragmentação
das ciências, uma compreensão atomizada da realidade.
[...] A realidade por caixinha [...] Então, a interdisciplina
ridade como princípio educativo tem, de um lado, essa
crítica e também chega até na ponta, que é o processo
de socialização do saber através da escola. [...] Então,
isso já era uma crítica, visando uma educação libertado
ra [...] e que passa a ser assumido pelo discurso oficial
(S., entrevista concedida em 19/1/2016).
118
ainda não é das escolas. É de construir uma escola, de
pensar uma escola que está posta, porque a gente consi
dera que a forma que ela está posta, separada em caixi
nhas, não é a melhor forma. Então, a área de conhecimen
to é uma perspectiva totalmente interdisciplinar, e está
em construção porque para o curso ser considerado de
fato interdisciplinar, nós tínhamos que ter as quatro áreas
do conhecimento dialogando e planejando as atividades
juntos e nós não conseguimos. O que a gente consegue
é pensar a interdisciplinaridade dentro da área que atua
mos (M. S., entrevista concedida em 22/1/2016).
119
As concepções dos docentes se assemelham na perspectiva da necessida
de de pensar a integração entre as disciplinas, pois compreendem que a in
terdisciplinaridade extrapola o próprio conceito de área de conhecimento.
Concordam sobre a necessidade do diálogo entre as diferentes áreas de co
nhecimento, para que de fato se concretize a interação não apenas entre as
disciplinas, mas também entre as áreas.
120
que ser convergentes com as matrizes culturais desses po
vos e com as outras áreas de conhecimento. [...] As lingua
gens atravessam todos os campos, as artes se atravessam
em todos os campos. O que não pode é compreender as
linguagens como um fenômeno também estático, que não
se transforma (H. P., entrevista concedida em 4/2/2016).
121
como referências as pesquisas socioeducacionais realizadas pelos estu
dantes no curso sobre a problemática agrária e a diversidade dos povos do
campo na luta pela permanência nos territórios conquistados. Essa proble
mática educacional deve também fazer parte da seleção de conteúdos nas
diferentes áreas de conhecimento.
Conforme Sacristán (1998),
122
Nesse sentido, ao refletir sobre interdisciplinaridade na Licenciatura em Edu
cação do Campo na UNIFESSPA, uma das questões que emergem é se as
concepções apresentadas se articulam com a materialidade histórica da re
alidade social e de problemas dessa realidade ou se consideram apenas a
relação com os conteúdos acadêmicos.
Considerações finais
A formulação do PROCAMPO como política foi estabelecida na relação do
Estado com os movimentos sociais organizados do campo, que participaram
do processo de elaboração e implantação, tendo como principal objetivo a
ampliação do direito de acesso ao Ensino Superior em instituições públicas
com financiamento público. As reivindicações partiram do direito instituído na
Constituição de 1988 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 9.394/1996,
que estabelecem a exigência do Ensino Superior para exercer a docência, bem
como a educação como direito e bem público.
123
rado na legislação brasileira. O direito de acesso ao conhecimento científico,
bem como à produção científica entendida como bem comum, são ameaça
dos permanentemente pelos processos de privatização do Ensino Superior e
mercantilização da produção do conhecimento. (MANCEBO, 2014).
Emrelaçãoàestruturaçãodeseuprojetoformativo,apropostapedagógicaapresen
ta a interdisciplinaridade como princípio e as áreas de conhecimento como estraté
gia pedagógica. Apesar das diferentes concepções dos docentes que compõem o
curso, a construção do trabalho pedagógico prevendo ações coletivas depende da
formação de um coletivo docente que tenha disponibilidade para essa construção.
124
tipo de formação não visa formar especialistas em determinadas disciplinas, mas
docentes que possam levantar propostas de formação nas escolas do campo.
Diante dos desafios e limites dessa política, é preciso ampliar os espaços de encon
tro, partilha e reflexão entre as universidades que vêm desenvolvendo os cursos,
integrando-se ainda aquelas com experiência no processo (ainda que não tenham
sidocontempladascom oEdital de 2012). Nesse sentido, as iniciativasde encontros
regionais, nacionais ou temáticos e grupos de pesquisa têm-se mostrado profícuas
possibilidades de diálogo, troca de experiências, unidade e fortalecimento do pro
jeto formativo, visando formular análises que auxiliem na compreensão da imple
mentação da LEdoC e contribuam com o fortalecimento da Educação do Campo.
125
Referências
BRASIL, Ministério da Educação. Edital SESU/SETEC/SECADi nº 2, de 31 de
agosto de 2012. Brasília: MEC, 2012. Disponível em: <http://portal.mec.gov.
br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=11569-minutae-
ditais-selecao-ifesifets-03092012&category_slug=setembro-2012-pdf&Ite-
mid=30192>. Acesso em: 27 fev. 2017.
126
SILVA, I. S. da; SOUZA, H. de; RIBEIRO, N. B. (org.). Práticas contra-hegemô
nicas na formação de educadores: reflexões a partir do curso de Licenciatura
em Educação do Campo do sul e sudeste do Pará. Brasília: NEAD/MDA, 2014,
316p.
127
128
Formação em alternância dos
educadores na experiência da
Licenciatura em Educação do
Campo na UNIFESSPA:
contribuições que incidem
nas escolas e comunidades
do campo
Introdução
O artigo se fundamenta nos resultados de uma investigação que subsidiou
tese de doutorado defendida no Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal do Pará (UFPA), que analisou as contribuições da Alter
nância para a Formação de educadores(as) referenciados(as) pelos princípios
da Educação do Campo (FARIAS, 2019).
129
A sistematização e análise dos dados reunidos durante a investigação evi
denciaram que as contribuições da formação em Alternância no Curso ofer
tado pela UNIFESSPA se efetivam em quatro eixos específicos, a saber:
³Criada pela Lei 12.824/2013, a UNIFESSPA constitui uma universidade multicampi, composta pelo
campus sede, localizado em Marabá, e pelos demais, localizados em Rondon do Pará, Santana do
Araguaia, São Félix do Xingu e Xinguara.
130
Contextualização histórica do sudeste do Pará, o
perfil dos educandos e as experiências do PRONERA
que contribuíram para a materialidade da Alternância
na LPEC/UNIFESSPA
A Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA)³ está localizada
na Amazônia paraense, numa região que historicamente se configura em meio
a um contexto social, político, econômico e cultural, permeado por conflitos de
interesses antagônicos, envolvendo os representantes do capital em suas di
versas instâncias, o Estado e os movimentos socais e sindicais que organizam
os trabalhadores do campo na luta pelo direito à terra. Trata-se de um território
que agrega tanto os camponeses de origem como os que vieram ocupar o terri
tório a partir da propaganda e do discurso oficial que circulou nos anos de 1970,
conclamando “homens sem-terra, para terras sem homens” (HÉBETTE, 2004).
131
O Relatório da CPT também informa que, de 1985 a 2017, ocorreram 46 massa
cres no campo, com um total de 220 mortes em todo o Brasil, e que o estado
do Pará também lidera esse ranking, com 26 massacres ocorridos em territó
rio paraense e 125 mortes no campo, do que se depreende que mais de 50% de
assassinatos em massacres no campo ocorreram no Pará (CPT, 2017).
Fonte: INCRA-SR27- MARABÁ - Painel de Assentamentos. Mapa produzido a partir dos Registros -
514 PAs. Original disponível em <http://www.incra.gov.br>. Atualização em: 21 ago. 2017.
Elaboração: LANTEC-UFSC, 2019
132
TOTAL DE PAs POR MUNICÍPIO
(SR 27 - INCRA-Marabá)
Número de
Código Município %
Assentamentos
1 Portel 1 0,2
2 Pacajá 18 3,5
3 Baião 12 2,3
4 Tucurí 10 1,9
8 Jacundá 1 0,2
11 Itupiranga 35 6,8
13 Marabá 77 15,0
15 Parauapebas 6 1,2
16 Curionópolis 3 0,6
20 Piçarra 11 2,1
21 Tucumã 1 0,2
23 Xinguara 17 3,3
26 Bannach 3 0,6
30 Redenção 11 2,1
133
Número de
Código Município %
Assentamentos
31 Conceição do Araguaia 35 6,8
Na grande maioria dos PAs da região, a política oficial de Reforma Agrária não
atende de forma satisfatória, ou seja, não vem acompanhada de políticas pú
blicas sociais, como saúde, habitação, saneamento básico e educação, e em
muitos assentamentos não existem escolas para atender aos assentados.
Essa é a realidade desafiadora em que muitos educandos da LPEC estão inse
ridos, de acordo com o relato a seguir: “o primeiro desafio é tentar conquistar
a escola para dentro da comunidade, porque no assentamento Paulo Fonteles,
onde eu milito, não temos escola para atender o trabalhador do campo, e quem
precisa estudar, tem que se deslocar para a escola que fica no meio urbano”
(Aline, educanda da LPEC).
134
Figura 3: Distribuição geográfica dos alunos da LPEC/FECAMPO/ICH/UNIFESSPA
135
Figura 4: Localização das comunidades de origem dos educandos das turmas
LPEC até 2016
Fonte: MUNIZ; REIS; COSTA; VIEIRA, FECAMPO/UNIFESSPA, 2017. Elaboração: LANTEC-UFSC, 2019.
136
Figura 5: Localização das comunidades de origem dos educandos das turmas
LPEC até 2016
Fonte: MUNIZ; REIS; COSTA; VIEIRA, FECAMPO/UNIFESSPA, 2017. Elaboração: LANTEC-UFSC, 2019.
137
Nos mapas da Figura 4, os assentamentos e/ou acampamentos da Reforma
Agrária estão representados nas áreas de cor cinza; as comunidades quilom
bolas aparecem em amarelo; as áreas de terras indígenas, na cor verde; e as
comunidades de rios estão representadas na cor azul. A partir dessas infor
mações, podemos constatar a riqueza, amplitude, complexidade e diversidade
das identidades socioculturais e territoriais dos estudantes da LPEC na UNI
FESSPA, composta por educandos de assentamentos de Reforma Agrária.
Muitos são filhos de agricultores camponeses que vieram para a região nos
processos de migração, outros são de povos que habitavam a região: indíge
nas de etnia Kayapó (ANJOS, 2015), quilombolas, ribeirinhos e trabalhadores
de diversas partes do Pará e de outros estados.
138
tido do que vem sendo construído na Educação do Campo,
no sentido de práticas de educação institucionalizadas. [...]
é preciso ter clareza de que o Curso de Licenciatura em Edu
cação do Campo é uma síntese das experiências anteriores
e que aquilo que a gente apresenta como proposta de Alter
nância Pedagógica é um produto dessa síntese (Evandro,
docente da LPEC).
139
Os Eixos Temáticos ajudam a alcançar os objetivos e princípios teóricos, prá
ticos e metodológicos que devem fundamentar a formação do educador, con
forme proposto no PPC (UNIFESSPA, 2014). Eles orientam os conteúdos, os te
mas, as discussões, os debates e as reflexões nas diversas práticas formativas
dos componentes curriculares ao longo de todo o Curso, e foram construídos a
partir do processo histórico de territorialização da região do sudeste paraense.
Como vimos, essa região é caracterizada pela luta constante dos camponeses
e demais povos do campo pelo direito à terra, ao trabalho, à educação, à saúde,
pela sobrevivência do posseiro na fronteira (GUERRA, 2001), luta dos sujeitos
coletivos por meio de ações contra o grande capital representado pelas frentes
de expansão (VELHO, 2013), pelo hidronegócio, pela hidromineração e pelas hi
droelétricas (MALHEIROS, 2014).
Etapas
Núcleo Eixos temáticos Alguns componentes curriculares
TEU
140
Organização Tempo/Espaço Universidade
Educação do Cam
po,
e Sustentabilidade
Territorialidade Etapa
VIII Socialização Pesquisa VII e Estagio Do
cência IV; Produção de TCCs
(Síntese)
Fonte: Quadro organizado por Farias (2019) a partir do PPC/LPEC/UNIFESSPA, 2014.
141
Quadro 3: Pesquisas Socioeducacionais dos Tempos/Espaços Localidade (TEL)
Produção Educacional a
Educação do Pesquisa Socioe
partir da Realidade das IV TEU
Campo ducacional I
Localidades
Pesquisa
cacional IV
Sociedu-
e Está- Saberes Escolares (Ob
servação no Ensino Fun- V TEU
Saberes, Cultu gio Docência I damental)
ra e Identidade
Pesquisa Sociedu
Cultura (Intervenção no
cacional Ve Está VI TEU
Ensino Fundamental)
gio Docência II
Pesquisa Socie
Específico nas ducacional VIe (Observação no
Ensino Médio)
Trabalho
VII TEU
Áreas de Estágio Docência
Conhecimento Sistemas III
(CHS, LL, CAN, Familiares de
Produção Pesquisa Socie
MAT) Trabalho e Juventude no
ducacional VIIe
Campo (Intervenção no VIII TEU
Estágio Docência
Ensino Médio)
IV
Educação do
Educação do
Campo, Terri
Campo, Territoria
torialidade e TCC
lidade e Sustenta
Sustentabilida
bilidade (Síntese)
de (Síntese)
Fonte: Elaborado Farias (2019) a partir dos dados PPC LPEC/ UNIFESSPA, 2014.
142
Alternância Pedagógica tem cumprido esse papel na
garantia dessa estratégia que é formar educadores pela
pesquisa, e uma pesquisa comprometida socialmente, o
Curso garante a pesquisa ação como possibilidade de in
tervenção na realidade socioeducacional dos sujeitos que
vivem e trabalho no campo. (Nilsa, docente de Letras).
143
Alternância Pedagógica na formação de educador:
contribuições que provocam transformações nas
escolas e comunidades do campo
Os momentos de construção das Pesquisas Socioeducacionais no Tempo/Espaço
Localidade possibilitam aos coletivos de educandos a materialização de propostas
curriculares que intencionam implementar práticas pedagógicas referendadas pelos
princípios da Educação do Campo e incidir na realidade das escolas e comunidades
nos diversos municípios de onde os estudantes se originam.
144
princípio educativo. Então, esses dois elementos, os
educandos, eles ao irem às comunidades fazer as pes
quisas, irem às comunidades realizar seus estágios,
suas atividades de intervenção, de ação a partir dos da
dos que eles levantam, analisam e interpretam. Isso tam
bém é a grande contribuição da Alternância Pedagógica
para a formação do educador. Na Licenciatura do Cam
po, há uma formação pela pesquisa, desde o início do
curso eles são colocados durante o Tempo Comunida
de há um exercício de produzir dados, manipular instru
mentos, pensar metodologias de pesquisa, de organizar
esses dados no Tempo Escola e debater esses dados,
então eles estão o tempo todo em exercício durante o
Tempo Comunidade (Evandro, docente da LPEC).
145
panhada de ações práticas na intenção da transformação de tal realidade. Marx
considera que os homens “são produtos de circunstâncias diferentes e de edu
cação modificada, que as circunstâncias são modificadas precisamente pelos
homens e que o próprio educador precisa ser educado” (MARX, 1999, p. 5) para
poder construir ações transformadoras. A modificação das circunstâncias das
atividades materiais do homem na sociedade só pode ser apreendida e racional
mente compreendida como prática transformadora, uma vez que a realidade da
essência humana é o conjunto das relações sociais não abstratas e faz parte de
uma forma determinada de sociedade historicamente constituída.
Para Gramsci a educação não serve apenas para defender os interesses hege
mônicos da burguesia dominante, pode também construir a contra-hegemonia
(WILLIAM, 1977) em favor dos interesses das classes subalternas, uma edu
cação que promove a emancipação do sujeito e passa a atuar na sociedade
de forma ativa a partir da participação nos processos políticos, econômicos e
culturais nos quais elas estão inseridas. Em Gramsci (1999) a filosofia da práxis
“não busca manter os simples na sua filosofia primitiva do senso comum. Ao
contrário, procura conduzi-los a uma concepção de vida superior” (p. 109) das
classes subalternas que podem construir processos educativos que contribuam
para “educar a si mesmas na arte de governar” (GRAMSCI, 1980, p. 99). Segundo
Semeraro (2000), o entendimento da filosofia da práxis em Gramsci é de que,
146
Quando se procura construir elementos que subsidiem a
epistemologia da práxis, toma-se o professor como um
sujeito histórico-social. Este, como trabalhador da educa
ção, necessita ter elementos teórico-metodológicos para
realizar sua atividade de forma crítica e politizada, levan
do em consideração as relações de poder desde o espa
ço da escola até o contexto mais amplo, a fim de interferir
na realidade. Em síntese, entende-se que a epistemolo
gia da práxis permite ao homem conformar suas condi
ções de existência, transcendê-las e reorganizá-las, pois
a dialética do próprio movimento transforma o futuro, e
essa dialética carrega a essencialidade do ato educativo.
147
A formação pela pesquisa na LPEC, na forma como se organizam as alternâncias
em sete Pesquisas Socioeducacionais nas escolas e comunidades do campo,
possibilita ampliação de referências nos povos trabalhadores do campo como
produtores de conhecimento, bem como muitos educandos se percebem como
produtores de conhecimento com os sujeitos do campo.
148
É na materialização da intencionalidade do Movimento de Educação do Campo pela
construção de políticas públicas de formação do educador que se pode contribuir
para a construção da escola do campo, no sentido de que ele possa construir práti
cas educativas contra-hegemônicas nas escolas e comunidades referenciadas nos
princípios que o Movimento defende. Essa é uma concepção de formação de edu
cador que difere do modelo de formação hegemônica, orientada pelos princípios do
capital propagado pelos organismos internacionais e que prima pela epistemologia
daprática. Segundo Duarte Neto (2010), essa modalidade de epistemologia “baseia
-se na compreensão de que o mundo resume-se às nossas impressões sobre ele,
às nossas vivências cotidianas” (p. 135). Ela se propõe a resolver problemas ime
diatos que a realidade apresenta, sem estabelecer relações com o contexto social,
político, econômico e cultural da sociedade de classes na qual estamos inseridos. É
desprovidade aprofundamentosteóricos que possam permitir ao profissional cons
truir uma visão de mundo crítica e política que questione o status quo social.
149
pode observar e questionar as práticas nas escolas do cam
po e ver como é que a gente pode agir nas escolas coletiva
mente, e a gente tem trabalhado com as pesquisas a partir
da realidade dos sujeitos (Nieves, educanda da LPEC).
Nesse sentido, “as experiências das práticas educativas dos educandos junto às
escolas procuram se sustentar no enriquecimento das experiências de vida dos
sujeitos do campo e na valorização humana” (BRASIL, 2004, p. 47). Nos dizeres de
Caldart (2012) e Freire (1997), trata-se de uma educação ligada à vida, que faz sen
tido. Como apontam os relatos dos educandos da LPEC, não ficam somente na
realidade social, cultural, política, organizativa, econômica dos sujeitos do campo,
mas referendam essa realidade e estabelecem relações com os conhecimentos
científicos nas diversas áreas de conhecimento.
Outro princípio que se evidencia nas práticas dos educandos da LPEC nas escolas
e comunidades do campo é o da valorização dos diferentes saberes no processo
educativo, ao levar em conta os conhecimentos dos sujeitos inseridos no contex
to escolar e das comunidades, valorizando-os nos trabalhos realizados em sala de
aula, num diálogo permanente com os saberes produzidos nas diferentes áreas
150
de conhecimento, não para terem um fim em si mesmo, mas para contribuir com a
melhoria da qualidade de vida das pessoas como instrumentos para a intervenção
e mudança de atitudes dos atores dos processos formativos.
O depoimento da representante do movimento social também expõe a contribui
ção da Alternância Pedagógica nas práticas educativas dos educandos da LPEC
que atuam na Escola Carlos Marighela no Assentamento 26 de Março, uma vez
que procuram construir a proposta da Escola em Movimento, visando incidir na
realidade da referida escola e das comunidades do campo a partir do momento
em que buscam pautar suas ações pelos princípios da Educação do Campo:
151
As práticas educativas construídas pelos educandos da LPEC nas escolas do
campo a partir das pesquisas do Tempo/Espaço Localidade contribuem para a
transformação dos processos formativos no momento em que, segundo Arroyo
(2013, p. 151), reconhecem que os “sujeitos sociais e suas experiências se afir
mam no território do conhecimento” em disputa com a perspectiva hegemônica
do currículo, quando organizam a Escola Carlos Marighela respeitando “os tem
pos do menino que mora na roça e ajuda o pai” (Maria Raimunda, MST).
Nesse sentido, Arroyo (2012) expõe diversas estratégias que a escola do campo
pode construir com o intuito de se orientar pelos interesses e necessidades dos
sujeitos que a adentram: “organizar as escolas, os currículos, os agrupamentos
respeitando a especificidade dos educandos em seus tempos humanos de forma
ção supõe superar essa organização solitária, segmentada do trabalho” (p. 733).
152
Desde o início, o Movimento de Educação do Campo prima pelo compromisso
com a cultura do povo do campo no sentido da valorização, do “resgate, da con
servação, recriação” (KOLLING et al., 1999) de uma educação que prime pelos
valores humanos, pela “memória histórica, educação para a autonomia cultural,
no sentido de o povo ser estimulado a produzir sua própria cultura, suas represen
tações, sua arte, sua palavra” (p. 37). Para o autor, as práticas curriculares preci
sam trabalhar a relação entre educação e cultura, procurando fazer da escola um
espaço de construção de culturas tanto dos educandos quanto da comunidade.
153
tes, posseiros, assentados, acampados, indígenas, ribeirinhos, quilombolas...
Assim, as práticas educativas dos educandos nas escolas e comunidades do
campo afirmam as culturas dos povos do campo nos seus territórios.
4O
Decreto 7.352/2010 dispõe: "Art 1º. [...] I - populações do campo: os agricultores familiares,
os extrativistas, os pescadores artesanais, os ribeirinhos, os assentados e acampados da Re
forma Agrária, os trabalhadores assalariados rurais, os quilombolas, os caiçaras, os povos da
floresta, os caboclos e outros que produzam suas condições materiais de existência a partir
do trabalho no meio rural."
5Ver a reportagem "No assentamento Palmares II, o educando de ontem é o professor de hoje.
Uma década depois, nas escolas do Assentamento Palmares 2, em Parauapebas (PA), as primei
ras crianças são as atuais professoras". Disponível em: <http://www.mst.org.br/2015/03/23/o
-educando-de-ontem-e-o-professor-de-hoje.html>.
154
Os diversos relatos dos sujeitos que participaram desta pesquisa evidenciam
várias contribuições dos processos formativos em alternância na LPEC, que
vem possibilitando aos educandos a implementação de práticas educativas
contextualizadas a partir da realidade dos povos do campo que se tornam re
ferência de qualidade para os trabalhadores e trabalhadoras do campo.
155
Eu ainda não concluí o Curso, mas eu já atuo como do
cente na escola do campo há 3 anos, inclusive é a escola
que eu pesquiso no Tempo Localidade, e o que eu per
cebo, é que o Curso pela alternância já contribuiu muito.
O fato de eu estar aqui estudando, inclusive para olhar
para o aluno com um olhar mais sensível, tentar compre
ender ele para além da sala de aula, e compreender as
variáveis envolvidas que podem influenciar e contribuir
no processo de ensino e aprendizagem [...] na própria
prática docente, nessa tentativa de também fazer o que
eu estou vivendo aqui, tentando conciliar o conhecimen
to dito científico com os conhecimentos que os alunos
da escola básica trazem de suas vivências e procurar
a melhor forma possível de relacionar com a realidade
para podermos ter mais proveito, parece que faz mais
sentido. Quando a gente trabalha que está muito alheio
do nosso dia a dia parece que a gente não desperta mais
interesse dos alunos em conhecer e quando eles obser
vam o conteúdo que significa alguma coisa para eles
eles ficam mais atenciosos e empenhados em debater,
dar a opinião deles. Então essa tentativa de dialogar, tra
zer do conteúdo que é pensado para a escola que já vem
da secretaria tudo certinho o que você tem de trabalhar,
mas mesmo assim a gente tenta fazer o esforço de apro
ximar, de dialogar com os saberes das crianças, com a
realidade das pessoas da escola. Então assim a alter
nância acaba contribuindo (Márcio, educando da LPEC).
156
Na alternância, os nossos trabalhos com essa sequência de
que você tem que primeiro fazer uma pesquisa na comunida
de, depois você vai aprofundar nos problemas, nas questões,
depois você vai socializar as produções e aí depois você vai
articular pesquisa com estágio. Tudo isso a Alternância pos
sibilita para gente manter essa relação que de fato você não
vai para a comunidade só para pesquisar, mas a comunidade
também merece de fato uma interferência para a sua trans
formação, na mudança da realidade. E de fato quando eu fui
fazer o primeiro Tempo comunidade, tinha muitas coisas que
eu não conseguia ver na comunidade, tinham muitos proble
mas, os Tempos Comunidades parecem que abriram esse
leque de possibilidades, de percebermos que a escola é ruim
do jeito que ela está. E aospoucos a gente cria estratégias de
melhorar a escola que a gente tem [...] podemos contribuir a
partir do momento que conhecemos os problemas como no
Ensino Médio. Acho que foi por isso que eu escolhi trabalhar
a realidade do Ensino Médio no campo no meu TCC, que vai
buscar compreender a realidade do currículo no Ensino Mé
dio na escola que fica na minha comunidade, na escola Cilira
Guerra (Tamires, educanda da LPEC).
157
Nos relatos os educandos expõem articulações entre os conhecimentos construí
dos nos processos formativos do Tempo/Espaço Universidade e os levantamentos
de dados realizados nas Pesquisas Socioeducacionais. Como resultado, é possível
desenvolver práticas educativas para se lidar com as problemáticas identificadas,
evidenciando um encadeamento das pesquisas realizadas nas comunidades que
permitem práticas educativas contribuindo para problematizar e debater, em con
junto com os coletivos das escolas e comunidades do campo, temas importantes,
como a valorização cultural.
Caldart (2002) nos ajuda na interpretação dos depoimentos ao afirmar que a matriz
histórica do Curso de Licenciatura em Educação do Campo, desde a sua criação,
está ligada à materialidade da terra na formação dos sujeitos do campo e remete à
luta e resistência dos trabalhadores e trabalhadoras do campo para permanecer na
terra. A autora ressalta que para o MST, no momento em que adentram a universi
dade para a formação, seus militantes têm o entendimento de que, antes de serem
universitários, “são Sem Terra, têm a marca da terra e da luta que os faz chegar até
a universidade” (p. 88).
158
do diagnóstico da realidade feito com os sujeitos, como
é que elenco temas da realidade para trabalhar no ensino
de ciências. Então, eu acho que o ponto alto da alternân
cia é quando ela se materializa em algo concreto (Gláu
cia, formadora da LPEC).
159
ao longo do Curso acumulam conhecimentos mais substanciais e possuem maior
encadeamento das ações no processo de investigação, implicando na identificação
de problemáticas e nas definições das temáticas, dos conteúdos, das estratégias e
práticas educativas para a elaboração de suas propostas de intervenção.
Considerações conclusivas
Apesar dos desafios evidenciados ao longo do texto, os processos formativos
que se efetivam na LPEC em Alternância Pedagógica, sustentados pelas sete
Pesquisas Socioeducacionais realizadas pelos estudantes em municípios do
Pará, Maranhão e Tocantins, contribuem de múltiplas formas para a efetivação
de práticas educativas que incidem na realidade dos povos e escolas do campo
referenciadas pelos princípios que o Movimento de Educação do Campo indica
para os cursos de formação de professores e para as escolas do campo.
160
As unidades curriculares Pesquisa Socieducacional V e Estágio de Docência II
favorecem intervenções dos educandos nas escolas e comunidades com inten
cionalidades diversas, como a de contribuir para o resgate de práticas culturais
esquecidas pelos sujeitos. As práticas educativas efetivadas pelos educandos
contribuem para que as escolas construam ações que assumam o trabalho e a
cultura dos diversos povos do campo como referência.
Por sua vez, Pesquisa VII e Estágio de Docência IV, com o tema Trabalho e Ju
ventude no Campo e com Intervenção no Ensino Médio, permitem aos educan
dos a construção de práticas educativas que contribuem para analisar e propor
ações para as escolas e comunidades sobre as problemáticas relacionadas às
formas e às relações de trabalho no campo. São temas debatidos e incluídos
no currículo das escolas de forma suscitar a reflexão sobre a preparação para
o mercado de trabalho e a exploração da força de trabalho pelo capital, bem
como sobre o trabalho no sentido educativo e de humanização dos seres huma
nos, sobre as implicações do trabalho como um direito, incluindo as políticas
públicas que dizem respeito ao trabalho no campo.
Os relatos dos educandos evidenciam que suas ações de intervenção nas escolas
e comunidades se materializam em meio a inúmeras dificuldades relacionadas
a tensões com os gestores municipais de educação. Para desenvolver práticas
educativas referenciadas pelos princípios da Educação do Campo que exigem o
currículo escolar organizado de modo a garantir o direito às temporalidades dos
educandos no campo, é preciso todo um trabalho de convencimento, diálogo e
negociação com os agentes públicos para que garantam a logística e a infraestru
tura, como alimentação, transporte escolar, materiais didáticos, entre outros itens.
A pesquisa revelou que nas escolas onde existe um maior número de educado
res já formados e educandos da LPEC as práticas educativas são materializa
das com mais facilidades do que em espaços onde ainda não é possível contar
com um número significativo de sujeitos formados no Curso. Nesse sentido,
a intencionalidade do Movimento de Educação do Campo de formar coletivos
de educadores para que possam incidir nas escolas e comunidades vem aos
poucos sendo alcançada pela experiência da UNIFESSPA.
161
Em nossa tese identificamos, com os quatro eixos de análise, que as contri
buições da Alternância Pedagógica na experiência da LPEC afirmam a pers
pectiva contra-hegemônica na formação dos educadores, ao materializar os
princípios da Educação do Campo por meio de um Curso em que os sujeitos
do processo formativo são trabalhadores do campo que ocupam a universida
de. Esta instituição é um espaço historicamente ocupado pela elite, mas com
a participação de estudantes da Educação do Campo no Curso afirmam suas
identidades camponesas e lutam para que a Alternância se mantenha como
uma organização da formação que permite a relação orgânica dos sujeitos
com a terra, com o trabalho, contrapondo-se às orientações de formação he
gemônica de caráter pragmatista e utilitarista.
162
Referências
ALMEIDA, R. H. Territorialização do campesinato no sudeste do Pará. Belém:
NAEA. 2012.
163
FERNANDES, B. M. Os campos da pesquisa em Educação do Campo: espaço
e território como categorias essenciais. In: MOLINA, M. C. (org.). Educação do
Campo e pesquisa: questões para reflexão. Brasília: MDA, 2006.
FISCHER, N. B.; LOUSADA, V. L. Risco (verbete). In: Dicionário Paulo Freire. STRE
CK, D.; REDIN, E.; ZITKOSKI, J. J. (org.). 2. ed. Belo Horizonte: Autentica, 2010.
HAGE, S.; CRUZ, R.; NASCIMENTO, E.; DIAS, J. Documento Final. II Seminário de
Combate ao Fechamento de Escolas no Campo no Estado do Pará. Castanhal
– Pará. Fevereiro de 2019 (digitalizado).
