Polaridades - Como Um Tema Central em Gestalt-Te
Polaridades - Como Um Tema Central em Gestalt-Te
Polaridades - Como Um Tema Central em Gestalt-Te
LUCIANE DE SOUZA
DEDICATÓRIA
AGRADECIMENTOS
Resumo
1
BAUGARDNER, P. Terapia gestalt – teoria e prática. Editorial Concepto S/A : México – DF, 1978 p. 30.
7
SUMÁRIO
I. INTRODUÇÃO......................................................................................................... 08
I.1. Apresentação do trabalho e suas divisões ........................................................... 08
I.2. Justificativa teórica .............................................................................................. 08
I.3. justificativa prática ...............................................................................................10
II. CONTEXTUALIZAÇÃO TEÓRICA .................................................................... 11
II.1.Uma breve história sobre o nascimento da Gestalt-terapia ................................. 11
II.2.Pressupostos filosóficos .......................................................................................12
II.2.1. A Gestalt-terapia e a filosofia existencial ...........................................12
II.2.2. Gestalt-terapia e fenomenologia da prática clínica .............................13
II.2.3. Psicologia da Gestalt e sua influência sobre a Gestalt-terapia :
(figura / fundo; todo e partes) .............................................................. 14
II.3.Alguns conceitos básicos da Gestalt-terapia ....................................................... 16
II.3.1. Awareness ........................................................................................... 16
II.3.2. Teoria do self : funções id, ego e personalidade ................................. 19
II.3.3. Teoria do contato ................................................................................ 22
II.3.4. Ajustamentos criativos ....................................................................... 26
II.3.5. Ajustamentos neuróticos .................................................................... 27
III. POLARIDADES COMO UM TEMA CENTRAL EM GESTALT-TERAPIA 34
IV. APRESENTAÇÃO DE SITUAÇÃO CLÍNICA E DISCUSSÃO ........................ 45
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 51
BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................... 54
8
I. INTRODUÇÃO
2
ZINKER, Joseph. Processo criativo em gestalt-terapia. São Paulo : Summus, 2007, p. 217.
10
cliente a possibilidade de construir uma nova forma para seu existir, ou seja, reconfigurar sua
vida, por meio do restabelecimento da criatividade e da auto regulação-organísmica.
Por fim, todas essas considerações levam a pensar na importância de um estudo a
respeito do assunto, sendo que a relevância cientifica desse trabalho, fica por conta dos aspectos
apresentados até o momento, pretendendo contribuir com elementos que venham a melhorar a
compreensão acerca da importância do tema Polaridades em Gestalt-terapia.
3
FRAZÃO, Lilian Meyer. Apresentação à edição brasileira in : PERLS, Frederick Salomon, HEFFERLINE, Ralph,
GOODMAN, Paul. Gestalt- terapia. São Paulo : Summus, 1997 p. 8-9.
12
4
RIBEIRO, Jorge Ponciano. Gestalt-terapia: refazendo um caminho. São Paulo : Summus, 1985, p.32.
5
Idem, p.34.
6
JACOBS, Lynne, In: HYCNER, Richard, JACOBS, Lynne. Relação e cura em Gestalt-terapia. São Paulo :
Summus, 1997, p.67.
13
existencial, relativo ao enfoque na relação sob o ponto de vista dialógico, isso é, no Diálogo Eu e
Tu-Aqui e Agora.
A abordagem dialógica é uma forma de contato em que a figura de interesse dos
envolvidos é a interação, de um com o outro, como pessoas. É um processo que ocorre entre
pessoas e é fundamentado nos requisitos básicos do contato: união, separação, movimento e
awareness. Então a abordagem dialógica, implica em diálogo genuíno e pressupõe que na relação
entre o psicoterapeuta e o cliente haja “encontro”, ou relação pessoa a pessoa, isso é, o
acolhimento da alteridade do outro.
Há duas polaridades que caracterizam a abordagem dialógica: “EU-TU” e
“EU-ISSO”. A alternância dessas duas formas de relação é saudável, como um fluxo
figura-fundo, em que cada envolvido alterna-se como fundo ou figura para o outro.
atual.Assim, a awareness é sempre no aqui e agora, embora o conteúdo possa ter como fundo o
horizonte de passado e de futuro. O conteúdo é mutável, portanto, o mais importante é a forma,
que tem a ver com a sensorialidade e motoreidade, logo, é espontânea.
Numa postura fenomenológica, não é papel do psicoterapeuta ser o
“transformador”, é o paciente quem faz o esforço para a mudança, ao abandonar o que gostaria de
ser, e passar a ser o que é. Por conseqüência, o paciente desenvolve suporte para crescer, fazer
escolhas e assumir responsabilidades. Nesse contexto, o relacionamento que se estabelece entre o
terapeuta e o paciente, respeita e reconhece as diferenças, deixando a cada qual a
responsabilidade por si, estabelecendo uma relação EU-TU.
Isso ocorre por conseqüência ao processo de awareness, desenvolvido por meio do
contato e da experimentação. Dessa forma, a gestalt-terapia procura promover a auto regulação
organísmica, restabelecer o fluxo figura fundo, que passa a ser organizado pela necessidade
dominante.
Em resumo, essas são as atitudes fenomenológicas-existenciais do
gestalt-terapeuta: dar ênfase à experiência imediata do aqui e agora, suspendendo juízos de valor
e pré-concepções; buscar insight; fazer experimentação sistemática para facilitar a descrição dos
fenômenos; adotar a atitude fenomenológica que pressupõe que a consciência é sempre
“consciência de”, clareando os significados dando sentido à existência humana.8
10
Idem, p.65.
11
PERLS, Fritz. A abordagem gestáltica e testemunha ocular da terapia. Segunda edição, Rio de janeiro : editora
LTC, 1988, p. 19.
12
MÜLLER-GRANZOTTO, Marcos José, MÜLLER-GRANZOTTO, Rosane Lorena. Fenomenologia e
gestalt-terapia. São Paulo : Summus, 2007, p. 132.
16
2.3.1. Awareness
15
CIORNAI, Selma. Palestra apresentada em 1995, no I Encontro Goiano de Gestalt Terapia, publicada na Revista
ITGT nº 1, Goiânia, 1995.
16
Perls, Frederick, Hefferline, Ralph, Goodman, Paul. Gestalt-terapia. São Paulo : Summus, 1997, I. 7. p. 46.
17
CIORNAI, Selma. Palestra apresentada em 1995, no I Encontro Goiano de Gestalt Terapia, publicada na Revista
ITGT nº 1, Goiânia, 1995.
19
18
Perls, Frederick, Hefferline, Ralph, Goodman, Paul. Gestalt-terapia. São Paulo : Summus, 1997, p. 177.
