Carlota Js Mendon Ça

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Trabalho Final do Mestrado Integrado em Medicina

Malária na Gravidez
- Revisão -

Clínica Universitária de Ginecologia-Obstetrícia

Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa

2015-2016

Orientador: Dra. Luísa Pinto

Carlota Joana Silva Mendonça

12854
INDICE

RESUMO ........................................................................................................................................ 3
INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 5
METODOLOGIA.............................................................................................................................. 5
EPIDEMIOLOGIA ............................................................................................................................ 5
CICLO DE VIDA DO PARASITA ........................................................................................................ 6
PATOGÉNESE MALÁRIA NA GRAVIDEZ .......................................................................................... 7
SUSCEPTIBILIDADE DA GRÁVIDA ................................................................................................... 7
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS ........................................................................................................... 8
COMPLICAÇÕES ............................................................................................................................. 9
DIAGNÓSTICO.............................................................................................................................. 10
TRATAMENTO.............................................................................................................................. 11
PROFILAXIA.................................................................................................................................. 14
AGRADECIMENTOS...................................................................................................................... 16
BIBLIOGRAFIA .............................................................................................................................. 17
ANEXOS ....................................................................................................................................... 19
Tratamento da malária por P. falciparum não complicada no 1º trimestre gestação............ 19
Tratamento da malária por P. falciparum não complicada no 2º e 3º trimestres de gestação
................................................................................................................................................. 19
Tratamento da malária não complicada por Plasmodium vivax ............................................. 21
Tratamento malária severa ..................................................................................................... 21

2
RESUMO

O aumento global de migrantes entre os vários continentes é uma realidade atual. Mais
de 80 milhões de viajantes visitam anualmente zonas endémicas de malária.
A mulher grávida tem uma maior vulnerabilidade para a infeção pelo parasita da
malária. O plasmodium falciparum é o principal agente responsável pela mortalidade e
morbilidade da malária. Este possui a característica única de sequestrar os eritrócitos
infetados no espaço intervilositário da placenta – malária placentária- prejudicando a
troca de nutrientes e de oxigénio entre a mãe e o feto. A malária, para além das
implicações na mãe, como a anemia severa, está associada a complicações para o feto:
restrição do crescimento fetal, baixo peso ao nascer, aborto.
A hipótese diagnóstica de malária deve ser colocada em todas as mulheres com
sintomas “gripe-like” que viajaram para zonas endémicas. O gold standart para o
diagnóstico é a microscopia, através da gota espessa; em alternativa existem os testes de
diagnóstico rápido. O diagnóstico definitivo de malária placentária só é possível através
de histologia da placenta.
O tratamento faz-se de acordo com a espécie do parasita, o trimestre da gravidez e de
acordo com a gravidade da infeção.
Medidas anti mosquito e quimioprofilaxia mostraram extrema importância na prevenção
da infeção e das suas complicações nas grávidas que irão viajar.

……………………………………………………………………………....

Migration between continents is a reality. More than 80 million travelers visit malaria
endemic areas annually.
Pregnant women have an increased vulnerability to infection with malaria.
The plasmodium falciparum is the main responsable for the mortality and morbidity
from malaria. This agent has the ability to sequestre infected erythrocytes at the placenta
intervillous spaces - malaria placentaria- hampering the exchange of nutrients and
oxygen between the mother and the fetus. In addition to the implications for the mother
including severe anemia, malaria is associated with fetal complications: fetal
intrauterine growth restriction, low birth weight, miscarriage.
The diagnosis of malaria should be considered in all women with flu-like symptoms
who have traveled to endemic areas. The gold standard for diagnosis is microscopy,
3
through the thick film; alternatively there are rapid diagnostic tests. The definitive
diagnosis of placental malaria is only possible through the histology of the placenta.
Treatment depends on specie of parasite, the trimester of pregnancy and on the severity
of the infection.
Anti-mosquito measures and chemoprophylaxis are very important in preventing
infection and its complications in pregnant women who will travel to endemic areas.

