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Memorial Da Luta Pela Justica Historico

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Memorial da luta

pela justiça
Histórico da retomada do
prédio e resultados preliminares
do projeto de implantação

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NÚCLEO MEMÓRIA

Memorial da luta
pela justiça
Histórico da retomada do
prédio e resultados preliminares
do projeto de implantação

1ª edição

EXPRESSÃO POPULAR

São Paulo – 2017

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Copyright © 2017, by Núcleo Memória

Produção Editorial
NÚCLEO DE PRESERVAÇÃO DA MEMÓRIA POLÍTICA

Cordenação geral: Maurice Politi


Organização: Ana Paula Brito
Pesquisa e produção: Ana Paula Brito e Paula Ribeiro Salles
Elaboração dos textos: Ana Paula Brito, Andréa Falcão, Caroline Menezes,
Gabriela Beraldo, Maurice Politi, Oswaldo dos Santos Junior, Paula Ribeiro Salles
Projeto gráfico, diagramação e capa: ZAP Design

Distribuição Gratuita – Venda Proibida

Todos os direitos reservados.


Proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem a autorização expressa
do Núcleo de Preservação da Memória Política.

1ª edição: agosto de 2017

EDITORA EXPRESSÃO POPULAR


Rua Abolição, 201 – Bela Vista
CEP 01319-010 – São Paulo – SP
Tel: (11) 3112-0941 / 3105-9500
livraria@expressaopopular.com.br
www.facebook.com/ed.expressaopopular
www.expressaopopular.com.br

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Ordem Dos Advogado do Brasil – Seção São Paulo
Gestão 2016/2018
 

Presidente
MARCOS DA COSTA
 
Vice-Presidente
FABIO ROMEU CANTON FILHO
 
Secretário-Geral
CAIO AUGUSTO SILVA DOS SANTOS
 
Secretária-Geral Adjunta
GISELE FLEURY CHARMILLOT GERMANO DE LEMOS
 
Tesoureiro
RICARDO LUIZ DE TOLEDO SANTOS FILHO

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Núcleo de Preservação da Memória Política

Conselho de Administração Diretor Administrativo


Airton Soares Maurice Politi
Anivaldo Padilha
Elza Lobo Diretor Financeiro
Inês Virgínia Prado Soares, Oswaldo de Oliveira dos Santos Júnior
Ivan Seixas
Maria Auxiliadora Arantes Diretora de Comunicação, Ação
Paulo Vannuchi Educativa e Cultural
Rafael Martinelli Ana Paula Brito

Conselho Fiscal
Carlos Lichtsztejn
Edmur Alves
Geraldo Sardinha

Projeto de intervenção para o Memorial da Luta pela Justiça


Primeira etapa de implantação − Fase dois
Coordenador administrativo Cinegrafistas e som direto
Maurice Politi Mário Abel Bastos
Felipe Meireles
Coordenadora da Pesquisa Maycon Almeida
Histórica e Museológica Danilo Correia
Ana Paula Brito Raphael B. Gomes
Rafael Grendene
Pesquisadores Danilo Correa de Oliveira
Paula Ribeiro Salles Anderson Santana Domingues
Oswaldo de Oliveira dos Santos Júnior Ernesto Satuchengo Júnior
André Paulo de Oliveira
Comunicação Sergio Manabu Uehara
Gabriela Beraldo Edson Harada

Estagiária Pós-produção
Helena Tacola Ramalho André Cebola de Oliveira
Lucas Peeu
Entrevistas Laise Pereira
Direção e Produção Regis Eleutério
Alessandra Haro Guilherme Bravo Alves
José Luiz Olmos de Araujo Gustavo Batistão

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Sumário

Agradecimentos ...............................................................................................................9
Prefácio ...............................................................................................................................11
Apresentação ....................................................................................................................15

I. PROJETO DE RETOMADA E TRANSFORMAÇÃO DO PRÉDIO


DA ANTIGA AUDITORIA MILITAR
Ressignificando um lugar de memória ....................................................................19
O que foi a Auditoria Militar Federal de São Paulo? .......................................21
Etapas do processo de recuperação do prédio ....................................................25
Projeto de intervenção ................................................................................................33

II. ACERVO DE TESTEMUNHOS − ENTREVISTAS DE ADVOGADOS


E EX-PRESOS POLÍTICOS
História oral – importância dos testemunhos para
a produção do conhecimento .....................................................................................41
Metodologia do projeto de coleta de testemunhos .........................................45
Perfil dos entrevistados e resumo das entrevistas ..........................................51
Lista das entrevistas realizadas e como citar ...................................................81

III. ACERVO DOCUMENTAL – LEVANTAMENTO


DE ACERVOS SOBRE O PERÍODO
Levantamento de fontes históricas e mapeamento
de arquivos da Justiça Militar durante a Ditadura ........................................87
Brasil: Nunca Mais. Do papel ao digital .................................................................91
Pesquisa nos arquivos do projeto Brasil:
Nunca Mais e da Justiça Militar da União ............................................................97

IV. REFLEXÕES PRELIMINARES PARA O DESENVOLVIMENTO


DO PLANO MUSEOLÓGICO
Considerações sobre a segunda fase da pesquisa ................................................105
A lista de réus e advogados (percurso de entrada) .........................................107
“Aqueles que não puderam estar ali” (painel artístico) .................................109

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Diversidade dos documentos e grupos sociais
representados na exposição de longa duração (sala do juiz) ......................111
Ampliação da coleta de testemunhos (Sala dos Testemunhos).....................117

V. OCUPAÇÃO CULTURAL DO PRÉDIO


DA ANTIGA AUDITORIA MILITAR
Atividades culturais realizadas ..............................................................................121
Atividades educativas realizadas ............................................................................133
A importância da educação em
direitos humanos em sítios de memória ..................................................................135

VI. FUTURO MEMORIAL DA LUTA PELA JUSTIÇA.


OS DESAFIOS CONTINUAM
Um sítio de memória para a cidadania .....................................................................141

ANEXOS
1. Ficha técnica − advogados ......................................................................................147
2. Ficha de decupagem − advogados ..........................................................................149
3. Ficha técnica – ex-presos políticos ......................................................................151
4. Ficha de decupagem – ex-presos políticos ..........................................................155
5. modelo de termo de licença para uso de entrevista .....................................157
6. Processos consultados no Projeto BNM Digital e no
Arquivo da Justiça Militar da União ......................................................................159

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Agradecimentos

T odo o projeto do Memorial da Luta pela Justiça só foi possível porque a


Ordem dos Advogados do Brasil Seção São Paulo assumiu esta reivindi-
cação como bandeira de luta. Por isso, nosso primeiro agradecimento vai ao
Presidente Marcos da Costa e toda equipe da OAB SP pela parceria para a rea-
lização desse projeto imprescindível para a preservação da Memória Política.
A realização da segunda fase desta etapa de implantação não teria sido
possível, nesse momento, sem a colaboração e o apoio financeiro da OAK
Foundation.
Agradecemos, ainda, a todos os entrevistados, que com muita genero-
sidade compartilharam suas memórias para esse projeto: Airton Estevens
Soares, Aldo Silva Arantes, Antonio Funari, Artur Machado Scavone, Beli-
sário dos Santos Júnior, Eny Raimundo Moreira, Heládio Leme, Iberê Ban-
deira de Mello, Idibal Pivetta, José Carlos Dias, Luiz Eduardo Greenhalgh,
Marcelo Augusto Diniz Cerqueira, Márcia Ramos de Souza, Maria Regina
Pasquale, Mario de Passos Simas, Paulo Vannuchi, Rosa Maria Cardoso da
Cunha, Tales Oscar Castelo Branco, Técio Lins e Silva, e Virgilio Egydio
Enei. Além da colaboração da ex-presa política Leila Tavares Lapyda, que
compartilhou conosco sua busca pelos documentos de seu processo na 2ª
Auditoria Militar de São Paulo.
Muitas pessoas e instituições foram parceiras no projeto de história
oral. Agradecemos especialmente a Juliana Salazar, da Academia Inter-
nacional de Cinema. Ao ex-reitor da Universidade Metodista de São Ber-
nardo, Prof. Dr. Márcio de Moraes e ao atual, Prof. Dr. Paulo Borges Cam-
pos Jr., e também a Oswaldo de Oliveira Santos Júnior, José Luiz Olmos e
Guilherme Bravo, da mesma universidade. A Silvio e Ana Rosa Tendler,
da Caliban Produções Cinematográficas, a Kátia Felipini, do Memorial da
Resistência de São Paulo e ao cineasta Camilo Tavares.

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Na pesquisa documental igualmente contamos com o apoio de muitos
colaboradores, entre eles: a equipe do Arquivo Edgard Leuenroth; o pro-
curador Marlon Weichert, do Ministério Público Federal, responsável pelo
projeto do BNM Digital; Inês Stampa e Vicente Arruda, do Arquivo Nacio-
nal; Heloísa de Faria Cruz, Viviane Tessitori e Amanda Correa, do Centro
de Documentação e Informação da PUC/SP; Rosana Pinto de Aguiar Lima
e Gustavo Faustino, do Arquivo da 2ª CJM; equipe do Arquivo do Superior
Tribunal Militar, especialmente Maria Juvani Borges, Airton Guimarães
Xavier, Alexandre Guimarães, Heigon Henrique da Silva Lins e Lucas Ma-
tias Navarro.
Agradecemos finalmente a todos os conselheiros, diretores e associa-
dos do Núcleo de Preservação da Memória Política que contribuíram com
o trabalho apresentado neste livro-relatório.

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Prefácio

DE ONTEM PARA HOJE


O Brasil superou o passado. Vivemos em regime democrático há pelo
menos três décadas. Mas, apesar disso, trata-se ainda de uma democracia
jovem. Ao reavivar a memória da luta da advocacia na época da ditadu-
ra militar – pela recuperação de direitos humanos fundamentais, como a
liberdade de expressão, de participação na vida política, econômica e cul-
tural da sociedade – e incentivar a reflexão a partir dela, o projeto Memo-
rial da Luta pela Justiça – Advogados Brasileiros Contra a Ditadura espera
contribuir para a contínua construção do Estado Democrático de Direito. 
O projeto ganhou corpo em lugar simbólico. O número 1.249 da Aveni-
da Brigadeiro Luís Antônio, na capital paulista, é uma das representações
da luta pela democracia brasileira. Era nesse endereço que, nos anos de
chumbo, como ficou conhecido o período da ditadura (1964-1985), presos
políticos foram julgados no âmbito da 2ª Circunscrição Judiciária Militar –
estruturas que integram o ramo da Justiça mais antigo da história do país,
a Justiça Militar da União. O edifício abrigou tensão, medo e esperança.
Ali, perseguidos políticos e seus advogados fizeram cumprir o exercício do
direito de defesa em um Estado de exceção, que desrespeitou leis e direitos
daqueles que lutavam pela volta de um sistema democrático.
Foi uma época em que surgiram verdadeiros heróis, que nos enchem
de orgulho e nos servem de inspiração. Os advogados que, de forma des-
temida, enfrentaram ameaças, prisões, torturas, para reclamar pela defesa
de presos políticos, como Belisário Santos Júnior, Tales Castelo Branco,
Idibal Pivetta, José Carlos Dias, Maria Luiza Bierrenbach, Eny Moreira,
Luiz Eduardo Greenhalgh, Airton Soares, Antonio Funari Filho, Maria
Regina Pasquale, Wellington Cantal, Técio Lins e Silva e tantos memorá-
veis advogados e advogadas. A lista a ser citada não caberia neste artigo.

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12 Núcleo memória

Raimundo Pascoal Barbosa, o advogado dos advogados, que tantas vezes


foi chamado pela OAB SP para defender os colegas que tinham sido presos
no exercício da advocacia. Cid Vieira de Souza, que saiu preso de uma
solenidade no Tribunal de Justiça porque – como presidente da institui-
ção – fez um discurso em que dizia ouvir o badalar dos sinos da catedral
como que a contar o tempo que faltava para a redemocratização do país.
Mário Sergio Duarte Garcia, que reclamou corajosamente a necessidade de
apuração das prisões ilegais de advogados como Dalmo Dallari, e tantos
outros gigantes da cidadania.
Nos dias atuais, porém, os portões do edifício se abrirão novamente
para dar lugar a outras atividades de cunho mais nobre, preservando a
memória, mas deixando para trás os tempos da triste realidade vivida por
brasileiros naquele período de desrespeito ao direito de defesa. Após um
trabalho de ressignificação, o local abrigará a educação em direitos huma-
nos com o intuito de promover reflexão sobre o tema, a fim de proteger as
futuras gerações do cometimento de erros similares. É um dever de quem
vivenciou e assistiu tais atrocidades contra direitos no Brasil.
A requalificação do edifício tem o propósito de promover debates,
conferências e exposição da história da época – registrada em documen-
tos processuais e gravações de relatos de réus e advogados. Esse é o mote
do projeto Memorial da Luta pela Justiça. A iniciativa nasceu da parceria
entre a Ordem dos Advogados do Brasil – Seção São Paulo (OAB SP) e o
Núcleo de Preservação da Memória Política. E, em outubro de 2015, foi
enquadrada no segmento ‘Restauração de Patrimônio Material’ da Lei de
Incentivo à Cultura (Lei Rouanet).
O resgate dos esforços feitos no passado, com a intenção de contribuir
para a valorização dos direitos humanos de forma ampla, é fundamental
sobretudo nos tempos atuais, quando assistimos ao aumento da intolerân-
cia no país e também em todo o mundo. Foi sempre seguindo a diretriz
de contribuir para a construção de uma sociedade mais cidadã que a OAB
lutou pelo resgate da democracia – e, sendo assim, a advocacia enfrentou
com coragem o arbítrio da ditadura de 1964 na defesa dos presos políticos,
batalhou pelo retorno do habeas corpus na década de 1970 e pelo direito
de os brasileiros escolherem seus governantes durante o movimento das
“Diretas Já”. Hoje desafios distintos estão postos – e são muitos. Em meio
a uma grave crise moral, econômica e política, empunhamos a bandeira de
combate à corrupção, realizamos denso trabalho pela reforma política, que
culminou com um volumoso compêndio de propostas; temos multiplicado

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Memorial da luta pela justiça 13

nossas campanhas pelos direitos das mulheres, pela inclusão das minorias,
pela diversidade sexual e pelo acesso dos mais carentes à Justiça.
O Memorial da Luta pela Justiça, aliado a tantas outras ações que le-
vamos a cabo, é mais uma parte importante da larga frente de trabalhos
da instituição, que sempre agiu com dinamismo e boas parcerias durante
esses 85 anos de trajetória completados no ano de 2017. Que ao trazer para
os dias atuais os exemplos do passado, os envolvidos com esse projeto con-
sigam cooperar para o enriquecimento do diálogo em torno da prática da
cidadania e da defesa de garantias constitucionais, sempre da forma mais
transparente e participativa possível.

Marcos da Costa
Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil
Seção São Paulo

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Apresentação

E sta publicação pretende-se um livro-relatório de divulgação sobre as ati-


vidades culturais e de pesquisa realizadas pelo Núcleo de Preservação da
Memória Política em parceria com a Ordem dos Advogados do Brasil Seção
São Paulo. Estas atividades aconteceram entre agosto de 2016 e julho de 2017,
no âmbito do que veio a ser a chamada de Segunda fase da Primeira etapa de
implantação para a criação do futuro Memorial da Luta pela Justiça.
Para contextualizar o leitor no projeto de recuperação do prédio da
antiga Auditoria Militar e sua transformação em Memorial, será apresen-
tado um breve histórico do processo de tomada cultural daquele espaço,
assim como as primeiras iniciativas em torno da criação desse novo sítio
de memória, por meio da elaboração de documentos arquitetônicos e mu-
seológicos para o projeto.
No âmbito da Segunda fase, serão apresentados os principais resulta-
dos da pesquisa histórica realizada junto aos arquivos da Justiça Militar da
União, preservados pelo Projeto Brasil: Nunca Mais e pelo Arquivo do Su-
perior Tribunal Militar, bem como os resumos das entrevistas realizadas
com advogados e ex-presos políticos.
Já em movimento, o futuro Memorial realizou diversas atividades educa-
tivas e culturais nesse período, mobilizando um público bastante diversifica-
do, de crianças a idosos, que contribuíram com discussões sobre o passado e
reflexões sobre o presente. Os principais temas serão apresentados no último
capítulo desta obra, que pretende, antes de tudo, divulgar essa preciosa inicia-
tiva de preservação da memória política que é o Memorial da Luta pela Justiça.
Os desafios presentes e vindouros são muitos, e a proposta final deste
livro é apresentar uma breve reflexão da diretoria do Núcleo Memória so-
bre o futuro desse Memorial que já é referência para os cidadãos paulistas
que desejam conhecer mais sobre o período ditatorial.
Núcleo de Preservação da Memória Política

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I. Projeto de retomada e transformação
do prédio da antiga Auditoria Militar

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Ressignificando um lugar de memória

E m São Paulo, um lugar símbolo da repressão e da resistência durante


a ditadura civil-militar é o prédio que abrigou as Auditorias Militares
Federais da 2ª Circuscrição Judiciária. Local de repressão e institucionali-
zação de um Estado de exceção que violou leis e não reconhecia os diretos
dos cidadãos, mas também de resistência de civis que ousaram enfrentar
a violência do regime – que tomou o poder no ano de 1964 – e que encon-
travam, nesse lugar, além de uma garantia de sobrevivência, um espaço
para protestar, por meio de seus advogados, contra as arbitrariedades do
Estado.
Ao pleitear sua ressignificação e uso cultural, o Núcleo de Preservação
da Memória Política e a Seção de São Paulo da Ordem dos Advogados do
Brasil almejam transformar esse espaço num lugar destinado a ser a repre-
sentação da memória dos advogados e dos ex-presos políticos, que mesmo
em condições adversas, souberam dar um exemplo à sociedade com a bus-
ca e a defesa dos direitos e valores fundamentais da humanidade. O Me-
morial da Luta pela Justiça será mais um espaço voltado para a educação
em direitos humanos na cidade de São Paulo.

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O que foi a Auditoria Militar Federal
de São Paulo?

A história da Auditoria Militar remonta ao período colonial brasileiro,


em especial, à vinda da família real para o Brasil. Esse evento fortale-
ceu a necessidade de organizar formalmente a Justiça Militar em 1808, que
desempenhava atividades administrativas e judiciárias. Após a Proclama-
ção da República, em 1889, assistiu-se a uma reorganização do sistema ju-
diciário brasileiro que, de acordo com a historiadora Angela Silva (2003),1
incidiu discretamente sobre a Justiça Militar. Comissões Militares eram
organizadas para conter manifestações públicas de movimentos simpati-
zantes à Monarquia, que fora deposta para dar lugar à República. E os cri-
mes de conspiração contra a República eram passíveis de penas militares.
Com o Código Penal de 1890 foram tipificados os crimes de natureza
política, contra a segurança interna e externa, como competência da Justi-
ça Militar. Somente com a Constituição Federal de 1891 esta competência
passou para a Justiça Federal, no entanto, vários crimes de natureza políti-
ca ao longo dos anos continuavam a ser julgados em foros militares.
Muitos historiadores se especializaram em analisar as fronteiras entre
o crime político e o militar no Brasil durante os períodos do Império e da
República até o fim da Ditadura civil-militar (1964-1985), sendo possível
encontrar importantes trabalhos sobre o tema. No entanto, o que nos in-
teressa ressaltar é que há uma duradoura relação entre a Justiça Militar e
julgamentos a civis em nome da Segurança Nacional.
Durante o período ditatorial, que vigorou no Brasil do ano de 1964 a
1985, aqueles que fossem contrários à ordem estabelecida eram considerados
inimigos internos do Estado e enquadrados na Lei da Segurança Nacional.
A implantação do Ato Institucional n. 2 (AI-2) no ano de 1965 ampliou o
poder da Justiça Militar trazendo para sua jurisprudência os crimes políticos
de civis. Os julgamentos buscavam dar “ares de legalidade” aos inquéritos

1
Silva, Angela Moreira Domingues da. Histórico da Justiça Militar brasileira: foro especial e
crime político. XXVII Simpósio Nacional de História. ANPUH, 2013.

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22 Núcleo memória

e processos forjados em prisões ilegais e confissões obtidas em sessões de


torturas, que muitas vezes culminavam em assassinatos e desaparecimentos.
Os julgamentos dos militares e civis qualificados como “inimigos do
Estado” eram realizados na Auditoria Militar da 2ª CJM,2 instuida pela Lei
n. 5.048, de 22 de dezembro de 1958. Considerada como a 1ª instância de
julgamento, a Auditoria era composta por: um juiz de Direito Militar, com
a designação de auditor; um promotor; advogados de ofício; um escrivão;
três escreventes; um oficial de justiça; e um contínuo, todos de função efe-
tiva e com ingresso por concurso público.
Os julgamentos eram, no entanto, feitos por um Conselho Permanente
de Justiça, composto por um juiz auditor e quatro militares de patente su-
perior à do acusado (no caso de julgamento de militares). Os componentes
militares do Conselho eram sorteados trimestralmente, em sua maioria
com patentes de tenente, capitão e major. Não era necessária uma forma-
ção jurídica e o militar com a patente mais alta presidia o Conselho. É
importante registrar que, muitas vezes, as sentenças eram previamente de-
terminadas e meramente encenadas como peças teatrais.

Reginaldo Manente

Defesa do advogado Idibal Pivetta perante o Conselho Permantente de Justiça


na 2ª Auditoria Militar de São Paulo.
Fonte: Estadão Conteúdo

2
Em 1920, foram criadas 12 Circunscrições Militares por meio do Decreto n. 14.450. A 8ª CJM
foi estabelecida na cidade de São Paulo e atendia os casos do Estado de São Paulo e do Estado
de Goiás. Após uma reestruturação das Cirscuncrições Militares, feita pelo Decreto n. 17.231-
A, de 1926, os Estados de São Paulo e de Goiás passaram a integrar a 2ª CJM. Somente em
1969, com o Decreto 1.003, a 2ª CJM passou a responder apenas pelo Estado de São Paulo.

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Memorial da luta pela justiça 23

Com o acirramento da repressão militar e a prisão de civis acusados de


crimes contra a Segurança Nacional, houve um aumento significativo de
processos na Auditoria Militar de São Paulo, conforme publicou o jornal
Folha de São Paulo,3 ao noticiar o Decreto-Lei n. 252, de 29 de maio de 1970,
que criou a 2ª Auditoria Militar da 2ª CJM.
O decreto estaleceu uma nova denominação para a Auditoria existente,
passando a ser chamada de 1ª Auditoria, e a 2ª Auditoria criada recebeu as
mesmas competências e atribuições, além de uma Corregedoria Geral, que
era responsável por fiscalizar e orientar os serviços judiciários e adminis-
trativos dos órgãos de 1ª Instância. A distribuição dos processos, de acordo
com o Decreto, deveria ocorrer de forma alternativa, observando-se a ordem
cronológica de entrada na Justiça Militar.
As duas auditorias não foram suficientes para o elevado número de pro-
cessos julgados pela Justiça Militar durante o período ditatorial, e no ano de
1971 foi criada a 3ª Auditoria Militar da 2ª CJM, através da Lei n. 5.661. De
acordo com a lei, por estarem todas as auditorias em São Paulo, funcionando
na mesma sede, deveriam ter jurisdição mista, ou seja, as três auditorias po-
deriam receber processos da Marinha, Exército e Aeronáutica.
O juiz Nelson da Silva Machado Guimarães, que atuou na 2ª Auditoria,
afirmou em depoimento à Comissão Nacional da Verdade, em 2014, que pre-
sidiu audiências em que os presos deram depoimentos com evidentes sinais
de torturas, e que a tortura era uma prática sistemática, como também as
prisões ilegais em dependências militares e policiais durante a ditadura.
Das decisões tomadas nessas Auditorias, cabiam ainda recursos ao Su-
perior Tribunal Militar (STM), que corresponde à segunda instância da Jus-
tiça Militar. A 3ª Auditoria foi extinta pela Lei n. 8.719, de 19 de outubro de
1993, existindo atualmente apenas a 1ª e 2ª Auditoria da 2ª CJM.
O prédio que abrigou essas Auditorias foi um espaço de luta e de resis-
tência. Muitos advogados que atuaram na defesa de presos políticos utiliza-
vam a denúncia como estratégia para trazer a público as prisões realizadas
pelos órgãos repressivos. Em alguns dos casos, essa prática poderia impedir
o assassinato nas sessões de tortura.
Os presos políticos valeram-se também das audiências nos processos
para denunciar as torturas e abusos sofridos, juntamente com seus fami-
liares e amigos que resistiram nesse longo período de exceção.

3
Folha de São Paulo, 31 de maio de 1970. Primeiro caderno, p. 27. Acervo Folha. Disponível
em: <http://acervo.folha.uol.com.br/fsp/1970/05/31/2/>.

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Etapas do processo de
recuperação do prédio

O Núcleo de Preservação da Memória Política, que possui como um


de seus campos de atuação a reivindicação para a preservação dos
lugares de memória, solicitou em julho de 2012, representado por seu en-
tão presidente Alípio Raimundo Viana Freire, que o Ministério Público
Federal (MPF) em São Paulo adotasse “medidas de acompanhamento e in-
vestigação sobre as ações do Poder Público para criação, proteção e admi-
nistração de Lugares de Memória, monumentos, paisagens e outras formas
de homenagens às vítimas da ditadura militar, sugerindo, dentre as ações,
um olhar especial e prioritário para a tutela da Auditoria Militar (Avenida
Brigadeiro Luís Antônio, 1249, São Paulo – capital)”.4
Essa solicitação foi reforçada pelo apoio do Dr. Aurélio Virgilio Veiga
Rios, Sub-Procurador Geral da República, que recebeu dos fundadores do
Núcleo Memória, Maurice Politi e Ivan Seixas, cópia do oficio enviado ao
MPF. Entendendo a importância da solicitação, a demanda foi repassada
para o Procurador Federal sediado em São Paulo, Marlon Alberto Weichert,
que verificou o status do edifício sob o aspecto jurídico de propriedade e uti-
lização e passou a acompanhar essa solicitação feita pelo Núcleo Memória.
A partir deste momento, foram envidados esforços de mobilização para
reunir outros atores sociais e militantes de direitos humanos que comparti-
lhavam do interesse na preservação deste importante lugar de memória do
período ditatorial. Entre eles, cabe mencionar os Drs. Mário Sérgio Duarte
Garcia e Belisário dos Santos Júnior, que além de suas trajetórias jurídicas,
eram respectivamente presidente e vice-presidente da Comissão da Verdade
da OAB SP; Adriano Diogo, então deputado estadual e presidente da Co-

4
Pedido feito ao MPF pelo Núcleo de Preservação da Memória Política. São Paulo, 6 de julho
de 2013.

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26 Núcleo memória

missão da Verdade Rubens Paiva, da Assembleia Legislativa de São Paulo;


Paulo Abrão, então Secretário Nacional de Justiça e presidente da Comissão
de Anistia, assim como as Procuradoras da República Inês Virgínia Prado
Soares e Eugênia Gonzaga.
O imóvel da antiga Auditoria pertence à Superintendência do Patrimônio
da União, e a primeira reunião feita com este órgão específico da Estrutura
Regimental do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, repre-
sentada pela Dra. Ana Lúcia dos Anjos, foi realizada no dia 1º de outubro de
2012, com um representante do Núcleo Memória e um do MPF. Na ocasião,
foi comunicado que o prédio já havia sido cedido à Polícia Federal, que tinha o
objetivo de instalar ali a Delegacia de Estrangeiros da PF, posto que havia uma
demanda de atendimento à população em local de fácil acesso.
A partir dessas informações, o Núcleo Memória, o MPF, a OAB SP e o
então Deputado Adriano Diogo empreenderam diálogos com a Superinten-
dência da Polícia Federal no sentido de sensibilizar sobre a importância da
salvaguarda patrimonial do prédio da antiga Auditoria e sua ocupação cul-
tural para a preservação da memória política. Esse esforço conjunto buscava
também encontrar alternativas para as demandas de um espaço amplo que
o órgão tinha, e também à falta de recursos disponíveis no orçamento da
Polícia Federal para adaptação do prédio da Auditoria às suas necessidades.
Diante da intervenção do Ministério Público Federal e do Núcleo Me-
mória, após uma reunião feita com o Dr. Marlon Weichert do MPF e Mau-
rice Politi, do Núcleo Memória, em 4 de outubro de 2012, a então Secretária
da Justiça e da Cidadania do Estado de São Paulo, Dra. Eloísa Arruda, cedeu
um prédio na Barra Funda para que a Polícia Federal realizasse o atendi-
mento aos estrangeiros nesse local que outrora abrigou o Procon. Após essa
disponibilidade, em resposta à SPU, o então Superintendente da Polícia Fe-
deral devolveu a cessão do prédio da antiga Auditoria Militar e ressaltou, no
documento, a importância da recuperação do espaço para uso cultural.
Paralelamente a essas gestões, surgiu um pedido através do Conselho Co-
munitário de Segurança (Conseg) do bairro da Bela Vista, que também ma-
nifestou interesse pelo prédio. O objetivo do grupo era que fosse instalada ali
uma unidade da Guarda Civil Metropolitana ou da Polícia Militar do Estado.
Novamente, diligências feitas pelo Dr. Marlon Weichert em conjunto com o
presidente da Comissão Estadual da Verdade, deputado Adriano Diogo e do
Nucleo Memória, na Prefeitura Municipal de São Paulo e no Governo do Es-
tado, foram prósperas no sentido de mostrar a importância da recuperação
histórica do prédio, e a proposta apresentada pelo Conseg não avançou.

