Marco Tulio Pag 101 - 130
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boas relações com políticos, escolas e líderes religiosos. Provavelmente não seriam
os gibis que um garoto daquela época escolheria comprar com o dinheiro que
ganhou de mesada ou vendendo jornais e garrafas usadas, mas eram os que pais e
professores recomendariam aos seus filhos e alunos. Para atrair ainda mais
respeitabilidade, a revista Grandes Figuras em Quadrinhos contava com certos
cuidados extras na produção:
70
GONÇALO JUNIOR. A guerra dos gibis: a formação do mercado editorial brasileiro e a censura aos
quadrinhos, 1933-64. São Paulo: companhia das Letras, 2004, p.305.
98
ficcional para a forma de HQ. Segundo Zeni, podemos definir uma adaptação da
seguinte maneira:
72
ZENI, Lielson. Literatura em quadrinhos. In: VERGUEIRO, Waldomiro; RAMOS, Paulo (Orgs.). Quadrinhos
na educação: da rejeição à prática. São Paulo: Contexto, 2009, p.129.
73
ZENI, Lielson. Literatura em quadrinhos. In: VERGUEIRO, Waldomiro; RAMOS, Paulo (Orgs.). Quadrinhos
na educação: da rejeição à prática. São Paulo: Contexto, 2009, p.131.
101
Escrever roteiros para HQs não é simplesmente escrever o texto que aparece
dentro dos quadrinhos. Assim como um bom desenhista de HQ domina certos
conhecimentos e técnicas, um bom roteirista também deve dominar conhecimentos
e técnicas relativas ao seu ofício. Um roteirista de HQ deve entender de ritmo, de
caracterização, ter boa imaginação, fazer descrições e sugestões para o desenhista;
conceber cada uma das cenas que serão visualizadas pelo desenhista. O ideal seria
professores e historiadores prestando consultoria e revisando o conteúdo ou
roteiristas que tivessem bons conhecimentos tanto de técnicas de roteiro quanto de
pesquisa historiográfica. No entanto, a pouca ousadia e a excessiva preocupação
em se prender ao texto original também podem ser entendidas como estratégias
para diminuir a resistência por parte daqueles que ainda viam as HQs com
desconfiança.
74
BARBOSA, Alexandre Valença Alves. Histórias em quadrinhos sobre a História do Brasil em 1950: A
narrativa dos artistas da EBAL e de outras editoras. São Paulo: 2006. Dissertação (Mestrado em Ciências da
Comunicação). Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. pp.179-180.
103
dinâmica como a encontrada em HQs de maior apelo comercial. Por isso, eles se
preocupavam mais com a fidelidade aos documentos históricos e com o uso correto
da norma culta da língua portuguesa do que com aspectos estéticos e narrativos.
Naquela época, os professores ainda condenavam o uso de gírias nas HQs. Mesmo
a representação mais aproximada da fala coloquial não era bem vista. Para evitar
críticas, Aizen recomendava aos seus redatores que se usassem apenas a norma
culta da língua e deixassem de lado as variações linguísticas. O que se ganhava em
rigor gramatical se perdia em caracterização e verossimilhança, pois colocar todas
as personagens falando de maneira excessivamente formal soava artificial demais.
Mais uma vez, o preconceito em relação às HQs, mesmo que o uso de gírias e
variações que fugissem da norma culta já fosse aceito na literatura brasileira, haja
vista às obras de Guimarães Rosa, Jorge Amado, Nelson Rodrigues entre outros.
