Sociologia Contemporânea

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SOCIOLOGIA

CONTEMPORÂNEA

Pablo Rodrigo Bes


Minorias sociais
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Definir estigmatização, discriminação, desigualdade e resistência.


 Analisar a relação de poder em genocídios, etnocídios, violência de
gênero e de sexualidade.
 Reconhecer os movimentos que reivindicam os direitos das minorias
sociais: movimento feminista, LGBTT, saúde mental e movimento
negro.

Introdução
Na sociedade contemporânea, pelas mais diversas razões, indivíduos
que não correspondem ao padrão podem ser estigmatizados, marcados
de forma pejorativa e deficitária. Além disso, tendem a ser discrimina-
dos por viverem em condições desiguais. A desigualdade, por sua vez,
normalmente associada com a economia, também deve ser analisada
enquanto produção social. A discriminação e o estigma associam-se com
o ódio e com crimes contra identidades culturais diversas, promovendo
violência e morte. Para que possam usufruir dos mesmos direitos e viver
com qualidade, diversos grupos culturais minoritários organizam-se e, de
forma coletiva, resistem e conquistam seu espaço de afirmação identitária
no Brasil e no mundo.
Neste capítulo, você vai estudar a estigmatização, a discriminação, a
desigualdade e a resistência proposta pelos grupos diversos da norma.
Também vai conhecer dados sobre as diferenças nas relações de poder
existentes no Brasil e ver como a violência tem perpassado a sociedade.
Além disso, você vai conhecer alguns dos movimentos sociais que atuam
hoje no Brasil: movimento feminista, movimento Lésbicas, Gays, Bissexuais,
Transexuais e Travestis (LGBTT), saúde mental e movimento negro.
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Desigualdade, estigmatização,
discriminação e resistência
Antes de estudar esses conceitos tão importantes para a análise sociológica
contemporânea, você deve conhecer outro conceito. Ele servirá de base para
você entender o funcionamento do mundo e a produção de conceitos e modos
de vida no interior das sociedades. É o conceito de cultura. O termo cultura
pode ser utilizado “[...] para se referir a tudo o que seja característico sobre
o ‘modo de vida’ de um povo, de uma comunidade, de uma nação ou de um
grupo social [...]” (HALL, 2016, p. 19). Essa definição é importante porque
envolve os mais variados aspectos antropológicos e sociológicos presentes
na cultura, não a restringindo unicamente a “[...] um conjunto de coisas —
romances e pinturas ou programas de TV e histórias em quadrinhos — mas
sim um conjunto de práticas [...]” (HALL, 2016, p. 20).
Logo, os indivíduos que partilham da mesma cultura tendem a apresentar
uma interpretação de mundo semelhante, uma leitura de sentido sobre as coisas
pertinente, pois aprenderam, no interior das práticas cotidianas de sua cultura,
sobre esses conceitos e seus sentidos. São facilmente perceptíveis, por exemplo,
nas atitudes de uma criança, os traços de comportamento “aprendidos” ao
conviver com seus pais ou irmãos, não é mesmo?
Mas qual é o problema com a questão cultural? O problema é quando existe
um posicionamento monoculturalista, ou seja, quando uma única cultura
se define como a melhor e como aquela que deve ser ensinada a todos. Isso
normalmente é feito de forma imposta e violenta, como você pode perceber
nos processos coloniais no Brasil e em boa parte do mundo. Os mecanismos
coloniais brasileiros estabeleceram uma relação entre cor e raça que, além
de ser utilizada para classificar as populações, serve também para operar a
“[...] inferiorização de grupos humanos não europeus, do ponto de vista da
produção da divisão racial do trabalho, do salário, da produção cultural e dos
conhecimentos [...]” (OLIVEIRA; CANDAU, 2010, p. 16).
Assim, sempre que uma cultura se considera superior, apresenta uma relação
de poder assimétrica. No caso dos conquistadores europeus em relação aos
colonizados ou explorados ao extremo (escravos), foram realizadas tentativas
de produção de certo tipo de pessoa ideal para habitar os territórios. Você pode
perceber que esse padrão historicamente esteve associado com as seguintes
características:

 homem;
 branco;
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 heterossexual;
 cristão;
 de classe social elevada.