KOLLING, E. J.; NERY, I.; MOLINA, M. C. (org.). Por uma Educação Básica do
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são para ebook. EbooksBrasil.com. Fonte Digital disponível em: <www.jahr.
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164
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Venâncio, Expressão Popular, 2012.
SEMERARO, G. AnotaçõesparaumateoriadoconhecimentoemGramsci.Revis
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<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-24782001000100010&script=s
ci_abstract&tlng=pt>.
165
REGIÃO
NORDESTE
166
167
168
Formação de professores para
escolas do campo:
considerações sobre a
Licenciatura em Educação do
Campo na Universidade Federal
do Maranhão
Introdução
Reconhecemos a caminhada dos Movimentos Sociais do
Campo como expressão do povo organizado que faz e
que pensa sobre a vida no e do campo. Das suas práticas
de organização, de luta social e de educação podemos ex
trair muitas lições para a Educação do Campo. A primeira
delas é que o povo que vive no campo tem que ser sujeito
de sua própria formação. Não se trata, pois, de uma edu
cação ou uma luta para os, mas sim dos trabalhadores do
campo (BRASIL, 2002).
169
de Brasília (UnB), além da Ie da II Conferências por uma Educação do Campo
(1998 e 2004).
170
tica sobre a questão é conceber o objeto investigado como síntese de múltiplas
determinações, apreendê-lo na totalidade de relações que o determinam.
Compreende-se que a garantia dos direitos sociais tem na educação uma das
ferramentas importantes para que sejam efetivados os demais direitos univer
sais, como a participação política. Entende-se que a garantia da educação só
será possível na luta coletiva, no processo de organização, no compartilhamen
to de ideias e saberes, interagindo com os diversos sujeitos da ação educativa
e com a realidade social. Portanto, o lócus deste trabalho está no campo e
expressa as relações de pertencimento a um espaço não só geográfico e de
trabalho, ou político e social, mas de múltiplos pertencimentos: histórico, cultu
ral, racial e étnico.
A pesquisa que deu origem a este relatório integra a pesquisa Políticas da Expan
são da Educação Superior no Brasil, apoiada pela CAPES a partir do Programa
Observatório da Educação (OBEDUC), desenvolvida por sete subprojetos e exe
cutada por pesquisadores de diversas Instituições de Ensino Superior do país.
171
2. Questão Agrária e a Educação do Campo:
considerações sobre a realidade maranhense
172
dos conflitos no campo, o que mais assusta é a insensibilidade do Estado brasi
leiro, considerada uma nova postura institucional pelos autores. Para eles, os ín
dices crescentes de violência no campo em 2017, só foram registrados em 1964,
período ditatorial. Ao fazerem referência aos números de homicídios geografi
camente, destacam-se os estados do Pará, Pernambuco, Rondônia e Maranhão.
5O PRONERA foi criado oficialmente em 16/4/1998 pela Portaria nº 10/1998, do então Ministé
rio Extraordinário de Política Fundiária, vinculando-se diretamente ao Gabinete do Ministro, sendo
aprovado de forma imediata seu primeiro Manual de Operações.
6Para a execução financeira dos recursos, foram necessárias parcerias com as fundações de cada
173
formação em novembro de 2005 e novembro de 2009. O curso de magistério
promovido pelo Programa foi a primeira experiência no estado do Maranhão
com a formação de educadores e educadoras do campo.
174
ação, as universidades deveriam angariar recursos por conta própria ou instituir
parcerias, inclusive com as secretarias estaduais de educação.
175
Operacionais para a Educação Básica do Campo em âmbito nacional, aprovada
em 2002, consiste em importante conquista.
176
tem sido financiada pelo latifúndio, hoje aprofundada pelo agronegócio, cujos
resultados têm sido fome, êxodo, trabalho escravo, desemprego, prostituição
infantil e juvenil, além de níveis extremos de pobreza.
7Curso de graduação (criado pela Resolução nº 111, Conselho Universitário) com duração de qua
tro anos, cuja primeira turma teve início no segundo semestre de 2009, com 60 alunos; a segunda
turma começou no primeiro semestre de 2010, com o total de 60 alunos em duas habilitações, a de
Ciências Agrárias e a de Ciências da Natureza e Matemática.
8O Professor Dr. José de Ribamar Sá Silva esteve à frente da criação e institucionalização na UFMA,
177
Quadro 1: Ingressantes e egressos das Turmas 2009 e 2010 da UFMA
INGRESSANTES E EGRESSOS
das Turmas 2009 e 2010 da UFMA
Forma de ingresso:
Processo Seletivo Concludentes Concludentes Concludentes
INGRESSO
Vestibular Especial em 2015 em 2016 em 2018
Ano terminalidade 2009 2010 2009 2010 2009 2010 2009 2010
Ciências Agrárias 30 30 12 04 10 12 - 04
Ciências da Nature 30 30 10 01 03 05 03 01
za e Matemática
Total 22 05 13 17 03 05
Total de engresso 65
Em 2012, o Projeto Político Pedagógico foi selecionado com base no Edital SESU/
SECADI/SETEC nº 2/201210, para a institucionalização definitiva do curso, com a
área de Ciências Agrárias e a de Ciências da Natureza e Matemática. Em outubro
de 2014, foi realizado o Processo Seletivo Vestibular Especial para o Curso de
Licenciatura em Educação do Campo no Campus de Bacabal da UFMA. Foram
ofertadas 120 vagas: 60 para a área de conhecimento em Ciências Agrárias e 60
para a área de conhecimento em Ciências da Natureza e Matemática.
8O Professor Dr. José de Ribamar Sá Silva esteve à frente da criação e institucionalização na UFMA,
permanecendo na Coordenação de 2008 a 2014.
9Esteve à frente da criação do Comitê Executivo Estadual da Educação do Campo a Profa. Me.
178
Quadro 2: Atendimento de novas turmas regulares
INSTITUCIONALIZAÇÃO
(Nota Técnica nº 2/2016 SESU/SECADI/MEC)
Formas de
PSVE 2014 PSVE 2015 PSVE 2016 PSVE 2017
Acesso
Aprovados 135 48 78 52 35 25 82 65
Matriculados 60 60 30 30 23 25 60 60
Frequência 46 43 27 29 19 23 60 60
11Segundo Nosella (1977), a Pedagogia da Alternância surgiu na França como experiência das "Mai
sons Familiales Rurales" no ano de 1935. Era uma alternativa metodológica de formação profissio
nal agrícola de nível técnico para jovens, inicialmente do sexo masculino, filhos de camponeses
que perderam o interesse pelo ensino regular porque este se distanciava totalmente da vida e do
trabalho camponês.
12Atualmente o público atendido pelo curso é oriundo de 54 municípios: Açailândia, Anajatuba, Alto
Alegre do Maranhão, Amarante, Arame, Amapá do Maranhão, Bacabal, Balsas, Bacuri, Barreirinhas,
Bela Vista do Maranhão, Bom Jardim, Bom Jesus das Selvas, Bom Lugar, Buriticupu, Buriti de Inácia
Vaz, Cajari, Cantanhede, Central do Maranhão, Chapadinha, Codó, Esperantinópolis, Estreito, Grajaú,
Guimarães, Governador Nunes Freire, Humberto de Campos, Igarapé do Meio, Imperatriz, Monção,
Morros, Lagoa Grande do Maranhão, Lago da Pedra, Lago do Junco, Lago Verde, Lago dos Rodri
gues, Nina Rodrigues, Paulo Ramos, Pedreiras, Pindaré-Mirim, Pinheiro, Presidente Vargas, Primeira
Cruz, Pio XII, Poção de Pedras, São Benedito do Rio Preto, São Luís Gonzaga, Santa Helena, Santa
Luzia, Turiaçu, Tutoia, Vargem Grande, Vitorino Freire e Zé Doca.
179
trabalho prático e tempos de escola, sem nenhuma relação entre si, para
que exista uma formação alternada”. A perspectiva da alternância implica
a construção de processos educativos possibilitando um diálogo entre a
universidade e os que vivem no e do campo, assim como a possibilidade de
materializar ações interdisciplinares contemplando a diversidade da popu
lação camponesa.
180
Quadro 3: Organização dos tempos educativos
TEMPOS
ÁREAS DE ATUAÇÃO
EDUCATIVOS
Ciências da Natureza
Ciências Agrárias
e Matemática
181
Ainda de acordo com o documento citado, os componentes curriculares es
tão divididos em áreas específicas e interligadas, chamadas de Núcleos de
Estudos e Atividades. Esses núcleos, compostos por disciplinas curriculares,
são concebidos como blocos orgânicos de conteúdos que visam educar o
aluno para a sua participação social, tanto do ponto de vista político quanto
do ponto de vista técnico, compreendido pelos conteúdos específicos para a
formação do educador.
14Toma como referência a proposta para a formação de educadores defendida pela Associação
Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE), segundo a qual a identidade
docente é ampliada pela pesquisa e difusão do conhecimento, rompendo-se com a dualidade entre
teoria e prática, e não se limitando a indicar mecanicamente competências e habilidades como
perfil do profissional.
182
Ainda sobre as adequações às diretrizes, foram aprovadas as normas de ativi
dades teórico-práticas, denominadas anteriormente de Atividades Acadêmicas
Científicas Culturais (AACC). No percurso formativo, o curso contempla várias
atividades (seminários, oficinas, cursos, etc.) presentes em vários campos do
conhecimento fundamentais para a complementação da formação do educa
dor das escolas do campo.
A oferta do estágio deverá ocorrer a partir do segundo ano do curso e terá carga
horária total de 450 horas, dividida em três componentes: Estágio em Docên
cia nas séries finais do Ensino Fundamental (180 horas), Estágio em Educação
Popular no Campo (90 horas) e Estágio em Docência no Ensino Médio e na
Educação Profissional de Nível Técnico (180 horas).
183
de 2018), respeitando a temporalidade permitida dos seis anos. Em feve
reiro de 2018, o Professor Emerson Dalla Chiezza assumiu os trabalhos no
grupo.
184
Colegiado – composto por representantes de professores e alunos para delibe
rar em reuniões sobre o funcionamento do curso, definindo a execução finan
ceira, a seleção e o acompanhamento de alunos, o calendário de atividades, a
presidência do Núcleo Docente Estruturante (NDE), além de outras atribuições.
Há um documento que normatiza o seu funcionamento, no qual se percebe que
é assegurado apenas o direito de voz aos movimentos sociais.
15Em agosto de 2014, a Profa. Me. Diana Costa Diniz assumiu a Coordenação, dando continuidade
à institucionalização do curso, sendo substituída pelo Prof. Doutor Raimundo Edson Pinto Botelho
a partir de janeiro de 2018.
185
cer apoio técnico-pedagógico para os professores da área, acompanhar o de
senvolvimento dos alunos e propor estratégias de avaliação e retenção, além
de subsidiar a Coordenação do Curso com informações a respeito do Eixo de
Formação Específica.
16Cadastro da Educação Superior (Cadastro e-MEC) é uma ferramenta que permite ao público a
consulta de dados sobre Instituições de Ensino Superior e seus cursos.
186
4. Materialização dos riscos e das potencialida
des na institucionalização do curso
Destacamos primeiro o que consideramos como potencialidades:
• Ampliação das lutas contra o atual modelo de desenvolvimento e contra
o fechamento das Escolas do Campo, pela garantia do direito à formação para os
licenciados que já estão atuando nas escolas do campo;
• Garantia de acesso e permanência a partir de uma política de assistên
cia estudantil e a inserção dos egressos na rede pública;
• Formação por áreas de conhecimento e reconhecimento da alternância
como Organização do Trabalho Pedagógico na Educação Superior e custo por
aluno diferenciado pelo formato organizativo dos cursos;
• Centralidade da pesquisa e produção de conhecimento da realidade arti
culadas com a transformação da forma escolar atual;
• Currículo baseado em pressupostos teóricos da Pedagogia Histórico
-crítica e da Pedagogia Socialista, assim como a percepção da Licenciatura em
Educação do Campo como um campo multi e interdisciplinar;
• Garantia de acesso dos estudantes via Processo Seletivo Especial;
• Organização do Trabalho Pedagógico com vistas à materialização do
currículo integrado e interdisciplinar, e sua vinculação com a agroecologia, plane
jamento pedagógico coletivo;
• Reafirmação do protagonismo das organizações dos trabalhadores do
campo e sua participação orgânica no curso;
• Práticas curriculares que relacionam ensino, trabalho e auto-organiza
ção dos estudantes.
187
5. Considerações Finais
A luta pela conquista da terra tem sido o motor dessa história em permanente
movimento. Ela contribui para a constituição de homens e mulheres capazes de
se mover num processo que busca a transformação de suas vidas e do coleti
vo, ou seja, lutar pela Reforma Agrária, pela educação e pelas demais políticas
públicas como parte de uma única totalidade.
No campo dos direitos sociais, a educação deve ser garantida pelo Estado,
devendo, portanto, ser pública, gratuita e com qualidade social. Apesar do re
conhecimento de que são direitos dos trabalhadores rurais, as experiências
pedagógicas propostas pelos movimentos sociais camponeses seguem sob a
ameaça permanente do Estado entre o dito, o pretendido e o efetivado. Os cur
sos de formação de professores devem constituir-se um processo permanente,
sem subjugar-se à noção neoliberal de educação, a qual continua a proclamar a
educação para todos, porém flexibilizando-a, focalizando-a, privatizando-a sob
a lógica da relação custo-benefício.
188
Nesse sentido, reafirma-se que o Curso de Licenciatura em Educação do Campo
inegavelmente consiste na alternativa que os homens e mulheres do campo têm
hoje como garantia do direito à educação pública de qualidade e que precisa
urgentemente ser consolidado como uma política de Educação do Campo, para
que todos e todas possam ter acesso ao saber socialmente elaborado.
189
Referências
BARBOSA, Z. M. Maranhão, Brasil: lutas de classes e reestruturação produtiva
em uma nova rodada de transnacionalização do capitalismo. São Luís: UEMA,
2006.
190
MASSON, G. A importância dos fundamentos ontológicos nas pesquisas sobre
políticas educacionais. In: CUNHA, C. da; SOUSA, J. V. de; SILVA, M. A. da (org.).
O método dialético na pesquisa em educação. Campinas, SP: Autores Associa
dos, 2014.
191
192
Riscos e potencialidades da
Pedagogia da Alternância na
Licenciatura em Educação do Campo
- Ciências Agrárias da UFRB
Introdução
O presente artigo é fruto de investigação local integrante de uma pesquisa nacio
nal intitulada Políticas da Expansão da Educação Superior no Brasil, organizada
por integrantes do Coletivo de Pesquisadores do SUB 7, seção que trata da Edu
cação Superior do Campo, tendo por objetivo discutir os riscos e potencialidades
presentes no processo de implantação e ampliação dos cursos de Licenciatura em
Educação do Campo oriundos de edital específico, fruto da luta dos movimentos
193
sociais do campo. Neste trabalho daremos ênfase aos riscos e potencialidades
da Pedagogia da Alternância no curso de Licenciatura em Educação do Campo,
área do conhecimento Ciências Agrárias, ofertado pelo Centro de Formação de
Professores da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.
Considerando a materialidade histórica da Educação do Campo e a demanda
dos movimentos sociais que lhe deram origem, os beneficiários prioritários do
curso são os sujeitos do campo em sua diversidade (BRASIL, 2010). Tal con
dição nos exige pensar a educação numa perspectiva emancipadora, o campo
como base empírica e foco principal do processo formativo, e a política pública
educacional específica que reconhece a necessidade de reparar as desigualda
des socioterritoriais historicamente produzidas pelo Estado brasileiro compro
metido com a lógica do capital.
194
práxis pedagógica e outras possibilidades do fazer acadêmico; 2) Estágio
Supervisionado: potencialidades de um percurso formativo vivido, sentido e
praticado nos espaços do campo e 3) Permanência qualificada: lutas, articu
lações e resistências.
O eixo foi definido a partir do debate central presente nos oito componentes cur
riculares da etapa (Questão Agrária; Capital, Trabalho e Educação; Fundamen
tos de Química Aplicada à Agroecologia; Prática Reflexiva em Fundamentos de
Química Aplicada à Agroecologia; Linguagem Brasileira de Sinais; Fundamentos
da Biologia; Prática Reflexiva em Fundamentos da Biologia; Fundamentos da
Física I). O Tempo Comunidade é o espaço de pesquisa e sistematização das
atividades propostas no Caderno de Atividades, cuja socialização acontece no
Seminário Integrador, geralmente na primeira semana do Tempo Universidade.
196
construção de um olhar mais aprofundado e crítico sobre suas comunidades,
municípios e realidades, tomando como base as discussões travadas nos com
ponentes cursados no Tempo Universidade. Os Seminários Questão Agrária e
Educação do Campo permitiram a socialização do debate e construção de uma
leitura de realidade de âmbito regional.
630% da carga horária de cada componente curricular é realizada como atividade no Tempo Comu
nidade.
197
A trajetória anunciada permite compreender que, como a práxis, a Pedagogia
da Alternância é um elemento desafiador, exigente da prática do diálogo e do
abandono do planejamento individual, solitário, egoísta. Descola o docente,
aproxima conhecimentos e experiências tão distintas, pois, como afirma Freire,
exige o “gosto de ser gente porque a História em que me faço com os outros e
de cuja feitura tomo parte é um tempo de possibilidades e não de determinis
mos” (FREIRE, 1996, p. 58).
198
cos, conhece a documentação necessária para a realização desse componente
curricular e elabora o Plano de Estágio, bem como inicia o diálogo com o campo
de estágio. Esse diálogo estabelece os primeiros contatos entre universidade, es
tagiários e o campo de estágio, e fortalece os vínculos já existentes. O Tempo Co
munidade é destinado à prática propriamente, com aplicação do Plano de Estágio,
elaboração da sequência didática e do relatório.
199
O objetivo do Estágio II é desenvolver uma prática pedagógica com fundamen
to teórico-metodológico na Educação Popular, na realidade das comunidades
camponesas e nas demandas formativas das comunidades, instituições, orga
nizações, associações, movimentos sociais em que se constituirão os campos
de estágio, em consonância com a Resolução nº 019/20167, que dispõe sobre
a aprovação do Regulamento de Estágio Supervisionado do curso.
Agroecologia
Associativismo
Economia Solidária
Engajamento social
Sindicalismo
Engajamento social
7AResolução nº 19/2016 foi uma construção da equipe de docentes envolvidos no estágio como
demanda do NDE. Disponível em: <http://ufrb.edu.br/educacaodocampocfp>.
200
O direcionamento para a realização das práticas sociais em espaços não es
colares fomentou a criatividade, o aprofundamento teórico e a busca por lite
ratura que desse conta dos atravessamentos temáticos diagnosticados pelos
educandos, pautados na realidade e nas condições objetivas das suas comu
nidades. Por essa razão, investiu-se tempo na elaboração cuidadosa do Plano
de Estágio e do Tempo Universidade, promovendo articulação com os sindica
tos, movimentos sociais e associações. Naturalmente o interesse e, portanto,
o investimento na execução da proposta são resultados da trajetória pessoal e
acadêmica dos educandos.
O formato foi o mesmo das feiras livres, uma vez que estas constituem espa
ços de desenvolvimento de práticas que dialogam diretamente com projetos
de vida, tecnologias sociais, práticas agroecológicas dos sujeitos do campo,
cujo eixo articulou os distintos tempos formativos do curso mencionado. Além
disso, o formato serviu de orientação para o desenvolvimento das práticas
sociais do campo do Estágio II, em especial para atender ao seu objetivo de
desenvolver uma prática pedagógica tendo como fundamento metodológico a
Educação Popular, a realidade das comunidades camponesas e as demandas
formativas das comunidades, instituições, organizações, associações, movi
mentos sociais em que se efetivam os campos de estágio.
201
Os Estágios Supervisionados I e III têm a centralidade na experiência da do
cência e da gestão dos processos educativos nas escolas do campo nos anos
finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio. Contudo, o rigor mencionado
nas orientações do Estágio Supervisionado II é regra na condução dos demais
estágios e também distribui a carga horária no ir e vir entre o Tempo Universi
dade e o Tempo Comunidade.
Do ponto de vista dos desafios, este estudo elenca alguns limites a serem su
perados pelo conjunto de sujeitos envolvidos na dinâmica da construção e con
solidação do curso. Nesse sentido, a análise dos dois Cadernos de Atividades
2013.2 e 2017.1, bem como dos outros documentos/relatos de experiências
que subsidiaram a pesquisa, aponta que:
202
3. Os desafios da Permanência Qualificada em
Alternância: lutas, articulações e resistências
203
vestibular específico” (MOLINA, 2015, p. 155). Isso não nos exime de fazer uma
leitura crítica das ações afirmativas, bem como situá-las simultaneamente “à
luz das reformas estruturais do Estado, como da exigência metabólica do capi
tal e no âmbito da luta de classes” (FRIGOTTO, 2011, p. 21).
204
construir um instrumento mais pertinente para a seleção de candidatos mais
adequados ao perfil da LEdoC.
205
Referindo-se à permanência de estudantes do curso de Licenciatura em Edu
cação do Campo - Ciências Agrárias (CFP), em conformidade com a política
de Educação do Campo e o PRONERA (Decreto 7.352/2010), a Pró-Reitoria
organizou processo seletivo por meio do Edital nº 16/2015, do Programa de
Permanência Alternância (PPA), na modalidade Auxílio Alternância, que ofe
receu auxílio pecuniário mensal no valor de R$ 400,00 a estudantes regular
mente matriculados na LEdoC/CFP, desde que não beneficiados no Programa
de Bolsa Permanência/MEC. O PPA foi encerrado em janeiro de 2017 devido
à falta de recursos.
A entrada dos sujeitos sociais do campo traz para o âmbito das políticas de perma
nência na universidade outro desafio: Como promover políticasde permanência que
sejam capazes de abarcar a especificidade desses estudantes a partir de particula
ridades distintas de sujeitos e metodologia pedagógica do curso?
206
Com base nessa problemática, as condições para a permanência dos estudan
tes no primeiro ano de funcionamento foram solucionadas inicialmente pela
locação de um hotel mediante licitação, espaço que recebeu os estudantes du
rante o Tempo Universidade, fazendo uso de recurso específico do PROCAMPO.
A dimensão de luta é marcante no processo de conquista da residência univer
sitária. Após assembleias, os educandos organizados realizaram um movimen
to de ocupação no Centro de Formação de Professores (UFRB), que culminou
no diálogo com a reitoria, possibilitando o acordo para a residência.
207
Importa-nos focalizar a relevância da fala para reflexões tanto no campo de
permanência material quanto simbólica. Portanto, apesar de a residência
ter um papel de destaque na permanência dos estudantes, compreendemos
que as condições objetivas e materiais exercem papel fundamental para o
andamento dos estudos, em especial o desafio da permanência amplia-se
diante da questão estrutural, o cansaço e desconforto implicam considera
velmente no cotidiano formativo dos estudantes. Ainda sobre a necessida
de de ampliar a reflexão, Zago (2006), ao analisar as dificuldades de acesso
e permanência no Ensino Superior, enfatiza trajetórias marcadas pela desi
gualdade de oportunidades e antecedentes históricos escolares de estudan
tes da classe trabalhadora envoltos por uma formação anterior que alimenta
a falta de esperança nos resultados formais desses sujeitos, provocando
baixa autoestima (autoexclusão) e posterior desistência.
Marx e Engels (2002) destacam que o primeiro fato histórico é a produção dos
meios que permitem a satisfação das necessidades primárias. A produção da
vida material é, portanto, um fato histórico e deve ser cumprida cotidianamente,
pois é condição essencial da existência. Tal pressuposto é também aplicado à
existência na universidade (REIS, 2009).
208
versitária em relação ao desenvolvimento científico, econômico e tecnológico
como uma das tarefas primordiais, entretanto não se pode descuidar do cha
mado desenvolvimento humano, que implica na qualidade de vida acadêmica
não somente no sentido material de subsistência.
209
A gente junta esses eixos de acesso. Que hoje em dia
a gente acessa o Pet, acessa uma bolsa MEC, a gen
te acessa uma bolsa de extensão, a gente tem muitas
coisas, a dinâmica do curso. Falando a grosso modo,
ela não se encaixa com o restante do curso, é tudo
feito de uma forma, aí depois vem um curso que não é
bem dessa forma, aí parece que não devemos tá nes
ses programas, isso se realça a nível também de de
sistência (Estudante C).
Percebe-se, na fala do(a) estudante, que há uma clareza dos trâmites e amarras
institucionais que muitas vezes impedem o processo de assunção dos estu
dantes na política geral de permanência na universidade. Os projetos existem e
os estudantes ressaltam a contradição de encaixar-se no processo, não haven
do aproximação entre a configuração de alguns programas e as especificida
des da LEdoC (CFP/UFRB). Essa ausência de aproximação também dificulta a
identificação com a proposta da bolsa e seu posterior seguimento. Ainda sobre
as bolsas, os estudantes explicitam que:
210
Um outro elemento que dificulta a permanência, principalmente para as
mães, é a falta de um espaço em que possam deixar as crianças em segu
rança no período das aulas no Tempo Universidade. Infelizmente a universi
dade não dispõe desse espaço para que seja organizada a Ciranda Infantil,
tendo em vista a falta de salas no CFP. Esse é um fator determinante para a
desistência de muitas mulheres estudantes que são mães, tendo em vista
que a materialidade do fazer a universidade exige uma rede de apoio que
seja capaz de dar suporte para que essas mulheres possam exercer o direito
de estudar.
211
No entanto, discutir evasão no âmbito da universidade requer compreender
também os termos que são utilizados nas instâncias superiores. Como exem
plo, ao investigarmos o quantitativo de evadidos na UFRB, encontramos uma
nomenclatura que não abarca o universo da evasão. Recorrendo ao Sistema
de Gestão de Atividades Acadêmicas (SIGAA) da UFRB, observamos que o
"Relatório de Ingresso, Retenção e Egressos", referente à LEdoC no SIGAA,
contempla a categoria “alunos ativos e inativos”. O Relatório contempla as
três seleções de ingresso, porém, em termos de discussão de permanência
e evasão, os dados tornam-se inconsistentes ao se considerar a condição de
estudantes como "ativos e inativos".
Considerações finais
Tratar dos riscos e potencialidades do curso de Licenciatura em Educação do
Campo - Ciências Agrárias da UFRB nos permitiu perceber o grau de compro
misso da universidade e dos docentes com a classe trabalhadora.
Para dar conta dos desafios dos processos pedagógicos comuns aos cursos
de
queEducação
também dose Campo
transformam
da UFRB
ememprocessos
nível de graduação9
burocráticoseque
pós-graduação10,
perpassam a
212
foram incorporadas aos regulamentos gerais da universidade, da Graduação e
da Pós-Graduação, incluindo aqui o calendário diferenciado. A política de ingres
so específico, protegida pela Resolução de Alternância, ganhou espaço no plano
de ações da Pró-Reitoria de Graduação. O Programa de Permanência em Alter
nância garante a existência da residência específica para os estudantes da Edu
cação do Campo, considerando a alternância de sua presença na universidade.
213
Referências
ARAÚJO, R. G. O PRONERA e as lutas na conformação de políticas de EJA no
projeto agroextrativista São Francisco - Serra do Ramalho, Bahia. Dissertação
(Mestrado em Educação). Universidade do Estado da Bahia. Salvador, 2016.
106 f.
______. et al. (org.). Dicionário de Educação do Campo. Rio de Janeiro, São Pau
lo: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Expressão Popular, 2013.
FREIRE, P. Extensão ou comunicação? 8. ed. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1983.
214
GLIESSMAN, S. R. Agroecologia: processos ecológicos em agricultura susten
tável. 2 ed. Porto Alegre: Ed. Universidade/ UFRGS, 2001.
215
______. Regimento de Estágio Supervisionado da Licenciatura em Educação do
Campo - Ciências Agrárias (Resolução 19/2016). Amargosa, 2016.
216
REGIÃO
CENTRO
OESTE
217
218
219
Reflexões sobre a Licenciatura em
Educação do Campo e suas
potencialidades para a transformação
da forma escolar: uma análise a
partir da atuação de egressas da
Universidade de Brasília
Marcelo Fabiano Rodrigues Pereira¹
1. Introdução
Pesquisas recentes publicadas por Molina (2017) e por Molina e Hage (2016)
têm discutido as concepções e práticas formativas que vêm sendo forjadas
pela Licenciatura em Educação do Campo (LEdoC) desde 2007, que a carac
terizam como perspectiva contra-hegemônica na formação de educadores na
graduação. Tais estudos têm mostrado o modo como a referida Licenciatura
contribui com a formulação das políticas de formação de educadores desde
seu projeto inicial até os avanços que têm emergido diante do processo de ex
220
pansão da licenciatura e sua territorialização no Brasil. Atualmente a formação
está presente em 20 estados da federação brasileira, nos quais 44 Instituições
de Ensino Superior públicas ofertam o curso (MOLINA; MARTINS, 2019).
No recorte deste texto, iremos nos debruçar sobre o quarto elemento, que diz
respeito às possibilidades de transformação na Organização Escolar e Método
de Trabalho Pedagógico. Levaremos em consideração as contribuições da LE
doC na materialização de efetivas práticas de transformação da forma escolar
na concepção da Educação do Campo, analisando a experiência em uma es
cola do campo localizada em um Assentamento de Reforma Agrária na região
Centro-Oeste, onde atuam egressas da LEdoC da Universidade de Brasília.
221
Partimos do pressuposto de que a Licenciatura em Educação do Campo tem
avançado na proposição de uma matriz formativa diferente na formação inicial
de educadores, que é capaz de forjar um novo perfil docente com potencia
lidades para promover transformações na forma escolar atual, considerando
uma concepção de ser humano, educação e sociedade alinhados ao prisma da
classe trabalhadora (CALDART, 2011).
Uma breve retomada histórica da Licenciatura nos conduz a destacar que foi
forjada a partir das intensas lutas protagonizadas por diferentes coletivos or
ganizados do campo. Esses sujeitos coletivos almejam construir um projeto de
educação alinhado às lutas sociais, aos anseios dos camponeses e à possibili
dade de construção de uma sociedade “na perspectiva da associação livre dos
trabalhadores, na solidariedade e na justa distribuição social da riqueza gerada
coletivamente pelos homens” (MOLINA, 2017, p. 592).
222
da Educação do Campo e o acúmulo teórico-prático dos coletivos organiza
dos do campo ao longo das últimas décadas.
223
2. Desenvolvimento
2.1. O processo histórico de constituição da forma escolar
Ao discutirmos sobre mudanças na forma escolar, notamos nos discursos atu
ais certo aviltamento do termo. Vários setores da sociedade discutem essa
possibilidade ancorando-se em significados diferentes. Conforme os argumen
tos de Caldart (2015a) e L. C. de Freitas (2012, 2014), educadores progressistas
disputam o termo com empresários reformistas da educação. Este segundo
grupo pretende promover mudanças com vistas a manter, aperfeiçoar ou mes
mo aprimorar a educação para que ela possa corresponder às novas exigências
do mercado de trabalho, pois “mudanças podem e devem acontecer desde que
não se altere a lógica fundamental de funcionamento da ordem social capitalis
ta” (CALDART, 2015a, p. 149).
