Resumo Livro Geografia, Uma Pequena História Crítica
Resumo Livro Geografia, Uma Pequena História Crítica
Resumo Livro Geografia, Uma Pequena História Crítica
=> A geografia moderna, como disciplina, tornou-se um saber estratégico na consolidação da questão nacional na
Europa a partir do final do século XIX, alcançando um papel legitimador da afirmação dos estados nacionais nesse
continente, notadamente naqueles países que passaram por um processo tardio de unificação de seu território, em
especial, a Alemanha.
=> O discurso geográfico moderno foi gerado naqueles países, como é o caso da Alemanha, onde esse processo
necessitou de uma forte dose de indução, caminhando junto com a própria consolidação do moderno Estado nacional.
=> O fim do século XIX e o princípio do século XX ofereceram os contextos políticos e intelectuais mais apropriados para
uma reflexão sobre o Estado e o seu poder, visando a uma racionalização da gestão deste poder e da própria
organização política imposta pelo processo de mudança.
=> Os grandes confrontos territoriais a que se assiste entre o fim do século XIX e o século seguinte giram principalmente
em torno dos nacionalismos, convertendo as questões territoriais.
=> Os estudos geográficos que se definiam em torno das relações entre os homens e o ambiente em que viviam.
=> A Geografia se institucionalizou em “escolas nacionais”, em especial, as escolas alemãs e francesas.
=> No último quartel do século XIX e o primeiro do século XX, os grandes temas da geografia humana e da geografia
política, em particular, centram-se em torno do Estado, do povo e do território.
=> Os corpos territoriais do Estado, o território, as fronteiras, as capitais, afirmam-se como objetos de estudo da
geografia política, oferecendo um vasto campo de estudo inaugurado pela obra de Ratzel.
=> A geografia, enquanto disciplina escolar, “naturalizou” as fronteiras políticas entre os países, ajudando a projetar uma
forte imagem simbólica do Estado-nação identificada pelo seu formato e pela descrição das inúmeras características do
território nacional.
=> o discurso geográfico foi, sem dúvida, um elemento central na consolidação do sentimento de pátria e o principal
núcleo divulgador da ideia de identidade pelo espaço.
=> O nacionalismo, como ideologia identitária, constituiu, assim, o fundamento do Estado-nação, que progressivamente
se superpôs ao Estado moderno.
=> O Nacionalismo tornou-se então um recurso simbólico necessário à consolidação do Estado como instituição política
territorializada e legitimada pela sociedade.
=> Durante a Idade Moderna, os europeus inventaram o Estado moderno e a Geografia enquanto disciplina curricular
institucionalizada.
=> Segundo Hobsbawm (1991), a “questão nacional”, como os velhos marxistas a chamavam, está situada na
intersecção da política, da tecnologia e da transformação social. As nações existem não apenas como funções de um
tipo particular de Estado territorial, como também no contexto de um estágio particular de desenvolvimento econômico e
tecnológico. (...) “as nações e seus fenômenos associados, como o nacionalismo e o próprio Estado, devem, portanto,
ser analisados em termos das condições econômicas, administrativas, técnicas, políticas, entre outras”.
=> A Geografia moderna busca a integração entre fenômenos naturais e sociais.
=> Os conceitos centrais da Geografia moderna (meio, paisagem, ambiente, território, região) incorporados a outras
áreas do conhecimento e recontextualizados no discurso geográfico, emprestaram uma concretude, isto é, uma
“naturalização” aos processos sociais.
=> No final do século XIX e início do século XX, o entendimento da nação, conforme realizada pela geografia oficial, foi
construído essencialmente pelo alto, em momentos, historicamente diferenciados, de necessidade de afirmação da
centralidade de um Estado, agora entendido como um Estado territorial, um Estado-nação.
=> O Estado moderno tornou-se progressivamente um espaço político.
=> Para Hobsbawm (1991), a “nação” pertence exclusivamente a um período particular e historicamente recente. Ela é
uma entidade social apenas quando relacionada a uma certa forma de Estado territorial moderno, o “Estado- -nação” e
não faz sentido discutir nação e nacionalidade fora desta relação.
=> A consolidação do Estado-nação como forma de poder político territorialmente centralizado só foi possível pela
submissão e pelo controle do território. Este controle se fez pela imposição da lei, pelo comando centralizado da
burocracia da administração pública e pela uniformização das instituições sociais: língua, moeda pesos e medidas, etc
=> O povo passou a ser o corpo da nação, e, portanto, confundido com ela e submetido à centralidade territorial do
poder político. Além do povo, era necessário, também, possuir um território e uma lei para se constituir um Estado-
nação.
=> Sendo o Estado uma construção política e ideológica que se fez no tempo e no espaço, a centralidade territorial do
seu poder decisório foi fundamental para a tarefa de tomar a si a obrigatoriedade de fornecer educação para todos,
utilizando o aparato institucional a sua disposição para as exaltações simbólicas do nacionalismo. Disciplinas como a
história e a geografia foram estratégicas nesta tarefa.
O que é Geografia?
Alguns autores definem a Geografia como o estudo da superfície terrestre.
Kant defendia a existência de duas classes de ciências: as especulativas, apoiadas na razão, e as
empíricas, apoiadas na observação e nas sensações/experiências.
Kant dividia as ciências empíricas em duas disciplinas de síntese: a Antropologia, síntese dos
conhecimentos relativos ao homem, e a Geografia, síntese dos conhecimentos sobre a natureza.
Tradição Kantiana: Geografia como uma ciência sintética (que trabalha com dados de todas as demais
ciências), descritiva (que enumera os fenômenos abarcados) e que visa abranger uma visão de conjunto do planeta.
Problema: O que é superfície terrestre? Bioesfera ou Crosta Terrestre?
Outros autores vão definir a Geografia como o estudo da paisagem “o que é real” - “o que é possível ver”.
Segundo essa corrente, há duas variantes para a apreensão da paisagem:
A primeira mantém a tônica descritiva, determinada pela enumeração dos elementos presentes e na discussão
das formas – daí ser denominada de morfológica.
A segunda se ocupa da relação e da dinâmica existene entre os elementos da paisagem, apontando para um
estudo de fisiologia, isto é, do funcionamento da paisagem.