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Memorial da luta pela justiça 27

Em 30 de abril de 2013, a Ordem dos Advogados do Brasil Seção São Pau-


lo, representada por seu presidente Marcos da Costa, a Comissão da Verdade
da OAB SP, na pessoa de seu presidente Mário Sérgio Duarte Garcia, tendo
como parceiro o Núcleo de Preservação da Memória Política, representado
por seu diretor Maurice Politi, solicitaram formalmente à Superintendência
do Patrimônio da União a cessão do prédio onde funcionou a Auditoria Mi-
litar, para transformá-lo em espaço cultural, dotando-o de museu histórico. 5
Este pleito só foi possível graças à atuação de diversos atores sociais e au-
toridades, e ao apoio da União, Estado e do município, que comprenderam a
importância da sua recuperação histórica.
Finalmente, em 5 de agosto de 2013, a OAB SP e o Núcleo Memória emi-
tiram um convite para “um ato de transgressão democrática”, ou lançamento
das futuras instalações do Memorial da Luta pela Justiça, no prédio da antiga
Auditoria Militar. No evento, que contou com a presença de um grande públi-
co, entre autoridades da OAB SP, representantes de organizações da sociedade
civil, ex-presos políticos, familiares de vítimas, advogados e autoridades dos
governos municipal, estadual e federal, foi assinado o “Termo de Cessão sob
o Regime de Utilização Gratuita”, entre a Ordem dos Advogados do Brasil e
a Superintendência do Patrimônio da União em São Paulo, de acordo com o
processo de destinação n. 04977.002193/2013-80. Por meio deste, a OAB SP se
comprometeu a instalar um “memorial histórico dedicado à pesquisa, con-
servação, estudo e exposição de objetos de valor histórico relativo ao período
da ditadura civil-militar que se instalou no Brasil com o golpe de 1964” pelo
prazo de 10 anos, prorrogáveis por iguais e sucessivos períodos.
No mesmo dia, a Comissão da Verdade da OAB SP coletou depoimentos
dos advogados: Rosa Maria Cardoso da Cunha, José Carlos da Silva Arouca,
Paulo Sérgio Leite Fernandes e do ex-preso político Leopoldo Paulino.

Ocupação cultural pela Companhia de Teatro


Popular União e Olho Vivo (TUOV)
A primeira ocupação cultural feita no prédio, já no âmbito das ativi-
dades para o futuro Memorial da Luta pela Justiça, foi empreendida pela
Companhia de Teatro Popular União e Olho Vivo, dirigida por César Viei-
ra (nome artístico de Idibal Pivetta). O TUOV foi fundado no ano de 1966,
no Centro Acadêmico XI de Agosto da Faculdade de Direito da Universi-

5
Ofício n. 499/13 apresentado à SPU, protocolado em 14/5/2013.

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28 Núcleo memória

dade de São Paulo, e a partir do início da década de 1970 concentra-se em


promover um teatro popular brasileiro.
Todas suas peças versam sobre a realidade brasileira e contemplam a
participação popular, temas pouco discutidos na sociedade. Augusto Boal,
renomado diretor de teatro, ressaltou a importância do TUOV em recente
livro publicado pela companhia:
Em seu quase meio século de teatro, César fez o que nenhum entre nós
conseguiu fazer: durante mais de quarenta anos esteve, e está, à frente de
um grupo, União e Olho Vivo, sempre vivo, ativo, dirigindo, escrevendo, −
jamais hibernando, mesmo nos piores momentos da ditadura que assolou
nosso país, mesmo na prisão. É admirável que tenha ainda hoje, ao seu lado,
alguns dos fundadores desse grupo, valentes como ele (TUOV, 2015).6

Como advogado, Idibal foi preso em 1973 em pleno exercício de sua


função e por realizar, em suas palavras, “uma advocacia militante” que
lutava pelo respeito à liberdade e à vida humana. Foi mantido preso no
DOI-Codi, Deops/SP e no Presídio do Hipódromo até ser absolvido pelo
Tribunal da Justiça Militar. O teatro fundado por ele (TUOV) também
enfrentou a violência da censura e a prisão de seus artistas durante vários
anos. Augusto Boal relatou um de tantos episódios da advogacia militante
que esse artista engajado realizou:
Tanto quanto centenas de outros dos seus amigos, eu atesto sua coragem:
estava eu exilado em Buenos Aires, para onde fui banido em 1971; o consu-
lado brasileiro, obedecendo ordens, recusou-se a revalidar meu passapor-
te, em 1976, ano cruento. Avançavam ditaduras, aqui e por boa parte da
América Latina, e eu não podia ficar por lá, nem podia voltar. Destemido,
o dramaturgo César Vieira assumiu-se cidadão Idibal Pivetta, advogado,
e processou o então ministro da injusta Justiça da ditadura (TUOV, 2015).

O TUOV, como seu diretor, possuía uma atuação múltipla, e enfrentou


os anos ditatoriais com uma resistência artística e política que contribuiu
na luta pela anistia e pela volta da democracia. De acordo com relatos de
advogados que trabalharam com Idibal Pivetta, em suas diligências na Au-
ditoria durante a ditadura, recorrentemente dizia aos escrivães e funcio-
nários daquela repartição pública que a Democracia iria chegar e tomar
aquele espaço. A democracia chegou, levou alguns anos de silêncio institu-
cionalizado sobre o tema da ditadura, mas em 30 de abril de 2013 ocupou
aquele espaço, abrindo as portas do que virá a ser o Memorial da Luta pela
Justiça com a apresentação do espetáculo “A cobra vai fumar”.

6
Teatro Popular União e Olho Vivo. Em busca de um Teatro Popular. São Paulo, 5ª ed., nov. 2015.

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Memorial da luta pela justiça 29

Cristovão Bernardo/OABSP
Folder da Ocupação Cultural em 30/11/2013
Fonte: Acervo do TUOV

Projeto Estúdio Preto e Branco

Folder da Ocupação Cultural em 30/11/2013


Fonte: Acervo do TUOV

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30 Núcleo memória

O espetáculo musical conta uma estória da Força Expedicionária Bra-


sileira, que com um contingente de 25 mil soldados (Pracinhas) participou
da Segunda Guerra Mundial (1944-1945), atuando na Itália em defesa da
liberdade contra os regimes nazifacistas que vigoravam na Europa naquele
período. A professora e pesquisadora de teatro, Iná Camargo Costa, desta-
cou a especificidade desta estória apresentada pelo TUOV:
Empenhado em desmistificar, o TUOV expõe as mais clamorosas contra-
dições desta participação, com especial destaque para o destino catastró-
fico de um gaúcho descendente de alemães que foi tomado por nazista na
confusão extrema da babilônia linguística em que mergulharam os bra-
sileiros em meio a partigiani (guerrilheiros italianos antifascistas) e co-
mandantes americanos. Neste episódio temos a pergunta sobre o sentido
da formação do povo brasileiro – na figura do descendente de imigrantes
europeus – que, perdido numa guerra entre forças que ignora, se vê sob as
ordens de comandantes cuja língua não entende, participa de ações cuja
estratégia não alcança e mata inimigos que poderiam ser seus parentes
(Iná Camargo Costa, TUOV, 2014). 7

O espetáculo foi apresentado no pátio do prédio, em um sábado à tarde,


no dia 30 de novembro de 2013, reunindo um público de aproximadamen-
te 300 pessoas, entre advogados, ex-presos políticos, familiares de vítimas
e integrantes da sociedade civil. O evento marcou a inauguração do prédio
como lugar de memória. Por meio de atividades culturais e de recuperação
histórica, o local, que foi um lugar de lutas históricas por justiça e liberdade
durante um dos piores anos de censura e repressão que vigorou no nosso
país, promove agora o respeito aos direitos humanos. Projeto Estúdio Preto e Branco

7
A cobra vai fumar”, uma estória da Força Expedicionária Brasileira. Teatro Popular União
e Olho Vivo. São Paulo, 2014.

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Memorial da luta pela justiça 31

Projeto Estúdio Preto e Branco


Atividade de cessão do prédio da SPU para a OAB em 05 de agosto de 2013. Foto: Cristovão Bernardo.
Acervo OAB/SP

Parceria entre a OAB SP e o Núcleo Memória


A parceria entre o Núcleo de Preservação da Memória Política e a Or-
dem dos Advogados do Brasil Seção São Paulo nasceu no processo de rei-
vindicação para que o prédio da antiga Auditoria Militar se transformasse
em mais um lugar de memória da ditadura musealizado em São Paulo.
Tendo grande valor simbólico para a história das duas instituições, a
preservação desse bem tombado uniu o Núcleo Memória e a OAB SP, que
firmaram um Termo de Parceria em 7 de fevereiro de 2014. O objetivo foi
estabelecer as atribuições das entidades para compartilhar a gestão admi-
nistrativa do futuro memorial que deverá
desenvolver ações museológicas, educativas e culturais a partir da valori-
zação das memórias das iniciativas individuais e coletivas a favor da luta
pelo direito à justiça no Brasil, com ênfase para a atuação da OAB SP e dos
movimentos políticos que marcaram as estratégias de resistência às arbi-
trariedades e a construção dos caminhos da redemocratização.

No contexto de atividades culturais que marcaram os 50 anos do Gol-


pe Militar, o Memorial da Luta pela Justiça, em parceria com a Comissão
da Anistia e seu projeto Marcas da Memória, promoveu o evento “50 anos
depois: os advogados da resistência”, que juntou o lançamento do filme
Os advogados contra a ditadura – por uma questão de justiça, do cineasta
Silvio Tendler, que esteve presente, e do livro Advocacia em tempos difíceis,
de Paula Spieler e Rafael Queiroz.

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Projeto de intervenção

Fase um – Elaboração dos projetos arquitetônico e museológico


Após a cessão do prédio pela SPU e sua tomada cultural feita pela OAB
SP e pelo Núcleo Memória, estas instituições, como gestoras do projeto de
criação do Memorial da Luta pela Justiça, consideraram submeter o proje-
to à apreciação do Ministério da Cultura do Governo Federal. Para isso, a
OAB SP contratou uma equipe de profissionais para a elaboração do Plano
Museológico e do Projeto de Intervenção Arquitetônica.
Em novembro de 2013, foi formado um grupo técnico de trabalho
composto por duas museólogas (Maria Cristina Bruno e Kátia Felipini),
um arquiteto (Marcos Cartum), um jornalista (Vladimir Sacchetta), um
pesquisador e ex-preso político (Maurice Politi) e o Estúdio Preto e Branco
para os trabalhos de design gráfico.
O grupo de trabalho atuou até julho de 2014, quando apresentou à
OAB SP os seguintes resultados:

− Projeto Básico de Arquitetura e Restauro


O documento compreende uma pesquisa sobre a história do bairro e
suas arquiteturas, até chegar mais detidamente ao sobrado onde será ins-
talado o memorial. O imóvel foi construído no fim do século XIX e foi re-
formado em 1919, pelo arquiteto italiano Guiseppe Sacchetti. Na pesquisa
foram encontrados desenhos arquitetônicos feitos em 1938 pelo Serviço de
Engenharia do Exército, quando o imóvel foi comprado para sediar as Au-
ditorias Militares de São Paulo. Também apresenta um relatório arquitetô-
nico da situação do imóvel e especificidades dos restauros necessários para
o novo uso do bem tombado, e quais os procedimentos mais adequados de
restauração e conservação que deverão ser feitos nos pisos, forros, fachadas
e cobertura, além de um relatório técnico de prospecções pictórias e um
relatório fotográfico.

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34 Núcleo memória

− Plano Museológico
Considerado como ferramenta básica de planejamento estratégico,
este documento é exigido pela Lei n. 11.904/2009, que instituiu o Estatu-
to de Museus no Brasil. Vale destacar que o Plano do MLPJ foi elaborado
pelas mesmas museólogas que elaboraram o Plano Museológico do Me-
morial da Resistência de São Paulo, primeiro memorial constituído pelo
Poder Público no Brasil a tratar sobre o período ditatorial. Sobre o Plano
do MLPJ:
Para a sua constituição foi organizado o Programa Museológico, elabo-
rado e desenvolvido por equipe interdisciplinar, que norteou as suas ati-
vidades em torno de discussões conceituais sobre o perfil do repertório
patrimonial a ser tratado pelo Memorial e divulgação sobre as intenções
da proposta, da elaboração de projetos técnicos de qualificação arquitetô-
nica e de museografia e, ainda, sobre o estabelecimento das premissas para
a atuação pública institucional no que se refere às responsabilidades mu-
seológicas de salvaguarda (conservação e documentação) e comunicação
(exposição e ação educativo-cultural).8

O documento apresenta os objetivos da instituição, conceito gerador,


acervo institucional, visão e valores institucionais, função museológica,
principais linhas de ação museológica, modelo de gestão e informações so-
bre as etapas de implantação institucional. A pesquisa, nessa fase, contem-
plou a realização de sete entrevistas em áudio com os seguintes advogados
que atuaram na Auditoria Militar de São Paulo: Mario de Passos Simas,
Belisário dos Santos Júnior, Idibal Pivetta, Airton Estevens Soares, Maria
Luiza Bierrenbach, Jose Carlos Dias e Luiz Eduardo Greenhalgh. Estas en-
trevistas poderão ser consultadas no futuro Memorial.

− Projeto de Expografia
Apresenta os projetos de setorização e layout dos ambientes do térreo,
primeiro e segundo pavimentos. Delimita os espaços expositivos (longa
duração e temporária), educativo, área técnica/institucional, circulação e
auditório. Para a exposição de longa duração, o projeto prevê: Linha do
tempo (história das lutas pelos direitos à justiça no Brasil), Sala do Juiz
(documentos de processos), Sala dos Testemunhos (acesso as gravações dos
relatos orais), Sala dos Julgamentos (reconstituição com recursos audio-
visuais), Sala da Cultura (vida cultural do país, música, teatro e cinema).

8
Plano Museológico do Memorial da Luta pela Justiça. São Paulo, 2014, p. 3.

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Memorial da luta pela justiça 35

− Projeto de Comunicação Visual


Este caderno apresenta o projeto básico da sinalização do futuro Me-
morial, com as especificações e quantificações de acordo com a legislação
vigente sobre segurança em museus.
Todos esses documentos foram aprovados pela diretoria da OAB SP,
que solicitou ao grupo técnico orçamentos preliminares para as restau-
rações, reformas, pesquisa e expografia para a constituição do memorial.
A partir de então, a pedido da OAB SP, o Escritório Mattos Filho, Veiga
Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados adaptou o projeto para os forma-
tos exigidos pelo Ministério da Cultura, para apresentação à Lei Rouanet.
Esse projeto foi submetido na categoria “Restauro de patrimônio histórico
e museus” para efeito de captação com incentivo fiscal de 100% do valor
necessário, estimado em cerca de oito milhões de reais, o qual foi aprovado
em outubro de 2015, tendo recebido o n. 140000.022620/15-55.
O projeto prevê que o Memorial terá uma exposição de longa duração
que contará com uma linha do tempo com a história das lutas pelo direito à
justiça no Brasil; exibição de documentos relativos a processos do período
ditatorial; uma sala com testemunhos orais que estão sendo coletados pela
equipe de pesquisa do Núcleo Memória com advogados e ex-presos políti-
cos; e outros ambientes expositivos.

Projeto Estúdio Preto e Branco

Sala da Linha do Tempo. História das lutas pelos direitos à justiça no Brasil. Imagens do Projeto de
Expografia do futuro MLPJ.
Fonte: Acervo do MLPJ

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Projeto Estúdio Preto e Branco


Sala do Juiz. Documentos de processos. Imagens do Projeto de Expografia do futuro MLPJ.
Fonte: Acervo do MLPJ

Projeto Estúdio Preto e Branco

Sala dos Testemunhos. Acesso às gravações dos relatos orais. Imagens do Projeto de
Expografia do futuro MLPJ.
Fonte: Acervo do MLPJ

O Memorial contará ainda com espaços para exposições temporárias,


auditório na área externa do prédio e um Centro de Referência. Até maio
de 2017, foi captado 14% do valor total do projeto. Estima-se que até de-
zembro deste ano sejam iniciadas as reformas no imóvel.

Fase dois − Pesquisa histórica e ocupação cultural


Com a captação em andamento, realizada pela Ordem dos Advogados
do Brasil Seção São Paulo, o Núcleo Memória se dedicou a iniciar a Fase dois
da Primeira etapa de intervenção e, para isso, contou com o apoio financeiro
da instituição OAK Foundation, entre agosto de 2016 e julho de 2017.
Essa fase compreendeu o início da pesquisa histórica para subsidiar a
composição da exposição de longa duração, enriquecendo e ampliando as

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Memorial da luta pela justiça 37

pespectivas apresentadas no Plano Museológico. As atividades de pequisa


foram realizadas no escritório do Núcleo Memória e contou com a parti-
cipação de três historiadores, uma jornalista e uma estagiária de história.
Considerando a importância do registro de história oral com testemu-
nhas do período, priorizou-se a realização de entrevistas com advogados
e ex-presos políticos. Paralelamente foi iniciada a pesquisa para o levan-
tamento dos nomes de todos os que foram réus naquelas auditorias, e os
advogados que ali atuaram. O resultado dessa pesquisa será projetado na
parede de acesso à exposição de longa duração do futuro Memorial. A se-
guir, serão apresentados os principais caminhos metodológicos adotados
para essas pesquisas.
Optou-se por acompanhar uma tendência muito comum na Argentina,
de abrir os lugares de memória para visitação pública antes de eventuais
restaurações nos prédios ou mesmo antes de inaugurar uma exposição de
longa duração. Um exemplo muito importante a ser citado como referência
foi a recuperação do prédio da Escuela Mecánica de la Armada (Esma),
onde funcionou um dos centros clandestinos de detenção mais emblemá-
ticos da ditadura argentina. Quando o Governo Federal destinou o prédio
para uso cultural em 2004, o lugar foi aberto para visitações públicas e vi-
sitas guiadas, em especial o imóvel onde funcionou o Casino de Oficiales.
No entanto, somente em 2015 foi instalada uma exposição de longa dura-
ção no local, e inaugurado como Espacio para la Memoria y los Derechos
Humanos, sendo que, até esse momento, o lugar já havia recebido cerca de
10 mil pessoas em visitas com educadores ou sobreviventes do lugar.
O prédio da antiga Auditoria Militar, que é tombado pelo Departa-
mento de Patrimônio Histórico da Prefeitura Municipal de São Paulo, re-
conhecido como Patrimônio Histórico da cidade, também foi ocupado por
atividades educativas e culturais antes de uma intervenção expográfica. O
objetivo, a partir de referências de trabalhos de memória feitos na Argen-
tina, foi promover atividades que pudessem ao mesmo tempo colocar o
Memorial em funcionamento e divulgar o projeto de intervenção e capta-
ção de recursos. Nessa segunda fase do projeto, muitos visitantes puderam
conhecer um pouco mais da história do lugar e, por meio de atividades
diversas, ter a experiência de relacionar o passado com o presente, ressig-
nificando as memórias do que ocorreu outrora naquele espaço de resistên-
cia e repressão.

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II. Acervo de testemunhos −
entrevistas de advogados
e ex-presos políticos

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História oral – importância dos
testemunhos para a produção do
conhecimento

C ontrariando uma tendência mundial de revisar passados traumáticos,


no Brasil, o tema das memórias da Ditadura tardou a se fortalecer
na agenda pública, embora familiares de vítimas, ex-presos e perseguidos
políticos nunca tenham abandonado essa pauta. Foi somente após a ins-
talação da Comissão Nacional da Verdade, em 2012, que o tema ganhou
repercussão na sociedade brasileira.
Como consequência de uma transição para a democracia, lenta, gradual
e restrita no Brasil vigorou por anos um “silêncio institucionalizado”.1 Para
se ter uma ideia, o país ingressou oficialmente em 1985 no regime demo-
crático e apenas em 1995 foi criada a Comissão Especial sobre Mortos e
Desaparecidos Políticos, pelo Governo Federal, sendo que a primeira ini-
ciativa de abertura dos arquivos para consulta dos documentos produzidos
pelos órgãos de repressão se deu em dezembro de 1994, pelo Arquivo Pú-
blico do Estado de São Paulo.
Embora cientes da importância e centralidade dos acervos e documen-
tos públicos para a história nacional, entendemos que eles não são suficien-
tes para compreedermos um período tão complexo e traumático como o da
ditadura civil-militar.
Assim, as equipes do Núcleo Memória que desenvolvem o projeto de
pesquisa histórica e museológica para criação do Memorial da Luta pela
Justiça se lançaram na tarefa de ouvir as testemunhas, as pessoas que vi-
veram e foram diretamente impactadas pela ditadura para conhecer mais
sobre o período.
O alcance dos registros de história oral atravessa fronteiras e gerações,
contribuindo para que as experiências e memórias do passado ditatorial

1
Brito, Ana Paula. Escrachos aos torturadores da Ditadura. São Paulo: Editora Expressão
Popular, 2017.

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42 Núcleo memória

possam ser ressignificadas. Centros de Documentação e Memória tais


como o Cedic da PUC/SP, o Projeto Diversitas da USP, a Fundação Getúlio
Vargas e o Memorial da Resistência de São Paulo são algumas instituições
que preservam fontes orais sobre a ditadura no Brasil. Esses acervos con-
tribuíram para o trabalho realizado pela Comissão Nacional da Verdade,
com alguns testemunhos compondo o Relatório Final, publicado em 2014.
Outras Comissões Estaduais da Verdade, espalhadas por todo o território
nacional, reconheceram a importância do trabalho com fontes orais para
investigar o passado ditatorial.

A coleta de testemunhos para o projeto do Memorial da Luta pela Justiça


O trabalho com fontes orais contribui para que as pesquisas histórias
sobre o período ditatorial não fiquem restritas aos documentos oficiais do
Estado ditatorial. Ao registrar os relatos e a versão das vítimas tem-se a
possibilidade de ampliar o conhecimento sobre como a repressão atuou e
como suas ações impactaram os grupos de resistência e a sociedade de um
modo mais amplo.
No que diz respeito ao tema da luta pela justiça, o uso da metodologia
da história oral nos permite democratizar o acesso à memória e apresentar
aspectos muitas vezes invisíveis ao falar sobre os acontecimentos do pe-
ríodo. No caso do projeto do Memorial da Luta pela Justiça, advogados e
ex-presos políticos contribuíram com seus testemunhos para a escrita da
história sobre o funcionamento das Auditorias Militares de São Paulo, ex-
pondo detalhes que ainda não haviam sido registrados. Como, por exem-
plo, as estratégias utilizadas pelos advogados para atuar na Justiça Militar
durante o período de exceção, em que o habeas corpus havia sido suspenso.
Por desenvolver a advocacia, na luta por justiça, muitos eram amea-
çados, tinham escritórios invadidos, sofriam atentados e prisões e alguns
perderam clientes, pois eram identificados como “advogados de terroris-
tas”. Não menos importante é relatar que muitos advogados não cobra-
vam honorários pela defesa de presos e perseguidos políticos. “Era uma
advocacia emergencial, não era para ganhar dinheiro”, ouvimos de um dos
entrevistados.
Informações obtidas a partir de experiências relatadas pelos entrevis-
tados, complementadas por meio da consulta a documentos e acervos de
órgãos públicos que atuaram durante a repressão, descortinam aspectos
importantes de uma história que pertence a toda a sociedade. No caso dos
advogados, ao compartilharem suas memórias sobre as rotinas de traba-

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Memorial da luta pela justiça 43

lho, sobre os casos em que atuaram, com menção aos processos e os julga-
mentos de que participaram na Justiça Militar, mencionando as estratégias
utilizadas com o recrudescimento da ditadura, e explicando a dinâmica e o
funcionamento das Auditorias Militares, nos permitem conhecer aspectos
da luta pela justiça que não estão registrados em documentos.
Conhecer por dentro as práticas dos funcionários dessa instituição ju-
diciária-militar, seu funcionamento, conceitos e procedimentos jurídicos
é fundamental para entender como a ditadura utilizou aquele espaço para
dar “ares de legalidade” aos crimes praticados.
Outras peculiaridades, como a ostensiva militarização do entorno da
Auditoria Militar em São Paulo nos dias de audiência e julgamento, são
importantes para entender a diferença dessas Auditorias em relação às de
outros Estados. Os documentos oficiais produzidos nessa instância judicial
são patrimônio histórico nacional. No entanto, assim como a história oral,
são limitados e não revelam detalhes de outras relações e acontecimentos
históricos ocorridos naquele contexto.
Um exemplo trazido por muitos entrevistados, e citado pelo advogado
Idibal Pivetta, é que ele andava com uma máquina de escrever portátil em
seu automóvel, pois a qualquer momento poderia receber uma denúncia de
prisão ou desaparecimento. Com a máquina ao alcance, poderia fazer uma
petição e formalizar na Auditoria Militar pedidos de informações. Muitas
dessas petições ajudaram a salvar vidas de civis sequestrados em centros
clandestinos de detenção e tortura.
Muitos advogados ultrapassaram as fronteiras do trabalho jurídico de
defesa, e foram também solidários com os réus nos cárceres, levando-lhes
informações sobre seus familiares e amigos, e apoio de diversos tipos, en-
tre eles, o emocional. Alguns se reconhecem como advogados militantes,
outros afirmam que fizeram do direito sua militância, e há aqueles que
dizem que realizaram a advocacia possível. São múltiplas as perspectivas,
e todas elas válidas.
O que interessa demonstrar aqui é que a história oral tem sido uma
fonte indispensável para conhecer o período ditatorial. No entanto, traz
desafios inerentes a sua composição: o esquecimento, a seletividade da me-
mória, subjetividades da evocação, juízos de valor, entre outros. Por isso, o
processo de coleta de testemunhos precisa ser realizado com uma metodo-
logia adequada, elaborada para o objetivo que se deseja alcançar.
No caso das coletas de testemunhos feitas pela equipe do Núcleo Me-
mória para compor o acervo do Memorial da Luta pela Justiça, apesar dos

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limites próprios das fontes orais entendemos que o entrevistado era muito
mais que um informante, para nós é fonte viva, agente e objeto da história,
da nossa história. Por isso, cada entrevista se apresenta não só como um
momento de escuta, mas também como possibilidade de acesso à experi-
ência e memória do entrevistado. Nesse trabalho seguimos a metodologia
de história oral adotada por outras instituições congêneres do Brasil e da
América Latina, sendo seus principais aspectos apresentados a seguir.

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Metodologia do projeto
de coleta de testemunhos

O projeto de história oral realizou entrevistas temáticas a partir da


atuação dos atores sociais − advogados e ex-presos e perseguidos po-
líticos − durante a ditadura civil militar. O recorte estabelecido buscou
identificar as interfaces entre as formas de luta por justiça e direitos hu-
manos, e a atuação dos órgãos da Justiça Militar da União que julgaram os
processos de crimes políticos nas Auditorias Militares de São Paulo.
Nessa fase de implantação do Memorial da Luta pela Justiça foram
gravados 20 testemunhos entre julho de 2016 e março de 2017. Destes, 16
coletas com advogados que atuaram nas Auditorias Militares de São Paulo
e quatro com ex-presos e perseguidos políticos que foram réus naquelas
auditorias. A escolha dos advogados entrevistados considerou a lista de no-
mes indicados no Plano Museológico. Os ex-presos e perseguidos políticos
foram selecionados pelo Conselho Administrativo do Núcleo Memória,
que considerou a diversidade de organizações de resistência à ditadura das
quais os entrevistados participaram.
Estes testemunhos foram gravados em audiovisual e em estúdio,
pois além de fazerem parte do levantamento de referências memoriais e
patrimoniais para compor o acervo do futuro Memorial, também serão
utilizadas na exposição de longa duração, no espaço chamado Sala de
Testemunhos.
Antes de apresentarmos a metodologia elaborada, é necessário reafir-
mar que muitos de seus instrumentos de sistematização de dados foram
observados e adaptados de experiências de instituições congêneres. Espe-
cialmente os programas de história oral da Associação Memoria Abierta
(Argentina), da Corporación Parque por la Paz Villa Grimaldi (Chile) e do
Memorial da Resistência de São Paulo.