Discutindo essa questão, L. C. de Freitas (1992, p. 5) nos recorda que nas últi
mas décadas, especificamente a partir de meados dos anos 1980, o Brasil vem
sofrendo fortes influências de um movimento internacional que almeja “rede
finir as bases do processo de exploração da classe trabalhadora a partir da in
trodução de novas tecnologias e de novas formas de organização do processo
de trabalho”. E esse influxo incide amplamente sobre as formas de Organização
do Trabalho Pedagógico, exigindo mudanças no processo para que ele possa
atender às expectativas do mercado: flexibilidade no exercício da função; do
mínio elementar de leitura e matemática; capacidade de integração; habilidade
no uso de tecnologia mais sofisticada; capacidade de abstração; criatividade,
entre outras competências que deixam a escola mais interessante para o mer
cado de trabalho.
A metáfora utilizada por L. C. de Freitas (1992) nos parece bem adequada para
elucidar que, diante desse dilema, a torneira da instrução, que sempre foi nega
da à classe trabalhadora, precisou ser aberta. Isso significa que foi necessário
fornecer à classe trabalhadora acesso ao conhecimento em doses controladas
“visando à preparação para uma inserção subordinada (cumprir tarefas) nas
relações de trabalho” (CALDART, 2015a, p. 151). Nessa direção, os defensores
do capital encontraram uma maneira de “elevar os níveis de escolaridade dos
trabalhadores, sem, porém, aumentar os níveis de consciência e compreensão
deles, sobre os injustos processos de trabalho aos quais são submetidos, sob
o modo de produção capitalista” (MOLINA; HAGE, 2015, p. 126).
224
A discussão que trouxemos nos parágrafos anteriores serviu como referência
para podermos afirmar que, nessa forma de produção capitalista, as mudanças
na forma escolar não são radicais nem almejam a transformação social, pelo
contrário, estão no âmbito da manutenção do próprio sistema de exploração
apregoado pelo capital e situam-se no âmbito da inovação. Caldart nos auxilia
a avançar nessa discussão ao afirmar que inovação é a mudança que ocorre
“com o objetivo exclusivo de manter o capitalismo funcionando, o capital se
reproduzindo e convertendo as forças produtivas em forças destrutivas da pró
pria existência humana” (2015a, p. 151). São ajustes, retoques e alinhamentos,
mas a ordem social vigente e excludente permanece intacta.
Nessa perspectiva, uma questão emerge e nos auxilia a avançar nesta discus
são: Quais são as raízes da forma escolar que temos hoje? L. C. de Freitas
afirma que ela tem origem em instituições pré-capitalistas, sendo as principais
a igreja e o exército. Essas instituições se dispuseram a servir à consolidação
de uma forma escolar capitalista, no sentido de promover processos educa
cionais que buscam formar nas escolas, como diz Freitas (2011), um “rebanho
disciplinado”, submisso e obediente, seguindo as instituições que a inspiraram.
Em outras palavras, da igreja herda-se a ideia de um pastor que conduz o man
so rebanho a seu bel-prazer; do exército, a noção de obediência, o exercício de
poder que promove a disciplina e a submissão.
225
“A partir daí tomam sentido, de um lado, os diversos aspectos da forma (nota
damente, como espaço e como tempo específicos); de outro a história, quer
dizer a ‘formação’, o processo pelo qual a forma se constitui e tende a se impor”
(VINCENT; LAHIRE; THIN, 2001, p. 10).
226
À luz desses princípios, podemos afirmar que o modo como a escola tradicio
nalmente foi pensada desvela ampla intencionalidade de formar um perfil de
sujeito para uma determinada ordem social: instruir cidadãos dóceis para con
sentir de maneira passiva com os ditames do processo de trabalho que aten
dem às expectativas do modo de produção vigente em uma sociedade cindida
em classes. Nas palavras de L. C. de Freitas (2011), a finalidade de tal estrutura
escolar é manter a subalternidade da classe trabalhadora, é excluir por dentro.
Isso significa garantir a entrada da classe trabalhadora para receber na escola
a formação mínima exigida pelo capitalismo, sem garantir a compreensão da
totalidade que envolve a realidade, suas contradições e determinantes sociais,
políticos, éticos, econômicos, compreensão necessária à emancipação da clas
se trabalhadora.
227
muito a contribuir com esse processo. A escola transformada precisa estar en
gajada na formação das novas gerações, em parceria com diferentes agências
do meio social (FREITAS, L. C. de, 2010), garantindo acesso aos conhecimentos
elaborados historicamente, que possibilitam a compreensão e a transformação
da realidade, elevando, assim, os níveis de consciência dos estudantes e promo
vendo a construção de novas relações sociais pautadas nos princípios da eman
cipação humana. Como nos recorda Mészáros (2008), uma escola transformada
constrói uma visão ampliada de formação humana por um ato educativo que se
agrega ao processo de transformação radical da sociedade.
Até aqui discutimos a existência de uma forma escolar que foi construída his
toricamente e de modo intencional, que serviu para manter o padrão exigido
pela sociedade capitalista. Nessa direção, não bastam ajustes na forma esco
lar ou inovações pontuais que não mexam radicalmente na estrutura da forma.
Pelo contrário, é preciso transformar forma e conteúdo da escola, colocando-a
nos trilhos dos interesses emancipatórios da classe trabalhadora. Este debate
não está descolado das seguintes questões: Qual concepção de sociedade, de
escola e de sujeito é necessária para a construção de uma sociedade dos tra
balhadores? Pensando-se no caso específico dos camponeses, qual deve ser a
função social da escola? Qual é o projeto de formação de educadores no con
texto atual de profundas transformações na lógica de acumulação do capital
no campo, capaz de se opor ao modelo agrícola baseado no agronegócio.
228
Para discutir essa questão, apoiamo-nos na sistematização da autora acerca
de quatro pilares fundamentais que balizam a discussão sobre as possibilida
des de transformação da forma escolar: a) concepção de transformação alme
jada pela classe trabalhadora; b) concepção de sujeito a ser formado; c) pers
pectiva ampliada de formação humana e d) as relações sociais e a produção
do conhecimento na escola.
229
Os três autores acrescentam que essa concepção de mudança tem como hori
zonte a transformação social mediante a ação consciente e intencional do ser
humano objetivando a emancipação humana.
Nas palavras de Vázquez, é preciso superar a ideia de homem como ser pas
sivo, limitado a assumir os moldes determinados pelo ambiente ou por outros
homens. Pelo contrário, é necessária a construção da “consciência de sua si
tuação, de suas necessidades radicais e da necessidade e condições de sua
libertação” (2011, p. 120).
230
engajamento ativo das pessoas em interação social que seja plena de sentido,
“fundada na reciprocidade mutuamente benéfica entre os indivíduos sociais e
sua sociedade” (2008, p. 96).
Para Mészáros (2008), a maneira pela qual a educação pode contribuir com a
mudança radical da realidade é a partir de uma concepção ampla de educação,
considerando que boa parte da aprendizagem humana ocorre fora desse es
paço. Isso se justifica pelo fato de que os processos formativos que ocorrem
além do restrito espaço escolar “não podem ser manipulados e controlados de
imediato pela estrutura educacional formal legalmente salvaguardada e san
cionada” (MÉSZÁROS, 2008, p. 53). Por esse motivo, a escola pode contribuir
com as lutas coletivas dirigidas à transformação social.
231
L. C. de Freitas (2011) e Pergher (2012) ratificam a afirmação de Mészáros ao
defenderem que a concepção alargada de formação extrapola o ambiente da
sala de aula ou da escola e avança na construção de um processo formativo
mais articulado com o projeto histórico dos trabalhadores. Assim, outras agên
cias do meio, como o movimento social, a associação de moradores, o partido
político, a igreja, o movimento jovem, a associação de mulheres, entre outras,
contribuem muito com a formação humana e social.
232
Quando nos referimos à atualidade, aproximamo-nos da discussão sobre o
que vem a ser realidade. Os estudos de Paiter (2017) e Brick (2017) nos aju
dam a avançar no entendimento da realidade que, muito além de ser algo fixo,
imóvel, estático, é expressão do movimento, da transformação. Portanto, para
compreendê-la, é necessário um esforço de compreensão da dinâmica “entre
todo-parte, fenômeno-essência, totalidade-contradições e, nesse processo, os
conceitos entram em movimento recíproco elucidando um ao outro, permitindo
alcançar a concreticidade” (BRICK, 2017, p. 117). Penetrar na realidade requer
o esforço de superar a pseudoconcreticidade (superficialidade, aparência, ime
diaticidade) intencionando compreender a concreticidade (essência da realida
de humano e social) (KOSIK, 1989).
233
pesquisa delimitado, as múltiplas determinações e mediações históricas que o
constitui” (FRIGOTTO, 2008, p. 44).
Por fim, o quarto eixo está relacionado à maneira como a relação teoria e práti
ca é entendida no contexto escolar. Os autores que apresentamos neste artigo
entendem as duas faces do aprendizado como processos inseparáveis, uma
unidade no ato de conhecer. Nesse sentido, ancoramo-nos nas proposições de
Sánchez Gamboa, que entende teoria e prática como uma unidade indissociá
vel, “concebe a relação entre teoria e prática não como ajuste entre elas, seja
adequando a teoria à prática ou vice-versa, mas como conflito e tensão entre
dois polos opostos numa mesma unidade” (2010, p. 10).
O termo que melhor explicita essa relação de unicidade é "práxis", que, segundo
Vázquez (2011), agrega o ato de conhecer (atividade teórica) e a ação de trans
formar (prática) em um processo dinâmico, dialético e de interferência mútua.
O autor citado afirma que
234
é necessário fomentar a participação e a auto-organização dos educandos; pro
piciar espaços de gestão coletiva da escola; ressignificar as formas e os papéis
da avaliação no contexto escolar; horizontalizar e humanizar as relações entre
os diferentes sujeitos que integram a vida escolar; promover espaços de diálogo,
participação envolvendo a escola, a comunidade e os movimentos sociais.
235
2.4. Análise e discussão de dados empíricos: a transformação da forma
escolar na perspectiva das egressas da LEdoC
236
A Licenciatura em Educação do Campo da Universidade de Brasília, em que se
graduaram as colaboradas, apresenta uma lógica de organização que subverte
a lógica tradicional e representa uma forma escolar transformada na graduação.
Em seus princípios formativos, o curso nutre o compromisso de contribuir com a
transformação das condições objetivas vividas pelos sujeitos do campo. Por esse
motivo, não prescinde da necessária ligação da educação com o contexto social,
cultural, político e econômico no qual os processos educativos acontecem.
A matriz curricular do curso busca fortalecer a ligação da escola com a vida, faz
caber dentro da escola os territórios camponeses e os desafios dos trabalha
dores do campo para continuarem garantindo sua existência como tal. Em ou
tras palavras, incorporam à matriz curricular “a materialidade das condições da
produção da vida camponesa no território no qual se insere a Escola do Campo
onde atuam os educadores em formação” (MOLINA, 2014, p. 264).
237
2.4.2. O que os dados desvelam?
Nesta etapa da pesquisa, pretendemos discutir os dados gerados ao longo de
uma pesquisa de campo realizada no contexto apresentado anteriormente. Os
dados mostram a maneira como duas egressas do curso de Licenciatura em
Educação do Campo da UnB internalizaram a proposta formativa do curso e se
articularam com a comunidade escolar e local para pensar e realizar transfor
mações na forma escolar. Nos excertos a seguir, optamos por manter alguns
trechos em negrito, considerando orientações da metodologia de análise que
nos propomos a utilizar, segundo a qual cabe destacar as palavras ou trechos
de fala com significado e que desvelam modos de pensar, sentir e agir do sujei
to (AGUIAR; OZELLA, 2006).
238
têm que estar casados com o que interessa para ele na
vida, e não pode estar desconectado com a vida (Ângela,
diretora da escola, dados da pesquisa, 2018).
239
os conteúdos da vida e da prática social precisam ser abordados pela escola, o que
é viabilizado por meio da concepção ampliada de formação humana.
240
Outro aspecto de mudança no modo de produção do conhecimento é um novo
olhar sobre o trabalho interdisciplinar realizado pelo coletivo docente escolar.
Nos trechos citados acima, as colaboradoras revelam que nas ações reali
zadas na escola a formação por área do conhecimento é uma possibilidade
para o trabalho com a interdisciplinaridade. A intenção é mostrar aos estu
dantes um sentido para o que está sendo estudado, e o trabalho com temas
geradores (FREIRE, 2009) apresenta-se como possibilidade de aproximar a
escola das tensões da vida, daquilo que afeta a realidade dos sujeitos que
vivem e produzem a vida nas proximidades da escola. A vida dos sujeitos é
a matéria-prima para a organização do trabalho por área do conhecimento e
da prática interdisciplinar.
241
Mas a gente pensou assim: vamos fazer um encontro
de formação, de auto-organização dos estudantes com
a ideia de criar uma maior interação entre os estudan
tes das escolas do campo da região, e que eles pos
sam estar conversando, dialogando, e a partir daí eles
possam realizar outras articulações a partir da auto
-organização. [...] É fundamental o protagonismo deles
no sentido de participar, porque quem que vai tomar as
decisões daqui a pouco serão eles, isso influencia dire
tamente na vida deles, [...] por isto eles têm que partici
par, têm que se organizar [...] perceber que não precisa
só da gente propor as atividades, mas os estudantes
podem propor e realizar essas propostas (Angélica, co
ordenadora da escola, dados da pesquisa, 2018).
242
A participação coletiva é característica de uma escola que consegue se orga
nizar e é coletivamente dirigida por diferentes segmentos que integram a vida
escolar, e isso implica em discutir e assumir as decisões na coletividade. Nesse
sentido, dialogamos com Ferreira (2015, p. 80) sobre o trabalho coletivo como
possibilidade para o fortalecimento do grupo docente e da escola como um
todo, ou seja, “uma alternativa para a conquista de condições favoráveis ao
enfrentamento do atual contexto de controle e regulação, de precarização e de
desvalorização da docência, imposto pelo Estado”.
3. Considerações finais
A análise que apresentamos neste artigo nos permite afirmar que as egressas
da Licenciatura em Educação do Campo, por vivenciarem uma experiência for
mativa na formação inicial, constroem um modus de ser e estar na profissão
que promove mudanças significativas na Organização Escolar e Método de Tra
balho Pedagógico. Elas internalizaram a intrínseca relação entre as mudanças
na escola em função da necessária compreensão e transformação da realidade
em que os sujeitos vivem. Para isso, protagonizam ações que objetivam rela
cionar a escola às questões da vida na atualidade.
Essa relação pressupõe uma concepção de sujeito a ser formado de modo anta
gônico ao da lógica da escola capitalista, ou seja, um sujeito que se reconhece
243
como protagonista no projeto de transformação social, capaz de compreender
as tensões, conflitos e contradições nela existentes e buscar formas de organiza
ção coletiva na construção de novos parâmetros de convivência social e humana.
Com essa compreensão, a escola é uma aliada das lutas sociais, sustenta-se
em uma concepção ampliada de formação humana que vincula a escola, de
maneira orgânica, à atualidade, à vida concreta dos sujeitos. A produção ma
terial da vida é central nessa realidade, assim são grandes contribuições da
escola: construir intencionalidades que reconheçam o potencial educativo do
trabalho socialmente necessário; incentivar a auto-organização dos estudantes
para propiciar a sua participação nas decisões da escola; fomentar o trabalho
coletivo dos educadores e a interação entre diferentes segmentos da vida esco
lar, com vistas a construir novos parâmetros de convivência humana.
Segundo, transformar a forma escolar não é uma tarefa fácil e livre de desa
fios. Pelo contrário, é um processo não linear, permeado de tensões, conflitos e
contradições no interior da escola e nas relações externas que ela estabelece.
Nos limites deste artigo não foi possível aprofundar esta discussão, mas reco
nhecemos que se trata de um debate necessário em publicações posteriores.
Nos limites deste texto, buscamos evidenciar que o projeto de educação cons
truído historicamente por um coletivo de sujeitos envolvidos com a emancipação
244
da classe trabalhadora do campo forjou uma licenciatura com intencionalidades
formativas com potencial de contribuir tanto com a transformação da forma es
colar, quanto com os pilares que estruturam a organização social atual.
Referências
AGUIAR, W. M. J.; OZELLA, S. Núcleos de significação como instrumento para a
apreensão da constituição dos sentidos. Psicologia: Ciência e Profissão, Brasí
lia, v. 26, n. 2, p. 222-245, jun., 2006.
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cadores para ampliação das perspectivas críticas dos sujeitos na Licenciatura
em Educação do Campo da UnB. 2014. 296f. Tese (Doutorado em Educação),
Universidade de Brasília, Brasília, 2014.
FERREIRA, M. J. L. Docência na Educação do Campo e formação de educa
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cação) - Programa de Pós-Graduação em Educação. Universidade de Brasília,
Brasília, 2015.
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246
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MARX, K.; ENGELS, F. A ideologia alemã: teses sobre Feuerbach. São Paulo:
Moraes, 1994
MÉSZÁROS, I. A educação para além do capital. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2008.
247
PAITER, L. L. Reflexões sobre a formação docente na área de conhecimento ci
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Dissertação (Mestrado em Educação Científica e Tecnológica) - Universidade
Federal de Santa Catarina, Santa Catarina, 2017.
PERGHER, E. G. A organização do trabalho pedagógico e a formação para o tra
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RITTER, J.; GREIN, M. I.; SOLDA, M.. A questão do trabalho na escola itinerante.
In: SAPELLI, M. L. S.; FREITAS, L. C. de; CALDART, R. S. (org.). Caminhos para
transformação da escola: organização do trabalho pedagógico nas escolas do
campo - ensaio sobre Complexos de Estudo. São Paulo: Expressão Popular,
2015. p. 19-66.
VINCENT, G.; LAHIRE, B.; THIN, D. Sobre a história e a teoria da forma escolar.
Educação em Revista, Belo Horizonte, n. 33, p. 7-47, jun. 2001.
248
249
Licenciatura em Educação do Campo
da UnB: dos riscos às potencialidades
na implementação
Márcia Bittencourt¹
Introdução
Os cursos de Licenciatura em Educação do Campo, mesmo sendo resultado de
uma Política Pública que completa sua primeira década de funcionamento, vêm
sofrendo forte ameaça de extinção.
250
campo de resistência como parte maior de um movimento contra-hegemôni
co. Esse movimento assim o é não somente na proposição do acesso e da
expansão da Educação Superior para as populações do campo, mas também
por estar fundamentado na formação dos profissionais da educação em uma
epistemologia diferenciada.
251
Figura 1: Distribuição dos cursos de Licenciatura em Educação do Campo no
Brasil
252
A Licenciatura em Educação do Campo foi criada com o objetivo de formar
educadores para atuar nas escolas de Educação Básica do Campo, com ênfase
na construção da Organização Escolar e do Trabalho Pedagógico para os anos
finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio. O curso oferece formação e
habilitação de profissionais para atuação nos Níveis Fundamental e Médio que
ainda não tenham a titulação mínima exigida pela legislação educacional em
vigor, que estejam em exercício nas funções docentes, ou atuando em outras
atividades educativas não escolares nas populações camponesas. Acolhe tam
bém jovens e adultos do campo que desejam atuar na educação.
253
Esse mesmo raciocínio pode ser feito com relação aos
anos finais do ensino fundamental e médio, com seis
vagas nos anos finais correspondendo a apenas uma
vaga no ensino médio (MOLINA et al., 2010).
254
O curso de Licenciatura em Educação do Campo da UnB foi criado em 2007
com duas áreas de concentração: "Artes, Literatura e Linguagens" e "Ciências
da Natureza e Matemática". Em 2012 houve uma proposta de reestruturação
do curso que visou desmembrar a área de Ciências da Natureza e Matemática,
passando a ser áreas de formação articuladas, mas independentes. A partir
desse processo de desmembramento, a formação nas áreas de conhecimento
da Universidade de Brasília passaram a ser três: Artes, Literatura e Linguagem;
Matemática; Ciências da Natureza.
255
Tempo Universidade/Etapa Presencial) estão em permanente articulação com
as questões da realidade dos educandos, enquanto as questões trazidas pelos
estudantes desafiam a universidade a articular o conhecimento teórico e prático
com o conhecimento e os saberes de suas comunidades camponesas de origem.
256
Tabela 1: Estatísticas da LEdoC UnB (2007-2017)
ANO DE TOTAL DE
ANO TURMAS VAGAS MATRICULADOS
CONCLUSÃO FORMANDOS
2007.2 1 60 60 2011 33
2008.0 2 60 55 2012 36
2009.2 3 60 60 2012 36
2010.2 4 60 53 2014 44
2011.2 5 60 57 2015 21
2012.2 6 60 46 2016 13
2013 - - - 2017 7
2014.1 7 60 45 - -
2016.2 9 60 54 - -
2017 10 - - - -
257
total para 100 educandos. Na área externa, há tanques para lavagem de roupa,
área de convivência e espaço de funcionamento para a Ciranda Infantil, da qual
trataremos mais adiante. Essas áreas são de uso coletivo durante o período em
que estão na universidade.
258
Para os egressos que afirmaram manter vínculo com os movimentos sociais e/ou
sindicais, solicitamos que informassem quais movimentos. Assim, identificamos:
Além desses movimentos, identificamos, com base nos egressos que partici
param da pesquisa, outras frentes de produção e organização econômica e so
cial construídas com egressos da LEdoC da Universidade de Brasília:
³Pereira (2013) mostra como a criação dessa associação é um forte indicador para a emanci
pação e protagonismo dos egressos da Licenciatura em Educação do Campo, uma vez que a
Associação é formada a partir dos anseios de um grupo de professores egressos da LEdoC da
Universidade de Brasília (UnB).
259
deles está estudando e trabalhando, o que consideramos um fator positivo para
quem cursou uma licenciatura, sobretudo no formato multidisciplinar.
Se somarmos o percentual dos que estão ocupados com estudo e/ou trabalho,
totalizamos 90,3% dos egressos da LEdoC ocupados (detalharemos no próxi
mo gráfico as ocupações). Questionamos aqueles que estão trabalhando so
bre qual a sua situação econômica em relação à manutenção da família, e as
respostas foram as seguintes: 37,1% se identificaram como os principais man
tenedores da família e 34,3% afirmaram contribuir com 50% da renda familiar.
Esses dados revelam que a maioria dos ex-alunos que está trabalhando tem
responsabilidade financeira na manutenção da família.
260
Figura 4: Atuação profissional dos egressos da LEdoC - UnB
Nota-se que o “Movimento por uma Educação do Campo”, por meio do Fórum
Nacional por uma Educação do Campo (FONEC), vem conseguindo esse reco
nhecimento, oficializando e normatizando o ingresso desses profissionais.
261
responderam que estão conseguindo realizar e 38% afirmaram que não conse
guem realizar nenhuma transformação nas escolas.
262
desses princípios nos interessavam bastante para que pudéssemos perceber a
real transformação que os egressos disseram realizar: a interdisciplinaridade,
considerando sua complexidade e dificuldade de compreensão no âmbito da
formação, e o trabalho coletivo. A maioria dos egressos que disse estar conse
guindo realizar uma transformação nas escolas (51,6%) avaliou que se referiam
à interdisciplinaridade.
Esse conceito trabalhado na LEdoC UnB não é subjetivo nem deve ser compreen
dido como uma estratégia didática. Voltamos a afirmar que o conceito é defen
dido por Frigotto (2008) como uma necessidade e um problema que decorrem
da forma como o homem produz sua necessidade e sua forma social, ou seja,
funda-se no caráter dialético da realidade social de produção da própria vida.
Mesmo que a reposta da maioria tenha sido positiva, a negativa foi muito alta e
esse é um indicativo importante, pois a interdisciplinaridade deve ser compre
endida pelos professores como o caminho para a superação da fragmentação
do conhecimento realizada historicamente com a divisão do currículo em disci
plinas. A interdisciplinaridade é fundamental na formação dos professores para
promover mudanças significativas em busca de uma formação integral. Isso so
mente pode acontecer quando se rompe com o trabalho individual e se busca o
trabalho coletivo.
263
motriz na produção de conhecimentos sobre a realidade social e para enfrenta
mento do contexto pedagógico/formativo e do trabalho docente na Escola do
Campo e na universidade” (FERREIRA, 2015, p. 214). Dos egressos pesquisados,
73% responderam que é por meio do trabalho coletivo que eles estão conseguin
do modificar seu trabalho docente.
Sendo o trabalho coletivo avaliado como força motriz, consideramos que boa
parte da formação necessária para a transformação da forma escolar (FREITAS,
2009) está vinculada a esse princípio, que é uma baliza para a superação da indi
vidualidade na formação dos profissionais da escola. Porém, é como se pesasse
sobre eles toda a responsabilidade sobre o sucesso dos alunos, a formação pro
fissional e a qualidade da educação.
264
•continuar estudando;
•implantar uma sala de aulas através do PRONERA;
•lidar com a indisciplina dos alunos;
•conseguir ser convocado(a) na escola;
•falta de estrutura escolar;
•alterar as estruturas escolares e promover mudanças reais para a vida
dos estudantes;
•conseguir uma escola para trabalhar;
•represália do poder político;
•com a matriz curricular, que não tem nada a ver com a realidade dos alunos;
•trabalhar na área de formação;
•conseguir reconhecimento;
•estudar e trabalhar.
Esse grau de satisfação nos auxiliou a avaliar a formação da LEdoC em uma pers
pectiva positiva, pois dados gerados pela pesquisa quanti-qualitativa apontaram
várias possibilidades nessa direção.
265
estavam estudando, conforme o resultado apresentado no gráfico da Figura 8,
pois encontraríamos um número significativo deles desenvolvendo estudos na
pós-graduação da própria UnB. Isso permitiu uma maior aproximação com os su
jeitos e nos permitiu desenvolver a metodologia tanto da pesquisa participativa
quanto da pesquisa participante em dois anos de convivência, quando realiza
mos as entrevistas.
d) a concepção de alternância
A alternância foi introduzida na Educação do Campo a partir das experiências
realizadas pelas CEFFAs e EFAs e está regulamentada na Educação Básica pelo
Parecer do Conselho Nacional de Educação/CEB nº 1, de 2/2/2006. Considera
mos que o debate sobre a concepção de alternância é fundamental para com
preendermos o que levou o Movimento por uma Educação do Campo a tomá-la
como princípio pedagógico e, consequentemente, um princípio para os cursos de
Licenciatura em Educação do Campo.
266
Ainda de acordo com Queiroz, na época da pesquisa conduzida por ele, as expe
riências foram desenvolvidas em 136 centros educativos em alternância: Esco
la Família Agrícola (EFA), Casa Familiar Rural (CFR) e Centro Comunitário Rural
(CCR) presentes em 21 estados, atendendo a 12.000 alunos e mais de duas mil
comunidades rurais e 80 mil agricultores. Além disso, nesses centros, trabalha
vam cerca de 500 monitores.
Em 2004 João Batista de Queiroz defendeu a tese “Construção das Escolas Famí
lia Agrícola no Brasil: Ensino Médio e Educação Profissional”, apresentando todo
o processo de desenvolvimento das EFAs e definindo as tipologias de alternância
(justapositiva, associativa e integral real ou copulativa). Para ele, a última seria
o modelo ideal para a Educação do Campo, pois nela há uma integração efetiva,
uma unidade entre a vida e os tempos formativos.
Para Queiroz (2004), a alternância não é somente uma forma de revezar espaços
formativos em virtude do modelo produtivo ou das necessidades de trabalho dos
estudantes e de suas famílias. Ela tem uma concepção teórica e prática que deve
ser incorporada aos cursos que a adotam como opção organizativa.
Pode-se perceber que há ainda um longo processo de construção que deve ser
protagonizado pelos professores e educandos na Educação do Campo em rela
ção à materialização efetiva de todos os potenciais da alternância. Isso ocorre
sobretudo em razão dos imensos desafios que se impõem à sua institucionali
zação no nível da Educação Superior, uma vez que ela demanda aos professores
do curso uma tarefa de acompanhamento individual e coletivo dos estudantes e
um modelo de avaliação contínua, processual, dinâmica e permanente, que deve
ocorrer também nas próprias comunidades de origem dos educandos e não ape
nas nos períodos de sua presença no TU.
A Pedagogia da Alternância é muito criticada, não por sua forma, mas pelo objeti
vo final, pois proporciona aos camponeses a possibilidade de serem absorvidos
pelo “mercado de trabalho”, tendo seu conhecimento colocado a serviço até mes
mo do agronegócio. Tais críticas nos serviram para alimentar o debate no âmbito
da formação de professores para o campo.
267
[...] sua concepção de liberdade e democracia associa
da ao modo capitalista de produção, em que o acesso
à educação colocaria a todos os indivíduos livres das
condições de uma autonomia, conquistada pelo traba
lho entendido como um emprego assalariado (RIBEI
RO, 2013, p. 387)
Partindo dessa análise, a autora afirma que as propostas pedagógicas que são
trabalhadas pelos dois institutos (FUNDEP e ITERRA) têm como base o traba
lho e a educação, tendo em vista uma concepção prática da pedagogia social.
Dessa forma, o Movimento por uma Educação do Campo defende a Alternân
cia Pedagógica também para a Educação Superior e para as Licenciaturas em
Educação do Campo.
268
dêmica de TU) e Tempo/Espaço Comunidade-Escola do Campo (denominação
abreviada para TC). Esse modelo requer uma articulação intrínseca entre a edu
cação e a realidade específica das populações do campo com seu território.
Além disso, é necessário que seja facilitado o acesso e a permanência dos
professores em exercício nas escolas do campo, o que, além de atender ao
objetivo do curso, pode fortalecer a permanência dos jovens e adultos no cam
po, evitando reforçar a ideia de que o ingresso na Educação Superior implica
abandonar o campo.
269
tes precisam conectar o conhecimento disciplinar à área de formação, ou seja,
compreendê-lo a partir da sua totalidade, tendo a pesquisa como mediação
nessa ação pedagógica.
270
o indicado para os camponeses porque a gente pode
estudar sem sair do seu lugar (Angélica Alves, 2016.
Informação verbal, grifos nossos).
271
Possibilitou eu iniciar e concluir um curso de Nível Superior.
Porque a gente conseguia conciliar o trabalho coma gradua
ção, nos momentos que a gente estava lá no assentamento
a gente conseguia trabalhar, e quando vinha pra cá, nosso
serviço era garantido, se fosse um curso regular a gente não
conseguia vir fazer. E o desafio era a gente deixar a família,
naquela época – os meus pais, então, os 45 dias eram bem
sofridos. Quando chegava ao final a gente estava cansado,
não conseguindo mais ficar. A alternância é boa, mas quan
do chegava ao final de semana a gente já estava cansado e
exausto. Mas no momento que a gente estava aqui a forma
ção era o que mais importava e a gente conseguiu concluir o
curso. (Angélica Alves, 2016. Informação verbal).
