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Importação de

têxteis no Brasil:
um olhar para o
mercado de moda
Textiles importation in Brazil: a look
into the fashion market
Importação de têxteis no Brasil: um olhar para o mercado de moda
Textiles importation in Brazil: a look into the fashion market

Maria Luiza Abel Santoro 1

Márcia Merlo 2

Resumo
Este artigo é fruto da pesquisa acerca da importação de tecidos em sintonia com
o mercado de moda. Inicia-se com um levantamento histórico da indústria têxtil
no Brasil no intuito de evidenciar alguns motivos pelos quais essa indústria ainda
não cumpre as expectativas das confecções de moda brasileiras. Apresenta-se,
assim, a importação de têxteis como alternativa para o suprimento de matérias-
primas para o segmento fashion, pontuando também as implicações desse
processo.

Palavras-Chave: Moda, Mercado. Designers. Importação. Tecidos. Confecções.


Brasil.

Abstract
This paper concerns the import of textiles and its tune with the fashion market.
The starting point is a survey on the historical background of the textile industry
in Brazil in order to evince some reasons why such industry cannot fulfill the
expectations of Brazilian fashion manufacturers. Thereby, the textiles importation
is presented as an alternative of raw material, supplying the fashion segment,
punctuating its implications.

Keywords: Fashion. Market. Designers. Importation. Fabrics. Manufacturers. Brazil.

1
Graduanda bolsista do 8º período de Negócios da Moda. Projeto desenvolvido no contexto do
Programa de Iniciação Científica da Universidade Anhembi Morumbi. E-mail: mluiza_as@hotmail.com.
2
Doutora em Ciências Sociais _ Antropologia pela PUCSP. Professora e pesquisadora do PPG em Design
_ Mestrado da Anhembi Morumbi. E-mail: mmerlo@anhembi.br.

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Rev. FAE, Cu r it iba, v. 15, n. 1, p. 78-97, jan./jun. 2012
1 Introdução uma série de fatores desestimulantes. Portanto,
a investigação do tema conferiu à pesquisa um
caráter exploratório e buscaram-se informações
Considerando a abrangência do termo que servissem de substrato para a compreensão
“têxtil”, que abarca desde o vestuário até a do fenômeno exposto.
decoração, passando por uniformes, confecções Com base em uma primeira impressão,
infantis, incluindo tecidos tecnológicos para ainda que pese a força da indústria têxtil nacional e
lixas e coletes à prova de bala, o escopo desta sua crescente tendência em atender ao segmento
pesquisa recai sobre o abastecimento de tecidos fashionista4, há, ainda, grande atratividade pelas
do segmento fashionista3 no Brasil, sob o tema importações. Por esse motivo, as possíveis moti-
Importação de têxteis no Brasil: um olhar para o vações para essa atração e a decorrente rejeição
mercado de moda. por alguns tecidos nacionais serão exploradas por
meio de um traçado do percurso da indústria têxtil
A partir do contato com confecções de moda
no Brasil em seu entorno político, econômico e
feminina, nota-se uma indisposição das empresas
social, que nos permitirá um panorama histórico
em se envolverem num processo de importação
personalizado ao tema, mesclando informações
com a finalidade de adquirir tecidos de outros países
de História do Brasil e de História da moda no País.
e, concomitantemente, nota-se que as mercadorias
A isso, segue o levantamento de algumas questões
internacionais _ as provenientes da Europa nesse de ordem econômica e mercadológica recentes
caso _ incitam certo desejo nos profissionais de e relevantes para o mercado de moda e para o
moda. Observando com mais cautela tais situações, tema desta pesquisa, contando que ao final nos
percebeu-se que os tecidos nacionais não satisfaziam permita um melhor entendimento dessa postura
plenamente os estilistas e compradores que, por das confecções.
sua vez, eram condicionados a sentirem-se atraídos
pelos tecidos europeus. Em tal circunstância, for­
ma-se uma tensão entre o desejo de comprar 2 Indústria Têxtil no Brasil
matéria-prima estrangeira e o receio de realizar uma
Colônia
importação, conduzindo a presente pesquisa a um
possível diagnóstico desse problema.
O passado colonial do Brasil deixou marcas
Com o atual nível de porosidade do mun­
profundas no cenário sociopolítico e econômico.
do, no que tange às trocas comerciais entre
De um lado, Portugal e seu poder, definindo
países, a expectativa inicial seria a de um ra-
os limites e os propósitos de seu território na
zoável fluxo de importações por parte das con-
América; de outro, a necessidade de adaptação às
fecções fashionistas brasileiras. Isso, porém,
condições locais, como clima, recursos humanos,
não se confirma logo no primeiro contato com
infraestrutura, entre outros.
a maioria dos departamentos de compra e es-
tilo de tais empresas, que demonstram certo re- No período colonial, as artes e as indústrias
ceio em se envolver nesse processo ao listarem estavam em um segundo plano em relação à

3
O termo fashionista será utilizado nesta pesquisa para referir-se às confecções de vestuário que atuem no segmento fashion do mercado
de moda, caracterizado por estar conectado às últimas tendências de moda.
4
Desde janeiro de 2010, a organização francesa da feira Première Visión trouxe o evento para o Brasil com cronograma semestral em São
Paulo, sendo que sua 5ª edição será em janeiro/2012. Os expositores são predominantemente de tecidos, da Europa ou nacionais, com
maior foco no mercado fashion e de jeanswear.

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agricultura e à mineração. Ainda assim, a indústria Em 1808, ao chegar ao Brasil, D. João decidiu
têxtil tinha sua importância no momento em que abrir os portos brasileiros aos países com os quais
abastecia os mercados locais rurais distantes dos mantinha relações amistosas _ a Inglaterra sendo
centros urbanos, com pequenas manufaturas um deles. Dessa forma, ao passo que começava
de tecidos e vestuários. Nesse cenário, os res- a se estruturar para se reerguer, com a permissão
ponsáveis pela fiação, tecelagem e costura eram de D. João VI, a indústria têxtil brasileira já tinha
os escravos ou as mulheres mais habilidosas da como rival a importação de tecidos ingleses. Esses
casa, compondo um segmento contribuinte para tecidos eram provenientes de uma indústria bem
a autonomia dos grandes domínios rurais e que estruturada técnica e comercialmente, sendo de­
representava uma importante característica da senvolvidos particularmente com foco na alfa­
vida econômica e social da colônia, além de ser iataria masculina (referência em tecidos de lã até
um esboço da indústria têxtil que se configuraria os dias de hoje), mas que também produzia (e
mais adiante (PRADO JR., 1973). ainda produz) outros tecidos finos.
Ainda que incipiente, as possibilidades de Itália e Holanda também figuravam na lista de
avanços para a indústria têxtil eram deveras pro- exportadores para o Brasil, o que ampliou a oferta e
missoras. O crescente mercado consumidor coa-
variedade de bens de luxo europeus e outros produtos
dunado à relativa abundância de matérias-primas
secundários para mercados, como o da arquitetura,
no tocante às fibras naturais poderia ter propor-
moda e até o artístico e cultural, permitindo um
cionado maior desenvolvimento no setor para
melhor desenvolvimento das atividades relacionadas
além de pequenas demandas locais. Nesse mo-
a esses segmentos (CHATAIGNIER, 2010; PRADO
mento, no entanto, verifica-se, claramente, onde se
JR, 1973; UDALE, 2009).
situavam os interesses da metrópole Portugal e o
papel que ela atribuía ao seu território americano Para compensar o progresso interrompido
quando, ao surgimento de manufaturas autôno- em 1785, D. João VI revogou a proibição comentada
mas e relativamente grandes em Minas Gerais e e incentivou profissionais que fossem capazes de
no Rio de Janeiro, foram dirigidas palavras críticas inventar e manusear máquinas, especialmente as
do Marques de Lavradio, Vice-Rei, advertindo “contra dedicadas às manufaturas de algodão, seda e lã;
o perigo de tais atividades, que não só faziam con- permitindo também a introdução do tear mecânico
corrência ao comércio do Reino, como tornavam os que acelerou a produção de tecidos (CHATAIGNIER,
povos da colônia mais independentes” (PRADO JR., 2010). Assim, quando a corte portuguesa se instalou
1973, p. 224). no Rio de Janeiro, passou a se pensar com base
Após essa denúncia houve a proibição da em outra perspectiva sobre o desenvolvimento
produção de tecidos mais elegantes, ou seja, os que autônomo da colônia (PRADO JR., 1973).
mesclassem seda ao algodão, como havia até então, No entanto, tecidos finos, como o tafetá, o
reduzindo a produção têxtil nacional a tecidos de gorgorão e a lã, ainda eram importados da Europa
algodão grosso para vestimentas de escravos ou pelas casas de moda, que disputavam entre si a
confecção de sacaria (CHATAIGNIER, 2010). obtenção da maior parte possível de uma quantidade
Vale lembrar o Tratado de Methuen, de 1703, limitada que os países europeus dispunham para
que garantia a Portugal um suprimento de tecidos exportar ao Brasil _ o país não era um mercado
ingleses seguro por meio de isenção de taxas e, muito atraente para a Europa, pois representava uma
em contrapartida, favorecia os ingleses aos vinhos demanda pequena. Ainda assim, com a prosperidade
portugueses, o que aliviou as preocupações em social, os artigos de luxo se faziam necessários e
relação à produção de tecidos próprios, incluindo o anseio em assemelhar-se à moda parisiense era
no Brasil (BUENO, 2010). ininterrupto (CHATAIGNIER, 2010).

