GONDIM Janedalva Pontes
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RESUMO
Este trabalho apresenta um recorte da tese de doutorado defendida em 2016 que investigou
a relação entre formação, concepções estéticas e práticas culturais dos professores que
lecionam Arte em Petrolina/PE e Juazeiro/BA. Partindo de uma abordagem qualitativa
(DENZIN e LINCOLN, 2006) e do referencial teórico ancorado nos conceitos bourdieusianos
analisamos em que consiste o capital cultural dos professores que lecionam Arte nas duas
cidades em questão. Sendo assim, esse texto se propõe a abordar as memórias e trajetórias
sociais desses professores na aquisição do capital cultural (BOURDIEU, 2007a) uma vez
que acreditamos que o volume e a composição desse capital incide numa maior apropriação
e familiaridade com a cultura legítima e dos códigos exigidos pelo campo artístico,
consequentemente, na qualidade do ensino de Arte.
PALAVRAS-CHAVE
Capital cultural. Ensino de Arte. Memórias.Trajetórias sociais.
ABSTRACT
The word presents of the doctoral thesis defended in 2016 that investigated the relationship
between training, aesthetic conceptions and cultural practices of teachers who teach Art in
municipal and state public schools in Petrolina/PE and Juazeiro/BA. Starting from a
qualitative approach (DENZIN and LINCOLN, 2006) and the theoretical framework is
anchored in the Bourdieusian concepts, we analyzed the teachers cultural capital. Thus, this
text proposes to address the social memories and trajectory of these teachers in the
acquisition of cultural capital (BOURDIEU, 2007a), since we believe the volume and
composition of this capital implies a greater appropriation and familiarity with the legitimate
culture and the codes demanded by the artistic field, consequently, in the quality of the
teaching of Art.
KEYWORDS
Cultural capital. Teaching of Art. Memories. Trajectorys.
Introdução
O presente artigo é um recorte da pesquisa de doutorado desenvolvida no Programa
de Pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal de Pernambuco/UFPE,
cuja temática investigou a relação entre a formação, concepção estética e consumo
cultural dos professores que lecionam Arte nas cidades Petrolina/PE e Juazeiro/BA.
Nossa questão de pesquisa se dirigiu em analisar em que consiste o capital cultural
(BOURDIEU, 2007a) desses professores uma vez que a posse ou não da disposição
estética (nota) expressa em suas práticas de consumo cultural nos possibilitou
identificar quais concepções de arte estão sendo legitimadas por esses profissionais.
Utilizamos quatro instrumentos para produzir os dados a saber: entrevistas
semiestruturadas realizadas com 28 professores de escolas públicas municipais e
estaduais; diário de campo; Jogo das Preferências e análise documental dos livros
didáticos e as orientações curriculares, estaduais e municipais utilizados por esses
professores. Os dados foram submetidos à Análise de Conteúdo proposta por Bardin
(1988) e o referencial teórico ancorou-se nos conceitos bourdieusianos de campo,
habitus e, especialmente, disposição estética.
GONDIM, Janedalva Pontes. Capital cultural e ensino de arte: memórias e trajetórias sociais de professores de
Petrolina/PE e Juazeiro/BA, In Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas, 26o, 2017, 1798
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partir de suas memórias os processos sociais pelos quais estes professores
constituíram seu capital cultural.
A primeira delas diz respeito ao seu estado incorporado, ou seja, está diretamente
ligado à singularidade do agente e pressupõe tempo de investimento pessoal para
sua incorporação. Depende em certa medida de sua origem social, começa na
família sua apropriação e se prolonga por toda da vida conforme as disposições
adquiridas na primeira socialização. Assim, é altamente dissimulada, faz do capital
cultural “o mais oculto e determinante socialmente dos investimentos educativos”
(BOURDIEU, 2007a) devido a sua precocidade e durabilidade.
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Petrolina/PE e Juazeiro/BA, In Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas, 26o, 2017, 1799
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A partir da configuração do capital cultural, Bourdieu versa sobre os dois modos
distintos, mas intimamente ligados de obtenção desse capital: o aprendizado total e
o aprendizado tardio. A estes modos de aquisição o autor destaca aquele
considerado como o “aprendizado total”, inculcado primeiramente no seio da família
e prolongado pela aprendizagem escolar que o pressupõe e o completa
(BOURDIEU, 2007a).
O aprendizado total transmitido, inicialmente, pela família “por vias indiretas que
diretas, constitui certo capital cultural e certo ethos, sistema de valores implícitos e
profundamente interiorizados” (BOURDIEU, 2007a, p. 41-42) na forma de um
habitus primário, ou seja, vai muito além dos investimentos em certificação escolar.