272
da alternância, que é produzir conhecimento na comunida
de, masde que formaessa produção do conhecimento?É só
para que os estudantes possam estar na universidade sem
sair da comunidade? Então, eu vejo muita contradição na
produção do conhecimento. Eu vejo que falta muito, falta o
acompanhamento no Tempo Comunidade para a produção
do conhecimento lá no TC. Porque não é só na universidade
que se produz conhecimento, lá também se produz conheci
mento e falta muito acompanhamento dos próprios profes
sores da universidade para olhar para aquela produção de
conhecimento que pode ser realizada na própria comunida
de (Pedro Xavier, 2016, informação verbal).
Se, por um lado, a LEdoC UnB consegue formar os estudantes por meio da al
ternância, por outro, ainda há um longo caminho a percorrer para materializar a
produção de conhecimento de forma integrada, tal como concebida no PPP da
LEdoC, considerando que o objetivo da alternância não é somente o acesso e a
permanência dos estudantes na Educação Superior, mas também no modo de
produção de conhecimento (MOLINA, 2015).
273
riências coletivas de oferta de pós-graduação, que tem
sido estimulada a partir das dificuldades enfrentadas pe
las IESs que já vêm trabalhando com as Licenciaturas,
nas mesmas áreas de habilitação a partir do trabalho co
letivo entre elas (MOLINA, 2015, p. 160).
274
A autorização e o funcionamento do curso e sua organização curricular se
guiram a mesma metodologia adotada para a LEdoC UnB. Dessa forma, a al
ternância com o objetivo de promover atividades e processos que pudessem
garantir sistematicamente a relação prática-teoria-prática (práxis), vivenciada
no próprio ambiente social e cultural de origem dos estudantes com ênfase
para a intervenção nas escolas do campo, foi a base de seu funcionamento.
O curso tem como fundamentação teórica a Abordagem Temática Freiriana,
sistematizada por Freire (1987) e aplicada ao ensino de Ciências. Silva (2007),
Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2002) compreendem o ensino de Ciências
nessa direção, apontando para
275
Nós não conhecíamos outra especialização com essa
cara “Ensino de Ciências na Educação do Campo". Nós tí
nhamos realmente pouco acúmulo. Era um pouco assim:
nós sabíamos que tínhamos uma demanda de egressos,
um déficit de formação desse pessoal que está saindo
da LEdoC. Eles querem continuar a formação, querem
continuar estudando, mas, no momento, nós não temos
docentes prontos para formar isso. Então, a gente fez
uma estrutura que se revelou bastante dialógica, porque
quebrou assim a dinâmica de nós sermos os professores,
somos aqui, quem sabe, estamos aqui para ensinar vo
cês que não sabem, porque efetivamente a gente não era
quem sabia, né? A gente é quem sabia alguma coisa, que
estava em um processo de formação mais logo. A gente,
inclusive, entrava em sala de aula junto o tempo inteiro.
Eles traziam as questões. Nós tínhamos muitas dúvidas,
e discordávamos, muitas vezes. Mas, foi ótimo, porque,
primeiro a gente estabelece outra relação entre professor
e aluno. Eles estavam formulando junto conosco (Profes
sor do Curso de Especialização).4
Pode-se perceber que essa foi uma das fortes potencialidades do curso
que surgiu do trabalho coletivo dos professores-formadores, pois nenhum
componente curricular foi ministrado por apenas um professor. Em todas as
etapas do curso, todos os professores estavam juntos e realizavam as abor
dagens temáticas juntos em sala de aula. Esse trabalho era acompanhado
de rigoroso processo de planejamento e avaliação diária das atividades no
início e ao final de cada etapa.
4A fala foi extraída da apresentação do curso realizada na Formação do Sub 7 em maio de 2017.
276
A interdisciplinaridade se deu pela materialidade das atividades, tendo por
base os saberes dos educandos retirados da sua realidade, ou seja, do pro
cesso de sua própria existência nas comunidades de inserção. Consideramos
imprescindível a compreensão exata do que seja a interdisciplinaridade no tra
balho realizado pelos professores do curso de Especialização em Educação do
Campo, pois esse conceito difere completamente do que vem sendo trabalha
do hegemonicamente na educação brasileira.
De acordo com Fazenda (2001), trata-se de uma ordenação brasileira, que leva
os professores a aprender a ser, a fazer, a trabalhar em grupo e atender às de
mandas requeridas pela complexidade do mundo, tendo sido “institucionaliza
da no século XX. Porém, forjada no século XVII, quando a ciência adquire pro
gressivamente formas diversas de interpretação da natureza em suas relações
socioculturais” (2008, p. 19).
277
dos anteriormente apresentados por Fazenda (2001, 2008). Enfatizamos tam
bém a posição de Morin (2000) no desenvolvimento da teoria da complexidade,
coadunando-se com as bases do pensamento educacional apresentadas pela
Comissão Internacional da Unesco sobre Educação para o Século XXI, por meio
do relatório de Jacques Delors (2003).
278
Ciências da Natureza (química, física, biologia e matemática), relacionando os
respectivos conhecimentos para selecionar os conteúdos não de forma abstra
ta e teórica, mas, partindo da materialidade da realidade dos educandos.
Após a seleção das falas, eram feitas várias perguntas aos estudantes com
o objetivo de tentar estabelecer a conexão entre os problemas locais, os co
nhecimentos científicos e os possíveis retornos às comunidades. As perguntas
eram classificadas como micro e macro, sempre relacionadas ao contexto dos
educandos. Abaixo, apresentamos um exemplo das perguntas com base na
fala significativa anterior:
279
colas com o Tema Gerador. Normalmente, as escolas selecionam um tema e
tentam trabalhar em todas as disciplinas, reproduzindo a forma interdisciplinar
requerida pelo capitalismo.
280
vida e fossem capazes de agir sobre essa realidade,
transformando-a.
281
c) espaço de acúmulo de forças para a conquista de novas políticas públicas
A Licenciatura em Educação do Campo da Universidade de Brasília tem pro
movido um acúmulo de forças que vão desde o fortalecimento de programas
desenvolvidos pelo Governo Federal, como no caso do Programa Institucional
de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID Diversidade) e do Observatório da Edu
cação do Campo (OBEDUC), além da conquista de vagas na pós-graduação
pelos estudantes camponeses. Até o término da pesquisa, verificamos o in
gresso de 5 ex-alunos no Mestrado e 2 no Doutorado em Educação.
A presença desses sujeitos nas universidades públicas fez com que os deba
tes, pesquisas e problematizações sobre a questão agrária fossem realizados,
fortalecendo a cada ano as Jornadas Universitárias pela Reforma Agrária (JU
RAs), que na Universidade de Brasília tem reunido estudantes, pesquisadores
e representações dos movimentos sociais, pautando as dificuldades das polí
ticas públicas para essas localidades.
5Jan Douwe van der Ploeg: pesquisador holandês que trabalha demonstrando que a agricultura cam
ponesa é superior na produção de alimento mundial, contrapondo-se a afirmações do agronegócio.
282
Isso foi amplamente demonstrado, por exemplo, nos
estudos realizados na década de 1960 pelo Comitê In
teramericano de Desenvolvimento Agrícola (Cida) na
América Latina. O mesmo se aplica para o continente
asiático. Mesmo sob condições adversas, os campone
ses produzem muito mais por hectare (e também por
quantidade disponível de água, etc.) do que as agricul
turas empresarial e capitalista. Esse ponto foi enfatiza
do recentemente por Griffin et al. no Journal of Agrarian
Change (PLOEG, 2009, p. 30)
283
curso de Licenciatura em Educação do Campo defendido dentro das universida
des brasileiras.
284
vem se consolidando na perspectiva da “sociedade do conhecimento”, deno
minado de Epistemologia da Prática6, com forte vinculação às competências
e habilidades hegemonicamente utilizadas na Educação Superior brasileira.
6Defendida por Schön (1983) no livro "The Reflective Practitioner" como uma nova epistemologia da
prática, toma como pontos de partida a competência e o talento.
285
no Brasil pelo setor privado na Educação Superior e na formação de professo
res voltada para atender a demandas de escolas que reproduzem o sistema
capitalista, há esvaziamento e sucateamento do setor público.
Considerações finais
Kuhn (1996) nos possibilita perceber que a construção teórica desenvolvida
pela Educação do Campo no Brasil se apresenta como um novo paradigma
na educação brasileira, desenvolvida e pautada no debate sobre a questão
agrária e que compreende a “educação” como raiz profunda da teoria do co
nhecimento científico.
286
lia, no contexto da regulamentação do PROCAMPO como Política de For
mação de Professores, vem apresentando “elementos de transforma(ação)
pedagógica” que têm repercutido na formação, organização e gestão da
Educação Superior brasileira.
287
Com fortes elementos de transformação e transgressões na Educação Su
perior Brasileira e pautada pela alternância, pela formação por áreas de co
nhecimento, pelo trabalho coletivo e pela relação teoria e prática, essa nova
forma de organização está baseada nos princípios pedagógicos da Educa
ção do Campo, que, isolados, não alcançam a materialidade esperada para a
formação de professores na Educação do Campo. Articulados, porém, eles
incorporam o trabalho docente na perspectiva da Epistemologia da Práxis.
Estes são os princípios:
Desse modo, a partir do que foi apontado nos capítulos anteriores, ratificamos
que a formação de educadores para o campo realizada com base na experiên
cia da LEdoC UnB contribuiu para um nova sociabilidade. Portanto, cabe-nos
afirmar que a Educação Superior do Campo, tomando como referência nossos
estudos e pesquisas, afirma-se no cenário educacional brasileiro como mais
uma temática para o pensamento pedagógico, pois contribui para:
288
em Educação do Campo no Brasil, com novas vagas para docentes, discentes
e técnicos administrativos que vêm resistindo coletivamente ao desmonte do
Estado de Direito no Brasil.
289
Dessa forma, o fortalecimento dessa relação se deve ao protagonismo inter
no e externo das pessoas envolvidas. O Brasil vive um momento histórico no
qual o “golpe” representa também a hegemonia da política, incertezas e fortes
reações conservadoras que tendem a extinguir tudo aquilo que caminha na di
reção contrária às formas de consenso massificadas pelo discurso do poder,
impressas na sociedade como verdades absolutas.
7Atitude adotada pelo governo do estado de São Paulo, que representa o modelo da “Pedago
gia da Hegemonia” no Brasil, notícia amplamente vinculada na mídia nacional e disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/08/1911319-escola-municipal-marca-aluno-pa
ra-nao-repetir-merenda.shtml.
290
Referências
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sino de ciências. 1991. Tese (Doutorado em Educação). Instituto de Física da
Universidade de São Paulo (IFUSP), Faculdade de Educação da Universidade
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291
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292
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de Sociologia, Universidade de Brasília. Brasília, 2004.
293
RÊSES, E. S. Apresentação. In: RÊSES et al. (org.). Universidade e movimentos
sociais. Belo Horizonte: Traço Fino, 2015. (Coleção Edvcere).
294
295
Riscos, potencialidades e desafios na
consolidação da política de educação
superior para os povos do campo na
Universidade de Brasília (UnB)
Mônica Castagna Molina1
1. Introdução
Este artigo foi elaborado a partir dos resultados da pesquisa “Políticas de Expan
são da Educação Superior no Brasil”, realizada no âmbito da Rede Universitas/BR
e do Observatório da Educação, vinculado à Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Integrada por sete Subprojetos e realizada
articuladamente por pesquisadores de diversas Instituições de Ensino Superior
(IES) no país, o objetivo geral da pesquisa foi analisar as Políticas de Expansão da
Educação Superior no Brasil, considerando as mudanças econômicas, políticas e
sociais em curso e as mudanças institucionais advindas da Reforma do Estado
brasileiro, especialmente as decorrentes da expansão da oferta de uma nova mo
dalidade de graduação concebida a partir da demanda dos movimentos sociais,
intitulada Licenciatura em Educação do Campo (LEdoC).
296
dos resultados almejados pelas Licenciaturas em Educação do Campo: 1) não
conseguir manter uma estratégia de seleção diferenciada nos cursos que ga
rantisse, de fato, o ingresso de sujeitos camponeses na Educação Superior,
característica central dessa política, uma vez que as Licenciaturas em Educa
ção do Campo consistem em uma ação afirmativa; 2) não conseguir garantir
a continuidade do protagonismo dos movimentos sociais do campo nessas
graduações, marca fundamental da materialidade de origem da Educação do
Campo; 3) não conseguir se vincular organicamente às escolas do campo; 4)
não conseguir se materializar a partir da Alternância Pedagógica e da promo
ção do trabalho docente interdisciplinar por áreas de conhecimento.
297
ses anos; na última seção, tratamos da relação da Licenciatura em Educação
do Campo com a questão agrária brasileira.
A UnB mantém oferta permanente da LEdoC nas três etapas de sua materiali
zação como política pública: Cursos-Piloto, Edital de 2009 e Edital 2012. Essa
trajetória permite afirmar que muitas questões foram sendo experimentadas
e redesenhadas ao longo de quase doze anos de materialidade de práticas de
formação docente no âmbito da Educação do Campo, tanto na formação inicial
quanto da formação continuada, especialmente por suas caraterísticas especi
ficas dentro da própria UnB, tais como oferta em alternância, formação por área
do conhecimento, autogestão e auto-organização dos estudantes.
298
paços, políticas, etc. Além disso, o desafio de conseguir que estudantes campo
neses não fossem vistos como sujeitos à parte da comunidade universitária, de
modo que os deveres e direitos fossem assegurados a todos eles, sem com isso
perder as especificidades da Educação do Campo e da proposta orientadora da
Formação dos Educadores do Campo, conforme propõe o Programa de Apoio
à Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo (PROCAMPO).
299
aos erros e acertos nas estratégias de trabalho decorrentes da especificidade
da oferta da Educação Superior em alternância e a partir das áreas de conhe
cimento, do ponto de vista da organização institucional da LEdoC/UnB o curso
tem registrado duas versões de seu Projeto Político Pedagógico.
Esse trabalho foi muito rico em razão das trocas de experiências e saberes,
mas também dos muitos desafios, alguns deles ainda não superados e que se
rão pontos de debate e aprofundamentos presentes e futuros. Compreende-se
que a prática pedagógica não é estática, ela se movimenta à medida que é exer
cida e é objeto permanente de reflexão do coletivo que a executa, sobretudo
no que diz respeito às transformações pedagógicas que o curso para sujeitos
camponeses apresenta quando quebra paradigmas de organização didático
-pedagógica presentes nas universidades brasileiras.
300
3. Análise das estratégias de ingresso e perma
nência dos sujeitos camponeses na Educação
Superior que vêm sendo construídas pela Licen
ciatura em Educação do Campo na Universidade
de Brasília
Conforme apresentamos anteriormente, um dos itens analisados na pesquisa
realizada pelo SUB 7 em relação à expansão da Educação Superior do Cam
po diz respeito ao risco de descaraterização da Licenciatura em Educação do
Campo como uma política de ação afirmativa capaz de garantir e promover o
acesso dos sujeitos camponeses à Educação Superior.
301
dora do campo. Radicalizando o princípio da igualdade,
o estabelecimento da universalidade do direito exige,
neste caso, ações específicas para atender a deman
das diferenciadas resultantes de desigualdades históri
cas no acesso à educação.
302
acesso aos direitos”, estes não se materializarão de fato se o Estado não pro
mover ações que supram as defasagens históricas acumuladas na sua fruição.
Kerstenetzky enfatiza mesmo que esses programas e ações afirmativas “com
plementariam políticas públicas universais, afeiçoando-se à sua lógica, na me
dida em que diminuiriam as distâncias que normalmente tornam irrealizável a
noção de igualdades de oportunidades embutidas nesses direitos” (2005, p. 8).
Frigotto (2011) apresenta ainda outra importante chave de leitura para a com
preensão do contexto no qual se desenvolvem tais políticas. É a partir dessa
chave de leitura que se situam as políticas afirmativas de acesso à Educação
Superior no âmbito da Educação do Campo.
303
Em função dos riscos, Frigotto (2011) alerta que, no âmbito dos organismos
internacionais, as políticas afirmativas são incentivadas como parte das estra
tégias de desviar o foco dos debates e das lutas das dimensões fundamentais
de uma agenda de reestruturação da Universidade pública, como: a autonomia
universitária, as fontes de financiamento e os mecanismos de desmonte de seu
caráter público, que têm sido implementados de maneira tanto explícita quanto
sorrateira por meio de critérios mercantis de gestão.
A partir das próprias lutas dos movimentos sociais na última década, conquis
tas importantes têm sido alcançadas objetivando a implementação de políti
cas educacionais de Educação Básica e Superior, reconhecendo e legitimando
as especificidades das populações do campo, buscando construir estratégias
para que o direito à educação se efetive realmente. As políticas de Educação
do Campo visam não apenas garantir o acesso dos povos do campo às insti
tuições públicas de ensino, mas principalmente a permanência durante o pro
cesso formativo, tendo em vista a maior vulnerabilidade decorrente das condi
ções socioeconômicas e educacionais das populações rurais. Esse é o caso
do PROCAMPO, política de acesso à Educação Superior conquistada a partir
de intenso processo de luta e organização dos movimentos sociais e sindicais
do campo, que tem proporcionado a ampliação do acesso à Educação Superior
para homens e mulheres do campo.
304
Desde o início do curso, a UnB vem mantendo a estratégia de realizar processos
seletivos específicos de entrada, de modo que se garanta um perfil de ingres
so de sujeitos oriundos ou que tenham vínculo com o campo. Nesse sentido,
consta em seu PPPC:
Desde 2007 até o momento a UnB tem realizado oferta regular de entrada de
educandos no curso, inicialmente de 60 educandos e depois, de 120 educandos
(2016, 2017 e 2018). Nesses últimos três anos, com os recursos humanos e
financeiros aportados à Universidade pelo Edital de 2012, a UnB se comprome
teu a assegurar, nos vestibulares da LEdoC, uma entrada ampliada de estudan
tes, com a oferta de 120 vagas anuais, perfazendo um total de 360 candidatos
ingressantes através de processos seletivos, com entrada pelo vestibular pre
sencial e pelo Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM).
305
cional do Ensino Médio. Foi aberto edital específico de seleção para aqueles
estudantes aprovados pelo ENEM para concorrer às vagas da LEdoC. Da forma
como foi realizada, a experiência não foi bem-sucedida, pois mais de 1.200 can
didatos foram pré-habilitados pelas notas e, no ato do registro (pré-matrícula),
não conseguiram comprovar a vinculação com o campo, apenas 56 compro
varam, e ainda assim muitos sem perfil de atuação e vivência no espaço rural.
Aqui a prova do ENEM foi utilizada como uma primeira etapa de seleção, sendo
a segunda etapa a comprovação de vinculação com o espaço rural. Os candi
datos não foram selecionados pelo Sistema de Seleção Unificada (SISU), mas
sim através de edital específico.
Vale ressaltar que todo o processo seletivo foi realizado historicamente pelo
Centro de Seleção e de Promoção de Eventos de Brasília (CESPE), que era vin
culado à UnB. Já os últimos vestibulares da LEdoC foram realizados pelo Cen
tro Brasileiro de Pesquisa em Avaliação e de Promoção de Eventos (CEBRAS
PE), com a parceria da Comissão de Vestibular da Educação do Campo.
306
A Comissão, que foi criada por Ato do Decano de Graduação, é formada por
docentes e técnicos do curso, tem o papel de analisar e homologar as ins
crições dos candidatos e a comprovação de sua vinculação com o campo,
bem como a análise de comprovação das cotas previstas no edital: escola
pública, renda e raça. Ao CEBRASPE cabe o papel de receber as inscrições,
publicar resultados, elaborar, aplicar e corrigir provas, no caso do vestibular,
ou classificar os candidatos a partir das notas do ENEM. Essa relação entre
UnB/FUP/Comissão e CEBRASPE possibilitou a diminuição dos custos para
a realização dos processos seletivos, diminuindo uma pressão existente de
que a LEDOC selecionasse candidatos através do SISU, bem como possibili
tou um olhar mais cuidadoso em relação ao perfil dos candidatos, garantindo
que as vagas do curso fossem, de fato, ocupadas por aqueles com vínculo
com o campo.
307
A experiência de organização por núcleos territoriais nasceu da experiência da
Especialização do Residência Agrária: Matrizes Produtivas da Vida do Campo.
Os NTs são territórios do DF e Entorno, além de Goiás, com maior presença de
estudantes e a partir dos quais as ações territoriais se articulam. Após a expe
riência da Especialização, o Programa de Extensão Residência Agrária Jovem
também optou pelo desenvolvimento do trabalho organizado por NT. Observa
-se que a estruturação do curso por núcleos territoriais tem influenciado de for
ma significativa os processos seletivos, seja pelo vestibular ou pelo ENEM, pois
os estudantes a serem selecionados devem estar vinculados aos territórios de
atuação da LEdoC, possibilitando um maior acompanhamento das atividades
do Tempo Comunidade.
Nos últimos editais dos processos seletivos tem-se acenado para essa orga
nização territorial, conforme consta no PPPC, em que o público prioritário será
do Distrito Federal e Entorno, Goiás e Unaí/MG. Esse modo de organização tem
potencializado as atividades do Tempo Comunidade, a criação de programas
de extensão que articulam as ações territoriais, um maior envolvimento dos
próprios estudantes no desenvolvimento de ações e movimentos que visam
debater alternativas para o território.
Ainda que haja uma demanda maior de crianças do que a sua capacidade de
atendimento, a Ciranda Infantil representa o espaço que assegura que as mães
308
e os pais não abandonem os estudos. O projeto de extensão tem recebido, nes
ses dez anos de LEdoC, mais de 400 crianças e viabilizado a formação de mui
tas mulheres camponesas que só puderam concluir sua formação na Educação
Superior em função da existência da Ciranda Infantil4 na LEdoC/UnB, que é o
resultado do aprendizado da universidade com os movimentos sociais campo
neses e tem construído práticas formativas nas quais as mulheres têm o direito
de participar também na sua condição de mães.
4No Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, a proposta é “criar um espaço educativo para
os filhos e filhas das famílias que participam do MST” (MST, 2004, p. 39). Luedke (2013) aponta que
a ciranda infantil é organizada em tempos (acolhida, linguagem, brinquedo, descanso, alimentação,
higiene e tempo coletivo para os professores).
309
temporária dos estudantes, que ficam alojados durante todo o período do Tem
po Universidade enquanto os demais estão no Tempo Comunidade. Quando
uma turma encerra suas atividades de Tempo Comunidade, volta para o Tempo
Universidade e vice-versa, fazendo com que a disponibilidade do alojamento
seja efetiva e permanente.
Por fim, vale ressaltar que muitos estudantes da LEDOC/UnB foram contempla
dos pelo Programa de Bolsa Permanência do MEC. Inicialmente pensado para
estudantes indígenas, quilombolas e de baixa renda, o Programa vem sofrendo
grandes mudanças e aumentando suas exigências para o acesso dos estudan
tes às bolsas. Desde 2016 teve sua ação restringida a estudantes indígenas e
quilombolas. Os de baixa renda não puderam mais concorrer ao edital, aumen
tando ainda mais a demanda por assistência estudantil nas Universidades.
Essa medida provoca um grande efeito na LEdoC/UnB, tendo em vista que mais
de 60% de seus estudantes são quilombolas e dependem das bolsas para se
manter na Universidade, o que significa que a mudança na forma de pagamento
310
das bolsas é uma grande ameaça para a permanência desses educandos. Es
sas questões repõem um importante debate feito na Pesquisa das Políticas de
Expansão da Educação Superior pelo SUB 5, que discute questões de Acesso e
Permanência. Por maior que seja a importância das políticas afirmativas para se
garantir o ingresso dos sujeitos camponeses na Universidade, elas não são con
dição suficiente para garantir o êxito do percurso formativo. As políticas de per
manência são também imprescindíveis para garantir que esses sujeitos tenham
as condições materiais que permitam a conclusão de seu curso com sucesso.
311
períodos dedicados a atividades diferentes, caracterizando uma prática de al
ternância justapositiva ou aproximativa. Ao contrário, as ações planejadas e
realizadas no período acompanhado pela pesquisa apontam para uma concep
ção e uma prática da alternância integrativa que norteia todo o Curso, ou seja,
há uma “compenetração efetiva” (QUEIROZ, 2003) do Tempo Comunidade e do
Tempo Universidade, numa “estreita conexão entre estes dois momentos de
atividades”, sem primazia de um sobre o outro, mas numa ligação permanente
e dinâmica entre os dois tempos.
Vale lembrar ainda que o artigo 2º das Diretrizes dispõe que a identidade da
Escola do Campo é definida pela sua
312
do aquilo que está posto no artigo 1º da LDB, ou seja, articula “vida familiar,
convivência humana, trabalho, instituições de ensino e pesquisa, movimentos
sociais, organizações da sociedade civil e manifestações culturais” (BRASIL,
1996) a partir da ligação permanente e dinâmica entre Tempo Comunidade e
Tempo Universidade.
i) Esses três eixos devem ser integrados em SEMINÁRIOS DE TC, que ocorram
periodicamente nas comunidades.
ii) Esse conjunto de ações deve contemplar ações de ensino, pesquisa e exten
são: Dessa forma, as ações de TC podem se organizar na forma de projetos
de qualquer uma dessas dimensões da atuação da Universidade e devem ser
criadas as condições para a articulação desses projetos.
iii) Sempre que possível o TC deve envolver articulação com outras organi
zações da sociedade civil presentes nos territórios de abrangência do curso,
como movimentos sociais e grupos de atuação comunitária.
313
iv) O planejamento e orientação para as atividades de TC devem ocorrer no TU
que o antecede.
v) Devem ser criadas as condições necessárias para uma boa integração e con
tinuidade entre os tempos da alternância, o TU e o TC (UNB, 2019, p. 95-96).
5No âmbito do processo de reformulação, foram aprovadas duas Resoluções que regulamentam as
ações dos professores na Licenciatura em Educação do Campo. A primeira regulamenta o Regime
de Alternância na LEdoC - Faculdade UnB Planaltina, elaborada pelos professores e estudantes,
e aprovada pelo Conselho Superior da FUP. Nessa Resolução define-se o que se compreende por
Alternância Pedagógica e Tempo Comunidade, o papel dos professores no desenvolvimento das
ações que caracterizam tais questões. A segunda Resolução (23/2019), do Conselho Superior de
Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE), regulamenta as ações específicas da Faculdade UnB Planal
tina, em especial aquelas ações específicas desenvolvidas e coordenadas pelos professores da
LEdoC para efeito de progressão da carreira docente.
314
a crianças, adolescentes, jovens e adultos residentes
nesses territórios não assegura que o ensino por ela mi
nistrado, seu currículo e o projeto político-pedagógico
dialoguem com a realidade quilombola local. Isso tam
bém não garante que os profissionais que atuam nesses
estabelecimentos de ensino tenham conhecimento da
história dos quilombos, dos avanços e dos desafios da
luta antirracista e dos povos quilombolas no Brasil (NAS
CIMENTO, 2017, p. 35).
Contudo, convém observar como relevante que o curso tem proporcionado uma
mudança no olhar dos próprios estudantes sobre a escola, como identificam as
dificuldades e os limites que essa mesma escola apresenta, mas também co
meçam a identificar caminhos e possibilidades de transformação.
315
ventário da Escola e da Comunidade. Essas atividades iniciais visam à constru
ção de uma relação permanente entre os educandos e as escolas, buscando
fugir dos padrões de ação apenas momentânea deles com a escola durante as
atividades de Estágio Supervisionado. As escolas são lócus de pesquisa, mas
também de diálogo entre os estudantes, que, na aproximação que desenvol
vem, realizam debates, oficinas e acompanham as ações, os problemas e as
questões vivenciadas na escola e na comunidade.
316
e da escola do campo. Tal processo exige uma permanente interação entre os
membros do coletivo de docentes que constroem planejamentos coletivos e
entram em sala em conjunto, articulando sempre docentes das áreas de habili
tação com docentes do Núcleo de Estudos Básicos.
Por fim, são promovidas ações do Programa Escola da Terra, numa parceria com
o MEC e Secretaria de Educação do GDF, que têm possibilitado um conjunto de
iniciativas em torno da formação continuada de professores que atuam nas esco
las do campo do Distrito Federal. Essa construção tem proporcionado uma apro
ximação teórica e prática da escola do campo com a Universidade, identificando
avanços e possibilidades que desafiam a consolidação da Educação do Campo.
317
do sujeito, que respeite as diversidades do ser humano,
do bioma, respeitando as diversidades humanas e da
sustentabilidade ambiental nas comunidades.
As questões provocadas pela LEdoC, por meio da sua práxis pedagógica, desa
fiam a formação da classe trabalhadora para fortalecer movimentos coletivos
em defesa da manutenção e transformação da escola do campo. Assim, es
tudantes identificam em seus trabalhos de pesquisa que as LEdoCs têm pos
sibilitado um novo olhar sobre a formação docente, em especial a formação
por área do conhecimento, explicitando as contradições entre o que se debate
como princípio na Educação do Campo e o que de fato eles identificam na vi
vência do trabalho escolar.
318
Essa formação objetiva contribuir com a transformação
dos planos de estudos, auxiliado e possibilitando desta
forma, a criação de novas estratégias e métodos de sele
ção de conteúdo, aproximando-os da realidade e promo
vendo também o trabalho coletivo entre os professores e
o diálogo entre os conteúdos. Contudo, a formação por
área não é a centralidade da Educação do Campo, sendo
apenas mais uma estratégia emergente da realidade das
escolas rurais.
319
tre a Universidade e as escolas do campo em que atuam os educadores em
formação nas Licenciaturas.
Com a presença nos dois tempos e espaços educativos, tanto dos educado
res que cursam a Licenciatura quanto dos docentes da Educação Superior que
passam a realizar diferentes tipos de ações formativas nas escolas básicas do
campo, o próprio movimento da alternância dos tempos e espaços educativos
entre escola básica e Universidade tem desencadeado um novo processo de
articulação entre esses diferentes níveis de ensino. Há uma compreensão e uma
intencionalidade pedagógica subjacentes à aproximação das Licenciaturas com
as escolas do campo que entendem ser necessário, desde o início da formação,
que o educador tenha uma “ligação orgânica com o futuro local de trabalho, que
é também onde se realiza a formação permanente” (SILVA, 2012, p. 206).
320
ção na porção da vida e tenta identificar a relação destes
conteúdos com a vida e com a realidade dos estudantes,
problematizando suas condições e as possibilidades de
superação (SOUZA, 2018, p. 44).
Durante a vivência nesses doze anos, destaca-se que sua ação pedagógica
tem ido além do ensino, pois se consolida também na pesquisa e na exten
são. Durante a execução dessa inovadora política de formação docente, um
rico processo de produção de conhecimento se desenvolveu, gerando densas
reflexões sobre parte das questões teórico-práticas que suscitaram as LEdoCs
na UnB. A articulação das várias especificidades da matriz formativa das Licen
ciaturas em Educação do Campo (institucionalização da oferta da Educação
Superior em Alternância; formação por áreas de conhecimento; formação para
gestão de processos educativos escolares e comunitários; formação de do
centes capazes de desencadear a transformação da forma escolar atual) tem
321
gerado um número significativo de pesquisas de mestrado e doutorado que já
ultrapassaram a marca de 19 na UnB.