20
então se alienar ou identificar-se com essas possibilidades, formando uma nova figura. Portanto,
o self é a unidade do fluxo temporal, a que se denomina “aqui e agora”, que contém o passado, e
a possibilidade da construção de um futuro, ou seja, horizonte de passado e horizonte de futuro,
que compõem o campo de presença. É no aqui e agora que acontece o contato, em que há o
ajustamento criativo, entre o passado e a possibilidade futura, que nada mais é do que a síntese
passiva. A síntese de transição, se dá pela dinâmica da passagem de um campo de presença para
outro, através do sistema de contatos.
Como sistema de contatos o self agrega “sempre funções
perceptivo-proprioceptivas, funções motor-musculares e necessidades orgânicas. “ (...) é o
19
organismo-como-um – todo em contato com o ambiente que é consciente, manipula e sente.”
Isso caracteriza o ajustamento criativo, em que ocorre o fechamento de gestalt pela solução
criativa de problemas.
Para ajustar-se criativamente, o self apresenta três funções básicas : id, ego e
personalidade.
O Id refere-se a: sensorialidade, propriocepção, awareness sensorial e hábitos.
Relaciona-se ao que é aprendido e está espontâneo. Ou seja, é o momento em que surge uma
excitação a partir de um fundo organísmico, logo, acontece na dinâmica do pré-contato.
Resumidamente, “ (...) o Id é o fundo determinado que se dissolve em suas possibilidades,
incluindo as excitações orgânicas e as situações passadas inacabadas que se tornam conscientes, o
ambiente percebido de maneira vaga e os sentimentos incipientes que conectam o organismo e o
ambiente.” 20
O Ego tem a ver com deliberação / ação / destruição de obstáculos. Tudo o que se
refere a transformações e ações caracterizam-se como funções do ego. Ocorre nas dinâmicas:
contato e contato final. No contato há deliberação, e então, passa à função agir ou contato final.
Logo, “é a identificação progressiva com as possibilidades e alienação destas, a limitação e a
intensificação do contato em andamento, incluindo o comportamento motor, a agressão, a
orientação e a manipulação.” 21
Depois disso, quando o excitamento foi aplacado pela ação do ego, o self pode
“fruir”, o que significa que ele pode se polarizar numa representação (culturalmente estabelecida)
19
Perls, Frederick, Hefferline, Ralph, Goodman, Paul. Gestalt-terapia. São Paulo : Summus, 1997, p. 179-180.
20
Perls, Frederick, Hefferline, Ralph, Goodman, Paul. Gestalt-terapia. São Paulo : Summus, 1997, p. 184.
21
Idem, Gestalt-terapia. São Paulo : Summus, 1997, p. 184.
21
daquilo que ele próprio fez. Isso significa que o self pode assumir ou se identificar com uma certa
personalidade.
Assim, Personalidade é o desdobramento de uma experiência do ego. Ou seja, o
ego faz algo e o self se identifica, dando origem à personalidade. Assim, “é a figura criada na
qual o self se transforma e assimila ao organismo, unindo-as com os resultados de um
crescimento anterior.” 22
Na Gestalt-terapia personalidade é equivalente à identidade, em que estão os
papéis e os conceitos. Assim, não há uma única personalidade, mas personalidades formadas
pelos diversos papéis, pelos vividos, assimilados da cultura, lingüisticamente. A personalidade se
caracteriza por assimilações e objetivações do self.
O Self aparece no contato, o que somos é o que está acontecendo (o Self), a
personalidade é o que já passou, por exemplo, nesse momento eu sou quem está escrevendo.
É através da ação que acontecem as personalidades, sendo que, a função pela qual
se realiza a ação é o ego.
O ego é a função ativa do Self, que transforma o meio, alienando-se ou
identificando-se, e portanto, é somente enquanto ego que existimos como individualidade, já que
é através do ego que o self se faz ação, decisão, deliberação, ou seja, a figura é um ato
intencional. Ocorre a apreensão da figura, ou pré-contato, além do contato e contato final. Ao
deliberar pode identificar-se ou alienar-se para satisfação das necessidades no meio (pré-contato),
assim abre novas possibilidades, seguindo-se a ação (contato final). Após a ação, diminui o
excitamento, e o self pode fluir, e a ação tomada determina uma representação cultural que
permite identificar-se como personalidade. Sempre é voltado para o futuro, pois é no futuro que
estão as possibilidades, e para o meio, uma vez que é o meio que oferece as possibilidades de
satisfação. Ao deliberar através da alienação ou identificação, o self se individualiza, pois sou eu
quem age no meio modificando-o .
O Id orienta o ego à ação através do fluxo dos vividos essenciais (sensações e
sentimentos). A figura não está claramente definida, pois são relacionadas a vivências do corpo,
tais como experiências sinestésicas e viscerais, indiscriminadas para quem as sentem. O id é puro
fluxo, e seus atos são excitações.
22
Ibidem, Gestalt-terapia. São Paulo : Summus, 1997, p. 184
22
O contato, de que trata a Gestalt terapia, não tem a ver com o significado que lhe é
atribuído corriqueiramente ou pelo senso comum. Ou seja, em Gestalt-terapia, pressupõe-se que
para que ocorra o contato, é necessário um objeto exterior, um “não eu”. Assim, não cabe falar
de “contato consigo mesmo”. Outro fator, refere-se à confusão entre contato e relação entre
pessoas, pois esse contato ao qual se quer conceituar, não demarca relações, pois que, toma uma
dimensão que é caracterizada por sua qualidade.
Nesse sentido, Contato não é um estado, mas é marcado por uma ação processual,
e acontece somente com o que se caracteriza como diferente do organismo, ou seja, na fronteira
do eu – não eu, portanto é, a “função que sintetiza a necessidade de união e separação”.23
Sendo assim, é a fronteira de contato que permite que o “eu” e o “não-eu”, sejam
experimentados de forma mais clara, possibilitando desenvolver um senso do que é pessoal e do
que difere, ou seja, colide com a delimitação do “eu”.
Logo, é o encontro com o “dessemelhante” que possibilita saber quem sou “eu” ,
permite construir e desenvolver a minha identidade, mantendo minhas diferenças. Desse modo,
um fenômeno novo é modificador, e promove o contato.
23
POLSTER, Erving, Polster, Miriam. Gestalt-terapia integrada. São Paulo : Summus, 2001, pag. 111.
23
24
Quanto a isso, ROBINE coloca que: “para Perls e Goodman, a experiência se
situa na fronteira entre o organismo e o ambiente. O fenômeno que se manifesta nessa fronteira
constitui o que eles chamam de “contato” ”.
Entende-se que a fronteira de contato é ao mesmo tempo o ponto de limite
(separação) e de união, que ao delimitar torna possível o acesso ao novo, promovendo
transformações. Sendo assim, é na fronteira que acontecem as possíveis mudanças, e a Gestalt
terapia preocupa-se com os bloqueios que aí ocorrem impedindo o ajustamento criativo funcional
e o crescimento.