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3 Implantação e como a moda, que seguiu um rumo luxuoso, de-
mandando tecidos de primeira qualidade e estilo
Desenvolvimento da clássico, sendo a seda o tecido favorito para cum-
Indústria Têxtil prir os termos de elegância da época. As mulheres
dos fazendeiros paulistas, por exemplo, tinham um
estilo chique e rural e faziam suas compras em lojas
Do início da colonização à primeira metade nacionais ou europeias, priorizando um look final
do século XIX, percebe-se que o progresso latente elegante com materiais têxteis de boa qualidade,
da indústria têxtil nacional foi interrompido em em oposição ao comportamento das mulheres de
momentos inoportunos, provocando uma des­ Minas Gerais, que faziam questão de consumir teci-
continuidade em seu desenvolvimento. Entre­ dos ingleses, já que se inspiravam na Rainha Vitória
tanto, nesse mesmo século, repleto de situações para sua moda (CHATAIGNIER, 2010).
político-econômicas com interferências na indús­
Contextualizados nesse período movimen-
tria brasileira, conferem-se alguns principais fatos
tado, no fim do século XIX, somavam-se, aproxima-
que aqueceram a economia: a aplicação da Tarifa
damente 600 indústrias brasileiras. Em 1864, 20
Alves Branco; a abolição do tráfico de escravos; e
dessas indústrias eram fábricas têxteis, número
o ciclo do café.
que dobrou duas décadas depois; e, pouco antes
A Tarifa Alves Branco, com certo atraso da Primeira Guerra Mundial, já contava com
e com visão menor ao protecionismo e maior a aproximadamente 200 fábricas, de acordo com
mitigar o déficit da balança comercial, elevou, os dados divulgados pelo Sindicato das Indústrias
em 1844, as tarifas alfandegárias que giravam Têxteis de Malhas de Minas Gerais (Sindimalhas).
em torno de 15% a 25% para uma escala de 20%
Na primeira década do século XX, a maior
a 60% (SINDIMALHAS, 2004). As consequências
de todas as fábricas têxteis era a Companhia
foram não somente o aumento da arrecadação
Brasil Industrial, em Paracambi, no Rio de Ja­
tributária, como também uma razoável pros-
nei­ro. A indústria têxtil encontrava-se em uma
peridade de algumas atividades do mercado
época muito favorável, pois, além de contar com
nacional que, somadas à abolição da escravidão,
recursos transferidos da cafeicultura, ainda era
proporcionaram benefícios que se espraiaram
capaz de produzir, com preços competitivos,
também para a indústria têxtil, pois, ao declarar
alguns tecidos do look principal da época: saias
o tráfico de escravos ilegal, o fluxo dos recursos
longas combinadas com blusinhas brancas de
utilizados em tal atividade foi distribuído para
cambraia de linho ou algodão, raramente de seda
outras (PRADO JR, 1976).
(CHATAIGNIER, 2010).
O ciclo do café é o próximo período
Embaladas em um ritmo ininterrupto de
interessante a ser observado, pois possibilitou um
crescimento, durante a Primeira Guerra Mundial,
desenvolvimento econômico mais intenso, uma
as fábricas de tecidos se empenharam ao tentar
vez que o Brasil se tornou o principal produtor
abastecer o mercado interno com todo seu po­
mundial de café e os lucros obtidos com sua
tencial, que demandava musselina, gaze, tule, cre­
exportação foram aplicados na industrialização e
pes e tafetás coloridos e/ou bordados com ren­das
na modernização do País (BUENO, 2010). Nesse
e lantejoulas (CHATAIGNIER, 2010; SINDIMALHAS,
contexto, a indústria têxtil foi uma das pioneiras
2004), favorecidas pelo fato de que já que não se
em “deslanchar”.
podia contar com suprimentos externos, pois os
Em São Paulo, principal estado produtor Estados Unidos e a Europa estavam participando
do café, o crescimento urbano e industrial confi­ do conflito. Esse impulso dado à indústria têxtil
gurou um consistente desenvolvimento econômico fez com que ela respondesse, em 1919, por 40%
e surgiram espaços para outras atividades sociais, das pessoas empregadas na área das indústrias de

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transformação. Contudo, no período consecutivo estrutura e sistema uma apelação ao hemisfério
ao fim da Guerra, muitos países voltaram a ex­ norte, instigando o consumo de moda “de lá” e
portar para o Brasil, praticando preços menores sua rede de lojas sobreviveu até a década de 1990.
ainda que os praticados em seus próprios países, Diante da íntima relação do mercado de moda e da
comprometendo a produção nacional, que se indústria têxtil, a atratividade não se limitava apenas
deparou com uma demanda decrescente. E, mais ao consumo dos modelos europeus, mas também
uma vez, a indústria têxtil perdeu o fôlego da dos tecidos que davam vida àquelas criações.
expansão. Duas situações similares ocorreram no
Dessa maneira, em períodos irregulares de
período da crise econômica de 1929 e na ocasião
desenvolvimento da indústria têxtil, as importa­
da Segunda Guerra Mundial, quando, novamente,
ções não cessaram completamente porque havia
sem suprimento externo, a indústria têxtil contou
a exigência de algumas elites, como a paulistana,
com uma parcela de compradores maior no
que tinha gosto em adquirir vestimentas em lojas
mercado (SINDIMALHAS, 2004).
como o Mappin. Nessa época, mostra-se uma
Assim, percebe-se que em relação à opor­ tendência, presente até os dias de hoje, de uma
tunidade de adquirir têxteis no mercado externo, grande predominância dos artigos estrangeiros
a resposta foi favorável e com pouca hesitação, quando se trata de alta qualidade e refinamento,
enquanto recorrer aos produtos genuinamente ainda que pesem os esforços no sentido do
brasileiros se mostrava uma atitude baseada na fomento da indústria têxtil local, além de ser uma
condição de falta de opções. Seja por carência época da oferta e fascínio que proporcionavam os
de mercadorias em outros países, ou por medidas grandes magazines.
protecionistas, a indústria têxtil nacional apresenta
vantagem forçada, de maneira que quando
depende, impreterivelmente, de seu mérito e
4 Importação de Têxteis no
capacidade própria, perde algumas competições
com o produto internacional. Brasil
A essa altura do levantamento histórico, é
relevante apontar que, ainda que com características Os valores e volumes referentes às impor-
próprias regionais, a moda brasileira não desen­ tações dos têxteis alternaram-se sem seguir um
volveu uma identidade própria, absorvendo ritmo coerente ao longo da História do Brasil e, até
constantemente as informações de moda da então, de uma primeira análise, resta a impressão
Europa, sendo Londres, Paris e Roma as principais de que a entrada de tecidos estrangeiros no país
referências. Entre o período da colonização e comprometia a demanda da produção têxtil local.
o início do século XX, praticamente não houve
Seguiremos com um levantamento histórico
mudanças radicais quanto a esse comportamento
do século XX, quando essa lógica parece se
mimético _ ainda que a miscigenação cultural na
distorcer. Sob os efeitos do fim da Segunda
colonização do Brasil tenha gerado “uma receita
Guer­ra Mundial e o medo de um novo conflito, o
saborosa”, a Europa continuava servindo como
comércio internacional passou a ser visto como
modelo (CHATAIGNIER, 2010).
um campo em que se poderiam resolver tensões,
Exemplificando tal situação, em 1927 foi permitindo o sufocamento de rivalidades por meio
inaugurado o Mappin5 no Brasil, trazendo em sua de tratados que delimitassem as incumbências