322
Programa de
Título Autor Ano
Pós-Graduação
Educação inclusiva na formação de educado
LOPES, Juliana
res: uma experiência na Licenciatura em Edu 2014 PPGP
na Crespo
cação do Campo Universidade de Brasília
Vídeo
de licenciandos
como ferramenta no processo
em Educação do Campo
formativo LOPES, Eloisa
2014 PPGEC
A. de Melo
Memórias
saram no Ensino
de estudantes
Superior:Kalunga
LEdoC/UnB
que ingres- KOYANAJI,
2016 PPGRI
Raquel
Matrizes formativas e organização pedagógi
XAVIER, Pedro
ca: contradições na transição da escola rural 2016 PPGE
Henrique
para escola do campo
Contribuições da Licenciatura em Educação do
Campo
tra-hegemônicas
Saberes
da UNB da naTerra
paraexperiência
práticas
do Distrito
educativas
do Federal
ProJovem
con- MONTEIRO,
2017 PPGE
Elizana Sá
LEdoC: ressignificando
-graduação e a graduação
a na
relação
práxisentre
da docência
a pós- TEIXEIRA,
2018 PPGE
Sérgio
Sociolinguística: da oralidade à escrita na
MELO, Ana
formação de docentes do campo da área de 2018 PPGL
Carolina
linguagem
FERREIRA,
Docência na escola do campo e formação de
Maria Jucilene 2015 PPGE
educadores: Qual o lugar do trabalho coletivo?
Lima
323
Programa de
Título Autor Ano
Pós-Graduação
Formação
temologia
sos do curso
da
dede
práxis:
professores
LEdoCanálise
UNBnadaperspectiva
atuação dosdaegres-
epis- BRITO, Márcia
Mariana Bitten 2016 PPGE
court
a
Aescola
LEdoCdo
nocampo
estado de Roraima: contribuições para PEREIRA, Silva
2018 PPGE
nete Santos
O
ção
fissional
trabalho
pedagógica
docomo
campo:
de
princípio
aproximações
uma escola
educativo
deeeducação
desafios
na organiza-
pro- CARVALHO,
Luzeni Ferraz 2018 PPGE
de Oliveira
A Licenciatura em Educação do Campo da Univer
PEREIRA, Mar
sidade de Brasília e a práxis docente na transfor
celo Fabiano 2019 PPGE
mação da forma escolar a partir da atuação de
Rodrigues
suas egressas
Linguagem
xis e consciência
audivisual
política
e Educaçaõ
em percursos
do Campo:
audivisuais
prá- GONÇALVES,
2019 PPGC
Felipe Canova
Gênero e Formação Docente: análise da formação
GONÇALVES,
das mulheres do campo no curso de Licenciatura
Micheli Suellen 2019 PPGE
em Educação do Campo na Universidade Federal
Neves
do Sul e Sudeste do Pará – UNIFESSPA
324
da especialização ou no próprio mestrado acadêmico, e também já há egresso
da licenciatura no doutorado da instituição, o que é extremamente significativo,
conforme registrado pela pesquisa com egressos da UnB. Portanto, as pes
quisas desencadeadas pela Licenciatura em Educação do Campo no âmbito
da pós-graduação na UnB avançam na direção de mostrar os caminhos pelos
quais tem sido possível a defesa de uma produção de conhecimento baseada
na relação direta entre o conhecimento científico e a sabedoria dos povos do
campo a partir do diálogo de saberes. Nesse diálogo, é imprescindível a proble
matização da realidade e a revalorização dos conhecimentos sociais dos cam
poneses, buscando articular a essa valorização a geração e a disseminação de
tecnologias que sejam adequadas à diversidade dos territórios nos quais se
encontram os sujeitos em formação, avançando em direção à transformação
da realidade social das famílias camponesas.
Molina et al. (2017b) observam que é nessa construção e execução dos cursos
que as mediações das equipes docentes e movimentos sociais locais configu
ram a materialidade das experiências. Esse resultado se deve basicamente ao
envolvimento de docentes e movimentos sociais na materialização da propos
ta, nas particularidades regionais, nas lutas de resistência e na presença do
campesinato como sujeito político local por meio de sua inserção no conjunto
da sociedade e também no interior da Universidade. Os autores afirmam que
o deslocamento da perspectiva autocentrada da Universidade como centro de
referência da produção e sistematização dos conhecimentos é considerável, na
medida em que a presença de novos sujeitos políticos coletivos na Universida
de implica no desafio da construção de uma agenda de pesquisa decorrente da
demanda popular. Nesses processos de formação, aparecem umbilicalmente
ligados os processos de produção do conhecimento e os de organização so
cial, a partir do que se percebe o quão fértil têm sido tais cursos para recolo
car em pauta a relevância do desenvolvimento de experiências que articulam a
educação popular, saberes e culturas tradicionais com a perspectiva de cons
trução do poder popular.
325
trabalhadores do campo e suas organizações sociais e sindicais populares, re
sultado de suas lutas por uma Educação do Campo.
326
de capitais; reprodutiva - disputa das ideias da sociedade
por meio de campanhas publicitárias, incentivo ao con
sumo de comidas industrializadas, produzidas pelas ca
deias de supermercados; institucional, pela concentração
dos investimentos públicos de várias instituições, como
bancos públicos, instituições públicas de pesquisa, ins
tituições de fomento à pesquisa e a novas tecnologias
que hegemoniza todos os instrumentos de reprodução
do próprio modelo; e política, pois necessita desconstituir
o direito à terra e aos recursos naturais como direito de
sobrevivência dos povos, e, ao mesmo tempo, constituir
novas prerrogativas do capital sobre os territórios [...].
327
beiro, articulam-se docentes da Faculdade de Agronomia e Veterinária, Direito,
Geografia, Ciências Sociais, Ciência Política, Engenharia Florestal, Núcleo de
Estudos Agrários (NEAGRI) e Núcleo de Estudos Amazônicos (NEAZ). Agre
gam-se anualmente mestrandos e doutorandos estudantes dos mais variados
cursos de pós-graduação. As JURAs se caracterizam pelo componente da au
to-organização e autogestão na promoção das atividades, com participação e
planejamento conjunto de docentes, estudantes e coletivos de movimentos.
Seminários, Rodas de Conversa, Cine Debate, Teatro, lançamento de livros,
visitas a acampamentos e assentamentos, debates sobre o tema principal e
temas correlatos, como gênero e diversidade, raça, comunicação, agitação e
propaganda, e Feira Agroecológica com produtos dos assentamentos e da agri
cultura familiar são algumas das atividades realizadas, que mantêm aceso o
debate e a mística da luta pela Reforma Agrária como questão contemporânea
no Brasil.
7. Considerações finais
328
apresentado como uma instituição que, além de implantar o projeto-piloto, vem
protagonizando inovações do ponto de vista pedagógico com repercussões nas
diversas comunidades não só do Distrito Federal, mas também dos estados em
que estão localizados os estudantes oriundos do campo, como Mato Grosso e
Goiás. Com essa experiência, a quantidade de teses, dissertações e sujeitos for
mados tem constituído uma nova Política Pública de Formação de Professores.
329
Referências
ARAÚJO, D. S. Processos de ensino e aprendizagem da leitura e escrita no
Colégio Estadual Assentamento Virgilândia. Trabalho de Conclusão de Curso
(Licenciatura em Educação do Campo). Universidade de Brasília - Faculdade
UnB Planaltina, Brasília, 2018.
330
Pós-Graduação em Educação, Florianópolis, 2013.
MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Educação infantil: movi
mento da vida, dança do aprender. Caderno de Educação n. 12, São Paulo, 2004.
331
cenciatura em Educação do Campo). Universidade de Brasília - Faculdade UnB
Planaltina, Brasília, 2017.
332
REGIÃO
SUDESTE
333
334
-
Políticas públicas de Educação do
Campo: riscos e potencialidades de
expansão da Licenciatura em
Educação do Campo na Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro
Ramofly Bicalho1
Introdução
Nossa intenção com este texto é dar visibilidade aos princípios norteadores do
Projeto Político Pedagógico da Licenciatura em Educação do Campo da Uni
versidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), considerando, entre outros
aspectos, a formação por áreas de conhecimento, a Pedagogia da Alternância,
a relação com os movimentos sociais e as escolas do campo. Com duração
de quatro anos, o curso forma docentes para as áreas de Ciências Sociais e
Humanidades, com ênfase em História e Sociologia. Além da formação para
a Educação Básica, os estudantes têm disciplinas nas áreas de Agroecologia,
Meio Ambiente, Diversidade e Direitos Humanos. No âmbito da formação de
educadores nas escolas do campo, o curso dialoga com as temáticas da Edu
cação Especial, Educação Popular, Jovens e Adultos, Educação dos Povos e
Comunidades Tradicionais, Artes e Filosofia.
¹Professor Associado na UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro). Docente da Licenciatura
em Educação do Campo, nos Programas de Pós-Graduação em Educação Agrícola e Pós-Graduação
em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares. E-mail: ramofly@gmail.com.
²Doutorando em Educação no Programa de Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Po
pulares da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Membro do grupo de Pesquisa Educação do
Campo, Movimentos Sociais e Pedagogia da Alternância da UFRRJ. E-mail: pedroclei@hotmail.com.
³Mestre em Educação pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Doutorando no Programa de
Pós-Graduação em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares pela UFRRJ. E-mail:
guilhermegoretti.geografia@gmail.com.
336
movimentos sociais, assentamentos de Reforma Agrária, áreas de produção
agrícola familiar, comunidades rurais quilombolas, comunidades de pescado
res artesanais e caiçaras que vivem em regiões litorâneas costeiras e em ilhas.
Nesse sentido, a organicidade da licenciatura dialoga com a Pedagogia da Al
ternância e seus sujeitos, no desafio de articular escolarização, melhorias nas
condições de vida e fortalecimento político dos grupos sociais.
337
espaço e legitimar as lutas que dali advêm, portanto são necessárias para a
consolidação de um projeto popular de país. Assim, qual concepção de forma
ção para a cidadania se espera da Educação do Campo? Qual o papel da escola
para os estudantes do campo? Que saberes e aprendizagens são por eles valo
rizados? Qual a relação existente entre saberes teóricos e práticos da cultura?
Que contribuições a Educação do Campo apresenta para o fortalecimento dos
movimentos sociais e a Pedagogia da Alternância? Com tantas questões, en
tendemos que é essencial a atuação crítica dos movimentos sociais cobrando
do poder público ações de fortalecimento da educação pública no campo.
338
res da Terra; 8) ProJovem Rural; 9) PROCAMPO (Programa de Apoio à Forma
ção Superior em Licenciatura em Educação do Campo), criado em 2007 com a
finalidade de formar educadores por áreas de conhecimento, via Pedagogia da
Alternância, para atuar nas escolas do campo; 10) Lei nº 11.947/2009, que dis
põe sobre o atendimento da alimentação escolar e do Programa Dinheiro Direto
na Escola aos alunos da Educação Básica; 11) Resolução nº 4/2010, que define
as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para Educação Básica, incluindo a
Educação do Campo como modalidade de ensino; 12) Decreto nº 7.352/2010,
que dispõe sobre a Política Nacional de Educação do Campo e o PRONERA;
13) PRONACAMPO (Programa Nacional de Educação do Campo), lançado no
dia 20 de março de 2012; 14) FONEC (Fórum Nacional de Educação do Cam
po); 15) Portaria MEC nº 391/2016, estabelecendo orientações e diretrizes aos
órgãos normativos dos sistemas de ensino para o processo de fechamento de
escolas do campo, indígenas e quilombolas.
339
Histórico da constituição da Licenciatura em Edu
cação do Campo na UFRRJ
A necessidade da Licenciatura em Educação do Campo na UFRRJ está posta
desde meados da década de 1990, a partir das demandas crescentes nas
áreas de Reforma Agrária do estado do Rio de Janeiro e da escolarização
dos trabalhadores rurais que atuam na agricultura familiar, garantindo não
apenas uma política pública voltada para o desenvolvimento econômico dos
assentamentos da Reforma Agrária, mas também uma política pública vol
tada para o desenvolvimento intelectual e cultural dos trabalhadores e seus
filhos, materializada no acesso à escolarização de Ensino Médio e Superior.
O Projeto Político Pedagógico traduz, portanto, a união de esforços das áreas
de estudos, dos sujeitos e atores da UFRRJ, considerando a prática da diver
sidade que compõe a LEC.
Essa iniciativa nasceu na UFRRJ no ano de 2010, quando foi iniciada a forma
ção de uma turma dos movimentos sociais e sindicais do campo, de represen
tações de povos e comunidades tradicionais do campo e de ocupações urba
nas, constituída mediante um convênio da UFRRJ com o INCRA com base no
Edital PRONERA/2009. Essa primeira experiência foi destinada a 60 estudantes
e teve uma habilitação em Ciências Sociais e Humanidades e outra em Agro
ecologia e Segurança Alimentar. O curso funcionou em regime de alternância
com duração de três anos (PERRUSO; LOBO, 2014). A UFRRJ, em contrapartida,
abriu 10 vagas para os povos tradicionais (indígenas e quilombolas).
4Além da LEC/UFRRJ, foi oferecido o curso de Serviço Social - PRONERA na UFRJ e a LEC promovida
pelo ISEPAM/Campos dos Goytacazes, voltada para Matemática e Ciências Naturais.
340
educandos. Contou ainda com a participação de intelectuais envolvidos com
a Educação Popular e a Educação do Campo (ARROYO, 1999, 2004; CALDART,
2000, 2003, 2004). Com base no entendimento de que a formação é requisito
básico na sociedade atual, tendo em vista as necessidades de educadores e
educandos do campo, além das demandas comunitárias, a LEC é compreendi
da como o estabelecimento das vinculações entre saber acadêmico e popular.
Com duração de quatro anos, a Licenciatura em Educação do Campo da UFRRJ
forma docentes para as áreas de Ciências Sociais e Humanidades, com ênfase
em História e Sociologia. Além da formação para a Educação Básica, os estu
dantes têm disciplinas nas áreas de agroecologia, meio ambiente, diversidade e
direitos humanos. No âmbito da formação de educadores, o curso dialoga com
as temáticas da Educação Especial, Educação Popular, Educação de Jovens e
Adultos, educação dos povos e comunidades tradicionais, artes e filosofia.
5Desde 2008, a UFRRJ instituiu o Programa Nacional de Formação de Professores da Educação Básica
(Deliberação 138/2008 anexa), objetivando a reorientação curricular dos cursos de licenciatura da uni
versidade, criando um eixo comum de formação pedagógica em todas as licenciaturas.
341
do CampoIe II, e Sociologia Aplicada à Educação Básica do Campo). Além das
disciplinas, o Programa de Formação de Professores da Educação Básica insti
tuiu a categoria Atividades Acadêmicas, que trabalha a prática como princípio
formativo pedagógico6 e cujas atividades são: Seminário Educação e Socieda
de (objetiva introduzir a discussão da licenciatura para os novos estudantes);
Núcleos de Ensino, Pesquisa e Extensão (NEPEs)7; Estágios Supervisionados
e Monografia. No caso do Seminário Educação e Sociedade e dos NEPEs, re
alizam-se atividades pedagógicas vinculadas à Pedagogia da Alternância e à
constituição do TI (Trabalho Integrado), que materializa o princípio interdisci
plinar do curso. Na LEC foram instituídos os laboratórios de artes, mídias e lin
guagens, e de agroecologia, com o objetivo de articular os processos de ensino,
pesquisa e extensão.
6A Resolução CNE/CP 1/2002, em seu artigo 12, § 2º, dispõe: “A prática deverá estar presente desde o
geral a articulação dos conhecimentos das áreas específicas com a abordagem pedagógica, enfatizan
do os processos/práticas de ensino-aprendizagem no ambiente escolar, tendo como característica a
articulação entre ensino, pesquisa e extensão (Deliberação 138/2008, artigo 5º).
342
se torna indispensável o uso das tecnologias para dialogar com as diversas
experiências vivenciadas nos territórios (extensão, estágio e outras), com o es
tudo das disciplinas que complementam a carga horária curricular do Tempo
Universidade. Ressalte-se que os conceitos estudados nas disciplinas consti
tuem base indispensável para a pesquisa Estudo da Realidade nos Territórios.
Os estágios curriculares consistem em espaços singulares de: a) ampliação
da apropriação de informações por parte da universidade sobre o que acon
tece nas redes municipais e estadual de ensino em relação à Educação do
Campo; b) introdução dos estudantes da LEC no contexto escolar, estimulan
do a pesquisa e a construção de experimentações pedagógicas; c) formação
continuada dos professores das escolas do campo e construção de novos
materiais didáticos; d) utilização das escolas do campo como espaços de de
bates públicos e comunitários sobre a Educação do Campo, contribuindo para
a mobilização contra o fechamento das escolas e o apoio às demandas dos
pequenos agricultores, dos movimentos sociais e sindicais do campo, além
dos povos tradicionais; e) empoderamento da cultura dos sujeitos individuais
e coletivos do campo.
343
campo, quilombolas ou indígenas, voltadas à diversidade social; 4) praticam
agricultura ecológica em espaços urbanos; 5) são oriundos de escola pública;
6) os pais não têm Ensino Superior, 7) são professores(as) da rede pública que
atuam nas escolas do campo sem a certificação do Ensino Superior.
344
da produção realizada no Tempo Universidade e no Tempo Comunidade. Nos
dois últimos períodos, os educandos passam a elaborar uma monografia, que
compreende a produção do Trabalho de Conclusão de Curso como resultado
final do processo de pesquisa e das práticas pedagógicas desenvolvidas ao
longo das oito etapas.
345
ao articular dois espaços-tempos pedagógicos formativos, implica não apenas
uma nova “metodologia”, mas todo um sistema educativo diferenciado para os
segmentos populares do campo. Sob esse aspecto, a Pedagogia da Alternância
dialoga com os princípios-chave da Educação Popular, a autoformação coleti
va e libertadora, e a noção de que a educação pode ser instrumento político
de conscientização e construção de um novo saber pelas classes populares
(BRANDÃO, 2006).
Por outro lado, ainda presenciamos muitas dificuldades para inserção dos mo
vimentos sociais camponeses no curso, talvez mesmo em razão das nossas
dificuldades quanto à organicidade e à conjuntura do estado Rio de Janeiro,
com forte predomínio dos aspectos urbanos. Embora dialogando com os mo
vimentos sociais, a participação efetiva ainda é muito esporádica e pontual. A
LEC atualmente é um curso predominantemente de estudantes com origem
nas cidades da Baixada Fluminense, e boa parte desses estudantes integra a
classe trabalhadora. O vínculo com a terra é indireto, em função das histórias
de vida dos seus familiares.
346
Vinculação com as Escolas do Campo
A Licenciatura em Educação do Campo da UFRRJ historicamente vem lutando
contra os altíssimos índices de fechamento das escolas do campo no estado
do Rio de Janeiro, buscando fortalecer a constituição de um sistema público de
Educação do Campo. Entendemos que a permanência das escolas e sujeitos
no campo está vinculada à existência do trabalho no território camponês. A
complexificação da luta de classes exige novas alianças no polo do trabalho.
Nessa conjuntura, as escolas do campo são espaços fundamentais para o en
frentamento da territorialização dos monopólios e a monopolização dos territó
rios pelo agronegócio (MOLINA, 2016).
347
de trabalhar com temáticas articuladas à Educação do Campo, movimentos
sociais, histórias das culturas africanas e indígenas, enfatizando a importância
da diversidade na formação histórica e cultural brasileira.
A seguir, os principais objetivos alcançados nesse projeto: 1) ofereceu para os
educadores, educandos e comunidades das 12 escolas do campo do município
de Nova Iguaçu rodas de leitura, oficinas e contação de histórias sobre a Educa
ção do Campo no Brasil; 2) estimulou a reflexão crítica dos sujeitos envolvidos
nesse projeto sobre a realidade da Educação do Campo em Nova Iguaçu, des
tacando limites e possibilidades; 3) estimulou os(as) educandos(as) a realiza
rem suas narrativas sobre a realidade local e suas vivências nas atividades das
rodas de leitura e oficinas, produzindo registros orais, fotográficos e escritos;
4) ampliou o diálogo com as famílias dos estudantes com eventos no interior
da escola, viabilizando a integração da equipe do projeto com as comunidades
e demais instituições envolvidas no projeto; 5) produziu materiais didáticos a
partir dos registros gravados e escritos durante as rodas de leitura, oficinas,
visitas guiadas, pesquisas de fontes e outros documentos; 6) valorizou os sa
beres populares, as histórias narradas, as memórias sociais e as identidades lo
cais nas escolas do campo; 7) inseriu os estudantes da LEC e os bolsistas PET
Educação do Campo e movimentos sociais em dinâmicas de ensino-aprendiza
gem, possibilitando contatos e debates em torno do universo sociocultural e lo
cal, articulando histórias, memórias e identidades dos sujeitos dessas escolas
do campo; 8) divulgou os livros didáticos, paradidáticos e demais documentos
utilizados nas escolas do campo.
348
dos atores políticos protagonistas dos movimentos sociais e escolas do cam
po; 2) contextualizar a importância da cultura, a realidade local e as histórias
de vida que se entrelaçam com os processos identitários de formação de edu
cadores e educandos do campo no estado do Rio de Janeiro; 3) contribuir para
a formação docente e discente no contexto da Educação do Campo, o papel
do educador na seleção e organização dos conteúdos e os recursos didáticos
utilizados; 4) conhecer experiências e práticas de Educação do Campo desen
volvidas pelos movimentos sociais no Brasil, como o MST, a CPT e a FETAG; 5)
conscientizar os jovens da sua origem popular e trajetória de vida até a univer
sidade, enaltecendo os estudos políticos e históricos da realidade educacional
brasileira e das culturas populares; 6) ampliar as possibilidades de diálogo en
tre as instituições de Ensino Superior e os Movimentos Sociais do Campo, de
forma a estimular o processo de troca de saberes e fazeres nesses espaços; 7)
articular a Educação Superior com a Educação Básica por meio das atividades
de ensino, pesquisa e extensão, focadas na Educação Popular e do Campo,
na elaboração de materiais didáticos e formação continuada de professores e
estudantes da rede pública.
349
princípios da Educação do Campo e os movimentos sociais com alguns municí
pios da Baixada Fluminense, Angra dos Reis, Paraty e Campos dos Goytacazes;
10) contribuição dos estudantes da LEC na expansão da Educação Superior do
Campo em diálogo com as feiras de produtos da Reforma Agrária no interior da
UFRRJ, além dos debates em torno dos produtos agroecológicos e orgânicos.
O fortalecimento e a institucionalização da LEC passam ainda pelo diálogo com
as seguintes instâncias: 1) PET; 2) Programa Institucional de Bolsa de Iniciação
Científica (PIBIC/CNPq); 3) BIExt; 4) Grupo de Estudos e Pesquisas em Educa
ção do Campo, Movimentos Sociais e Diversidade; 5) Núcleo de Estudos e Pes
quisas em Pedagogia da Alternância, Educação do Campo e Ensino de Agroe
cologia; 6) articulação da LEC e seus docentes com diversas coordenações de
cursos, departamentos, institutos, programas de pós-graduação (mestrado e
doutorado), em especial o Residência Agrária, o PPGEA (Programa de Pós-Gra-
duação em Educação Agrícola) e o PPGEduc (Programa de Pós-Graduação em
Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares); 7) produção
do conhecimento em Educação do Campo (monografias, dissertações, teses
de doutorado, pós-doutorado e outros trabalhos de pesquisa e extensão sobre
a Licenciatura em Educação do Campo na UFRRJ); 8) o reconhecimento da LEC
regular pela Administração Superior da UFRRJ, sem muitas tensões.
350
conseguisse viabilizar as atividades de ensino, pesquisa e extensão na sua es
treita relação com a Pedagogia da Alternância. Foi possível também incluir no
edital o seguinte trecho: “Os candidatos aprovados para as áreas referentes ao
Departamento de Educação do Campo, Movimentos Sociais e Diversidade, quer
sejam, Teatro na Educação do Campo, Educação do Campo e Agroecologia e
História, Cultura Política e Educação do Campo, terão, obrigatoriamente, atua
ção em sistema de alternância (Pedagogia da Alternância)”.
351
d) ideias e propostas que o candidato considere relevantes para a promoção do
direito à Educação do Campo.
352
álogo entre teoria e prática; 5) aprofundamento dos textos teóricos e conceitos
em diálogo com as realidades pesquisadas nas temáticas; 6) implementação
das atividades de extensão. Outro desafio que a Licenciatura em Educação do
Campo na UFRRJ vem enfrentando é a reorganização curricular, para reduzir as
horas/aula exigidas pelo MEC para 3.200 (atualmente são 3.540), em função da
Nota Técnica Conjunta nº 3/2016/GAB/SECADI/SECADI.
Considerações finais
A sociedade brasileira construiu no seu imaginário uma estreita e injusta re
presentação do campo como lugar de atraso, contribuindo para a omissão do
Estado em relação às políticas públicas de educação e demais direitos dos po
353
vos camponeses. É consenso na sociedade brasileira que a exclusão do direi
to à terra e educação contribuem para elevadas distorções sociais e aumento
exagerado da violência. Com tantos problemas, até onde vai o direito de ir e vir
nas escolas do campo? Esses desafios precisam ser enfrentados por políticas
públicas, educadores, educandos e movimentos sociais. É necessário estimu
lar o imaginário da sociedade e valorizar os sujeitos de direitos, individuais e
coletivos, do campo na qualidade de agentes da própria libertação. Além disso,
é preciso consolidar os significados do ato político de educar, a intervenção
crítica, debates, reflexões e ações que considerem a Educação Popular e as
efetivas transformações socioeducacionais.
354
ram profundamente as escolas do campo, e este ainda permanece um enorme
desafio. Notamos que o desrespeito às identidades dos sujeitos do campo nos
meios de comunicação, imprensa, instituições públicas e privadas da socieda
de brasileira contribuem com provocações, humilhações e destruição da au
toestima. O campo brasileiro é uma incerteza, pois faltam escolas, transporte
escolar intracampo, condições de acesso e escoamento da produção. A popu
lação camponesa convive com altos índices de contaminação pelo uso intensi
vo de agrotóxicos, concentração de terras, utilização de sementes transgênicas
e avanço do agronegócio, em detrimento da semente crioula e da valorização
da agricultura familiar.
355
As universidades públicas deste país, secretarias municipais e estaduais de edu
cação têm condições de construir coletivamente projetos emancipadores que
elevem a autoestima, a criticidade e a autonomia de educadores e educandos.
Obviamente essas questões não estão desvinculadas da capacidade de mobili
zação social e política que os sujeitos do campo constroem no seu íntimo. O re
conhecimento identitário e as histórias de vida dos atores devem ser fortalecidos
com as novas conquistas e a capacidade de propor, questionar, dialogar e refletir
sobre as relações de poder e os saberes historicamente estabelecidos.
356
Consideramos que os objetivos deste trabalho foram alcançados. Entendemos
as histórias de vida de educadores e educandos memórias e vida cultural cons
titutivas de valores, conflitos de ideias, lutas pelo reconhecimento identitário e
novas formas coletivas e democráticas de relacionamentos. Queremos salien
tar que a produção do conhecimento pautada nos dados coletados e nas obser
vações efetuadas não são isentas de valores. A construção crítica e coerente
do saber não é neutra. Assim, a história pessoal dos autores permeou todo o
desenvolvimento deste trabalho.
357
Referências
ABBONÍZIO, A.; BICALHO, R. A Pedagogia da Alternância e a Licenciatura em
Educação do Campo na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ):
o Ensino Médio e a formação de educadores do campo. Dialogia, São Paulo, n.
23, p. 69-79, jan./jun. 2016.
358
______. Interfaces da Educação do Campo e movimentos sociais: possibilida
des de formação. Revista Pedagógica - UnoChapecó [Impresso], v. 20, p. 81
100, 2018a.
359
Nacional de Educação na Reforma Agrária - Pronera. Diário Oficial da União.
Sessão 1,5 nov. 2010b. Brasília: MDA.
______. Pedagogia do Movimento Sem Terra: escola é mais que escola. São
Paulo: Expressão Popular, 2008.
360
______. Educação como prática de liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
______. (org.). Movimentos sociais no início do século XXI: antigos e novos ato
res sociais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.
361
______.; SÁ, L. M. (org.). Licenciaturas em Educação do Campo: registros e re
flexões a partir das experiências-piloto. Belo Horizonte: Autêntica, 2011a. (Co
leção Caminhos da Educação do Campo, 5).
362
உலர்
Análise do processo de
implantação da Licenciatura em
Educação do Campo na UFV:
desafios e potencialidades
Eugênio Alvarenga Ferrari1
Tommy F. C. W. L de Sousa5
1. Introdução
O presente artigo sistematiza as reflexões realizadas pela equipe de edu
cadores e educadoras do Curso de Licenciatura em Educação do Campo
- Ciências da Natureza, da Universidade Federal de Viçosa - Licena/UFV. São
reflexões decorrentes de nossa participação em pesquisa6 que teve como
objetivo realizar análise histórica do curso, identificando as contradições
presentes em sua implementação.
¹Mestrado em Extensão Rural (Universidade Federal de Viçosa, 2010). Professor Assistente do curso de
Licenciatura em Educação do Campo (Universidade Federal de Viçosa).
²Mestrado em Extensão Rural (Universidade Federal de Viçosa, 2010). Professor Assistente do curso de
Licenciatura em Educação do Campo (Universidade Federal de Viçosa).
³Pós-Doutorado em Fitotecnia – Professora Adjunta do Curso de Licenciatura em Educação do Campo
(Universidade Federal de Viçosa)
4Mestrado em Educação (Universidade Estadual de Minas Gerais – 2012) Professora Assistente do
Curso de Licenciatura de Educação do Campo (Universidade Federal de Viçosa)
5Mestrado em Agronomia (Universidade Federal de Viçosa, 2014) Professor Assistente do Curso de
da expansão da Educação Superior do Campo, que integra a pesquisa “Políticas de Expansão da Edu
cação Superior no Brasil”, realizada de 2013 a 2017, a partir do Observatório da Educação da CAPES.
364
O referencial teórico-metodológico utilizado no percurso analítico foi o Materialis
mo Histórico Dialético, que nos permitiu observar o processo de constituição do
curso a partir das diferentes concepções de campo presentes na UFV e do modo
como essas concepções se desdobram nas narrativas utilizadas para corroborar
ou negar o processo de implantação do curso. Por meio de análise documental
e entrevistas, foram analisadas as abordagens teóricas presentes nos processos
pedagógicos do curso e a garantia de entrada dos sujeitos do campo.
365
pel no processo de modernização conservadora da agricultura, inclusive em
decorrência de seus vínculos históricos com instituições públicas e privadas
norte-americanas que impulsionaram essa política no Brasil (SILVEIRA, 2016).