Essas características individuais operaram durante muito tempo (e ainda


estão presentes) definindo e classificando os melhores e os piores, os certos e os
errados dentro da sociedade. O gênero masculino constituiu-se como superior
ao feminino. Os brancos (europeus), como superiores a todas as demais etnias.
A heterossexualidade, por sua vez, se constituiu como a norma aceita para
os relacionamentos afetivos; e a religião cristã, como a única “verdadeira” e
apropriada para transcender. Já as classes sociais mais elevadas ou elitizadas são
entendidas como aquelas que apresentam maior poder de decisão e escolha entre
as possibilidades da vida, por vezes oprimindo as classes inferiores. Quando
os indivíduos têm identidades que fogem a esses traços, provocam choques
culturais em grupos que ainda procuram conservar os aspectos monoculturais,
fomentando seu preconceito e podendo causar ações discriminatórias e violentas.
A produção das desigualdades está associada diretamente a uma cultura
que define, padroniza e privilegia certas identidades enquanto obstaculiza,
prejudica e dificulta o desenvolvimento das demais. Uma questão que você deve
considerar é a de que “[...] temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença
nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos
descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças
e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades
[...]” (SANTOS, 2003, p. 56). A desigualdade, a estigmatização, o preconceito e
a discriminação se estendem àqueles que são diferentes da norma estabelecida,
sendo produções históricas e culturais que se originam da assimetria de poder
entre grupos identitários mais privilegiados e grupos identitários minoritários.
Ao analisar o conceito de poder amplamente utilizado pelo filósofo francês
Michel Dreyfus, Rabinow e Foucault (1995, p. 13) ressaltam que:

O exercício do poder não é simplesmente uma relação entre "parceiros" indi-


viduais ou coletivos; é um modo de ação de alguns sobre outros. O que quer
dizer, certamente, que não há algo como o "poder" ou "do poder" que existiria
globalmente, maciçamente ou em estado difuso, concentrado ou distribuído:
só há poder exercido por "uns" sobre os "outros"; o poder só existe em ato,
mesmo que, é claro, se inscreva num campo de possibilidade esparso que se
apóia sobre estruturas permanentes.

Dessa forma, o poder não se concentra unicamente no Estado, nas leis


existentes. Ele está também nas práticas culturais cotidianas, nas interações
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e nos relacionamentos diários entre as pessoas. Assim, produz resultados


que tanto podem ser positivos em relação às identidades culturais diversas
quanto altamente contrários. O poder ainda é capaz de resultar em agressões
ou crimes contra a própria vida de quem é “diferente” ou “desigual”. O fato
é que não existe relação de poder sem resistência. As práticas do poder
procuram, por meio do discurso, do uso das mídias e de todas as possíveis
ferramentas de comunicação existentes, desclassificar, inferiorizar e marcar
com o deficit os que fogem da normalização. Por outro lado, também os
grupos minoritários se articulam, exploram os mesmos canais, produzem
seus discursos e ferramentas de resistência, procurando sua positivação, seu
espaço social, sua voz e sua vez.
A desigualdade social, embora muito relacionada aos aspectos econô-
micos, que dividem a sociedade em classes, de acordo com suas posses ou
propriedades, também atinge outros campos. É o caso do gênero, do setor
religioso e das questões de orientação sexual diversas, que também se encon-
tram inseridas no estigma daqueles que são diferentes ao construído como
normal e socialmente aceito. Esses grupos identitários diversos se encontram
em todas as organizações sociais, inclusive no interior da escola, fazendo
parte da rotina dos professores. Assim, é necessário desenvolver a docência
promovendo a harmonia, bons relacionamentos interculturais e igualitários,
mediando conflitos e propondo reflexões pontuais a respeito das diferenças
junto aos alunos.
Para fugir das marcas produzidas pela estigmatização de indivíduos que
divergem das normas estabelecidas, surgiram ao redor do mundo movimentos
de resistência cultural que contribuíram significativamente para a melhoria das
relações sociais. Como exemplos, você pode considerar, de forma cronológica,
o movimento feminista, o movimento negro, os movimentos pelas questões de
identidade sexual diversa, entre tantos outros que surgem como resistência à
lógica que procura universalizar e colocar todos dentro dos mesmos padrões
socialmente aceitos.
Como você sabe, o mundo mudou, e essa mudança trouxe maiores espaços
de conquista para grupos considerados minoritários. Cabe esclarecer que o
termo “minoritário”, ou o termo “minorias”, refere-se muito mais a questões
relacionadas ao poder do que propriamente aos fatores quantitativos. Um
exemplo disso são os afrodescendentes no Brasil. Eles são a maioria da
população do País, mas o movimento negro ainda é enquadrado como um
movimento de minorias, o que está vinculado à história do povo negro e do
Brasil (Figura 1).
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Figura 1. Escravização dos negros perante a superioridade dos colonizadores.