5
O Mappin era uma loja de departamentos varejista que comercializava artigos variados, desde itens para a casa e perfumes, até itens
de vestuário, calçados e acessórios. Hoje, o Museu Paulista está no processo de catalogação de um rico acervo do Mappin, inclusive em
parceria com Museu Digital da Indumentária e da Moda para analisar a parte de Design e Moda desse acervo. A autora Maria Claudia
Bonadio também elaborou o livro Moda e Sociabilidade em que estuda esse magazine.

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que não compreende o motivo pelo qual se
Dos tecidos mais utilizados selecionou aquele artigo, uma vez que podem
pela moda nos anos de 1960, ter sido considerados composição, construção,
a maioria era composta por beneficiamento e o próprio desenho _ este, por
si só, já deveria ser critério suficiente para a im­
fibras vegetais naturais, como portação de algo que não tenha igual no Brasil.
o laise, o algodão – fino ou Além do desenho, o toque e caimento dos
cru –, a chita estampada, o tecidos, obtidos com tecnologias diversas, podem
ser melhores ou piores em tecidos de mesma
linho, a cambraia, a juta. composição e construção. Se o Brasil contasse
antes, ou até mesmo hoje, com artigos de fato
similares aos internacionais, o quadro situacional
seria de uma demanda interna mais entusiasmada,
de cada país. Com a normalização mundial após assim como de um volume maior de exportações,
a Guerra, o Brasil se encontrou em desvantagens uma vez que os produtos se encontrariam em
para competir no mercado internacionalmente, o sortimento e qualidade páreos para a concorrência
que acabou desencadeando um conjunto de leis no mercado externo.
protecionistas que colaborassem em garantir, ao Dos tecidos mais utilizados pela moda nos
menos, o mercado nacional como consumidor da anos de 1960, a maioria era composta por fibras
indústria têxtil local, que, em 1950, já representava vegetais naturais, como o laise, o algodão _ fino ou
25% da força de trabalho das indústrias no País cru _, a chita estampada, o linho, a cambraia, a juta,
e, aproximadamente, 20% da produção industrial entre outros (CHATAIGNIER, 2010). Considerando
(KON; CALEGARI, 2005). a abundância desse tipo de matéria-prima no
Desde a década de 1960, o Brasil já vinha Brasil, não foi muito difícil para o mercado de moda
buscando independência do suprimento externo trabalhar com os tecidos nacionais, a exemplo disso
e, na década de 1970, foi elaborado um programa vemos o Grupo Moda Rio, criado em 1978 por 11
de substituição de importações, que exigia do estilistas que elaboravam coleções de vanguarda
importador brasileiro uma verificação prévia comedidas no design e na escolha dos tecidos.
para identificar se não havia produtos nacionais
Avançando à década de 1980, as impor-
similares aos que pretendia importar (GAROFALO
tações chegaram ao ápice das limitações: somente
FILHO, 2005). O julgamento de supostas simi­
era permitida a entrada de itens essenciais
laridades entre tecidos, por exemplo, é uma
(GAROFALO FILHO, 2005). Por coincidência e
das características polêmicas da importação.
conveniência para a indústria têxtil, a moda dos
Considerando o escopo de tecidos na segunda
anos 1980 teve um apelo para o culto do corpo,
metade do século XX _ época em que a indústria
pois a boa aparência era fundamental, almejando-
têxtil internacional já estava muito avançada em
-se o look powerdress, com acessórios significati­
termos de tecnologia com sortimento profundo na
oferta de artigos têxteis _, e que a decisão para vos e roupas com bom caimento. Essa sensação
adquirir tecidos recai sobre diversas características motivava a prática dos exercícios aeróbicos para
que não apenas preço ou composição, torna-se obter um corpo mais bonito, abrindo espaço para a
compreensível que a seleção de um material seja moda fitness, que demandava grande quantidade
muito relativa. de malha (SCALZO, 2009) _ convenientemente,
porque a indústria de malharia foi a que mais se
Dessa maneira, ao sujeitar uma decisão de
compra de um artigo ao julgamento da Receita desenvolveu no Brasil.
Federal é provável deparar-se com uma situação O investimento em maquinário necessário
“injusta”, pois a opção por importar um tecido para produzir malhas é relativamente baixo e o
pode ser indeferida por uma figura operacional custo de produção também é menor quando

84
comparado à produção de tecidos planos6. Por
essa razão, era razoavelmente fácil iniciar um Os anos 2000
negócio de teares de malha; somando-se a isso, a representaram uma década
atratividade do mercado, que demandava artigos
informais e esportivos, surgiram vários pequenos
próspera, com moeda
fabricantes que aderiram a esse segmento. estável, bem como atraíram
Ao passo que o número de fábricas aumentou,
a atenção do mercado
intensificou-se também a concorrência, causando
a queda dos preços, comprometendo, assim, a internacional de moda
qualidade (ROMERO, 1995). a partir do sucesso da
A comparação entre o que aconteceu na modelo Gisele Bündchen
indústria têxtil e as medidas tomadas nas décadas
de 1970 e 1980 pelo governo sugere um perfil e do design de moda praia
protecionista por parte das instituições brasileiras. do estilista Amir Slama com
Contudo, na década de 1970, presenciou-se um
crescimento do segmento de malharia nacional
a marca Rosa Chá.
de 10% a 20% anual. Enquanto na década de 1980,
quando a restrição de importações foi ainda mais 14% em quatro anos (PEREIRA apud BENECKE;
rigorosa, esse crescimento flutuou sobre uma NASCIMENTO; FENDT, 2003) _ a indústria têxtil
média de 5% apenas7 (ROMERO, 1995). se encontrou exposta à concorrência internacional,
Logo, a partir dos dados coligidos, não composta por indústrias bem consolidadas e
é possível inferir que o protecionismo conduza fortes, o que fez com que muitas fábricas fossem
ao progresso da indústria têxtil. Em entrevista se extinguindo, iniciando-se um processo de rees­
ao International Centre for Trade and Sustainable truturação produtiva (KON, 2005; SCALZO, 2009).
Development (ICTSD), em maio de 2007, o econo- As mais prejudicadas foram as fábricas de tecidos
mista João Carlos Ferraz, da Comissão Econômica planos e de tecidos compostos por fibras químicas8
_ estas devido à concorrência de mercadoria
para a América Latina e o Caribe (CEPAL), fez um
comentário relevante para esta pesquisa: sintética e artificial proveniente da Ásia.
A produção de tecidos planos foi subs-
Uma ação defensiva (se referindo a medidas prote-
cionistas) precisa ser acompanhada de outra proativa. tituída gradativamente pela produção de malhas,
O ideal seria que a tarifa mais alta vigorasse por um que gerava artigos de menor custo (KON, 2005).
período de tempo determinado, durante o qual as em- Afetada em tais proporções, essa indústria re­fletiu
presas poderiam investir em mão-de-obra e inovação suas dificuldades nas confecções de mo­ da, que
tecnológica, de modo a produzir mais e melhor e competir
sofreram em conjunto, pois em uma épo­ca em que
em pé de igualdade com as empresas estrangeiras
o mundo compartilhava de uma moda minimalista
(ICTSD, 2007).
(BAUDOT, 2008), para ser viável produzir em
No entanto, repentinamente na década de aproximação ao mercado mundial, as confecções
1990, quando se deu a liberação comercial _ que foram conduzidas a buscar matérias-primas
reduziu a tarifa média de importações de 45% para estrangeiras9 e tiveram de se adaptar às condições