Por outro lado, a UFV tem consolidado em seu interior um conjunto de progra
mas, projetos e ações de ensino, pesquisa e extensão orientados para uma agri
cultura de base agroecológica sob outro paradigma científico, educacional e de
desenvolvimento que visam ao fortalecimento da agricultura familiar camponesa
e da Agroecologia em nossa sociedade. Por mais que se afirme que a formação
oferecida pela UFV é majoritariamente direcionada a um determinado modelo de
desenvolvimento, esse direcionamento não é absoluto, uma vez que não contem
pla aspirações presentes no seio da comunidade acadêmica, particularmente
entre aqueles segmentos que possuem uma visão crítica ao modelo de desen
volvimento baseado na modernização da agricultura e no agronegócio (SILVEIRA,
2016). Constituíram-se, ao longo da história, espaços diversos de organização e
aprendizagens que apontam as contradições envolvendo a universidade e que
possibilitam a construção de alternativas, explicitando um processo de disputa
de hegemonia entre diferentes projetos de sociedade na UFV.
7O Programa Teia/UFV, em ação desde 2005, propõe-se a gerar interação entre Projetos de Extensão
com a utilização de ações integradoras e de intensa participação popular. Estrutura-se a partir de Coleti
vos de Criação organizativos e temáticos (Agroecologia, Saúde, Tecnologias Sociais, Economia Popular
Solidária, Educação e Comunicação Populares, Gestão e Sistematização). Com a interação e demandas
dos Projetos envolvidos, esses coletivos promovem ações com base em excursões pedagógicas, ava
liação e planejamento comuns.
366
Para Silveira (2016), o processo cumulativo de relações entre universidade e
sociedade protagonizadas por sujeitos críticos ao modelo de desenvolvimento
capitalista hegemônico vem
Essa longa trajetória de interação entre UFV, CTA-ZM e organizações dos agri
cultores contribui no desenvolvimento de uma relação profunda, marcada pelo
respeito e a confiança mútua, condição fundamental para o compromisso recí
proco entre os diversos atores na construção da Agroecologia na região e para
a realização de projetos, a exemplo da criação do Núcleo de Educação do Cam
po e Agroecologia e do Curso de Licenciatura da Educação do Campo - Licena/
UFV (CARDOSO et al., 2001; CARDOSO; FERRARI, 2006).
367
Por outro lado, o processo de aprovação interna nos diferentes conselhos da
universidade foi muito difícil e conflituoso, explicitando interesses antagônicos
em uma instituição tão fortemente vinculada ao agronegócio. Apesar das ten
tativas de desqualificação da proposta e de sua viabilidade, o grupo envolvido
na construção, alicerçado na qualidade expressa em sua aprovação em quinto
lugar e nos fundamentos e condicionantes do edital, conseguiu a aprovação in
terna, não sem algumas concessões, como a exclusão de algumas disciplinas
fortemente vinculadas a uma concepção de campo pautada na Agroecologia.
A respeito das mediações, Leandro Konder (1981) nos leva a pensar em outro
aspecto essencial da realidade: as contradições. A contradição no pensamen
to dialético “é o princípio básico do movimento pelo qual os seres humanos
existem” (KONDER, 1981, p. 47). A categoria contradição é fundamental para
compreender o campo brasileiro e o conhecimento produzido a partir dela. Por
meio dessa categoria, é possível compreender o processo histórico de consti
tuição do modelo de agricultura tal qual concebemos atualmente como parte
da expansão capitalista para o campo. A análise dessa contradição (expressa
principalmente entre agronegócio e agricultura familiar camponesa) nos ajuda
a compreender as contradições históricas que compõem o campo brasileiro,
por conseguinte, a relação dessas contradições com a implementação do cur
so, suas diferentes concepções de campo e como essas concepções se desdo
bram nas práticas pedagógicas do curso.
368
Como procedimentos de pesquisa, foram realizadas análise documental, entre
vistas e observações participantes. Em relação à primeira, seguimos as orien
tações de Shiroma et al. (2005) quando observam que a análise do processo
de produção de documentos também importa na análise do conteúdo, ou seja,
não é apenas o texto final de um documento que nos fornece um entendimento
da realidade, mas as contradições e mediações que estão presentes durante a
sua elaboração.
369
o ingresso dos sujeitos camponeses na Educação Superior, uma vez que isso
poderá descaracterizar por completo o propósito inicial pretendido para essa
política pública de “suprir a enorme lacuna nos patamares de formação dos
educadores do campo e de contribuir para elevar o nível de escolaridade dos
jovens do campo” (MOLINA, 2015, p. 154). Nesse sentido, argumenta-se sobre
a realização de um vestibular específico como algo imprescindível, assim man
tendo o caráter de política afirmativa do PROCAMPO.
8No ato da inscrição, todos os candidatos deveriam indicar também o grupo no qual se enquadra
vam entre os sete listados a seguir: GRUPO 1 - Docente que atua ou já atuou em escolas do cam
po; GRUPO 2 - Educador popular ou monitor vinculado à Educação do Campo; GRUPO 3 - Sujeito
vinculado aos movimentos sociais do campo; GRUPO 4 - Egresso de escolas do campo; GRUPO
5 - Trabalhador do campo; GRUPO 6 - Indígena ou quilombola; GRUPO 7 - Candidato que não se
enquadra nos grupos 1, 2, 3, 4, 5 e 6.
9Os candidatos que se inscrevem como pertencentes ao grupo prioritário devem apresentar UM dos
370
O gráfico da Figura 1 mostra que os processos seletivos adotados nos três
primeiros anos de implementação do curso permitiram que somente 10,2% dos
estudantes que ingressaram não se enquadravam nos grupos prioritários de
sujeitos com vínculos com o campo. Tais dados se referem aos estudantes
que ingressaram, mas se analisarmos a evasão ocorrida (29%, 27% e 12%, res
pectivamente, nas turmas de 2014, 2015 e 2016), veremos que esse percentual
diminui, pois a evasão foi maior entre aqueles que não tinham vínculos com o
campo. Por outro lado, o gráfico mostra que quase 90% dos que ingressaram
foram de candidatos que residiam e/ou trabalhavam no espaço socioterritorial
do campo, portanto sujeitos de direito dessa política afirmativa.
371
Por outro lado, os dados indicam uma clara tendência no aumento do percen
tual de trabalhadores do campo, índios e quilombolas. Nos demais grupos, há
oscilação, mas sem uma tendência clara de aumento ou queda no percentual.
Todavia, o que se quer ressaltar neste caso para uma reflexão é a influência
da parceria histórica de setores da UFV com diferentes organizações e movi
mentos sociais, e o decorrente papel de mobilizadores exercido por eles nos
processos de seleção da Licena. Cabe destacar que em todos os processos se
letivos diferentes organizações e movimentos foram acionados na divulgação
dos editais e mobilização de candidatos. Há que se considerar também o papel
dos próprios estudantes na divulgação do curso e mobilização de candidatos
nos anos subsequentes ao de seu ingresso na UFV.
372
Se analisamos outra região onde há uma concentração de estudantes da Licena,
a Zona da Mata de MG, observamos que há o ingresso de um número significativo
de sujeitos11 vinculados a organizações de agricultores e especialmente às EFAs
da Região, seja de egressos, seja de educadores dessas escolas. A parceria de
longa data com a AMEFA e os diferentes projetos de extensão em Agroecologia
desenvolvidos nessa região tiveram significativa contribuição. O caso da EFA Pu
ris, no município de Araponga, é emblemático: a quase totalidade de educadores
que atuam na escola estuda ou estudou na Licena; mesmo quem já era portador
de diploma de graduação ingressou no curso. Em entrevista com esses estudan
tes realizada em 2016, quando perguntados sobre o porquê de ingressarem no
curso, afirmaram que se sentiam com o compromisso de contribuir, a partir da
sua própria experiência com a Educação do Campo e Agroecologia, na consolida
ção da Licena na UFV, pois essa era uma demanda que se colocava há muito tem
po e que se articulava à estratégia de expansão da Educação do Campo na região.
Existem lideranças desse sindicato que vêm atuando nas lutas pela Educação do
Campo desde o início dos anos 2000. Em 2006, a partir de um curso de forma
ção de jovens das comunidades, a entidade sindical assumiu com a juventude o
desafio de buscar alternativas para aumentar o seu acesso ao Ensino médio e ao
Superior. Isso significou um trabalho de base nas comunidades, incentivando os
jovens a fazer as provas do ENEM em editais dos cursos vinculados à Educação
do Campo que começavam a surgir nas universidades. Além disso, significou
ações de suporte a essas iniciativas, como montar uma sala de internet na sede
do STR para que os jovens fizessem suas inscrições, apoiar o transporte daque
les que conseguiam ingressar em algum curso, sempre envolvendo a própria ju
ventude no papel de mobilizadores nas comunidades. Essa ação do STR, com
apoio das associações das comunidades quilombolas do município, contribuiu
no ingresso de estudantes em cursos de Licenciatura em Educação do Campo
de várias universidades, como UnB, UFMG, UFVJM e mais recentemente a UFV.
373
ciais no estado as levaram a acreditar que seria importante se aproximar mais
desta universidade. Afirmaram ainda que, especialmente no caso da UFV, os es
tudantes que ingressaram primeiro tiveram um papel muito ativo na mobilização
para que outros ingressassem depois, o que ajuda a explicar o contínuo aumento
de jovens quilombolas de Ouro Verde de Minas na Licena ao longo dos anos.
13A Licena/UFV participou e colaborou com os seguintes eventos: III Encontro Nacional de Agroecologia
374
Zona da Mata a identificarem a Licena como “mais um dos movimentos” atuan
tes na região, fato que pôde ser percebido durante a realização do I Acampamen
to dos Movimentos Sociais da Zona da Mata, realizado em fevereiro de 2017.
375
genética, biodiversidade, ecologia, além de conhecimentos das Ciências So
ciais e Humanas, como a realidade brasileira, a modernização da agricultura,
a soberania alimentar, a ecologia política e a antropologia. Enfim, aqui se inte
gram conteúdos de diferentes áreas do conhecimento a partir da prática dos
movimentos sociais do campo que compõem o corpo de educandos da Licena/
UFV, reforçando a aproximação dos conteúdos acadêmicos com as diferentes
práticas desenvolvidas pelos sujeitos do campo, sejam elas de ordem técnica
ou política.
376
experiências educativas hegemônicas e contra-hegemônicas engendradas nos
territórios educativos.
377
delos de desenvolvimento e impactos sociais, político-econômicos, culturais e
ambientais”. Assim, no primeiro ano do curso, o “olhar” está voltado ao reco
nhecimento dos territórios e dos seus sujeitos individuais e coletivos de modo
sistêmico, complexo e dinâmico, bem como os impactos do modelo de desen
volvimento hegemônico sobre o território, as situações-problema, além de re
conhecer as experiências contra-hegemônicas porventura existentes. No ano
2, semestre III, o tema é “Socioagrobiodiversidade” e no semestre IV, “Produção
do Conhecimento e Qualidade de Vida”. Assim, no ano 2 da Licena, o foco de
estudo, pesquisa e extensão são os territórios educativos, o reconhecimento
dos espaços educativos formais e não formais nos territórios; o reconhecimen
to da socioagrobiodiversidade local e sua importância; as reflexões a respeito
dos modos de produção e validação dos conhecimentos; os conhecimentos
produzidos e veiculados nos espaços educativos e o impacto na qualidade de
vida dos sujeitos do campo.
3. Perda do
4. Degradação
Degradação 1. Agroecologia, 2. Contaminação conhecimento
do solo e
sociambiental e monocultura
agrotóxicos e e qualidade da tradicional,
escassez de
da saúde água produtivo,
água
manejo e saúde
1. Transformar
Educação do 2. Educação
as escolas
Campo, escolas do Campo e
no campo e no campo em
juventude do
Escolas do
juventude campo
Campo
3. Mobilização
Políticas 1. Regularização 2. Mobilização
e organização
públicas, fundiária no para a 4. Identidade
da juventude
mobilização e Território transformação cultural: acesso
como alternativa
organização Quilombola Ouro e organização e valorização
à degradação
social Verde social
socioambiental
378
Os instrumentos pedagógicos da Pedagogia da Alternân
cia: Planos de Estudos/Projetos de Estudos Temáticos e
a Colocação em Comum, bem como o Acompanhamento
de Tempo Comunidade, permitiram uma análise da reali
dade na qual os educandos estão inseridos, contribuindo
para a elaboração de temas geradores sob os quais são
organizados os conteúdos da matriz curricular da Licena.
Esses instrumentos, além de evidenciar a realidade e con
tribuir na organização curricular, também desenvolvem
habilidades e capacidades de pesquisa nos educandos,
seja no sentido da reflexão coletiva, seja no sentido da
sistematização dos estudos realizados. Essas análises
geraram projetos e programas de extensão nos territó
rios, elaborados a partir de demandas dos próprios edu
candos. Nesse sentido, o ensino se vincula diretamente
com a pesquisa e extensão, de caráter interdisciplinar,
mobilizando conhecimentos de diferentes áreas e tendo
como foco central um projeto de campo fundamentado
nos princípios da agroecologia e da Educação do Campo
(ANDRADE et al., 2017, p. 3305)
379
Desse modo, organizou-se um coletivo de docentes com formações variadas
que, em comum, trazem em suas bagagens experiências de atuação nos movi
mentos sociais com os povos do campo e o comprometimento com a proposta
da Educação do Campo.
380
as ações de planejamento do semestre. Tratam de aspectos diversos: estrutu
ração do curso; planejamento dos tempos e espaços de formação no semestre
letivo; articulação da Licenciatura com as ações de ensino, pesquisa e exten
são; estudo de temáticas e metodologias, Conselho de Cooperação da Licena/
UFV, entre as questões relacionadas ao desenvolvimento do curso. Sua organi
zação é de responsabilidade dos próprios educadores que, ao diagnosticarem
os temas necessários a ser discutidos, elaboram o cronograma de trabalho e
criam equipes (dupla, trio ou quarteto) que assumem a função e desenvolvem
ações necessárias para concretizar o trabalho coletivo docente. Conforme a
pauta da imersão, diferentes pessoas são convidadas a participar e contribuir
com suas experiências, enriquecendo o debate.
381
ços de aprendizagem, organização logística do Tempo Universidade ou Tempo
Comunidade, entre tantos outros14. As soluções encontradas nos coletivos me
nores são apresentadas nas reuniões semanais para apreciação e deliberação
de todos. Dessa maneira, o grupo de educadores avança no planejamento e
construção coletiva do curso, aprendendo nesse processo, ousando novas pos
sibilidades e conhecendo mais suas práticas educativas.
14Há espaços coletivos no cronograma de cada Tempo Universidade que são valorizados como espa
ços educativos e expressão do trabalho coletivo docente, como o “Embarque” (momento de acolhida
no início do Tempo Universidade), o “Licine” (exibição de filmes seguidos de debates), a “Cultural” (con
fraternização organizada por educandos e educandas), o “Espaço Aberto” (oficinas de temas diversos
oferecidas por educandos e educadores) e a “Avaliação do TU” (no final de cada Tempo Universidade e
de cada semestre letivo).
382
profissional e gerando aprendizado. Todo esse processo, obviamente, reper
cute no trabalho docente de formação de educadores. Como afirma Gramsci
(1981, p. 12), “na mais simples atividade está contida uma determinada con
cepção de mundo”.
15A Matriz ANDIFES foi estabelecida a partir do Decreto Presidencial 7.233/2010, que “dispõe sobre
procedimentos orçamentários e financeiros relacionados à autonomia universitária”, com o objetivo
de institucionalizar a alocação dos recursos de custeio e capital, de forma a garantir precisão técnica e
transparência na distribuição desses recursos nas universidades federais. A Matriz tem como principal
indicador o “aluno equivalente”.
383
ros, pois o coletivo de educadores defende que é mais adequado pedagogica
mente manter três TUs por semestre.
5. Considerações finais
Diante dos desafios postos para a expansão da Educação Superior do Campo
no país (MOLINA; FREITAS, 2011), destacamos a relevância dos processos
sociais que antecederam a criação da Licena/UFV para sua implementação.
O histórico de articulação com inúmeros movimentos sociais do campo e o
desenvolvimento de diferentes projetos de pesquisa e extensão anteriores
contribuíram na consolidação do curso, cujos alicerces apontam para um
projeto de campo que traduz a diversidade da vida produzida no cotidiano
desses territórios.
384
Com o término do financiamento específico para implementação do curso e
a redução significativa nos repasses financeiros, ficam evidentes os desafios
para implementação e consolidação do curso, uma vez que é projeto fruto de
uma política afirmativa e, por isso, com grande demanda de assistência estu
dantil para a garantia da permanência desses sujeitos na universidade. O curso
traz uma proposta pedagógica estruturada em alternâncias educativas com di
nâmicas orçamentárias específicas que, por não serem compreendidas pela
universidade, enfrentam dificuldades de operacionalização.
385
Referências
ANDRADE, F. M. C. et al. Agroecologia, pedagogia da alternância e a indisso
ciabilidade entre ensino, pesquisa e extensão na formação de educadores do
campo. Enseñanza de las Ciencias, Núm. Extra, p. 3299-3306, 2017.
386
KONDER, L. O que é dialética. São Paulo: Brasiliense: 2008.
387
REGIÃO
SUL
388
389
390
A Educação do Campo em
alternância: uma licenciatura,
muitos desafios e possibilidades
Ana Cristina Hammel1
Considerações iniciais
O objetivo deste trabalho é apresentar as possibilidades e os desafios enfren
tados no processo de consolidação do curso de Licenciatura em Educação do
Campo - Ciências Socais e Humanas da Universidade Federal da Fronteira Sul
(UFFS), Campus Laranjeiras do Sul/Paraná.
391
condições menos desfavoráveis. A autora adverte que houve no Paraná certa
concentração fundiária entre os anos de 1985 e 2006, pois o índice passou
de 0,749 para 0,770, porém ainda abaixo da média nacional, de 0,854, o que
significa que o nível de concentração fundiária do Paraná é menor do que no
resto do Brasil.
Entretanto, esses dados não nos permitem concluir que o estado tenha uma
justa distribuição fundiária, em absoluto, já que os 45,7% dos estabelecimentos
que possuem área de até 10 hectares ocupam apenas 4,8% da área do estado.
A situação privilegiada a que Paulino (2011) faz referência é a menor presença
dos estabelecimentos com área superior a 1.000 hectares, que no estado re
presentam 0,3% dos estabelecimentos, concentrando 19,3% da área total. Já
no Brasil esse estrato de área representa 0,91% dos estabelecimentos, concen
trando uma área de 44,42% (IBGE, 2006).
392
Não bastasse o bloqueio à terra de trabalho imposto aos sujeitos do campo,
fruto do monopólio de classe sobre a terra, o Brasil adotou um modelo de de
senvolvimento no qual a agricultura foi lançada à condição de fornecedora de
divisas para o desenvolvimento industrial, resultado de um pacto político cons
truído especialmente a partir da década de 1950.
Prado Júnior (2004) foi assertivo ao observar a importância singular que assu
miu a agricultura na história econômica do Brasil. O autor demonstra como a
cafeicultura de exportação contribuiu para o processo de industrialização do
país. Diante da posição que o café assumiu no processo de acumulação, as
primeiras investidas em direção à industrialização o tiveram como principal for
necedor de divisas. Prado Júnior (2004) afirma que muitos dos que aplicaram
capitais na indústria haviam acumulado na produção cafeeira.
Isso se deu em várias frentes, como constata Oliveira (2010, p. 12), que se re
fere a uma delas, de grande importância. Em meados da década de 1970, todo
empréstimo bancário destinado a subsidiar a produção agrícola deveria ter,
pelo menos, 15% do valor aplicado na compra de adubo químico. Trata-se de
uma clara mediação do Estado no direcionamento da produção agrícola, cujo
objetivo é criar mercado consumidor para os produtos industriais. Ademais, o
autor afirma que o acesso ao crédito foi seletivo, privilegiando as proprieda
des maiores, principalmente aquelas acima de 100 hectares, que obtiveram em
1975 cerca de 68% do crédito disponível ao setor agrícola.
393
A modernização da agricultura implicou na integração entre indústria e agricul
tura, quando a forma de produzir acabou sendo imposta por instâncias de fora
da unidade de produção, como por exemplo, os pacotes tecnológicos e a cres
cente utilização de insumos químicos, biológicos e físicos, necessários para o
desenvolvimento da produção agrícola (FABRINI, 2002, p. 135).
Isso pode ser facilmente constatado pelas várias ocupações de terra que ocor
reram no estado, entre as quais se destacam: a ocupação das fazendas Anoni e
Cavernoso (Cantagalo/Candói, 1983); a fazenda Giacomet-Marodin (Chopinzi
nho, 1983); a fazenda Quinhão 11 (Sertaneja, 1983); e a fazenda Imaribo (Man
gueirinha, 1984) (FABRINI, 2003, p. 99).
394
ajuda na compreensão das lutas dos movimentos sociais que vão contribuir
para consolidar a organização nacional “por uma Educação do Campo”.
395
22/12/1988: assassinato do 1995: MST recebe prêmio do
seringueiro militante Chico UNICEF pela sua proposta de
Mendes Educação
1987, 88 e 89: três supersafras LDB (Lei 9.394/1996): art. 20
na agricultura aponta para a necessidade
1988: maiores latifúndios de calendário escolar próprio,
situados na Amazônia (o adaptações curriculares e
maior deles, Manasa S.A., com estruturais para atender às
4.140.767 ha) necessidades do campo
1989: Plano Verão 1996: publicação do caderno 8
1990: II Congresso Nacional do MST, com princípios filosófi
dos Sem Terra cos e pedagógicos
1990: Collor de Mello lançou o 1996: criação das primeiras
Programa Terra Brasil escolas itinerantes do Brasil no
1992: fundação da Confede Rio Grande do Sul, por meio do
ração das Cooperativas de Parecer CEE/RS 1313
Reforma Agrária do Brasil Ltda
(CONCRAB)
1992-1994: governo Itamar
Franco
1991: VI Encontro Nacional do
MST
1993: Lei 8.629 – lei agrária que
Período de
regulamentou desapropriações
1985 a 1996
de terra para a Reforma Agrária
1994 – Plano Real
1995 – 3º Congresso Nacional
dos Sem Terra
1995 – Massacre de Corumbia
ra (RO) (morreram dois policiais
e nove Sem Terra)
1995 – Criação do Iterra (Insti
tuto Técnico de Capacitação e
Pesquisa da Reforma Agrária)
em Veranópolis/RS
1996 – Massacre de El Dorado
dos Carajás (PA) (195 Sem
Terra mortos)
1995 – Lema do MST era: “Re
forma Agrária, luta de todos!
1995 – 1998 – Governo Fernan
do Henrique Cardoso
1996 – 3000 famílias ocupa
ram a Fazenda Giacometti
Marodin (Rio Bonito do Iguaçu/
PR) que tinha 83 mil habitantes.
396
a
pessoas
Contexto
1997:
Terra,
participação
Emprego
Marcha
histórico
Nacional
de
e Justiça,
100
brasileiro
mil
por
com Educação do Campo
1997: os movimentos sociais
recolocam a discussão sobre
a Educação do Campo e
promovem o I Encontro de
1998:(Programa
Terra
lançado
criação
em 1997)
doCélula
Banco
- apoio
da
dafinan
Terra Educadores e Educadoras da
Reforma Agrária (I ENERA)
Primeira
da Agricultura
Terra Familiar
e a consolidação Meta 13: Estabelecer junto às
escolas agrotécnicas e em
2003: o governo federal adota colaboração com o Ministério
a Medida Provisória nº 131, da Agricultura cursos básicos
que libera a comercialização de para agricultores, voltados
transgênicos para a melhoria do nível
2003: Movimentos
escrevem a Carta da Sociais
Terra técnico das práticas agrícolas
e da preservação ambiental,
2003 a 2010: Governo Luiz na perspectiva do desenvolvi
Inácio Lula da Silva mento auto-sustentável.
2003:
de 10 ha
propriedades
ocupavam com 1,8%menos
da Meta 15: Transformar progres
sivamente as escolas unido
área, com 1.338.711 imóveis centes em escolas de mais
e as com mais de 1.000 ha de um professor, levando em
ocupavam 43,8%, com 69.123 consideração as realidades e
propriedades as necessidades pedagógicas
2004: 1.640 assentamentos e de aprendizagem dos alunos.
com
famílias
2007:105.466
termina
acampadas
famílias
o II Plano
no
e Brasil
124.240
Nacio Meta 16: Associar as clas
ses isoladas unidocentes
remanescentes a escola de,
nal de Reforma Agrária pelo menos, quatro séries
2011: Governo Dilma Rouseff completas.
397
Meta 17: Prover de transporte
escolar as zonas rurais, quan
do necessário com colabora
ção financeira da União, Esta
dos e Municípios, de forma a
garantir a escolarização dos
alunos e o acesso à escola
por parte do professor.
Meta 25 - Prever formas
mais flexíveis de organização
escolar para a zona rural, bem
como a adequada formação
profissional dos professores,
considerando a especificidade
do alunado e as exigências
do meio.
398
Metas: universalizar o acesso
à Educação Básica de qualida
de para a população que
trabalha e vive no campo;
ampliar o acesso à educação
superior; valorizar e formar
educadores(as) do campo;
respeitar a especificidade da
Educação do Campo e a diver
sidade de seus sujeitos.
Desencadearam-se, a partir
destes fatos, encontros esta
duais para a constituição das
articulações estaduais por
uma Educação do Campo.
2004: Criação da SECAD
(Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e
Diversidade)
399
O Quadro 1 mostra a evolução da Educação do Campo ligada à luta dos tra
balhadores, e nele é possível observar como é recente a preocupação com a
formação específica desse espaço de trabalho e vida, da mesma forma que
são poucas as experiências nesse sentido, em geral realizadas pelos movimen
tos sociais, que trazem em suas reivindicações a reafirmação de necessidades
diferenciadas à educação escolar nesse âmbito. Anteriormente quem atuava
nesses espaços eram profissionais formados em nível médio e/ou no antigo
curso de magistério, ou quem apresentava um nível mais alto de estudos.
Essa nova demanda vai gerar a necessidade de profissionais que atuem nas
escolas, por isso o MST e outros movimentos camponeses começam a pautar
a formação de educadores para o campo. Trata-se de um projeto educativo a
ser vinculado à escola, compreendendo os profissionais da educação e a co
munidade escolar como sujeitos com capacidade de decidir os rumos de sua
educação. Esse procedimento aponta para uma necessidade urgente de mudar
a maneira de conduzir as reformas educacionais no Brasil, favorecendo a sua
consecução na prática concreta, uma vez que os atuais gestores de órgãos
oficiais proclamam a autonomia e a gestão democrática nas escolas públicas,
seguindo orientações da própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB).
te, do campo.
400
As Licenciaturas em Educação do Campo no Paraná
A Educação do Campo no Paraná está diretamente ligada ao contexto nacional.
No âmbito da participação dos movimentos sociais nos diferentes espaços de
articulação política e como fruto daI Conferência Nacional por uma Educação
do Campo em 1998, foi organizada a Conferência de Porto Barreiro, entre os
dias 2 e 5/11/2000, com a participação de mais de 450 educadores e dirigentes
de movimentos sociais de 64 municípios paranaenses.
401
dades e do Estado que é movido pela tensão provoca
da pelos Movimentos Sociais do Campo. Destacam-se
neste processo as Universidades Estaduais Unioeste e a
Unicentro, a Universidade Tecnológica Federal do Paraná
-UTFPR e a Universidade Federal da Fronteira Sul - UFFS,
que ofertam Cursos de Licenciatura em Educação do
Campo por meio de editais ou como curso permanente,
no caso da UFFS. As Universidades que ofertam o curso
de forma não permanente elaboram projetos e captam
recursos pelo PROCAMPO.
Pelo menos duas questões levantadas pelo autor merecem destaque na aná
lise da oferta dos cursos, ou seja, o tempo da oferta e o protagonismo dos
movimentos sociais ao pautar a demanda. Ao mesmo tempo em que isso re
presenta uma conquista, coloca um desafio para as universidades: dialogar
com novos processos pedagógicos e com a estrutura construída nas escolas
da rede estadual de ensino. Costa (2013) sistematiza a oferta dos cursos no
Paraná até 2010, cujo quadro seria o seguinte:
402
Universidade UNIOESTE UNICENTRO UTFPR UFFS
Ano de
2009/2010 2009 2010 2010
implantação
Número de 6 (duas entradas
1 1 1
turmas a cada ano)
Regime de Regime de Regime de Regular (aulas
Regime de oferta
Alternância Alternância Alternância todos os dias)
5 O calendário do ano letivo de 2013 na UFFS se estendeu até fevereiro de 2014 devido à greve do
cente que ocorreu naquele ano. Ela foi deflagrada no dia 17/5/2013. O movimento chegou a atingir
57 das 59 universidades federais do país. O Ministério da Educação anunciou que quer a reposição
completa do período em greve. Disponível em: <http://g1.globo.com/educacao/noticia/2012/09/gre
ve-nas-universidades-federais-empurra-ano-letivo-para-2013.html>. Acesso em: mar. 2019.
403
questões que precisam ser resolvidas, sobretudo em relação às redes de ensi
no nos diferentes estados onde são ofertados os cursos, que não reconhecem
sua estrutura curricular e metodológica. Soma-se a isso a diversidade dos pro
jetos construídos nas universidades, apesar do edital em comum, criando um
emaranhado de possibilidades formativas exigindo-nos pensar a natureza da
própria Licenciatura.
Assim, desde 2013 são travadas verdadeiras batalhas entre a SEED, as univer
sidades e os egressos dos cursos que reivindicam o direito ao trabalho. Não há
consenso sobre as áreas do conhecimento e a matriz disciplinar das escolas
estaduais, e também nenhuma disposição para aprofundar as reais necessida
des das escolas localizadas no campo. Ao mesmo tempo em que persiste o
impasse sobre a forma de oferta do currículo, inúmeras escolas e turmas vêm
sendo fechadas em todas as regiões do estado. Nesse sentido, a reflexão de
Bressiani e Brenatt (2015) não avança no interior das escolas, uma vez que a
inserção dos acadêmicos e egressos ocorre apenas pontualmente, de forma
isolada, sem alterar a forma escolar, nem mesmo a abordagem do conteúdo.
404
pedagógicas equivocadas e desarticuladas do contexto
camponês, pautadas pela fragmentação do conhecimen
to dito “moderno” que essa licenciatura possibilita, [...] dar
continuidade ao processo de constituição de um espaço
de diálogo entre as práticas das escolas de inserção e
as discussões em desenvolvimento da LEdoC, discutir o
processo de inserção dos estudantes nas escolas para
práticas pedagógicas e estágios do curso e avançar na
reflexão sobre o desenho pedagógico da escola de edu
cação básica (p. 7).
405
A predominância de atividades econômicas vinculadas à agricultura na maior
parte dos municípios que constituem a região foi a justificativa para implan
tação da Licenciatura em Educação do Campo já de forma regular na univer
sidade, bem como dos demais cinco cursos ofertados pela UFFS - Campus
Laranjeiras do Sul6 no momento de sua criação. Apesar de alguns elementos
característicos das demais licenciaturas ofertadas em outras universidades
próximas, ela apresenta o diferencial de não se organizar por regime de alter
nância, elemento basilar dos cursos promovidos pelos editais específicos.