A perspectiva morfológica está relacionada à estética = Pautada na observação do horizonte abarcado pela
visão do investigador, e desta contemplação adviria a explicação - Muita induição e pouca carga racional
A perspectiva da fisiologia da paisagem seria um organismo, com funções vitais e com elementos que
interagem
Objetivo da Geografia = buscar estas inter-relações entre fenômenos de qualidades distintas que coabitam
numa determinada porção do espaço terrestre. Esta perspectiva introduz a Ecologia no domínio geográfico.
Geografia como estudo da individualidade dos lugares = analisa todos os fenômenos que estão presentes
numa dada área, tendo por meta compreender o caráter singular de cada porção do planeta => descrição exaustiva de
todos os elementos para descobrir um elemento de distinção => Posteriormente chamada “Geografia Regional”
Objeto de estudo da Geografia Regional = uma unidade espacial, uma região => uma determinada porção do
espaço terrestre (de dimensão variável), passível de ser individualizada, em função de um caráter próprio.
Geografia como estudo diferenciação das áreas = busca individualizar áreas, para depois compará-las.
Propõe uma perspectiva generalizadora e explicativa.
Busca verificar as regularidades da distribuição e das inter-relações dos fenômenos existentes em uma
determinada área.
Geografia como estudo do espaço = o espaço seria passível de uma abordagem específica, a qual qualificaria
a análise geográfica.
Problema: O que se entende por espaço?
Espaço como categoria (tempo, grau, gênero, espaço etc.) de entendimento
Espaço como um atributo dos seres “nada existiria sem ocupar um determinado espaço”.
Espaço como um ser específico, com características e com uma dinâmica própria.
Geografia como o estudo das relações entre o homem e o meio natural => a disciplina busca explicar o
relacionamento entre os dois domínios da realidade
Trata-se de uma disciplina de contato entre as ciências naturais e as humanas, ou sociais.
Perspectivas:
Influência da natureza no desenvolvimento da humanidade => A ação do meio sobre o homem => O homem é
visto como um elemento passivo => cuja história é determinada pelas condições naturais, que o envolvem => os
fenômenos humanos são compreendidos como efeitos das causas naturais
A segunda perspectiva inverte a primeira e analisa a ação que o homem exerce sobre o meio => Nessa lógica,
o homem se apropria dos recursos oferecidos pela natureza e os transforma, como resultado de sua ação.
A terceira perspectiva confere o mesmo peso à ação humana sobre o meio natural e à ação do meio sobre o
homem => buscaria compreender o estabelecimento, a manutenção e a ruptura do equilíbrio entre o homem e a
natureza.
Independente da perspectiva, prevalece a idéia de que a Geografia trabalha unitariamente, com os
fenômenos naturais e humanos.
Inobstante as inúmeras definições formais do objeto, inexiste um consenso, mesmo no plano formal, a
respeito da matéria tratada pela Geografia.
Para o positivismo, os estudos devem restringir-se aos aspectos visíveis do real, mensuráveis, palpáveis
“A Geografia é uma ciência empírica, pautada na experiência e observação” – “Evidências”
A descrição, a enumeração e classificação dos fatos referentes ao espaço são momentos de sua apreensão,
mas a Geografia Tradicional se limitou a eles; como se eles cumprissem toda a tarefa de um trabalho científico.
Geografia => relação entre homem e natureza
O homem é mais um elemento da paisagem – perspectiva naturalista
Por que a Geografia fala muito em população (números) e pouco e sociedade (interações entre seres humanos?)
Até 1806, a Alemanha se resumia em um conglomerado de feudos (ducados, principados, reinos) remanescente
do antigo “Sacro Império Romano-Germânico”, localizado no centro do Continente Europeu e com potencial para se
tornar um hegemón.
Em 1806, no contexto das Guerras Napoleônicas, Napoleão Bonaparte invadiu, fragmentou o território do antigo
“Sacro Império Romano-Germânico” em mais de 400 Estados independentes e criou a “Confederação do Reno”.
Em 1815, no contexto do Congresso de Viena, o território da “Confederação do Reno” foi ampliado e o número
de Estados soberanos reduzido para 40, aproximadamente. A “Confederação do Reno” deu lugar à “Confederação
Germânica”, uma unidade/associação política e econômica dos principais territórios de língua alemã.
No decorrer do século XIX, a unidade política e econômica implementada em Viena foi se fortalecendo
progressivamente até se consolidar em 1871, quando a unificação nacional foi totalmente concluída e formalizada
através da criação do “2º Reich Alemão”.
Até 1871, a Alemanha não experimentou o modelo de Regime Absolutista, nem qualquer outro tipo de governo
centralizado
A estrutura feudal se manteve praticamente intacta até o século XIX e o modo de produção capitalista alcançou
as relações de produção alemã no decorrer da Idade Moderna, mas sem romper com a ordem vigente – origem da
expressão “Feudalismo Modernizado”
O capitalismo foi implementado através de um processo de modernização pelo alto – modernização
conservadora.
O processo de modernização foi conduzido pela aristocracia agrária, que promoveu transformações na
economia, mas sem alterar as estruturas de poder existentes, em especial, a estrutura fundiária.
A terra continuou sob o controle da nobreza pré-capitalista.
Nobreza Junker – grandes proprietários de terras e militares de elite
Enquanto vigorava exclusivamente a ordem feudal, o latifúndio possuía uma economia fechada e a produção era
voltada para o autoconsumo.
A partir da implementação do “Feudalismo Moderno”, o latifúndio foi instrumentalizado para produzir para o
Mercado internacional
As relações de trabalho não foram objeto da modernização, em especial, a servidão, que se tornou a base da
produção capitalista alemã
O modelo de Capitalismo que se desenvolveu na Alemanha é absolutamente “sui generis”, pois mesclou
produção para o mercado com trabalho servil
Produção destinada à exportação = comércio local fraco e a burguesia pulverizada e débil
Até a década de 1830, o comércio entre as unidades, os principados e os ducados alemães, também era
incipiente, em função das barreiras alfandegárias existentes entre eles.
A burguesia alemã estava fadada a se desenvolver à sombra de um Estado comandado pela aristocracia
agrária.