6
Os tecidos são divididos basicamente entre planos e malhas. As malhas podem ser de trama, produzidas em teares circulares ou retilíneos;
ou de urdume, produzidas nas máquinas Kettensthul ou Raschel. As malhas de trama são as que apresentam maior facilidade de produção
devido ao baixo custo dos teares e dos relativamente baixos custos de produção (CHATAIGNIER, 2006).
7
Retomando a moda fitness da década de 1980, é preciso relevar que essa demanda estava latente desde a década de 1970 quando as
fábricas de malha aumentaram em volume e puderam suprir a demanda que se consolidou na década de 1980, por esta razão não foi
exatamente na década de 1980, simultaneamente à demanda, que a indústria de malharia cresceu.
8
As fibras químicas dão origem aos tecidos sintéticos ou artificiais (CHATAIGNIER, 2006).
9
Exemplificando essa situação, em 1991 a importações de têxteis movimentaram aproximadamente US$ 70 mil, e, em 199,7 atingiram os US$
310 mil (GORINI; SIQUEIRA, 1998).

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inerentes ao processo de importação direta ou Como exemplo, com o aumento exponencial
indiretamente10. da importação de produtos chineses, particular-
De acordo com Scalzo (2009), os anos mente têxteis, e deparando-se com o fim do Acordo
2000 representaram uma década próspera, com de Têxteis e Vestuário11, o ministro do Desenvolvi-
moeda estável, aumento do índice de consumo mento, Indústria e Comércio Exterior, Luiz Fernan-
de todas as classes sociais, bem como atraíram do Furlan, estabeleceu um acordo com a China
para que, de março de 2006 até 2008, as cotas dos
a atenção do mercado internacional de moda,
volumes de têxteis importados fossem reduzidas. A
a partir do sucesso da modelo brasileira Gisele
medida protecionista foi tomada para oito grupos
Bündchen e do design de moda praia do estilista
de têxteis, e enquanto alguns industriais brasileiros
Amir Slama, com a marca Rosa Chá.
comemoraram, os comerciantes de tecidos ante­
Avançando nos anos 2010, encontramos ciparam suas compras em janeiro de 2006 antes
o setor têxtil ainda procurando alcançar o mes- que as regras entrassem em vigor (CCIBC, 2011).
mo ritmo de progresso e o mesmo nível de Esse caso é mais um exemplo da face polê-
reconhecimento da moda brasileira. Enquanto mica das importações: por um lado a Associação
o Brasil conta com aproximadamente 40 mil Brasileira da Indústria Têxtil (ABIT), conta com o
empresas e 1,7 milhões de trabalhadores formais bom funcionamento do acordo para que as cotas
e informais do segmento têxtil (da fiação não sejam excedidas; por outro lado, os supracitados
ao vestuário), com faturamento aproximado comerciantes, em uma tentativa de preservar suas
de US$ 40 bilhões, a Itália conta com 70 mil projeções de vendas criadas a partir da demanda
empresas, empregando 700 mil trabalhadores de seus clientes brasileiros _ que contam com
aproximadamente e faturando, em média, ¤ 48 certos níveis de preços de matéria-prima para
bilhões (ABIT, 2011; SORCINELLI, 2008). Com­ desenvolver seus produtos com um custo acessível
parando proporcionalmente tais dados, fica evi­ e estável aos revendedores _, concentraram seu
dente, de certa forma, que ainda há um tre­cho a volume de compras no primeiro trimestre. Ainda
ser percorrido pela indústria têxtil no Brasil. que a entrada do produto chinês seja mais restrita,
ela não se extingue. Logo, o reflexo de uma medida
Na obra Brasil Globalizado, Barros e Giam-
dessas pode ser o aumento de preços dos artigos
biagi (2008) questionam a maturidade da nação
asiáticos, propondo ao consumidor confeccionista
para participar de todos os aspectos da globali­ uma nova comparação entre o custo-benefício
zação, ironizando o fato de que o Brasil espera do tecido nacional e do importado, aumentando
encontrar o mercado externo receptível a seus as chances dos preços dos tecidos nacionais se
produtos, mas é adepto do protecionismo, poden­ tornarem mais competitivos.
do ser qualificado como um “gigante hesitante”. O
Nas tabelas a seguir, elaboradas a partir de
que nos permite pensar que o protecionismo deve dados do Sistema de Análise das Informações de
ser praticado proporcionalmente às intenções do Comércio Exterior (Alice) e da ABIT, é possível
Brasil com outras nações. Todavia, como o Brasil conferir que, independente das medidas restritivas
ainda “não definiu bem o que quer”, segundo esses às importações de têxteis, elas seguem crescendo.
autores, são frequentes os acordos temporários, Em publicação sobre a questão da inovação da
de caráter imediatista, com outros países para so- produção têxtil brasileira, Costa (2009) indica que
lucionar questões emergenciais surgidas de uma os esforços inovativos ainda são tímidos e, por
política ambígua que, por vezes, coloca segmentos escolhas equivocadas na estratégia competitiva, há
da indústria nacional em situação delicada. cada vez mais espaço para os produtos importados:

10
Adaptar-se diretamente seria o caso da empresa que realiza a própria importação e, indiretamente, o caso de comprar mercadorias de
empresas importadoras que funcionam como distribuidoras de tecidos importados. Em ambos os casos, o prazo de entrega é inseguro
devido às complicações que uma importação está sujeita e que serão comentadas mais adiante neste artigo.
11
Na Rodada do Uruguai, concluída em 1994, foi estabelecido o Acordo de Têxteis e Vestuário (ATV), no qual estava previsto que o
setor têxtil dos países participantes deveria aderir às regras do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT) pela liberalização gradual
do comércio internacional, reduzindo-se e eliminando-se cotas preestabelecidas. O ATV concedeu dez anos como fase de transição,
a qual se encerrou em janeiro de 2005.

86
TABELA 1 _ IMPORTAÇÕES DA ÁSIA
1º sem. 2009 1º sem. 2010 1º sem. 2011
PAÍS US$ (FOB) US$ (FOB) US$ (FOB)
CHINA 843.702.836 1.337.165.381 1.865.043.292
ÍNDIA 158.532.346 356.383.810 368.164.112
INDONÉSIA 196.574.017 197.537.806 242.573.489
CORÉIA DO SUL 88.010.641 114.756.041 120.823.563
TAIWAN (FORMOSA) 73.644.816 112.580.394 120.755.428
BANGLADESH 44.530.687 54.098.585 92.862.242
TAILÂNDIA 58.126.363 58.357.638 76.949.437
HONG KONG 19.222.656 34.732.354 59.667.764
VIETNÃ 31.258.449 40.380.055 57.974.563
PAQUISTÃO 22.440.314 21.587.372 35.016.546
MALÁSIA 29.616.966 29.803.666 33.243.397
CAMBOJA 6.358.569 5.055.660 11.571.640
CORÉIA DO NORTE 2.865.967 5.044.554 4.841.001
FILIPINAS 2.626.942 3.297.673 3.407.256
TOTAL 1.577.511.569 2.370.780.989 3.092.893.730