6O Campus Laranjeiras do Sul da UFFS foi implantado ofertando seis cursos de graduação: Agro
nomia com ênfase em Agroecologia, Economia com ênfase em Cooperativismo, Engenharia de
Alimentos, Engenharia de Aquicultura e dois cursos de Licenciatura em Educação do Campo, sendo
um na área de Ciências Naturais, Agrárias e Matemática e outro em Ciências Sociais e Humanas.
406
formação e titulação adequadas para o exercício profissional no contexto das
escolas indígenas. Em 2018, dos 133 acadêmicos matriculados, 45 são indíge
nas, o que representa mais de 33% dos acadêmicos. Os demais são pequenos
camponeses proprietários, sobretudo acampados e assentados no território da
Cantuquiriguaçu7, região que concentra o maior número de trabalhadores rurais
assentados do país, que só estão na universidade devido ao regime de oferta
do curso ser em alternância, o que possibilita a permanência dos acadêmicos
em suas comunidades, com suas famílias.
Dessa forma, priorizamos aqui abordar dois aspectos que consideramos cen
trais da natureza do curso e que dialogam com as contradições do real, seja
7O território da Cantuquiriguaçu conta com aproximadamente 233 mil habitantes, mais de 50%
morando no campo, e é constituído por vinte municípios (Campo Bonito, Condói, Cantagalo, Ca
tanduvas, Diamante do Sul, Espigão Alto do Iguaçu, Foz do Jordão, Goioxim, Guaraniaçu, Ibema,
Laranjeiras do Sul, Marquinho, Nova Laranjeiras, Pinhão, Porto Barreiro, Quedas do Iguaçu, Reserva
do Iguaçu, Rio Bonito do Iguaçu, Três Barras do Paraná e Virmond (IPARDES, 2007).
407
nos compromissos assumidos com os princípios da Educação do Campo e dos
trabalhadores do campo, seja com as demandas do mundo do trabalho docen
te e a possibilidade de manutenção das turmas, principalmente no regime da
alternância. Em relação aos aspectos pedagógicos e metodológicos do curso,
cabe aqui destacar a organização curricular, os tempos e espaços formativos, o
perfil docente e os eixos formativos previstos no Projeto Pedagógico Curricular.
O CCCSHLS é estruturado por áreas de conhecimento, compreendendo diferen
tes componentes dos três domínios8 curriculares. O tempo formativo prevê a
Alternância Pedagógica (Tempo Universidade e Tempo Comunidade) e é orga
nizado em 9 semestres com carga horária total de 3.315 horas.
Como forma de garantir uma formação ampla que compreenda essas dimen
sões, várias são as estratégias previstas na materialização do Curso, desde a
organização dos componentes curriculares até os processos de auto-organiza
ção e gestão das turmas.
8A estrutura curricular da UFFS prevê a organização por domínios do conhecimento, nos quais são
408
Horas Horas
Fase Nº Domínio Componente Curricular Créditos Total
TU TC
Agrária
Educação, Trabalho e Questão
06 Específico 03 40 5 45
Brasil e Desenvolvimento no
Campo
15 Específico 04 45 15 60
Teorias da Aprendizagem e do
16 Conexo 03 40 5 45
Desenvolvimento Humano
Organização do Trabalho Escolar
17 Específico 03 40 5 45
e Pedagógico I
Política Educacional e Legislação
18 Conexo 03 40 5 45
do Ensino no Brasil
409
Horas Horas
Fase Nº Domínio Componente Curricular Créditos Total
TU TC
02
4º
28 Legislação da Educação do 30 30
Campo e Indígenas
Antropologia das Populações
29 Específico 02 25 05 30
Rurais e Indígenas
32 Específico Filosofia I 02 30 30
34 Específico Geografia I 04 50 10 60
35 Específico História I 02 30 30
5º
36 Específico Sociologia I 04 50 10 60
Antropologia da Infância e
37 Específico 02 25 05 30
Juventude no Campo
Pesquisa
Metodologias e Técnicas de
38 Específico 02 25 05 30
40 Específico Filosofia II 04 50 10 60
41 Específico Geografia II 04 50 10 60
42 Específico História II 04 50 10 60
Específico Sociologia II
6º
43 04 50 10 60
IV
Estágio Curricular Supervisionado
46 Específico 06 20 70 90
410
Horas Horas
Fase Nº Domínio Componente Curricular Créditos Total
TU TC
04
49 Específico História III 50 10 60
Campo Brasileiro
Sociologia Rural: Realidade do
7º 50 Específico 04 50 10 60
II
Trabalho de Conclusão de Curso
52 Específico 02 25 5 30
V
Estágio Curricular Supervisionado
53 Específico 06 70 20 90
54 Específico Filosofia IV 04 50 10 60
56 Específico Geografia IV 04 50 10 60
8º 57 Específico História IV 04 50 10 60
III
Trabalho de Conclusão de Curso
60 Específico 02 30 30
Trabalhos de Conclusão
Seminário Socialização
dedos
9º 61 Específico 02 30 30
Curso
Subtotal 02 30 30
411
A análise da matriz demonstra a preocupação do curso em garantir compo
nentes específicos da docência com abordagem na área da metodologia, do
ensino e da aprendizagem, que possibilitem o diálogo com o campo desde a
matriz produtiva até a compreensão dos sujeitos que o compõem, além dos
componentes que são específicos da área de formação dos futuros docentes.
É possível que a análise das ementas das disciplinas de história, geografia, so
ciologia e filosofia possibilite uma maior compreensão do perfil e a abordagem
que o curso prevê.
O coletivo dos educadores das turmas (docentes do curso) realiza a cada início
de semestre o planejamento coletivo das ações, define tarefas, a participação
das turmas em eventos e a organização da Proposta Metodológica da Etapa
(PROMET). Esse exercício é uma tentativa de elaborar processos articulados,
compreendendo que os conteúdos específicos são fundamentais para entender
os fenômenos da realidade e para o exercício da docência, mas somente a sua
compreensão conjunta e articulada possibilitará avançar numa concepção de es
cola e de prática docente que contribua na emancipação dos sujeitos do campo.
9A cada início de TU são realizados seminários a partir dos seguintes eixos integradores: Eixo 1
– Sociedade, Estado e Movimentos Sociais (nas duas primeiras etapas de TU); Eixo 2 – Escola e
Educação do Campo (uma etapa); Eixo 3 – Sujeitos, Cultura e Identidade (duas etapas); Eixo 4 –
Pesquisa, Etnociência e Saberes (duas etapas); Eixo 5 – Organização do Trabalho Pedagógico (uma
etapa) (UFFS, 2013; ANHAIA, 2018).
412
ela e apresentam em seus currículos práticas vinculadas
aos movimentos sociais antes de estes entrarem na uni
versidade (p. 182-183).
10O convênio assinado entre a UFFS e o município de Candói, em agosto de 2018, prevê a formação
de pessoas que não teriam condição de realizar o curso em regime regular e na universidade. As
sim, o convênio visa ao compartilhamento de potencialidades entre os partícipes e a universidade
detém o domínio didático-científico enquanto a Prefeitura Municipal de Candói tem as estruturas
físicas que envolvem espaços de convivência, hospedagem, alimentação, além de salas de aula,
por exemplo. As aulas acontecem na antiga Casa Familiar de Candói e a alimentação é garantida
pelos acadêmicos. No ano de 2019, será ofertada uma nova turma, com previsão de início das
aulas para agosto.
11Informação disponível em: <http://www.nre.seed.pr.gov.br/modules/qas/uploads/3564/edi
tal_57_pss_professor_2019_versao_final.pdf>. Acesso em: mar. 2019.
413
so, convivência na turma e entre diferentes turmas). Pro
porcionar os tempos educativos não significa que por
si só eles aconteçam, nas avaliações realizadas pelos
educandos no final de cada etapa é possível identificar
muitos conflitos gerados por esse processo. Percebe-se
a necessidade de acompanhamento mais efetivo por par
te dos professores, a fim de problematizar e contribuir na
elaboração de encaminhamentos para os conflitos que
se manifestam (p. 198).
Esse tem sido um dos pontos centrais a ser enfrentados do conflito entre os
educadores e educandos, demonstrando a necessidade de se aprofundar es
tudos sobre o papel dos tempos educativos e da gestão coletiva. Isso exige
também ampliar a compreensão dos processos formativos amplos, que, além
da cognição, envolve outras dimensões humanas. A convivência nas etapas
do Tempo Universidade tem exigido esse aprofundamento e essa resposta ao
coletivo das turmas, e a experiência da formação de docentes.
Considerações finais
As reflexões feitas neste trabalho ressaltam a necessidade de estudo sobre a
incidência dos cursos de Licenciatura em Educação do Campo nas escolas dos
territórios camponeses e indígenas. Passada a fase de implantação desses cur
sos nas universidades, resultado da luta dos sujeitos do campo, o desafio é da
concretização da carreira desses egressos. No que tange ao estado do Paraná,
a interminável disputa pela carreira tem impedido a efetivação da inserção dos
egressos nas escolas. Nas poucas vagas que ocupam percebe-se ainda uma
tímida inserção. Por outro lado, a própria oferta dos cursos nas universidades
revela a possibilidade de resistência e de construção de outras possibilidades
de formação docente.
414
Nesse sentido, há muito a se avançar, o que somente será possível na medida
em que a universidade, a escola e a mantenedora, no caso do Paraná, a SEED,
estabeleçam canais efetivos de diálogo, em que a prioridade seja o estudante
do campo.
415
Referências
ANHAIA, E. M. Formação de professores: realidade, contradições e possibili
dade do curso de Licenciatura em Educação do Campo/UFFS - Campus de La
ranjeiras do Sul 2012-2017. Tese. (Doutorado em Educação). Florianópolis, SC:
UFSC, 2018.
COSTA, G. K. da. Uma análise dos projetos políticos pedagógicos dos cursos
de Licenciatura em Educação do Campo no estado do Paraná. Dissertação de
Mestrado. Cascavel, PR: Unioeste, 2013.
416
PAULINO, E. T. Por uma geografia dos camponeses. São Paulo: UNESP, 2006.
417
418
Licenciatura em Educação do
Campo e formação docente na
área de Ciências da Natureza
e Matemática: riscos e
potencialidades na
caminhada da UFSC
Néli Suzana Britto1
Introdução
O presente texto tem como objetivo socializar riscos e potencialidades identifica
dos no âmbito da constituição do curso de Licenciatura em Educação do Campo
da Universidade Federal de Santa Catarina - EduCampo/UFSC. Além de desafios
mais gerais relacionados à institucionalização do curso, privilegiaremos como
objeto de discussão deste texto aqueles relacionados mais especificamente à
formação docente na área de Ciências da Natureza (CN) e Matemática (MTM)
promovida pela Licenciatura em Educação do Campo da UFSC3. Trata-se de de
safios de cunho epistemológico, curricular, de constituição de uma docência uni
versitária que supere a racionalidade acadêmica, bem como desafios de reco
nhecimento dessa habilitação pelas redes de ensino municipais estaduais.
¹Doutorado em Educação (Universidade Federal de Santa Catarina, 2010). Docente da Universidade Fe-
deral de Santa Catarina do curso de Licenciatura em Educação do Campo e do Programa de Pós-Gradu
ação em Educação Científica e Tecnológica.
²Doutor (2017) e Mestre (2012) em Educação Científica e Tecnológica. Licenciado em Física pela Uni
versidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professor da Licenciatura em Educação do Campo e do
Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica (PPGECT) da UFSC.
³A composição deste texto se baseará fundamentalmente nas contribuições das pesquisas de mes
trado “A pesquisa como princípio educativo e sua relação com currículo organizado pela alternância”
(HUDLER, 2015) e “A formação por área e a interdisciplinaridade” (PAITER, 2017).
419
e a organização curricular para formação inicial de professor@s4 no curso da
UFSC; como esse percurso formativo docente vem se articulando aos princí
pios e à finalidade político-pedagógica da área de Ensino em Ciências da Na
tureza e sua intrínseca relação com a visão d@s docentes atuantes no curso.
4Neste texto adotamos o símbolo @ para padronizar a desinência de palavras no masculino e no femi
nino (no lugar de o, a), como modo de contestar a tendência sexista na escrita.
420
dade e Inclusão (SECADI) / Ministério da Educação e da luta de movimentos
sociais e sindicais por uma política de formação inicial voltada aos sujeitos do
campo (HUDLER, 2015).
Vale enfatizar que isso, de certo modo, inverte o fluxo da luta extrainstitucional
forjada pelos movimentos sociais organizados, pois o curso, desde sua origem,
foi pensado internamente, o que representa um risco, na medida em que isso
pode fragilizar as relações entre a Instituição de Ensino Superior e as bases
dos movimentos. Ao mesmo tempo, essa característica implica em um desafio
constante do grupo docente e da coordenação em dialogar com os movimen
tos sociais envolvendo-os de diferentes formas na consolidação do curso. Uma
dessas iniciativas tem ocorrido na atual discussão sobre o regimento do curso,
em que foi decidido haver até cinco cadeiras no colegiado reservadas aos mo
vimentos sociais do campo, o que avaliamos ser um pequeno passo na relação
entre movimentos sociais do campo e o curso.
421
sos das turmas “mambembes” (turmas com maior número de ocupação das
vagas), ainda não foi assumida integralmente pela universidade. Ao mesmo
tempo, também não há ainda estratégias nem consenso sobre a necessidade
de conceber o curso como parte das lutas dos distintos movimentos sociais do
campo, muito menos de compreender o curso como uma prática cultural terri
torializada, protagonizada pelos sujeitos e movimentos sociais que dão vida à
luta no campo nesses locais.
422
2.1. As estratégias de ocupação das vagas por sujeitos do campo na
EduCampo/UFSC
Duas ações do curso para potencializar o ingresso de sujeitos do campo po
dem ser destacadas, ambas fruto de um levantamento dos territórios no estado
de Santa Catarina que reunissem um maior contingente do perfil de alun@s
almejado e principalmente que propiciassem a ocupação integral das vagas
para esses sujeitos. Uma dessas ações foi a oferta de vestibular específico
para o curso, com aplicação das provas em data agendada em municípios lo
calizados nos territórios selecionados: Planalto Norte (2011), Encosta da Serra
(2012), Meio Oeste/Contestado (2013), Litoral (2014), Planalto Norte (2016),
Meio Serrano (2017) e Litoral (2018). Além da escolha dos territórios, foi dis
cutida e implantada outra estratégia, chamada de interiorização (apelidada de
“mambembe”), proposta que gerou discussões e resistências, pois implicaria
numa logística de deslocamento dos docentes para a realização dos Tempos
Universidade nos municípios.
Planalto 10 (2015.1)
Edital (50 vagas)
Vestibular UFSC Norte – 4 (2016.1)
Mambembe
Turma 3 2011 – Educação do Mambembe 4 (2016.2) 42%
Canoinhas
Campo Polo TU 2 (2017.1)
Canoinhas 1 (2017.2)
Encostas
da Serra
Edital (55 vagas)
Vestibular UFSC Geral –
Mambembe 15 (2016.1)
Turma 4 2012 – Educação do Mambembe 31%
Santa Rosa de 2 (2016.2)
Campo Polo TU
Lima
Santa Rosa
de Lima
Fonte: @s autor@s.
423
na permanência de estudantes, com a evasão se restringindo a aproximada
mente 30%, enquanto a evasão nas turmas que tem seu TU no campus Trinda
de em Florianópolis tem sido aproximadamente de 70%, expressão das dificul
dades em conciliar a vida no campo e as atividades no campus universitário,
cuja distância e os desenhos de alternância sem itinerância experimentados
não deram conta de suprir.
Por outro lado, a realização da interiorização foi gerando parcerias nos terri
tórios com o Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC/Canoinhas), escolas,
secretarias de educação e outras instituições municipais para a viabilização
logística de realização do curso nesses locais. Foi providenciada uma infraes
trutura para a realização dos TUs no território; flexibilização de horários para a
realização de atividades de investigação pelos alunos nos TCs; e participação
dos alunos nos TUs no território e, às vezes, em Florianópolis. Podemos des
tacar ainda a relação estabelecida com municípios do Planalto Norte de Santa
Catarina, território que sediou a terceira turma do curso no modelo itinerante
(mambembe). Quando realizado o vestibular para a formação da sétima turma
novamente nesse território em 2015, foram ofertadas e preenchidas 120 va
gas. Algo inédito na história do curso da UFSC, uma demanda motivada pelas
experiências docentes e articulações com secretarias de ensino e escolas do
campo, situação em que os estudantes da turma anterior haviam realizado tra
balhos docentes nas comunidades e entorno escolar.
5SANTA CATARINA. SED/DIGR/DIGP. Nota Técnica Conjunta nº 3/2016 (SED/ DIGR/ DIGP). Florianópo
lis, SC, 2016.
424
novos editais incluindo o curso EduCampo; a realização futura de um concurso
exclusivo para escolas agrícolas e familiares; uma equipe da Secretaria com
assessoria da UFSC estava elaborando um documento que trataria da delimi
tação/definição de escolas do/no campo e respectivos direitos dos sujeitos do
campo. Os dois últimos termos apontados ainda não se efetivaram. Vale res
saltar que a elaboração de um documento referente à definição das escolas do/
no campo e a respeito de quem são os sujeitos do campo está intrinsecamente
ligada aos aspectos indicados no segundo bloco, que trata de fatores internos
ao curso, isto é, o processo formativo. Para isso, foi lançada a proposta de uma
comissão com representantes de ambas as instituições e de movimentos so
ciais e sindicatos, o que ainda não foi efetivado.
425
Fundamental e do Ensino Médio nas escolas localizadas no meio urbano. Esse
contexto acentuou a lacuna na continuidade de estudos e escolarização da ju
ventude do campo, assim como acirrou a precarização profissional de profes
sor@s do/no/para o campo.
Desse modo, foi necessário que o traçado formativo do curso, marcado pelo
pioneirismo, estivesse coerente e comprometido com uma perspectiva edu
cacional emancipadora e respeitosa da diversidade dos sujeitos do campo,
no sentido de contraposição às desigualdades de classe, de gênero, étnico-ra-
ciais e sexuais, contemplando as especificidades e os princípios da Educação
do Campo.
426
mantém bastante fragmentada e descomprometida com a materialidade da
vida dos sujeitos do campo.
427
Figura 1: Esquema da estrutura curricular do curso com os eixos do TU e TC
428
de). O Tempo Universidade (TU) compreende aulas presenciais com estudos e
atividades científico-acadêmicas e de cunho didático-pedagógico, planejadas
pelo coletivo de professor@s envolvidos com o curso. O Tempo Comunida
de (TC) consiste em períodos nos quais @s educand@s realizam viagens de
campo em atitude investigativa, preferencialmente nos municípios de origem,
acompanhad@s e orientad@s pel@s professor@s. A articulação entre o ensi
no, a pesquisa e a extensão se efetiva nessa organização curricular embasada
na Pedagogia da Alternância, que se estrutura alternando Tempos Universidade
e os Tempos Comunidade.
Sob essa perspectiva curricular, o curso vem buscando realizar uma prática
educativa menos fragmentada, fazendo escolhas teórico-metodológicas que
objetivam uma abordagem dos conhecimentos e ações formativas de modo
integrado e interdisciplinar entre os diferentes campos de conhecimento (bio
logia, química, física e matemática). Essa prática educativa se contrapõe ao
modo hegemônico como são abordados esses conhecimentos disciplinares,
ou seja, um estudo da realidade de maneira desarticulada, pois o conjunto das
diferentes situações que a constituem é estudado como algo isolado, ignoran
do a visão de totalidade.
Considerando tais ideias, surge outro aspecto importante de análise, que se refe
429
re à reflexão de como esse percurso formativo de professor@s na Licenciatura
em Educação do Campo vem dialogando entre seus princípios e o compromis
so da área em Ensino de Ciências da Natureza (ECN) de uma educação crítica
e emancipatória dos sujeitos, especialmente dos povos do campo. Ao mesmo
tempo, é importante condicionar essas reflexões à clareza de uma concepção
de ciência compreendida como uma atividade humana, isto é, social, histórica
e cultural que não é neutra nem linear e é produzida a partir da interação entre
sujeito e realidade social, contrapondo-se à visão mecanicista. Uma concepção
de ciência como atividade humana vinculada às ações culturais, por conseguin
te, indissociável dos aspectos sociais, econômicos e políticos que interagem na
relação entre Ciência, Tecnologia e Sociedade (BRITTO, 2011, p. 173).
430
O percurso formativo do curso foi consistindo em um espaço de ações reflexi
vas traduzidas no aprofundamento de estudos nos TUs e nos encaminhamen
tos para a pesquisa nos TCs (BRITTO, 2013). Por exemplo, quando as experi
ências de estágio-docência e projetos comunitários, assim como trabalhos de
conclusão de curso, tomam como referência para organização de suas práticas
e reflexões os Três Momentos Pedagógicos (DELIZOICOV; ANGOTTI, 1992; DE
LIZOICOV et al., 2002); a abordagem crítica da realidade por meio da Investiga
ção Temática (FREIRE, 1987); as Falas e Situações Significativas advindas da
comunidade como foco da organização curricular e do trabalho em sala de aula
(SILVA, 2004). Contribuições que vieram ao encontro de uma prática educativa
dialógica e problematizadora, comprometida com o desenvolvimento de uma
racionalidade crítica dos sujeitos.
431
inovadoras para a escola e para as relações sociais, pois
numa sociedade de classes, com interesses diferencia
dos, o compromisso com o trabalhador do campo e com
a escola que interessa aos setores populares é parte da
disputa hegemônica para a conquista de uma sociedade
mais justa (MENEZES NETO, 2011, p. 25).
432
O compromisso com uma formação docente crítica e transformadora se contra
põe à pedagogia hegemônica presente em muitos cursos de formação inicial de
professores - especialmente de licenciaturas específicas - que ainda se restrin
gem a um forte bloco de disciplinas fundadas na conceituação científica descon
textualizada e a um bloco pontual de disciplinas que trabalham os conhecimen
tos e fundamentam metodologicamente a docência e a prática pedagógica.
433
que atuam na escola, o que se reflete no compromisso político-pedagógico e
pedagógico-político da docência atrelada à importância da prática educativa
crítica e reflexiva sob uma perspectiva transformadora.
434
ensinar, e quais são as metas mais amplas pelas quais estão lutando” (GI
ROUX, 1997, p. 161).
435
concepção vigente de educação e ciência comprometida com uma atuação e
formação de educador@s e educand@s reflexivos, críticos e com uma postura
investigativa sobre a própria prática e compreensão do processo educativo.
Lima também afirma que “o saber interdisciplinar a ser elaborado nos espaços
escolares e universitários deve ter por princípio a formação nos sujeitos de uma
postura cognitiva omnilateral apta a melhor interpretar a realidade e atuar sobre
ela” (LIMA, 2013, p. 127).
7A seguir, as quatro categorias propostas por Giroux (1988). Intelectuais transformadores (GIROUX,
1988, p. 32-33) têm como tarefa central “tornar o pedagógico mais político e o político mais pedagó
gico”, em que “a escolarização, a reflexão crítica e a ação tornam-se parte fundamental de um projeto
social”, ou ainda que “tornar o político mais pedagógico significa utilizar formas de pedagogia que
tratem os estudantes como agentes críticos, problematizem o conhecimento, utilizem o diálogo e
tornem o conhecimento significativo, de tal modo a fazê-lo crítico para que seja emancipatório. Inte
lectuais críticos (GIROUX, 1988, p. 34 e 37) são aquel@s que “não se consideram ligados a qualquer
formação social específica, nem tampouco se veem desempenhando uma função social que seja
expressamente política por natureza”, e dessa maneira “frequentemente se recusam ou são inca
pazes de avançar de sua postura isolada para o terreno da solidariedade coletiva e da luta”, ou seja,
“esquecem-se que a emancipação não pode ser conseguida do lado de fora”. Intelectuais adaptados
(GIROUX, 1988, p. 37) “adotam uma posição ideológica e um conjunto de práticas materiais que sus
tentam a sociedade dominante e os grupos de elite”, o que evidencia que eles não estão conscientes
desse processo à medida que “não se definem como agentes do status quo”, mas servem para re
produzi-lo através de suas mediações, produções, acriticidade, ideias e práticas sociais. Ou ainda em
nome da objetividade científica justificam sua postura apolítica. Intelectuais hegemônicos (GIROUX,
1988, p. 38) são aqueles que “conscientemente definem-se pelas formas de liderança moral e intelec
tual que colocam à disposição dos grupos e classes dominantes”, e assim “os interesses, que defi
nem as condições e a natureza do seu trabalho, são subordinados à preservação da ordem existente.
436
papel dos intelectuais orgânicos-conservadores e orgânicos-radicais”, porém
“as categorias de Gramsci precisam ser desenvolvidas a fim de que se apren
dam as transformações da natureza e da função social dos intelectuais em seu
trabalho como educadores”.
Paiter (2017) faz uma síntese bastante contundente dos desafios e potenciali
dades de promover a formação por áreas de conhecimento na EduCampo, des
tacando os seguintes aspectos que se afastam dos pressupostos da formação
por áreas de conhecimento na perspectiva de Educação do Campo:
•o distanciamento da realidade concreta e o afastamento do trabalho inter
disciplinar no planejamento de algumas práticas educativas, implicando na se
leção de conteúdos em alguns momentos desvinculados da realidade concreta
dos estudantes;
• a não realização, a partir da alternância, do processo de investigação críti
ca com vistas à compreensão e à transformação da realidade;
• limites estruturais relacionados à carga horária, tempo de planejamento
e de realização de projetos de pesquisa e extensão articulados com o Tempo
Universidade e Tempo Comunidade nos territórios.
8Foram gestadas e realizadas também muitas pesquisas internamente no curso pel@s discentes (nos
seus trabalhos de conclusão do curso), pel@s docentes e egress@s no âmbito da pós-graduação, con
forme explicitado em notas de rodapé anteriores, como aportes da pesquisa "Análise da Expansão da
Educação Superior - Riscos e Potencialidades na Expansão das Licenciaturas em Educação do Campo".
437
dar conteúdos e relacioná-los com um entendimento de
‘realidade’, buscando critérios para não tratar os conteú
dos com um fim em si mesmos, mesmo que em alguns
momentos essa decisão tencione uma tradição discipli
nar advinda de suas formações iniciais e das demandas
escolares (PAITER, 2017).
Considerações Finais
O estudo realizado indica que o pioneirismo da EduCampo é desafiador para
todos os sujeitos que o integram, realizando-o ou sendo a razão de sua existên
cia. Ainda que a presença da EduCampo hoje esteja consolidada como um cur
so regular da UFSC, dar conta de suas finalidades continua sendo algo comple
xo, porque estudar essa realidade exige captar suas múltiplas determinações.
Assim, apontamos que ainda há fatores limitantes, tais como: condições logís
ticas; o peso da formação por campos disciplinares dos docentes que atuam
no curso; a invisibilidade e compreensão dos princípios que diferenciam esta
Licenciatura das demais, tanto internamente pela UFSC como pelas instâncias
estaduais e municipais de educação, o que, por outro lado, é propulsor para o
438
fortalecimento formativo docente comprometido com uma “Educação do Cam
po, que é direito, não é mercadoria”.
Referências
439
ANTUNES-ROCHA, M. I. Licenciatura em Educação do Campo: histórico e projeto po
lítico-pedagógico. In: MARTINS, A. A.; ANTUNES-ROCHA, M. I. Educação do Campo:
desafios para a formação de professores. Belo Horizonte: Autêntica, 2009. p. 39-55.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1987.
440
aprendizagem. Tradução de Daniel Bueno. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
441
POSFÁCIO
442
Se os riscos forem transformados em potencialida
des, abre-se o caminho para construir resistências
nos cursos de Licenciatura em Educação do Campo.
O título deste texto foi inspirado na última frase do capítulo escrito pelo gru
po de pesquisadores da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB)².
Com esta orientação fiz a leitura, envolvi-me, analisei e registrei as reflexões
sobre este conjunto de narrativas a respeito das experiências dos cursos de
Licenciatura em Educação do Campo desenvolvidas nas cinco regiões brasilei
ras, em dez Instituições de Educação Superior (IES).
Entre a emoção vivenciada com as narrativas, é muito bom sentir o que signifi
ca cada desafio apresentado e, na sequência, empolgar com as possibilidades,
por entender que são elas que fertilizam as esperanças de todos os envolvidos
na construção cotidiana dos cursos. Por isso, a princípio, fiz um exercício de
leitura atenta de todos os capítulos buscando encontrar pontos de convergên
cia, divergência e singulares que pudessem indicar uma perspectiva analítica.
443
São textos densos, pois cada um carrega em si a totalidade, ao mesmo tempo
que compõe um todo. Assim é que os objetivos elencados na Apresentação
pelos organizadores do livro e as referências anunciadas pela Professora Deise
Mancebo³ se constituíram indicadores por meio dos quais orientei a análise
que fiz dos textos.
Desse modo, foi necessário ter como fio condutor o fato de que o Curso de Li
cenciatura em Educação do Campo foi gestado, em sua origem, na intenciona
lidade de contribuir para que, a partir da educação, fosse possível garantir aos
povos campesinos maiores possibilidades para compreender e transformar o
modelo de escola e de sociedade que historicamente os exclui do direito de
produzir e reproduzir suas vidas. Nesse sentido, o caminho conduziu a uma
leitura na perspectiva de encontrar, a partir dos indicadores que orientaram as
pesquisas, como as atividades desenvolvidas estavam contribuindo ou não
para operar mudanças em torno da construção de um projeto de formação e de
escola articulado a um projeto de campo e de sociedade vinculado aos interes
ses dos camponeses.
Nesse sentido, foi necessário acrescentar a esta chave de leitura o modelo pro
posto por Boschetti (2012) para analisar os impactos das políticas, programas
e projetos públicos a partir das contradições entre Estado e sociedade no ca
pitalismo. Para a autora, na análise de uma política pública, são necessárias
diferentes perspectivas de análise, como identificar sujeitos proponentes e
beneficiários, financiamento, abrangência, gestão, para citar alguns elementos
que tecem a complexidade da ação, mas o fundamental é ter como orientação
a compreensão de que, para uma análise dialética, são essenciais pelo menos
duas orientações básicas.
³Capítulo "Políticas, gestão e direito à Educação Superior: novos modos de regulação e tendências
em construção". Autora: Deise Mancebo.
444
e sindicais, que em suas lutas por terra e por direitos compreenderam que o
modelo da educação rural não atendia ao projeto de fortalecimento do modo
de vida camponês. Assim, entendeu-se que uma política pública que se vin
cula aos princípios, conceitos e práticas da Educação do Campo demandava
uma análise que pudesse verificar suas repercussões no tensionamento entre
os dois projetos de educação. Há certamente outras possibilidades para se
definir o ponto de referência para se analisar as repercussões dos cursos,
mas entendeu-se que a sua matriz de origem poderia também significar o
ponto de chegada.
445
algumas universidades já o tinham implantado com esse formato, como é o
caso da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), da Universidade Federal
de Santa Catarina (UFSC), Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNI
FESSPA), Universidade de Brasília (UnB), para citar algumas. Vale citar que até
essa data o MEC já tinha fomentado, por meio de editais, a criação de turmas
como oferta especial em várias regiões IESs.