4
INTRODUÇÃO METODOLOGIA

Segundo a Organização Mundial de Foram utilizados os motores de busca


Saúde, cerca de 3.2 biliões de pessoas do “ Pubmed”, “ Science Direct”,
(quase metade da população mundial) “Researchgate” e “Medscape”
está em risco de adquirir malária. O introduzindo as palavras: “ Malaria and
maior número de casos de infeções de pregnancy”. Obtive 14 artigos
malária, cerca de 89% em 2015, [1] científicos, incluindo revisões
ocorre na região da África subsaariana. sistemáticas e meta-análises. Para além
Em zonas não endémicas, como a disto, consultei o “site” da Organização
Europa, os casos que ocorrem são Mundial da Saúde onde pesquisei pela
geralmente importados (imigrantes, palavra-chave “Malaria” e “Malaria and
viajantes em lazer, visitas a familiares e Pregnancy”.
amigos, …). Mais de 80 milhões de Ao longo do trabalho, decidi centrar-me
pessoas visitam anualmente zonas nos dois tipos de plasmodium mais
endémicas de malária. [2] frequentes na malária no humano.
Todos os anos, 50 milhões de mulheres
que vivem em zonas endémicas de
EPIDEMIOLOGIA
malária engravidam. Estima-se que 10
mil mulheres e 200 mil crianças morram
A malária é uma doença infeciosa
como resultado da doença durante a
causada por um parasita e transmitida
gravidez. [1]
pela picada do mosquito Anopheles. Os
Numa era em que se verifica cada vez
parasitas da malária pertencem ao
mais um aumento global de migrantes
género Plasmodium; no humano a
entre os vários continentes, é de
malária pode ser causada por 4 espécies
extrema importância que os clínicos de
de Plasmodium: P. falciparum, P.vivax,
toda a Europa estejam aptos para lidar
P. ovale e P. malariae.
com esta doença.
O plasmodium falciparum e o
A presente revisão tem como objetivo
plasmodium vivax são os principais
sistematizar a informação atual sobre
agentes responsáveis pela malária no
Malária na Grávida.
humano. [4] O plasmodium falciparum
é o principal responsável pela
mortalidade e morbilidade globais

5
associadas à malária. [5] O P. vivax é o para a mãe e para o feto aquando da
segundo agente mais importante de infeção na grávida. [1,4]
malária no humano, sendo responsável
por 9% dos casos de malária no mundo CICLO DE VIDA DO PARASITA
e é a espécie predominante fora de
África, como na Ásia, América e
A transmissão do parasita da malária
Oceania. [3] O P. vivax está associado a
para o ser humano faz-se através da
parasitémias mais baixas e menor
picada por uma fêmea do mosquito
mortalidade mas está associado a maior
Anopheles infetada.
recorrência da infeção. Isto é
A picada do mosquito transfere a forma
corroborado pelo facto do P.vivax
infeciosa do Plasmodium, o
formar hipnozoitos, uma forma
esporozoíto, das suas glândulas
“adormecida” do parasita no fígado que
salivares para os vasos sanguíneos do
pode causar reinfeções, semanas a anos
humano, causando parasitémia.
após a infeção primária. [3]
Os esporozoítos percorrem os vasos
A parasitémia causada pelo P. vivax é
sanguíneos até atingirem e penetrarem
tipicamente mais baixa relativamente à
nas células hepáticas (em cerca de 30
parasitémia causada pelo P. falciparum;
minutos). No fígado, maturam e
isto explica-se pelo facto de a espécie
reproduzem-se libertando merozoítos.
falciparum invadir todos os eritrócitos
Os merozoítos posteriormente invadem
enquanto a espécie vivax invade apenas
os eritrócitos onde se multiplicam e
os reticulócitos. Para além disto, a
desenvolvem a sua forma reprodutiva,
infeção pelo plasmodium vivax, apesar
os gametócitos. Esta libertação
de também estar associada a
periódica de merozoítos origina as
complicações maternas e fetais, muito
flutuações de febre características da
raramente progride para doença severa
malária.
ou morte em comparação com a infeção
Quando a fêmea do mosquito pica uma
pelo plasmodium falciparum. [4]
pessoa infetada, ingere sangue contendo
O Plasmodium falciparum possui a
gametócitos. Estes amadurecem no
característica única de promover o
sistema digestivo do mosquito e
sequestro dos eritrócitos infetados no
originam novos esporozoítos, em cerca
espaço intervilositário da placenta –
de 10 a 18 dias, os quais posteriormente
malária placentária, estando assim
associado a complicações mais severas