Por ser transmitida via família, este capital herdado torna-se um estado incorporado,
que traduz todo um sistema de disposições culturais que definem as atitudes do
agente frente à apropriação dos bens simbólicos transparecendo certa naturalidade
na maneira de se apropriar da cultura.
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A partir da origem, estabelecemos a posição inicial e a de chegada, detectando se
houve, ou não, trajetória social ascendente do grupo analisado e a composição do
capital cultural. Conhecer essas informações assumiu grande importância em nosso
estudo, no sentido de que o conjunto de bens materiais e/ou culturais de uma família
nos auxilia a construir a posição social dos professores em relação à posse e à
distribuição desses bens no decorrer de sua trajetória social.
Com esse pensamento, Bourdieu propõe uma nova forma de pensar o conceito de
classe no qual se faz necessário observar a posição nas relações de consumo
cultural e o fato de que essas posições de classe correspondem a um sistema de
disposições para agir, pensar e perceber, em que se expressam, sob a aparência de
preferências individuais, as estruturas externas (as condições de existência) das
quais ele é originário.
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Contabilizamos também a colaboração de cinco homens. Essa realidade aponta
para a questão das diferenças de gênero como um dos elementos distributivos do
espaço social, porquanto as profissões que se feminizam perdem seu valor social, e
essa desvalorização tende a acompanhar a educação das mulheres (BOURDIEU,
2007a).
Esse perfil nos remete aos estudos de Apple (1995) e Louro (1997) sobre a
feminização do magistério, especialmente, nos anos iniciais da escolarização básica,
porque, tradicionalmente, a docência está associada a atividades eminentemente
femininas, como cuidar de crianças. Tal característica conduziu à desvalorização
dessa atividade como área profissional entendida, muitas vezes, como dom,
vocação ou missão (NUNES, 2012; ALMEIDA, 1998; 2006).
Quanto às mães, a maioria é dona de casa. Embora tal ocupação não exija muita
instrução, percebemos que elas têm um nível de escolarização um pouco mais alto
do que os pais. Sendo assim, temos cinco (duas analfabeta e três semianalfabetas),
oito que cursaram os anos iniciais do Ensino Fundamental, das quais, uma artesã,
duas costureiras e uma recepcionista, oito completaram o Ensino Fundamental e
cinco o Ensino Médio. Estas foram professoras dos anos iniciais do Ensino
Fundamental. Duas mães têm Ensino Superior, uma, em Agronomia, que exerceu a
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docência no Curso de Agronomia da Universidade Estadual da Bahia (Uneb-
Juazeiro), e a outra, em Pedagogia, exercendo a função de gestora educacional.
Hoje a maioria vive dos rendimentos da aposentadoria.
Nesses festejos, elas mencionam as experiências que tiveram com o teatro, a dança
e a música. As encenações referentes às passagens bíblicas, o próprio ritual, os
trajes e o clima de alegria que cercavam as festividades populares e religiosas como
a festa do Padroeiro da cidade, as coroações de Nossa Senhora, a Via Sacra, o
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Reisado, o novenário mariano, as procissões aos santos e as festas cívicas, como
Sete de Setembro, por exemplo.
Vimos que, nas festas mencionadas, a maioria é influenciada pela tradição católica,
embora, na região, existissem outras influências, como a afrodescendente e
indígena, que sequer foram lembradas. Essas manifestações de fé, que se traduzem
em festas, implicam na produção de elementos que levam os participantes ao
sentimento de pertença e de memória, como as vestimentas, a música, a comida e
os objetos específicos.
Notadamente, com essas práticas, vai se desenhando o que será reconhecido como
cultura por esses professores, atrelada a uma tradição popular-católica juntamente
com o cânone modernista que será análogo às políticas culturais brasileiras vigentes
no Século XX ligadas a tradição e ao folclore, muito presente no Nordeste.
Duas professoras, relataram outras experiências além das citadas. A primeira, por
morar em São Paulo na infância, comentou que sempre visitava com a mãe a
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Pinacoteca de São Paulo e peças de teatro infantil, como “Chapeuzinho Amarelo”,
de Chico Buarque. Iam, com frequência, a parques, como o Ibirapuera, para
caminhar e apreciar o verde, assim como, ao Jardim zoológico. A prática de
caminhar e apreciar o verde continuou quando a família retornou ao interior da Bahia
e as demais práticas não porque não haviam esses equipamentos culturais na
cidade.
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Sendo assim, em relação a educação escolar, observamos, primeiro, que a maioria
estudou em escolas públicas, e três deles em escolas particulares de viés religioso,
o que, para elas significou um privilégio, pois tiveram acesso a um conhecimento
diferenciado em relação ao que se tinha na época nas escolas públicas da região.