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46 Núcleo memória

Os caminhos adotados
Uma vez selecionados os entrevistados, a equipe de pesquisa do Nú-
cleo Memória estabeleceu o primeiro contato com os possíveis entrevista-
dos, para explicar brevemente o projeto e fazer o convite para a coleta de
testemunho. Após o aceite, foi enviada uma Carta-convite a cada um dos
convidados explicando o objetivo da entrevista, a que ela se destinava, bem
como sugestões de data e local para a realização da coleta.
A partir da aceitação, o próximo passo foi realizar uma pesquisa pré-
via, buscando informações biográficas e o envolvimento do entrevistado
na Justiça Militar da União e nas Auditorias Militares de São Paulo du-
rante o período ditatorial. No caso dos advogados, o foco principal é sua
participação na defesa de presos e perseguidos políticos e o funcionamento
daquela instituição judiciária-militar. Já no caso dos ex-presos, suas expe-
riências como réus julgados por esses órgãos. A pesquisa prévia acrescen-
tou, também, informações sobre os perfis de cada entrevistado.
Ao concluir a pesquisa prévia, o passo seguinte foi confirmar, por con-
tato telefônico com o entrevistado, os dados obtidos. Na oportunidade se
estabeleceu a interlocução entre pesquisador/entrevistador e entrevistado.
Além de abrir esse diálogo com o objetivo de mostrar o nosso desejo de
escuta, procuramos anotar e coletar dados objetivos de sua atuação no pe-
ríodo militar e informações pessoais, como o estado civil e a data de nas-
cimento, que farão parte do cadastro no banco de dados do acervo. Foram
também apresentados os alcances do Termo de licença que o entrevistado
assinaria no dia da entrevista, autorizando o Núcleo Memória e o Memo-
rial da Luta pela Justiça a utilizar sua entrevista para os fins estabelecidos
no termo.1 Neste momento, eram feitas perguntas precisas e objetivas para
confirmar dados encontrados na pesquisa prévia. Após este procedimento,
foram elaborados dois documentos únicos para cada entrevista: a pauta e
o roteiro da entrevista.
O roteiro continha as perguntas estruturadas, seguindo um caminho
padrão de temas e perguntas para os advogados e outro para os ex-presos
e perseguidos políticos. Este documento era de uso exclusivo dos pes-
quisadores, não sendo enviado previamente aos entrevistados, a não ser
que fosse solicitado. O objetivo deste documento é ajudar o entrevistador
a mediar o processo de memória feito pelos entrevistados no dia da en-
trevista, procurando respeitar as escolhas e o percurso da memória entre

1
Um modelo do termo utilizado está disponível no Anexo 5 desta obra.

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Memorial da luta pela justiça 47

lembranças e esquecimentos. Havia temas comuns em todas as entrevistas,


considerando questões de interesse do projeto como os julgamentos nas
Auditorias Militares de São Paulo e as expectativas em relação ao futuro
Memorial da Luta pela Justiça. No entanto, apesar das semelhanças dos
roteiros, novas perguntas poderiam ser acrescentadas ou suprimidas de
acordo com o perfil de cada um.
A pauta foi entregue ao entrevistado no dia da entrevista e continha os
principais temas a serem abordados, enunciados por assuntos. A preocu-
pação em apresentar temas e não perguntas era o de não induzir o processo
de memória que será feito pelo entrevistado antes da entrevista. A pauta era
discutida com o entrevistado já posicionado para a gravação, sendo uma
oportunidade também de promover a ambientação de todos os envolvidos.
Caso ele não desejasse tratar determinado tema presente no documento,
imediatamente era retirado do roteiro dos pesquisadores.
Outros dois documentos são fundamentais para a metodologia do tra-
balho de história oral construída: a Ficha Técnica e a Ficha de Decupagem.
A Ficha Técnica reúne informações pessoais do entrevistado, dados
técnicos sobre a entrevista, da equipe participante, além dos dados da pes-
quisa prévia com as principais fontes relacionadas ao entrevistado e o re-
corte temático estabelecido.
A Ficha de Decupagem é o documento que pode ser preenchido em
parte durante a entrevista (pelo segundo entrevistador) e completada pos-
teriormente à realização da gravação. Trata-se de um documento que reú-
ne informações extraídas da entrevista, com dados que foram expostos
pelo entrevistado.
Os modelos desses dois documentos estão anexados a esta obra e po-
dem ser consultados. É importante ressaltar que esses modelos foram ela-
borados para a necessidade específica das entrevistas para o futuro Memo-
rial da Luta pela Justiça nessa etapa do projeto, sendo necessário sinalizar
que não são modelos acabados e que também que não é um padrão a ser
seguido. Cada instituição ou projeto de história oral precisa desenvolver
sua metodologia, a partir das necessidades próprias.

A entrevista – o momento da coleta do testemunho


No estúdio ou no local da gravação, todo o ambiente deve estar pre-
parado para receber o entrevistado, com atenção exclusiva a ele. Para isso,
toda a equipe de audiovisual deve estar pronta para apenas ajustar enqua-
dramento, a luz e o microfone, e fazer uma foto 3x4 do entrevistado. Esse

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48 Núcleo memória

procedimento é realizado no que chamamos de ambientação do entrevis-


tado no local da gravação, estúdio, escritório ou residência.
A entrevista é conduzida por dois pesquisadores. O entrevistador prin-
cipal discorre sobre a pauta com o entrevistado durante a ambientação, faz
a mediação da entrevista durante a gravação (com dedicação exclusiva ao
entrevistado) e precisa estar atento ao tempo estipulado para a realização
da entrevista, de modo a cumprir com a pauta estabelecida.
O segundo pesquisador, durante a ambientação, confere as informações
da Ficha Técnica, e pode ajudar com algumas intervenções na mediação.
Durante a mediação da entrevista, é responsável pela comunicação com a
equipe de gravação sobre os aspectos operacionais para evitar que qualquer
tipo de problema técnico interfira na fluidez do testemunho. Além disso,
atua no preenchimento parcial da ficha de decupagem, com as informações
que estão sendo expostas pelo entrevistado.
Quando a emoção da evocação da memória ultrapassa o relato, a equi-
pe técnica da gravação e os pesquisadores esperam o tempo necessário
para que o entrevistado esteja em condições de, então, retomar a entrevista
a partir da pauta discutida.
A equipe de pesquisa optou por não realizar cortes na edição do mate-
rial gravado, a não ser que o entrevistado manifestasse esse desejo no mo-
mento da assinatura do Termo de Licença.2 Dessa maneira, esse material se
tornará fonte primária para a pesquisa desenvolvida para a implantação do
Memorial da Luta pela Justiça, bem como para seleção de trechos que serão
exibidos na Sala de Testemunhos.
É interessante mencionar que três perguntas foram feitas a todos os
entrevistados a respeito do Memorial da Luta pela Justiça:
− o que eles esperam que seja o Memorial da Luta pela Justiça;
− que processos eles consideram que devem ser expostos na Sala dos
Processos (um espaço expositivo que será dedicado a exibir documentos de
processos da Justiça Militar); e
− que outras pessoas indicariam para serem entrevistadas pelo projeto.
Ao final da entrevista, era questionado se o entrevistado desejava que
algum trecho de sua entrevista fosse restrito, foi lido o termo de licença a
ser assinado em três vias, sendo uma delas entregue ao entrevistado.

2
O modelo da estrutura do termo utilizado encontra-se disponível no Anexo 5 dessa obra.
No termo, uma das questões é se o entrevistado desejava restringir algo do seu relato.

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Memorial da luta pela justiça 49

Pós-entrevista
Após a entrevista, todo o material produzido durante a coleta (pauta,
roteiro, fichas técnica e de decupagem, termo de licença assinado) foi ar-
quivado em pastas físicas, junto com o material da pesquisa prévia e cada
entrevista e cada entrevistado recebeu um código individual. Logo após a
entrevista foi feito o arquivamento digital do material audiovisual gerado e
se produziu uma cópia de segurança do arquivo bruto.
Seguindo a metodologia, a ficha técnica foi revisada e a ficha de decu-
pagem complementada com as informações obtidas a partir da coleta de
testemunho, tendo sido necessário assistir à gravação da entrevista para
fazer esse trabalho. Preenchidos digitalmente, os documentos foram sal-
vaguardados nos suportes físico e digital.
Caso o entrevistado tenha doado algum documento, esse foi digitaliza-
do e preservado na pasta digital da entrevista, e o original do documento
entregue pelo entrevistado mantido na pasta física da entrevista corres-
pondente.
A última etapa foi a edição da entrevista, feita apenas para incorporar
a identidade visual da coleção de testemunhos do Memorial da Luta pela
Justiça. Em alguns casos, foram realizadas restrições de temas que foram
tratados, mas que o entrevistado não deseja manter no vídeo.
A preocupação com a segurança dos arquivos é algo muito importante
a considerar, por isso o Núcleo Memória mantém duas cópias de seguran-
ça de cada arquivo do material bruto e da versão editada das entrevistas em
suportes e lugares distintos.
A seguir, serão apresentados breves perfis dos entrevistados e o resumo
de cada uma das entrevistas feitas nesta etapa da pesquisa.3 Cabe registrar

3
Os resumos das entrevistas e as breves biografias foram feitas pelas historiadoras Andréa
Falcão e Caroline Grassi, e revisadas pelos entrevistados individualmente. Andréa Falcão
é formada em História da Arte (UERJ), mestre em Memória Social (Unirio), doutora em
Antropologia e Ciências Sociais (PPCIS/UERJ) com pesquisas na área de memória e patri-
mônio cultural. Trabalha como consultora e pesquisadora para diversas instituições, com
grande experiência no mercado editorial. Foi membro do Conselho Municipal de Patrimô-
nio e Gerente de Museus da Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro. Recente-
mente, com apoio da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, desenvolveu o projeto
para transformação do prédio do antigo Dops no Rio de Janeiro em um espaço de memória
voltado para os Direitos Humanos, Além destas atividades, atua como professora e parece-
rista da Unesco. Caroline Grassi Franco de Menezes é graduada em História pela Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo e mestranda na Fa-
culdade de Educação da mesma universidade. Atuou como coordenadora do Programa de
Ação Educativa do Memorial da Resistência de São Paulo (2008-2015) e possui experiência
na área de Direitos Humanos, Educação e Memória.

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50 Núcleo memória

que a metodologia ora apresentada está em constante revisão e aprimora-


mento e que a coleta de testemunhos será retomada no segundo semestre
de 2017. Essas entrevistas serão feitas com ex-presos políticos que foram
réus na Auditoria Militar de São Paulo. O objetivo é aumentar a represen-
tatividade das organizações da sociedade civil que resistiram à ditadura
civil militar nesse importante lugar de memória.

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Perfil dos entrevistados e
resumo das entrevistas

AIRTON ESTEVENS SOARES


Nasceu no dia 1º de setembro de 1945, em Pirajuí (SP). Cursou a Fa-
culdade de Direito da Universidade de São Paulo, participando ativamen-
te da política estudantil. E fez o curso de desenvolvimento econômico da
América Latina na Universidade de Harvard (1967-1969). Trabalhou como
advogado de presos políticos. Foi deputado federal por São Paulo de 1975
a 1987. Elegeu-se pelo MDB em 1974 e 1978 e foi vice-líder do partido du-
rante 4 anos. Em discurso pronunciado na tribuna da Câmara, em 1978,
denunciou os métodos repressivos adotados pelos órgãos de segurança dos
governos militares da América Latina e a existência de um pacto entre eles.
Também propôs, juntamente com o deputado gaúcho Jorge Uequed, uma
comissão parlamentar de inquérito para apurar torturas, mortos e desa-
parecidos políticos. Em 1979, filiou-se ao Partido dos Trabalhadores, logo
tornando-se líder do partido na Câmara. Reeleito em 1982, deixou o PT
em 1985 e filiou-se ao PMDB. Em maio de 1987 foi nomeado assessor es-
pecial para assuntos políticos do Ministério da Fazenda, na gestão de Luís
Carlos Bresser Pereira. Em 1987, entrou para o PDT, tendo sido candidato
à prefeitura de São Paulo em 1988 e ao cargo de deputado federal em 1990.
Tornou-se presidente do PDT paulista e foi candidato a vice-prefeito, em
1992. Assessor especial do Ministro da Justiça Maurício Corrêa, entre 1992
e 1994, colaborou na produção de projeto para a área de direitos humanos.
Representando a OAB SP, foi um dos advogados da Comissão Nacional da
Verdade. Atualmente é comentarista do “Jornal da Cultura”/TV Cultura.
Resumo da entrevista: O entrevistado compartilhou memórias e re-
flexões sobre sua atuação como advogado de presos políticos e como par-
lamentar envolvido na luta pela Anistia e redemocratização do país. Em
seu relato, fala sobre o início de sua militância política, a entrada no curso

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52 Núcleo memória

de direito da USP, as atividades do Diretório Acadêmico 11 de agosto, seu


ingresso no escritório do advogado Idibal Pivetta e as circunstâncias em
que foi preso. Observa que, de modo geral, sua atuação se deu no âmbito da
Auditoria Militar de São Paulo, mas também no Tribunal Superior Militar
e em outros Estados como RJ e PE. Conta que foi uma advocacia intensa,
pois a atividade envolvia muitos riscos e na maior parte das vezes não era
remunerada; destaca que faziam o trabalho mais por idealismo e por soli-
dariedade. Ao longo da entrevista, descreve a rotina no escritório de Idibal
Pivetta, o funcionamento das Auditorias Militares, a estrutura do prédio e
a dinâmica das audiências. Conta como era atuar nestes processos, obser-
vando que havia uma rede de solidariedade entre os advogados. Informa
que ao se eleger deputado mudou-se para Brasília e afastou-se do dia a dia
do escritório, mas continuou contribuindo com alguns casos, e participou
indiretamente da elaboração do Projeto Brasil: Nunca Mais, da Comissão
de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo. Ao final, destacou a im-
portância do projeto de transformação do edifício das antigas Auditorias
Militares no Memorial da Luta pela Justiça. Apontou que, ao se constituir
em fonte permanente de informações sobre o período, este terá o papel
fundamental de mostrar os horrores que foram vividos, mas que nunca
foram divulgados adequadamente. Cita os processos mais relevantes a se-
rem expostos e termina dizendo que considera a atuação como advogado
de presos políticos um tipo de militância, pois além da defesa dos réus teve
papel significativo na denúncia dos abusos cometidos pelo regime militar.
Data da entrevista: 12 de dezembro de 2016.

ALDO SILVA ARANTES


Nasceu no dia 20 de dezembro de 1938, na cidade de Anápolis (GO).
Iniciou sua atividade política como estudante secundarista, no Liceu de
Goiânia. Em 1959 ingressou na Faculdade de Direito da PUC-Rio. Foi elei-
to presidente da UNE em 1961. Participou da Campanha da Legalidade,
esteve à frente da luta pela Reforma Universitária, da criação do Centro
Popular de Cultura da UNE e da formação da Ação Popular-AP. Após o
golpe de 1964 exilou-se no Uruguai, retornando ao país em 1965 como
dirigente da AP e viveu na clandestinidade durante 11 anos. Em 1968, foi
preso em Alagoas, onde fazia trabalho junto aos camponeses, como diri-
gente da comissão camponesa da organização. Em 1972, a AP se incorpo-
rou ao PCdoB e seus membros passaram a ser militantes e dirigentes do

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Memorial da luta pela justiça 53

Partido. Já como membro da Comissão Executiva e do Comitê Central


do PCdoB foi preso novamente, em 1976. Foi torturado juntamente com
Haroldo Lima e Elza Monnerat, em decorrência do episódio que ficou co-
nhecido como Massacre da Lapa. Através de seu advogado, Luís Eduar-
do Greenhalgh, denunciou publicamente as torturas a que foi submetido.
Condenado em 1977, foi libertado em 1979 com base na Lei de Anistia.
Com a retomada de seus direitos políticos exerceu os cargos de deputado
federal por Goiás, de 1983 a 1986, e deputado constituinte de 1987 a 1990.
Após eleito vereador por Goiânia retornou à Câmara Federal para o man-
dato de 1995 a 1999 e de 2001 a 2003. Foi membro da Comissão Especial
de Mobilização para a Reforma Política da OAB e Presidente do Instituto
Nacional de Pesquisas e Defesa do Meio Ambiente. Atualmente dirige a
ADJC (Advogados e Advogadas pela Democracia, Justiça e Cidadania) e é
membro da Comissão Política do Comitê Central do PCdoB.
Resumo da entrevista: O entrevistado compartilhou memórias e re-
flexões sobre sua atuação como militante e preso político. Em seu relato
descreve o início de sua militância como estudante secundarista em Aná-
polis e como aluno da Faculdade de Direito da PUC-Rio. Conta que com
apoio da JUC foi eleito diretor do Centro Acadêmico Eduardo Lustosa,
presidente do DCE e presidente da UNE. Explica que, com a renúncia de
Jânio, transferiu a sede da UNE para o Rio Grande do Sul para apoiar a
Campanha da Legalidade comandada pelo governador Leonel Brizola. Na
sequência, diz que sua gestão na UNE marcou a ascensão da Ação Popular
(AP) criada em 1962 a partir de uma dissensão entre a JUC e a hierarquia
religiosa. O entrevistado relata diversos episódios de sua vida política e
como passou a ser perseguido pelos órgãos de repressão. Fala sobre sua
passagem por Alagoas e sobre o trabalho com os sindicatos rurais, sua
prisão e julgamento em Recife, a fuga da prisão e a volta para São Paulo.
Relata ainda as atividades da AP e menciona que esteve na fatídica reu-
nião da Lapa onde muitos militantes foram mortos. Conta também sobre
sua prisão no episódio, as torturas a que foi submetido, a atuação de seus
advogados. Ao falar da mãe se emociona e destaca seu papel na luta pela
Anistia com Dom Evaristo Arns. Fala da vida na prisão e do convívio com
os outros presos. Menciona a importância dos advogados que lutaram pela
democracia, ressaltando sua coragem e profissionalismo, destaca a atuação
de Raimundo Faoro à frente da OAB e o caso de sua secretária, Dona Lida,
morta num atentado a bomba. Fala também dos desafios pós Anistia, a
vida na legalidade e sua atuação como deputado. Ao final ressalta a im-

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54 Núcleo memória

portância de se registrar a memória do período e de fazer com que estes


conteúdos sejam levados às escolas e universidades. Sobre o Memorial diz
que espera que este seja um espaço interativo e que estimule a visita, que
tenha uma equipe preparada para lidar com temas polêmicos e que se bus-
que novas formas de divulgá-lo.
Data da entrevista: 21 de fevereiro de 2017.

ANTONIO FUNARI FILHO


Nasceu no dia 20 de novembro de 1941, em Jaboticabal (SP). Gra-
duou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade Paulista de Di-
reito da PUC-SP em 1967. Durante a graduação atuou no movimento
estudantil tendo sido eleito presidente da União Estadual dos Estudantes
(UEE) em 1965. Neste período participou e colaborou também com a
formação da Ação Popular (AP). Foi preso duas vezes entre 1964-1965
e em 1966 foi detido durante o Congresso da UEE em São Bernardo do
Campo. Concluiu o curso de Direito em 1967 e ingressou no escritório
do colega Aldo Lins e Silva onde passou a dedicar-se à defesa de presos
políticos. Em 1969 foi preso novamente durante uma sessão na Auditoria
Militar, tendo ficado detido por sete meses no Presídio Tiradentes. Ao
sair da prisão, retomou sua militância prestando apoio a organizações
de esquerda e advogando em casos de presos políticos. Colaborou com o
processo de redemocratização e de reestruturação dos partidos políticos.
Em 1983 tornou-se membro da Comissão de Justiça e Paz, na qual atua
como seu presidente até hoje, em prol dos Direitos Humanos. Advogado
trabalhista de renome, atuou em diversas instituições: foi um dos coor-
denadores nacionais do Movimento pela Ética na Política em 1992; titu-
lar da Delegacia Regional do Trabalho de São Paulo, entre 1992 e 2003;
foi conselheiro do Sesc, Senac, Sesi, Senai (1992/2003), da Fundacentro
(1992/1997) e do Conselho Arbitral do Estado de São Paulo (Caesp); Ou-
vidor da Polícia do Estado de São Paulo e coordenador do Fórum Nacio-
nal dos Ouvidores de Polícia.
Resumo da entrevista: O entrevistado compartilhou memórias e re-
flexões sobre sua atuação como militante e advogado de presos políticos.
Conta que despertou para a política ao ingressar na Faculdade de Odon-
tologia em Ribeirão Preto. Ao descobrir que esta não era sua vocação,
mudou-se para São Paulo, em 1963, decidido a cursar Direito, pois perce-
beu que a advocacia lhe possibilitaria conciliar o trabalho e a militância.

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Memorial da luta pela justiça 55

De modo a situar sua trajetória, descreve o contexto social, cultural e


político efervescente da época. Conta que logo após o golpe de 1964 foi
preso pela primeira vez. Explica que só foi fazer estágio, em 1966, quando
terminou o mandato na UEE-SP. Neste mesmo ano foi preso pela segun-
da vez. Relata que após se graduar, em 1968, ingressou no escritório de
Aldo Lins e Silva e que neste mesmo ano acompanhou diversos processos
de estudantes presos no Congresso da UNE em Ibiúna. Conta que como
havia estudantes de todo o Brasil, ele acabaram intercedendo por advo-
gados de outros Estados junto à Justiça Militar. Ressalta que havia uma
relação de simpatia e solidariedade entre os advogados de presos políti-
cos. Ao falar sobre suas memórias das Auditorias Militares destaca que
lá foi tanto réu como advogado. Descreve suas prisões e os processos a
que respondeu, destacando sua prisão dentro do prédio da Auditoria. Na
sequência, explica como funcionavam os julgamentos e discorre sobre os
funcionários e os espaços da Auditoria. Sobre a relação do advogado com
os clientes chama atenção para a importância deles nestes processos, pois
eram pessoas com fortes convicções políticas, o que implicava diferenças
na forma de advogar. Fala ainda sobre as organizações que ajudaram na
luta contra a ditadura; destaca o papel da Igreja Católica com a criação
da Comissão de Justiça e Paz e o papel dos advogados no período. Sobre
suas expectativas para o Memorial responde que este deve ser amplo e
dinâmico, que deve lembrar o passado, mas que tem de estabelecer rela-
ção com o presente.
Data da entrevista: 14 de fevereiro de 2017.

ARTUR MACHADO SCAVONE


Nasceu no dia 11 de setembro de 1949, na cidade de São Paulo (SP).
Iniciou sua militância no Movimento Estudantil Secundarista, em 1967,
como aluno do Colégio Estadual Fernão Dias Paes. Ingressou na Faculdade
de Física da USP em 1969 e foi eleito presidente do Centro Acadêmico do
Instituto de Física. Logo após começou a participar de ações da resistên-
cia com um dos dirigentes do Partido Operário Revolucionário Trotskista,
como pichações e panfletagens, denunciando a perseguição aos professo-
res da Física da USP. Em 1970, entrou para os quadros da Ação Libertadora
Nacional (ALN) e integrou-se ao movimento de guerrilha urbana através
do Comando Estudantil da ALN. Algum tempo depois, já na clandestini-
dade, contribuiu para a articulação do Movimento de Libertação Popular

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56 Núcleo memória

(Molipo). Foi preso em fevereiro de 1972 em uma emboscada armada pela


equipe do DOI-Codi/SP no bairro do Itaim-Bibi. Baleado na ocasião, foi
levado ao DOI-Codi/SP e em seguida ao Hospital das Clínicas e ao Hospi-
tal Militar. Permaneceu nove meses preso no DOI-Codi/SP onde foi sub-
metido a inúmeras sessões de tortura. Em 1973 foi julgado e ficou preso
por 5 anos. Neste período participou de diversos protestos por melhores
condições carcerárias e começou a militar no Partido Comunista do Bra-
sil (PCdoB). Após sua libertação em 1977, quando saiu sob condicional,
fundou com outros companheiros o Partido Revolucionário Comunista e
participou também da fundação da CUT e do PT, tendo integrado a dire-
ção nacional das duas instituições. Atua profissionalmente como jornalista
e é estudante de Filosofia da USP.
Resumo da entrevista: O entrevistado inicia falando sobre sua par-
ticipação no movimento secundarista e a entrada na faculdade. Em se-
guida, faz uma contextualização ampla refletindo sobre acontecimentos
marcantes do período e o ambiente tenso em que viviam. Menciona que
foi presidente do Centro Acadêmico de Física e participou de manifesta-
ções organizadas pelos estudantes. Conta que na Universidade teve conta-
to com militantes dos movimentos de resistência armada e que ingressou
na ALN em 1970. Relata o rigor da vida clandestina, as ações em que esteve
envolvido e como surgiu o Molipo. Expõe as circunstâncias de sua prisão
em 1972 e como ela se deu. Menciona as torturas que sofreu e o tempo que
ficou incomunicável no DOI-Codi. Conta que o primeiro contato que teve
com Idibal Pivetta foi 9 meses após sua prisão quando já estava no Presídio
Tiradentes. Explica que havia uma relação estreita entre a Auditoria e o
DOI-Codi e que presenciou a entrada do juiz Nelson Machado Guimarães
em suas dependências. Sobre a Auditoria, descreve a chegada dos presos e
todo aparato repressivo que era montado em volta. Lembra que foi defen-
dido por José Carlos Dias e que pediu para anexar ao processo uma carta
onde faz a defesa de suas ideias. (Durante a entrevista leu um trecho e doou
uma cópia para o Memorial). Observa que a Auditoria “era um grande cir-
co”, “um teatro mal feito que não convencia ninguém” e que o julgamento
era mera formalidade, mas serviu pelos registros que ficaram. Destaca a
importância dos advogados atuarem lá e sua postura corajosa. Ao falar
sobre as expectativas para futuro Memorial, diz que nossa sociedade tem
uma dívida com este passado, pois até hoje não condenou publicamente os
abusos cometidos pela repressão. Emociona-se ao dizer que o espaço deve
homenagear acima de tudo os que não passaram por lá pois foram mortos

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Memorial da luta pela justiça 57

antes, e destacar a importância dos que foram solidários e contribuíram


para que um pouco de justiça fosse feita. Termina ressaltando que “nenhu-
ma nação se constrói sobre tortura”.
Data da entrevista: 7 de fevereiro de 2017.

BELISÁRIO DOS SANTOS JÚNIOR


Nasceu em 23 de junho de 1948, na cidade de São Paulo. Aos 17 anos
ingressou na Faculdade de Direito do Largo São Francisco (USP), onde se
formou em 1970. Participou ativamente do movimento estudantil, foi pro-
cessado por ter participado da ocupação de sua faculdade em 1968. Inte-
grou o Teatro do XI e foi presidente do Diretório Acadêmico. Desenvolveu
inicialmente sua trajetória profissional na defesa de presos e perseguidos
políticos durante o período ditatorial. Nessa época, ainda como solicitador
acadêmico, trabalhou com Idibal Pivetta e foi sócio de outros advogados.
Especializou-se em direito penal, administrativo e direitos humanos. Foi
membro da Comissão Justiça e Paz, presidente da Associação de Advo-
gados Latino-Americanos pela Defesa dos Direitos Humanos e procura-
dor autárquico (Ipesp,1972-1998). No âmbito do Poder Público, chefiou
o gabinete da Superintendência do Instituto de Previdência do Estado de
São Paulo (1983), a Secretaria da Administração Penitenciária (1995) e a
Secretaria de Justiça e da Defesa da Cidadania (1995-2000). Implantou o
Programa de Direitos Humanos do Estado de São Paulo (1997), criou e
presidiu a Comissão Estadual de Indenizações por Tortura. Atualmente é
advogado e sócio de Rubens Naves-Santos Jr. Advogados. Integra o conse-
lho curador da Fundação Padre Anchieta e da Fundação Mário Covas e é
vice-presidente da Comissão da Verdade da OAB SP. Membro do Tribunal
Internacional de Justiça Restaurativa para El Salvador e da Comissão In-
ternacional de Juristas. Realizou inúmeras missões internacionais na área
de direitos humanos.
Resumo da entrevista: O entrevistado compartilhou memórias e re-
flexões de sua trajetória profissional como advogado de presos e persegui-
dos políticos, nascida em decorrência de sua participação no movimento
estudantil durante a graduação. Sobre essa fase, destacou o estágio reali-
zado com o advogado Idibal Pivetta, por quem foi influenciado pela advo-
cacia política. Uma vez formado, passou a exercer a atividade de advogado
criminal na Justiça Militar, relatando que era procurado por amigos e fa-
miliares de presos e perseguidos pela ditadura civil-militar, assim como

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58 Núcleo memória

também os advogados indicavam clientes entre si. Ao longo da entrevista,


Belisário relembrou casos nos quais esteve envolvido, de forma a explici-
tar as estratégias cotidianas, os conceitos e procedimentos jurídicos, o rito
do julgamento e o funcionamento das auditorias militares em São Paulo.
Segundo ele, o exercício do ofício permitiu aos advogados vivenciarem as
mudanças e o endurecimento das leis ao longo dos anos do regime mili-
tar. Destacou a rede de solidariedade formada entre os advogados e dis-
correu ainda sobre o papel e o posicionamento da Ordem dos Advogados
do Brasil (OAB) durante esses anos. Por fim, falou sobre a conquista do
edifício do antigo Dops/SP (atual Memorial da Resistência de São Paulo)
e o da Auditoria Militar (futuro Memorial da Luta pela Justiça), revelando
a expectativa de que este se configure num espaço vivo, de preservação e
de discussões atuais das novas gerações, com o objetivo de que a opressão
vivida durante a ditadura não se repita.
Data da entrevista: 8 de novembro de 2016.

