Captura de Ecrã 2022-09-19 À(s) 09.44.25

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 21

Direito Angolano

Este Blogue foi criado para ser um espaço de publicação e debate sobre o essencial do
nosso conhecimento jurídico. Este é um lugar onde a dúvida reina e inovar os conteúdos
que encontramos nos manuais que estão disponíveis é um dever, por isso, erraremos
muitas vezes, o que nos é preferível à não tentarmos.

Direito Processual Penal ▼

Direito Processual Penal

Resumo de direito processual penal

Armindo Moisés Kasesa Chimuco[1]

Baseado no Livro: Direito Processual Penal – Noções Fundamentais do Prof. Vasco A. Grandão
Ramos. E nos apontamentos feitos das Aulas por ele ministradas no ano Lectivo 2011

Introdução

Este Trabalho surge como uma forma de gratificação ao Professor Grandão Ramos.

Apesar de reconhecermos a sinteticidade e a objectividade das lições de Direito Processual Penal


que nos têm servido de base de estudo, entendemos ser útil sintetizar ainda mais e oferecer aos

estudantes do 4.º ano de Direito em Angola um meio acessível de aceder à cidadela jurídica do
processo penal.

Este trabalho poderá conter eventuais erros e como não podia deixar de ser será periódicamente
complementado e corrigido.

Contudo, esperamos reação dos seres pensantes que a este texto acederem.
Capítulo I
Noções Gerais

1. Noção de Direito Processual Penal. Direito Processual Penal e

Direito Penal

1.1. Noção de Direito Processual Penal

O Direito Processual Penal é o sistema de normas ou regras jurídicas que regulam a


aplicação do direito penal aos comportamentos delituosos, submetidos a apreciação do dos
tribunais. É o conjunto de normas que regulam o processo penal.
O processo penal é o conjunto de actos e actividades que têm por fim aplicar, pela
individualização da medida penal, o direito penal substantivo, tendo em vista o restabelecimento
da ordem pública ofendida por comportamentos humanos, legalmente definidos como crimes.

É no processo penal que se procede à investigação necessária para a verificação da


existência ou não do crime, se certos factos apurados constituem ou não crime, quem os praticou,
em que circunstâncias, porque e qual é o grau de responsabilidade dos seus agentes.

O processo penal é um processo dinâmico, pela sua forma (encadeamento de actos) e


pela sua intenção ou finalidade: uma decisão judicial, aparecendo como síntese das posições
contrárias: acusação e defesa), traduza a convicção livre do Juiz formada através de uma
actividade que se desenvolve de uma forma dialéctica.

Como diz o Prof. Castanheira Neves, o processo penal é a forma juridicamente válida da
jurisdição criminal. Jurisdição é o poder de julgar e constitui a dimensão material do processo
penal e o processo é o momento ou a dimensão formal da jurisdição.

O processo penal é o conjunto de normas jurídicas que regulam e disciplinam o a


jurisdição e o processo penais, determinando o modo preciso de actuação, em cada caso e em cada
momento concreto, dos sujeitos processuais e dos restantes participantes no processo.

1.2. Direito Processual Penal e Direito Penal

O direito processual penal é o instrumento de realização do direito penal, que não é um


ramo de aplicação directa.

Sem o direito processual penal, o direito penal não poderia realizar-se e aplicar-se aos
factos concretos da vida de relação em função da qual ou para a disciplina da qual existe.

No direito penal, a pena só pode ser aplicada mediante a instauração de um processo e


por decisão jurisdicional, isto é, por decisão do tribunal. A justiça penal é monopólio do Estado
(princípio do monopólio estadual da função jurisdicional), que a exercerá exclusivamente

mediante o processo penal regulado pelo direito processual penal (nulla poena sine judicio nulla
poena sine processu). O monopólio estadual e da jurisdição penal e a necessidade absoluta de o
fazer mediante um processo regulado são as duas dimensões do princípio da jurisdição.

Direito penal e direito processual penal são ramos de direito complementares,


constituídos ambos em unidade jurídica, dominada pelo mesmo fim: a protecção e a defesa dos
valores fundamentais da ordem jurídico-política, económica e social do Estado. O direito
processual surge assim como a dimensão formal ou forma de um direito penal global, é um direito

formal, adjectivo, instrumental ou subordinado, enquanto o direito penal é material e substantivo.