TABELA 2 _ IMPORTAÇÕES DA EUROPA


1º sem. 2009 1º sem. 2010 1º sem. 2011
PAÍS US$ (FOB) US$ (FOB) US$ (FOB)
ITÁLIA 38.153.873 48.669.054 64.172.087
ALEMANHA 49.355.584 61.963.262 63.731.373
TURQUIA 33.116.183 49.344.241 61.350.613
HUNGRIA 422.444 318.734 1.281.491
ROMÊNIA 949.495 967.005 1.279.326
ESLOVÊNIA 803.793 929.551 1.197.010
BULGÁRIA 583.893 569.261 995.715
DINAMARCA 864.973 833.866 514.579
UCRÂNIA 480.499 273.274 452.902
RÚSSIA 28.556 17.087 329.356
IRLANDA 254.760 130.805 325.074
BÓSNIA 30.505 59.687 78.137
ALBÂNIA 23.925 6.152 71.783
LITUÂNIA 23.063 32.773 69.464
ESTÔNIA 2.315 1.971 45.409
GRÉCIA 57.693 76.021 44.831
LETÔNIA 2.083 4.481 36.316
ISLÂNDIA 0 0 5.159
BELARUS 30.799 274.571 0
MÔNACO 895 0 0
MONTENEGRO 280 0 0
LUXEMBURGO 885.282 1.931.088 1.820.680
SUÉCIA 2.134.010 1.898.965 2.123.283
TOTAL 128.204.903 168.301.849 199.924.588
FONTE: Adaptado do Sistema de Análise das Informações de Comércio Exterior e de relatórios da ABIT, 2011.

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Rev. FA E , Curitiba, v. 15, n. 1, p. 78-97, jan./jun. 2012
Para manter um grau de protecionismo yuans (moeda chinesa) devido ao baixo custo de
comedido, a Organização Mundial do Comércio produção no país, quando convertido para dólares
(OMC12) estipulou como taxa máxima de importação e em seguida para reais, se posiciona com boa
35% de imposto, ficando opcional para cada nação competitividade quando comparado aos preços de
decidir qual porcentagem trabalhará com cada tecidos nacionais que são compostos levando em
país e cada categoria de produto; entretanto, consideração custos em reais desde o princípio do
propondo concomitantemente que essa taxa processo. Ainda com relação ao valor das moedas,
caia progressiva e gradualmente. O preço de um a gradual valorização do Real15 torna os preços para
produto importado não é ditado apenas pelo seu os artigos importados mais atrativos e os preços
próprio valor mais o Imposto de Importação, mas de exportação menos competitivos nos mercados
também por outras taxas federais, estaduais e estrangeiros, uma vez que a proximidade ao valor
municipais incidentes, como o ICMS, o SDA, o PIS e do dólar americano compromete uma possível
o COFINS13, além das despesas com serviços para vantagem na compra de produtos brasileiros por
o transporte, desembaraço e entrega da carga. outros países _ situação paradoxal aos esforços
Logo, mesmo que uma mercadoria importada protecionistas.
da Ásia chegue ao Brasil, hipoteticamente, 300%
superior a seu preço FOB14, além do baixo custo de
mão de obra asiática, algo faz com que esse custo 5 Importando Tecidos
se mostre muito competitivo: o câmbio.

O câmbio é um elemento-chave nas tran­ Para importar mercadorias a empresa deve


sações internacionais por ter a capacidade de estar legalmente habilitada a importar, sendo
alterar os preços dos produtos importados e dos necessário o Radar16. Comprar de empresas
exportáveis: “o modelo cambial, as tendências estrangeiras significa, na maioria dos casos,
da taxa de câmbio e o grau de controle do fluxo deparar-se com diversidade de sistemas jurídicos e
de capitais podem atrair ou afastar investidores, burocracia externa e interna em tal nível de diferença
facilitar ou dificultar o comércio exterior” que podem gerar negociações contraditórias ou
(GAROFALO FILHO, 2005, p. 09). Isso porque a insatisfatórias, além das dificuldades acarretadas
maioria dos negócios internacionais tem como pela distância (COSTA, 2006).
moeda de negociação o dólar americano, à parte
A iniciar pela modalidade de pagamento, no
de negócios com a Comunidade Europeia, que são
comércio internacional geralmente não existem as
fechados em euros.
condições com as quais se está habituado no Brasil
Dessa maneira, o metro de um tecido chinês (faturamentos de 30 a 90 dias, por exemplo). A
que já apresenta um preço de venda baixo em maneira mais comum de pagamento ao exportador

12
OMC foi criada na Rodada do Uruguai realizada pelo GATT 47. Coincidentemente com o presente tema, tratou, entre outros assuntos, de
estabelecer novas regras de comércio para o setor têxtil e de vestimentas, incluindo limitações às exportações com subsídios, que nunca
haviam sido tratadas (COSTA, 2006), demonstrando a importância do segmento têxtil no comércio internacional.
13
As siglas significam, respectivamente, Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de
Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação, Sistema da Dívida Ativa, Programa de Integração Social, Contribuição para o
Financiamento da Seguridade Social.
14
Abreviação para a expressão free on board, termo que especifica um preço que considera os gastos de entrega até o porto de saída da
mercadoria, a partir de então, os gastos adicionais ficam a cargo do importador e não mais do exportador.
15
O Real foi criado pela Medida Provisória nº 542, substituindo o Cruzeiro Real sob o governo de Fernando Henrique Cardoso, em 1994.
(GAROFALO FILHO, 2005). US$ 1,00 variou de R$ 1,65 a R$ 1,80, segundo acompanhamento entre jul/2010 e jul/2011, no entanto, há
algumas semanas (set/2011) o dólar encontra-se em processo de valorização.
16
O Radar é uma licença de importador permanente ou temporária para realizar importações. Para a licença temporária, é preciso obter o
Radar Simplificado, que dura 6 meses, geralmente utilizada por empresas se envolvem em tal processo esporadicamente, conforme informa
o Portal Oficial online da Receita Federal.

88
é pelo before shipment payment (em português: visão panorâmica da participação do Brasil no
pagamento antes do embarque), ou seja, antes comércio internacional de têxteis.
que a mercadoria parta do país de origem. Mais
Deferida a licença, a mercadoria pode
que isso, muitas vezes as empresas estrangeiras
ser importada, deve-se acrescentar, ainda, que
exigem um adiantamento para a produção no ato
os processos de importação devem cumprir os
do pedido e o saldo restante é transferido quando
termos preestabelecidos pela proforma invoice,
a mercadoria está pronta, o que não quer dizer
que resume tudo o que foi negociado entre o
entregue. Entretanto, há alternativas para evitar
importador e o exportador, e suas informações
a disponibilização de capital antes mesmo de ter
devem ser verdadeiras e respeitadas. Quando a
a mercadoria embarcada: as cartas de crédito e
mercadoria estiver produzida, o fornecedor emitirá
os drafts (ordens de pagamento), por exemplo,
a commercial invoice, termo referente à fatura
que são negociadas por meio dos bancos, que
comercial, que será utilizada principalmente para
assumem um papel intermediador, sendo o
comprovar ao banco o pagamento ao exportador
pagador para o fornecedor internacional e o
e para fiscalização na aduana brasileira.
credor para o comprador brasileiro.
Os agentes de carga, também conhecidos
Definido o termo de pagamento, é neces­
sário consultar o Sistema Integrado de Comércio como freight forwarders, são os responsáveis
Exterior (Siscomex) para verificar se a mercadoria a por negociar espaços tanto em containers de
ser importada exige uma licença de importação ou navios como dentro dos aviões para transportar
não. Se for necessária, preenche-se um documento as mercadorias do exportador ao importador. De
denominado Coana, que funciona como um ato navio, o tempo de espera varia de uma a quatro
declaratório em que o importador deve informar semanas; de avião, o aguardo pode ser de um
uma série de características técnicas, como a a três dias. No momento em que a carga chega
natureza da matéria-prima e a titulagem dos fios ao Brasil, o fiscal da aduana a compara à invoice
que compõem os tecidos, todas inerentes à NCM17. informando o numerário de impostos e taxas a
serem cobrados para a liberação. Pagos os valores
Além da classificação nos oito dígitos da
devidos e conferida a documentação, a mercadoria
NCM, algumas vezes é necessária uma classificação
pode seguir por três caminhos: canal cinza,
adicional na categoria da Nomenclatura de
vermelho, amarelo e verde. Nos três primeiros, houve
Valor Aduaneiro e Estatístico (NVE), que exige
o indeferimento sendo necessária a regularização.
informações mais especificadas em alguns casos,
Já no quarto, a empresa brasileira pode dispor
como o de tecidos brancos: se são alvejados ou
daquilo que importou. Quem cuida dessa etapa é o
tintos de branco. A NVE alimenta um banco de
despachante, responsável pelo desembaraço.
dados estatístico online do governo brasileiro no
que diz respeito ao comércio internacional de Por mostrar-se imerso em burocracia e
mercadorias: na página do Alice é possível verificar vulnerável à arbitrariedade do sistema de fiscalização
os volumes de importação de tecidos por intervalo da Receita Federal brasileira, um processo de
de NCM, por exemplo. A ABIT acompanha os dados importação elenca riscos que muitas vezes uma
com frequência e publica em seu portal online empresa de moda prefere não assumir em nome
tabelas comparativas e resumidas, permitindo uma de comprar tecidos internacionais. Em negociações