Os rumos da economia alemã começaram a mudar em 1806, devido a imposição do Bloqueio Continental por
Napoleão Bonaparte. Na ocasião, algumas cidades da Alemanha experimentaram um processo incipiente de
industrialização e um aquecimento do mercado interno.
O aparente desenvolvimento vivenciado no período despertou nas classes dominantes a ideia de unificação
nacional.
A primeira manifestação concreta de UNIDADE ocorreu em 1815, quando foi criada a Confederação Germânica,
que reunia os principados alemães e os reinos da Prússia e da Áustria, estabelecia laços econômicos e abolia impostos
aduaneiros entre os membros da associação política.
Elementos que levaram a discussão geográfica para o centro das preocupações das classes dominantes da
Alemanha, no século XIX:
Confederação Germânica Não representou a criação de um Estado Nacional
Permanência da extrema diversidade entre os membros da Confederação – Prússia e Áustria disputavam a
hegemonia dentro da Confederação
As relações entre as unidades confederadas NÃO eram sólidas e duráveis
Não foi instituído um poder centralizado para organizar o espaço – as autoridades locais ainda estavam no
comando
Não havia pontos de convergência nas relações econômicas
O domínio e a organização do ESPAÇO, a apropriação do território, a variação regional, entre outros temas, se
tornou o centro da discussão na pauta da sociedade alemã do século XIX.
Ao contrário da França, onde a questão central era a organização social, na Alemanha era fundamental discutir a
questão do espaço.
Os primeiros ensaios sobre a sistematização da Geografia foram realizados por Alexander von Humboldt
(1769/1859) e Carl Ritter (1779/1859), dois teóricos contemporâneos, influenciados pelos efeitos da Revolução
Francesa.
Para Humboldt, a Geografia era uma espécie de síntese de TODOS os conhecimentos relativos à terra.
Em termos metodológicos, Humboldt propôs o “empirismo raciocinado”, uma espécie de “intuição que decorre
da observação”
A proposta de Humboldt é:
Global
Não privilegia o homem
Humboldt defendia que havia uma causalidade/relação entre as conexões/elementos contidas na paisagem
observada.
Carl Ritter, por sua vez, apresentou uma obra explicitamente metodológica e propôs uma Geografia normativa.
Reforçou a análise empírica (observação e experiência)
Ritter definiu o conceito de “sistema natural”, isto é, uma área delimitada e dotada de individualidades.
Para Ritter, a Geografia deveria estudar os fenômenos individuais e compará-los.
Segundo Ritter, cada fenômeno abarca um conjunto de elementos, que representam uma totalidade, onde o
homem é o principal elemento.
Ritter estudava lugares e buscava identificar as particularidades de cada lugar
A Geografia deveria explicar a individualidade dos sistemas naturais pois nessa se expressaria os desígnios de
Deus ao criar aquele lugar específico
Ritter acreditava que os lugares estavam predestinados conforme a vontade divina
A proposta de Ritter é:
Antropocêntrica = O homem é sujeito da natureza
Regional = analisa características individuais
Valorização da relação homem e criador
A formulações de Humboldt e Ritter constituem a base da Geografia Tradicional. Todas as teorias que surgiram
posteriormente remetiam às análises de Humboldt e Ritter, seja para defendê-las ou refutá-las.
Humboldt e Ritter colaboraram para o surgimento da “Geografia Unitária” => criam uma linha de continuidade do
pensamento geográfico
Inobstante concorrerem para a institucionalização da Geografia e influenciar todas as escola da Geografia
Tradicional, não conseguiram criar uma escola do pensamento geográfico.
A eixo da discussão geográfica continuou sendo a Alemanha durante o século XIX.
O processo de sistematização da Geografia adquiriu novo ânimo, no segundo quarto do século XIX, a partir das
formulações do alemão Friedrich Ratzel (1844/1904).
As formulações de Humboldt e Ritter foram influenciadas pela experiência vivida no início do século XIX, quando
a ideia de unificação alemã ainda era uma embrião.
No decorrer do século XIX, essa ideia amadureceu, ganhou adesão da sociedade alemã e se concretizou em
1971, quando o processo de unificação foi concluído e o “Segundo Reich” foi criado.
Ratzel, portanto, vivenciou a constituição real do Estado nacional alemão e suas primeiras décadas.
As formulações de Ratzel expressam claramente as preocupações e os anseios da sociedade alemã dessa
época.
A Geografia de Ratzel foi um instrumento poderoso de legitimação dos desígnios expansionistas do Estado
alemão, recém-criado – “““Manual do Imperialismo”””
1834 => Criação do “Zollverein” => zona aduaneira => as unidades confederadas podiam comercializar entre si,
livremente, seus produtos industrializados e matérias-primas => simbolizou a unificação econômica => representou a
unificação de pesos e medidas, unificação das moedas, a queda de barreiras alfandegárias, entre as unidades
confederadas que aderiram ao acordo.
A Áustria foi excluída do “Zollverein”
1848 => Primavera dos Povos = surgimento de inúmeros movimentos revolucionários nas unidades germânicas
confederadas => surgimento de UM bloco contrarrevolucionário = as classes dominantes que estavam no controle das
diferentes unidades confederadas estreitaram laços políticos e militares, e se UNIRAM para conter os levantes
populares.
Os movimentos populares também demandavam por “UNIFFICAÇÃO”. As classes dominantes locais, ao
perceberem a adesão das massas ao projeto de unificação, sequestraram a Agenda dos rebeldes e instrumentalizaram
para atingir seus próprios interesses.
A possibilidade real de unificação acirrou as disputas entre a Prússia (potência emergente) e a Áustria (império
consolidado) pela liderança no processo.
1866 => Guerra Austro-Prussiana “Guerra das 7 Semanas” => O resultado foi uma vitória acachapante do
Exército prussiano, sob o comando de Bismarck.
Ao vencer a Áustria, a Prússia garantiu as supremacia do seu modelo de nação, assentada na militarização da
sociedade e do Estado.
O controle do novo Estado que estava surgindo permaneceu nas mãos da nobreza Juncker.
Sob estes pilares, em 1871, se ergueu uma monarquia extremamente burocratizada, que estendeu a ação do
Estado sobre todos os domínios da sociedade civil.