O processo penal é necessário e pressuposto necessário à realização do direito penal, conservando
porém a sua autonomia, pois tem objecto, características e princípios específicos distintos do
direito penal.

Há normas de direito processual penal cuja natureza se discute: possuem natureza mista:
simultaneamente substantiva e adjectiva e normas que estão na fronteira entre estes dois ramos de
direito.

Dai que o direito penal e direito processual penal se influenciem reciprocamente.

2. Traços gerais da evolução histórica da justiça penal: o

período da Vingança e da Justiça Privadas: o Período da Justiça


Pública

2.1. O Período da Vingança e da Justiça privadas

Nas sociedades primitivas não havia direito material em sentido técnico-jurídico


rigoroso, por conseguinte não havia regras de processo, tribunais nem justiça institucionalizada
como a actual. Naquela altura, a justiça, sempre que o ofendido se julgava em condições de a
aplicar, fazia-se por reacção instintiva, retaliação, ódio ou vingança, sempre a título privado em
sistema de auto-tutela, era uma questão individual.

Numa fase posterior, mas ainda primitiva, surgiu a justiça familiar, mais tarde a do clã: os
membros da família encontravam-se tão intrinsecamente ligados por laços de solidariedade,
governada por regras de trato social orais aceites tradicionalmente pelo grupo, no qual se sentiam
todos iguais, com uma origem comum responsáveis pela convivência social e pela conduta de
todos, destacando-se entre eles o patriarca ou chefe do clã que estabelecia o poder na base de uma
autoridade ético assente no prestígio ganho a custa do seu valor pessoal, da sua destreza na guerra

ou na sua identificação perfeita com a comunidade.

Sendo a sociedade, do tipo comunista primitivo, a justiça era uma tarefa simples, e as
principais ofensas consistiam em ofensa aos interesses colectivos: aos bens comuns, a morte de
um parente, etc. E as punições podiam ser a expulsão com ou sem desonra do grupo, deixando o

indivíduo socialmente desprotegido e eventualmente com pena de morte. Usava-se naquela altura
um processo presidido pelo chefe do clã, público, sumário e oral, solicitado contra o infractor à
regras costumeiras da comunidade, o qual passou a ser usado depois para faltas menos graves.

A vingança privada, porém, em prejuízo da justiça aplicada pelo chefe do clã, em função
do crescimento económico e da sociedade em geral e da passagem a novas formas de organização
social (esclavagismo) que favoreceram o enfraquecimento do poder das pequenas comunidades e
consequentemente dos seus chefes, combinado com a falta de organização das novas potências
sociais, afirmou-se como a forma habitual de reacção às ofensas sofridas. A vingança era um
direito para a vítima e a sua família e era um dever imperativo para com os seus. A vingança era
considerada justa, natural aceite pela ética. A vingança pela morte de um familiar a qual se
operava pela morte de um membro da família do ofensor ou do próprio ofensor, era chamada a
vingança de sangue.

Por solidariedade activa ou passiva a vingança tornou-se numa questão entre clãs e se não
satisfeita tempestivamente degenerava-se em guerras abertas (em que tudo valia mesmo os meios
mais reprováveis).

A vingança privada constituía uma garantia sumária de manutenção da ordem social, nas
relações entre clãs, pois que o temor a vingança prevenia o cometimento de crimes ou em alguns
casos os clãs expulsavam o seu membro ofensor ou ainda o entregavam ao clã ofendido para que
se cumpra a vingança (tida como justiça).

O aparecimento e a afirmação do Estado como organização política associado ao


desgaste provocado pelas lutas e as necessidades criadas pelo desenvolvimento económico e
social que fez recuarem a vingança privada, dando origem a novas fórmulas de resolução de
conflitos: indemnizações e resgate de castigo através de mercadorias e bens entre famílias e clãs
ofendidos e ofensores.

O fortalecimento do Estado, em detrimento do poder e coesão das famílias e dos clãs os


quais em números indeterminados passaram a integrar o Estado, permitiu ao Estado o controle
relativo da repressão e a consequente passagem da fase da vingança privada para a fase da justiça
privada ou da repressão organizada.