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aulas de arte. Quando tinham, eram atividades prontas, geralmente, figuras
mimeografadas, pinturas para comemorar uma data ou presentear alguém, práticas
que elas reconhecem que ainda hoje acontecem mas não sabem explicar porque
essa prática ainda permanece.
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como expressão; b. Arte como habilidade para trabalhos manuais e c. Arte como
adorno para datas comemorativas que incluíam tanto civis como religiosas.
Segundo Nogueira e Nogueira (2002), o estímulo por parte dos pais, para que seus
filhos alcancem conhecimentos além dos escolarizados, estabelece nítida relação
com formas de distinção entre grupos sociais, particularmente, no que diz respeito
ao grupo social composto por professores. Compartilhando os dizeres de Bourdieu
(2007a; 2007b), para se apropriar simbolicamente de bens culturais, é preciso ter os
instrumentos dessa apropriação e os códigos necessários para decifrá-los. A maioria
deles é transmitida pela herança familiar, que teria um peso significativo, atuando
como instância de conhecimento complementado pela instituição escolar a partir do
seu reconhecimento.
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dependiam, exclusivamente, do efeito de inculcação para adquirir capital cultural
mais elevado em relação aos seus pais o que ficou comprometido.
Isso ficou claro ao observar que houve poucas ou raras experiências estéticas
vividas na escola pública pela maioria dos entrevistados que pudessem ampliar seus
esquemas de percepção artística promovendo o que denominam Diniz e Silva (2015)
de “a institucionalização do ciclo da baixa cultura”.
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professores, em particular, evidenciou-se muito mais do que uma relação artificial,
mas o grande fosso, no caso brasileiro, das desigualdades sociais, que nega à
classe popular o direito ao acesso de bens simbólicos eruditos, o que cristaliza a
ideia de que a arte não é para todos.
2. Os que apresentam uma trajetória artística, mas não têm formação acadêmica
específica;
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no lugar pessoas com formação específica, então eles foram convidados a lecionar
por terem a experiência na produção cultural.
No grupo 3, que se refere aos professores com formação em Arte, quatro em Artes
Visuais, pela UNIVASF; um pela Universidade Federal de Pernambuco e outra, pela
Plataforma Freire (PARFOR) realizada na Universidade Estadual da Bahia.
Estes professores também comentaram que, desde que eram crianças, gostavam de
desenhar e pintar, mas, na escola, como vimos anteriormente, não estimularam nem
aprofundaram esse interesse, o que só aconteceu no Curso de Artes Visuais.
Também demonstram em suas falas uma propriedade conceitual, teórica e
metodológica que condiz com quem teve e investiu em uma formação acadêmica em
Arte, fato que revela o efeito de inculcação por meio do capital cultural certificado.
Elas são aquelas as que mais investem em capital objetivado, adquirem livros
teóricos e sobre processos criativos já que segundo eles a inserção no mercado de
trabalho permite isso uma vez que as condições materiais “melhoraram”, pesquisam
em revistas especializadas, participam de cursos na área, escrevem sobre suas
experiências didáticas, estão presentes em todas as exposições que ocorrem na
cidade e guardam catálogos das exposições que visitam.
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Percebemos que tanto os que têm experiência em produção artística como os de
formação especializada apresentam mais desenvoltura e propriedade para relatar os
saberes e os conhecimentos pertinentes ao ensino de Arte, devido ao volume de seu
capital cultural em relação ao grupo 1 além expressar práticas de consumo cultural.
No que diz respeito à escola, vale salientar que a pública, não possibilitou ampliar a
visão tradicional de arte e cultura, ao contrário, reforçou as desigualdades sociais
por meio das desigualdades culturais, visto que as práticas pedagógicas vivenciadas
na escola em relação às artes vividas por esse professores eram, marcadamente,
vinculadas às festividades das datas comemorativas ligadas ao civismo, ao folclore e
aos trabalhos domésticos, sobretudo, para aquelas que cursaram o Magistério.
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A escola pública, no Brasil, especialmente, as das localidades citadas nesse estudo,
do interior baiano e de pernambucano, cumpriu com seu papel de inculcar ao
mascarar seus mecanismos de dominação e diferenciação da sociedade brasileira,
reforçando as diferenças nos modos de aquisição cultural apontadas por Bourdieu
(2007a).
Nesse aspecto, a partir da exposição das questões suscitadas nesse texto podemos
apontar para a importância de aprofundar os estudos sobre as condições de acesso
aos bens culturais, de maneira a possibilitar tanto para os cursos de formação de
professores em geral como, sobretudo, aos relacionados às Artes, seja, no âmbito
da formação inicial ou continuada, problematizar o ciclo de reprodução do arbitrário
cultural imbricadas na legitimação das desigualdades de acesso aos bens simbólicos
em nosso país, em particular, no semiárido brasileiro.
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