Fonte: Morphart Creation/Schutterstock.com.

Você sabe a diferença entre preconceito, racismo e discriminação? O preconceito é


uma opinião preconcebida sobre certo grupo ou pessoa, sem qualquer informação
ou razão. Já o racismo é a crença de que uma raça é superior a outras. Por sua vez,
a discriminação é a ação que tem por base o preconceito ou o racismo. Assim, o
indivíduo recebe um tratamento injusto porque pertence a um grupo, categoria ou
classe diferente.

Relações de poder e violência


O Brasil, embora nas últimas décadas tenha promovido inúmeras discussões
relacionadas à diversidade cultural, à aceitação das diferenças dos grupos
culturais, à busca por uma cultura de paz e à constituição dos direitos hu-
manos, tem apresentado resultados negativos nesses quesitos. No País (e no
mundo), uma grande onda de conservadorismo tem ganhado força, agindo de
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forma predatória em relação àqueles que fazem parte de grupos minoritários


e produzindo episódios de extrema violência.
Appadurai (2009) refere-se ao conceito de identidade predatória para
designar aqueles que se sentem ameaçados pelos grupos minoritários, como
se sua ascensão em termos de direitos pudesse, de alguma forma, extinguir
o grupo social ao qual pertencem. Veja:

Defino como “predatórias” aquelas identidades cuja mobilização e construção


social requerem a extinção de outras categorias sociais próximas, definidas
como ameaças à própria existência de algum grupo, definido como “nós”. As
identidades predatórias emergem, periodicamente, de pares de identidades,
algumas vezes de conjuntos maiores do que dois, que têm longas histórias de
contato próximo, mistura e algum grau de mútuos estereótipos. A violência
ocasional pode ou não ser parte dessas histórias, mas algum grau de identi-
ficação contrastante sempre está envolvido. Um dos membros do par ou do
conjunto frequentemente torna-se predatório ao mobilizar um entendimento
de si mesmo como uma maioria ameaçada. Esse tipo de mobilização é o
passo-chave para transformar uma identidade social benigna numa identidade
predatória (APPADURAI, 2009, p. 46).

Acompanhando o conceito do autor, você pode considerar que na história


da humanidade, e também no presente, inúmeros casos de agressões, violência
extrema e crimes contra a vida foram motivados por esse comportamento
identitário predatório. Você pode analisar as relações de poder existentes no
interior da sociedade e seus embates com identidades culturais que fogem aos
modelos normalizados a partir dos seguintes atos:

 genocídio;
 etnocídio;
 violência de gênero;
 violência sexual.

O termo “genocídio” não existia antes de 1944 e surgiu a partir dos horrores
da Segunda Guerra Mundial, principalmente daqueles cometidos contra os judeus
e todos aqueles que eram diferentes da identidade germânica idealizada e vista
como superior. Segundo o dicionário de Significados (2018, documento online),
“Genocídio significa a exterminação sistemática de pessoas tendo como principal
motivação as diferenças de nacionalidade, raça, religião e, principalmente, diferen-
ças étnicas. É uma prática que visa a eliminar minorias étnicas em determinada
região [...]”. Como você pode perceber, durante a Segunda Guerra Mundial, os
crimes cometidos pela Alemanha, conhecidos como holocausto, envolveram o
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genocídio, bem como o etnocídio, que é quando a motivação para cometer tais
assassinatos implica uma etnia diferente da idealizada pela cultura da população.
Os crimes de etnocídio ainda existem na atualidade e incidem sobre alguns
grupos étnicos específicos de forma mais recorrente no Brasil. É o caso dos crimes
cometidos contra os indígenas, normalmente associados à disputa por terras que
constituem seu direito originário e realizados por latifundiários que exploram tais
áreas. Segundo dados do Centro Indigenista Missionário (CIMI, 2017), no “Rela-
tório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil: dados de 2017”, a violência
relacionada aos índios no Brasil se distribui como mostra o Quadro 1, a seguir.