ENY RAIMUNDO MOREIRA


Nasceu na cidade de Santos Dumont (MG), em 5 de abril de 1946. Ini-
ciou os estudos na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de
Fora em 1964, pouco antes do golpe militar. Em 1966, após ler uma matéria
sobre a vida de Sobral Pinto, decidiu se mudar para o Rio de Janeiro para
tentar trabalhar com ele. Seguiu para lá e conseguiu estágio no escritório
de advocacia dele, dando continuidade à sua graduação na Faculdade Na-
cional de Direito. Foi no ambiente das Auditorias Militares acompanhan-
do Sobral Pinto, Oswaldo Mendonça e Bento Rubião na defesa de presos
e perseguidos políticos pela ditadura militar que Eny assumiu para si a
luta pela democracia, pelos direitos humanos e contra a tortura. Depois de
formada, atendeu casos de presos, perseguidos e desaparecidos políticos
nas Circunscrições Judiciárias Militares (CJM) de todo o país, prestando
também assessoria jurídica a famílias e exilados. Foi presidente fundadora
do Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA), lançado em fevereiro de 1978, e
uma das idealizadoras do Projeto Brasil: Nunca Mais. Atualmente reside
no Rio de Janeiro (RJ) e continua advogando na área criminal e de proprie-
dade intelectual.
Resumo da entrevista: Eny Moreira iniciou a entrevista afirmando
que nunca teve dúvidas em relação à sua vocação, pois desde criança que-
ria ser advogada. Contou que, em 1966, tentou a sorte em busca de uma

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Memorial da luta pela justiça 59

oportunidade junto ao renomado advogado Sobral Pinto e que ele não so-
mente a aceitou como estagiária, como também se tornou seu padrinho
profissional. Durante o estágio, acompanhou Sobral Pinto, Bento Rubião e
Oswaldo Mendonça na defesa de presos e perseguidos políticos pela dita-
dura civil-militar, estando presente diariamente nas Auditorias Militares
do Rio de Janeiro/RJ. A partir de 1969, já formada, seguiu no caminho da
advocacia militante, atendendo casos por todo o país. Eny foi enfática ao
assinalar a ostensiva militarização do entorno da Auditoria Militar em São
Paulo nos dias de audiência e julgamento, o que não ocorria em outros Es-
tados, lembrando também dos seus espaços físicos e funcionamento. Sobre
a atuação dos advogados, mencionou a criatividade, as estratégias jurídicas
para enfrentar as restrições impostas pela legislação vigente, e a repressão
sofrida pela maioria deles, tendo sido ela mesma presa duas vezes, em 1969
e 1970. Relembrou que, no final da década de 1970, assumiu a presidência
do Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA) e foi uma das protagonistas do
Projeto Brasil: Nunca Mais, cujo objetivo era denunciar as violações contra
os direitos humanos, levadas a cabo pela ditadura. No desfecho da entre-
vista, assinalou que o Brasil é um país com déficit de justiça e que a defesa
de presos políticos foi para ela uma forma de resistência contra a ditadura.
Finalizou dando sugestões para a composição do futuro Memorial da Luta
pela Justiça.
Data da entrevista: 14 de outubro de 2016.

HELÁDIO JOSÉ DE CAMPOS LEME


Nasceu no dia 4 de fevereiro de 1949, em Amparo (SP). Ainda ado-
lescente trabalhou de barbeiro com o pai em sua cidade natal. Mudou-se
para São Paulo em 1966, ingressou no cursinho do grêmio da Faculdade
de Filosofia e começou a trabalhar como bancário. No final de 1967 foi re-
crutado pela Ação Popular (AP) e pouco tempo depois ingressou na Ação
Popular Marxista-Leninista (APML). Em sua militância atuou como diri-
gente de uma célula clandestina da organização do movimento dos bancá-
rios. Após delação de um ex-companheiro, que resultou em uma sucessão
de quedas de militantes da AP e da APML, foi preso em 1971. Foi manti-
do sequestrado por dois meses no Dops/SP onde foi submetido a torturas.
Também esteve preso no DOI-Codi/SP e no Presídio Tiradentes. Acusado
de pertencer à organização subversiva, ficou detido por 11 meses, sendo
que seu julgamento na Auditoria Militar o condenou a nove meses de de-

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60 Núcleo memória

tenção. Foi defendido pelos advogados Idibal Pivetta, Airton Soares e Luiz
Eduardo Greenhalgh. Durante sua prisão, presenciou a tortura e agonia do
companheiro de cela Luiz Hirata, pouco antes de sua morte no Hospital
das Clínicas em decorrência das torturas sofridas nas dependências do De-
ops/SP. Depois de formado, atuou como professor de Economia e Ciência
Política da Universidade Federal de Uberlândia. Atualmente é membro do
Núcleo Memória, coordenador do curso “Ditadura História e Memória” e
dedica-se a diversos projetos em defesa dos Direitos Humanos.
Resumo da entrevista: O entrevistado conta que até os 17 anos mo-
rou em Amparo e que a chegada em São Paulo foi impactante. Faz uma
análise da conjuntura anterior ao golpe de 1964 e observa que este foi um
momento de grande mobilização social e política. Relata que ao chegar
à capital ingressou no cursinho do grêmio da Faculdade de Filosofia e
ao participar das passeatas, se aproximou das lideranças do movimento
estudantil. Na sequência, discorre sobre a criação da AP, suas origens li-
gadas à Juventude Católica, sua estrutura, princípios e etapas do processo
de recrutamento e filiação. Menciona que entrou para a organização em
1967 e logo em seguida passou a ser dirigente de uma célula bancária.
Relata sua prisão em 1971 e as torturas que sofreu. Ao falar sobre a im-
portância de Idibal Pivetta em sua vida diz que a relação dos advogados
com os presos políticos ia além da relação advogado-cliente, observa que
eles tinham um triplo papel: eram seus representantes jurídicos; faziam a
mediação com a família e corriam riscos para fazer circular documentos
com denúncias e informações sobre os presos e desta forma salvaram
muitas vidas. Conta que sua defesa foi feita por Luiz Eduardo Greenhalgh
e lembra desta ter sido vigorosa. Sobre o lugar da Auditoria no conjunto
das instituições da repressão diz que ela funcionava como um espaço de
fachada do regime, ali se representava uma farsa, uma encenação burles-
ca, mas reveladora de como funcionava o sistema. Diz que não consegue
esquecer a expressão dos membros do conselho e os comentários intimi-
dadores do juiz. Em seu relato menciona ainda o convívio com outros
presos políticos no Presídio Tiradentes e as estratégias de sobrevivência.
Como militante dos direitos humanos acredita que as pessoas precisam
saber o que se passou e acha importante que o Memorial não fique apenas
no relato dos presos para que possa ampliar a reflexão e mostrar como
a repressão impactou a sociedade brasileira como um todo. Para ele, o
Memorial deve refletir a memória do povo brasileiro.
Data da entrevista: 10 de fevereiro de 2017.

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IBERÊ BANDEIRA DE MELLO


Nasceu no dia 19 de julho de 1939 em Miranda (MS). Cresceu em San-
tos e estudou no Colégio Militar do Rio de Janeiro. Formou-se em Direito
pela Universidade Católica de Santos (1960-1964). Iniciou carreira como
estagiário no escritório de Enzo Poggiani e depois estabeleceu escritório
próprio em São Paulo, em parceria com Pedro Paulo Negrini. Atuou a par-
tir de 1968 na defesa de presos políticos durante o período da ditadura
civil-militar, período em que foi sócio de Belisário dos Santos Júnior. De-
vido a suas ações em favor da resistência, foi preso duas vezes no exercício
da profissão: a primeira em 1971, junto com os advogados Rosa Maria Car-
doso, Maria Regina Pasquale, Airton Soares, Belisário dos Santos Júnior,
Idibal Pivetta, Hélio Navarro, Virgilio Egydo Lopes Enei por causa de uma
petição encaminhada aos juízes da 1ª e 2ª Auditorias reclamando das con-
dições de prisão no Presídio Tiradentes; e a segunda em 1972, por causa da
petição sobre a greve de fome no Presídio Tiradentes, quando foi obrigado
a prestar esclarecimentos aos agentes da repressão. Atuou também defen-
dendo metalúrgicos presos durante as greves no ABC paulista no início
dos anos 1980. Foi o responsável pelo encaminhamento do pedido para a
regularização do Partido Comunista Brasileiro ao Ministro da Justiça Ar-
mando Falcão, em 1984. Secretário dos Negócios Extraordinários da Pre-
feitura de São Paulo em 1985. Atualmente é sócio, administrador e dono
da empresa Bandeira de Mello e Bandeira de Mello Advogados Associados.
Resumo da entrevista: O entrevistado inicia falando sobre a família,
menciona que cursou o primário em Santos, depois o Liceu Pasteur em São
Paulo e o ginásio e científico no Colégio Militar no Rio de Janeiro. Explica
que pensava em fazer carreira diplomática, mas que por orientação de um
professor fez vestibular para Direito em Santos e já no final do primeiro
ano começou a estagiar no escritório de Enzo Ponggiani. Lembra que após
a formatura, em 1964, e por conta das perseguições que sofreu foi para São
Paulo onde montou escritório com Pedro Paulo Negrini. Diz que começou
a advogar em defesa de presos políticos por acaso quando um casal de ami-
gos, Nilda Maria e José Luiz Barros, foi preso e que na ocasião descobriu
que havia muitos jovens sem advogado e que o fato o mobilizou. Observa
que gostou de atuar nestes casos, pois o advogado tinha a oportunidade de
exercitar seu talento. Conta ainda como era a atuação na Auditoria Militar
e as estratégias jurídicas que usavam. Lembra que atuou nas 3 auditorias e
descreve os espaços do prédio. Na sequência explica a dinâmica dos órgãos
de repressão, a tortura e o clima de total insegurança que se vivia no pe-

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62 Núcleo memória

ríodo. Observa também que os advogados que defendiam presos políticos


eram poucos, mas que funcionavam com uma fraternidade e comenta o
papel de destaque que tiveram Heleno Fragoso e Sobral Pinto. Menciona
a sociedade com Belisário dos Santos Júnior, os casos em que atuou e a re-
percussão que tiveram. Relata as prisões e atentados que sofreu no exercí-
cio da profissão. Comenta sobre a atuação de Teotônio Vilella no processo
de Anistia e se emociona ao falar de Dom Paulo Evaristo Arns, dizendo
que ele nunca negou auxílio a ninguém e sempre foi solidário. Sobre os
documentos a serem expostos menciona a defesa de seis horas no processo
do Partido Comunista, já no final da ditadura. Sobre as expectativas para o
futuro Memorial diz que ele é importante para os advogados, pois mostra-
rá o valor da advocacia, e para a sociedade como registro do que se passou
e não se pode repetir.
Data da entrevista: 9 de dezembro de 2016.

IDIBAL MATHOS GOMES DE ALMEIDA PIVETTA


Nasceu no dia 28 de julho de 1931, em Jundiaí (SP). Iniciou sua atua-
ção política no Colégio Bandeirantes, onde presidiu o Centro Estudantil.
Foi presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE) e também dos
Centros Acadêmicos 11 de Agosto da PUC-SP e Cásper Líbero. Forma-
do em Direito e Jornalismo, concomitante à atuação política, investiu na
dramaturgia e é reconhecido como um dos fundadores do Teatro Popular
União e Olho Vivo (TUOV). Como diretor e autor teatral adotou o nome
artístico de César Vieira, dedicando-se a uma dramaturgia comprome-
tida com questões sociais e populares. Em 1973 foi eleito Presidente da
Sociedade Brasileira de Autores Teatrais. Por suas peças e trabalho à frente
do TUOV foi agraciado com diversos prêmios. Destacou-se também como
advogado de presos políticos durante a ditadura civil militar tendo atuado
em importantes processos no período. Por sua militância no teatro e na
advocacia, foi perseguido pela censura e preso seis vezes, sendo que em
1973 ficou detido 90 dias no DOI-Codi, Deops e Presídio do Hipódromo.
Como advogado integrou a Comissão de Direitos Humanos da OAB SP
(1991-1995) e atuou como conselheiro seccional da instituição (1993-1995),
tendo sido ainda vice-presidente do Sindicato dos Advogados de São Paulo.
Atualmente, é juiz conselheiro da Comissão de Anistia de Presos Políticos
da Secretaria de Justiça do Governo do Estado de São Paulo e integra a
Comissão de Direito às Artes da OAB SP. Por sua atuação e militância em

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Memorial da luta pela justiça 63

prol dos direitos humanos recebeu prêmios de suma importância como:


“Franz de Castro Holzwarth”, da OAB SP (2010).
Resumo da entrevista: O entrevistado fala de sua experiência na Au-
ditoria Militar de São Paulo, tanto como advogado quanto como preso
político. Ele inicia a entrevista contando sobre sua participação no movi-
mento estudantil e na presidência da UNE em 1957. Explica que no início
da carreira trabalhou como advogado dos sindicatos dos aeroviários, dos
aeronautas e dos previdenciários, grupos que tinham uma intensa atuação
política na época. Relata que em 1968 foi responsável por cuidar de mui-
tos casos de estudantes presos durante o Congresso de Ibiúna. Refere-se
a esta advocacia como uma “advocacia militante”. Conta que havia uma
boa relação entre os advogados que atuavam nesta área, pois quase todos
sentiam que tinham ali uma missão. Observa que foi um período de gran-
des dificuldades, com muitos limites à atuação dos advogados, mas que
conseguiram muitas vezes evitar mortes e desaparecimentos, e em outras,
interromper e amenizar a tortura. Destaca que andava com uma máquina
de escrever portátil no capô do carro para que, a qualquer momento, ao
receber uma denúncia ou notícia de desaparecimento, pudesse formalizar
um pedido de informação e repassar os dados para órgãos de combate à
tortura, como a Anistia Internacional. Outro episódio destacado refere-se
à jurisprudência criada com sua vitória no pedido de emissão de passapor-
te para Augusto Boal. Menciona também a importância que os grupos de
teatro no Brasil e no mundo tiveram ao fazer ecoar a situação vivida no
país. Na sequência, conta sobre suas prisões, com destaque para os 94 dias
que ficou detido no Dops e no Presídio Tiradentes. Menciona ainda a cen-
sura a que estiveram submetidas suas peças e textos teatrais, relata alguns
episódios que mostram as arbitrariedades e despreparo dos censores para
atuar na área. Termina falando de suas preocupações com a situação atual
do país e espera que o futuro Memorial possa ser um espaço dinâmico que
ajude a refletir sobre o período da ditadura militar e estabeleça uma relação
com as questões do presente.
Data da entrevista: 30 de março de 2017.

JOSÉ CARLOS DIAS


Nasceu no dia 30 de abril de 1939, na cidade de São Paulo (SP). Formou-
-se pela faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, tendo sido ora-
dor da turma. Tornou-se advogado, optando pelo ramo criminal. A partir

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64 Núcleo memória

de 1968, atuou como defensor de centenas de perseguidos políticos. A con-


vite de Dom Paulo Evaristo Cardeal Arns, participou da criação da Comis-
são Justiça e Paz, ligada à Arquidiocese de São Paulo, em 1972, vindo a ser
seu presidente. Intermediou a greve dos metalúrgicos de São Bernardo do
Campo, ocasião em que foi preso com mais lideranças da sociedade civil
e sindicais, inclusive Luiz Inácio Lula da Silva. Foi Secretário da Justiça
do Governo Franco Montoro de 1983 a 1986. Participou ativamente do
movimento “Diretas Já”. Em 1999 assumiu o Ministério da Justiça, cargo
que exerceu até meados de 2000, quando retornou à sua atividade de advo-
gado. Foi presidente do Conselho Superior do Instituto Latino-Americano
das Nações Unidas e Tratamento do Delinquente (Ilanud) e conselheiro da
Fundação Padre Anchieta. Integrou a Comissão Nacional da Verdade. É
membro do Conselho de Administração da Osesp.
Resumo da entrevista: O entrevistado compartilhou memórias sobre
sua trajetória profissional, inicialmente como advogado criminal e poste-
riormente como advogado de presos e perseguidos políticos. Ao longo da
entrevista, menciona os casos mais notórios em que atuou durante a dita-
dura civil-militar, explicando com detalhes as circunstâncias e sua partici-
pação em cada um deles. Comenta que depois de iniciar a defesa de presos
e desaparecidos políticos em 1969 houve uma queda na sua advocacia, pois
muitas pessoas tinham preconceito com advogados que atuavam na área.
Na sequência, explica os critérios adotados para cobrança de honorários e
a relação com os clientes e seus familiares que, com o tempo, foram se tor-
nando amigos pela proximidade que se estabelecia entre eles. Relata ainda
as ameaças que recebeu e as diversas vezes em que foi preso no exercício da
profissão. Em seu testemunho conta que atuou nas duas Auditorias Milita-
res de São Paulo e também no Rio de Janeiro, Curitiba e Juiz de Fora, des-
creve o funcionamento das Auditorias Militares discorrendo sobre o perfil
e características dos funcionários que conheceu no local, além de explicar
o papel dos órgãos de repressão na produção das confissões e inquéritos.
Observa que após o AI-5, os advogados tiveram de improvisar muito e
desenvolver novas estratégias de atuação. Destaca a importância da Co-
missão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo e o protagonismo de
Dom Paulo Evaristo Arns na denúncia dos casos de tortura e desapareci-
mento promovidos pela ditadura. Ao final, falou sobre a importância da
OAB assumir o edifício da antiga Auditoria Militar contribuindo para a
efetivação do projeto do Memorial da Luta pela Justiça e também sobre sua
participação como membro da Comissão Nacional da Verdade. Destaca a

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Memorial da luta pela justiça 65

qualidade do relatório produzido que aponta, entre as recomendações fi-


nais, a necessidade de se construírem memoriais como este, onde se possa
refletir sobre o passado e compreender a responsabilidade que temos para
com o futuro.
Data da entrevista: 2 de dezembro de 2016.

LUIZ EDUARDO GREENHALGH


Nasceu no dia 11 de abril de 1948, em São Paulo (SP). Ingressou na
Faculdade de Direito da USP em 1969 tendo participado ativamente da
militância estudantil, foi diretor do Centro Acadêmico XI de Agosto e re-
presentante no Conselho Universitário. Em 1973, ingressou no escritório
de Idibal Pivetta e Airton Soares. Atuou na defesa de inúmeros presos e
desaparecidos políticos durante o período ditatorial, dentre outros parti-
cipou do processo conhecido como “Massacre da Lapa” e de militantes
mortos na Guerrilha do Araguaia, além de ter se destacado na defesa dos
metalúrgicos de São Bernardo do Campo em 1981. Foi um dos fundado-
res do Comitê Brasileiro pela Anistia e coordenou o Projeto Brasil: Nunca
Mais entre 1979 e 1985. Foi filiado ao MDB entre 1974-1979 e participou
em 1980 da criação do Partido dos Trabalhadores. Em novembro de 1986
candidatou-se a deputado federal constituinte pelo PT paulista obtendo
uma suplência. Foi eleito deputado federal para quatro mandatos, nos pe-
ríodos de 1990-1991, 1997-1999, 2001-2003, 2003-2007, tendo participado
de diversas comissões e grupos de trabalho. Como parte de suas ativida-
des partidárias, foi eleito vice-prefeito de São Paulo (1989-1992); membro
do Diretório Nacional; Secretário de Relações Internacionais e Terceiro-
-Vice-Presidente da Executiva Nacional; Vice-Líder do governo na Câma-
ra (1997-1998); Vice-Líder do PT, 2005-2006. Integrou o Comitê Latino-
-Americano de Defesa dos Direitos Humanos para os Países do Cone Sul
e o Comitê Brasileiro de Solidariedade aos Povos da América Latina. Fun-
dou e dirigiu o Centro Santo Dias de Direitos Humanos contra a violência
policial. Atuou também como advogado do MST e seus líderes. É membro
do Conselho Universitário da USP e atualmente trabalha como advogado
em São Paulo.
Resumo da entrevista: Iniciou comentando que foi estudante de Di-
reito da USP e conheceu Idibal Pivetta quando era representante dos alu-
nos no Conselho Universitário. Lembra que na época achava as denúncias
de tortura exageradas, mas um dia, porém, soube que Pivetta havia sido

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66 Núcleo memória

preso e ofereceu ajuda a Airton Soares; relata que começou a fazer visitas
aos presos na Casa de Detenção e saiu de lá revoltado, muito mobilizado
com o que viu e foi pegando gosto por atuar na área. Conta que quando
Idibal foi solto após de 67 dias na prisão, disse ao pai ter encontrado sua
vocação. Observa que recebeu ajuda da Madre Cristina Sodré Doria, do
Instituto Sedes Sapientiae, e deve muito do que é a ela. Menciona que, com
o tempo, tornou-se sócio de Idibal e Airton. Lembra que 1975 foi um ano
de muito trabalho e que começou a se destacar com o processo dos poli-
ciais militares acusados de pertencer ao Partido Comunista. Explica como
se aproximou de Dom Paulo e da luta pela Anistia, e descreve o episódio da
Chacina da Lapa; como foi procurado para defender Aldo Silva Arantes e
Haroldo Lima; como conseguiu quebrar a incomunicabilidade dos presos
e o encontro com o delegado Fleury. Diz que o caso da Lapa lhe deu muito
respeito. Sobre a Auditoria descreve em detalhes os espaços e as unidades
que funcionavam no prédio e ressalta a atitude corajosa dos presos nos
julgamentos. Aponta as particularidades do processo dos metalúrgicos do
ABC e do julgamento de Lula na Auditoria, lembra que foi o primeiro pro-
cesso anulado no STM por pré-julgamento. Sobre o período de luta pela
Anistia menciona o júri simulado e o enterro simbólico da Lei de Seguran-
ça no Teatro Municipal de São Paulo. Relata como surgiu a ideia do projeto
Brasil: Nunca Mais e explica como obtiveram apoio para sua realização,
menciona os principais colaboradores e as estratégias utilizadas para co-
piar e processar o material obtido. Após a Anistia, dedicou-se à política
e participou da criação do PT. Sobre o futuro Memorial diz que deseja
que dê certo e que contribua para que esses tempos terríveis não voltem
jamais. Expressa sua preocupação com a conjuntura atual e os problemas
que a área jurídica enfrenta. Lembra que os advogados têm função social e
seus casos têm que ser antes de tudo uma causa. Termina fazendo menção
às atuações emblemáticas de Sobral Pinto e Heleno Fragoso na defesa da
democracia.
Data da entrevista: 2 de dezembro de 2016.

MARCELO AUGUSTO DINIZ CERQUEIRA


Nasceu no dia 6 de agosto de 1938, no Rio de Janeiro (RJ). Formou-se
em ciências jurídicas e sociais, pela Faculdade Nacional de Direito, da Uni-
versidade do Brasil. Atuante no movimento estudantil, participou da fun-
dação do Centro Popular de Cultura (CPC) e da revista Movimento. Vice-

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-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE) em 1964, por conta


do golpe militar, exilou-se na Bolívia, depois Chile e Europa. Começou
a exercer a advocacia em causa própria, fazendo sua defesa nos diversos
processos a que respondeu. Destacou-se, entre 1968 e 1978, como defensor
de mais de mil pessoas, acusadas com base na Lei de Segurança Nacional
(LSN) e em casos de “desaparecidos políticos”. Elegeu-se, em 1978, depu-
tado federal pelo MDB-RJ e foi um dos fundadores do PMDB. Por causa
de sua atuação firme e combativa foi vítima de dois atendados de extrema
direita (1980/1981). Em 1985, foi nomeado consultor jurídico do Minis-
tério da Justiça e atuou como principal articulador do PSB. Após breve
passagem pelo PSDB, filiou-se ao PDT. Entre 1992 e 1993, foi Procurador-
-geral do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra)
e Procurador-Geral do Conselho Administrativo de Direito Econômico
(Cade). Em 1994, transferiu-se para o PPS. Em 1997, participou ativamente
da campanha contra a privatização da Companhia Vale do Rio Doce. Em
abril de 2000 foi empossado na presidência do Instituto dos Advogados
Brasileiros.
Resumo da entrevista: O entrevistado compartilhou memórias e re-
flexões sobre a sua experiência como advogado de presos e perseguidos
políticos e também sobre sua atuação como deputado federal pelo Rio de
Janeiro e em instituições importantes do campo jurídico. Inicia o teste-
munho contando que começou a advogar em causa própria, tendo sido
indiciado em três IPMs e que só depois vieram outras causas. Ao longo da
entrevista descreve as características dos principais advogados do grupo
carioca e a dinâmica de defesa montada por eles nas Auditorias Militares
e no STM, explicando sua estrutura e funcionamento. Ressalta que até a
transferência da Justiça Federal para Brasília, os advogados do Rio eram
muito procurados por colegas de outros Estados para acompanhar seus
processos e que a camaradagem entre eles imperava nestes casos, sendo
a recíproca verdadeira. Lembra que atuou na Auditoria em São Paulo no
processo de Aldo Silva Arantes e que no dia do julgamento dividiu a defesa
com Luiz Eduardo Greenhalgh. Observa ainda que além dos grandes de-
safios de advogar num período de exceção era preciso coragem, pois eram
permanentemente ameaçados. Na sequência, relata os atentados que so-
freu e suas prisões no exercício da advocacia. Como parlamentar destaca
a participação na luta pela Anistia e as visitas que fez aos presídios com o
senador Teotônio Vilella. Além disso, conta que participou do grupo que,
com Ignez Etienne Romeu, revelou o centro clandestino de tortura e exter-

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68 Núcleo memória

mínio Casa da Morte em Petrópolis (RJ). Sobre o projeto do Memorial da


Luta pela Justiça entende a importância da iniciativa e expressa sua satisfa-
ção com a possibilidade dos advogados que atuaram no período darem sua
contribuição. Lamenta apenas que Modesto da Silveira não tenha podido
dar seu testemunho, para ele o mais importante advogado de presos políti-
cos. Segundo explica, sua deferência para com o colega deve-se ao fato não
só dele ter sido quem mais pessoas defendeu, mas à maneira obstinada e
abnegada com que se dedicou à causa.
Data da entrevista: 1º de fevereiro de 2017.

MÁRCIA RAMOS DE SOUZA


Nasceu no dia 28 de outubro de 1947 na cidade de São Paulo (SP). In-
gressou no curso de Direito da Faculdade de Direito da Universidade de
São Paulo (USP) em 1967 e ainda como aluna participou do movimento
estudantil. Formou-se como advogada pela faculdade do Largo São Fran-
cisco, em 1971. Iniciou a carreira trabalhando em escritórios de advocacia
imobiliária, atividade à qual se dedicou até meados de 1975. Neste mesmo
ano, após convite de um amigo ingressou no escritório de Airton Soares,
para cobrir as férias de Luiz Eduardo Greenhalgh. No entanto, acabou
permanecendo no escritório até 1979. Durante este período atuou na de-
fesa de diversos presos e perseguidos políticos dando suporte especial aos
processos a cargo de Greenhalgh. Depois, seguiu carreira ingressando no
Serviço Público do Estado de São Paulo tendo atuado no Centro de Estu-
dos e Pesquisas de Administração Municipal (Cepam), órgão ligado à Se-
cretaria de Estado de São Paulo e trabalhado como Procuradora do Estado
concursada até se aposentar, em 1998. Foi ainda membro da Comissão de
Direitos Humanos da OAB SP em duas gestões distintas. A partir de 1998
trabalhou como assessora jurídica de diversas Secretarias de Estado, entre
elas a Secretaria de Educação e a Secretaria de Segurança Pública. Hoje é
aposentada e vive na cidade de São Paulo.
Resumo da entrevista: A entrevistada inicia o testemunho contando
como começou a atuar na defesa de presos e desaparecidos políticos. Conta
que estudou na Faculdade de Direito da USP, onde fez vários amigos, como
resultado desta amizade manteve contato regular com os colegas. Relata
que estava saindo de um escritório quando encontrou um amigo que atu-
ava na área da Justiça Militar e este perguntou se ela poderia ficar em seu
lugar durante suas férias. Dessa forma ingressou no escritório de Idibal

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Pivetta em 1974, onde ficou até 1976. Sobre o dia a dia do trabalho lembra
que no início acompanhava Luís Eduardo Greenhalgh em suas atividades,
ia todos os dias na Auditoria acompanhar os processos e era responsável
pela elaboração de pedidos de informação. Depois de quebrada a incomu-
nicabilidade dos presos era responsável também pelos pedidos de visita e
o acompanhamento dos processos. Menciona que o trabalho era exaustivo
e que se precisava ter muita paciência, pois os policias costumavam deixar
os advogados esperando muito tempo para serem atendidos. Fala das dife-
renças e do perfil dos juízes de cada uma das três auditorias e descreve os
espaços que ocupavam no prédio da Av. Brigadeiro Luis Antônio. Relata
que viveu situações difíceis no período e que a mais trágica talvez tenha
sido comunicar a morte de José Ferreira de Almeida para sua esposa. Con-
ta-nos, também, como foi impactante acompanhar a saída do presídio de
um militante que ficou preso por sete anos. Diz que independente de ideo-
logia era difícil não ter afinidade com os clientes, pois eram todos em sua
maioria jovens, idealistas e bem intencionados. Observa que as visitas aos
presídios deixaram marcas, até hoje ouve barulhos de trancas e diz que o
cheiro era insuportável. Na sequência, faz uma descrição bem estruturada
de como funcionavam os julgamentos nas auditorias e menciona as etapas
do rito. Ao final, fala da importância de registrar a memória do período
e ressalta a relevância da iniciativa de criação do Memorial da Luta pela
Justiça.
Data da entrevista: 9 de dezembro de 2016.