NCM é a sigla para Nomenclatura Comum do Mercosul. Trata-se de um código aduaneiro adotado ao subjugar uma mercadoria a uma série
17

de critérios até que se adéque em um código do Sistema Harmonizado de Designação e de Codificação de Mercadorias. A NCM se utiliza
dos seis primeiros dígitos do HS Code (Harmonized System Code) com validade internacional, gerado pelo SH, com acréscimo de mais dois
últimos dígitos, esses justamente liberados pelo Sistema Harmonizado para subclassificações específicas de países ou blocos econômicos.

89
Rev. FA E , Curitiba, v. 15, n. 1, p. 78-97, jan./jun. 2012
nacionais, as partes negociantes têm a mesma processo de importação envolto pelo contexto
ideologia, diferindo-se das internacionais (COSTA, histórico, mas a alavancagem do desenvolvimento
2006). Comparada a uma compra nacional, importar desta pesquisa se deu com a coleta de informações
um produto é um processo de compra relativamente no mercado de moda por meio do contato com
complicado, porém, ainda que desestimulante, profissionais que atuam em confecções femininas
destacam-se pontos positivos que podem circuns­ no período de março de 2010 a janeiro de 2011.
tancialmente superar os pontos negativos18, seja
A princípio, a metodologia de pesquisa
pelos preços das mercadorias asiáticas, seja pela
consistiu em gerar perguntas, agrupadas em um
qualidade e design dos tecidos europeus (regiões das
questionário qualitativo, que fossem capazes de
quais o segmento fashionista mais importa tecidos
extrair dos compradores e estilistas das marcas
e peças confeccionadas conforme constatado pelo
de moda opiniões e relatos de seus respectivos
estudo de campo).
cotidianos recaindo no tema dessa pesquisa.
No entanto, o maior risco reside no Foram enviados 35 questionários a confecções da
timing: “um dos métodos para tornar observável região Sudeste do Brasil, no entanto, apenas cinco
a complexidade de uma empresa de moda é foram respondidos. Como não foi possível de obter
segmentar o processo total em uma série de informações por esse método, o que provavelmente
subprocessos e posicioná-los sobre o eixo do se deu pelo receio desses profissionais em serem
tempo” (BACARO apud SORCINELLI, 2008, p. 145) identificados ou por indisponibilidade em colaborar,
e, ainda de acordo com o autor, simplificadamen- mostrou-se necessário visitar as confecções e
te, as confecções fashionistas estruturam seu conversar com essas pessoas para que revelassem
processo de produção e compra na seguinte dados descompromissadamente. Foram visitadas
sequência: venda aos clientes (a partir de um oito confecções na cidade do Rio de Janeiro, 15
mostruário), compra de matérias-primas, produ- em Belo Horizonte, e 22 em São Paulo, totalizando
ção sob encomenda, armazenamento e remessa 45 departamentos de compra e/ou estilo de
aos clientes. Logo, a compra de matérias-primas marcas de status no Brasil. Escutar informalmente
deve ser feita em tempo hábil para recebê-las a a opinião de ditos profissionais possibilitou uma
tempo de produzir e entregar a seus clientes não percepção de como o mercado encara a questão
somente no prazo acordado, mas sim dentro do da importação de têxteis.
prazo estipulado pelo mercado de moda, uma vez Em uníssono, sentem-se insatisfeitos diante
que suas temporadas são baseadas nas estações da miríade de mercadorias nacionais que lhes são
do ano e há minicoleções intercaladas. oferecidas. Essa insatisfação é justificada de forma
genérica, partindo de um sentimento desgostoso
em relação à indústria têxtil nacional em diversos
6 Um Olhar para o Mercado aspectos, tais como o pouco atraente custo-
de Moda benefício (ao comparar design/qualidade/preço);
a falta de variedade no tocante à estamparia
e mesclas de fibras em tecidos que poderiam
Até então, foram balanceadas informações gerar composições com toque e aspecto mais
variadas sobre importações que levaram em conta surpreendentes; e, por fim, a falta de novidades nas
a indústria têxtil brasileira e as características do diferentes opções de beneficiamento.

Aqui é importante ressaltar a diferença entre as empresas de moda que importam e as que compram produtos importados, diferença que,
18

muitas vezes, não fica clara no mercado, visto que muitas empresas que compram produtos importados se autodenominam importadoras,
conforme comprovado em algumas conversas telefônicas com pessoas de ditas confecções/marcas de moda.

90
Essa falha em seduzir as confecções abre pro­­­dutos assim no Brasil e os compararam às
espaço para os artigos importados, afinal, todos esses mercadorias asiáticas, afirmando haver similares
profissionais viajam à Europa antes do desenvolvi­ no mercado a um terço do preço em euros, mas
mento de coleções e retornam empenhados em reconhecendo a superioridade do produto final
assemelhar-se em diversos aspectos à moda euro­ europeu. Essa mesma maioria revelou que a
peia. Ao apresentar o mostruário de um converter inferioridade da matéria-prima asiática utilizada no
italiano19 de tecidos, com 150 artigos variados, que prêt-à-porter22 brasileiro não interfere nas vendas
abastece o nível de mercado da Europa e contem­ e, por isso, não se constrangem em dar preferência
pla marcas como Zara e H&M, ou seja, mediano/ a ela, argumentando que seu consumidor final não
baixo, a reação dos brasileiros baseou-se em é suficientemente criterioso quanto aos tecidos no
elogios e surpresa com a beleza e qualidade dos momento da compra _ sua listagem de critérios
tecidos, artigos que variam em seu preço FOB de abarca, de maneira geral, modelo/design, cor,
¤ 4 a ¤ 8 por metro20. Essa situação evidencia em caimento e status da marca:
que patamar se encontra a referência e o repertório [...] o que importa é esse jogo de reforçar a ignorância
têxtil de muitos confeccionistas brasileiros, que do consumidor, afastando o pensamento do preço do
identificam uma mercadoria européia de nível material, do artesanato e da durabilidade, encorajando