Outro professor que foi convidado para trabalhar em projetos da EBAL foi o
alagoano Estevão Pinto (1895-1968), que adaptou, ou melhor, condensou a mais
famosa obra de Gilberto Freyre, Casa-Grande e Senzala para a forma de uma HQ,
desenhada por Ivan Wasth Rodrigues (1927-2007), artista conhecido por suas
ilustrações para o Atlas Histórico e Geográfico Brasileiro publicado nas décadas de
1960 e 1970 pelo MEC. Estevão Pinto atuava como historiador, antropólogo,
sociólogo e folclorista, autor de diversas obras sobre as culturas indígenas no Brasil,
em especial as da região Nordeste. Esta é a transcrição de parte de seus dados
biográficos que apareceu em todas as edições de Casa-Grande e Senzala em
Quadrinhos:
75
PINTO, Estevão. Casa-grande e senzala em quadrinhos / Gilberto Freyre; adaptação Estevão Pinto;
ilustrações de Ivan Wasth Rodrigues; colorização de Noguchi. – 2. ed. São Paulo: Global, 2005, p. 64
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federal por Pernambuco,ter defendido as HQs, afirmando que elas não afastavam as
crianças da leitura, mas que, pelo contrário, poderiam ser uma “ponte” para outras
leituras. A defesa de Freyre foi significativa por ele ter sido um dos poucos
intelectuais da época que manifestou uma opinião favorável às HQs. A escolha de
Estevão Pinto se deveu às suas qualificações acadêmicas, a sua proximidade com
Gilberto Freyre e por já ter feito antes trabalho semelhante para a EBAL: uma
adaptação de um romance de José de Alencar, As minas de prata, publicada em
dezembro de 1960 no número 188 de Edição Maravilhosa. A adaptação do romance
de Alencar foi desenhada pelo artista italiano Nico Rosso (1910-1981), que se
radicou no Brasil e ficou mais conhecido pelo seu trabalho com HQs de terror, em
especial histórias do Zé do Caixão, criação do cineasta José Mojica Marins. Tanto
na adaptação de As minas de prata quanto na de Casa-grande e senzala, Estevão
Pinto procurou conciliar a preservação do máximo possível do texto original com a
necessidade de omitir as passagens consideradas inapropriadas. Na obra de
Alencar, o vilão era um padre jesuíta, e Aizen queria evitar problemas com a Igreja
Católica. Segundo, Gonçalo Junior:
76
GONÇALO JUNIOR. A guerra dos gibis: a formação do mercado editorial brasileiro e a censura aos
quadrinhos, 1933-64. São Paulo: companhia das Letras, 2004, p.290.
77
GONÇALO JUNIOR. A guerra dos gibis: a formação do mercado editorial brasileiro e a censura aos
quadrinhos, 1933-64. São Paulo: companhia das Letras, 2004, p.290.
105
permanece até o presente – ainda que, desde fins da década de 1980, haja
interpretações renovadoras que tentam distanciar-se desta visão78.”
78
GIUCCI, Guillermo. GIUCCI, G. . Sempre em voga. Revista de História da Biblioteca Nacional (Rio de
Janeiro), n. 58, p. 58-59, 2010.
:
107
79
SPACCA. Fiel demais. Revista de História da Biblioteca Nacional. (Rio de Janeiro), n. 58, p. 63, 2010
80
BARBOSA, Alexandre Valença Alves. Histórias em quadrinhos sobre a História do Brasil em 1950: A
narrativa dos artistas da EBAL e de outras editoras. São Paulo: 2006. Dissertação (Mestrado em Ciências da
Comunicação). Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. P.172.
108
A HQ sobre Tiradentes foi escrita por Nair da Rocha Miranda que apresenta a
Inconfidência Mineira, também conhecida como Conjuração Mineira, como um
movimento que pretendia tornar o Brasil independente de Portugal. O mais provável
é que o movimento planejasse apenas libertar a então Capitania de Minas Gerais do
domínio português e, caso a revolta não tivesse sido abortada e tivesse tido êxito,
obter o apoio de outras províncias. O texto de Nair da Rocha Miranda sugere que
havia um sentimento de unidade nacional entre os habitantes de todas as colônias
109
Figura 14.
Figura 15
A última página (ver imagem a seguir) mostra reunidos numa mesma página
vários indivíduos que pouco ou nada possuem em comum: Dom Pedro ao centro
rodeado pelos vultos de Tiradentes, Zumbi dos Palmares e o Padre Anchieta entre
outros. Como se um monarca da linhagem dos Bragança de ascendência
portuguesa, um mártir republicano, um líder quilombola, um jesuíta e alguns
bandeirantes pudessem partilhar de uma mesma ideologia e dos mesmos objetivos.