6
migram para as glândulas salivares do ao sinciciotrofoblasto. A acumulação
mesmo. dos eritrócitos infetados na placenta
O plasmodium produz uma proteína de origina mudanças histológicas da
superfície que leva à adesão do mesma. Surge inflamação, deposição de
eritrócito às paredes dos vasos fibrina ou células inflamatórias,
sanguíneos, conduzindo a lesão dos nomeadamente leucócitos, induzindo
órgãos e a complicações que podem pôr lesões no trofoblasto, das quais resulta
em risco a vida e prevenindo a um transporte deficiente de nutrientes e
circulação de eritrócitos infetados (e oxigénio entre a mãe e o feto. [6]
assim evitando que sejam destruídos Pode haver malária placentária sem
pelo sistema imunitário). manifestações clinicas de doença; e
pode igualmente ocorrer malária

PATOGÉNESE MALÁRIA NA placentária na ausência de parasitémia

GRAVIDEZ periférica na mãe. Por este motivo, a


anatomia patológica da placenta pode

A malária na gravidez caracteriza-se ser um critério de diagnóstico da

pela sequestração do plasmodium na doença.

placenta (através dos eritrócitos


infetados). Estes eritrócitos infetados SUSCEPTIBILIDADE DA
expressam uma variante do antigénio de GRÁVIDA
superfície, PfVAR2CSA. [4]
Este antigénio é específico do género A mulher grávida tem uma maior
feminino e dependente da gravidez: vulnerabilidade para a infeção com
verificou-se que o género masculino e malária comparativamente com a
as mulheres não grávidas não mulher não grávida. Uma das grandes
desenvolvem anticorpos para este razões para este facto é a depressão da
antigénio específico. Pensa-se imunidade que se verifica normalmente
igualmente que estes antigénios (VSA) durante a gravidez.
sejam apenas característicos do A prevalência da parasitémia periférica
Plasmodium falciparum. [1] é maior na mulher grávida do que na
Os parasitas que originam a expressão mulher não grávida, comparando
deste antigénio na superfície dos mulheres da mesma idade e vivendo na
eritrócitos levam à adesão dos mesmos

7
mesma área geográfica (em zonas Num estudo relativo à presença de
endémicas). [1] parasitémia numa primeira consulta,
O que se constatou foi uma depressão realizado na região dos Camarões, na
da resposta aos antigénios na grávida - a África Central, para além de se ter
resposta proliferativa dos linfócitos, em verificado maior prevalência da infeção
contacto com o antigénio da malária, nas primigestas, observou-se que as
está diminuída, em comparação com a mulheres com idade inferior a 20 anos
resposta dos linfócitos da mulher não tinham parasitémias superiores às
grávida. [1] mulheres com idade superior a 20 anos.
Além disso, constatou-se que a mulher Verificou-se igualmente que as
grávida tem maior predisposição para mulheres solteiras tinham maiores
ser picada pelo mosquito. Pensa-se que níveis de parasitémia que as mulheres
tal se deve ao facto de durante a casadas. Tudo isto parece estar
gravidez a temperatura corporal estar interligado, na medida em que, de forma
aumentada e ao facto de se assistir a um muito geral, as mulheres mais novas
aumento da expiração de dióxido de (idade inferior a 20 anos) quando
carbono; dois fatores que parecem engravidam estão solteiras e na maioria
contribuir para uma maior atração do dos casos estão a experienciar a
mosquito pela mulher grávida. [1] primeira gravidez. [7]
Para além disto, verificou-se que as
primigestas têm maior suscetibilidade à MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
malária do que as mulheres que já
tiveram filhos. [1, 4] Uma das possíveis
A malária na gravidez poderá ter
justificações, deve-se ao facto de a
consequências para a grávida e/ou para
imunidade para o antigénio específico
o feto. A gravidade da apresentação
de superfície, PfVAR2CSA, ser
clínica da doença dependerá da
adquirida progressivamente com
endemicidade da região onde a grávida
sucessivas gravidezes, estando pois
habita. [1]
ausente nas primigestas. [7] Outra das
Se estamos perante uma grávida de uma
razões apontadas, é o facto de as
região endémica de malária, a infeção é
primigestas apresentarem níveis de
habitualmente assintomática ou de baixa
cortisol mais elevados originando uma
gravidade; isto porque as mulheres
maior depressão da imunidade celular.
adultas destas regiões geralmente têm
[1,4]