Portanto, podem ocorrer disfunções de contato quando não há fluidez no fluxo
figura / fundo, podendo acontecer por excesso de rigidez ou de permeabilidade, tornando confusa
a experiência de fronteira, levando a possíveis isolamentos ou perda de identidade.
Logo, no contato ocorre o fluxo de figura / fundo bastante rápido, continuum. Ou
seja, o contato origina-se de uma sensação que se delineia como figura, e gera uma ação como
resposta à necessidade correspondente. Quando o organismo estabelece o equilíbrio, o processo
se fecha, ficando disponível para a formação de novas figuras. É um processo contínuo de
formação de figuras, que acionam no organismo os sistemas: vegetativo, sensorial, motor e
cognitivo.
Desse modo, contato “é um único todo, que pode ser dividido na seguinte
seqüência de figura / fundo”: 25
● pré – contato – “o corpo é o fundo, o apetite ou o estímulo ambiental são a
figura. Isso é o que está consciente como sendo “aquilo que é dado” ou o
26
Id da situação, dissolvendo-se em suas possibilidades”. No pré-contato,
começa a se delinear a figura ou necessidades, e ocorre a awareness
sensorial;
● processo de contato – ocorre a awareness motora; nesse caso o
excitamento do apetite torna-se fundo e algum objeto ou possibilidade
torna-se a figura. O corpo passa a ser fundo, surgindo a emoção, em
24
ROBINE, Jean-Marie. O self desdobrado : perspectiva de campo em Gestalt-terapia. São Paulo : Summus, 2006, p.
76.
25
Perls, Frederick, Hefferline, Ralph, Goodman, Paul. Gestalt-terapia. São Paulo : Summus, 1997, p. 208.
26
Idem, p. 208.
24
27
Perls, Frederick, Hefferline, Ralph, Goodman, Paul. Gestalt-terapia. São Paulo : Summus, 1997, p. 208.
28
Idem, p. 208.
29
Perls, Frederick, Hefferline, Ralph, Goodman, Paul. Gestalt-terapia. São Paulo : Summus, 1997, p. 208.
25
ajustamento criativo do organismo / meio, awareness do novo que é possível de ser assimilado, e
rejeição do novo impossível de ser assimilado. O novo que implica em indiferença não é objeto
de contato.
Desse modo, o contato possibilita a assimilação do ambiente às diferenças,
permitindo a percepção do que determinada ação promove no meio e dessa forma, fica inevitável
o crescimento. Por isso, o contato é agente de transformações e por conseqüência de crescimento,
pelas novidades assimiladas, ou por aquelas rejeitadas.
As fantasias e os medos que se originam dos possíveis resultados de mudanças,
podem nos paralisar, porém o risco está intrínseco ao “ato” de viver. A referência ao “ato de
viver”, refere-se ao fato de entender que a vida também é realizada pela ação, e que movimento,
também é função de contato. Assim, entende-se por que, para a Gestalt-terapia é mais importante
experimentar, do que falar sobre ou interpretar.
Portanto, a medida em que vivemos, construímos recursos que servem como
suporte, sendo que, a vivência da falta de suporte é caracterizada pela ansiedade.
A falta de suporte, mostra que não se está presente, que se está no futuro, na
fantasia, etc. preparando-se antecipadamente, gastando energia, pois não se sabe como será. Sem
o suporte o contato não tem qualidade, ele é imprescindível para que haja contato.
A relação com o outro pode disponibilizar o auto – suporte, porém, não se pode
dar suporte como apoio ao outro. Assim, é importante a compreensão de que o único suporte que
é fora, que está no meio, que não é auto – suporte é o conhecimento.
Contudo, é importante ressaltar que a atenção e interesse do outro, também são
suportes, bem como, perceber o quanto o assunto do qual se está falando está sendo
compreendido ou interessante para quem ouve.
Além disso, convém esclarecer que, toda necessidade é satisfeita no meio. Logo,
para haver contato é preciso perceber o meio. Assim, “contato é mais do que a soma de todas as
funções possíveis que possam ser incluídas nele”.30 Isso é, o bom contato não se caracteriza
simplesmente pelo uso das funções citadas abaixo, mas pela forma como estas são utilizadas, ou
seja: Olhar: é preciso ter olhar além da visão; Ouvir: não se dá no escutar, mas no ouvir; Tocar:
30
POLSTER, Erving, Polster, Miriam. Gestalt-terapia integrada. São Paulo : Summus, 2001, pag. 114.
26
acontece através da sensação tátil; Gustação: gosto, olfato, cheiro; Fala: subdivide-se em fala
propriamente dita (forma) e linguagem (conteúdo); Movimento: compreende as ações.
Logo, ao acontecer uma das funções acima, não significa que ocorra o contato,
pois, quando há perturbação em alguma delas podem ocorrer bloqueios, ou evitações que
originam disfunções.
O contato e a fronteira de contato são pertinentes ao organismo / meio, enquanto
que suporte é a inter-relação destes, o que possibilita que se exerça as funções de contato
servindo de apoio ou fundamento.
O objetivo da Gestalt-terapia é aumentar o auto – suporte e diminuir o hetero –
suporte, ou seja, o desenvolvimento do auto – suporte através do continuum de awareness.
Assim, não cabe ao psicoterapeuta “dar” suporte ao cliente, mas promover a autonomia e o
emprego de suas próprias habilidades para a solução de problemas, sendo importante, que o
psicoterapeuta reconheça seu auto-suporte.
Por fim, a qualidade do contato é parâmetro para a discriminação entre saúde e
doença, que portanto, também envolve ajustamento criativo, já que esse constitui auto-regulação,
abertura ao novo, e vitalização.
Assim, a pessoa faz ajustamentos criativos específicos para cada situação que se
apresenta em sua existência, constituindo uma forma fluida de emergência e satisfação de
necessidades, caracterizando um funcionamento saudável. Ou seja, as dominâncias vão surgindo,
e figuras vão se delineando, permitindo a solução criativa, e assim que são resolvidas dão lugar
ao surgimento de outras figuras, num constante fluir de figura-fundo. As figuras são delineadas
27
pelo processo de awareness, que permitem que as mesmas sejam definidas com clareza em
relação ao fundo.