Quadro 1. Casos de violência contra a pessoa indígena em 2017

Tipo de violência Número de casos

Tentativa de assassinato 27

Homicídio culposo 19

Ameaça de morte 14

Ameaças várias 18

Lesões corporais dolosas 12

Racismo e discriminação étnico-cultural 18

Violência sexual 16

Abuso de poder 8

Assassinatos 110

Fonte: Adaptado de Centro Indigenista Missionário (2017).

A violência contra os povos indígenas no Brasil tem apresentado um au-


mento sistêmico e contínuo, principalmente por colocar em choque o direito
de propriedade dos fazendeiros e os direitos originários constitucionais dos
índios. O direito originário visa a reparar os danos realizados pelos conquis-
tadores europeus quando submeteram as nações indígenas à cultura europeia,
na época colonial. Os índios, assim como os negros trazidos da África, foram
escravizados e forçados, muitas vezes, a lutar contra suas próprias etnias, bem
como a realizar todo tipo de trabalho. Para agravar mais ainda o problema,
a terra tem outra dimensão na cultura das etnias indígenas, representando
um local sagrado, necessário para seu completo desenvolvimento espiritual.
8 Minorias sociais

Por sua vez, a violência de gênero se relaciona com papéis e status diferentes
para homens e mulheres. Como você sabe, historicamente, o gênero masculino
teve maior prestígio e poder, relegando ao gênero feminino o segundo plano. Essa
situação tem sido bandeira de luta do movimento feminista e, na atualidade, no
Brasil, já existe uma boa rede de amparo a casos de violência contra a mulher.
Embora existam esforços por parte do Governo Federal para combater
a violência de gênero, os casos de feminicídio têm aumentado no País. Para
entender como essa situação é grave no Brasil, veja a seguir alguns dados
estatísticos do Ligue 180 — Central de Atendimento a Mulher, canal criado
pelo Governo Federal para combater a violência contra as mulheres e facilitar
a realização de denúncias. Segundo o relatório semestral de 2018 que con-
densa os dados de 1º de janeiro a 30 de junho, foram realizados os registros
de denúncias listados no Quadro 2 (BRASIL, 2018).

Quadro 2. Denúncias realizadas no Ligue 180 no primeiro semestre de 2018

Grupo de violação 2018 %

Violência física 16.615 43,31%


Violência psicológica 12.745 33,22%
Violência sexual 2.445 6,37%
Violência patrimonial 647 1,69%
Violência moral 1.271 3,31%
Violência obstétrica 60 0,16%
Cárcere privado 1.430 3,73%
Feminicídio 14 0,04%
Tentativa de feminicídio 3.018 7,87%
Homicídio 17 0,04%
Tentativa de homicídio 43 0,11%
Trabalho escravo 11 0,03%
Tráfico de pessoas 42 0,11%
Esporte sem assédio 6 0,02%
Total 38.364 100%

Fonte: Adaptado de Brasil (2018).


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Como você pode perceber nos dados do Quadro 2, os índices de violência


contra a mulher ainda são altos e precisam ser revertidos. Destacam-se os 14
casos que resultaram em morte de mulheres (feminicídio) e ainda as 3.018
tentativas de morte que não se consumaram, o que representa um grande
problema social.
Os casos de violência homofóbica no Brasil são alarmantes. Eles são carac-
terizados por sujeitos ou grupos heterossexuais que agem de forma violenta
e criminosa contra aqueles que se definem de forma diferente em relação à
sua sexualidade e à sua orientação sexual. A violência sexual homofóbica se
caracteriza por ações violentas, que manifestam rejeição irracional ou ódio
em relação aos homossexuais, ocorrendo de forma arbitrária e procurando
desqualificar o outro, enquadrando-o como inferior ou anormal. Sanches,
Contarato e Azevedo (2018) realizaram uma pesquisa por meio do canal
Disque 100, instrumento criado pelo Ministério dos Direitos Humanos para
a realização de denúncias relacionadas à homofobia, chegando às conclusões
mostradas no Quadro 3.

Quadro 3. Tipos de violações denunciadas no ano de 2017 no Brasil

Tipo Número de denúncias

Violência psicológica 917

Discriminação 837

Violência física 545

Violência institucional 168

Negligência 80

Abuso financeiro e econômico/ 31


violência patrimonial

Violência sexual 23

Outras violações/outros assuntos 7


relacionados a direitos humanos

Fonte: Adaptado de Sanches, Contarato e Azevedo (2018).