Consolidado o “Segundo Reich”, teve início uma política doméstica altamente repressiva e uma política externa
marcada por um expansionismo agressivo.
Ao invés da Prússia se fundir à Alemanha, foi a Alemanha que incorporou os princípios e valores que norteavam
a Prússia, através de uma política cultural nacionalista implementada pelo então chanceler alemão Otto Von Bismarck.
A política nacionalista foi instrumentalizada para justificar o expansionismo alemão e as várias guerras de
conquista empreendidas por Bismarck.
A Alemanha foi um dos últimos Estados europeus a conseguir se unificar e centralizar o poder, destarte, quando
o processo de unificação foi concluído, o país emergiu como “um elo débil na cadeia imperialista”, pois, inobstante estar
localizado no centro do mundo capitalista e ter se industrializado, não possuía colônias.
Apesar da Alemanha ter se desenvolvido internamente, o atraso no processo de unificação a deixou de fora da
partilha dos territórios coloniais. A ausência de colônias explica o agressivo projeto imperial da Alemanha e sua fome por
anexar novos territórios.
A Geografia de Ratzel:
Propõe uma legitimação do expansionismo Bismarckiano.
1882 – Ratzel publicou o libro “Antropogeografia – Fundamentos da aplicação da Geografia à História => Essa
obra é considerada o marco inaugural da Geografia Humana => Trata sobre a influência que as condições naturais
exercem sobre a humanidade e sobre a própria constituição social => sobre natureza possibilitar a expansão ou a
estagnação de um povo => sobre a natureza possibilitar o contato entre povos, gerando isolamento e a mestiçagem
Segundo Ratzel, a natureza não exerce uma influência direta e imediata sobre o homem, a ação da natureza
sobre o homem é mediada por condições econômicas e sociais => A natureza oferece os recursos naturais, mas o
homem precisa saber utilizar esses recursos naturais para conseguir conquistar sua liberdade.
Progresso = maior e melhor uso dos recursos naturais = relação mais íntima entre homem e natureza
Para manter a posse sobre o território, é necessário estabelecer um vínculo com a terra, com o solo. Ratzel
explica que a sociedade se organizou e criou o Estado para defender seu território.
A antropogeografia de Ratzel privilegia a análise do espaço.
A Geografia de Ratzel destaca o elemento humano associado à história e ao espaço, mas não considera o
homem um agente de transformação
Território = condições de trabalho = garantia da existência e da sobrevivência da sociedade
Progresso = expandir e conquistar territórios
Espaço Vital = equilíbrio entre a população de uma sociedade e os recursos disponíveis para suprir suas
necessidades, definindo, portanto, suas potencialidades para progredir e suas premências territoriais.
O expansionismo segundo Ratzel é um fenômeno natural e inevitável para uma sociedade progredir.
Ratzel também legitimou o Estado prussiano onipresente e militarizado, ao afirmar que o Estado exerce o papel
de protetor e está acima da sociedade.
Importante reter que o objeto central do estudo Ratzeliano é a influência que a condições naturais exercem sobre
a evolução das sociedades.
Metodologia Ratzeliana => análise empírica “experiência, observação e descrição => inovou ao propor ir além da
“descrição” e “ver o lugar como objeto em si, e como elemento de uma cadeia em escala planetária”.
Manteve uma perspectiva naturalista da geografia.
A análise Ratzel é extremamente mecanicista, pois reduz a vida e a natureza a um conjunto de órgãos que
funcionam como uma máquina
Ratzel considera que os fenômenos humanos operam de maneira idêntica à atuação dos fenômenos naturais.
Equiparou o homem aos demais elementos da natureza e ignorou os efeitos da ação humana sobre a história e
sobre o espaço.
Um dos legados de Ratzel é a criação da “Escola Determinista”
Contudo, os discípulos de Ratzel empobreceram significativamente suas formulações, ao afirmar que: “As
condições naturais determinam a História”. “O homem é produto do meio”. Ratzel considerava que o homem, apesar de
não ser uma agente de transformação, exercia certa influência sobre os fenômenos naturais, pois era parte da natureza.
Lógica do Determinismo ao contrário => “As condições naturais mais hostis propiciam maior desenvolvimento”
=> As sociedades tiveram que se adaptar às adversidades e desenvolver tecnologias mais avançadas para conseguir
sobreviver às necessidades impostas.
A tese do “Determinismo ao contrário” explica o subdesenvolvimento brasileiro como fruto da tropicalidade e da
indolência (pouca disposição para o trabalho) do homem tropical e o desenvolvimento norte-americano associado
diretamente ao clima temperado.
Determinismo = completa naturalização da História humana
O surgimento da Geopolítica (estudo sobre a dominação dos territórios) também pode ser associado às teorias
Ratzelianas acerca da ação do Estado sobre o Espaço.
O teóricos da Escola Geopolítica concentram suas análises em formas de defender, manter e conquistar
territórios.
“Teoria das Áreas Pivôs” = coração de um determinado território => “Quem dominasse o coração, dominaria o
restante do território”
Um dos objetivos do Hitler quando implementou sua política expansionista da década de 1930, era dominar o
“coração da terra”!
Outra perspectiva que sobreveio a partir das formulações de Ratzel deu origem à “Escola Ambientalista”.
Trata-se de uma abordagem recente e os teóricos NÃO consideram que sua origem tem relação direta com a
Antropogeografia.
Inobstante a Escola Ambientalista não ser considerada um desdobramento das teorias Ratzelianas, é inconteste
que Ratzel foi o primeiro formulador de seus princípios estruturantes.
A Escola Ambientalista propõe o estudo do homem em relação aos elementos do meio em que ele se insere =>
O conjunto dos elementos naturais é abordado com o ambiente vivenciado pelo homem.
Trata-se de uma corrente determinista, mas com caráter mais acentuado, sem uma visão fatalista absoluta
A natureza não é vista como determinação, mas como sustentáculo da vida humana.
É uma perspectiva naturalista, porém sem a causalidade mecanicista.
O Ambientalismo se fortaleceu associado à Ecologia (ciência que estuda as relações entre o ambiente e os
seres que nele vivem – “Mesologia”
O estudo das inter-relações dos organismo, que coabitam determinado meio, já estava presente em Ratzel
Geografia Crítica:
Postura crítica radical, frente à Geografia existente (seja a Tradicional ou a Pragmática), a qual será levada ao
nível de ruptura com o pensamento anterior.