8
uma imunidade parcial ao Plasmodium A infeção pelo plasmodium durante a
falciparum, adquirida durante os gravidez não só traz consequências para
primeiros 10-15 anos de vida pelo a grávida como também para o feto e
contacto prévio com o parasita. [6] recém-nascido. As complicações que se
Se estamos perante uma grávida podem verificar no feto são: aborto,
proveniente de uma região não restrição do crescimento fetal e/ou
endémica de malária, portanto, em infeção congénita. O recém-nascido
princípio, sem um nível significativo de fruto de uma gravidez com infeção por
imunidade, estas mulheres plasmodium falciparum, geralmente é
habitualmente têm infeções mais prematuro ( <37 semanas) e/ou com
graves, com sintomas mais severos e baixo peso ao nascer ( <2500 kg). São
consequências mais nefastas para o feto. crianças que apresentam maior
As manifestações clinicas da malária na morbilidade e mortalidade.
grávida são inespecíficas e variáveis. O A elevada incidência de parto pré-termo
início dos sintomas é agudo, 7 a 30 dias nas grávidas infetadas pelo plasmodium
após a picada do mosquito, e são falciparum, pode ser mediada por
sintomas semelhantes a uma vulgar alteração na produção de citoquinas.
“gripe”. [6] De uma forma geral, Pensa-se que se correlaciona com o
ocorrem: febre (que pode ou não ser aumento de TNF-α - a concentração de
flutuante), arrepios, mialgias, cefaleias, TNF-α é tanto maior quanto maior a
náuseas, dor abdominal, diarreia e quantidade de eritrócitos infetados. A
vómitos. produção de TNF-α está implicada na
A malária severa geralmente apresenta- patogénese do parto pré-termo e do
se com um ou mais dos seguintes: coma baixo peso à nascença. [1]
(malária cerebral), acidose metabólica, O parto pré-termo e a restrição do
hipoglicémia, anemia severa, edema crescimento fetal (devido à diminuição
pulmonar agudo ou lesão real aguda. [3] da transferência dos nutrientes e
Nas grávidas com malária grave a oxigénio através da placenta)
mortalidade chega aos 50%. [8] contribuem igualmente para o baixo
peso do recém-nascido.

COMPLICAÇÕES O risco de aborto é semelhante na


infeção por plasmodium falciparum ou
P. vivax e pode verificar-se na doença
sintomática ou assintomática, sendo no

9
entanto mais frequente nas grávidas disfunção hepática e acidose
com malária sintomática. [1] metabólica.
Nas regiões endémicas de malária, 8% a
36% das crianças com baixo peso ao DIAGNÓSTICO
nascimento, resultaram de gestações
associadas à malária; e 3% a 8% da
O primeiro passo para o diagnóstico de
mortalidade infantil foi consequência da
malária na gravidez é a suspeição
infeção da mãe aquando da gravidez.
clínica. [1] Nos países endémicos a
[6]
hipótese de malária deve ser
Numa revisão de 117 estudos
considerada em todas as mulheres com
provenientes de regiões endémicas de
temperaturas ≥ 37.5ºC, sem outra causa
África, publicados entre 1985 e 2000, as
aparente. [3]
complicações da malária foram
Nos países com baixa incidência de
quantificadas: 8-14% das crianças
malária, a hipótese diagnóstica de
tinham baixo peso ao nascimento; 13-
malária deve ser considerada em
70% dos fetos tinham restrição do
mulheres que possam ter estado
crescimento; 3-15% dos recém-nascidos
expostas, por exemplo, que tenham
tinham anemia; e a mortalidade infantil
viajado, mesmo que por curtos
verificou-se em 3 a 8% das crianças. [1]
períodos, para regiões endémicas; e que
Umas das complicações maternas mais
apresentem história clínica de febre sem
frequentes da malária é a anemia. A
outra causa aparente. [3]
anemia induzida pela malária é causada
Em todos os casos suspeitos de malária
por: hemólise dos eritrócitos infetados
deve-se efetuar um teste parasitológico
pelo parasita, supressão da
para confirmação do diagnóstico. [3]
hematopoiese e sequestração intensa
O gold standart para confirmação do
dos eritrócitos infetados na placenta.
diagnóstico é a microscopia, na qual
Mesmo em áreas endémicas de malária,
podemos ter acesso à densidade
a anemia materna é uma complicação
parasitária e à morfologia dos parasitas.
muito frequente. A anemia relacionada
Utiliza-se uma gota espessa de sangue
com a malária está associada a
periférico para identificar baixos níveis
morbilidade e mortalidade maternas
de parasitas ou uma gota fina de sangue
significativas. [6]
para identificar parasitémias
Na malária grave a mãe poderá
significativas. [6]
apresentar para além da anemia,