É importante lembrar que a EBAL lançou essa HQ por ocasião do sesquicentenário
da Independência do Brasil, quando o Regime Militar, mais especificamente o
Governo Médici aproveitou para intensificar a propaganda ufanista impulsionada
pelo “milagre econômico”. No mesmo ano, o ator Tarcísio Meira, então famoso pelos
papéis como galã de telenovelas da Rede Globo (que cresceu bastante no Regime
115
Militar, seguindo sua famosa política de apoiar quem quer que esteja no poder)
interpretou o papel de D.Pedro no filme Independência ou Morte, dirigido por Carlos
Coimbra (1925-2007). Tanto o filme estrelado por Tarcísio Meira quanto a HQ
publicada pela EBAL reproduziram a imagem mítica de D.Pedro como “herói da
Pátria” difundida pela iconografia tradicional e pelos livros escolares da época. No
caso da HQ da EBAL, ao tentar estabelecer laços em comum entre figuras tão
diferentes quanto Tiradentes, Zumbi e Dom Pedro, a intenção era de promover o
discurso da propaganda do Regime Militar: um sentimento de brasilidade seria
capaz de unir a todos, superando quaisquer diferenças, e quem “não amasse este
país” que o deixasse.
Figura 16
Figura 17
117
Figura 18
Figura 19
Figura 20
81
CAMPOS, Raymundo. Viagem ao nascimento de uma nação: O Diário de Maria Graham. São Paulo: Atual,
1996.pp.69-70.
120
Figura 21.
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BUENO, J. B. G. . Estudo De Propostas de Práticas de leitura de representações Iconográficas em Livros
didáticos de História do Brasil, publicados entre as décadas de 1970 e 1980. In: XIX Encontro Regional de
História da Anpuh- Seção São Paulo- Poder , Violência e Exclusão, 2008, São Paulo. Anais do XIX Encontro
Regional de História da Anpuh- Seção São Paulo. São Paulo : FEUSP, 2008. v. 1. p.5
124
ter a maioria de suas escolas bem aparelhadas. Talvez mais de 90% delas
careçam dos recursos didáticos mais elementares tendo, professores e
alunos, de usar hoje, em pleno século das comunicações, os mesmos
recursos de seus avós, no que diz respeito ao material didático.
Julierme percebe a importância das imagens, no caso o apelo visual das HQs,
como elemento lúdico para estimular ou “fisgar” o interesse e a curiosidade dos
alunos, em especial, das crianças. Podemos perceber que as HQs para ele também
possuem a vantagem de serem um recurso barato, pois seriam acessíveis inclusive
para as escolas que não dispunham de recursos para exibir filmes. Como na época
não havia videocassete, nem DVD, concluímos que ele deveria estar falando de
projetores de filmes 16mm. As HQs seriam uma opção para as escolas que não
dispunham de recursos para exibir filmes,mas poderiam ser tão eficazes quanto “um
bom filme”. No entanto, embora Julierme reconheça o poder das imagens, o que se
valoriza em seus livros didáticos ainda é a linguagem textual. As atividades
propostas enfatizam sempre leitura, escrita, fixação de conceitos e vocabulário,
inclusive as que envolvem palavras-cruzadas. Sobre as atividades propostas, Bueno
faz as seguintes observações:
83
CASTRO, Julierme de Abreu e .História do Brasil. Para Estudos Sociais- 6ª série. Especialmente indicado
para estudo dirigido. São Paulo : IBEP 1971. Desenhos de Rodolfo Zalla e Eugenio Colonnese.s/n
126
Na introdução do seu livro para História Geral; História para escola moderna,
Julierme diferencia o perfil dos alunos do antigos 1º e do 2º grau ou curso médio e
deixa claro que, para ele, as HQs são mais apropriadas para os alunos do 1º grau
(equivalente ao atual Ensino Fundamental) do que para os alunos do 2º grau
(equivalente ao atual Ensino Médio):
A respeito dessa diferenciação que considera o uso das HQs mais adequado
para alunos menos maduros, a pesquisadora Selma de Fátima Bonifácio, mestre em
Educação pela Universidade Federal do Paraná concluiu o seguinte:
84
BUENO, J. B. G. . Estudo De Propostas de Práticas de leitura de representações Iconográficas em Livros
didáticos de História do Brasil, publicados entre as décadas de 1970 e 1980. In: XIX Encontro Regional de
História da Anpuh- Seção São Paulo- Poder , Violência e Exclusão, 2008, São Paulo. Anais do XIX Encontro
Regional de História da Anpuh- Seção São Paulo. São Paulo : FEUSP, 2008. v. 1. p.12
85
CASTRO, Julierme de Abreu e .História Geral: História para a escola moderna. Especialmente indicado
para estudo dirigido. São Paulo : IBEP 1974, p. 8