PERLS (1988)31, coloca que as neuroses surgem quando a pessoa não consegue
mais alterar a sua forma de manipular o meio, e continua agindo de uma forma arcaica
tornando-se incapaz de atender suas necessidades de sobrevivência e sociais. Para ser saudável, a
pessoa deve procurar o equilíbrio entre suas necessidades individuais e as da sociedade em que
vive. Quando vive subjugada pelas necessidades da sociedade torna-se neurótica, cristalizada em
sua forma de existir e agir no mundo. Ou seja, quando há conflito entre necessidades do meio e
do indivíduo, e esse se sente incapaz de discriminar, tomar decisão, fazer um bom contato ou
fuga, ambos, indivíduo e meio ficam afetados, dando lugar ao aparecimento da neurose. A pessoa
fica incapaz de distinguir entre si e o meio, ocorrendo distúrbios no limite ou na fronteira de
contato, utilizando-se dos mecanismos de defesas ou resistências de forma neurótica. O que não
significa uma classificação tipológica, como pessoas neuróticas, mas um comportamento
neurótico, em que ocorre rigidez no processo de contato, “como uma estrutura de experiência
neurótica única”.32
31
PERLS, Fritz. A abordagem gestáltica e testemunha ocular da terapia. 2ª ed. R. de Janeiro, LTC,1988, p. 39-46.
32
PERLS, Fritz. A abordagem gestáltica e testemunha ocular da terapia. 2ª ed. R. de Janeiro, LTC,1988, p. 261.
28
33
PERLS, Fritz, HEFFERLINE, Ralph, GOODMANN, Paul. Gestalt-terapia. São Paulo : Summus, 1997, p. 248.
34
Perls, Frederick, Hefferline, Ralph, Goodman, Paul. Gestalt-terapia. São Paulo : Summus, 1997, p. 252.
29
35
MÜLLER-GRANZOTTO, Marcos José, MÜLLER-GRANZOTTO, Rosane Lorena. Fenomenologia e
gestalt-terapia. São Paulo : Summus, 2007, p. 175-176.
30
36
PERLS, Perls, HFFERLINE, Ralph, GOODMANN, Paul. Gestalt-terapia. São Paulo : Summus, 1997, p. 252.
31
que quer que saia, utiliza como estratégia, a inversão na fronteira de contato. Isso é, há
confrontação do excitamento com a situação do meio. Então, o excitamento inicial é substituído
pelo desejo do outro, por isso ocorre a inversão do afeto. Ou seja, é o que o outro quer em
desrespeito pelo que a pessoa quer. Por exemplo: eu gosto de chocolate, mas digo que não gosto,
para corresponder ao desejo do outro; caracteriza-se por considerar que: “eu tenho que”. Para
lidar com o conflito, o ego inverte o afeto, aparecendo uma possibilidade adaptada, suprida pelo
outro, surge como exigência, do “ter que”, como se fora uma lei.
Nesse caso, o que aparece para o meio é o comportamento de resignação, ou seja,
passa a aceitar tudo, pois, “tem que ser assim”; não há rebeldia e confronto, é o obediente. Faço o
que o outro quer porque não consigo bancar o que quero. O que pode surgir é a culpa, que nada
mais é, do que a confluência com um introjeto.
A satisfação possível é o masoquismo: “eu sou bom”, “boa mãe”, “boa filha”. Há
prazer pelo que precisa ser feito; não corresponde ao sofrer psicanalítico, mas a submissão à
vontade do outro – é a lei.
Ajustamento projetivo – está localizada no fundo de possibilidades ao aceitar o
excitamento. Há um confronto com o meio, há formação de figura, e quando o self confronta o
meio, a inibição entra em ação e interrompe a expressão da emoção que acompanha a vivência
(que é gerada pelo confronto do self com o meio). A projeção retira a emoção do self, e o self
vive essa emoção voltada para si em função do outro, ou como “de ninguém”; “é o outro quem
tem planos para mim, assim, atribuo ao outro o que é meu, abro para possibilidades, não agüento
a emoção, logo, coloco no outro a minha emoção.” Não há contato final, o excitamento não se
efetiva num novo contato. Sinto algo por alguém, mas digo que é ele quem sente por mim,
atribuo ao outro a emoção que sinto ao me confrontar com o meio.
Na fronteira, o organismo, vive um repúdio à emoção. E em relação ao meio, é
uma provocação passiva: o ego anula o meio, não percebe o outro realmente, acontece uma
contenção muscular porque não age, não vai para o contato final.
A satisfação possível é a fantasia. A experiência é retida na dúvida, ficando uma
lacuna na experiência, que não acontece, e ficou na fantasia.
Ajustamento Retroflexivo – na projeção há confronto das possibilidades, na
retroflexão o processo se dá do mesmo modo: forma figura / campo, mas há a
32
possibilidade que implica em uma destruição. Por exemplo: a expressão da raiva, que
pode ferir o outro ou me ferir, assim, a possibilidade gera sempre um conflito.
Na retroflexão forma excitamento, o ego vai para possibilidades, porém, a
deliberação gera conflito, porque implica destruição. O ego delibera por voltar esse excitamento
contra si mesmo.
O organismo vive desmantelamento obsessivo. Tenta desmanchar o passado
repetitivamente. Tenta desmanchar o que se foi, o que foi sentido ou feito, procura reformar o
passado: “se eu tivesse”: ido, estudado, trabalhado... Busca desfazer o que gerou o conflito.
No meio aparece auto-destrutividade e doença secundária, tais como as doenças
psicossomáticas. Na retroflexão a emoção é toda controlada no corpo.
A satisfação possível é o controle ativo. Ativo porque tem uma ação / gesto. Por
exemplo: sinto raiva de alguém e passo a me beliscar. Outra possível satisfação é o sadismo, pois,
ao adoecer, comprometo àquele a quem não consegui ferir.
Não há contato final, fica retido o ritual e não a vivência plena da experiência. A
contenção é feita pela auto – ocupação, um fazer ou pensar que se torna um ritual.
Ajustamento Egotista – caracteriza-se pela explicação do que tem / sente.
Geralmente acontece na queixa inicial, durante a psicoterapia, justifica-se perante o meio.
O self isola-se do meio, e volta-se para si. O ego delibera e não encontra
possibilidade que garanta ao self que não será ameaçado, de que não irá sofrer, assim, o ego fica
cuidando das possibilidades para não fechar o contato, parece que sempre tem algo mais. O que
evita é o contato final em que o self relaxa, ocorrendo uma entrega, que significa perder o
controle da situação, que para o ego é algo muito perigoso. Não suporta o inesperado, o novo. O
ego ocupa-se de abstrações, explicações.
O organismo vive uma fixação na abstração / razão, no abstrato / na racionalidade.
Ocorre o uso do racional, o ego busca controlar o meio pelo conhecimento, porque não pode ser
pego desprevenido.
A vivência no meio, caracteriza-se pelo controle deliberado. Deliberado porque é
através do pensamento / racional. A vivência é de exclusão e por conseqüência a solidão. Teme as
conseqüências do contato final, teme ser abandonado, receia não dar conta.