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Considerando que nem todos aqueles que são agredidos pela sua orientação
sexual prestam queixa ou fazem uso de canais como o Disque 100, você pode
notar que a situação é séria e precisa ser administrada para coibir tais práticas.

Você já ouviu falar na teoria queer? Ela se originou de um movimento social que tinha
como objetivo a positivação do termo queer, que designa um insulto utilizado para
ofender a comunidade LGBTT e pode ser traduzido como “estranho” ou “bizarro”.
A teoria queer se refere a uma pessoa que não adere em sua vida à divisão binária
(masculino/feminino) utilizada tradicionalmente para caracterizar os gêneros.

Os movimentos das minorias


A sociedade contemporânea ainda colhe as consequências das grandes nave-
gações, processo de conquistas ou colonização europeu que se deu ao redor
do mundo nos séculos XV e XVI. Nesse período, os conquistadores europeus
impuseram sua cultura como aquela que deveria ser aceita e posta em prática
por todos os povos colonizados. Os povos que não se adequam a esse padrão
são vistos como estranhos ou diferentes.
Louro (2011, p. 65) se refere a esses aspectos esclarecendo que

[...] a diferença é sempre atribuída e nomeada no interior de uma determinada


cultura. E, é claro, ela é atribuída a partir de uma posição que se toma como
referência. No contexto da sociedade brasileira, ao longo de sua história, foi
sendo produzida uma norma a partir do homem branco, heterossexual, de
classe média urbana e cristão.

Dessa forma, aqueles que fogem à referência — mulheres, todas as et-


nias “não brancas” (negros, índios, orientais, etc.), homossexuais, pobres e
pertencentes a religiões não cristãs — são vistos como diferentes e podem
sofrer preconceitos e discriminações por parte dos que se encontram dentro
da norma estabelecida de forma monocultural. Para oferecer resistência a essa
Minorias sociais 11

imposição cultural, existem movimentos organizados em prol da defesa de


igualdade de direitos das minorias sociais. Entre eles: o movimento feminista,
o movimento LGBTT, o movimento saúde mental e o movimento negro, que
você vai conhecer a seguir.
O movimento feminista tem suas origens no século XIX, quando as mulhe-
res lutavam pelo direito à educação e ao voto e pela abolição da escravatura. A
ideia central do movimento feminista é a busca pela equiparação dos direitos
das mulheres aos dos homens. No Brasil, o movimento feminista, fortemente
influenciado pela autora francesa Simone de Beauvoir, teve seu impulso maior
nas décadas de 1960 e 1970. Bezerra (2018, documento on-line) comenta que
“A década de 60 é marcada pela liberação sexual, pelo surgimento da pílula
anticoncepcional e pelos movimentos dos direitos civis. Estes trazem à tona
questões específicas como a questão da mulher negra, da mulher indígena e
dos homossexuais [...]”.
O movimento feminista obteve várias conquistas no Brasil e no mundo. Ele
tornou acessíveis às mulheres a escolarização, o direito ao voto, os mesmos
patamares salariais e a possibilidade de escolhas profissionais, a opção pela
não maternagem e/ou a divisão de tarefas com o pai na criação e educação
dos filhos, entre outras. O movimento contribuiu em muito para a mudança de
pensamento, deslocando os papéis sociais tradicionalmente produzidos para
homens e mulheres na busca pela igualdade de direitos em todos os aspectos
da vida social.
O movimento LGBTT surgiu na década de 1960, nos Estados Unidos,
tendo como marco inicial “[...] o episódio, conhecido como Stonewall Riot
(Rebelião de Stonewall), [que] teve duração de seis dias e foi uma resposta às
ações arbitrárias da polícia, que rotineiramente promovia batidas e revistas
humilhantes em bares gays de Nova Iorque [...]” (FERRAZ, 2017, documento
on-line). Esse evento ocorreu no dia 28 de junho de 1969, que ficou conhecido
como o Dia Internacional do Movimento LGBTT.
O movimento, desde então, procura reunir os grupos identitários diversos
que se enquadrem nessas denominações que se opõem à constituição hetero-
normativa que há muitos séculos é vista como a única correta e socialmente
aceita. O movimento busca a garantia de direitos iguais a todos, indepen-
dentemente da sua identidade ou orientação sexual. No Quadro 4, a seguir,
você pode ver algumas denominações comumente utilizadas pelos grupos
identitários LGBTT.
12 Minorias sociais

Quadro 4. Termos frequentemente utilizados com LGBTT

A palavra “sexo” é usada em dois sentidos diferentes:


um refere-se ao gênero e define como a pessoa é,
Sexo
ao ser considerada do sexo masculino ou feminino; e
o outro se refere à parte física da relação sexual.