A crítica é direcionada, principalmente, a uma postura frente à realidade, frente à ordem constituída.
Os autores que se posicionam por uma transformação da realidade social, pensando o seu saber como uma
arma desse processo.
Assumem o conteúdo político de conhecimento científico, propondo uma Geografia militante, que lute por uma
sociedade mais justa.
Pensam a análise geográfica como um instrumento de libertação do homem.
Os autores da Geografia Crítica vão fazer uma avaliação profunda das razões da crise: são os que acham
fundamental evidenciá-la.
Vão além de um questionamento acadêmico do pensamento tradicional, buscando as suas raízes sociais.
Ao nível acadêmico, criticam o empirismo exacerbado da Geografia Tradicional (que se orienta pela experiência,
com desprezo por qualquer metodologia científica), que manteve suas análises presas ao mundo das
aparências, e todas as outras decorrências da fundamentação positivista (a busca de um objeto autonomizado, a
idéia absoluta de lei, a não-diferenciação das qualidades distintas dos fenômenos humanos etc.).
Entretanto, vão além, criticando a estrutura acadêmica, que possibilitou a repetição dos equívocos: o
“mandarinato”, o apego às velhas teorias, o cerceamento da criatividade dos pesquisadores, o isolamento dos
geógrafos, a má formação filosófica etc. E, mais ainda, a despolitização ideológica do discurso geográfico, que
afastava do âmbito dessa disciplina a discussão das questões sociais.
Assim, ao nível da crítica de conteúdo interno da Geografia, não deixam pedra sobre pedra.
A vanguarda desse processo crítico renovador vai ainda mais além, apontando o conteúdo de classe da
Geografia Tradicional. Seus autores mostram as vinculações entre as teorias geográficas e o imperialismo, a
idéia de progresso veiculando sempre uma apologia da expansão. Mostram o trabalho dos geógrafos, como
articulado às razões do Estado. Desmistificam a pseudo- “objetividade” desse processo, especificando como o
discurso geográfico escamoteou as contradições sociais. Atingem assim seu caráter ideológico, que via a
organização do espaço como harmônica; via a relação homem-natureza, numa ótica que acobertava as relações
entre os homens; via a população de um dado território, como um todo homogêneo, sem atentar para a sua
divisão em classes.
Enfim, os geógrafos críticos apontaram a relação entre a Geografia e a superestrutura da dominação de classe,
na sociedade capitalista. Desvendaram as máscaras sociais aí contidas, pondo à luz os compromissos sociais
do discurso geográfico, seu caráter classista. As razões da crise foram buscadas fora da Geografia.
O autor que formulou a crítica mais radical da Geografia Tradicional foi, sem dúvida, Yves Lacoste, em seu livro
A Geografia serve, antes de mais nada, para fazer a guerra. Lacoste argumenta que o saber geográfico
manifesta-se em dois planos: a “Geografia dos Estados-Maiores”e a “Geografia dos Professores”. Para ele, a
primeira sempre existiu ligada à própria prática do poder.
Todo conquistador (Alexandre, César ou Napoleão) sempre teve um projeto com relação ao espaço, também os
Estados e, mais modernamente, a direção das grandes empresas monopolistas.
Essa Geografia seria feita, na prática, ao se estabelecer estratégias de ação no domínio da superfície terrestre,
acontecendo, entretanto, que dificilmente esta teorização é explicitada. Porém, sempre existe vinculada à gestão
do poder.
A “Geografia dos Professores” seria a que foi aqui denominada de tradicional. Esta, para Lacoste, tem uma dupla
função: Em primeiro lugar, mascarar a existência da “Geografia dos Estados-Maiores”, apresentando o
conhecimento geográfico como um saber inútil; assim, mascarar o valor estratégico de saber pensar o espaço,
tornando-o desinteressante, para a maioria das pessoas. Em segundo lugar, a “Geografia dos Professores”
serve para levantar, de uma forma camuflada, dados para a “Geografia dos Estados-Maiores”, e, assim, fornecer
informações precisas, sobre os variados lugares da Terra, sem gerar suspeita, pois tratar-se-ia de um
conhecimento eminentemente apolítico, e, ainda mais, inútil. Lacoste mostra esta relação entre os dois planos,
discutindo o uso, pelo Departamento de Estado dos E.U.A., das “ingênuas” teses francesas, nos bombardeios do
Vietnã.
Vê-se que a crítica de Lacoste é bastante incisiva, colocando a Geografia como instrumento de dominação da
burguesia, dotado de alto potencial prático e ideológico, assim pondo a descoberto o seu caráter de classe.
Desta forma, o questionamento das teses tradicionais, efetuado pela Geografia Crítica, é muito mais profundo.
Incide nos compromissos sociais e nos posicionamentos políticos em jogo, e aponta para propostas de
renovação, que implicam uma ruptura com a Geografia Tradicional, e, mais que isso, na construção de um
conhecimento que lhe seja antagônico, de um discurso que a combata, de teorias que se contraponham às
tradicionais.
Daí Lacoste definir seu trabalho como “guerrilha epistemológica”. Esta é a via revolucionária da renovação do
pensamento geográfico, que agrupa aqueles autores imbuídos de uma perspectiva transformadora, que negam a
ordem estabelecida, que vêem seu trabalho como instrumento de denúncia e com arma de combate; enfim, que
propõem a Geografia como mais um elemento na superação da ordem capitalista. A crítica radical do
pensamento tradicional é, dessa maneira, uma exigência do tom das propostas de renovação efetuadas.
Continuamos no livro de Lacoste, como exemplificação. Este autor admite que os detentores do poder (seja o
Estado ou a grande empresa) sempre possuem uma visão integrada do espaço, dada pela intervenção
articulada em vários lugares. Por outro lado, o cidadão comum tem uma visão fracionada do espaço, pois só
concebe os lugares abarcados por sua vivência cotidiana, e só esporadicamente possui informações (e mesmo
assim truncadas) da realidade de outros lugares. O indivíduo conhece sua rua, seu quarteirão, seu bairro, o local
de seu trabalho, os locais de seu lazer, uma localidade visitada numas férias, talvez sua cidade; entretanto,
mesmo essa consciência se dá de uma forma parcial. Duas pessoas podem viver na mesma cidade,
concebendo-a de forma diferente, em função de seus interesses e de usa área de ação (um habitante da zona
sul de São Paulo pode desconhecer totalmente o que se passa na periferia da zona leste).