A satisfação possível é a vaidade, e o que fica retido da experiência é uma
explicação. Nesse caso, em psicoterapia, é importante frustrar as explicações, procurando trazer
33
para o concreto, perguntando: como? Ou conte uma situação concreta que lhe aconteceu; o que
isso tem a ver com você? Olhe para os seus sentimentos, como foi viver isso?
Por fim, a seqüência dos ajustamentos, não é fixa, pode acontecer do egotismo
para a confluência, ou em qualquer ordem. Sendo que, num único comportamento vários
ajustamentos estão acontecendo.
Convém lembrar que o paciente não tem um “tipo” de mecanismo, mas uma
seqüência de “tipos”, incluindo-se todos os “tipos”, pois o ser humano é criativo, e singular.
Logo, o que a pessoa precisa, em psicoterapia, é de ajuda para desenvolver sua identidade
criativa, para poder transitar e alternar-se de forma ordenada por todos os caracteres; e o que
menos precisa é ser caracterizada em uma tipologia. Assim, o diagnóstico é um processo que se
transforma durante o desenvolvimento da psicoterapia.
37
BAUGARDNER, P. Terapia gestalt – teoria e prática. Editorial Concepto S/A : México – DF, 1978 p. 30.
38
PERLS, Frederick S. Ego, Fome e agressão: uma revisão da teoria e do método de Freud. São Paulo : Summus,
2002, p. 45.
39
PERLS, Frederick S. Ego, Fome e agressão: uma revisão da teoria e do método de Freud. São Paulo : Summus,
2002, p. 45-46.
35
A partir desse pensamento, Perls evidencia três pontos que considera importantes
para a compreensão desse assunto: opostos, pré-diferença (ponto zero) e grau de diferenciação.40
Sendo assim, considera que o cerne da dialética encontra-se no pensamento em
opostos. Desse modo, num mesmo contexto, os opostos estão intimamente relacionados entre si,
tais como, branco / preto; noite / dia; e assim por diante. Perls expõe que o pensamento em
opostos está radicado no organismo humano, sendo uma “qualidade essencial de nossa
mentalidade e da vida em si mesma”. No entanto, alerta para a importância de considerar-se a
pré-diferença, para evitar-se enganos e dualismos radicais e equivocados.41
Desse modo, os opostos surgem a partir da diferenciação de “algo não
diferenciado”, a que Perls chamou de “Pré-diferente”, sendo que o ponto onde se inicia a
diferenciação, chamou de “ponto zero”.
Logo, Ponto zero é dado pelos dois opostos, por exemplo, ao sairmos de um
ambiente refrigerado a 22ºc para um de 35ºc percebemos o calor desse novo espaço, a partir da
sala refrigerada, logo, o contexto, ou “campo”, são determinantes para a escolha de um ponto
zero. Portanto, pode-se considerar que há um ponto intermediário ou neutro, entre dois
antagônicos, e nesse sentido, Friedlander, diferencia o desinteresse da “indiferença criativa”. Isso
é, concebe que há amplo interesse na indiferença criativa, que se propaga para ambos os lados da
diferenciação, não sendo, portanto, similar a um ponto zero absoluto, mas que sempre apresentará
um aspecto de equilíbrio.
Perls salienta que os diversos ramos de uma diferenciação se desenvolvem
concomitantemente, e geralmente a extensão é igual em ambos os lados. Cita o exemplo de um
imã em que a força atrativa dos dois pólos aumenta ou diminui de acordo com a distância dos
pólos a partir do ponto-zero. E conclui que “diferenciação” e “progresso”, geralmente são
consideradas como palavras sinônimas.42
Feita essa introdução, pode-se passar a apresentar a concepção de polaridades
vinculada com o entendimento de conflitos. Para tanto cabe, lembrar que a Gestalt trabalha com a
descrição do fenômeno, com “o que” e o “como”, em vez de buscar as causas ou porquês,
diferentemente da psicanálise. Além disso, há outra distinção entre essas duas abordagens, que se
40
Idem, Ego, Fome e agressão: uma revisão da teoria e do método de Freud. São Paulo : Summus, 2002, p. 47.
41
Ibidem, Ego, Fome e agressão: uma revisão da teoria e do método de Freud. São Paulo : Summus, 2002, p. 50.
42
PERLS, Frederick S. Ego, Fome e agressão: uma revisão da teoria e do método de Freud. São Paulo : Summus,
2002, p. 52.
36
refere à forma como entendem a questão de conflitos, já que a psicanálise preocupa-se com a
“remoção” de “conflitos internos”, enquanto que para a Gestalt, não é importante, ou mesmo
válida, a distinção entre conflitos internos, externos e outros. A gestalt considera que os
distúrbios estão no “campo”, ou na relação conturbada, e que não podem ser considerados como
pertencentes a uma ou outra parte, isoladamente. Além disso, ao invés de considerar como
conflitos internos, concebe-os como “conflitos não percebidos”, e que portanto, “podem se tornar
presentes” em vez de “conscientes”.43
Logo, é irrelevante a divisão em conflitos intra ou interpessoal, pois os conflitos
são inerentes aos seres humanos, sejam como indivíduos, como grupos, ou nação. Assim, são
eventos de campo, que envolvem organismo / meio.
Alem disso, Perls chama a atenção para o fato de que conflitos não são ruins, logo,
não precisam ser removidos, mas precisam tornar-se presentes, e integrados, buscando-se
fortalecer o self e autoconsciência, de forma que quando o conflito emergir, o organismo possa
adotar uma atitude de indiferença criativa e identificar-se com a solução que surgir.
Assim sendo, o conflito constitui-se pelo enfrentamento das diferenças,
possibilitando o crescimento, ou seja, a aprendizagem de novas respostas ou novas soluções.
Desse modo, conflito não pode ser considerado como bom ou ruim, ele simplesmente faz parte da
vida humana, e estimula o desenvolvimento.
Nesse sentido, alerta para o fato de que na atualidade ocorre divisão na
personalidade por conflitos entre o comportamento deliberado e o espontâneo. No entanto,
considera que “(...) as dualidades podem ser observadas como aspectos diversos do mesmo
44
fenômeno e não como contradições irreconciliáveis” sendo, portanto, passíveis de integração.
Porém, para tanto, é necessário que se aceite o organismo como um todo, lembrando que esse
conceito é considerado o cerne da Gestalt-terapia.
Como conseqüência dessa noção de “todo”, Perls caracteriza que a sensação não é
um fenômeno passivo, mas que “somos ativos e seletivos em nosso sentir”. Nessa direção,
denomina o aparelho sensorial como meio de orientação e o motor como de manipulação, assim,
os sentidos passaram a ser um aspecto da própria personalidade, e a Gestalt-terapia torna-se uma
abordagem que possibilita às pessoas chegarem aos seus sentidos.