10
Quando a microscopia não está se podem observar numa placenta
disponível, podem utilizar-se testes infetada pelo plasmodium. [4]
rápidos de diagnóstico (RDT). Estes É necessário recorrer à histologia da
testes, detetam os antigénios do placenta porque ainda não existe
plasmodium. nenhum marcador periférico de malária
A organização mundial de saúde refere placentária. [9]
que estes testes de diagnóstico rápido
(RDT- rapid diagnostic tests) têm uma TRATAMENTO (ver esquemas
sensibilidade igual ou superior a 95%. terapêuticos em anexo)
São testes fáceis de realizar (para alguns
basta uma picada no dedo), são baratos Para se iniciar o tratamento de uma
e como o próprio nome indica são grávida com malária, temos de
rápidos (sendo que os resultados ficam considerar vários aspetos: a gravidade
disponíveis em cerca de 2 a 15 da infeção tendo em conta o estado
minutos). Níveis de parasitémia baixos clinico da grávida - malária não
ou antigénios diferentes daqueles para complicada versus malária severa, o
os quais os testes estão programados, trimestre da gestação, a espécies de
podem originar falsos negativos. [6] plasmodium responsável pela infeção, o
Os resultados do diagnóstico padrão de segurança dos fármacos na
parasitológico (microscopia ou RDT’s) grávida com especial atenção às suas
devem estar disponíveis num curto contraindicações, [6,9] e se a grávida
período de tempo ( <2h ). [3] fez quimioprofilaxia. Não se devem
Os dois métodos acima mencionados descurar possíveis padrões de
detetam parasitas no sangue periférico. resistência aos antimaláricos de algumas
No entanto, por vezes, existe infeção regiões.
placentária sem parasitas na circulação Se foi efetuada profilaxia com um
periférica. Nestes casos, o diagnóstico antimalárico, o tratamento não deverá
definitivo só se faz através da anatomia ser feito com o mesmo fármaco. [3]
patológica da placenta, após o parto. A informação científica existente é
Inflamação, deposição de fibrina ou insuficiente quanto à segurança, eficácia
células inflamatórias, espessamento da e farmacocinética em relação à maioria
membrana basal do trofoblasto, são dos antimaláricos na gravidez,
algumas das alterações histológicas que