MARIA REGINA PASQUALE


Nasceu no dia 9 de outubro de 1944, na cidade de São Paulo (SP). In-
gressou na Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo no início de 1964 e formou-se em 1968. Durante o curso parti-
cipou ativamente do movimento estudantil, chegando a ser eleita vice-pre-
sidente do Centro Acadêmico 22 de Agosto. Começou a trabalhar como
estagiária no escritório de Francisco Moraes Barros e Antônio Mercado
Júnior, pai de um colega de faculdade. Iniciou sua atuação na defesa de
presos políticos na Justiça Militar ainda como estudante em 1968, tendo
atuado tanto nas Auditorias Militares de São Paulo e do Rio de Janeiro
como no Superior Tribunal Militar e Supremo Tribunal Federal no perío-
do de 1968 a 1979. Como advogada criminalista trabalhou no seu próprio
escritório com Belisário dos Santos Júnior, Antônio Mercado Neto e Rosa

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70 Núcleo memória

Maria Cardoso da Cunha. Por conta de suas atividades profissionais em


defesa de presos e desaparecidos políticos, foi presa duas vezes e levada
para a Operação Bandeirantes/DOI-Codi; em 1971 foi presa com mais sete
outros advogados por causa de uma petição encaminhada aos juízes da 1ª e
2ª Auditorias reclamando das condições de prisão no Presídio Tiradentes,
os quais foram defendidos no processo por Heleno Fragoso. Esta prisão ge-
rou em 1972 um desagravo da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional
de São Paulo. Atualmente é advogada em São Paulo.
Resumo da entrevista: Inicia contando que fez faculdade em meio a
muita repressão no período de 1964 a 1968, mas que começou a advogar
em defesa de presos políticos por acaso, quando o irmão da namorada de
um colega do escritório onde era estagiária foi preso. Diz que depois come-
çaram a aparecer outros casos. Observa que advogar na Auditoria Militar
era muito diferente da atuação na área civil, o ambiente era tenso e havia
muita pressão. Menciona que atuou nas duas Auditorias de São Paulo e
acredita que as penas já vinham pré-definidas do DOI-Codi e outros ór-
gãos de repressão. Na sequência, descreve em detalhes os dias de julgamen-
to, o aparato para a chegada e saída dos presos e a dinâmica das audiências
na Auditoria, destacando que na maior parte das vezes havia mais de um
réu por processo. Fala sobre casos em que atuou sem mencionar o nome
dos envolvidos e cita defesas de outros colegas. Conta que trabalhou no
escritório de Rosa Cardoso e Belisário Santos Júnior e destaca a solidarie-
dade e o companheirismo entre os advogados que atuavam na área, lem-
brando ainda a importância deles nas denúncias de tortura. Menciona que,
por sua atuação na defesa dos presos políticos, foi presa duas vezes e teve
o escritório arrombado. Emociona-se ao comentar que acabavam tendo
uma relação muito próxima com os clientes, pois muitos como ela eram
pessoas que tinham acabado de sair da faculdade, eram praticamente da
mesma idade. Diz que sofreu muito, pois não foi fácil aceitar a morte e o
desaparecimento de tantas pessoas em situações tão arbitrárias. Não sabe
se fez muito ou pouco, mas diz que não se arrepende e sente ter cumprido o
juramento que fez à Ordem na defesa do direito e da liberdade. Mesmo de-
pois da Anistia continuou na área fazendo a adequação das penas e acom-
panhando a chegada de muitos exilados em Viracopos. Lembra que esteve
na tomada cultural do prédio e que entrar lá foi emocionante. Espera que
o projeto possa realmente mostrar o que se passou durante a ditadura para
que as gerações de hoje saibam o que se aconteceu e não repitam o passado.
Data da entrevista: 8 de novembro de 2016.

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MARIO DE PASSOS SIMAS


Nasceu em 12 de abril de 1934 na capital paulista. Formou-se no curso
de Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em 1958. Sua
carreira como advogado teve início no Sindicato dos Trabalhadores nas
Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Materiais Elétricos de São Paulo,
onde prestava assistência jurídica na área da justiça comum e trabalhista.
Devido à sua atuação com os trabalhadores realizou seu primeiro proces-
so de defesa de presos políticos em 1963, em parceria com o advogado e
jurista Heráclito Fontoura Sobral Pinto, no caso dos Sargentos e Operá-
rios, em Quitaúna, município de Osasco. Durante a ditadura civil-militar,
defendeu cerca de 250 clientes envolvidos em casos de crimes políticos,
dentre os quais os professores da Faculdade de Medicina da Universidade
de São Paulo, os freis dominicanos e o estudante Alexandre Vannucchi
Leme. Além da atuação como advogado, ele foi um dos fundadores da Co-
missão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, em 1972, e presi-
dente do Centro de Defesa de Direitos Humanos Santo Dias. Seus colegas
advogados consideram-no um patrono, por ter começado a carreira mais
cedo que os outros e por sua ampla atuação com clientes provenientes de
variados setores sociais e políticos. Mário Simas publicou o livro Gritos de
Justiça: Brasil 1963-1979, um importante relato histórico do regime ditato-
rial brasileiro. Atualmente é aposentado e vive em São Paulo (SP).
Resumo da entrevista: O entrevistado começou compartilhando so-
bre o início de sua trajetória profissional em 1958 no Sindicato dos Traba-
lhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Materiais Elétricos
de São Paulo, onde atuou na área da justiça comum do departamento jurí-
dico. A atuação como advogado de presos políticos, por sua vez, teve início
antes do golpe militar, em 1963, no caso da prisão do presidente e do vice-
-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos e de membros do Partido Co-
munista Brasileiro, em Osasco (SP). Ao longo da entrevista, Mário Simas
explanou sobre os instrumentos jurídicos da Justiça Militar durante a dita-
dura, como por exemplo o habeas corpus. Contudo, com o endurecimento
do regime, mesmo esses mecanismos foram retirados dos advogados. Para
ele, foi o momento em que os advogados saíram de uma posição estática e
passaram a criar, ou seja, o momento apontou para a necessidade de uma
“advocacia arte”. Nos julgamentos, destacou a importância da sustentação
oral como forma de defesa. Também compartilhou suas memórias sobre
a composição da Auditoria Militar de São Paulo e explanou a respeito de
como ocorriam os processos na Justiça Militar. Além disso, destacou a

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72 Núcleo memória

participação da Ordem dos Advogados de São Paulo, ao auxiliar advoga-


dos a favor da liberdade e justiça no período. Contou sobre a iniciativa da
fundação da Comissão Justiça e Paz, em 1972, criada com o objetivo de
fornecer assistência aos perseguidos políticos e familiares. Sobre o projeto
do futuro Memorial da Luta pela Justiça mostrou-se apreensivo, embora
tenha ressaltado a importância da preservação desse prédio histórico e da
divulgação das memórias sobre o período da ditadura civil-militar, para
que não se repita.
Data da entrevista: 14 de outubro de 2016.

PAULO DE TARSO VANNUCHI


Nasceu no dia 15 de maio de 1950 em São Joaquim da Barra (SP).
Cursou a Faculdade de Medicina da USP de 1969 a 1971, ingressou no
movimento estudantil e foi secretário do Centro Acadêmico Oswaldo
Cruz. Participou ativamente dos movimentos de esquerda durante o re-
gime militar sendo preso pelo DOI-Codi/SP em 1971. Detido de 1971 a
1976, é um dos signatários do dossiê entregue à OAB em 1975 denun-
ciando a tortura e assassinatos cometidos pela ditadura. Estudou jorna-
lismo na Escola de Comunicações e Artes da USP (1977-1980) e obteve o
título de Mestre em Ciência Política (2001). Entre 1977 e 1985 trabalhou
no Centro de Educação Popular do Instituto Sedes Sapientiae, ministrou
cursos para Comunidades Eclesiais de Base, Comissão Pastoral da Ter-
ra e Pastoral Operária. De 1980 a 1985 trabalhou na equipe do projeto
Brasil: Nunca Mais, coordenada por Dom Evaristo Arns. Cofundador
do Instituto Cajamar, assessor político do Sindicato dos Metalúrgicos do
ABC e do PT, trabalhou no Instituto Cidadania e nas campanhas de Lula
à presidência em 1994 e 2002. De 2005 a 2010 foi Ministro da Secretaria
Especial de Direitos Humanos, Presidente do Conselho de Defesa dos
Direitos da Pessoa Humana, da Comissão Nacional para a Erradicação
do Trabalho Escravo e do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à
Tortura. Em 2014, foi empossado na Comissão Interamericana de Direi-
tos Humanos. Atualmente é diretor do Instituto Lula e atua como analis-
ta político da TVT e da Rádio Brasil Atual.
Resumo da entrevista: O entrevistado começa seu testemunho com
breve análise do contexto de criação da ALN e seus princípios políticos,
chamando atenção para a centralidade de Carlos Marighella no processo.
Na sequência fala sobre o início de sua militância política em São João da

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Memorial da luta pela justiça 73

Barra e o ingresso no curso preparatório para o vestibular do Grêmio da


Faculdade de Filosofia da USP. Explica que, ao entrar na Faculdade de Me-
dicina, em 1969, passou a integrar o Centro Acadêmico Osvaldo Cruz e em
seguida a ALN. Em seguida, faz uma análise de conjuntura e aponta que
a partir do Sequestro do Embaixador Americano o aparelho repressivo do
Estado se fortaleceu no uso da tortura citando os casos dramáticos de Wla-
dimir Herzog e Manoel Fiel Filho. Relata alguns episódios em que esteve
envolvido, sua prisão em 1971 e menciona as torturas a que foi submetido
no DOI-Codi e também no hospital do Cambuci. Observa que os seus pri-
meiros advogados foram Airton Soares e Idibal Pivetta, mas que ao final
foi defendido por Eny Raimundo Moreira. Ao falar da advogada descreve
sua atuação na Auditoria Militar e cita sua importância como a idealiza-
dora do Projeto Brasil: Nunca Mais. Sobre os 5 anos em que ficou preso
conta que foi levado várias vezes para o Dops e que, por ter sido indiciado
em dois processos, esteve várias vezes na Auditoria Militar. Narra ainda
o dia a dia no presídio, o convívio com os padres dominicanos presos e a
greve de fome de 1972. Conta que saiu da prisão em 1976 e que em 1980 foi
convidado para trabalhar no núcleo do projeto BNM. Explica o método de
trabalho adotado e menciona as principais pessoas envolvidas no projeto.
Descreve também o papel da Comissão de Justiça e Paz e de Dom Paulo
Evaristo Arns no processo. Sobre suas expectativas para o novo Memo-
rial diz que este deve ampliar a compreensão que se tem do período, mos-
trando os diversos segmentos sociais atingidos pela repressão e reforçar o
compromisso de não repetição aliando-se às diretrizes internacionais da
Justiça de Transição.
Data da entrevista: 29 de março de 2017.

ROSA MARIA CARDOSO DA CUNHA


Nasceu no dia 13 de dezembro de 1946, em Recife (PE). Graduada em
Direito pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio
de Janeiro, em 1969, mestre em direito penal pela Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo e curso de doutorado em Ciência Política pelo
Instituto Universitário de Pesquisas do Estado do Rio de Janeiro. Advoga-
da criminalista, especializou-se na defesa de crimes políticos, com intensa
atuação no Rio de Janeiro, São Paulo e Distrito Federal, onde trabalhou,
especialmente, no Superior Tribunal Militar e Supremo Tribunal Federal.
Atuou em defesa de muitos presos políticos no período da ditadura civil-

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-militar. Posteriormente passou a desenvolver atividades em todos os cam-


pos da advocacia criminal, com maior destaque para os delitos previstos
em legislação especial (crimes contra o meio ambiente, contra o mercado
financeiro, contra a ordem tributária e a economia popular, contra o con-
sumidor etc.). Professora de diversas universidades no Brasil e no exte-
rior (1975-2012). Foi Subsecretária de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
(1991-1994) e integrou o Conselho Nacional de Política Criminal e Peni-
tenciária de 1999 a 2002. Foi membro da Comissão Nacional da Verdade
(CNV) desde sua instalação, em 16 de maio de 2012, até o encerramento de
suas atividades, tendo assumido a coordenação geral no período de maio
a agosto de 2013. Foi presidente da Comissão da Verdade do Estado do
Rio de Janeiro (2014/2015). É autora também de diversos livros jurídicos e
sobre política.
Resumo da entrevista: A entrevistada conta que começou a atuar na
defesa de presos políticos ainda estudante da Faculdade Nacional de Direi-
to e que foi trabalhar no escritório de Modesto da Silveira, pois entendeu
que ali poderia fazer um trabalho bem amplo, uma vez que, como diz, lá
era a primeira porta em que as pessoas batiam. Com Modesto chegou a
atender sindicatos com 30, 50 clientes. Ao descrever sua rotina, destaca
que não tinha horário, era muito trabalho. Sobre os honorários revela que
em geral os advogados dos presos políticos não cobravam, salienta que esta
era uma advocacia emergencial, não era para ganhar dinheiro. Sobre sua
transferência para São Paulo, relata que trabalhou no escritório de Aldo
Lins e Silva e atuou na 1ª e 2ª Auditoria Militar. Ao descrever as etapas do
processo e julgamento, aponta que os dias de interrogatório se caracteri-
zavam como dias de acusação do regime em que os presos denunciavam
que haviam sido torturados, “eram dias em que a verdade vencia o medo”.
Outro dia que tinha este sentido era o do julgamento, então eram os advo-
gados que denunciavam, porém aí era mais perigoso. Lembra com detalhes
diversos casos de organizações e pessoas que defendeu. Observa que tra-
balhar na CNV e na CVRJ levou-a a reconsiderar a importância de falar
sobre o período, entendendo que este é antes de tudo um compromisso
com as vítimas. Ao mencionar suas expectativas para o futuro Memorial
diz que fica feliz que as lutas por memória, verdade e justiça estejam de-
sembocando em projetos como este. Sobre o material a ser exibido observa
que o mais importante nos processos eram as denúncias dos presos, uma
vez que os advogados não deixavam escritas suas defesas, pois estes docu-
mentos eram lidos pelos órgãos que segurança. Ressalta que acha impor-

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Memorial da luta pela justiça 75

tante apresentar as peças de acusação que evidenciam o furor acusatório


desmedido do regime militar. Diz ainda que é uma oportunidade de ouvir
os testemunhos dos colegas e recuperar a memória de um momento muito
significativo da história do país.
Data da entrevista: 3 de fevereiro de 2017.

TALES OSCAR CASTELO BRANCO


Nasceu no dia 22 de agosto de 1935, em Fortaleza (CE). Formado pela
Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie em 1961.
Atuou como advogado criminalista em prol de diversos presos políticos
durante a ditadura civil-militar. Entre os mais de 50 acusados que defen-
deu estavam o diretor de teatro José Celso Martinez Corrêa, a arquiteta
Lina Bo Bardi e o engenheiro civil Ricardo Zarattini Filho. A partir de
1990, voltou sua atuação profissional para as novas leis relacionadas ao
combate dos chamados “crimes econômicos” (Código de Defesa do Con-
sumidor, Lei dos Crimes contra a Ordem Tributária, a Ordem Econômica
e as Relações de Consumo, Lei de Lavagem de Dinheiro etc.). Foi diretor do
Departamento de Cultura (1968-1978) e Conselheiro Estadual da OAB SP
por quatro mandatos (1979-1981; 1981-1983; 1983-1985; 1985-1987); atuou,
também, como conselheiro federal da OAB, por indicação do Conselho
Seccional da OAB SP (1988-1989; 1990-1991), sendo vice-presidente nacio-
nal do Conselho Federal da OAB (1990-1991) e presidente do Instituto dos
Advogados de São Paulo (Iasp) (2004-2006). Foi professor da Escola Supe-
rior de Advocacia da OAB SP, na área de Direito Penal e Processo Penal
(1998-2000), presidente do Conselho Curador da Escola Superior de Ad-
vocacia da OAB SP (1999-2001; 2001-2003). É sócio do escritório Castelo
Branco Advogados Associados, membro do Instituto Histórico e Geográ-
fico de São Paulo e autor dos livros Da prisão em flagrante, Teoria e prática
dos recursos criminais e Memorabilia, além de inúmeros artigos jurídicos e
várias separatas de arrazoados forenses.
Resumo da entrevista: O entrevistado atribui sua atuação na defesa
de presos e perseguidos políticos à ligação com dissidentes do Partido Co-
munista Brasileiro que conheceu por intermédio de seu irmão, o arquiteto
Bernardo Castelo Branco. Conta que ficou muito próximo a estes políti-
cos e que estabeleceu uma grande amizade, dentre outros, com José Maria
Crispim, de quem guarda boas lembranças. Iniciou carreira como advoga-
do criminalista e já tinha adquirido certo prestígio quando começou a ad-

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vogar em defesa de perseguidos políticos, ao todo foram aproximadamente


100 casos defendidos na Primeira e Segunda Auditorias Militares. Ao lon-
go da entrevista, relembra os casos mais emblemáticos e revela detalhes
de alguns processos, tais como os de José Celso Martinez Correa, Ricardo
Zarattini, Lina Bo Bardi e Antônio Carlos Fon, através dos quais evidencia
as soluções encontradas para garantir a liberdade e preservar a vida de
seus clientes. Observa que era muito difícil advogar no período e que foi
necessário desenvolver diversas estratégias para driblar os limites impos-
tos pelo regime militar. Aponta ainda como, estudando os autos e exami-
nando as provas, conseguia-se descontruir evidências e derrubar provas
forjadas. Conta que não foi pessoalmente atingido pela repressão e que
de uma forma paradoxal sentia-se protegido por ser advogado da União
Cultural Brasil Rússia. Sobre sua extensa atuação nos órgãos de classe e
na OAB SP, conta que, em seu primeiro mandato (1978), foi responsável
por parecer sobre redução das penas de presos políticos em casos de bani-
mento e que Técio Lins e Silva, da OAB-RJ, também teria se pronunciado
favorável sobre o assunto. Sobre suas expectativas em relação ao Memorial
da Luta pela Justiça revela que ficou feliz em ver que o projeto que parecia
impossível está se concretizando e reforçou a importância de iniciativas
como esta. Sobre os processos a serem expostos, diz que se ressente de não
ter guardado os arquivos do período.
Data da entrevista: 12 de dezembro de 2016.

TÉCIO LINS E SILVA


Nasceu em 16 de junho de 1945, no Rio de Janeiro (RJ). Formado pela
Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil, em 1968. Mestre
em Direito Penal e doutor em Direito Político pela UFRJ. Membro de uma
família de importantes juristas, tornou-se herdeiro do escritório criado,
na década de 1930, pelos irmãos Raul, Evandro e Haroldo Lins e Silva.
Advogado criminal, defendeu inúmeros presos políticos durante o período
ditatorial, estreando no STM em maio de 1968, antes de formado. Militan-
te na advocacia contenciosa perante a Justiça Comum (estadual e federal),
na primeira e segunda instâncias (Tribunais de Justiça dos Estados e Re-
gionais Federais), nas Auditorias da Justiça Militar e no Superior Tribunal
Militar (STM), no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tri-
bunal Federal (STF). Fez o seu primeiro júri no Rio de Janeiro, em 1975,
ainda estudante. Membro do Conselho Nacional de Justiça (2007-2010), da

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Comissão de Juristas para a Reforma do Código Penal (2011), do Conselho


Diretor do Cesa (2012-2015), do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa
Humana (2013), da Comissão do Senado para a reforma da Lei de Execu-
ção Penal (2013). Foi conselheiro da OAB/RJ e do Conselho Federal (1975-
1981, 1983-1985, 2007-2010); vice-presidente da OAB/RJ (1987); presidente
do Conselho Federal de Entorpecentes (Confen) (1985-1987), Secretário de
Estado de Justiça e Procurador-Geral da Defensoria Pública do Estado do
RJ (1987-1990), Secretário adjunto da Federação Interamericana de Advo-
gados (FIA) (1993-1994), membro da União Internacional de Advogados
(UIA) e da Associação Internacional de Direito Penal (AIDP). Fundador
da Associação Brasileira de Advogados Criminalistas (Abracrim). É mem-
bro do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) e seu presidente, nas ges-
tões de 2014/2018.
Resumo da entrevista: O entrevistado conta que, como estudante da
Faculdade Nacional de Direito, participou da resistência ao golpe em 1964.
Membro de uma família de eminentes juristas conta que amigos e colegas
o procuravam para serem defendidos por seu pai, o advogado Álvaro Lins
e Silva. Lembra que estreou no Tribunal Superior Militar em 1968 logo
após a morte do pai. Explica que, como o Tribunal Superior Militar ficou
no Rio de Janeiro até 1973, representou advogados do Brasil inteiro, dentre
eles vários advogados paulistas. Ao longo da entrevista, ao citar casos em
que atuou, expõe aspectos do trabalho do advogado criminal e do fun-
cionamento da Justiça Militar fazendo paralelos com a situação vivida no
presente e apontando alguns paradoxos do exercício da profissão durante
a ditadura militar.
Ressalta os valores que moviam os advogados que atuaram durante o
período e observa que nestas causas eles não cobravam; era, como se refere,
uma advocacia cívica. Sobre sua atuação em São Paulo menciona que co-
nheceu o prédio das Auditorias Militares e cita outros advogados cariocas
que advogaram lá. Ao falar sobre sua experiência, relata as condições em
que se davam as audiências e descreve o funcionamento dos Conselhos de
Justiça, apontando os desafios e estratégias usadas em suas defesas. Res-
salta o papel que tiveram os familiares, em especial, as mães dos presos
políticos, diz que elas ajudaram muito. Menciona ainda a atuação da OAB
durante a ditadura destacando a importância da gestão de Raimundo Fa-
oro. Sobre as expectativas para o futuro Memorial diz que gostaria que ele
servisse como símbolo, como exemplo para que não se repitam os erros do
passado. Afinal, como aponta, esta foi uma fase de glória da advocacia cri-

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minal e deve ser valorizada. Na sequência, faz uma digressão e observa que
a imagem de Cristo nos tribunais não deve ser vista como uma imagem
religiosa, mas como imagem do mais grave erro judiciário que a história
nos legou, e lembra os perigos de um julgamento sem direito de defesa.
Data da entrevista: 3 de fevereiro de 2017.

VIRGILIO EGYDIO LOPES ENEI


Nasceu em 1º de agosto de 1944, no município de Itapetininga, interior
do Estado de São Paulo. Com o auxílio da família, em 1951, mudou-se para
a capital paulista para estudar na Escola Caetano de Campos e depois para
cursar Direito na Universidade de São Paulo. No segundo ano da gradua-
ção, começou a defender presos e perseguidos políticos no escritório de Aldo
Lins e Silva. Entre os anos de 1965 e 1977, atuou nas Auditorias Militares de
São Paulo e também advogou em outros Estados como Ceará, Paraná, Rio
Grande do Sul, Pernambuco e Minas Gerais. Em seu ofício, defendeu casos
como o de Dilma Rousseff, Carlos Franklin Paixão de Araújo e Luís Carlos
Prestes, Aylton Adalberto Mortatti, Fernando Casadei Salles e Silvino Alves
de Carvalho. Contudo, privilegiou a defesa de exilados, mortos e desapare-
cidos políticos. Durante o exercício da sua função em meio à ditadura civil-
-militar, foi preso 11 vezes. Seu último grande caso na defesa de presos po-
líticos foi o do Partido Comunista do Brasil. Posteriormente, passou a atuar
em processos menores. Em 2015, foi testemunha de acusação na denúncia do
Ministério Público Federal contra o Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra,
em relação ao sequestro de Edgard de Aquino Duarte. Atualmente possui
escritório próprio e reside em São Paulo, capital.
Resumo da entrevista: O entrevistado iniciou contando lembranças
da faculdade e recordando de colegas com quem estudou, como José Dir-
ceu e Iara Iavelberg. A trajetória como advogado de presos políticos come-
çou no escritório do doutor Aldo Lins e Silva, local procurado por muitos
familiares e amigos de presos e perseguidos pela ditadura civil-militar. Ao
longo da entrevista, Virgilio Enei destacou o habeas corpus, os mandatos
de segurança e as comunicações ao Superior Tribunal de Justiça, enquanto
recursos padrões para tentar quebrar a incomunicabilidade de seus clien-
tes. Trouxe informações sobre os julgamentos e o funcionamento das Au-
ditorias Militares em São Paulo, além de mencionar o trabalho realizado
nos julgamentos de militantes desaparecidos. Contou ainda que foi preso
pelo aparato repressivo 11 vezes e, sem advogado de defesa, realizou to-

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dos os trâmites jurídicos para solicitar a própria soltura. Segundo ele, o


apoio da Ordem dos Advogados do Brasil teria chegado somente no final
da ditadura, quando houve uma sessão solene de desagravo aos advogados.
Contudo, ressalta a solidariedade entre os escritórios de advocacia do Rio
de Janeiro e de São Paulo. Por fim, refletiu sobre o papel dos advogados no
período dos governos militares, cuja importância se deu ao divulgar os ca-
sos de maus-tratos, torturas e desaparecimentos. Sobre o projeto do futuro
Memorial da Luta pela Justiça, revelou não possuir grandes expectativas,
mas afirmou a importância do trabalho de preservação dessas memórias.
Data da entrevista: 28 de outubro de 2016.