43
PERLS, Frederick e outros. Isto é gestalt. São Paulo : Summus, 1977, p.63-65.
44
Idem. Isto é gestalt. São Paulo : Summus, 1977, p.72.
37
45
Assim, “os sentidos são os meios de percepção, consciência, atenção.” Porém,
na atualidade substituiu-se a espontaneidade por deliberação, perdendo-se contato com o
sentidos, logo, Perls considera que o homem atual precisa ser ressensibilizado para alcançar a
integração.
Ou seja, para Perls, o homem atual é inclinado à neurose que se caracteriza por
grande número de situações inacabadas, enquanto que um organismo sadio se reorganiza
utilizando-se da auto-regulação organísmica, para a satisfação das necessidades primordiais.
É a partir da formação de figura-fundo, que se organiza a satisfação das
necessidades que, se forem genuinamente satisfeitas, modificam a situação. Desse modo a
realidade torna-se diferente de quando a situação estava inacabada.
Conseqüentemente, acontece a ressensibilização da percepção figura-fundo,
equilibrando as atitudes deliberadas e espontâneas, e proporcionando a integração necessária para
facilitar o autodesenvolvimento. É nesse sentido que Perls considera a “diferenciação” e
“progresso” como similares.
Em virtude das normas e regras impostas pela educação e pela sociedade em que
se vive, a espontaneidade passa a ser substituída pela deliberação, gerando conflitos,
contradições, e incoerências, causando desconfortos. Sendo que, a integração entre a
personalidade espontânea e a deliberada promove pessoas capazes de auto-expressão e
auto-realização.46
No entanto, é evidente que Perls não sugere acabar com os conflitos mas integrar
as polaridades, bem como, não recomenda que se acabe com as regras, pois elas são funções
sociais, e o homem é parte da natureza e vive em sociedade, que desse modo, também é parte da
natureza. Conseqüentemente, as atividades deliberadas, como autocontrole e consciência, são
também, biológicas.
É nesse sentido que, para a reintegração, é imprescindível entender o organismo
como um todo, pois isso permite que se considere toda a atividade humana, seja ela deliberada,
espontânea, pensamentos e instintos como processos biológicos.
São as situações inacabadas impedidas de se tornarem presentes que resultam em
formação de caráter e sintomas neuróticos.47 E, segundo Perls, uma técnica para integrar a
45
PERLS, Frederick e outros. Isto é gestalt. São Paulo : Summus, 1977, p.75.
46
Idem, Isto é gestalt. São Paulo : Summus, 1977, p.79.
47
PERLS, Frederick e outros. Isto é gestalt. São Paulo : Summus, 1977, p.79.
38
personalidade está baseada nos experimentos, que possibilitam tornar presentes conflitos não
percebidos, que têm apenas um padrão identificação/alienação.
Quanto aos experimentos, diferentemente de algumas outras abordagens
psicoterápicas, a gestalt-terapia, considera que “falar sobre”, retira a espontaneidade da ação,
tornando-a automatizada e sem vida, e tenta recuperar a integração entre o “falar sobre” e a
ação.48 Sendo assim, destacam-se dentre as sua técnicas de intervenção, os experimentos,
lembrando que, em gestalt, trata-se do ego (que é único), e não das personalidades (papéis), pois
é a ação que deverá ser restaurada.
No entanto, o experimento não pode ser confundido com exercício, pois os
exercícios são planejados para serem utilizados no aqui e agora, enquanto que o experimento, é
realizado de acordo com o que acontece no processo terapêutico, e, portanto, não há
planejamento. Dessa forma, o exercício não se apresenta em consonância com o conteúdo do
cliente. Dentre os experimentos mais conhecidos encontra-se a técnica da “cadeira vazia”,
bastante utilizada para a integração de polaridades que não estão presentes para o cliente.Ou seja,
para trabalhar aquelas polaridades que são alienadas pelo cliente.
Isso ocorre em função de que as pessoas aceitam muitas de suas ações, mais
provavelmente àquelas melhores acolhidas pelo meio, outras ações são rejeitadas ou alienadas.
Quanto a isso, Zinker considera que as polaridades aceitáveis à consciência pela
pessoa são ego-sintônicas enquanto que as inaceitáveis são ego-distônicas.49 Assim, as
polaridades projetadas podem ser desconhecidas e problemáticas (ego-distônicas), ou seja,
quando observo em alguém uma característica que desconheço e desaprovo em mim e projeto em
outra pessoa. Ou desconhecidas ou permitidas (ego-sintônicas), quando desconheço a polaridade
em mim e a projeto em outra pessoa como uma qualidade que aprovo.50
Sendo assim, é importante a diferenciação entre as pessoas e awareness de nossas
diferentes polaridades, para que aconteça o conflito saudável, isento de mecanismos confluentes
ou de projeções.
A pessoa saudável é consciente da maioria de suas polaridades, e aceita-se como é,
o que permite uma auto-imagem saudável, enquanto que a pessoa que apresenta awareness
limitada de suas polaridades, se vê de forma unilateral, com uma visão rígida de si, logo, com
48
POLSTER, Erving, POLSTER, Miriam. Gestalt-terapia integrada. São Paulo : Summus, 2001, p. 237-238.
49
ZINKER, Joseph. Processo criativo em Gestalt-terapia. São Paulo : Summus, 2007, p.219.
50
ZINKER, Joseph. Processo criativo em Gestalt-terapia. São Paulo : Summus, 2007, p. 230.
39
perturbações em sua auto-imagem. Porém, mesmo a pessoa saudável apresenta pontos cegos em
sua awareness, mas tem maior flexibilidade para integrar essa característica a sua auto-imagem.51
Isso quer dizer que, em uma situação de saúde, os lados diferentes de um
problema, são conhecidos e reconhecidos, permitindo a apropriação, o que possibilita a
integração dessas polaridades ou do novo que se apresenta, sem desconsiderar ou alienar
qualquer parte. No entanto, é preciso que se reconheçam as diferenças como partes de uma
totalidade que caracteriza o ser humano, sem fazer juízos de valor, tais como: bom ou ruim;
melhor ou pior; feio ou bonito; dentre outros. Logo, é mais coerente considerar como diferenças,
sem pré-julgamentos que os transformem em desigualdades. Nesse caso, ocorre o contato, com
diferenciação, ou seja, separação entre o que é meu e o que é do outro.
Assim, uma pessoa saudável reconhece a maioria de suas polaridades, inclusive
aquelas que reprova, aceitando-se como é. Por outro lado, em circunstâncias disfuncionais
(confluentes) ou improdutivas, não há reconhecimento das diferenças e a tentativa é de anulação
ou alienação de algumas das partes do problema, ocorrendo a predominância de um sobre o
outro, através de juízos de valor. O conflito acaba não sendo percebido e é projetado no meio, não
possibilitando o crescimento e assimilação de novas possibilidades. Assim, a pessoa vê-se de
forma unilateral, por exemplo: ou é bondosa, ou é má, negando na maioria das vezes, as
polaridades que considera como “negativas”, projetando-as sobre outras pessoas. De tal modo,
surge a ansiedade e por conseqüência a neurose, pois, não há como controlar a manifestação das
polaridades que reprova, mesmo que aconteçam de forma velada.