Nesta nova fase, a vingança manteve-se, mas passou a ser controlada pelo poder: só era
permitida em determinadas condições e determinados lugares (tendo sido definidos lugares de
asilo), reconhecida a certas pessoas, diferindo o seu regime em função da natureza voluntaria ou
involuntária da ofensa; criaram-se mecanismos para limitar legalmente a vingança.

Esta fase era ainda marcada pelas seguintes instituições:

i. A composição pecuniária –

Passava pela entrega de dinheiro ou de bens de produção pelo ofensor ao ofendido. Era o preço
acordado e pago ao vingador para renunciar a vingança. No princípio era voluntária, mas com o
tempo passou a ser tarifada e antecipadamente estabelecida, sobretudo na fase da justiça pública,
substituiu a werhgeld (vingança de sangue), por isso é tida como uma das mais importantes
instituições deste período. Atingia em certos casos, somas que o ofensor não podia pagar, facto
que incitava a manifestação da solidariedade familiar que reunia a quantia necessária.

ii. O Abandono Noxal –

O agressor era expulso da comunidade por decisão colectiva tomada pela família ou pelo seu
chefe com o consentimento da família, ou entregue ao grupo social a que pertencesse o ofendido,
podendo este grupo submetê-lo a escravatura ou até mesmo matá-lo, livrando assim a sua família
da vingança.

iii. O Talião –
Tida como uma das instituições mais importantes do período da vingança privada, ao lado da
composição pecuniária, pois surge para limitar a vingança à medida da ofensa, individualizando

assim a pena, facto que levou o poder a protegê-la, ainda que impondo-lhe frequentes e diversos
limites.

É uma instituição já citada na Bíblia e no Corão, era generalizada e a podemos encontrar em

muitos sistemas de justiça antigos. O seu conteúdo é traduzido na expressão «olho por olho e
dente por dente».

iv. Os Co-jurados ou cojuradores –

Por esta instituição se permitia ao acusado que provasse a sua inocência por intermédio dos

amigos e familiares que juravam com ele a sua inocência e o valor da sua palavra, sendo,
entretanto variável o número de jurados: no direito franco a regra era de 24, havendo casos

excepcionais como o da rainha Fredegunda acusada de adultério em que co-juraram 300


cavaleiros[2].

v. O Combate Judiciário –

Consistia na limitação da vingança de sangue e da guerra entre as famílias ofendida e a ofensora a


um combate entre duas pessoas, representantes de cada uma delas.

Deste diferem os ordálios bilaterais ou duelo judiciário.

O ordálio foi um meio usado (e em alguns casos ainda é usado: em meios tradicionais), por em

todo o mundo que consistia na submissão do suspeito ou acusado a uma prova conhecida como
juízo de Deus quase sempre de resultados aleatórios que revelaria a culpa ou a inocência daquele

que a ele fosse submetido. Os ordálios variam de época em época e de região em região.
Consistiam as vezes na ingestão de bebidas venenosas ou numa prova de fogo, ou ainda pela

submersão do suspeito com as mãos e pés atados, e a sua inocência era determinada pela sua
sobrevivência da submersão, ou a ingestão do veneno ou da sua cura das queimaduras.

2.2. O Período Da Justiça Pública


A justiça só se tornará pública no momento em que o Estado tomar nas suas mãos a direcção da
repressão e a organizar de tal modo que ela tenha por fim a reparação do dano social e quando a

parte particular for relegada a um plano tão acessório que o processo penal possa correr sem que a
sua intervenção seja indispensável.[3]

O sistema da justiça pública é caracterizado pelos seguintes princípios:

i. Princípio Da Função Social Da Pena

A repressão criminal é uma função da sociedade e ao pena meio daquela repressão, tem
por objectivo a reparação do dano social causado a sociedade pelo crime que é por natureza e por

definição um comportamento que ofende e/ou põe em perigo interesses sociais;

ii. Princípio do Monopólio do Estado

A justiça através da qual se aplica a pena é exercida obrigatoriamente pelo Estado;


ninguém pode fazer justiça por suas próprias mãos. Este princípio tem o seguinte conteúdo:

· A função de julgar tem de ser necessariamente exercida mediante um processo

regulado por normas jurídicas, isto é, só através do processo é legítimo ao Estado fazer justiça:
Princípio Nulla poena sine processu.

3. SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS: O PROCESSO ACUSATÓRIO E O


PROCESSO INQUISITÓRIO. EVOLUÇÃO DOS DOIS TIPOS DE PROCESSO.

PROCESSO MISTO.O PROCESSO EM ANGOLA: AS FASES DO PROCESSO

(DESCRIÇÃO SUMÁRIA).

3.1. Sistemas Processuais Penais: O Processo Acusatório E O Processo Inquisitório.

Evolução Histórica Dos Dois Tipos De Processos

Com o exercício público da justiça penal ou com o exercício da justiça penal pelo Estado,
o processo penal ganhou maior relevância, pela importância atingida pelas actividades de
investigação, de recolha de provas, de determinação da culpa em fim de todas as actividades

tendentes a verificação dos pressupostos da aplicabilidade das penas realizando nos casos

concretos o direito penal substantivo.

As diferentes formas de desenvolvimento, características e estrutura com que se

identifica o processo penal permitem dividi-lo em dois tipos diferentes: o processo do tipo

acusatório e o processo do tipo inquisitório.

3.1.1. O Processo Do Acusatório

É assim chamado por começar com a acusação.

Na sua versão primitiva, o ofendido apresentava o criminoso perante o tribunal e

acusava-o de viva voz. No princípio o acusador era o ofendido, com o passar do tempo a acusação
passou a ser feita pelo povo directamente ou por um representante seu. Nos tempos modernos o

Estado criou um órgão para este fim: o Ministério Público atribuindo-lhe a titularidade da acção
penal.

Deduzida a acusação, o tribunal geralmente colectivo, ouvia o acusado e recolhia as

provas apresentadas por cada uma das partes: acusado e acusador estavam perante o tribunal em
posição de perfeita igualdade, e o tribunal limitava-se a ouvi-las e apreciar as provas que as partes

apresentavam e a decidir, como um árbitro objectivo, imparcial e justo.

As partes dado o seu papel constitutivo no processo penal podiam influenciar o rumo do
processo.

O juiz era passivo e sem iniciativa em relação a investigação. O processo era quanto a

forma regido pelos princípios da oralidade, da publicidade e da contraditoriedade.

A apreciação da prova era livre e a sentença fazia caso julgado. Presumindo-se sempre a
inocência do acusado este tipo de processo, quase desconhece a prisão preventiva.

3.1.2. O processo inquisitório

Começa com a fase da investigação, dirigida por um juiz, com vínculos estreitos ao
Estado, o qual representava e de quem dependia. Investigação, com frequência começava com

base numa denúncia secreta, precedia a acusação deduzida pelo juiz investigante oficiosamente, o
qual, na forma mais primitiva do processo inquisitório, sequencialmente procedia ao julgamento.

Assim as funções de investigar, instruir, acusar e julgar estavam reunidas na mesma entidade.

Desaparecia o direito de defesa, o réu não tem qualquer direito e não pode influenciar o
rumo do processo.

Quanto a forma o processo é escrito e secreto. A prova era legalmente tarifada, dando-se

maior relevância probatória a confissão, tida como rainha das provas e obtida mediante torturas e
a sentença não fazia caso julgado. A regra era a prisão preventiva, dada a mera denuncia fazer

presumir a culpa do denunciado.

3.1.3. Evolução Histórica Dos Dois Tipos de Processo

Se atentarmos bem nas características do processo acusatório, haverá que concluir ter
sido ele o primeiro a surgir na história das instituições judiciárias, remontando a um período

anterior ao da justiça privada, momento em que a justiça era privada, tendo o poder se limitado a
estabelecer regras para a contenção e controlo da vingança privada.

O processo acusatório na fase da justiça pública, manifestou-se em Atenas, com o

princípio da acusação popular e afirmou-se no direito romano, entre o fim da república até ao
império, com as suas quaestiones que começaram a aplicar-se apenas a certos crimes, passando a

abarcar a todos delitos públicos, na dinastia de Augusto.