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Lista das entrevistas
realizadas e como citar

ARANTES, Aldo Silva. Entrevista sobre a luta pela justiça duran-


te a ditadura civil militar no Brasil (1964-1985). Coleção Exposição de
Longa Duração. Entrevista concedida a Paula Ribeiro Salles e Caroline
Grassi. Núcleo de Preservação da Memória Política/Memorial da Luta pela
Justiça, São Paulo, 21/02/2017.
BRANCO, Tales Oscar Castelo. Entrevista sobre a luta pela justiça
durante a ditadura civil militar no Brasil (1964-1985). Coleção Exposi-
ção de Longa Duração. Entrevista concedida a Paula Ribeiro Salles e Ana
Paula Brito. Núcleo de Preservação da Memória Política/Memorial da Luta
pela Justiça, São Paulo, 12/12/2016.
CERQUEIRA, Marcelo Augusto Diniz. Entrevista sobre a luta pela
justiça durante a ditadura civil militar no Brasil (1964-1985). Coleção
Exposição de Longa Duração. Entrevista concedida a Ana Paula Brito e
Paula Ribeiro Salles. Núcleo de Preservação da Memória Política/Memo-
rial da Luta pela Justiça, Rio de Janeiro, 01/02/2017.
CUNHA, Rosa Maria Cardoso. Entrevista sobre a luta pela justiça
durante a ditadura civil militar no Brasil (1964-1985). Coleção Exposi-
ção de Longa Duração. Entrevista concedida a Paula Ribeiro Salles e Ana
Paula Brito. Núcleo de Preservação da Memória Política/Memorial da Luta
pela Justiça, Rio de Janeiro, 03/02/2017.
DIAS, José Carlos. Entrevista sobre a luta pela justiça durante a di-
tadura civil militar no Brasil (1964-1985). Coleção Exposição de Longa
Duração. Entrevista concedida a Paula Ribeiro Salles e Ana Paula Brito.
Núcleo de Preservação da Memória Política/Memorial da Luta pela Justi-
ça, São Paulo, 02/12/2016.
ENEI, Virgilio Egydio Lopes. Entrevista sobre a luta pela justiça du-
rante a ditadura civil militar no Brasil (1964-1985). Coleção Exposição
de Longa Duração. Entrevista concedida a Ana Paula Brito e Paula Ribei-

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ro Salles. Núcleo de Preservação da Memória Política/Memorial da Luta
pela Justiça, São Paulo, 28/10/2016.
FUNARI FILHO, Antonio. Entrevista sobre a luta pela justiça duran-
te a ditadura civil militar no Brasil (1964-1985). Coleção Exposição de
Longa Duração. Entrevista concedida a Ana Paula Brito e Paula Ribeiro
Salles. Núcleo de Preservação da Memória Política/Memorial da Luta pela
Justiça, São Paulo, 14/02/2017.
GREENHALGH, Luiz Eduardo. Entrevista sobre a luta pela justiça
durante a ditadura civil militar no Brasil (1964-1985). Coleção Exposi-
ção de Longa Duração. Entrevista concedida a Paula Ribeiro Salles e Ana
Paula Brito. Núcleo de Preservação da Memória Política/Memorial da Luta
pela Justiça, São Paulo, 02/12/2016.
LEME, Heládio José de Campos. Entrevista sobre a luta pela justiça
durante a ditadura civil militar no Brasil (1964-1985). Coleção Expo-
sição de Longa Duração. Entrevista concedida a Ana Paula Brito e Paula
Ribeiro Salles. Núcleo de Preservação da Memória Política/Memorial da
Luta pela Justiça, São Bernardo do Campo, 10/02/2017.
MELLO, Iberê Zeferino Bandeira de. Entrevista sobre a luta pela jus-
tiça durante a ditadura civil militar no Brasil (1964-1985). Coleção Ex-
posição de Longa Duração. Entrevista concedida a Paula Ribeiro Salles e
Ana Paula Brito. Núcleo de Preservação da Memória Política/Memorial da
Luta pela Justiça, São Paulo, 09/12/2016.
MOREIRA, Eny Raimundo. Entrevista sobre a luta pela justiça du-
rante a ditadura civil militar no Brasil (1964-1985). Coleção Exposição
de Longa Duração. Entrevista concedida a Ana Paula Brito e Paula Ribei-
ro Salles. Núcleo de Preservação da Memória Política/Memorial da Luta
pela Justiça, São Paulo, 14/10/2016.
PASQUALE, Maria Regina. Entrevista sobre a luta pela justiça du-
rante a ditadura civil militar no Brasil (1964-1985). Coleção Exposição
de Longa Duração. Entrevista concedida a Ana Paula Brito e Paula Ribei-
ro Salles. Núcleo de Preservação da Memória Política/Memorial da Luta
pela Justiça, São Paulo, 08/11/2016.
PIVETTA, Idibal Mathos Gomes de Almeida. Entrevista sobre a luta
pela justiça durante a ditadura civil militar no Brasil (1964-1985). Co-
leção Exposição de Longa Duração. Entrevista concedida a Paula Ribeiro
Salles e Ana Paula Brito. Núcleo de Preservação da Memória Política/Me-
morial da Luta pela Justiça, São Paulo, 30/03/2017.

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Memorial da luta pela justiça 83

SANTOS Jr., Belisário dos. Entrevista sobre a luta pela justiça duran-
te a ditadura civil militar no Brasil (1964-1985). Coleção Exposição de
Longa Duração. Entrevista concedida a Ana Paula Brito e Paula Ribeiro
Salles. Núcleo de Preservação da Memória Política/Memorial da Luta pela
Justiça, São Paulo, 08/11/2016.
SCAVONE, Artur Machado. Entrevista sobre a luta pela justiça du-
rante a ditadura civil militar no Brasil (1964-1985). Coleção Exposição
de Longa Duração. Entrevista concedida a Ana Paula Brito e Paula Ribei-
ro Salles. Núcleo de Preservação da Memória Política/Memorial da Luta
pela Justiça, São Bernardo do Campo, 07/02/2017.
SILVA, Técio Lins e. Entrevista sobre a luta pela justiça durante a di-
tadura civil militar no Brasil (1964-1985). Coleção Exposição de Longa
Duração. Entrevista concedida a Ana Paula Brito e Paula Ribeiro Salles.
Núcleo de Preservação da Memória Política/Memorial da Luta pela Justi-
ça, Rio de Janeiro, 03/02/2017.
SIMAS, Mário de Passos. Entrevista sobre a luta pela justiça duran-
te a ditadura civil militar no Brasil (1964-1985). Coleção Exposição de
Longa Duração. Entrevista concedida a Ana Paula Brito e Paula Ribeiro
Salles. Núcleo de Preservação da Memória Política/Memorial da Luta pela
Justiça, São Paulo, 14/10/2016.
SOARES, Airton Estevens. Entrevista sobre a luta pela justiça duran-
te a ditadura civil militar no Brasil (1964-1985). Coleção de Implanta-
ção do Memorial. Entrevista concedida a Ana Paula Brito e Paula Ribeiro
Salles. Núcleo de Preservação da Memória Política/Memorial da Luta pela
Justiça, São Paulo, 12/12/2016.
SOUZA, Márcia Ramos de. Entrevista sobre a luta pela justiça du-
rante a ditadura civil militar no Brasil (1964-1985). Coleção Exposição
de Longa Duração. Entrevista concedida a Ana Paula Brito e Paula Ribei-
ro Salles. Núcleo de Preservação da Memória Política/Memorial da Luta
pela Justiça, São Paulo, 09/12/2016.
VANNUCHI, Paulo de Tarso. Entrevista sobre a luta pela justiça du-
rante a ditadura civil militar no Brasil (1964-1985). Coleção Exposição
de Longa Duração. Entrevista concedida a Oswaldo dos Santos Júnior e
Ana Paula Brito. Núcleo de Preservação da Memória Política/Memorial da
Luta pela Justiça, São Bernardo do Campo, 29/03/2017.

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III. Acervo documental –
levantamento de acervos
sobre o período

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Levantamento de fontes históricas e
mapeamento de arquivos da Justiça
Militar durante a Ditadura

A Justiça Militar, estabelecida desde meados do século XIX, é o órgão


federal que apura os crimes cometidos por militares, porém durante
a ditadura civil militar (1965-1985) também apurou civis acusados de
crimes políticos. Assim, o governo transferiu, a partir de 1965, a trami-
tação dos processos de crimes políticos da justiça comum para a justiça
militar, a fim de centralizar a sua vigilância e controle sobre os opositores
ao regime.
No campo da luta pelos direitos humanos e da pesquisa histórica so-
bre o período militar um tema muito debatido e reivindicado por grupos
da sociedade civil é a abertura dos arquivos do Estado, principalmen-
te os das Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica). No caso
específico dos arquivos da Justiça Militar da União (JMU) a pesquisa
ora apresentada encontrou acesso público aos documentos do período
militar. Eles estão localizados nas Auditorias Militares de São Paulo e
do Superior Tribunal Militar (STM). Será relatado brevemente como foi
a chegada a estes arquivos e sobre os documentos do período militar ali
encontrados. Durante este percurso se percebeu que, por um lado, há um
grande desconhecimento a respeito destes acervos e, por outro lado, um
mito de que são inacessíveis. Hoje, os arquivos originais dos processos
julgados nas Auditorias Militares de São Paulo durante o período dita-
torial, e especialmente os de crimes políticos, estão localizados em sua
maioria no arquivo do STM em Brasíllia. Isto porque ao recorrer das
decisões da 1ª instância da Justiça Militar, os processos completos eram
enviados para novo julgamento pela 2ª instância, e lá eram arquivados
até o ano de 1980. Nesse ano, a responsabilidade de guarda passou para
as Auditorias Militares espalhadas por todo o Brasil, que recolhiam os
processos após a decisão da 2ª instância. Por isso os processos de crimes

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88 Núcleo memória

políticos do período de 1980 a 1985 ocorridos no Estado de São Paulo


estão no arquivo da Auditoria de São Paulo.1
No caso deste acervo, identificamos que as condições de preservação
e conservação dos documentos são inadequadas e não há um funcionário
especializado, e é importante destacar que o arquivo do STM é um órgão
dentro do Departamento de Documentação e Divulgação do STM instituí-
do e em execução, destinado à preservação e à divulgação do seu acervo. Já
o arquivo da Auditoria de São Paulo é o local de depósito dos processos, e
não um órgão oficial.
Um dado relevante, disponibilizado pelo Arquivo do STM, é que no
período compreendido entre o ano de 2001 e junho de 2017 foram feitos
atendimentos a 8.453 cidadãos brasileiros.2
Atualmente, nas Auditorias Militares de São Paulo, 3 estão guardadas
séries de livros administrativos do período estudado, bastante relevan-
tes para a pesquisa histórica e que já foram utilizados como prova para
reparação de ex-presos políticos no que tange às leis de anistia, segundo
relatos da administradora de foro. São livros de tombo de processos or-
dinários, livros de sentenças, rol de condenados, registro de inquéritos,
dentre outros, material muito importante para compreender esse pe-
ríodo histórico. Um livro, em especial, foi fonte primordial a pesquisa
realizada, o livro Relação de processos de acusados incursos na Lei de
Segurança Nacional (1967-1979), que possui o detalhamento dos resulta-
dos dos julgamentos na primeira instância (Auditoria Militar) e nas duas
instâncias de recursos (STM e STF), além de observações relevantes de
atos judiciais tramitados.4 Além desse material encontrado nas Audito-
rias de São Paulo, os processos judiciais de crimes políticos instaurados
pela Justiça Militar existentes no STM são peças documentais mestras
para o acervo patrimonial do futuro Memorial da Luta pela Justiça, pois

1
O provimento n. 12/79, de 29 de novembro de 1979, complementado pelo provimento n. 18/80,
ambos assinados pelo presidente do Superior Tribunal Militar, oficializam a descentralização
do arquivamento dos processos da JMU e a competência da primeira instância a sua guarda.
2
Informação disponibilizada por e-mail em 22/6/2017, por Alexandre Guimarães, supervi-
sor II da Seção de Arquivos do STM.
3
A partir do ano de 1993, na 2ª CJM existem somente a 1ª e 2ª Auditoria Militar em São
Paulo. Seu acervo está localizado na Rua Cásper Libero, centro da capital de São Paulo, para
onde mudaram em 2011 deixando o prédio que abrigará o MLPJ. Neste prédio há uma sala
climatizada onde estão guardados os documentos das três auditorias do período militar. O
arquivo da 3ª Auditoria está sob a responsabilidade e guarda da 3ª Auditoria.
4
O trabalho com estas fontes será apresentado em outro texto deste mesmo livro-relatório.

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Memorial da luta pela justiça 89

abrangem o período de maior movimentação na JMU no julgamento de


crimes políticos (1965-1980).
De uma forma geral, o processo judicial começa quando o juiz recebe
a denúncia de um crime e termina no momento em que a sentença defini-
tiva se torna irrecorrível. Os processos de crimes políticos que tramitaram
(ou foram julgados) na JMU também ocorrem desse modo. A primeira
instância é formada pelas Auditorias, cabendo recurso ao STM e, em casos
de violação da Constituição, também ao Supremo Tribunal Federal (STF),
havendo uma etapa preliminar de Inquérito Policial Militar (IPM), em que
os organismos da polícia civil ou dependências militares realizam a inves-
tigação do crime e, ao finalizá-la, apresentam ao Ministério Público um
relatório final. Este, por sua vez, pode oferecer a denúncia ao juiz auditor
que pode receber a denúncia e dar continuidade ao processo ou arquivar o
IPM. A denúncia também pode ser rejeitada pelo juiz. Sendo aceita, inicia-
-se o processo judicial propriamente dito.
Dessa maneira, nos casos de crimes políticos cometidos por civis du-
rante a ditadura, a Justiça Militar entra em ação depois da fase do IPM,
escritos em grande parte nos Departamentos de Ordem Política e Social
(Dops) espalhados pelo Estado de São Paulo. Assim sendo, nem todos os
presos políticos, desaparecidos e mortos durante a ditadura se tornaram
réus nas Auditorias Militares. Somente aqueles que foram denunciados
pelo MP e cuja denúncia foi aceita pelos juízes auditores.
Além dos arquivos da JMU, os acervos potenciais que devem enriquecer o
projeto de implantação do MLPJ, assim como seu Centro de Referência, são os
arquivos pessoais de advogados que têm um caráter específico e podem revelar
importantes nexos entre advogados, presos políticos, sociedade civil e Justiça
Militar durante o período. Ainda vale citar os arquivos de outras entidades
que lutaram por justiça durante o período, como a Comissão de Justiça e Paz
da Arquidiocese de São Paulo e a Ordem dos Advogados do Brasil. Além dos
registros oficiais nos arquivos públicos (Arquivo Nacional − em especial, os
arquivos do SNI gestionados pelo Programa Memórias Reveladas −, e Arquivo
do Estado de São Paulo – e sua vasta documentação do Dops/SP).
Para o projeto do MLPJ já é imprescindível o acervo do Projeto Brasil:
Nunca Mais, recentemente atualizado pelo MPF no Projeto Brasil: Nunca
Mais Digital, que certamente lavraram o testamento dos crimes de lesa-
-humanidade praticados durante a Ditadura.
Todos esses acervos têm servido como prova para a reparação das ví-
timas de tantos outros abusos exercidos pelo Estado durante a ditadura:

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90 Núcleo memória

como as perseguições e prisões políticas e as consequências por elas trazi-


das para civis que se opunham ao regime imposto. Para além desta utiliza-
ção, esses arquivos são fonte inesgotável para pesquisa histórica e cultural,
trazendo novas problemáticas e conhecimentos em diversas áreas como
direito, ciências sociais, arquivologia, literatura, dentre outras.
Na consulta realizada aos arquivos da JMU, em especial, os arquivos
da Auditoria Militar, percebemos que a guarda desses documentos foi ga-
rantida desde os anos de chumbo, porém, a preservação e divulgação ainda
estão em risco. Felizmente grande parte deste acervo está preservada e a
ele é dado acesso público. Apesar disso, não estão em condições ideiais de
pesquisa e as garantias de sua preservação permanente ainda são frágeis,
por isso, a validadade de sua divulgação.

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Brasil: Nunca Mais. Do papel ao digital
Marlon Alberto Weicher1

A inda durante a ditadura militar, mais precisamente em 1979, um pro-


jeto ambicioso foi iniciado: obter – a partir do acervo de processos ju-
diciais que tramitaram no Superior Tribunal Militar (STM), em Brasília –,
informações e evidências de violações aos direitos humanos praticadas por
agentes do aparato repressivo do Estado. Pretendia-se, ainda, evitar o possí-
vel desaparecimento desses documentos durante o processo de redemocrati-
zação, tal como ocorrera na ditadura Vargas.
Os mentores do projeto – em especial a advogada Eny Raimundo Mo-
reira – perceberam que os processos relacionados a presos políticos po-
deriam ser reproduzidos, aproveitando-se do prazo de 24 horas facultado
pelo Tribunal para a custódia provisória de autos. Nesses processos, parce-
la considerável dos acusados havia denunciado perante as Auditorias Mi-
litares que haviam sido vítimas de tortura, inclusive descrevendo detalhes
das práticas, assim como locais e responsáveis. Em função da militância
jurídica dos advogados dos presos políticos, muitos juízes terminavam por
permitir o registro da notícia da tortura nas transcrições dos depoimentos,
ainda que não levassem as denúncias em consideração. Era especialmente
esse acervo de informações que se buscava, pois eram documentos oficiais
(processos judiciais) que continham registros das violações aos direitos
humanos. E, ademais, por serem documentos oficiais de investigação, tra-
ziam muitos nomes das autoridades que atuavam pelo aparato repressor.

1
Procurador Federal dos Direitos do Cidadão Adjunto. Procurador Regional da República.
Mestre em Direito do Estado pela PUC/SP. Coordenador do projeto Brasil: Nunca Mais
Digital, pelo Ministério Público Federal. Coordenador do Grupo de Trabalho Memória e
Verdade da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão. Membro da Comissão de Anis-
tia do Ministério da Justiça. Integra o Conselho de Orientação Cultural do Memorial da
Resistência de São Paulo.

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92 Núcleo memória

A ideia foi levada ao Reverendo Jaime Wright, da Igreja Presbiteriana


e, em seguida, ao Cardeal da Igreja Católica, Dom Paulo Evaristo Arns,
que a acolheram e resolveram coordenar as atividades a partir de São Pau-
lo. Os recursos financeiros necessários foram solicitados e obtidos com o
secretário-geral do Conselho Mundial de Igrejas-CMI, Philip Potter, com
o auxílio de Charles Roy Harper Jr., pastor e membro daquela entidade.
Com a chegada dos fundos ao Brasil, no início de 1980, Luiz Carlos
Sigmaringa Seixas – advogado em Brasília – montou uma pequena empre-
sa próxima ao Superior Tribunal Militar, cuja atividade era prestar servi-
ços de cópias. Não sabiam os funcionários que se tratava de uma empresa
de fachada, que tinha o real propósito de fazer as cópias dos processos dos
presos políticos. Os advogados participantes do projeto, sobretudo o pró-
prio Seixas, retiravam, assim, os processos da Corte Militar, para exame
fora do cartório, e os entregavam à equipe de cópias.2
O material produzido era, então, remetido a São Paulo. Surgiu, nesse
momento, a preocupação com a apreensão do material pela repressão. E,
de fato, durante os trabalhos, em três ocasiões houve receio de invasão dos
locais de análise e guarda dos documentos pelas forças policiais e milita-
res, o que obrigou as equipes a alterarem seus esconderijos, conforme re-
latou Luiz Eduardo Greenhalgh,3 a quem coube coordenar essa atividade.
Diante desse temor de apreensão do acervo e dos recursos tecnológicos
existentes à época, decidiu-se que todas as cópias dos autos judiciais seriam
microfilmadas. Os 543 rolos resultantes desse processo foram remetidos à
sede do Conselho Mundial de Igrejas, em Genebra, na Suíça.
Aproximadamente após seis anos de trabalho em sigilo a tarefa foi fi-
nalizada. A reprodução dos 710 processos judiciais consultados totalizou
mais de 800 mil cópias em papel. A partir do exame desse material e da
sistematização de informações foi produzido um documento-mãe, deno-
minado Projeto A, com 6.891 páginas divididas em 12 volumes. A equipe
de análise produziu 123 quadros com a consolidação de dados, tais como
(i) quantos presos passaram pelos tribunais militares, (ii) quantos foram
formalmente acusados, (iii) quantas pessoas declararam ter sido tortura-
das, (iv) quantas pessoas desapareceram, (v) quais eram as modalidades
de tortura mais praticadas, (vi) quais eram os centros de detenção, (vii)

2
Depoimento disponível em: <http://bnmdigital.mpf.mp.br/pt-br/videos.html>. Acesso em:
15 jun. 2017.
3
Idem.

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Memorial da luta pela justiça 93

quais eram as organizações de esquerda que combatiam o regime, (viii)


quem eram os médicos que davam plantão junto aos porões e (ix) quais os
funcionários identificados pelos presos políticos.
Considerando a dificuldade de leitura e até de manuseio desse traba-
lho, foi idealizado por Dom Paulo o Projeto B, um livro que resumisse o
Projeto A em um espaço 95% menor. Para operacionalizar a tarefa, foram
escolhidos os jornalistas Ricardo Kotscho e Carlos Alberto Libânio Chris-
to (Frei Betto), auxiliados por Paulo de Tarso Vannuchi, que já coordenara
o trabalho de sistematização das informações. 4
A Editora Vozes (vinculada à Igreja Católica) aceitou publicá-lo. As-
sim, em 15 de julho de 1985, quatro meses após o fim do último governo
militar, foi lançado o livro Brasil: Nunca Mais. A publicação da obra mere-
ceu destaque na imprensa nacional e internacional e o livro foi reimpresso
vinte vezes somente nos seus dois primeiros anos de vida. Tornou-se um
best seller, permanecendo na lista dos dez mais vendidos por 91 semanas
consecutivas e assumindo – à época – a posição de livro de não ficção bra-
sileiro mais vendido em todos os tempos.
O BNM é até hoje considerado a maior iniciativa da sociedade civil
no Brasil em prol dos direitos à memória, verdade e justiça, tendo permi-
tido, ao longo destes anos, reconstituir parte da história das violações dos
direitos humanos durante o regime militar. Sua publicação foi também
transformadora, pois impactou novas gerações com o valor fundamental
do respeito à dignidade da pessoa humana. No campo político, impulsio-
nou a ratificação pelo Brasil da Convenção das Nações Unidas contra a
Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradan-
tes e influenciou os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte que
promulgou a Constituição de 1988, sobretudo quando esta define a tortura
como crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia.
Sob o temor de possível censura ao conteúdo da obra, houve a inicia-
tiva de publicar uma versão do livro no exterior. Um ano depois de seu
lançamento no mercado nacional, chegou às livrarias dos Estados Unidos
a publicação “Torture in Brazil”, editada pela Random House, uma das
maiores editoras daquele país.
Dom Paulo decidiu doar toda a documentação do projeto a fim de
torná-la pública. O conteúdo foi oferecido, inicialmente, à Pontifícia Uni-

4
Depoimento disponível em: <http://bnmdigital.mpf.mp.br/pt-br/videos.html>. Acesso em:
15 jun. 2017.

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94 Núcleo memória

versidade Católica de São Paulo e à Universidade de São Paulo, as quais


declinaram do convite. Ofertado, então, à Universidade Estadual de Cam-
pinas, a instituição aceitou o acervo, com a promessa de disponibilizar am-
plamente o material para consulta e permitir sua reprodução.
Assim, tanto o Projeto A quanto as cópias integrais dos 710 processos
foram transferidos ao Arquivo Edgard Leuenroth, vinculado à Faculdade
Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Campinas (Unicamp). A
memória, portanto, estaria preservada.
Dom Paulo também determinou que fossem efetuadas 25 cópias do
Projeto A e encadernadas em capa dura. Foram doadas 14 cópias para uni-
versidades, bibliotecas e centros de documentação de entidades dedicadas
à defesa dos direitos humanos no Brasil e ofertadas 11 cópias para institui-
ções estrangeiras.
Os rolos originais de microfilmes foram enviados pelo Conselho Mun-
dial de Igrejas ao Latin American Microform Project (Lamp), mantido no
Center for Research Libraries (CRL), consórcio internacional de universi-
dades, faculdades e bibliotecas independentes, sediado em Chicago, Esta-
dos Unidos da América. O Lamp é um projeto de manutenção e preser-
vação de coleções de microfilmes latino-americanos raros e de relevância
histórica.
Em 2005, o Centro de Referência Virtual Brasil: Nunca Mais do Ar-
mazém Memória5 disponibilizou na internet cópia digital da íntegra do
Projeto A, em iniciativa financiada pela Finep (Ministério da Ciência e da
Tecnologia) e realizada em parceria com o Instituto Paulo Freire.
Era preciso, porém, trazer todo o acervo do BNM para a era virtual,
não só para facilitar a pesquisa, como também para permitir às novas ge-
rações acesso a essa história de coragem e de dedicação aos direitos hu-
manos. Surgiu, pois, o Brasil: Nunca Mais Digital, uma iniciativa do Mi-
nistério Público Federal, do Armazém Memória e do Arquivo Público do
Estado de São Paulo e que reuniu, ao final, outras doze instituições. 6

5
Vide <http://www.armazemmemoria.com.br>.
6
Instituto de Políticas Relacionais; Conselho Mundial de Igreja; Ordem dos Advogados do
Brasil – Seccional Rio de Janeiro; Arquivo Nacional; Center for Research Libraries/Latin
American Microform Project; Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Arquivo
Edgard Leuenroth da Universidade de Campinas; Rubens Naves, Santos Júnior, Hesketh
– Escritórios Associados de Advocacia; Comissão Nacional da Verdade; Universidade Me-
todista de São Paulo; Brown University e Rede Latino-Americana para a Prevenção do Ge-
nocídio e Atrocidades Massivas.

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Memorial da luta pela justiça 95

Iniciado em 2011, o primeiro passo foi repatriar o acervo de microfil-


mes que estava no exterior. Com a colaboração do CRL, foi feita uma cópia
integral dos originais, entregue ao Ministério Público Federal. Da mesma
forma, o Conselho Mundial de Igrejas cedeu uma reprodução de todos os
seus arquivos sobre o BNM, num conjunto de 80 pastas de documentos.
Esse material foi digitalizado, examinado, organizado, classificado,
digitalmente tratado e indexado, por uma equipe de mais de cem cola-
boradores, resultando no sítio de internet lançado em 9 de agosto de 2013
(bnmdigital.mpf.mp.br), com 848 mil imagens, além de vídeos, fotos e in-
formações sobre o BNM.
O BNM Digital, portanto, readéqua para a linguagem do século XXI e
o contexto de suas ferramentas tecnológicas o histórico Brasil: Nunca Mais
e, com isso, renova as possibilidades da sociedade brasileira refletir sobre o
valor da informação e a força da verdade.
O Brasil: Nunca Mais tem e transmite a energia da afirmação dos direi-
tos humanos, especialmente em favor do combate e prevenção da tortura,
assim como da verdade e da justiça. Inspirados pelos exemplos de Dom
Paulo Evaristo Arns, Jaime Wright e de toda a equipe de trabalho dos anos
1980 é um dever e uma honra ajudar – com a criação do sítio BNM Digital
– a cumprir o que foi requerido na apresentação do livro: “Que ninguém
termine a leitura desse livro sem se comprometer, em juramento sagrado
com a própria consciência, a engajar-se numa luta sem tréguas, num muti-
rão sem limites, para varrer da face da Terra a prática das torturas”.7

7
Arquidiocese de São Paulo. Brasil: Nunca Mais, 37ª ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2009, p. 27.

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Pesquisa nos arquivos do projeto
Brasil: Nunca Mais e da Justiça
Militar da União

O projeto de expografia do futuro Memorial da Luta pela Justiça prevê


que o percurso de entrada na instituição seja feito com uma imersão
no enfoque temático do Memorial, através da projeção dos nomes de réus
e advogados na parede lateral do prédio. Para atender essa demanda, foi
realizado um levantamento das fontes disponíveis e foi considerado como
primordial a pesquisa nos processos de crimes políticos tramitados na Jus-
tiça Militar de São Paulo durante o período ditatorial.
Nesse sentido, o Projeto Brasil: Nunca Mais foi a principal fonte de
consulta para a seleção dos processos necessários para a pesquisa que re-
sultou na lista preliminar de nomes dos réus e advogados. Através dos da-
dos disponíveis no relatório “A Pesquisa BNM – os instrumentos de pes-
quisa e a fonte”1 e dos dados dos Sumários, produzidos pelo Ministério
Público Federal no BNM Digital2, chegamos ao total de 216 processos do
Estado de São Paulo.3
Para compilar os nomes de réus e advogados, três fontes foram exami-
nadas, a saber: os sumários e os processos disponíveis no BNM Digital, os

1
Arquidiocese de São Paulo. Projeto Brasil: Nunca Mais, t. II, v. 1. A pesquisa BNM – os ins-
trumentos de pesquisa e a fonte, 1985. 422p. Disponível em: <http://bnmdigital.mpf.mp.br/
DocReader/DocReader.aspx?bib=REL_BRASIL>, Acesso em: 30 jun. 2017.
2
Brasil: Nunca Mais Digital. Disponível em: <http://bnmdigital.mpf.mp.br/sumario> Aces-
so em: 28 nov. 2016.
3
A seleção de processos no Projeto Brasil: Nunca Mais foi, em sua maioria, baseada nos
acórdãos da Justiça Militar transcritos em seus diários oficiais (Diário Oficial do Estado da
Guanabara até 1973 e, depois, Diário da Justiça, quando da mudança do STM para Brasília).
Importante observar que o recorte temporal do BNM não alcança todo o período militar.
Vai de 1964 a 1980. Para saber mais, consultar: Arquidiocese de São Paulo. Projeto Brasil:
Nunca Mais, t. II, v. 1. A pesquisa BNM – os instrumentos de pesquisa e a fonte, 1985. 422p.
Disponível em: <http://bnmdigital.mpf.mp.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=REL_
BRASIL> Acesso em: 30 jun. 2017.

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98 Núcleo memória

livros de registro (tombo de processos, rol de condenados, sentenças) das


Auditorias Militares de São Paulo e alguns processos originais existentes
no Arquivo do Superior Tribunal Militar (STM).
É importante ressaltar que o recorte estabelecido por esta pesquisa
considerou que todos os denunciados pelo Ministério Público Militar aos
juízes auditores tornaram-se réus nestes tribunais. Excetuando-se as de-
núncias que não foram aceitas pelos juízes, casos raríssimos no contexto
estudado. Em relação aos advogados, foram considerados todos aqueles
que defenderam os réus nos processos de crimes políticos originários nas
Auditorias Militares de São Paulo, considerando-se todas as fases dos pro-
cessos e qualquer grau de envolvimento no trabalho de defesa perante os
tribunais da Justiça Militar da União.
Ampliando a demanda, foram compiladas outras informações dos
processos em uma preliminar base de dados. O objetivo foi ampliar o co-
nhecimento sobre eles para subsidiar outras análises possíveis, que podem
ser oportunamente desenvolvidas pelo projeto museológico.