Os conflitos se estabelecem a partir da aceitação e rejeição, e através dos
experimentos aprende-se a aceitar impulsos e desejos, permitindo completar situações inacabadas
restabelecendo-se o fluxo figura-fundo, e por fim, liberando-se para o desenvolvimento.
Para Perls “O potencial humano é diminuído tanto pelas ordens não apropriadas da
52
sociedade, como pelo conflito interno” , produzindo polaridades que resume em dominador
(topdog) e dominado (underdog). Como o combate entre os dois é tanto interna quanto externa,
essa divisão entre dentro e fora não é importante.
O dominador é autoritário, manda com afirmações do tipo “você deveria”, “você
precisa”, e “porque você não”, sendo que para Perls, há muita identificação com essa parte, de
forma a que as pessoas não questionam mais essas ordens. Quanto ao dominado, esse desenvolve
51
Idem. Processo criativo em Gestalt-terapia. São Paulo : Summus, 2007, p.221-222.
52
PERLS, Frederick e outros. Isto é gestalt. São Paulo : Summus, 1977, p. 24.
40
53
Idem. Isto é gestalt. São Paulo : Summus, 1977, p. 26.
54
PERLS, Frederick e outros. Isto é gestalt. São Paulo : Summus, 1977, p. 83-84.
55
Idem. Isto é gestalt. São Paulo : Summus, 1977, p. 92.
41
56
PERLS, Frederick e outros. Isto é gestalt. São Paulo : Summus, 1977, p. 93-94.
57
ZINKER, Joseph. Processo criativo em Gestalt-terapia. São Paulo : Summus, 2007, p.218.
58
PERLS, Frederick e outros. Isto é gestalt. São Paulo : Summus, 1977, p.100.
42
59
ZINKER, Joseph. Processo criativo em Gestalt-terapia. São Paulo : Summus, 2007, p.218.
60
Idem. Processo criativo em Gestalt-terapia. São Paulo : Summus, 2007, p.224-225.
61
ZINKER, J. El processo criativo em la terapia gestaltica. México, Ed. Paidos, 1995, cap. 8. pág. 157.
43
62
Idem. El processo criativo em la terapia gestaltica. México, Ed. Paidos, 1995, cap. 8. pág. 161.
63
Ibidem. Processo criativo em Gestalt-terapia. São Paulo : Summus, 2007, p.219.
64
ZINKER. El processo criativo em la terapia gestaltica. México, Ed. Paidos, 1995, cap. 8. pág. 158.
44
acaba-se por alienar ou projetar no meio essas partes inaceitáveis, impossibilitando a integração e
o crescimento.
Nesse sentido, em psicoterapia trabalha-se para que o cliente possa reconhecer
como suas essas partes alienadas ou projetadas, e então procede-se à integração, formando uma
totalidade, ampliando o autoconceito e possibilitando o crescimento.
As polaridades obscuras podem ser percebidas nas projeções que os clientes fazem
em outras pessoas ou no meio, que têm por fundos ajustamentos de introjeção e confluência.
Desse modo, uma cliente a quem chamarei de Tina, que está com trinta e três anos
de idade, traz a queixa de que não consegue ficar afastada do namorado e a cada vez que ele a
deixa em casa, após algum encontro, sente-se extremamente angustiada. Ao relatar esse momento
começa a chorar intensamente, e após algum tempo, pergunto o que está acontecendo, e ela fala
que é a mesma sensação que tem quando o namorado a deixa. Em seguida tem a awareness
deliberada de que “nunca é o suficiente”, e por isso invalida todo o encontro, como se “não fosse
nada”. Olha para mim, e diz: - “pareço uma menina mimada”. Pergunto: como assim? Tina
responde: “quero tudo como uma menina que quer todos os brinquedos, mas agora eu tenho trinta
e três anos e deveria agir como mulher”.
Pergunto a ela, como é agir como mulher? Tina responde que: “é ficar tranqüila,
segura, sabendo que o namorado irá voltar e que precisamos nos separar para cuidar da vida, que
posso me sentir bem, mesmo longe dele”.
Na sessão da semana seguinte, a primeira fala da cliente foi: “aquela história de
menina mimada e mulher, mexeu muito comigo. Comecei a me perceber como mimada em
muitas situações, mas principalmente na minha relação com o namorado. Percebi que quero
controlá-lo o tempo inteiro.”
Pára de falar por alguns minutos, dá uma “risadinha”. Pergunto o que está
acontecendo, e ela responde rindo: “além de mimada sou controladora”. Acrescento (numa
tentativa de integrar) e mulher? “é, e mulher também”.
Questiono como é ser controladora? Tina diz que, “é horrível, pois quando estou
longe dele (namorado) fico o tempo todo fantasiando (mecanismo de projeção) que ele está com
outra, que não vai mais me procurar, que esse encontro foi o último. E quando estou com ele, eu
fico perguntando: o que você quer comigo? O que a gente tem é um compromisso sério? E acho
46
que ele está se sentindo pressionado, pois me diz que não pode me dar garantias de um futuro, e
então eu fico muito mal, e choro como a menina mimada.”
Pergunto a ela se pode dar a ele garantias de um futuro. Ela ri, e responde “não, mas eu
quero que ele responda o que eu desejo ouvir.”
Questiono quem é essa que quer que ele responda o que quer ouvir. Tina pensa e
diz que “essa é a menina mimada.”
Pergunto como é a mulher, e ela fala: “A mulher não se preocupa com o que a
família pensa, nem com o que os outros vão dizer. A mulher vive como acha que deve viver,
seguindo suas próprias inclinações.”
Peço para que coloque essas frases na primeira pessoa buscando a reorganização
da linguagem, para apropriação da projeção da polaridade mulher, buscando a
auto-responsabilidade e integração. Ela repete com alguma dificuldade inicialmente, e eu a ajudo
lembrando a frase, que ela por fim, consegue colocar na primeira pessoa. “Eu não me preocupo
com o que a família pensa, nem com o que os outros vão dizer. Eu vivo como acho que devo
viver, seguindo minhas próprias inclinações.” Como é para você dizer isso? “é muito bom, chego
a ficar com calor (aparece a excitação no corpo)”.