Neste tipo de processo era necessário que um cidadão (acusator) em nome do povo,
acusasse o arguido. As partes interessadas alegavam oral e publicamente e produziam provas. A

questão era decidida por uma assembleia ou júri (quaestio perpetua), presidida pelo pretor (sem
direito a voto), na base da convicção de cada um dos membros, pois o voto era secreto. Era um

sistema acusatório puro, pois havia uma manifesta separação entre a acusação, a defesa e o
julgador e a publicidade, a oralidade, e a igualdade entre acusador e réu perante um ju8iz

imparcial, disciplinam o processo (Barreiros, ob.cit., 19). Na época do império, a jurisdição


passou para o imperador que a exercia directamente ou por representantes seus sem quaisquer

limites: tendo os magistrados sido equipados com poderes de instrução, com a tortura como
prática usual e geral. O processo penal romano evoluiu assim para um processo do tipo

inquisitório, cuja vigência foi suspensa aquando da conquista do império pelos povos bárbaros
(germanos, bárbaros, franceses visigodos, dentre tantos) os quais tinham um processo penal com

características acentuadamente acusatórias. Todavia, a suspensão foi em momentos posteriores a

conquista levantada, tendo o processo do tipo inquisitório se governado de modo absoluto o auge
da idade média europeia ( séc. XVII e XVIII) e aos alvores do século XIX, por influência da igreja

Católica e do direito canónico, o qual definia um processo penal essencialmente inquisitório, ao


qual se denominava inquisição, contemplando no início uma série de regras que constituíam uma

relativa garantia para os acusados. Durante o Pontificado de Bonifácio VIII se transformou num
processo inquisitório puro.

O processo começava com um denúncia geralmente anónima, ou rumor público

oficiosamente. O processo era secreto e escrito. O arguido era totalmente desinformado em


matéria relativa ao conteúdo da sua infracção, a identidade dos denunciante e testemunhas, sendo

obrigado a se defender às cegas. A confissão era a rainha das provas e era geralmente obtida sob
tortura extrema. O julgamento era secreto e ao réu não se reconhecia o direito de defesa, sendo

obrigado a aceitar o defensor «fantoche» que lhe era oferecido pelo tribunal.

Presumia-se a culpa do acusado o que permite a sua salvação da condenação apenas pela
impossível prova da sua inocência. Este tipo de processo influenciou decisivamente o processo

penal e serviu magnificamente aos monarcas absolutos para defenderem os seus omnímodos
poderes, como diz Prieto Morales. O processo do tipo inquisitório é ligado ao despotismo político

e ao fanatismo religioso.

Este tipo de processo reinou ao serviço do poder central e absoluto dos reis, mantendo as
suas características inalteradas: predomínio da investigação, e acusação oficiosas, acumulação das

funções de investigar e de julgar no mesmo magistrado, instrução escrita, sobrevalorização da


confissão como meio de prova, controlo estadual da prova, uso da tortura, uso e abuso das
presunções e das provas legais, na Europa até nos finais do séc. XVIII, com excepção da

Inglaterra, onde o processo apresentava e apresenta características do processo do tipo


acusatório[4].

Foi este processo que os precursores da revolução francesa propuseram como o modelo

de justiça democrática.

3.2. O processo misto

O Acusatório, porém, muito cedo, manifestou-se como excessivamente liberal para os


revolucionários, e inadequado à protecção dos interesses do nascente Estado burguês, sendo

acusado de favorecer excessivamente os criminosos e estar na origem do alarmante aumento da


criminalidade.

Entenderam, por isso, adoptar um sistema que, sem grave diminuição das garantias individuais do

acusado, maxime do direito de defesa, repelisse com êxitos as investidas contra os interesses e
valores fundamentais da nova sociedade, reduzindo o índice da criminalidade.

Surgiu, assim, incorporado no Code de Instruction criminelle de França em 1811, o sistema misto,

também denominado sistema napoleónico. Este processo era caracterizado por ser um processo do
tipo inquisitório na fase da instrução preparatória, secreta, escrita e acusatório na fase de

julgamento, pública, oral e contraditória. E as duas fases não são presididas pela mesma entidade.