Seleção dos processos e base de dados


Partindo do quadro: “Dependências de Inquérito”4 do relatório BNM
e cruzando esta fonte com os sumários dos processos organizados pelo
BNM Digital,5 foram identificados 159 processos de crimes políticos julga-
dos nas Auditorias Militares de São Paulo.6 Esses 159 processos do Estado
de São Paulo estão dentro do universo de 710 processos que foram recolhi-
dos, fotocopiados e compilados pelo Projeto Brasil: Nunca Mais. A partir
desses sumários foi elaborada uma base de dados em excel (base159) com
planilhas individualizadas por processos, contendo os seguintes dados: n.
BNM, número e ano do processo, n. do recurso no STM, organização/se-

4
Este quadro traz o levantamento por Estado e cidade dos anos dos inquéritos e dependên-
cias de origem dos processos pesquisados no projeto, in: Arquidiocese de São Paulo. Projeto
“Brasil: Nunca Mais” t. II, v. 1, 1985, p. 304-313.
5
Brasil: Nunca Mais Digital. Disponível em: <http://bnmdigital.mpf.mp.br/sumario> Aces-
so em: 28 nov. 2016.
6
Nesta contraposição de fontes chegamos às seguintes conclusões: a) dos 158 proces-
sos listados no relatório BNM, apenas quatro tiveram IPMs que se originaram em São
Paulo e não tramitaram nas Auditorias deste Estado, sendo dois remetidos para o Rio
de Janeiro, um a Porto Alegre e outro ao Distrito Federal (n. BNM: 470, 491, 529, 537);
b) por sua vez, nos sumários BNMdigital existem dois processos que não estão citados
no relatório BNM, provavelmente por erro de datilografia ou tabulação (n. BNM: 528 e
553).

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Memorial da luta pela justiça 99

tor social, cidade, Auditoria, nome do acusado, nome(s) do(s) advogado(s),


resultado do julgamento em primeira instância.
O BNM em seu projeto A (relatórios) identificou a existência de pro-
cessos incompletos e não localizados, que não foram fotocopiados e in-
cluídos no acervo desse projeto. Por esse motivo, foi necessário ampliar a
pesquisa de processos políticos tramitados nas Auditorias de São Paulo.
Para isso, foram analisados os quadros: “Relação de processos incompletos
no arquivo BNM” e “Relação de processos políticos não localizados para a
pesquisa BNM”.7
A análise dos quadros identificou a necessidade de consulta a informa-
ções de 57 processos nos arquivos da Justiça Militar.8 Esta consulta reco-
lheu os dados dos julgamentos em primeira instância, tal como realizado
nos processos levantados dos Sumários do BNM Digital. Para registrar os
dados desses novos processos, uma nova base de dados (base 57) foi feita,
com as mesmas informações da primeira.

Resultados preliminares
Depois das bases de dados (159 e 57) preenchidas, foram unificadas
as informações dos 216 processos, para recolher os nomes de réus e seus
advogados que serão projetados no percurso de entrada ao futuro MLPJ.
Visando compartilhar outros resultados, fruto desta pesquisa nos Ar-
quivos da Justiça Militar, foram elaborados alguns gráficos que permitem
ampliar o conhecimento sobre a atuação das Auditorias Militares de São
Paulo, no contexto da repressão ditatorial.
Foram identificados 216 processos de crimes políticos nas Auditorias
Militares de São Paulo no período de 1963 e 1977, nos quais foram iden-
tificados: 2.740 réus, sendo 468 mulheres e 2.272 homens. Nesses mesmos
processos se envolveram, nas defesas dos réus, 38 advogadas e 287 advoga-
dos. Os gráficos que seguem ilustram a caracterização dos processos pes-
quisados.

7
Arquidiocese de São Paulo. Projeto Brasil: Nunca Mais, t. II, v. 1, 1985, p. 97-100.
8
Os dados trazidos pelo BNM destes 57 processos caracterizados como “incompletos” e “não
localizados” foram suficientes, na maioria dos casos, para localizar os processos de origem
nos arquivos da Auditoria Militar de São Paulo e do Superior Tribunal Militar.

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100 Núcleo memória

Gráfico 1 - Quantidade de processos por ano 9

Gráfico 2 – Processos por Auditoria Militar de São Paulo 10

Cabe observar que das informações colhidas nessa etapa da pesquisa,


sobre os 216 processos das Auditorias Militares de São Paulo, a maioria dos
casos foi julgada por Conselhos Permanentes de Justiça do Exército, sendo

9
Refere-se ao ano de oferecimento da denúncia do Ministério Público Militar ao juiz auditor
nas Auditorias de São Paulo.
10
Refere-se à distribuição de processos de crimes políticos entre as 3 auditorias da 2ª CJM,
que existiram em São Paulo durante a Ditadura civil-militar.

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Memorial da luta pela justiça 101

58 processos tramitados na 1ª Auditoria e 139 tramitados na 2ª Auditoria.


Os demais processos foram julgados por outros conselhos.
Gráfico 3 – Localidades das dependências de inquérito que originaram os processos11

Gráfico 4 – Setores da sociedade atingidos na instauração dos processos12

11
Partimos da categorização proposta no Projeto Brasil: Nunca Mais, expandindo sua aplica-
ção para os processos pesquisados (57 processos). A partir das cidades dos IPMS aplicamos
as divisões – capital e GSP, litoral e interior − utilizadas na atualidade.
12
Idem. Cf. metodologia utilizada pelo projeto BNM, in: Arquidiocese de São Paulo. Projeto
Brasil: Nunca Mais, t. II, v. 1. A pesquisa BNM, 1985, p. 9.

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102 Núcleo memória

A maioria dos processos pesquisados se constituiu para julgar ativida-


des de organizações e partidos clandestinos no período ditatorial. As or-
ganizações e partidos acusados foram: Ação Libertadora Nacional (ALN);
Ação Popular (AP); Ala Vermelha (ALA); Comitê de Solidariedade Revo-
lucionária (CSR); Forças Armadas de Libertação Nacional (FALN); Fra-
ção Bolchevique Trotskista (FBT); Liga Operária/Movimento de Eman-
cipação do Proletariado (Liga Operária/MEP); Movimento de Libertação
Popular (Molipo); Movimento Popular de Libertação (MPL); Movimento
Revolucionário 8 de Outubro (MR-8); Movimento Revolucionário Mar-
xista (MRM); Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT); Organização
Revolucionária Marxista Política (Polop); Partido Comunista Brasileiro
(PCB); Partido Comunista Brasileiro e Revolucionário (PCBR); Partido
Comunista do Brasil (PC do B); Partido Operário Comunista (POC); Par-
tido Operário Revolucionário (Trotskista) (Port); Partido Revolucionário
dos Trabalhadores (PRT); Resistência Democrática ou Resistência Nacio-
nalista Democrática e Popular (Rede); União de Comunistas (UC); Van-
guarda Armada Revolucionária – Palmares (VAR-Palmares) e Vanguarda
Popular Revolucionária (VPR). Muitas dessas organizações e partidos rea-
lizaram atividades conjuntas, e em alguns processos foram julgadas tam-
bém conjuntamente.
Esses resultados são preliminares e sua revisão é indicada em uma
nova fase da pesquisa para a implantação do MLPJ, sobretudo no que diz
respeito à possibilidade de existência de novos processos de crimes políti-
cos que não foram revelados pelo Projeto Brasil: Nunca Mais.
A pesquisa precisa ser ampliada em uma nova etapa, considerando o
período de 1980 a 1985. Sabe-se da existência de ao menos um processo
considerado de crime político neste período, o caso dos sindicalistas do
ABC Paulista, em 1981. Nesse processo, em que Luiz Inácio Lula da Silva,
ex-presidente, esteve denunciado, de acordo com o relato do advogado Luiz
Eduardo Greenhalgh e de outras fontes da época, a decisão do Conselho
Permanente de Justiça sobre o caso foi estabelecida antes mesmo do jul-
gamento. Isso posto, é crucial que essa pesquisa nos arquivos da Justiça
Militar da União seja continuada e ampliada.

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IV. Reflexões preliminares para o
desenvolvimento do plano museológico

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Considerações sobre a
segunda fase da pesquisa

A Segunda Fase da Pesquisa1 não buscou revisar o trabalho anterior-


mente feito, mas complementá-lo, em especial, o projeto de expogra-
fia elaborado no contexto de criação do Plano Museológico.
As questões apresentadas a seguir são resultado de diálogos com atores
sociais interessados no projeto, entrevistas com advogados e ex-presos po-
líticos, além de necessidades identificadas na pesquisa histórica realizada
com diversas fontes documentais.
Uma das primeiras necessidades identificadas é de que este sítio de
memória, quando musealizado, possa difundir a atuação da Justiça Militar
durante a Ditadura. Mas para isso é importante enfrentar temas comple-
xos, como o papel que cumpriam essas Auditorias Militares no contexto
da perseguição e repressão aos qualificados como “inimigos do Estado”.
Era aquele um lugar de repressão? Que aspectos dessa Justiça Militar serão
demonstrados nesse Memorial? O que foi a 2ª Circunscrição da Justiça Mi-
litar durante a Ditadura?
Nesse sentido, é preciso considerar essa perspectiva como ponto de
partida para quem visita o Memorial, pois as visitas educativas e a intera-
ção do público em atividades culturais realizadas no prédio demonstraram
a existência de interesse em conhecer mais sobre essa instituição judicial
militar, durante o período ditatorial.

1
Cabe lembrar que essa pesquisa foi direcionada para a produção de fontes primárias
sobre a luta por justiça a partir das vivências individuais de advogados e ex-presos
políticos (coleta de 20 testemunhos em vídeo e estúdio), e para a pesquisa de conteúdo
da proposta de expografia do mural do corredor de entrada do Memorial, o qual deverá
ter o nome dos réus e advogados que vivenciaram a Justiça Militar aplicada aos crimes
políticos que tramitaram nas Auditorias Militares da 2ª CJM.

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106 Núcleo memória

Algumas especificidades podem ser interessantes de serem expostas


para contextualizar detalhes e limites que foram ultrapassados em nome
da chamada “segurança nacional”. Eram feitos sorteios trimestrais dos in-
tegrantes do Conselho Permanente de Justiça, os quais apesar de serem os
responsáveis pelos “julgamentos” não tinham formação jurídica.2 Outros
detalhes são intrigantes, como a relação do oficial de justiça da 2ª Audito-
ria Militar com os policiais de um centro clandestino de detenção (o DOI-
-Codi). Essa informação foi recorrentemente apresentada nos testemunhos
de advogados que foram entrevistados nessa fase da pesquisa. Muitas ou-
tras questões, como a do juiz auditor com formação jurídica que intimou o
réu para questioná-lo sobre a escolha de sua advogada de defesa, coagindo-
-o,3 ou ainda sobre o escrivão que datilografou sentenças4 do Conselho
Permanente de Justiça condenando réus antes mesmo do julgamento, são
informações importantes de serem apresentadas aos visitantes. Esses da-
dos possibilitarão que o visitante saiba das várias fronteiras ultrapassadas
por essa instituição judiciária-militar que infringiu os valores humanos,
ignorando as diversas violações de direitos que foram reiteradamente de-
nunciadas, seja por cartas e documentos, seja, principalmente, durante os
julgamentos.
Assim, sugere-se uma revisão do “Enfoque Temático” − perfil, função
e trajetória da Auditoria Militar. Essas informações precisam ser aprofun-
dadas e integrar a exposição de longa duração, a fim de subsidiar a equipe
educativa do Memorial, potencializando um diálogo mais qualificado a
partir de conteúdo histórico exposto.

2
Há certidões feitas após os sorteios e esses documentos são parte do acervo do STM.
3
Caso do entrevistado Paulo Vannucchi, que relatou em entrevista para essa pesquisa
que estava preso no Dops quando o juiz auditor Nelson Machado Guimarães o intimou
na Auditoria Militar da 2ª CJM e, em sua sala, o questionou sobre a escolha de sua
advogada Eny Raimundo Moreira.
4
O advogado Luiz Eduardo Greenhalgh, em entrevista para esta pesquisa, citou o caso
dos sindicalistas do ABC em fevereiro de 1981, condenados na 2ª Auditoria Militar,
cujas sentenças foram datilografadas um dia antes do marcado para o julgamento.

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A lista de réus e advogados
(percurso de entrada)

O trabalho de pesquisa apresentado anteriormente sobre a busca, nos


acervos da Justiça Militar, dos nomes de réus e advogados que resis-
tiram nas Auditorias Militares de São Paulo demonstrou a delicadeza e o
cuidado necessários para a execução do mural planejado para o percurso
de entrada dos visitantes. Um dos desafios cumpridos foi estabelecer cri-
térios para a escolha desse conteúdo.5 Isso não teria sido possível sem a
consultoria dos advogados Maria Regina Pascoale e Belisário dos Santos
Júnior.
Várias questões se interpuseram no andamento: como fazer essa se-
leção dos nomes? Qual será o critério mais adequado? Todo preso foi réu
na Auditoria? Todo réu foi julgado? Todo denunciado tornou-se réu? E os
advogados que só atuaram em uma única audiência de um processo que
durou anos? Como contemplar as pessoas com critérios claros de inclusão
e exclusão? E os civis e militares que foram processados, todavia não che-
garam à fase do julgamento?
Foram várias as perguntas, pesquisas e diálogos para chegar ao critério
que deverá ser utilizado: incluir os nomes de todos os denunciados pelo
Ministério Público, cujas denúncias foram aceitas pelo juiz auditor de pelo
menos uma das três Auditorias Militares da 2ª CJM, bem como todos os
advogados que representaram réus nos processos, ainda que por substabe-
lecimento temporário. Com essa decisão, que foi respaldada pelo Núcleo
Memória, se assume que não se deve medir a violência sofrida pelas víti-

5
Nos documentos: Plano Museológico e Projeto de Expografia – ora era apresentado
esse como o Mural dos presos políticos julgados na Auditoria Militar e dos seus
advogados, ora como o Mural dos réus e seus advogados.

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108 Núcleo memória

mas que passaram pelo aparato repressivo do Estado ditatorial. Por isso,
foram considerados todos os denunciados na Justiça Militar.
Por ser um lugar de homenagem, com nomes em projeção por todo o
muro, indicamos que esteja disponível no Centro de Documentação do
Memorial uma lista em ordem alfabética de todos os nomes projetados. O
objetivo é facilitar a busca ou confirmação de algum homenageado, paren-
te ou interessado em saber mais informações sobre a pessoa ali homena-
geada. A pesquisa desenvolvida nessa segunda fase elaborou uma planilha
com os dados associados a cada réu ou advogado que deverá ser revisada,
complementada e disponibilizada para consulta.

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“Aqueles que não puderam estar ali”
(painel artístico)

U m dos entrevistados na pesquisa, o ex-preso político Artur Machado


Scavone, lembrou emocionado dos que foram mortos e desapareci-
dos na resistência à Ditadura. Ele enfatizou que o Memorial da Luta preci-
sa fazer uma homenagem a todos que ali estiveram, e não menos, também,
àqueles que não o fizeram: “aquele espaço tem que ter uma memória da-
queles que não puderam passar por lá, dos que foram assassinados, que é
muita gente”, afirma.
Nesse sentido, é importante considerar que, apesar de muitos desses
mortos e desaparecidos políticos não terem tido a oportunidade de resistir
à Ditadura também nos Conselhos de (In)Justiça das Auditorias Militares,
suas vozes foram representadas por muitos réus e advogados que denun-
ciaram seus assassinatos e desaparecimentos.
Pesquisa apresentada pelo Projeto Brasil: Nunca Mais expõe inúmeras
denúncias feitas por réus sobre mortos e desaparecidos políticos durante a
Ditadura. Entre esses casos, pode-se mencionar a denúncia do entrevista-
do Aldo da Silva Arantes que citou, em suas declarações à Justiça Militar
na década de 1970, as mortes de Armando Teixeira Frutoso, João Batista
Franco Drumond e Paulo Stuart Wright.1
Ainda sobre cidadãos mortos e desaparecidos políticos é importante
registrar que a Justiça Militar decretou sentenças condenatórias a muitos
deles, mesmo com suas ausências. Nestes casos, chamados de “Julgamento
com Réu Revel”, os advogados das vítimas estiveram nas Auditorias Mili-
tares, ainda que em defesa da memória de seus clientes. Entre tantos casos
tornados públicos, o advogado José Carlos Dias, em sua entrevista para

1
Arquidiocese de São Paulo. Projeto Brasil: Nunca Mais, t. V, v. 4 − Os mortos, 1985, p.
54, 165 e 311 (respectivamente aos nomes citados).

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110 Núcleo memória

essa pesquisa, citou emocionado o episódio do “julgamento” de sua cliente


Heleny Guariba.
Militante da Vanguarda Popular Revolucionária, ela foi presa pela
primeira vez em março de 1970, e posta em liberdade em abril de 1971
para responder ao processo. A denúncia contra ela foi aceita pelo juiz da
2ª Auditoria Militar de São Paulo em 04/02/1971. No entanto, antes de seu
“julgamento” Heleny foi novamente presa pelos agentes da repressão em
12/7/1971, desta vez na cidade do Rio de Janeiro, onde desapareceu. A sen-
tença do Conselho Permanente de Justiça da 2ª Auditoria Militar foi pu-
blicada em 18/7/1972, determinando um ano de reclusão. Mas ela já havia
sido assassinada no centro clandestino que ficou conhecido como “Casa da
Morte de Petrópolis”, no Rio de Janeiro.
Entende-se, a partir dos relatos dos advogados e dos ex-presos entre-
vistados nessa fase da pesquisa, que o Painel Artístico previsto para ser
instalado no jardim do futuro Memorial, deverá homenagear os mortos e
desaparecidos políticos. Considerando que a projeção com os nomes a ser
feita no percurso de entrada já homenageia os réus e seus advogados, não
haveria a necessidade de duplicar essa homenagem, com suas fotos no Pai-
nel Artístico, como previsto inicialmente no Plano Expográfico.
Ao homenagear essas vítimas que foram brutalmente silenciadas, o
Memorial da Luta dará espaço e voz para que suas mortes e desapareci-
mentos sejam a denúncia que não puderam fazer.

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Diversidade dos documentos e grupos
sociais representados na exposição de
longa duração (sala do juiz)

N o projeto de expografia foi determinado que o espaço usado durante


a Ditadura como sala do juiz da 2ª Auditoria Militar seria utilizado
para exibir documentos de processos de sentenças da Justiça Militar. Vi-
sando democratizar a decisão sobre como selecionar os documentos que
deverão ser exibidos nesta sala, em todas as entrevistas durante a pesquisa
foi perguntado sobre que processos o/a entrevistado/a considerava impor-
tante expor.
Os entrevistados demonstraram preocupação em que esses processos
exibidos contemplem a diversidade das categorias dos atingidos, demons-
trando, assim, que foram diferentes grupos de resistência à Ditadura, e ci-
taram alguns casos considerados como representativos.
No trabalho com os documentos da Justiça Militar viu-se, também, a
necessidade de apresentar nessa sala, documentos diferentes que podem
existir em um processo. A própria composição dos processos é algo muito
interessante de ser problematizado num espaço expositivo. A pesquisa teve
acesso a documentos do STM que comprovam essa diversidade de docu-
mentos que podem ampliar o conhecimento sobre a relação dos advogados
com seus clientes, mesmo após terem sido sentenciados, bem como estra-
tégias utilizadas pelos advogados para quebrar a incomunicabilidade que,
muitas vezes, a repressão determinava nos cárceres do Estado.
A seguir, será apresentado um documento digitalizado do Processo n.
132/71 da 2ª Auditoria Militar, do Arquivo do STM. Trata-se de um exem-
plo de como diferentes documentos deste Arquivo podem contribuir com
conteúdos imprescindíveis para a Sala de Processos.

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Carta de Fanny Akselrud de Seixas para o juiz da 2ª Auditoria Militar da 2ª CJM.


Fonte: Acervo do Superior Tribunal Militar

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114 Núcleo memória

Essa carta é da ex-presa política Fanny de Seixas, mãe de três filhos que
também foram presos políticos, entre eles, Ivan Seixas, que tinha 16 anos
quando foi torturado junto com seu pai em 1971. O marido de Fanny, o
operário Joaquim Alencar de Seixas, foi assassinado nas dependências do
DOI-Codi no mesmo ano.
O documento revela outras informações do período ditatorial, e que
era de conhecimento dessas Auditorias Militares, como por exemplo: que
os presos eram transferidos com destino ignorado inclusive pelos advo-
gados; que eram mantidos incomunicáveis muitas vezes, sendo necessá-
rio adotar estratégias jurídicas para ter acesso a informações mínimas de
seus clientes; que a Igreja atuou na luta pela Justiça; que menores de idade
também eram reprimidos pelo Estado e que os advogados se valeram de
diversas estratégias em suas atuações na advocacia, e muitas dessas estra-
tégias salvaram vidas. Como visto no documento, a carta era um apelo
de uma mãe a um juiz pela vida de seu filho, que até pouco tempo estava
desaparecido.
Considerando o exposto, entende-se que apenas uma sala para exibi-
ção dos processos possa não ser suficiente para garantir tamanha diversi-
dade documental que revela aspectos importantes dessa história. A res-
salva aqui é diversificar os documentos que podem ser exibidos, além de
sentenças.
Nesse sentido, outra demanda que nos foi apresentada pelos entrevis-
tados, e que as pesquisas nos acervos documentais respaldaram, é exibir
outras vozes que ecoaram na luta pela Justiça. Entre elas: os familiares
das vítimas, as comissões e comitês de defesa de presos políticos, igre-
jas, imprensa, dentre outros organismos que se envolveram diretamente
nessa luta.
Foram encontrados diversos documentos nos processos do STM que
apontam essa solidariedade em múltiplas facetas, como abaixo-assinados
pela soltura de réus, cartas de recomendação de boa índole, depoimentos
de próprio punho alegando boa conduta profissional, entre outros docu-
mentos nos quais pessoas e organizações da sociedade civil se arriscavam
para ajudar presos e perseguidos políticos. Esses documentos eram anexa-
dos ao processo pelos advogados e hoje fazem parte da história dessa luta
por justiça corajosamente conduzida por advogados.
Conhecer a atuação de outros grupos da sociedade civil potencializa a
ampliação do entendimento sobre o alcance dessa luta por justiça contra
as arbitrariedades de um regime ditatorial. Um exemplo indispensável e

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Memorial da luta pela justiça 115

recorrentemente comentado pelos entrevistados nessa pesquisa foi a atua-


ção de Dom Paulo Evaristo Arns à frente da Comissão de Justiça e Paz. Por
isso, sugere-se que haja um espaço destinado aos movimentos da socieda-
de civil que atuaram, muitas vezes, em apoio ao trabalho dos advogados
na luta pela Justiça.

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Ampliação da coleta de testemunhos
(Sala dos Testemunhos)

N essa pesquisa não foi utilizado o termo depoimento para se referir


aos testemunhos. Como exposto no texto sobre a metodologia do
trabalho de história oral desenvolvido, buscou-se promover um momento
de escuta e de muito respeito ao trabalho de memória desenvolvido por
nossos colaboradores.
Na segunda fase da pesquisa, foi dada prioridade à gravação com 16
advogados que atuaram nas Auditorias de São Paulo, pois já havia essa
sinalização no Plano Museológico. Por este motivo, nesse momento, so-
mente quatro réus puderam compartilhar suas perspectivas sobre a Justiça
Militar e a luta por justiça, a partir de suas experiências e memórias.
No entanto, é importante ressaltar que ambas categorias, advogados e
réus, contribuíram de modo significativo na identificação de novos cami-
nhos da pesquisa que precisam ser desenvolvidos para o futuro Memorial.
Apontaram outros grupos sociais que contribuíram com a luta pela justiça
durante a Ditadura, e nomes de outros advogados que atuaram na defesa
de presos políticos em São Paulo.
Todos os vinte entrevistados receberam um material com informações
sobre o projeto e imagens da proposta expográfica prevista. Esse compar-
tilhamento deu a oportunidade de consultá-los acerca de suas perspectivas
sobre o trabalho do Memorial, bem como o que, na opinião deles, deveria
ser apresentado. Cabe salientar que esse diálogo é fundamental em um
projeto de memorialização, como alerta a Coalizão Internacional de Sítios
de Consciência.
Por esses e outros motivos, sobretudo pela importância da democra-
tização da preservação dessas memórias, ressalta-se a necessidade de con-
tinuação do trabalho de história oral, sendo indispensável observar a di-
versidade de gênero, a categoria dos entrevistados, e no caso específico dos

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118 Núcleo memória

réus, a diversidade de organizações de resistência à Ditadura representada


por seus integrantes.
O Núcleo Memória, no segundo semestre de 2017, continuará o traba-
lho de escuta e gravação em audiovisual, com cinco civis que foram réus
nas Auditorias Militares da 2ª CJM.
Destarte, cabe o alerta de que esse trabalho precisa ter continuidade
nos anos seguintes, posto que muitos dos possíveis entrevistados se encon-
tram em idade avançada. Lamentavelmente pode ocorrer de o MLJP não
dispor de testemunhos que são imprescindíveis por motivos de falecimen-
to ou doenças neurodegenerativas de potenciais entrevistados. Um caso
que merece ser registrado foi a perda inestimável do advogado Modesto da
Silveira, que seria entrevistado pela equipe de pesquisa no segundo semes-
tre de 2016, mas que, no entanto, veio a falecer antes da realização da entre-
vista. Visando garantir a participação da voz e da história desse brilhante
advogado, o Centro de Referência das Lutas Políticas no Brasil − Memórias
Reveladas − do Arquivo Nacional, se dispôs a conceder uma cópia de sua
entrevista para o futuro Memorial.1
Compartilha-se da ideia de que é importante que seja desenvolvido
um trabalho interdisciplinar permanente para a implantação do Memorial
da Luta. No entanto, destacamos ser imprescindível o prosseguimento de
pesquisas históricas para aprofundar a proposta de intervenção museal, no
sentido de enriquecer e consolidar o projeto em marcha, sem esquecer de
manter um contínuo diálogo com os intessados no projeto, em especial, os
advogados e ex-presos e perseguidos políticos.

1
Agradecemos a Inês Stampa e a Vicente Rodrigues, do Gabinete da Direção Geral do
Centro de Referências Memórias Reveladas, pela possibilidade oferecida, a qual deverá
ser oportunamente formalizada por meio de um Acordo de Cooperação Técnica, após
pedido oficial do Memorial da Luta pela Justiça quando este dispuser de personalidade
jurídica constituída.

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V. Ocupação cultural do prédio da
antiga Auditoria Militar

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Atividades culturais realizadas

Ciclo de cinema Milton Bellintani: justiça e direitos humanos


O Ciclo de Cinema Justiça e Direitos Humanos foi idealizado pelo jor-
nalista e diretor do Núcleo Memória Milton Bellintani, que faleceu em no-
vembro de 2015.
O objetivo do ciclo é exibir filmes que trabalhem com temas relaciona-
dos aos direitos humanos, seguidos de debates com convidados. Dirigido a
advogados, estudantes de Direito, formuladores de políticas públicas, ges-
tores e militantes de organizações sociais, e de cidadãos em geral, a pri-
meira edição do Ciclo de Cinema Justiça e Direitos Humanos aconteceu
no segundo semestre de 2015, apresentando cinco filmes considerados es-
senciais para dar visibilidade ao compromisso dos advogados com uma
Justiça para todos. Os filmes exibidos em 2015 foram: Sobral – O homem
que não tinha preço (direção: Paula Fiúza); O dia que durou 21 anos (di-
reção: Camilo Tavares); 500 − Os bebês roubados pela ditadura argentina
(direção: Alexandre Valenti); O caso dos irmãos Naves (direção: Luis Sergio
Person), Os advogados contra a ditadura − por uma questão de justiça (di-
reção: Silvio Tendler).
A partir de 2016, o ciclo passou a homenagear o jornalista que foi um
grande militante de direitos humanos no Brasil. Neste ano, os filmes exibi-
dos foram: O dia que durou 21 anos (direção: Camilo Tavares); O caso dos
irmãos Naves (direção: Luis Sergio Person); Os advogados contra a ditadu-
ra − por uma questão de justiça (direção: Silvio Tendler); Cidadão Boilesen
(direção: Chaim Litevsky); e Sobral – O homem que não tinha preço (dire-
ção: Paula Fiúza).
A exibição dos filmes e todas as atividades culturais realizadas na se-
gunda fase de intervenção, apresentadas nessa obra, ocorreram na sala
onde aconteciam os “julgamentos” da 2ª Auditoria Militar. A escolha con-

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122 Núcleo memória

siderou, sobretudo, o espaço que estava em melhores condições de uso e a


facilidade de acesso.