11
principalmente durante o primeiro estiver disponível poder-se-á realizar
trimestre. [3] monoterapia com quinino. Durante o
Considera-se malária não complicada uso do quinino a glicémia deve ser
quando uma paciente apresenta monitorizada porque este fármaco está
sintomas de malária, um teste associado a ocorrência de hipoglicémias
parasitológico positivo e ausência materna e fetal. Estes dois fármacos
critérios de malária severa. [3] proporcionam um tratamento seguro,
Considera-se malária severa na presença eficaz e com baixo custo. [3; 9]
de um ou mais dos seguintes: coma O quinino, a cloroquina, a clindamicina
(com a presença do score Glasgow < e o proguanil, são os fármacos
11), prostração, convulsões (mais de 2 antimalários considerados seguros no
episódios em 24h), acidose (déficit de primeiro trimestre de gravidez. [3]
base > 8 mEq/L ou bicarbonato < 15 Como alternativa à terapêutica de
mmol/L ou lactatos ≥ 5 mmol/L), primeira linha, temos a terapia
hipoglicémia (glucose < 40 mg/dL), combinada de artemisininas (ACT). No
anemia severa ( hemoglobina ≤ 5 g/dL), entanto, estes fármacos devem ser
insuficiência renal ( creatinina > evitados durante o primeiro trimestre da
3mg/dL ou ureia > 20 mmol/L), gravidez, exceto quando for
icterícia ( com bilirrubina sérica > 3 considerado life-saving, quando o
mg/dL), edema pulmonar (confirmado tratamento de primeira linha estiver
radiologicamente ou saturação oxigénio contraindicado ou não tenha sido eficaz.
< 92% e frequência respiratória > 30 A informação relativa à sua segurança
ciclos/minuto), hemorragia significativa no primeiro trimestre de gravidez ainda
(incluindo hemorragia recorrente ou é limitada. Segundo as guidelines da
prolongada da mucosa nasal, mucosa organização mundial de saúde, se numa
gengival ou local de punções venosas, grávida de primeiro trimestre se tiver
hematemeses ou melenas), choque ou efetuado terapêutica com artemisininas,
hiperparasitémia (parasitémia não existe necessidade de interrupção
plasmodium > 10%). [3] da gravidez por essa razão. [3]
Na malária por plasmodium falciparum No segundo e terceiro trimestres de
não complicada, no primeiro trimestre gravidez, para o tratamento da malaria
de gravidez, o tratamento deve ser feito não complicada a P. falciparum, deve-se
durante 7 dias com quinino e usar a terapia combinada com
clindamicina. Se a clindamicina não artemisininas (ACT) durante 3 dias.

12
As artemisininas de ação curta O uso de primaquina está
(dihidroartemisinina, artesunato, contraindicado na gravidez por ser
arteméter) reduzem de forma causa de anemia hemolítica nos
substancial o número de parasitas nos indivíduos com deficiência de glucose-
primeiros 3 dias do tratamento, 6-fosfato desidrogenase (G6PD); uma
enquanto que os fármacos de ação vez que se desconhece a situação fetal
prolongada (mefloquina, piperaquina, relativa a esta enzima.
lumefrantina, amodiaquina, No pós-parto o cloroquina pode ser
sulfadoxina-pirimetamina ou SP) substituída por primaquina, se se souber
eliminam os parasitas sobreviventes; a situação do latente e da mãe relativa à
prevenindo novas infeções e enzima G6PD. [3] A terapêutica
funcionando como “tratamento continuada até ao pós-parto tem por
profilático” enquanto a dose objetivo eliminar os esporozitos que
farmacológica se encontrar acima da permanecem “adormecidos” no fígado,
concentração mínima inibitória do responsáveis por possíveis reinfeções,
parasita. [10] O uso de artemisininas no características do plasmodium vivax.
segundo e terceiro trimestres de Na malária severa a P. falciparum a
gravidez é recomendável na medida em terapêutica deve ser feita com
que nenhum efeito adverso na mãe ou artesunato intravenoso ou intramuscular
no feto foi reportado. [3; 9] por pelo menos 24h ou até a grávida
Na malária associada ao P. vivax o tolerar via oral. Posteriormente, o
tratamento deve ser efetuado com tratamento deve ser completado com 3
cloroquina. Nas infeções com dias de ACT. Apesar de a segurança do
resistência à cloroquina o tratamento é artesunato no primeiro trimestre de
feito com ACT (exceto em grávidas de gravidez não estar bem estabelecido,
primeiro trimestre). Grávidas no considera-se que os benefícios provados
primeiro trimestre com infeções para a mãe ultrapassam qualquer efeito
resistentes à cloroquina, devem ser prejudicial para o feto.
tratadas com quinino. [3] Se o artesunato parentérico não estiver
O tratamento é feito com um bólus de disponível, deve-se utilizar arteméter
cloroquina. Dada a recorrência de intramuscular em preferência ao
infeção pelo P. vivax, deve ser quinino. [3]
considerada uma dose semanal de
cloroquina até ao período pós-parto. [3]