É hoje o sistema dominante em quase todo mundo, incluindo em países socialistas, verbi gratia:
Cuba, como em cuba sendo apenas de realçar que nestes pela participação popular na

administração os tribunais são todos colectivos, sendo compostos por um juízes juristas e leigos.
[5]

A evolução do processo penal está intimamente ligada ao reforço ou à diminuição da

autoridade do Estado e a importância reconhecida aos cidadãos dentro do Estado. Quanto mais a
autoridade do Estado se reforço maior é a tendência inquisitória do processo penal. E, quanto

maior a importância do cidadão para o Estado, maior será a tendência acusatória do processo
penal.
Contudo, o processo do tipo inquisitório é um instrumento perfeito para a defesa dos

interesses do Estado autoritário e totalitário, em prejuízo dos direitos processuais do acusado. E o


processo do tipo acusatório é um processo virado a protecção dos direitos tanto ofendido como do
ofensor, assegurando a igualdade processual, a realização da justiça material. E, as formas de

processo misto reflectem também, a maneira como o Estado se organiza, e o papel que os

cidadãos desempenham dentro dele. Variando o seu predomínio de acusatório a inquisitório

consoante se atribua maior relevância para os interesses totalitários do Estado ou aos direitos
fundamentais do cidadão. Com a democratização do mundo, nas últimas décadas, há uma

tendência cada vez maior, da adopção de sistemas mistos com tendência acusatória, mas com

largos poderes de investigação concedidos quer na fase inicial aos agentes de instrução, quer aos

juízes da causa, na fase de julgamento.

3.3. O Processo Penal em Angola. Fases do processo: descrição sumária.

É misto o tipo de processo instituído pela legislação penal angolana:

Uma fase de investigação e recolha de prova (instrução), chamada fase de pré-processo da

instrução preparatória, ou ainda da formação do corpo de delito, complementada por uma subfase

de instrução contraditória.

Uma fase de julgamento, presidida pelo Juiz, a que corresponde o processo principal, na qual se

procede a aplicação do direito substantivo, pela imposição da pena ao autor do crime.

E, uma fase da execução da pena cominada pela sentença condenatória.

Na fase de instrução preparatória, presidida pelo Ministério público (…), é secreta, escrita.

A execução das penas é da competência exclusiva dos órgãos de administração penitenciária,

integrada no Ministério do interior (Lei nº 12/78), salvo no que toca a resolução de questões sobre

o início, duração, suspensão da pena, extinção da responsabilidade penal e conversão da pena de

prisão, que são da competência do juiz (artigos 625º e 628º do CPP).

Em alguns casos surge a necessidade de reapreciação da pena, em função da perigosidade social e

criminal, visando agravar ou reduzir a pena, em processos de segurança e processos de libertação


condicional ( arts. 43º e 44º da Lei nº 20/88 de 31 de Dezembro).

A fase da instrução do processo pode ser dividida em duas sub-fases: fase da instrução
preparatória ou corpo de delito e a fase da instrução contraditória.

O processo penal começa com a notícia ou conhecimento da infracção. Conhecimento que se

basta com a simples suspeita da existência da infracção. Sendo assim, este conhecimento, a base
de um Juízo de suspeita, de que se cometeu um crime e de certa pessoa o cometeu. O Juízo de

suspeita preside a instrução preparatória, caracterizada por um conjunto de actividades, oficiosas,

realizadas no sentido de confirmar a suspeita inicial e reunir provas sobre a existência do crime e a

identidade do seu agente e a sua forma de participação no crime. Se a por falta ou insuficiência de
prova a suspeita não se confirma, o processo fica a aguardar pela produção de melhor prova ou

arquivado.

Com a confirmação da suspeita, na fase da instrução preparatória, o Ministério público, deduz a


acusação.

Acusação esta, que é uma manifestação de um juízo de probabilidade. Através dela o processo é

introduzido em juízo e assume a natureza de processo judicial, tão logo o juiz confirme o juízo de
probabilidade, pronunciando o acusado.

O despacho de pronúncia é a confirmação pelo juiz do juízo de probabilidade sobre a existência

real do crime e da pessoa do arguido e põe termo a fase da instrução (art. 365º CPP).

Havendo necessidade de se proceder a novas diligencias de provas e de complementar a

investigação e a instrução dirigida pelo Ministério publico, abre-se, oficiosamente, a requerimento

da acusação ou a requerimento da defesa, uma nova fase, chamada instrução contraditória,


presidida pelo Juiz (…), sendo estruturalmente uma fase de partes, semipública, tendo o arguido

contra o Ministério Público, na realização das diligências e recolha de provas.