Por outro lado, o Estado tem uma visão integrada articulada do espaço, pois age sobre todos os lugares
(capilaridade), e isto se transforma numa arma a mais de dominação. Assim, argumenta Lacoste, é necessário
construir uma visão integrada do espaço, numa perspectiva popular, e socializar este saber, pois ele possui
fundamental valor estratégico nos embates políticos. Diz explicitamente: “é necessário saber pensa o espaço,
para saber nele se organizar, para saber nele combater”.
O propósito expresso por Lacoste define, de forma clara, os objetivos e a postura da Geografia Crítica. Esta
assume inteiramente um conteúdo político explícito, que aparece de forma cabal na sua afirmação, “a Geografia
é uma prática social em relação à superfície terrestre”, ou na de D. Harvey, “a questão do espaço não pode ser
uma resposta filosófica para problemas filosóficos, mas uma resposta calçada na prática social”; aparece, ainda,
na afirmação de M. Santos, “o espaço é a morada do homem, mas pode ser também sua prisão”.
Vê-se que a renovação geográfica passa a ser pensada, em termos de teoria e prática, como uma práxis
revolucionária, naquele sentido de que não basta explicar o mundo, pois cumpre transformá-lo. Vê-se a distância
alcançada por esta posição, em relação à renovação empreendida pela Geografia Pragmática.
A Geografia Crítica tem suas raízes na ala mais progressista da Geografia Regional francesa. A figura de Jean
Dresch aparece, no seio desse movimento, como um exemplo único de afirmação de um discurso político crítico;
suas teorias foram já uma antecipação (Dresch escreve suas obras nas décadas de 30 e 40). Esta ala da
Geografia Regional vai progressivamente se inteirando do papel dos processos econômicos e sociais, no
direcionamento da organização do espaço. Assim, abre uma discussão mais política na análise geográfica. Tal
abertura embasou-se na crescente importância do elemento humano na Geografia francesa, que aparece: na
diferenciação entre meio e meio geográfico, na sujeição da Geografia Física à Humana, e na idéia da região
como produto histórico (e sua valorização como objeto primordial).
Assim, a Geografia Regional francesa aproximou-se da História e da Economia. É no bojo desse processo que
germinam as primeiras manifestações de um pensamento geográfico crítico, ao se introduzir na análise regional
novos elementos.
A primeira manifestação clara dessa renovação crítica pode ser detectada na proposta da Geografia Ativa, nome
de um livro (escrito por P. George, Y. Lacoste, B. Kayser e R. Guglielmo), que marcou toda uma geração de
geógrafos. A Geografia Ativa opunha-se à Geografia Aplicada. Sua proposta era a de executar um tipo de
análise, que colocasse a descoberto as contradições do modo de produção capitalista, nos vários squadros
regionais. Ensejava assim uma Geografia de denúncia de realidades espaciais injustas e contraditórias. Tratava-
se de explicar as regiões, mostrando não apenas suas formas e sua funcionalidade, mas também as
contradições sociais aí contidas: a miséria, a subnutrição, as favelas, enfim as condições de vida de uma parcela
dapopulação, que não aparecia nas análises tradicionais de inspiração ecológica.
Esta proposta veiculava um ideal humanista e conseguia um peso político, em função de sua potencialidade de
constatação e divulgação da manifestação espacial de problemas sociais. Daí a idéia, desenvolvida por estes
autores, do espaço como base da vida social, e sua organização como reflexo da atividade econômica.
Entretanto, esta Geografia de denúncia não rompia, em termos metodológicos, com a análise regional
tradicional. Mantinha-se a tônica descritiva e empirista, apenas passava-se a englobar no estudo tópicos por ela
não abordados. Introduziam-se novos temas, mantendo os procedimentos gerais da análise regional. Fazia-se
uma descrição da vida regional, que não encobria as contradições existentes no espaço analisado. Sendo a
realidade injusta, sua mera descrição já adquiria um componente de oposição à ordem instituída.
Tal perspectiva aparece com clareza, por exemplo, em obras como a Geografia da Fome de Josué de Castro, ou
a Geografia do Subdesenvolvimento de Y. Lacoste. Estes livros não iam além da proposta regional, porém
apresentavam realidades tão contraditórias, que sua simples descrição adquiria uma força considerável de
denúncia, fazendo da Geografia um instrumento de ação política. Estes estudos tiveram um papel significativo,
pois abriram novos horizontes para os geógrafos, ao apontarem uma perspectiva de engajamento social, de
atuação crítica.
O autor que mais se destacou dentro desse movimento foi, sem dúvida alguma, Pierre Geogrge. Seu grande
mérito foi introduzir pioneiramente alguns conceitos marxistas na discussão geográfica. Este autor vai tentar uma
conciliação da metodologia da análise regional com o instrumental conceitual do Materialismo Histórico. Assim,
discute as relações de produção, as relações de trabalho, a ação do grande capital, as forças produtivas etc., em
suas análises regionais.
P. Geogrge elabora uma extensa obra, constituída de ensaios, como Sociologia e Geografia; manuais, como
Geografia Econômica; e estudos concretos, tanto monográficos, como Geografia da U.R.S.S. ou Europa Central,
quanto sintéticos, como A ação do homem ou Panorama do mundo atual. As colocações desse autor ainda estão
à espera de uma interpretação mais minuciosa. A Geografia de denúncia não realizou por inteiro a crítica da
Geografia Tradicional, apesar de politizar o discurso geográfico.
Por esta razão, ela se mostrou problemática, sem que isso atentasse à sua importância e eficácia política. Se,
por um lado, criava uma perspectiva de militância para os geógrafos conscientes, por outro não resolvia a
contento as questões internas dessa disciplina, pois colocava a explicação das realidades estudadas fora do
âmbito da Geografia, ficando esta como um levantamento dos lugares, um estudo da projeção do modo de
produção no espaço terrestre. Assim, limitava-se a um estudo das aparências, sem possibilidade de indagar
arespeito da essência dos problemas.