13
PROFILAXIA significativa a malária placentária;
verificou-se igualmente uma diminuição
A prevenção da malária é um ponto- do risco de baixo peso ao nascer e de
chave para a diminuição da infeção aborto. [9,11]
periférica e da placenta, evitando Uma grávida que vá viajar para zonas
consequências nefastas para a mãe e endémicas de malária deve fazer
para o feto. quimioprofilaxia com cloroquina ou
Em primeiro lugar, as grávidas devem mefloquina, de acordo com os padrões
ser desaconselhadas a viajar para zonas de sensibilidade e resistência dos
endémicas de malária até ao período fármacos no país para onde se irá
pós-parto. [6,9] Se tal não for possível, deslocar. [9] A quimioprofilaxia deve
devem adotar medidas para evitar a ser iniciada antes da viagem para a zona
picada do mosquito e devem efetuar endémica, para se criar tolerabilidade e
quimioprofilaxia. se atingirem doses terapêuticas. A
Tendo em conta que a mulher grávida terapêutica deverá ser mantida pelo
atrai duas vezes mais os mosquitos do menos 4 semanas após o regresso. [3]
que a mulher não grávida, [11] as Nas zonas endémicas de malária, a
medidas anti mosquito constituem um organização mundial de saúde
importante fator na redução da infeção. recomenda o tratamento preventivo
Existem medidas mecânicas e medidas intermitente com 3 doses de sulfadoxina
químicas. As espécies do mosquito e pirimetamina (SP-IPTp), durante a
Anopheles usualmente alimentam-se à gravidez das mulheres grávidas pela
noite e por isso a permanência em primeira ou segunda vez. A
espaços exteriores deve ser evitada administração de SP deve ser iniciada
desde o anoitecer até ao amanhecer. no segundo trimestre e as restantes
[8,10] As grávidas devem cobrir com doses devem ser dadas com pelo menos
roupa toda a pele exposta; devem um mês de intervalo; até completar pelo
aplicar repelentes para insetos menos três doses. [3]
(contendo DEET ou meta-N,N- O objetivo de se fazer em todas as
dietiloluamida em concentrações de 20 grávidas prende-se com o facto de poder
a 50% ou icaridina 20%) [5,10] e devem haver infeção placentária sem infeção
colocar redes mosquiteiras com periférica e com o facto de uma mulher
inseticida nas camas. Em África o uso com malária placentária poder ser
destas redes reduziu de forma assintomática. [6]

14
Anteriormente, defendia-se o tratamento peso ao nascimento aquando do uso de
intermitente apenas com duas doses mas mefloquina ou sulfadoxina e
as evidências atuais defendem o uso de pirimetamina. O estudo concluiu que os
pelo menos 3 doses. Numa meta-análise fármacos antimaláricos eram eficazes na
sobre a influência do uso de redução do baixo peso ao nascimento
antimálaricos na redução do baixo peso quando o padrão regional de resistência
ao nascimento, com o uso de pelo a esse fármaco era inferior a 10%. [12]
menos 3 doses de sulfadoxina e Apesar de as mulheres naturais e
pirimetamina em relação ao uso de duas residentes nos países endémicos irem
doses observou-se uma redução desenvolvendo uma imunidade natural
adicional de 25%. Comparando com o ao parasita, estas mulheres beneficiam
uso de cloroquina, o uso de sulfadoxina da utilização de quimioprofilaxia e das
e pirimetamina associou-se a uma medidas anti mosquito, diminuindo a
redução de 40% no risco de baixo peso incidência de anemia materna, de
ao nascimento. Por outro lado, não se malária placentária e de baixo peso ao
verificaram diferenças em relação ao nascimento. [9]

15
AGRADECIMENTOS

À Dra. Luísa Pinto, por me ter proporcionado as condições necessárias para a


elaboração da minha Tese. Expresso o meu profundo agradecimento pela orientação e
apoio prestados.

Aos meus amigos, por toda a amizade, partilha e companheirismo ao longo destes seis
anos. Tornaram os momentos maus, ultrapassáveis e fizeram com que os momentos
bons fossem saboreados da melhor forma possível.

Á minha família, o melhor de mim, um Obrigada não é suficiente para agradecer tudo o
que fazem diariamente por mim. Obrigada por acreditarem sempre em mim, por todo o
apoio, todos os ensinamentos, todo o amor e dedicação. As minhas conquistas são
também vossas.