razoável como de nível alto. o gasto na produção, impedindo o desenvolvimento


independente do gosto público, acostumando-o no
Contudo, das 45 confecções visitadas, oito hábito de seguir certos árbitros em vez de repousar em
delas comentaram que já são produzidos por seus próprios valores estéticos. (GREGORY 47/48 apud
SOUZA, 1996, p.31).
empresas nacionais artigos similares aos da linha
de algodão dos italianos e com preços melhores, A concorrência pelos mercados gera uma
mas que o aspecto visual era ligeiramente inferior guerra travada simultaneamente nos planos estético
à mercadoria estrangeira21. Como esses artigos e comercial. Ao estético, refere-se à capacidade
eram todos em algodão, há uma conotação de das empresas/marcas de moda em impor-se nesse
que a indústria têxtil brasileira detém know-how segmento com criações atraentes, e ao comercial,
suficiente para trabalhar com algodão, mas não a capacidade de impor-se mercadologicamente.
necessariamente matéria-prima – visto que as Essa guerra presente no sistema de moda evoluiu
importações de fibras de algodão saltaram de 30 ao prêt-à-porter conduzindo à formalização das
para 140 toneladas, aproximadamente, de 2010 estratégias comerciais e estéticas ampliando ao
para 2011, e as importações de tecidos de algodão máximo o “grau de consciência na manipulação
cresceram 13% no mesmo período (ABIT). das representações” (GIUSTI apud SORCINELLI,
2008, p. 121).
Quanto às outras linhas de tecidos que
levam poliéster de alta qualidade, poliamida Por essa razão, o feedback da maior parte
(Nylon) e elastano (Spandex), a maioria restante dos compradores e estilistas que prevaleceu re­
dos entrevistados comentou não encontrar ve­lou um sentimento favorável sobre trabalhar

19
Essa empresa funciona baseada em um departamento de estilo que desenvolve coleções de tecidos junto a tecelagens turcas e coreanas,
as importa para a Itália e as distribui em mais de 70 países.
20
Após sofrerem taxação e adicionarem-se as despesas dos prestadores de serviço na importação, essa faixa de preço nacionalizada seria
de, aproximadamente, R$ 35,00 a R$ 50,00.
21
Em alguns momentos a indústria têxtil nacional parece menosprezada de certa forma, mas, relembrando, estamos considerando o
abastecimento do segmento fashionista. Nossa indústria é muito forte em jeanswear e cottonwear, por exemplo, sendo uma significativa
fornecedora para a América Latina e outras regiões.
22
Essa expressão francesa originada do inglês ready-to-wear, significa pronto para vestir. A expressão começou a ser adotada ainda nos anos
1950, mas se tornou internacionalmente conhecida a partir dos anos 1960, quando os costureiros de alta-costura resolveram investir em
linhas de roupas que não eram feitas sob medida e que se encontravam prontas e já disponíveis para comprar nas butiques (SABINO, 2006).

91
Rev. FA E , Curitiba, v. 15, n. 1, p. 78-97, jan./jun. 2012
com os tecidos da empresa italiana em questão, outros países a amplitude das permissões ao de­
sinalizando uma inclinação a tentar inserir algum partamento de estilo aumenta.
artigo diferenciado para enobrecer a coleção, o que
A compra de matérias-primas, têxteis nesse
não descarta certa relutância em comprar tecidos caso, obedece a uma série de critérios, principal-
de custo mais elevado que a média do mercado, a mente os indicados pelo setor financeiro; a forma-
qual é puxada para baixo pelo pequeno custo dos ção do preço é influenciada pelos custos, pois a
tecidos chineses e indianos, por exemplo. venda do produto final deve cobrir os custos diretos
Não obstante, o cerne de suas coleções se e indiretos, fixos e variáveis, deixando, ainda, uma
mantém na captação de suas matérias-primas pela base de lucro. Além disso, é necessário considerar
Ásia – os importadores mais citados foram Focus a sensibilidade ao preço das duas figuras compra-
doras de seus produtos: os varejistas e o consumi-
Têxtil, Adar, Selezione e Picasso _ que colaboram
dor final (MANARESI apud SORCINELLI, 2008), e
em reduzir o custo do produto final, ainda que com
em sua busca por tecidos que correspondam às
perdas de qualidade. Há também os que contam
suas expectativas do custo-benefício predefinido
com suas próprias importações da Ásia, quando
aliado ao custo-benefício esperado por seus com-
buscam casar a compra dos tecidos à confecção
pradores, as confecções brasileiras encontram três
das peças pelas vantagens conferidas pela mão
principais opções: comprar mercadoria nacional,
-de-obra asiática e se envolver no trâmite da
comprar mercadoria importada ou importar suas
importação “de uma vez só”. próprias mercadorias.
Fundamentando esse ponto de vista pra­ Contudo, na busca por exclusividade, tra­
ticamente unânime, encontramos o exemplo da balhar com mercadorias de importadoras é um
marca Sandpiper23, relatado no livro A Moda como risco. As empresas que compram tecidos no
ela é (DISITZER; VIEIRA, 2006): a partir de um mercado externo e os distribuem no mercado
interesse particular do proprietário por paletós nacional importam grande quantidade de cada
de lã, em uma viagem ao Uruguai (país referência artigo e, logicamente, se possuem um estoque
mundial em alfaiataria) para ver como as peças de mil metros de um artigo e uma confecção
eram fabricadas, o que encontrou o instigou a demonstra interesse de compra de apenas 300
terceirizar a confecção de uma parcela de peças metros, não é viável conferir exclusividade _ já que
em duas fábricas uruguaias. Atualmente a maior restarão 700 metros em estoque. Uma alternativa
parte da produção é realizada na China com uma à confecção é comprar o lote disponível ainda
motivação que não é baseada apenas em preços, que não o utilize por completo, e outra é propor
mas também porque “a China hoje tem o melhor parcerias do tipo da Alexandre Herchcovitch com
parque de costura do mundo”, segundo o dono da a importadora Picasso: a confecção/marca de
marca, Napoleão Fonyat. O restante é produzido moda compra apenas a quantidade que necessita
na Indonésia e no Brasil, nos estados de Santa para sua produção e a importadora volta a vender
Catarina, Paraná, Minas Gerais, Espírito Santo e Rio o estoque restante apenas na estação seguinte;
em troca, a Herchcovitch faz merchandising da
de Janeiro. Fonyat também afirma que “quando
Picasso em seus desfiles.
há um grande volume para ser trabalhado, os
brasileiros têm dificuldades para atender a Assim, as confecções articulam dentro das
essa demanda” e terceirizando a produção em opções disponíveis com o objetivo de harmonizar

Marca carioca que teve sua primeira loja inaugurada em 1983 e atualmente conta com uma rede de lojas de 23 unidades, mais seis franquias
23

e duas lojas-conceito, em Bali e em Búzios (DISITZER; VIEIRA, 2006).