A manutenção da ótica empirista vedava a análise dos processos essenciais e a explicação era sempre externa
à Geografia. Poder-se-ia dizer que estes autores tinham uma ética de esquerda, porém instrumentalizada numa
epistemologia positivista. Daí, sua posterior superação.
A Geografia Crítica também se desenvolveu bastante a partir dos estudos temáticos, notadamente aqueles
dedicados ao conhecimento das cidades (que não devem ser confundidos com a Geografia Urbana tradicional).
Aqui, foi particularmente importante a contribuição dada por autores não-geógrafos. O contato com teorias extra-
geográficas foi bastante benéfico; basta pensar na influência de um sociólogo, como M. Castels, ou de um
filósofo, como H. Lefebvre; o primeiro através de seu livro já clássico A questão urbana, o segundo através de
obras como A produção do espaço e Espaço e Política.
A influência de urbanistas, como J. Lojikne ou M. Folin, também é sensível. No rol das influências
extrageográficas, o nome de M. Foucault deve ser mencionado, por suas colocações sobre a relação entre o
espaço e o poder, contidas em Microfísica do Poder. Na verdade, a Geografia Crítica abre para um leque
bastante amplo de influências “externas”. Afinal, romper o isolamento do geógrafo é também uma de suas
metas.
Entre estes trabalhos temáticos, que enfocam o urbano, um destaque deve ser dado para a figura de David
Harvey. Este autor esteve na vanguarda do neopositivismo da reflexão geográfica; depois rompeu radicalmente
com a perspectiva pragmática, escrevendo uma obra que traduz uma profunda autocrítica: A justiça social e a
cidade. Neste livro, faz a crítica das teorias liberais sobre a cidade, e assume uma postura socialista. Realiza
então uma leitura das colocações marxistas, tentando empregar a teoria da renda fundiária na análise da
valorização do espaço urbano. Analisa o uso do solo, um tema clássico da Geografia, à luz das categorias do
valor-de-uso e do valor-detroca.
Nessa reflexão, adianta bastante as formulações a respeito de uma dialética do espaço, e chega a algumas
concepções interessantes, como, por exemplo, a de “ver as formas espaciais enquanto processos sociais no
sentido de que os processos sociais são espaciais”. Trabalhando com uma concepção mais ampla, isto é, numa
escala mais abrangente do que a do fenômeno urbano, vários autores vêm realizando uma discussão crítica a
respeito do território.
Assim, enfocam a expansão espacial das relações capitalistas de produção, as formas espaciais e os fluxos
gerados, a organização do espaço implementada por este modo de produção, enfim, a lógica do capital na
apropriação e ordenação dos lugares. Dentro desta perspectiva, podem-se destacar as formulações de A.
Lipietz, que escreveu uma obra intitulada O capital e seu espaço; de F. Indovina e D. Calabi, que escreveram um
sugestivo artigo sobre o uso capitalista do território, e do mesmo F. Indovina, autor do interessante trabalho
Capital e Território.
Em todos estes trabalhos, tenta-se entender a essência da organização do espaço terrestre no modo de
produção capitalista. Com tal finalidade, retoma-se a discussão de questões como a relação entre a sociedade e
o solo, o Estado e o território e os recursos e a atividade econômica. Estas questões são integradas num
contexto de discussão, informado pela Economia Política e orientado pelo legado teórico de Marx.
Os resultados daí oriundos são bastante sugestivos e estimulantes. Vê-se que os caminhos buscados pelas
várias propostas da Geografia Crítica são numerosos, diferentes, e todos igualmente importantes. Caberia ainda
mencionar obras significativas, que exemplificam este esforço: algumas abordando pontos especificamente
metodológicos, como Geografia e Ideologia de J. Anderson, ou à Geografia Pragmática, como Geografia e
Tecnoburocracia de Melhem Adas. Há de se destacar o papel das revistas Herodote e Antípoda, na veiculação
desta bibliografia crítica. Alguns eventos, - como o congresso organizado pelo Instituto Gramsci, versando sobre
o tema “Homem, natureza e sociedade: ecologia e relações sociais” – também se articulam com este esforço
renovador. Enfim, há muito sendo feito, e mais ainda por se fazer.
Em termos de uma concepção mais global de Geografia, cabe uma exposição mais minuciosa da proposta de
Milton Santos, apresentada em seu livro Por uma Geografia nova. Esta obra expressa uma tentativa sintética de
outros trabalhos desse autor, representando uma proposta geral para o estudo geográfico – é assim um livro de
claro conteúdo normativo.
Neste trabalho, depois de avaliar criticamente a Geografia Tradicional, a crise do pensamento geográfico e as
principais propostas de renovação, efetivadas pela Geografia Pragmática, M. Santos passa a exporsua
concepção do objeto geográfico. Tenta dar uma resposta para a questão primordial desse volume: o que é a
Geografia. Ou, melhor, como deve ser a análise do geógrafo.
Cabe apresentar mais detalhadamente esta proposta, que é uma das mais amplas e substantivas empreendidas
pela Geografia Crítica.
Milton Santos argumenta que é necessário discutir o espaço social, e ver a produção do espaço como o objeto.
Este espaço social ou humano é histórico, obra do trabalho, morada do homem. É assim uma realidade e uma
categoria de compreensão da realidade. Toda sua proposta será então uma tentativa de apreendê-lo, de como
estudá-lo. Diz que se deve ver o espaço como um campo de força, cuja energia é a dinâmica social. Que ele é
um fato social, um produto da ação humana, uma natureza socializada, que pode ser explicável pela produção.
Afirma, entretanto, que o espaço também é um fator, pois é uma acumulação de trabalho, uma incorporação de
capital na superfície terrestre, que cria formas duráveis, as quais denomina “rugosidades”.
Estas criam imposições sobre a ação presente da sociedade; são uma “inércia dinâmica” – tempo incorporado
na paisagem – e duram mais que o processo que as criou. São assim uma herança espacial, que influi no
presente. Por esta razão, o espaço é também uma instância, no sentido de ser uma estrutura fixa e, como tal,
uma determinação que atua no movimento da totalidade social.