Com o despacho de pronúncia definitivo, isto é depois da instrução contraditória,


quando tiver lugar, começa a fase do julgamento pela qual se transformará o juízo de

probabilidade em juízo de certeza, através de uma decisão, que considerando a verificação ou não
da infracção penal, aplique ao réu a sanção prevista na lei.

A essa decisão pode se recorrer para uma instância judicial superior, gerando uma nova fase, a
fase dos recursos.

[1] Estudante do 4º Ano da FDUAN. Licenciado no ano Lectivo 2012

[2] V. Dr. José A. Barreiros, in Processo Penal – I fls 24

[3] Palavras de G. Stefani , G. Levasser e B. Bouloc

[4]O processo penal inglês, possui duas partes, uma de cada lado, em situação de
absoluta igualdade, que discutem contraditoriamente a lide perante um juiz passivo, mas
atento. A acção penal é do povo, sendo exercida pela polícia, agindo como um simples
particular. Mesmo se passa nos Estados Unidos de América , sendo apenas de realçar
que naquele país , a acção penal é pública, sendo exercida pelos attorneys, que
representam o Estado (A. Barreiros, Ob. Cit. Página 104 e Seguintes.

[5] Para maiores desenvolvimentos sobre o sistema do tipo socialista vide Direito

Processual Penal – Noções Fundamentais, Grandão Ramos, Página 32).

27 comentários:

Anónimo 2 de outubro de 2015 às 08:55


não pude fazer a leitura e interpretação completa do vosso trabalho, todavia, é curial aqui
deixar o meu incentivo, sigam firme na direcção das vossas metas. porque o pensamento
cria, o desejo atrai, e a fé realiza, quero com isto dizer que colocam sempre Deus na frente
de tudo e todos. bem haja. José Ferreira (1º ano Dtº Universidade Metodista)
Responder

Respostas

Macklion Waters Chimuco 3 de outubro de 2016 às 20:40


Muito obrigado.

Responder
Dandara Baçã 19 de agosto de 2016 às 18:21
Muito bom poder ver que o direito processual angolano se assemelha tanto ao brasileiro.
Muito bom poder ter essa proximidade processual
Responder

Respostas

Macklion Waters Chimuco 3 de outubro de 2016 às 20:43


Pois é.

Somos muito idênticos em muitos aspectos.

Especialmente em aspectos jurídicos.

Responder

Dandara Baçã 19 de agosto de 2016 às 18:22


Muito bom poder ver que o direito processual angolano se assemelha tanto ao brasileiro.
Muito bom poder ter essa proximidade processual
Responder

Ernesto Mbili Cordeiro 16 de abril de 2017 às 10:34


Gostei de ver e ler. Forc
Responder

Respostas

Macklion Waters Chimuco 11 de maio de 2019 às 13:42


Obrigado.

Responder

Ernesto Mbili Cordeiro 16 de abril de 2017 às 11:20


Gostei de ver e ler. Forc
Responder
Anónimo 13 de junho de 2017 às 13:32
Prezados, foi bom ler alguns trechos do vosso escrito. Não tenho nenhuma crítica pelo
contrario dou o meus parabéns pela iniciativa, aproveitei o máximo, pude aproveitar saber um
pouquinho da justiça material.
Responder

Respostas

Macklion Waters Chimuco 11 de maio de 2019 às 13:43


Muito obrigado Ilustre.

Responder

Unknown 18 de julho de 2018 às 19:36


Muito bom, Dr! Espero ler com mais profundidade, desde já, meus agradecimentos pela
matéria. Muita força!
Responder

Respostas

Macklion Waters Chimuco 11 de maio de 2019 às 13:44


Muito obrigado Ilustre.

Responder

Eduardo Pedro Dadivaldo 27 de novembro de 2018 às 09:28


Excelente abordagem força.
Responder

Respostas

Macklion Waters Chimuco 11 de maio de 2019 às 13:45


Obrigado.

Responder

Unknown 30 de novembro de 2018 às 11:57


O post ajudou me a matar algumas duvidas que eu tinha concernente ao Direito Processual
Angolano. Continue ensinando, pois, será sempre um prazer aprender convosco, sempre
digo, MUITO OBRIGADO!
Responder

Respostas

Macklion Waters Chimuco 11 de maio de 2019 às 13:46


Vamos procurar continuar a ser úteis. Agradecemos.