A sexualidade transcende os limites do ato sexual e


Sexualidade inclui sentimentos, fantasias, desejos, sensações e
interpretações.

A identidade sexual é o conjunto de características


sexuais que diferenciam cada pessoa das demais
e que se expressam pelas preferências sexuais,
sentimentos ou atitudes em relação ao sexo. A
Identidade sexual
identidade sexual é o sentimento de masculinidade
ou feminilidade que acompanha a pessoa ao longo
da vida. Nem sempre está de acordo com o sexo
biológico ou com a genitália da pessoa.

A orientação sexual é a atração afetiva e/ou sexual


que uma pessoa sente pela outra. A orientação
sexual existe num continuum que varia desde a
homossexualidade exclusiva até a heterossexua-
lidade exclusiva, passando pelas diversas formas
Orientação sexual
de bissexualidade. Embora as pessoas tenham
a possibilidade de demonstrar ou não os seus
sentimentos, os psicólogos não consideram que a
orientação sexual seja uma opção consciente que
possa ser modificada por um ato da vontade.

A homossexualidade é a atração afetiva e sexual por


uma pessoa do mesmo sexo. Da mesma forma que
a heterossexualidade (atração por uma pessoa do
sexo oposto) não tem explicação, a homossexuali-
Homossexualidade
dade também não tem. Ela depende da orientação
sexual de cada pessoa. Por esse motivo, a Classifi-
cação Internacional de Doenças (CID) não inclui a
homossexualidade como doença desde 1993.

Fonte: Adaptado de Brasil (2014).

Outro movimento que busca se expandir no Brasil nas últimas décadas é


o saúde mental, que tem como objetivo a integração e/ou reintegração das
pessoas que possuam algum tipo de transtorno mental, o que normalmente
é estigmatizado pela sociedade. Basta você recorrer a algumas expressões
Minorias sociais 13

populares para perceber o quanto os rótulos “louco” ou “anormal” causam


sérios prejuízos ao referirem-se a uma pessoa que pode se encontrar com
algum tipo de transtorno mental, mesmo que temporário.
O filósofo francês Michel Foucault (1978), ao escrever sua obra A História
da Loucura, procurou descrever como a loucura foi produzida no século XIX,
a partir dos discursos da Modernidade e mais especificamente chocando-se
com as ideias do Iluminismo, que propõe a razão como a medida de todas
as coisas. Logo, se o “louco” é desprovido da razão, tornando-se incapaz de
discernir sobre as questões da vida, perde seus direitos civis e políticos, ficando
sob a tutela do Estado. Somente após ser curado desses males em manicômios
ou instituições psiquiátricas é que pode voltar a ser inserido na sociedade.
Essas ideias ainda se encontram presentes na sociedade, o que provoca uma
série de preconceitos e discriminações contra aqueles que não se encontram
no exercício pleno de suas faculdades mentais.
O movimento saúde mental, por meio de várias organizações não go-
vernamentais relacionadas ao tema, foi decisivo para a reforma psiquiá-
trica brasileira e para uma sociedade constituída sem manicômios. Ramos
(2004) reforça a importância do Movimento dos Trabalhadores em Saúde
Mental, que se afirmou múltiplo e plural, congregando profissionais da
área da saúde mental com abertura para a participação popular no intuito
de discutir a desospitalização e outros aspectos referentes à área da saúde
mental. Relacionam-se com a saúde mental: a depressão, os transtornos de
ansiedade, bipolaridade e dependência química, os transtornos alimentares,
entre outros que acometem milhares de brasileiros anualmente e milhões
de pessoas ao redor do mundo. Segundo a Organização das Nações Unidas
(2016, documento on-line):

A saúde mental é uma parte integrante e essencial da saúde. A constituição


da OMS afirma: “saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental
e social e não apenas a mera ausência de doença ou enfermidade”. Uma
implicação importante dessa definição é que a saúde mental é mais do que
a ausência de transtornos mentais ou deficiências. Trata-se de um estado de
bem-estar no qual um indivíduo realiza suas próprias habilidades, pode lidar
com as tensões normais da vida, pode trabalhar de forma produtiva e é capaz
de fazer contribuições à sua comunidade.