Após essa awareness, pára, pensa um pouco e acrescenta: “e é verdade mesmo, no
fundo eu não ligo para o que os outros pensam (awareness deliberada que acontece após a
awareness sensório-motor : calor), mas quando minhas amigas, meu pai e minha irmã começam
a falar que eu só tenho migalhas, que eu me contento com pouco, que ele não quer nada comigo,
que é feio namorar sem compromisso sério, eu me sinto perdida. Acho que dou muita
importância para o que os outros falam.”
Na sessão seguinte a cliente inicia falando que passou o final de semana na casa
do namorado e que ficou bem depois dele tê-la deixado em casa e durante toda a semana. Contou
que passou o sábado e o domingo à tarde com ele, e que resolveu viajar domingo à noite, pois
segunda e terça não trabalharia e quis aproveitar para visitar a irmã em outro estado. Percebeu
que o namorado ficou surpreso, pois contava com a presença dela na casa dele durante o final de
semana e no feriado. Ela mesma ficou surpresa com sua própria iniciativa em viajar, pois em
outros tempos jamais se afastaria dele num feriado. Comenta que tudo aconteceu de forma
natural, a decisão de passar o final de semana na casa dele e de viajar, e está se sentindo mais
segura e tranqüila.
47
Enquanto estava viajando o namorado passou várias mensagens pelo celular, o que
a deixou feliz e surpresa, enquanto que ela que ficava o tempo todo controlando, nem sentiu
vontade de procurá-lo, mas queria aproveitar o passeio com a irmã. Quando retornou da viagem o
namorado a convidou para ir morar com ele, e está pensando sobre isso. Mas sente medo da
reação dos pais e dos amigos.
Disse que a mulher quer aceitar, pois estava em seus planos sair da casa dos pais
para morar sozinha, mas que a menina mimada está achando que é pouco, pois quer casamento
conforme seus pais sonharam para ela, (introjeto – boa filha para agradar os pais) e a
controladora ainda quer algumas garantias.
Lembrou de um acontecimento anterior com um namorado que teve antes desse
que a traiu e por isso, ainda sente necessidade de garantias, como “aquela que controla” (acesso a
fundo – confluência com situação inacabada).
Pergunto a ela se gostaria de ter uma conversa com esses lados que estão
aparecendo (sugestão do experimento). Ela pensou e aceitou. Perguntei quem gostaria de falar
com quem. Ela responde que a mulher, é quem gostaria de falar com a criança.
Pergunto como ela quer arrumar a sala e onde a mimada e a mulher irão sentar.
Mostra um lugar ao seu lado na mesma poltrona, e inicia o diálogo.
- Olá menina mimada. Eu sou uma mulher de trinta e três anos, e estou feliz
porque recebi um convite para viver com meu namorado que me agrada muito, e estou pensando
seriamente em aceitar. Mas, aí você se “mete” e estraga tudo. Cada vez que ele me deixa em casa
você abre esse “bocão” e começa a chorar e sofrer, estraga tudo. Você começa a me dizer: é
pouco, quero mais. Fica fazendo drama, chorando. Você é muito chata.
- (Mimada). Olha aqui, você que é chata, sem graça. Eu choro porque eu me sinto
abandonada, meu peito dói, me dá angustia, me sinto abandonada. O Carlos (antigo namorado) já
me abandonou. (Chora). (Acessa à fundo – situação inacabada – antigo namorado a
abandonou).
- (Mulher – fala bem mais calma). Você não precisa mais se sentir abandonada, eu
estou aqui e sei como cuidar de você e de mim. E o Paulo não é igual ao Carlos. Confie em mim,
eu sei cuidar de nós duas. Pára e olha para mim.
Pergunto se quer dizer mais alguma coisa para a mimada, diz que gostaria de dar
um abraço nela e dizer que agora entende porque se sente tão triste quando o namorado a deixa.
48
Mas, que o Paulo é diferente do antigo namorado e que ela também não está mais a mesma.
Despede-se da mimada e trabalhamos algum tempo ainda sobre esses fatos que trouxe e numa
outra sessão passamos a um diálogo entre a mulher e a controladora.
-(Mulher) Nossa, como você fica pressionando controlando tudo, você quer
garantias. É só ele (namorado) se afastar que você já começa: onde será que ele está? Será que vai
voltar? Será que ele gosta de mim? Será que saiu com outra? Me dê garantias Paulo, quero
responsabilidade. E por fim, você parece uma tirana. E tem mais, nem eu posso garantir nada.
- (Controladora) Estou só tentando te proteger. Você se entrega demais e fica
correndo riscos. Você pode se machucar.
- (Mulher) Quem não corre riscos pode até não se machucar, mas não ganha e nem
perde, fica parado no tempo. Olhe para mim, estou com trinta e três anos e olha o que fiz da
minha vida! Ainda moro com meus pais, ajo como menina mimada e para não correr riscos fico
me controlando sem sair do lugar. Estou cansada disso, e principalmente de ficar com todo esse
peso do controle. É, porque isso é um peso. Quero viver o lado mais leve da vida. Quero resolver
minha vida. Já sou bem crescida. Quero que você dê um tempo para mim, que vá embora.
Após despedir-se da parte controladora, fala que o sentimento mais forte que a
acometeu na sessão, foi quando percebeu o que está fazendo com sua vida. Que está parada no
tempo, e que está cansada de ficar estagnada. Que quer muito ir morar com o namorado e que já
está na hora de assumir a sua vida.
A cliente reconheceu que apresenta esses lados: mimada, controladora e mulher, e
a awareness disso já possibilita a integração, porém, é importante que perceba que pode ser
mimada e controladora e mulher, sem alienar nenhuma das partes ou polaridades.
Desde o momento em que passou a reconhecer as polaridades em si, percebem-se
mudanças e um continuum de awareness acontecendo. A cliente acessou a fundos e demonstrou
o mecanismo de ajustamento confluência (fundo de passado – situação inacabada: traição do
penúltimo namorado), mostrou mecanismos de introjeção (ser boa filha, é feio namorar sem
compromisso, etc.).
Nessa situação trabalhei polaridades através do experimento “cadeira vazia”,
buscando facilitar a integração das partes divididas da personalidade de Tina. Nesse experimento
aconteceu o diálogo com as partes, permitindo que a cliente entrasse em contato com suas
diferentes formas de ser.
49
65
ZINKER, Joseph. Processo criativo em Gestalt-terapia. São Paulo : Summus, 2007, p.219.
66
BAUGARDNER, P. Terapia Gestalt – teoria e prática. Editorial Concepto S/A : México – DF, 1978 p. 32.
50
CONSIDERAÇÕES FINAIS
67
POLSTER, Erving, POLSTER, Miriam. Gestalt-terapia integrada. São Paulo : Summus, 2001, p. 105.
52
68
HYCNER, Richard, JACOB, Lynne. Relação e cura em Gestalt-terapia. São Paulo : Summus, 1997, p. 32.
53
BIBLIOGRAFIA