446
[...] é possível afirmar que ocupamos um “vácuo” de tran
sição de modelos (ajustes no modelo macroeconômico
brasileiro, capitalista, neoliberal): entre a crise do latifún
dio e a emergência do agronegócio os movimentos so
ciais de luta pela terra e pela Reforma Agrária ganharam
ímpeto, conquistamos o PRONERA e constituímos a Edu
cação do Campo. A nova fase na política do capital para
a agricultura, que iniciou com mais força a partir de 1999,
abrindo um novo ciclo, gerou uma nova aliança das clas
ses dominantes e um novo lugar para o campo no projeto
de capitalismo brasileiro, fase que está nesse momento
em plena vigência e força.
Segundo Mancebo (2019), nos doze anos que abrangeram os dois mandatos
do Presidente Lula e o primeiro da Presidente Dilma Rousseff, período que con
sistiu na ocupação do “vácuo” sinalizado pelo FONEC (2012), houve uma “am
pliação das políticas sociais compensatórias, [...] mas abandonaram uma agen
da de reformas estruturais”. Um exemplo de efeito da ausência de reformas
estruturais diz respeito aos marcos legais que regulam a Educação do Campo.
As políticas de fomento da Educação do Campo, entre as quais se inclui o PRO
CAMPO, concentram-se na esfera federal, mas os seus marcos regulatórios são
resoluções, decretos e diretrizes, dispositivos infralegais, isto é, não há normas
aprovadas como leis. Tal cenário se reproduz nos estados federativos e nos
municípios. Nessa perspectiva a Licenciatura em Educação do Campo somen
te encontra apoio legal nos normativos das IESs, pois foram aprovados nos
Conselhos Universitários e no MEC, quando foram avaliados e aprovados no
sistema de avaliação de cursos.
Ocorre que os cursos foram inseridos na Matriz ANDIFES no fator que qualifica
as licenciaturas que são ofertadas de forma presencial, procedimento que pro
vocou uma dissonância entre as despesas necessárias para o funcionamento
do curso e o orçamento previsto. Porém, na falta de um normativo que possa
garantir e sustentar as características diferenciadas da oferta, está previsto que
as universidades encontrarão dificuldades para garantir a continuidade da Li
cenciatura em Educação do Campo.
447
Contudo, no geral, os relatos apresentam uma materialidade que permite pro
jetar a manutenção dos cursos e, em alguns casos, a ampliação da oferta. A
vinculação com as redes municipais e estaduais de educação pode representar
uma importante estratégia, pois essas redes têm relativa autonomia prevista na
Constituição Federal, o que possibilita a construção de parcerias para atender
às demandas por formação de professores no nível de graduação e de pós-gra-
duação, além da produção de material didático, elaboração de projeto político
pedagógico, para citar algumas. Outro caminho passa pelo estreitamento das
articulações entre as IESs que ofertam o curso como uma das possíveis al
ternativas para defender e fortalecer a experiência. Essa articulação demanda
o diálogo por meio de intercâmbio entre professores, estudantes e técnicos
administrativos, a constituição de uma rede de trocas que permita o contato co
tidiano entre esses sujeitos, e o apoio pedagógico, financeiro e administrativo
entre instituições, a socialização e apropriação dos conhecimentos produzidos
e o estreitamento de laços com os sujeitos campesinos. Possivelmente é uma
das principais articulações a serem priorizadas e, por isso, merece ser objeto
de discussão no tópico a seguir.
448
Os problemas enfrentados pelo PRONERA começam
com o Acórdão 2.653/2008, do Tribunal de Contas da
União – TCU, que proíbe o pagamento de bolsas aos pro
fessores que são funcionários públicos. Também o MEC
se manifestou proibindo o pagamento de bolsas aos alu
nos, justificando não haver legislação que as autorizas
se. Além da proibição do pagamento de bolsas, o TCU
passou a exigir que o INCRA, a autarquia que repassa os
recursos ao PRONERA, "ao invés de firmar convênios com
as universidades faça licitação para oferecer os cursos
de alfabetização até a pós-graduação". [...] Além da exi
gência de licitação para a efetivação dos projetos, tam
bém constava, no mesmo Acórdão 2.653/2008 do TCU,
"a determinação que inibia por completo a participação
dos movimentos sociais durante o planejamento, execu
ção e acompanhamento do Programa".
e potencialidades na caminhada da UFSC". Autores: Néli Suzana Britto e Elizandro Maurício Brick.
449
UFPA
O protagonismo do FECAF se fortalece pela resistência e afirmação da luta
coletiva que se reinventa na articulação direta com os movimentos sociais po
pulares – APACC, PROBIO (Projeto de Conservação e Utilização Sustentável da
Diversidade Biológica Brasileira), CFR-Cametá, ARCAFAR, Projeto Aturiá, SIN
TEPP, STTRs, Colônia dos Pescadores, FETAGRI, FAOR (Fórum da Amazônia
Oriental) e MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens), que de forma tensa
e conflituosa têm procurado estabelecer aproximação e diálogo com o poder
público para formulação e aprovação das políticas educacionais na perspectiva
da mudança social.
UFSC
O protagonismo dos movimentos do campo de Santa Catarina em relação à
EduCampo UFSC estaria ausente desde sua criação, aspecto que precisa ser
considerado como uma de suas peculiaridades e um dos grandes desafios a
ser enfrentados, que pode ser determinante para que a finalidade do curso não
se perca em um academicismo desligado da materialidade das lutas do campo.
450
São possibilidades anunciadas de articulações com os poderes públicos locais
e regionais, mas é possível também projetar o diálogo com o movimento sindi
cal docente nas mediações que podem contribuir e legitimar a participação ins
tituída na IES. Isso porque na totalidade das experiências apresentadas os mo
vimentos sociais e sindicais participam como instâncias consultivas, por isso
ausentes nos colegiados, que são instâncias de decisão executiva nas univer
sidades. Porém, um dos pontos pouco trabalhados nos textos é o da inserção
de integrantes dos movimentos sociais e sindicais do campo como estudantes
dos cursos de especialização, mestrado e doutorado, condição que os habilita
na atuação como monitores e professores substitutos em vários cursos, signi
ficando uma estratégia diferenciada de garantir a participação.
451
determinado projeto de campo e de sociedade. Esse fator exigiu planejar a mo
bilização dos interessados e a garantia de sua presença, tendo em vista que
uma boa parte deles não pode permanecer nos locais dos cursos no tempo
diário de formação praticado pelas universidades. Por outro lado, a Educação a
Distância não atenderia às expectativas, tendo em vista que as dificuldades de
acesso tecnológico e a comprovada fragilidade na formação poderiam compro
meter a missão de formar educadores com densidade teórica, metodológica e
política para assumir a função de docente em um contexto marcado por dificul
dades historicamente produzidas e enraizadas.
Esse procedimento, com variações, é adotado na maioria das IESs. Chama aten
ção o esforço em buscar alternativas e testar novos processos após avaliação de
que o formato utilizado não garantiu o ingresso com o perfil de sujeitos vincula
dos ao campo. Na maioria das vezes, esse é o momento em que se articula uma
maior aproximação com os movimentos sociais e sindicais, visto que são eles os
mobilizadores dos interessados, sendo responsáveis pela inscrição, pelo apoio na
preparação para a seleção, na organização das tarefas de deslocamento para a
universidade. O ingresso de alunos na licenciatura é também apresentado como
desafio em um grande número de relatos, mas com sinalização de possibilidades
quando há evidências de um maior envolvimento por parte dos sujeitos coletivos e,
Autores: Eugênio Alvarenga Ferrari, Márcio Gomes da Silva, Tatiana Pires Barrella, Emiliana Maria
Diniz Marques e Tommy F. C. W. L de Sousa.
452
mais recentemente, dos egressos dos cursos, que vêm despontando como impor
tantes mediadores na divulgação e sensibilização das comunidades com relação
ao ingresso nos cursos.
Por outro lado, estão presentes também as dificuldades em negociar com as IESs
a realização do processo seletivo de forma diferenciada. O relato da Universidade
Federal de Tocantins (UFT)7 é uma evidência dessa questão:
Aqui vale uma reflexão sobre os processos diferenciados com relação à adesão ao
Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Citado por alguns pesquisadores como
um possível dificultador na garantia de acesso dos povos campesinos, por colocá
-los em desigualdade na disputa com os demais candidatos, merece, no entanto,
uma discussão mais atenta, tendo em vista a necessidade de legitimar e garantir
a viabilidade do curso no âmbito das IESs. Quando o ENEM é utilizado para que
os candidatos do campo possam concorrer entre si a uma vaga no curso, enten
de-se que fica preservada a especificidade do acesso, mas, para tanto, é preciso
estabelecer uma segunda etapa para verificação de critérios estabelecidos pela
IES visando garantir o perfil de ingresso. Dessa forma, o processo de ingresso vai
se constituindo como possibilidade, pois o curso, ao dialogar com uma política até
então consagrada como democrática, cria elementos para se fortalecer na comu
nidade acadêmica e na esfera jurídica.
Campo da UFT - Tocantinópolis". Autores: Ubiratan Francisco de Oliveira, Rejane Medeiros, Maciel
Cover e Cássia Ferreira Miranda.
453
Encaminhamentos como o da UFV, em que a Reitoria cria comissão para discutir a
continuidade do curso em termos pedagógicos e financeiros, parece ser, a princí
pio, uma decisão assumida por outras IESs, porém nesse ponto é que reside a luta
por transformar o desafio em potencialidade. Na atual conjuntura, entende-se que
uma parte substantiva do apoio para que as Licenciaturas possam manter-se em
funcionamento dependerá da correlação de forças no âmbito das universidades.
Tal como a discussão sobre o protagonismo, encontramos na situação de verifi
car de forma qualitativa o que existe é que coloca o curso como relevante para a
instituição. Essa é certamente uma das ausências que senti nos relatos. O índice
de candidato/vaga, a inserção dos egressos no sistema público, a produção do
conhecimento com metodologias, materiais didáticos, monografias, dissertações
e teses que podem trazer uma ampliação qualificada da sua função como universi
dade pública são pontos que podem ser fortalecidos nos embates que certamente
serão travados quando da decisão sobre o que a IES consegue ou não manter com
a limitação de recursos financeiros a que está submetida.
Aqui cabe a discussão sobre o perfil de ingresso dos estudantes, pois todas as
IESs garantem o critério de residir e/ou trabalhar no campo. A manutenção do perfil
está de certa forma consolidada, ainda que a preocupação em garantir também o
vínculo com os movimentos sociais e sindicais como condição para ingresso seja
uma marca identitária dos primeiros cursos implantados. Há uma possibilidade
presente em alguns relatos quando as mobilizações para a inscrição e até mesmo
a preparação para os processos seletivos são assumidos pelos movimentos so
ciais e sindicais em regiões de atuação, indicando que os candidatos e possíveis
selecionados já tenham um vínculo de origem quando ingressam por processo
seletivo que não prevê a articulação com movimentos sociais e sindicais como
critério.
Entre as inúmeras alegrias ao ler os relatos de pesquisa deste livro, posso dizer
que os trechos em que são apresentadas as diversificadas formas por meio das
quais se organiza a alternância nos cursos deixaram-me em um estado de profun
da admiração pelo que pode representar para a formação dos estudantes, para
454
as escolas, para as comunidades, para a universidade e para todos os que estão
envolvidos no desafio desta construção. Os relatos não deixam dúvidas sobre o
potencial transformador que esse movimento entre campo e universidade produz
em todas as dimensões relacionadas à formação e à prática docente. Ouso dizer
que há repercussões que ainda não conseguimos identificar, pois a simples cena
de educandos e educadores discutindo um trabalho de pesquisa desenvolvido em
uma comunidade carrega em si uma complexa e intrincada trama de sentidos e
significados que ainda não conseguimos visualizar.
455
A experiência da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)9 sinaliza
para o potencial articulador entre teoria e prática viabilizado a partir da formação
alternância:
na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro". Autores: Ramofly Bicalho, Pedro Clei Sanches
Macedo e Guilherme Goretti Rodrigues.
456
assim da Pedagogia da Alternância como matriz pedagógica com histórico, princí
pios, conceitos e práticas específicas dos Centros Familiares de Formação por Al
ternância (CEFFAs). Diante da profundidade do que se apresenta, pode parecer de
menor importância a denominação de uma prática, mas entendendo a alternância
como um dos pontos em que mais acumulamos possibilidades essa exigência se
torna necessária e pertinente.
Não era uma proposta muito distante do contexto educacional, pois a formação
e a prática por áreas do conhecimento integravam o Parecer CNE/CP nº 9/2001
(BRASIL, 2002), do Conselho Nacional de Educação, homologado pelo Ministro da
Educação em 18/1/2002, que fundamentava as Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Formação de Professores da Educação Básica, em Nível Superior, Curso de
Licenciatura, de Graduação Plena. A nomenclatura adotada (Ciências Sociais e Hu
manidades, Ciências da Vida e da Natureza, Matemática, Línguas, Artes e Literatu
ra) está em sintonia com o disposto no Parecer, e uma das justificativas apontadas
para essas denominações é a seguinte:
457
O Parecer não se efetivou como prática nas universidades e nas escolas, mas
orientou a organização das provas do ENEM. Ao se ancorar nesse dispositivo, a
proposta do curso, até então considerada muito distante da experiência da oferta
das Licenciaturas na UFMG, fortaleceu e criou condições para que o projeto fosse
considerado experimental.
No entanto, foi e continua sendo um desafio a organização dos conteúdos por áre
as de formação. Ao longo de quase duas décadas de oferta do curso na UFMG,
na UNB e em outras IESs, está presente um intenso e substantivo debate entre
professores e estudantes em torno da construção de processos, instrumentos e
procedimentos para organizar a produção e socialização do conhecimento com
preendendo-o como uma área.
458
apenas na interação entre as disciplinas afins, mas entre
as diferentes áreas de conhecimento articuladas em tor
no de temáticas de estudo e/ou questões comuns, con
siderando os povos do campo e suas lutas para garantir
sua existência. Outro importante elemento da formação
por áreas de conhecimento é que esse tipo de formação
não visa formar especialistas em determinadas discipli
nas, mas docentes que possam levantar propostas de
formação nas escolas do campo.
459
A experiência da Universidade de Brasília (UnB)¹¹ e da Universidade Federal do Ma
ranhão (UFMA)¹² evidenciam essa relação com a escola e para além dela:
UnB
UFMA
O Projeto de Educação Tutorial em Educação do Campo é um grupo de aprendiza
colar: uma análise a partir da atuação de egressas da Universidade de Brasília". Autores: Marcelo
Fabiano Rodrigues e Mônica Castagna Molina.
12Capítulo "Formação de professores para escolas do campo: considerações sobre a LEdoC na Uni
versidade do Maranhão". Autores: Anderson Henrique Costa Barros, Diana Costa Diniz e Marinalva
Sousa Macedo.
460
gem tutorial da Universidade Federal do Maranhão, criado em dezembro de 2012,
composto de 12 bolsistas e voltado para a intervenção político-pedagógica em es
colas do campo, envolvendo Cursos de Pedagogia da Terra e de Licenciatura em
Educação do Campo direcionados para a formação de profissionais para a Educa
ção Básica nas escolas do campo no estado do Maranhão.
13Capítulo "A Educação do Campo em alternância: uma licenciatura, muitos desafios e possibilida
des". Autores: Ana Cristina Hammel e Fábio Luiz Zeneratti.
461
O diálogo com as escolas públicas é um dado presente na maioria dos rela
tos, que vem se constituindo como um caminho promissor na formação dos
estudantes e na própria consolidação dos cursos nas universidades. Nessa
perspectiva, é possível dizer que o conjunto das experiências apresentado
sinaliza uma imposição de limites para o avanço da Educação Rural e a am
pliação das possibilidades de avanço da Educação do Campo nas escolas de
atuação dos egressos.
Para concluir
Fazer a leitura, refletir e registrar a discussão neste texto foi um trabalho feito
com prazer, esperança e confiança de que a caminhada na construção do cur
so de Licenciatura em Educação do Campo, iniciada em 2005, está no rumo
anunciado e demandado na matriz que originou a luta pela Educação do Cam
po. Ao mesmo tempo, esteve presente uma inquietação por constatar que
não seria possível dizer da fecundidade de cada experiência relatada. Gosta
ria de ser poeta neste momento, pois só assim conseguiria expressar a emo
ção de me sentir pertencente a um coletivo que instaura uma frente de luta
que depende de cada um de nós e da nossa capacidade de agir em conjunto.
Cada leitor terá sua experiência com a leitura, por isso entendo que as refle
xões feitas a partir dos relatos apresentados é tão somente uma das possí
veis formas de compreender em um determinado tempo e espaço historica
mente determinado. Logo, assumo que, diante de inúmeras possibilidades, fiz
escolhas, selecionei questões, priorizei temas. Esse é o desafio para quem se
propõe a encontrar fios condutores que podem unificar e/ou diferenciar um
conjunto de textos. Fiz a opção pelos fios que contribuem para unir.
462
por áreas do conhecimento e aproximações com a escola pública emergem
nos relatos como possibilidades que podem garantir o fortalecimento e a
ampliação da oferta do curso de Licenciatura em Educação do Campo. São
práticas que estabelecem vínculos entre sujeitos, que geram conhecimentos,
estimulam a criação de processos e procedimentos, fazem rupturas com o
instituído e motivam professores e estudantes na construção de novos ca
minhos para a formação e atuação docente. A formação em alternância é
certamente o ponto de convergência por onde circulam as possibilidades de
diálogo entre universidade, escola e realidade campesina. Os desafios da for
mação por áreas do conhecimento ficam diluídos diante da fecundidade do
ir e vir entre Tempo Escola/Universidade e Tempo Comunidade. As diferentes
estratégias e instrumentos deixam ver uma potência transformadora na esco
la da Educação Básica e também na universidade.
Algo semelhante pode ser dito com relação à garantia do acesso e da perma
nência dos estudantes nos cursos. De maneira geral, os relatos se concentra
ram na discussão sobre o acesso, mas é possível perceber que os obstáculos
estruturais, como recursos financeiros, por exemplo, demandarão de cada
curso e do coletivo como um todo um trabalho de elaboração de alternativas
viáveis para garantir a permanência dos educandos e continuidade da oferta.
A ameaça de extinção de projetos como o PIBID, Residência Pedagógica, PET,
iniciação científica e de extensão, suportes que têm sido essenciais na ma
463
nutenção dos cursos, torna o desafio da continuidade ainda maior. A inserção
dos estudantes na política de assistência estudantil surgiu no relato sobre
algumas IESs como um caminho possível. Ainda que o montante de recursos
advindos dessa política seja insuficiente para garantir o funcionamento do
curso com suas demandas de formação por alternância, torna-se um fator de
fortalecimento da institucionalização da oferta.
464
Referências
ANTUNES-ROCHA, M. I.; MARTINS, A. A. Formar docentes para a Educação do
Campo: desafios para os movimentos sociais e para a universidade. In: _____
; _____. Educação do Campo: desafios para a formação de professores. Belo
Horizonte: Autêntica, 2009.
465
MOLINA, M. C. Contribuições do PRONERA na construção de políticas públi
cas de Educação do Campo e Desenvolvimento Sustentável. Brasília, 2003.
Tese (Doutorado em Desenvolvimento Sustentável). Centro de Desenvolvi
mento Sustentável, Universidade de Brasília, 2003.
466
SOBRE OS
ORGANIZADORES
E OS AUTORES
467
A respeito dos organizadores
Mônica Castagna Molina
Pós-Doutorado em Educação pela UNICAMP. Doutorado em Desenvolvimento
Sustentável pela UnB. Mestrado em Sociologia pela UNICAMP. Bacharelado em
Ciências Jurídicas e Sociais pela PUC/Campinas. Especialização em Políticas
Públicas e Governo pela UFRJ. Professora da UnB na Licenciatura em Educação
do Campo e nos Programas de Pós-Graduação em Educação e Meio Ambiente
e Desenvolvimento Rural - PPGMADER\FUP. Coordenou o Programa Nacional
de Educação na Reforma Agrária (PRONERA) e o Programa Residência Agrária.
Participou da I Pesquisa Nacional de Educação na Reforma Agrária (I PNERA)
em 2003 e 2004, e coordenou a II PNERA, financiada pelo IPEA (2013 a 2015).
Coordenou a Pesquisa CAPES/CUBA, no período 2010-2014. Coordenou ainda a
pesquisa A Educação Superior no Brasil (2000-2006): uma Análise Interdiscipli
nar das Políticas para o Desenvolvimento do Campo Brasileiro, financiada pelo
Observatório da Educação da Capes. Integra a pesquisa Formação Docente e
a Expansão do Ensino Superior na coordenação do Sub 07: Educação Superior
do Campo, pelo Projeto Observatório da Educação do Campo da CAPES. Tem
experiência na área de Educação, com ênfase em Sociologia da Educação, atu
ando principalmente nos seguintes temas: Educação do Campo, Formação de
Educadores, Políticas Públicas, Reforma Agrária, Desenvolvimento Sustentável.
468
educadores do campo, ciclo de formação, escola, educação do campo, escola,
construção, comunidade, PPP e escola, comunidade, movimento social.
469
Deise Mancebo
Pós-doutorado pela Universidade de São Paulo. Doutorado em Educação (His
tória e Filosofia da Educação) pela Pontifícia Universidade Católica de São Pau
lo (1995). Mestrado em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio
de Janeiro (1980). Docente na Graduação em Psicologia pela Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (1976). Atualmente desenvolve suas principais ativida
des no Programa de Políticas Públicas e Formação Humana (PPFH), do qual foi
fundadora e membro da coordenação de 2006 a 2012. Foi coordenadora do Gru
po de Trabalho em Políticas de Educação Superior da ANPED (2000 a 2004) e
Coordenadora do Conselho Científico da ANPED (2006-2008). Participa da Rede
Universitas/Br desde sua criação e é sua coordenadora desde 2016. É membro
da Coordenação colegiada da Rede ASTE. É líder do Grupo de Pesquisa do CNPq
(Trabalho docente na Educação Superior). Coordenou o Observatório da Edu
cação (CAPES) sobre a Expansão da Educação Superior no Brasil (2013-2017).
Membro titular do Conselho Universitário da UERJ (2018-2020). Tem experiência
na área de Psicologia e Educação, pesquisando sobretudo os seguintes temas:
trabalho, políticas para a Educação Superior e produção de subjetividades.
470
de Jovens e Adultos (CNAEJA). É pesquisadora do IPEA. Atua como colaborada
em diversos projetos de formação de professores na Educação do Campo.
471
ção Camponesa e Cooperativismo.
Gaudêncio Frigotto
Doutorado em Educação: História, Política, Sociedade pela Pontifícia Universi
dade Católica de São Paulo (1983). Mestrado em Administração de Sistemas
Educacionais pela Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro (1977). Gradua
ção em Filosofia pela UNIJUI/RS (1971) e em Pedagogia pela UNIJUI (1973).
Atualmente é professor Adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
e professor Titular em Economia Política da Educação. Pesquisador AI - Sênior
do Conselho Nacional de Pesquisa Certifica e Tecnológica (CNPq). Foi membro
dos Comitês científicos da área de educação no CNPq, CAPES e FAPERJ, onde
continua como consultor ad hoc até o presente. Coordenador do Grupo CNPq
- Trabalho, História, Educação e Saúde (THESE). Tem experiência na área de
Educação, com ênfase em Fundamentos da Educação, atuando principalmente
nos seguintes temas: educação e trabalho, educação básica e educação téc
nica e profissional na perspectiva da politecnia, educação e a especificidade
das relações de classe do capitalismo no Brasil. Sócio-fundador da Associação
Nacional de Pesquisa e Pós graduação em Educação (ANPED). Foi membro re
presentante do Brasil no Conselho Latino Americano de Ciências Sociais (CLA
CSO), com sede em Buenos Aires e fundador e coordenador do GT Trabalho e
Exclusão Social do mesmo Conselho.
Gisele Masson
Pós-Doutorado em andamento na Universidade Federal de Santa Catarina.
Doutorado em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina, na linha
Educação, História e Política (2009). Mestrado em Educação pela Universidade
Estadual de Ponta Grossa, na linha Políticas Educacionais (2003). Licenciatura
em Pedagogia pela mesma universidade (1996). É Professora Associada do
Departamento de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Estadual de Ponta Grossa. Coordena o Grupo de Pesquisa Capital,
Trabalho, Estado, Educação e Políticas Educacionais. Participa do Grupo de Es
472
tudos e Pesquisa em Ontologia Crítica. Integra a Rede de Pesquisadores sobre
Associativismo e Sindicalismo dos Trabalhadores em Educação (REDE ASTE).
Atua nas seguintes áreas: políticas educacionais, políticas de formação e va
lorização de professores, sindicalismo docente e fundamentos da educação
Maciel Cover
Pos-doutorado em Ciências Sociais - Universidade Estadual de Campinas -
UNICAMP. Doutorado em Ciências Sociais - Universidade Federal de Campina
Grande - UFCG, com período sanduíche no Programa de Economia Humana da
Universidade de Pretória/África do Sul. Mestrado em Ciências Sociais - Univer
sidade Federal de Campina Grande. Graduação em Pedagogia da Terra - Univer
sidade Estadual do Rio Grande do Sul - UERGS. Professor Adjunto da Universi
dade Federal do Tocantins, atuando no curso de Licenciatura em Educação do
Campo: Artes e Música. Membro do Comitê Interno do Programa Institucional
de Bolsas de Iniciação Científica - PIBIC/UFT. Professor Colaborador do Progra
ma de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Maranhão.
Integra o coletivo de pesquisadores do Sub/7/Rede Universitas-Brasil. Tem ex
periência e interesse nas seguintes áreas de pesquisa: Migrações, Trabalho,
Campesinato, Questão Agrária, Juventude Rural e Educação do Campo.
473
do Campo da CAPES. Desenvolve pesquisas no âmbito da Formação de Profes
sores, Educação do Campo e Organização do Trabalho Pedagógico.
474
Mestrado em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (1995).
Graduação em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (1983).
Docente Associada da Faculdade de Educação/Universidade Federal de Minas
Gerais. Coordenadora do Comitê Gestor Institucional de Formação Inicial e
Continuada dos Profissionais da Educação Básica (Comfor/UFMG), do Núcleo
de Estudos e Pesquisas em Educação do Campo (NEPCAMPO/FaE-UFMG) e do
Grupo de Estudos e Pesquisas em Representações Sociais (GERES). Membro
do Comitê Científico do Grupo de Trabalho Psicologia da Educação - Associa
ção Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação. Desenvolve projetos
de ensino, pesquisa e extensão com ênfase na Formação e Prática de Educado
res, Psicologia da Educação e Educação do Campo.
475
de Educação na Reforma Agrária (PRONERA) e o Programa Residência Agrária.
Participou da I Pesquisa Nacional de Educação na Reforma Agrária (I PNERA)
em 2003 e 2004, e coordenou a II PNERA, financiada pelo IPEA (2013 a 2015).
Coordenou a Pesquisa CAPES/CUBA, no período 2010-2014. Coordenou ainda a
pesquisa A Educação Superior no Brasil (2000-2006): uma Análise Interdiscipli
nar das Políticas para o Desenvolvimento do Campo Brasileiro, financiada pelo
Observatório da Educação da Capes. Integra a pesquisa Formação Docente e
a Expansão do Ensino Superior na coordenação do Sub 07: Educação Superior
do Campo, pelo Projeto Observatório da Educação do Campo da CAPES. Tem
experiência na área de Educação, com ênfase em Sociologia da Educação, atu
ando principalmente nos seguintes temas: Educação do Campo, Formação de
Educadores, Políticas Públicas, Reforma Agrária, Desenvolvimento Sustentável.
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ciatura em Letras Vernáculas pela Universidade Estadual de Feira de Santana
(UEFS). Professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia UFRB.
Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Educação e Contemporaneidade (UNEB).
Membro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
(ANPED). Tem experiência na área de Educação, com estudos na área de for
mação de professores, Educação do Campo, Educação Popular, formação de
leitores, letramentos e alfabetização, Ensino de Língua materna e áreas afins.
Ramofly Bicalho
Pós-Doutorado em Educação pela Universidade Federal Fluminense. Doutorado
em Educação pela UNICAMP. Mestrado em Educação pela UFF. Licenciatura em
História na UFF e em Pedagogia na UERJ. Docente na UFRRJ, lotado no Depar
tamento de Educação do Campo, Movimentos Sociais e Diversidade. Docente
na Licenciatura em Educação do Campo, no PPGEA – Programa de Pós-Gra
duação em Educação Agrícola e no PPGEduc – Programa de Pós-Graduação
em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares. Atua com
as seguintes temáticas: História da Educação do Campo e os Movimentos So
ciais. Educação Popular e Educação de Jovens e Adultos.
Rejane Medeiros
Doutorado em Sociologia pela Universidade Federal de Goiás (2017). Mestrado
em Educação pela Universidade Federal de Goiás (2009). Especialização em
Educação do campo e Agroecologia (2017). Professora Adjunta da Universida
de Federal do Tocantins, atuando no curso de educação do campo. Atua como
professora do Programa de Pós-graduação Cultura e Território - UFT. Tem expe
riência e interesse na área de Sociologia Rural e Educação, atuando nos seguin
tes temas: Cultura, Território, territorialidades, Movimentos sociais do campo,
Práticas agroecológicas, formação de educadores/as do campo, educação po
pular, nova cartografia social, povos e comunidades tradicionais.
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Silvana Lúcia da Silva Lima
Doutorado em Geografia pela UFS. Mestrado em Geografia pela UECE. Licencia
tura pela UFRB. Docente da UFRB, onde desenvolve estudos sobre Formação
territorial, Agroecologia e Educação do Campo. Coordenadora da Revista Entre
laçando; coordenadora do Núcleo de Estudos em Agroecologia e Educação do
Campo da UFRB/CNPq e membro do Conselho Editorial da Editora UFRB. Coor
denadora Pedagógica do curso de Tecnologia em Agroecologia (Pronera-UFR-
B-Efase) e membro da Coordenação Pedagógica Nacional do Pronera (CPN).
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Ubiratan Francisco de Oliveira
Doutorando em Geografia na Universidade Federal de Goiás. Mestrado em Ge
ografia pela Universidade Federal de Goiás (2011). Licenciatura em Geografia
pela Universidade Federal de Goiás (2008). Professor do Magistério Superior
na Universidade Federal do Tocantins - Curso de Educação do Campo. Coor
denador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação do Campo da UFT.
Membro do Observatório da Educação do Campo da UnB - OBEDUC. Membro
da Pesquisa Nacional sobre Expansão da Educação - Sub7 Educação do Cam
po no Brasil, da Rede Universitas. Membro do Grupo de Pesquisa em Geografia
Dona Alzira-IESA-UFT. Membro do Grupo de Trabalho de Pesquisa do Campus
da UFT - Tocantinópolis. Líder do Grupo de Pesquisa Sobre Campo e Cidade
Contemporâneos - UFT.
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bitcoin Agência Brasileira do ISBN
ISBN 978-65-80460-25-0
50 Lantec 6 REDE
anos TAS
2019 CED UFSC UNIVERSI UnB
CIÊNCIA
CIDADANIA CTEC
UFSC DIVERSIDADE Vozes do Campo