Como você pode perceber, a saúde mental é imprescindível para todos


e pode ser afetada a partir dos fatores sociais, psicológicos e biológicos que
incidem sobre o indivíduo. Como exemplo, considere as mudanças bruscas na
vida social, como uma separação ou a perda de um parente querido, a perda
14 Minorias sociais

do emprego, as discriminações e a violência. Elas são determinantes para o


desequilíbrio da saúde mental de algumas pessoas.
O movimento negro representa a luta dos afrodescendentes pela igualdade
de direitos no interior da sociedade brasileira, procurando corrigir as dispari-
dades relacionadas ao período colonial e positivar a imagem da raça negra para
a formação da sociedade brasileira. Esse movimento social já alcançou grandes
conquistas, como a Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que altera a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996 para a inclusão obriga-
tória nos currículos escolares do estudo da história e da cultura afro-brasileira.
Posteriormente, a LDB de 1996 foi novamente alterada pela Lei nº 11.645, de
10 de março de 2008, sendo que o art. 26-A da LDB passa a ser escrito da
seguinte maneira: “Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino
médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura
afro-brasileira e indígena [...]” (BRASIL, 2008, documento on-line). Esse fato
merece destaque pois faz parte das discussões promovidas nas escolas e é con-
siderado uma boa alternativa de modificar pensamentos e a vida em sociedade.
Essas duas leis trabalham com a ideia da positivação de uma história es-
quecida, muitas vezes invisibilizada nos conteúdos escolares ou trabalhada de
forma superficial e distorcida. A ideia é buscar “[...] a formação de cidadãos,
mulheres e homens empenhados em promover condições de igualdade no
exercício de direitos sociais, políticos, econômicos, dos direitos de ser, viver,
pensar, próprios aos diferentes pertencimentos étnico-raciais e sociais [...]”
(GONÇALVES E SILVA, 2007, p. 490).
Outra conquista do movimento negro é a escrita do Estatuto da Igualdade
Racial (Lei nº 12.288, de 2010), que propõe, em seu art. 2º, que

[...] é dever do Estado e da sociedade garantir a igualdade de oportunidades,


reconhecendo a todo cidadão brasileiro, independentemente da etnia ou da cor
da pele, o direito à participação na comunidade, especialmente nas atividades
políticas, econômicas, empresariais, educacionais, culturais e esportivas,
defendendo sua dignidade e seus valores religiosos e culturais (BRASIL,
2010, documento on-line).

Por meio das discussões promovidas pelo Movimento Negro em âmbito


nacional, tem-se avançado em busca da garantia de oportunidades iguais a
todos. Isso pode ser visualizado a partir de políticas de ações afirmativas,
como as reservas de vagas para pessoas negras em concursos públicos, as
cotas sociais para acesso às universidades públicas, entre outras.
Como você pôde perceber no decorrer deste capítulo, quando existe a im-
posição de um modelo cristalizado de homem, de forma monocultural e com
Minorias sociais 15

concentração maior de poder, a partir do qual todos os demais são julgados e


inferiorizados, surgem grandes problemas sociais. Para resistir e buscar uma
sociedade multicultural que acolha a diversidade, organizam-se os movimentos
sociais, fenômenos típicos da sociedade atual, no Brasil e no mundo. Eles agem
como grupos de resistência em busca de igualdade de direitos a todos. Esses
movimentos, porém, ainda se chocam com opiniões de pessoas e grupos mais
conservadores, que podem produzir preconceitos, discriminações e uma série
de intolerâncias, violências e crimes. Cabe à sociedade, como um todo, e ao
Estado coibir esse tipo de comportamento.

Caso você queira aprender mais sobre as ações afirmativas que são fruto da luta do
movimento negro pela positivação e pela equiparação dos prejuízos históricos no
Brasil, acesse o link a seguir. Nele, você vai encontrar uma animação que apresenta
alguns dos principais fundamentos de tais ações.

https://goo.gl/tDaCmw

APPADURAI, A. O medo ao pequeno número: ensaio sobre a genealogia da raiva. São


Paulo: Iluminuras, 2009.
BEZERRA, J. Feminismo no Brasil. 2018. Disponível em: <https://www.todamateria.com.
br/feminismo-no-brasil/>. Acesso em: 13 jan. 2019.
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