Responder

Unknown 9 de abril de 2019 às 08:38


Muito forte, foi bem esmiuçado...
Responder

Respostas

Macklion Waters Chimuco 11 de maio de 2019 às 13:47


Muito obrigado.

Responder

Unknown 11 de abril de 2019 às 15:32


Prezados, foi ter lido na sua íntegra este post,muitas dúvidas foram dissipadas, espero que
continuem nesta trilha.
Responder

Respostas

Macklion Waters Chimuco 11 de maio de 2019 às 13:48


Procuraremos nos manter nela. Obrigado.

Responder

Lyzzy Antunes 10 de maio de 2019 às 20:44


Votos de uma boa noite ilustres!
Grata Estou por ler uma matéria do meu inteiro interesse.
Ora bem!
Uma questão...
Como é verificada a nulidade em processo penal Angolano.
Responder

Respostas

Macklion Waters Chimuco 11 de maio de 2019 às 13:41


Nós agradecemos a vossa leitura. Esperamos que tenhamos percebido a Vossa
Pergunta, nomeadamente, que quer saber de que modo se nota que há nulidade
no processo.
Existem determinadas inobservâncias ou violações da lei processual penal em
Angola que o legislador angolano considera nulidade. Basta que se verifique uma
das violações consideradas nulidades, verifica-se igualmente a nulidade. A
nulidade, nos termos da lei processual penal, pode ser invocada por qualquer uma
das partes ou apreciada oficiosamente ou por iniciatuva do Tribunal e, na maioria
dos casos, importa a nulidade do acto praticado em violação das normas da lei
processual e os actos seguintes.

Responder

Unknown 6 de junho de 2019 às 14:35


PREZADOS, FELICITAÇÕES POR ESTÁ MAGNIFICA AULA. PODEMOS REFLETIR
PROFUNDAMENTE SOBRE DIREITO E PROCESSO PENAL ANGOLANO. CONTINUEM
ASSIM. OBRIGADO!
Responder

Unknown 24 de agosto de 2019 às 12:48


Obrigada pela ajuda,rico material que haja mais disponibilidade em divulgar matérias jurídicas
em função da escassez de materiais angolano
Responder

Unknown 18 de setembro de 2020 às 03:06


Pude esclarecer algumas dúvidas sobre esta máteria que muito me interessa

Obrigada por disponibilizar esta matéria e que venham mais .

Os meus cumprimentos.
Responder
Métson 23 de novembro de 2020 às 20:37
Eu preciso do material completo. Será que é possível fazer a gentileza de publicá-lo?
Por favor.
Responder

JFN Liberdade e Liberalidade 8 de janeiro de 2021 às 09:00


Obrigado ilustre pelo material... Desejo forças e muita garra.
Responder

Introduza o seu comentário...

Comentar como: Conta do Google

Publicar Pré-visualizar

Página inicial

Ver a versão da Web

Acerca de mim
Macklion Waters Chimuco
Luanda, Luanda, Angola
Armindo Moisés Kasesa Chimuco Telemóveis: +244926237411, +244914252974 E-mail:
kasesachimuco@gmail.com Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de
Coimbra de 2013 a 2015. Licenciado em Direito no Ano Lectivo 2012 pela Faculdade de Direito
da Universidade Agostinho Neto em Luanda Secundário em Ciências Sociais, pelo Colégio
Adventista do Sétimo Dia do Huambo; Curso Básico de informática na óptica do Utilizador Domina:
Português: Falado e Escrito Fluentemente Inglês: Falado e Escrito Fluentemente Umbundu:
Escrito e Falado Fluentemente Francês: Conhecimentos Básicos É Advogado-Estagiário; Foi
Docente na Universidade José Eduardo dos Santos em regime de colaboração; Colaborador do Centro
de Pesquisa em Políticas Públicas e Governação Local da Universidade Agostinho Neto; Foi Paralegal
da Ckadvogados de Setembro de 2011 a Março de 2013.
Ver o meu perfil completo
Com tecnologia do Blogger.

Você também pode gostar