92
a compra de tecidos para a coleção, analisando o crie uma inviabilidade para as empresas têxteis em
caso de seus itens individualmente. Para alguns, seu anseio de se tornar uma fornecedora significativa
os transtornos da importação compensam-se no desse segmento, uma vez que garantir exclusividade e
resultado final; para outros, é mais prático comprar promover desenvolvimentos para compras pequenas
tecidos importados que já estejam no Brasil e são pode não apresentar um lucro proporcional ao
vendidos com atrativos preços em reais e prazos, e, desgaste. Ainda assim é um segmento que provoca a
ainda, em outros casos, há vantagem de se trabalhar indústria têxtil a querer participar devido ao glamour
com tecidos nacionais. Portanto, conveniência associado. Em 1960, por exemplo, a Rhodia convidava
define a escolha dos tecidos, que, de acordo com figuras, como Dener, Clodovil, Alceu Penna e José
Barcaro (apud SORCINELLI, 2008, p. 152), deveria Nunes para desfilar coleções confeccionadas com
ter como objetivo “selecionar o melhor fornecedor tecidos que levassem os fios sintéticos que produzia
[...], utilizando como parâmetros a confiabilidade (DURAND, 1988).
em termos de qualidade e pontualidade nos
Seja para produzir para o mercado interno,
prazos de entrega, a relação qualidade/preço, a
seja para o externo, o design de moda brasileiro
capacidade do próprio fornecedor de trabalhar em
busca por matérias-primas que o permitam cumprir
parceria também nas fases de seleção do material”
seus objetivos de modelagem, design e aspectos
a exemplo do que foi constatado na pesquisa com
visual e tátil para suas criações. Os tecidos da marca
as confecções brasileiras.
Maria Bonita, por exemplo, são desenvolvidos
As marcas de moda encontram-se em diversas no exterior24, por motivos elencados por um dos
categorias de empresas e, segundo Giusti (apud sócios, Alexandre Aquino: “assim conseguimos
SORCINELLI, 2008, p. 122), quem na verdade cria, ter um produto mais sofisticado e customizado e
produz e distribui são “as grandes empresas de tipo ainda encomendar um lote pequeno e exclusivo,
funcional ou segmentado, ou até mesmo as holdings incopiável” (DISITZER; VIEIRA, 2006, p. 67). Com
industriais e financeiras [...] altamente estruturadas mais esse comentário, é possível perceber um
[...]”, como o grupo AMC Têxtil, detentor de marcas, tênue desencaixe do ciclo de abastecimento do
como Forum, Triton e Colcci, a empresa de capital mercado interno com produtos têxteis. Em um
aberto Le Lis Blanc e a GEP, que detém as marcas país de dimensões continentais como o Brasil, com
M, Luigi Bertolli e Cori. Também existem empresas diversas confecções distribuídas em grandes polos
de pequeno e médio porte que objetivam trabalhar confeccionistas _ Minas Gerais, Rio de Janeiro, São
com diferenciação e qualidade, categoria na qual a Paulo e Paraná, por exemplo _ a indústria têxtil
maior parte das marcas de status da moda brasileira brasileira, na opinião dos profissionais de moda
se encontra. Essas marcas, quando se trata de abordados, não tem a capacidade de suprir essa
artigos mais diferenciados, que serão um highlight demanda25 pulsante de maneira plena.
na coleção, trabalham com volumes de compra de
Observa-se que o parque têxtil europeu
150 a 400 metros de um artigo. Uma compra grande
ainda detém a melhor reputação, com destaque ao
de tecidos diferenciados seria de aproximadamente
made in Italy conquistado com serviços e produtos
600 metros, excluindo os volumes de tecidos lisos,
de moda executados com esmero (CALANCA,
que geralmente são mais altos por entrarem em mais
2008). A recorrência aos jacquards italianos, às
produtos do mix. Talvez, essa questão dos volumes
rendas francesas e à alfaiataria inglesa demonstra

Informação obtida no livro A Moda como ela é, organizado por Márcia Disitzer e Silvia Vieira em 2006, de maneira que podemos assumir
24

que atualmente compra-se alguma matéria-prima nacional embora se foquem no fornecimento de empresas estrangeiras.
25
A demanda comentada paira principalmente sobre os tecidos planos, com fios de qualidade entrelaçados, técnicas inovadoras de
beneficiamentos assim como o próprio design de desenhos, seja pela técnica de jacquard ou de estamparia, por exemplo. Ainda que trabalhar
com malhas signifique uma maior facilidade em termos de manuseio, velocidade de costura e custos da matéria-prima, muitas marcas
do mercado médio ao alto dão preferência a criar peças em tecidos planos, que se posicionam com um status melhor que as malhas,
possibilitando a confecção de roupas de alfaiataria, por exemplo, que exigem um acabamento mais estruturado (DISITZER; VIEIRA, 2006).

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que eles se posicionam em um patamar ainda
à insatisfação generalizada das confecções fashio-
inalcançado provocando um desejo de consumo
nistas em relação aos tecidos nacionais, e ainda
de moda que se estende dos tecidos às marcas de considerando o panorama histórico-econômico de­
luxo europeias. senhado neste artigo, é possível inferir que o design
O design de moda brasileiro, por sua vez, de moda cresceu em um ritmo mais acelerado
vem se autoafirmando mundialmente e dentro que o segmento responsável por abastecê-lo com
do próprio país. Em uma reportagem no portal matérias-primas têxteis.
americano The Business of Fashion, na matéria Com a tecnologia de comunicação e infor-
Inside Brazil´s Booming Fashion Industry (ANAYA, mação integrada das quais se dispõem hoje, os
2010), a autora se refere ao Brasil com otimismo criadores de moda coletam informações-repertório
e admiração diante do fato de os brasileiros de onde desejarem do mundo e ainda encontram
consumirem produtos de marcas nacionais de todas as condições necessárias para desenvolver
significativa expressão, em detrimento do consumo seus projetos de produtos, desde os mais avança­dos
de produtos de marcas internacionais, conotando softwares até novos modelos de administra­ ção
uma valorização e reconhecimento do valor da de marcas de moda, desafiados por referências
moda brasilis, entre outros aspectos brasileiros da internacionais que permeiam o imaginário do con­
produção e consumo de moda. sumidor por meio de diversas mídias, competindo
para agradá-lo em design e aparência _ sem que
Além disso, a exportação de vestuário e
muitas vezes qualidade e sofisticação técnica
acessórios made in Brazil é uma das atividades que
pesem na balança de decisões.
mais estimulam colaboração na cadeia produtiva
das mercadorias, em duas vertentes: a dos padrões Os países desenvolvidos _ polos que vão
de exportação que se caracterizam mais exigentes; à frente da moda mundial _ passam por situação
e a do retorno financeiro, ao expandir o espectro similar: vêm orientando sua produção para as etapas
de vendas em nível mundial. de maior valor agregado da cadeia produtiva do
vestuário, como o design, a logística de produção
No entanto, o Brasil ainda se caracteriza
e o marketing, uma vez que a Ásia assume,
como um país produtor/consumidor. A maior
gradativamente e com bastante força, a posição de
parte da produção nacional se destina ao mercado
líder no fornecimento de tecidos para o mercado
interno, ocupando a distante 69ª posição no
internacional, com o melhor custo-benefício no
ranking mundial de exportações de vestuário comparativo entre preço e qualidade. Ainda assim,
(COSTA, 2009). países como Itália e Alemanha apresentam uma
Almejando promover o design brasileiro e indústria têxtil bem estruturada e estão entre os
auxiliar marcas nacionais em seu direcionamento quatro maiores exportadores de vestuário, atrás
criativo rumo ao mercado externo, surgiu a apenas da China e de Hong Kong (COSTA, 2009).
Associação Brasileira de Estilistas (Abest), que, Selecionando tecidos por conveniência de
desde 2003, vem agregando marcas de moda preços, prazo de entrega, quantidades mínimas
praia, fashion, entre outras, sob a direção de Amir e características técnicas, a escolha dos estilistas
Slama, criador da Rosa Chá, Valdemar Iódice e e compradores recai com razoável frequência às
Roberto Davidowicz, da grife Uma (ABEST, 2009). mercadorias asiáticas, comercializadas por im-
portadores especializados. Todavia, para obter
exclusividade absoluta em território nacional e
7 Considerações Finais ainda trabalhar com artigos diferenciados e baixos
volumes mínimos exigidos, a melhor estratégia
reside na importação de tecidos da Europa _
Agregando a sólida imagem da moda brasilei- uma vez que importações da Ásia demandam
ra, tanto em território nacional quanto internacional, volumes altos de compra. No que tange o acesso

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às empresas do continente Europeu, diversas já sentimento nacionalista que deseja o progresso
contam com representantes no Brasil, facilitando de sua indústria têxtil local e suas possíveis reper­
a comunicação com as fábricas e a acessibilidade cussões socioeconômicas positivas, as aspira­ções
dos mostruários, além da participação na feira de que a moda brasileira alcance uma perfor­
Première Visión, em São Paulo. mance máxima condicionam à assimilação do
comércio internacional como colaborador-chave
Dessa maneira, quanto mais opções de para esse progresso. Além disso, considera-se,
matéria-prima o mercado de moda tiver a seu também, que a maior participação na dinâmica
dispor, mais elaborados e diversificados serão seus do comércio internacional tenha outros reflexos
produtos finais. Mesmo que sob a inspiração de um socioeconômicos positivos para o país.

• Recebido em: 25/04/2011

• Aprovado em: 28/09/2011

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