16
BIBLIOGRAFIA

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9

18
ANEXOS

Tratamento da malária por P. falciparum não complicada no 1º


trimestre gestação

Quinino + Clindamicina ou Quinino 10 mg/Kg quinino + 10 mg/Kg


clindamicina
- 2 tomas ao dia, durante 7 dias
Tabela 1

Tratamento da malária por P. falciparum não complicada no 2º e 3º


trimestres de gestação

a) Arteméter + Lumefrantina
b) Artesunato + Amodiaquina
c) Artesunato + Mefloquina
d) Artesunato + SP (sulfadoxina-pirimetamina)
e) Dihidroartemisinina + piperaquina
Tabela 2- combinações de ACT

a) Arteméter + Lumefrantina
Peso ≥ 35Kg 80 mg+ 480 mg, 2 tomas ao dia, durante
3 dias (total 6 doses)
Tabela 3- Esquema terapêutico arteméter + lumefrantina

- As duas primeiras doses de arteméter + lumefrantina devem ser dadas idealmente com
8h de intervalo.

19
b) Artesunato + Amodiaquina

Peso ≥ 36 Kg 200 mg+ 540 mg, 1 toma por dia,


durante 3 dias
Tabela 4- Esquema terapêutico artesunato+ amodiaquina

- Estes antimalários estão associados a neutropenia, particularmente em pacientes co-


infetados com VHI e em especial nos pacientes a usar Zidovudina e/ou cotrimoxazol.
Devem portanto ser evitados nesses pacientes, a não ser que seja a única terapêutica
ACT disponível.

c) Artesunato + Mefloquina
Peso ≥ 30Kg 200mg + 440 mg, 1 toma diária,
durante 3 dias
Tabela 5- esquema terapêutico artesunato + mefloquina

- A mefloquina foi associada a um aumento da incidência de náuseas, vómitos,


distúrbios do sono; mas no geral é bem tolerada.
- O uso concomitante de mefloquina e rifampicina diminui a sua eficácia.

d) Artesunato + SP (sulfadoxina-pirimetamina)

Peso Artesunato (1 toma diária, Sulfadoxina/ Pirimetamina


durante 3 dias) (1 dose, durante 1 dia)
25 a < 50 Kg 100 mg 1000 mg/ 50 mg
≥ 50 Kg 200 mg 1500 mg/ 75 mg
Tabela 6- esquema terapêutico artesunato+ sp

- Esta combinação de ACT tem a desvantagem de não estar disponível em doses fixas
combinadas, implicando toma de 2 fármacos e com esquemas terapêuticos diferentes, o
que pode comprometer a adesão correta aos fármacos.

20
- Ácido fólico em doses iguais ou superiores a 5 mg diárias, diminui a eficácia da SP e
por isso não deve ser dado concomitantemente.

e) Dihidroartemisinina + Piperaquina

Peso Dihidroartemisinina + piperaquina


(toma diária, durante 3 dias)
36 kg a < 60 kg 120 mg + 960 mg
60 a < 80 Kg 160 mg + 1280 mg
> 80 Kg 200 mg + 1600 mg
Tabela 7-Esquema terapêutico dihidroartemisinina + piperaquina

Tratamento da malária não complicada por Plasmodium vivax

Cloroquina (dose inicial)


1º dia: 100 mg/Kg
2º dia: 100 mg/Kg
3º dia: 5 mg/Kg
Tabela 8

- Dada a recorrência de infeção pelo P. vivax, deve ser considerada uma dose semanal
de cloroquina até ao período pós-parto.

Tratamento malária severa


(EV ou IM)

1ª linha: Artesunato 2.4 mg/kg/ dose


2ª linha: Arteméter 3.2 mg/Kg dose inicial, IM;
manutenção diária: 1.6 mg/Kg IM

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3ª linha: Quinino 20 mg/Kg;
dose manutenção: 10 mg/Kg em
intervalos de 8h
Tabela 9

- A administração intravenosa de quinino é perigosa. Cada dose deve ser administrada


lentamente e de forma controlada (usualmente diluída em 5% de dextrose e infundida
em 4h).

22

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