As formas espaciais são resultados de processos passados, mas são também condições para processos futuros.
As velhas formas são continuamente revivificadas pela produção presente, que as articula em sua lógica.
Caberia, antes de mais nada, entender como se dá este movimento. Milton Santos argumenta que toda atividade
produtiva dos homens implica numa ação sobre a superfície terrestre, numa criação de novas formas, de tal
modo que “produzir é produzir espaço”. Afirma que a organização do espaço é determinada pela tecnologia, pela
cultura e pela organização social da sociedade, que a empreendem. Na sociedade capitalista, a organização
espacial é imposta pelo ritmo de acumulação. Na verdade, esta representa uma dotação diferencial de
instrumentos de trabalho, na superfície do planeta, uma fixação de capital no espaço, obedecendo a uma
distribuição “desigual e combinada”. Diz que, desta forma, os lugares manifestam uma combinação de capital,
trabalho, tecnologia e trabalho morto, expresso nas “rugosidades”.
O autor diz ainda que a unidade de análise do geógrafo deve ser o Estado Nacional, pois, só levando em conta
esta escala, pode-se compreender os vários lugares contidos em seu território. O Estado é o agente de
transformação, de difusão e de dotação. É o intermediário entre as forças internas e externas.
Assim, não é passivo; ao contrário, orienta os estímulos e é o grande criador das “rugosidades”. O Estado
manifesta o modo de produção, nas várias porções da Terra e é por este determinado; logo, passa a sua lógica
ao estabelecer e dirigir a ordem espacial.
Tendo estabelecido estes argumentos, M. Santos avança sua proposta. Coloca que as diferenças dos lugares
são naturais e históricas, e que a variação da organização do espaço é fruto de “uma acumulação desigual de
tempo”. Essa organização é uma combinação de variáveis, resíduos vivificados pelo tempo presente, unificados
num movimento geral pelo Estado. Assim, uma articulação de elementos naturais e processos históricos, de
passado e presente, “variáveis assincrônicas funcionando sincronicamente”.
Desta forma, há um contínuo processo demodernização em curso, que não atinge todos os lugares ao mesmo
tempo, que é estimulado pelo Estado, e que obedece à lógica do capital e não aos interesses do homem
(manifestando-se então como uma modernização maldosa).
Tal processo define os usos do solo, a apropriação da natureza, as relações entre os lugares, enfim a
organização do espaço. Seu traço geral é a desigualdade, pois a história do capital é seletiva, elege áreas,
estabelece uma divisão territorial do trabalho, impõe uma hierarquização dos lugares, pela dotação diferenciada
de equipamentos. É tal processo que deve ser objeto de preocupação dos geógrafos, que o analisarão, em cada
manifestação concreta, tendo em vista uma Geografia mais generosa e vendo o espaço como um lugar de luta.
Esta é, em termos bem resumidos, a proposta de Milton Santos, uma das mais amplas e acabadas da Geografia
Crítica. Há de se ressaltar que este autor já a substantivou, em alguns pontos mais específicos, como na análise
da organização interna das cidades, e seu papel na organização regional. Tais estudos encontram-se expostos
em vários artigos e em livros, como O espaço dividido, As cidades do Terceiro Mundo, Pobreza urbana e
Geografia e Sociedade. As formulações de Milton Santos representam uma das propostas da Geografia Crítica,
exemplificando bem a postura política e o posicionamento social que a caracterizam. Entretanto, a proposta de
M. Santos é uma das perspectivas, convivendo, no seio da Geografia Crítica, com outras, que lhe são
diferenciadas e mesmo antagônicas em alguns pontos.
Isto coloca uma questão central,a da dialética entre unidade e diversidade, no interior do pensamento geográfico
crítico. Pode-se dizer que a Geografia Crítica é uma frente, onde obedecendo a objetivos e princípios comuns,
convivem propostas díspares. Assim, não se trata de um conjunto monolítico, mas, ao contrário, de um
agrupamento de perspectivas diferenciadas. A unidade da Geografia Crítica manifesta-se na postura de oposição
a uma realidade social e espacial contraditória e injusta, fazendo-se do conhecimento geográfico uma arma de
combate à situação existente. É uma unidade de propósitos dada pelo posicionamento social, pela concepção de
ciência como momento da práxis, por uma aceitação plena e explícita do conteúdo político do discurso
geográfico. Enfim, unitários objetivam-se através de fundamentos metodológicos diversificados. Daí, advém uma
grande diversidade metodológica, no âmbito da Geografia Crítica. Esta apresenta um mosaico de orientações
metodológicas, bastante variado: estruturalistas, existencialistas, analíticos, marxistasm (em suas várias
nuances), ecléticos etc.
Aqui a unidade se esvanece, mantendo-se, como único traço comum, o discurso crítico. São buscados, para
fundamentar as propostas efetuadas, autores bastante díspares: Adorno, Foucault, Mao Tse-Tung, Lefort,
Godelier, Barthes, Lênin, Sartre, entre outros.
Vê-se que a gama de orientações abarcada é realmente ampla. Assim, há uma unidade ética, substantivada
numa diversidade epistemológica. Esta diversidade é em certo sentido benéfica, pois estimula o debate, gera
polêmicas e faz avançar as colocações. Onde há discussão há vida, onde há debate aflora o pensamento crítico,
onde há polêmica há espaço para o novo, para a criação. Por isso, a Geografia na atualidade estimula a
reflexão; a queda das “verdades” fossilizadas age nesse sentido.
Buscam-se novos caminhos, questionam-se velhas concepções, tentam-se novas fórmulas. Existe um enorme
horizonte pela frente, na elaboração dessa Geografia nova, resta muito trabalho por fazer. Assim, a Geografia
Crítica é um desafio, e uma promessa.
Finalizando, pode-se dizer que o movimento de renovação, atualmente em curso na Geografia, com suas duas
vertentes, reproduz, ao nível desse campo específico do conhecimento, o embate ideológico contemporâneo –
reflexo, no plano da ciência, da luta de classes na sociedade capitalista. Os geógrafos críticos, em suas
diferenciadas orientações, assumem a perspectiva popular, a da transformação da ordem social. Buscam uma
Geografia mais generosa e um espaço mais justo, que seja organizado em função dos interesses dos homens.