Colóquio de direitos humanos


Para seguir com a ocupação cultural e educativa do Memorial da Luta
pela Justiça, o primeiro semestre de 2017 foi dedicado ao Colóquio de Di-
reitos Humanos, realizado em parceria com a OAB SP. Foram selecionados
três temas atuais da pauta dos Direitos Humanos para serem debatidos
com especialistas, nas manhãs de sábado.
Em março, o tema foi Intolerância Religiosa, com a presença do Dr.
Hédio Silva Jr., presidente da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa da
OAB SP; do Professor Oswaldo Santos Jr., historiador, teólogo, mestre em
Cências da Religião e diretor do Núcleo Memória; e Fernanda de Sousa,
uma das diretoras do documentário Intolerâncias da Fé, exibido no dia.
A estreia do Colóquio contou também com uma exposição fotográfica de
Roger Cipó, sobre a cultura do candomblé.
O segundo encontro, em abril, discutiu Segurança Pública e a Situação
Penitenciária, com a presença do vice-presidente da Pastoral Carcerária,
Padre Gianfranco Graziola, e de Jacqueline Sinhoretto, coordenadora do
Grupo de Estudo sobre Violência e Administração de Conflitos da Uni-
versidade Federal de São Carlos. Além do debate, foi exibido um vídeo-
-resumo do relatório do Artigo 19 – instituição internacional focada na
promoção da liberdade de expressão −, que trata sobre a violência policial
a protestos no país.
No mês de maio, o tema foi Direitos Trabalhistas e Previdência So-
cial. Para debatê-lo, estavam presentes Thiago Barison, do Sindicato
dos Advogados de São Paulo (Sasp), onde coordena a Comissão de Di-
reitos Humanos, e Ricardo Russo Jr., conselheiro eleito da Associação
dos Advogados Trabalhistas de São Paulo e conselheiro da 2ª turma da
Comissão de Direitos e Prerrogativas da OAB SP, membro das Comis-
sões de Direito Material do Trabalho, de Direito do Trabalho Empresa-
rial e assessor da 5ª Câmara Recursal do Tribunal de Ética e Disciplina
da OAB SP.

Curso ditadura, história e memória


Desde o ano de 2013, o Núcleo Memória realiza o Curso Ditadura,
História e Memória, que tem por objetivo apresentar os interesses políti-
cos e econômicos da articulação do Golpe de 1964, seus desdobramentos e

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Memorial da luta pela justiça 123

consequências, discutindo as complexas relações entre a classe dominante


brasileira e o imperialismo estadunidense e que tem seu ponto de conver-
gência na derrubada do governo João Goulart e na instauração da Ditadu-
ra Civil-Militar no Brasil.
O curso é coordenado pelo cientista político, economista e ex-preso
político Heládio Leme que, com base na historiografia da época, reuniu a
contribuição de ex-presas e ex-presos políticos vinculados ao Núcleo Me-
mória, definindo, coletivamente, a estrutura e os conteúdos que seriam
trabalhados no curso. A 4ª edição foi realizada em 2016, no prédio do
Memorial da Luta pela Justiça, com apoio da OAB SP, Oak Foundation e
Universidade Metodista de São Bernardo do Campo. Nessa edição, hou-
ve mais de 80 inscritos, dentre os quais 40 foram selecionados: professo-
res (das redes pública e particular) e educadores populares, com o intuito
de capacitá-los para difundir conhecimentos sobre o período da ditadura
civil-militar e sobre as lutas por memória, verdade e justiça que seguem
até hoje. Para tanto, os encontros, além dos conteúdos históricos, apresen-
taram recursos metodológicos para trabalhar os temas em sala de aula.
Na ocasião, vários participantes expuseram algumas atividades realizadas
com seus alunos em sala de aula, apesar dos parcos recursos disponíveis.  
O curso seguiu estrutura semelhante à dos anos anteriores: cinco aulas, aos
sábados, ministradas por cinco professores, que apresentaram os módulos
temáticos que abrangem desde as origens do golpe até o processo de rede-
mocratização, passando, nessa narrativa, pela construção do aparato re-
pressivo e pelos movimentos sociais e populares de resistência à ditadura,
buscando explicitar o legado da ditadura cujas consequências se estendem
até os dias de hoje. A novidade em 2016 foi a emissão de certificados pela
Universidade Metodista de São Paulo.
Os professores do curso foram:
Aula 01: O panorama do Brasil no pré-1964 e a articulação do golpe
civil-militar/ O Brasil na ditadura: construção do Estado autoritário e sua
periodização − Heládio Leme;
Aula 02: Controle e repressão à sociedade na ditadura − Maurice Politi;
Aula 03: A resistência da sociedade civil e a luta por democracia −
Oswaldo de Oliveira;
Aula 04: A arte na resistência e a luta pela Anistia Ampla, Geral e Ir-
restrita − Marcelo Ridenti;
Aula 05: Heranças da ditadura e a luta por Memória, Verdade e Justiça
− Ana Paula Brito.

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124 Núcleo memória

Entrevistados pelo projeto

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Memorial da luta pela justiça 125

Atividades realizadas no prédio da antiga Auditoria Militar

Gabriela Beraldo
Ciclo de Cinema “Milton Bellintani” Justiça e Direitos Humanos exibe o documentário Cidadão Boilesen,
de Chaim Litevsky, em 19 de novembro de 2016. Para o debate estavam presentes o ex-preso político Manoel
Cyrillo e Dr. Martim Sampaio (OAB/SP), mediado pelo diretor do Núcleo Memória Maurice Politi.
Fonte: Acervo Núcleo Memória

Gabriela Beraldo

Ciclo de Cinema “Milton Bellintani” Justiça e Direitos Humanos exibe o documentário Advogados contra
a ditadura – por uma questão de Justiça, de Silvio Tendler, em 15 de outubro de 2016. Para o debate
estavam três advogados de ex-presos políticos: Eny Moreira, Belisário dos Santos Júnior e Ayrton Soares,
que também é conselheiro do Núcleo Memória. A conversa foi mediada pela historiadora e diretora do
Núcleo Memória Ana Paula Brito.
Fonte: Acervo Núcleo Memória

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126 Núcleo memória

Gabriela Beraldo
Colóquio de Direitos Humanos sobre Segurança Pública e Sistema Carcerário em 29 de abril de 2017, com
a professora Jacqueline Sinhoretto, o vice-presidente da Pastoral Carcerária Padre Gianfranco Graziola e
o Dr. Martim Sampaio, da OAB/SP.
Fonte: Acervo Núcleo Memória

Gabriela Beraldo

Colóquio de Direitos Humanos sobre Intolerância Religiosa em 18 de março de 2017, com


o Professor Oswaldo Oliveira de Santos Júnior, Dr. Jáder Freire de Macedo Júnior, vice-presidente da
Comissão de Direito e Liberdade Religiosa da OAB/SP e Raquel Tamassia, da Comissão de Direitos
Humanos da OAB/SP.
Fonte: Acervo Núcleo Memória

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Memorial da luta pela justiça 127

Gabriela Beraldo
Aula do Professor Heládio Leme no Curso “Ditadura: História e Memória” em 12 de novembro de 2016.
Fonte: Acervo Núcleo Memória

Gabriela Beraldo

Aula do Professor Oswaldo de Oliveira Santos Júnior no Curso “Ditadura: História e Memória”
em 26 de novembro de 2016.
Fonte: Acervo Núcleo Memória

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128 Núcleo memória

Cartaz da 4ª Edição do Curso Ditadura: História e Memória


Fonte: Acervo Núcleo Memória

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Memorial da luta pela justiça 129

Gabriela Beraldo
Fotografia
3x4, tirada
no dia da
entrevista

Aula do Professor Marcelo Ridentti no Curso “Ditadura: História e Memória”


em 03 de dezembro de 2016.
Fonte: Acervo Núcleo Memória

Gabriela Beraldo

Aula da Professora Ana Paula Brito no Curso “Ditadura: História e Memória”


em 10 de dezembro de 2016.
Fonte: Acervo Núcleo Memória

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130 Núcleo memória

Gabriela Beraldo
Visita do colégio Santa Maria à antiga Auditoria Militar em 24 de junho de 2017.
Fonte: Acervo Núcleo Memória

Gabriela Beraldo

Visita do colégio Lourenço Castanho ao Memorial da Luta pela Justiça em 09 de junho de 2017.
Fonte: Acervo Núcleo Memória

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Memorial da luta pela justiça 131

Gabriela Beraldo

Visita do colégio Santa Maria à antiga Auditoria Militar em 24 de junho de 2017.


Fonte: Acervo Núcleo Memória

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Atividades educativas realizadas

N os anos de 2016 e 2017, os diretores do Núcleo Memória realizaram


uma série de visitas mediadas no prédio da antiga Auditoria Militar.
O objetivo, ao receber os visitantes, foi colocar o Memorial da Luta pela
Justiça em funcionamento por meio dessas atividades educativas.
Nas visitas, os mediadores compartilharam informações sobre a atua-
ção da Justiça Militar no período ditatorial e como eram os “julgamentos”
aos qualificados como “inimigos do Estado” nas três Auditorias Militares
que funcionavam no prédio. Em um percurso, que se inicia reproduzindo
a trajetória dos réus, é mostrado onde os presos eram mantidos e por meio
de relatos de ex-presos políticos compartilhados na visita é possível co-
nhecer como era o aparato de segurança no local. A partir de pesquisas e
relatos de advogados, também são apresentadas informações sobre as três
auditorias, seu funcionamento, especificidades e outras referências da luta
pela justiça empreendida no local durante a ditadura.
Entre os grupos que visitaram o lugar, pode-se citar os alunos do En-
sino Fundamental do Colégio Lourenço Castanho e do Ensino Médio
do Colégio Santa Maria, além de estudantes universitários que integram
a Clínica de Direitos Humanos “Maria Augusta Thomaz”, da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, do curso de Jornalismo da Fundação
Armando Alvares Penteado, e alunos dos cursos de Arquitetura e História
que integram o grupo de Pesquisa Lugares da Memória, da Universidade
de São Paulo. Os professores e educadores populares que participaram do
curso “Ditadura, História e Memória” também puderam visitar o espaço.

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A importância da Educação
em Direitos Humanos em
sítios de memória

A s visitas mediadas que foram realizadas no prédio do futuro Memo-


rial da Luta pela Justiça buscaram promover atividades no âmbito da
educação em direitos humanos. Mas o que seria e qual a importância da
educação em direitos humanos?
Ao tratar da Educação em Direitos Humanos (EDH), a preposição
“em” tem um sentido importante, pois ela sinaliza que a práxis pedagógica
é uma construção permanente e coletiva, indica relação, troca e diálogo.
Esse fazer educativo deve ser entendido como uma prática interdisciplinar
e transversal, pois como não há um locus específico e engessado para a
EDH no currículo escolar, a sua reflexão deve perpassar todos os conteú-
dos e ações educativas.
O desenvolvimento de um programa educativo que contemple a edu-
cação em direitos humanos em sítios de memória musealizados é uma
necessidade, visto que a sociedade tem experimentado formas de mani-
pulação que criam distorções na compreensão da realidade, e práticas que
diminuem a humanidade do outro, em uma verdadeira “guerra de todos
contra todos”. Nesse contexto de disputa de memória em torno de questões
complexas como violações aos direitos humanos, a ação educativa em di-
reitos humanos é imprescindível.
A ação educativa em sítios de memória, como o futuro Memorial da
Luta pela Justiça, precisa compreender a educação em direitos humanos
como metodologia para intermediar um processo questionador e crítico
do passado ditatorial. Entende-se necessária uma educação para a indaga-
ção, isto é, para o porquê, visando a uma ressignificação das memórias e
histórias compartilhadas.
A práxis pedagógica da Educação em Direitos Humanos deve, portan-
to, levar em consideração esse tripé da ação em direitos humanos, o fato

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136 Núcleo memória

de que as questões que envolvem sua violação são: indivisíveis, interde-


pendentes e indissociáveis. Deve-se, ainda, levar em consideração que ela
possui um forte caráter preventivo, que se expressa em três dimensões fun-
damentais. A primeira é a de ser uma “educação para o nunca mais”, isto
é, para que práticas que violam os direitos humanos sejam explicitadas e
não se repitam ou se perpetuem na sociedade. A segunda é a facilitação da
compreensão e consciência de que todo indivíduo é um “sujeito de direito”
(Subjectum juris) −, e que precisa exercer continuamente ações coletivas
visando se estabelecer como tal. E a terceira dimensão é o “empoderamen-
to” (empowerment) deste sujeito (Candau, 2009, p. 71).1
Há muitas pesquisas e conceitos difundidos sobre a importância da
Educação em Direitos Humanos, mas o fundamental a ressaltar é que sua
utilização em sítios de memória é indispensável para a reafirmação de
valores e práticas que consolidem a cultura dos direitos e o exercício do
respeito e tolerância, bem como a promoção e valorização das diversida-
des (étnico-raciais, religiosa, cultural, geracional, de gênero, de orientação
sexual, dentre outras). Ela não se limita a uma aprendizagem cognitiva,
antes, inclui o desenvolvimento social e emocional de todas as pessoas en-
volvidas no processo de ensino e aprendizagem (Comitê Nacional de Edu-
cação em Direitos Humanos, 2009, p. 25).2
Assim, pode ser compreendida como uma “ação pedagógica conscien-
tizadora e libertadora, voltada para o respeito e valorização da diversida-
de, aos conceitos de sustentabilidade e de formação da cidadania ativa”.
Compreende-se que esse processo não se limita ao espaço escolar, muito
embora seja neste espaço que ocorre a sua sistematização e codificação.
Os movimentos sociais com suas lutas devem também ser considerados
como agentes nesse processo de educação em direitos humanos (p. 25). Por
isso, esse fazer pedagógico se insere igualmente no âmbito da educação
não formal, que engloba a educação popular, as instituições museológicas
e os sítios de memória, entre outros.
As instituições museológicas em geral cumprem um papel social bas-
tante particular. De acordo com a museóloga Waldisa Rússio Camargo
Guarnieri:

1
Candau, Vera. Educação em direitos humanos e diferenças culturais: questões e buscas.
Revista Múltiplas Leituras, v. 2, n. 1, p. 65-82, jan./jun. 2009.
2
Brasil. Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. Plano Nacional de
Direitos Humanos. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2009.

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Memorial da luta pela justiça 137

(...) podemos dizer que é através da musealização de objetos, cenários e


paisagens que constituam sinais, imagens e símbolos, que o Museu permi-
te ao Homem a leitura do Mundo.
A grande tarefa do museu contemporâneo é, pois, a de permitir esta clara
leitura de modo a aguçar e possibilitar a emergência (onde ela não existir)
de uma consciência crítica, de tal sorte que a informação passada pelo mu-
seu facilite a ação transformadora do Homem (Guarnieri, 2010, p. 204).3

Neste sentido, podemos afirmar que as instituições museológicas


transmitem e comunicam mensagens a partir do patrimônio e das memó-
rias preservadas. Mas promover a sensibilização, instigar a reflexão e, em
determinada medida, estimular a ação são resultados de processos educa-
tivos.
Segundo o historiador e educador Francisco Régis Lopes Ramos,
Como lugar de produção do saber, o museu não pode ser confundido com
centros de pesquisa ou de aulas, embora faça pesquisa e dê aulas, nem com
instituições de recreação, embora assuma um caráter lúdico. A peculiari-
dade do museu se realiza plenamente em múltiplas interações: com tramas
estéticas e cognitivas, em análises e deslumbramentos, na dimensão lúdica
e onírica dos fundamentos historicamente engendrados que constituem o
espaço expositivo (Ramos, 2004, p. 29).4

Ao articular esse potencial aos museus, memoriais e sítios de consciên-


cia da área de história, memória e direitos humanos, temos que a mediação
apresenta um papel fundamental enquanto ferramenta dessa práxis educa-
tiva, pois ela pode contribuir com “uma internalização cada vez mais forte
dos direitos humanos e da dignidade humana, tanto por parte de cada
cidadão e cidadã, quanto no imaginário coletivo” (Candau, 2009). Deste
modo, ela educa para o nunca mais, rompendo com a cultura do silêncio
e da impunidade que estão fortemente enraizados na sociedade brasileira.
É neste contexto que a Educação em Direitos Humanos irá desempe-
nhar seu papel, como uma educação que: (...) parte de três pontos essen-
ciais: primeiro, é uma educação de natureza permanente, continuada e glo-
bal. Segundo, é uma educação necessariamente voltada para a mudança, e
terceiro, é uma inculcação de valores, (grifo nosso) para atingir corações e

3
Guarnieri, Waldisa Rússio Camargo. Conceito de Cultura e sua inter-relação com o
patrimônio cultural e a preservação, in: Bruno, Maria Cristina Oliveira (org.). Waldisa
Rússio Camargo Guarnieri: textos e contextos de uma trajetória profissional, v. 1. São
Paulo: Pinacoteca do Estado, Secretaria de Estado da Cultura, Comitê Brasileiro do
Conselho Internacional de Museus, 2010, p. 203-210.
4
Ramos, Francisco Régis Lopes. A danação do objeto: o museu no ensino de História.
Chapecó: Argos, 2004.

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138 Núcleo memória

mentes e não apenas instrução, meramente transmissora de conhecimen-


tos (Benevides, 2000).5
É importante destacar que a Declaração Universal dos Direitos Hu-
manos representa um instrumento da consciência histórica da humanida-
de que se expande, por exemplo, a cada novo instrumento complementar
internacional. “É uma síntese do passado e uma inspiração para o futuro:
mas suas tábuas não foram gravadas de uma vez para sempre” (Bobbio,
2004, p. 33). Estas “tábuas” seguem sendo escritas pela ação dos movimen-
tos sociais e pela práxis pedagógica da educação popular e dos sítios de
memória, que apontam as contradições do sistema e as múltiplas formas
de violações produzidas por ele.

5
Benevides, Maria Victoria. Educação em Direitos Humanos: de que se trata? São Paulo,
18/2/2000. Palestra de abertura do Seminário de Educação em Direitos Humanos.
Disponível em: <http://www.hottopos.com/convenit6/victoria.htm#_ftn1>. Acesso
em: jun. 2009.

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VI. Futuro Memorial da Luta pela
Justiça. Os desafios continuam

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Um sítio de memória para a cidadania
Maurice Politi,
Oswaldo de Oliveira dos Santos Junior
e Ana Paula Brito

E m 5 de agosto de 2013 conseguiu-se, em São Paulo, um feito histórico:


devolver à cidadania um espaço que havia sido expressão do autorita-
rismo durante os anos da Ditadura civil-militar que tomou conta do Brasil
entre os anos 1964 e 1985.
Conseguir que o prédio fosse cedido à OAB SP para nele se instalar
um Memorial em defesa dos Direitos Humanos e que fosse palco de home-
nagem aos que resistiram às arbitrariedades daqueles anos foi uma vitória
dos princípios e valores da Democracia. Por isso, a cerimônia de entrega
do prédio, na presença de autoridades e de um numeroso público com re-
presentantes de diversas entidades da sociedade civil, foi considerada por
todos os que estiveram presentes como um ato de “retomada democrática”.
No entanto, pode-se considerar que esse foi o primeiro de uma série de
desafios que se apresentam para a criação de mais um sítio de memória na
cidade de São Paulo.
Transcorridos quatro anos da cessão de prédio, já se pode afirmar que
o projeto de recuperação do prédio da antiga Auditoria Militar e sua trans-
formação em sítio de memória já está em pleno desenvolvimento, sendo a
segunda fase da Primeira Etapa de Intervenção iniciada em julho de 2016.
Quando concluído, o Memorial da Luta pela Justiça terá como missão
institucional “a defesa dos direitos humanos e a construção da memória
sobre as reciprocidades estabelecidas entre advogados e ex-presos políticos,
estabelecidas durante o período da ditadura civil-militar”.1 No entanto, o
Núcleo de Preservação da Memória Política entende que sua missão extra-

1
Plano Museológico do MLPJ. São Paulo, 2014, p. 9.

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142 Núcleo memória

pola esses limites, posto que essa instituição precisa transmitir os valores
pelos quais diversos grupos da sociedade civil se mobilizaram para que
seu projeto existisse. Entre esses valores está o lema do Núcleo Memória,
de que é preciso conhecer o passado para entender o presente, e finalmente
construir um futuro que reconheça o valor da democracia, dos princípios
da tolerância e do respeito ao indivíduo humano e seus direitos.
Os recursos financeiros para o projeto ainda estão sendo captados. En-
quanto isso, todas as atividades e ações em prol de sua realização foram re-
sultado de esforços de diversos atores sociais para a recuperação do prédio,
como exposto no primeiro capítulo dessa obra e, sobretudo, da determina-
ção e recursos financeiros da OAB SP e do Núcleo Memória.
Certamente, um dos maiores desafios iniciais está sendo a captação do
valor integral necessário e pleiteado para a reforma e implantação museal
no espaço, cujo valor ainda deverá ser atualizado, uma vez que os orça-
mentos foram feitos em 2014 e os custos dos serviços necessários estão de-
satualizados. Até a conclusão deste texto (junho de 2017), foram captados
14% do valor total do projeto, sendo que, apenas a partir da captação de
20% é possível ter acesso aos recursos obtidos para início da obra. Essa de-
terminação é estabelecida pelo Governo Federal, ao dispor sobre as regras
que regem a Lei Rouanet.
Durante o período do restauro e reforma do prédio, que tem previsão
de duração de dois anos, não será possível realizar atividades educativas
e culturais no local. Isto posto, outro desafio será encontrar uma forma
de atuar na conscientização pública sobre o projeto do Memorial nesse
período. Como envolver novos atores sociais, garantindo uma maior inclu-
são dos vários grupos que atuaram na resistência à ditadura e na luta pela
justiça? São questões importantes e que não serão desconsideradas pela
OAB e pelo Núcleo Memória ao longo dos anos, até que aquele prédio “seja
invadido pela democracia”2 e o Memorial esteja em pleno funcionamento,
contando com a diversidade de memórias ali representadas e expostas.
O projeto do Memorial da Luta está relacionado à Justiça de Transição
no Brasil e, por meio da memorialização, certamente trará questões sub-
jacentes da história nacional ainda não resolvidas, todavia necessárias. A

2
Este termo foi utilizado pelo advogado e ex-preso político Idibal Pivetta que, em suas
diligências nas Auditorias Militares de São Paulo, dizia aos escrivães que a Ditadura
iria acabar e a Democracia iria invadir aquele prédio. Essa informação foi dita pelo
próprio advogado e foi recorrentemente comentada por outros advogados e advogadas
que foram entrevistados pela Pesquisa Histórica da Segunda Fase.

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Memorial da luta pela justiça 143

instituição não deverá menosprezar o tema da imprescritibilidade dos cri-


mes de lesa-humanidade, uma vez que muitas das injustiças valorosamen-
te combatidas por advogados no passado continuam impunes no presente.
Torturadores e assassinos da Ditadura continuam sendo homenageados
como heróis em todo o território nacional. Em 2017, o Núcleo Memória
empreendeu a Campanha “Ruas da Vergonha”, que exigia do Poder Públi-
co a renomeação dos logradouros públicos que homenageiam criminosos
de lesa-humanidade.
No Brasil, temos poucos memoriais sobre o tema da Ditadura. Existem
várias iniciativas de reivindicação para criação de novos sítios de memória.
No entanto, em funcionamento, apenas o Memorial da Resistência de São
Paulo (MRSP) em São Paulo; o Memorial das Ligas Camponesas, na Paraí-
ba e o Memorial da Resistência de Fortaleza, no Ceará.
Na cidade de São Paulo, o projeto do Memorial da Luta pela Justiça
já está em conexão com outras iniciativas de memorialização: a de recu-
peração do prédio do antigo DOI-Codi e sua transformação em sítio de
memória, e com o já consolidado Memorial da Resistência de São Paulo.
Essa conexão formaliza o que temos chamado de “roteiro da memória da
Ditadura em São Paulo”, que conta um pouco sobre a trajetória imposta
às vítimas pela repressão do Estado ditatorial, as quais, ao passarem pelos
três lugares, em sua grande maioria, evidenciam a conexão entres os três
espaços.
Nesse roteiro da memória da Ditadura, o prédio que abrigou a ex-
-Auditoria cumpre um papel fundamental ao ser o espaço instituído pela
repressão para dar “ares de legalidade” à violência do Estado. Integrar de
algum modo esses três lugares em processos de memorialização é uma
excelente oportunidade de proporcionar à população e às novas gerações
o Direito à Memória.
O ex-preso político Artur Scavone, no ano de 2014, testemunhou para
a Comissão Nacional da Verdade e afirmou que, quando esteve mantido
preso no DOI-Codi, viu o Juiz Auditor da 2ª Auditoria Militar no local,
o mesmo juiz que respondeu em depoimento à CNV que não denunciou
casos de tortura, pois “não daria em nada”. Essa relação que existia entre
estes lugares de repressão e a Justiça Militar que atuava nas três Auditorias
Militares da 2ª CJM deverá ser um tema a ser enfrentado pelo futuro MLPJ.
Um segundo importante desafio, este de mais largo prazo, mas que
deve ser pensado desde o momento do início das obras, é o que diz respei-
to à sustentabilidade do novo espaço. Para isso, será necessário tornar o

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144 Núcleo memória

Memorial da Luta pela Justiça uma entidade jurídica autônoma, para que
possam ser combinados os esforços de fortalecimento institucional com
iniciativas políticas coletivas de interlocução e negociação. Isso somente
poderá ser realizado ao se ter um plano de desenvolvimento sustentável
da instituição que combinará, na melhor das hipóteses, não somente uma
capacidade de obter receitas “próprias”, como acessar, de forma regular,
fontes de financiamento públicas e privadas, nacionais e internacionais.
Mas a entidade tornar-se sustentável não significa somente contar com
fontes de sustentação financeira, significa também um conjunto de fato-
res que a fortaleça institucionalmente e que garanta a sua continuidade
no tempo. Para isso, é imprescindível pensar na qualidade da organização
que gestionará o Memorial da Luta pela Justiça. Da qualidade de sua ges-
tão tática e estratégica serão derivadas as bases de sua legitimidade e sua
habilidade para influenciar os processos de políticas públicas que digam
respeito aos conceitos da Justiça de Transição. De sua governança institu-
cional e de seus sólidos programas de comunicação e pesquisa, se gerará a
credibilidade e a confiança da instituição.
O desafio da sustentabilidade, portanto, nessa etapa pode ser defini-
da como a capacidade de sustentar de forma duradoura o valor social do
projeto do MLPJ na sociedade por meio de seus programas educativos,
exposições e acervos. Dessa maneira, a partir dessas interações criativas
se possibilitará o fortalecimento de capacidades estratégicas de articulação
local e internacional.
Finalmente, pode-se dizer que o maior desafio do Memorial da Luta
resulte, talvez, do fato de ter que se tornar um sítio de memória vivo e
dinâmico, permitindo ser constantemente atualizado e estar em sintonia
com as novas gerações que avançam e se reinventam, assim como com as
novas tecnologias. Essa é a visão de longo prazo que o Núcleo Memória
percebe como fundamental para que o Memorial da Luta possa desenvol-
ver um projeto sustentável que atenderá às necessidades em constante evo-
lução dos interessados e do público em geral. Comunicando e estabelecen-
do diálogos que relacionem passado, presente e princípios de respeito aos
direitos humanos para um futuro mais justo e democrático.

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Anexos

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1. Ficha técnica − advogados

Entrevistado: NOME COMPLETO DO


ENTREVISTADO
Fotografia
Coleção: nome da coleção de entrevistas de um determi-
3x4, tirada
nado projeto
no dia da
Código do entrevistado: Código Alfanumérico
entrevista
Código da entrevista: Código Alfanumérico

Instituição Responsável: nome da instituição responsável


pela realização da entrevista
Projetos e parcerias: nome do projeto/pesquisa e/ou da instituição finan-
ciadora (se for o caso)
Tipo da entrevista: individual ou coletiva
Tema: tema amplo da entrevista
Data: dia/mês/ano
Local de gravação: nome do local da gravação (estúdio, residência etc.).
Cidade/Estado
Duração total da entrevista: XXhXXmin (duração total do vídeo editado
e finalizado)
Testemunho com restrições: a restrição é quando o entrevistado pede
para editar determinado trecho da entrevista, cortando alguma fala espe-
cificada por ele.
Identificação do arquivo de vídeo: preencher com nome do vídeo finali-
zado, seguindo padrão pré-estabelecido.
Entrevistador(es): nome de todos os entrevistadores, mesmo aqueles que
não conduziram diretamente a entrevista.
Operador de câmera: nome do operador e/ou nome da empresa/entidade
em que trabalha.
Registro fotográfico: nome do fotógrafo e/ou nome da empresa/entidade
em que trabalha.

DADOS PESSOAIS DO ENTREVISTADO


Nome completo: NOME COMPLETO DO ENTREVISTADO

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148 Núcleo memória

Sexo: feminino/masculino
Data de nascimento: dia/mês/ano
Local de nascimento: cidade/Estado
Estado civil: perguntar na prévia da entrevista

Profissão/atividade atual: perguntar/confirmar na prévia da entrevista


Grau de instrução: perguntar/confirmar na prévia da entrevista
Endereço da residência atual: endereço completo da residência e/ou escri-
tório de trabalho atualizado.
Telefone: contatos do entrevistado
E-mail: contatos do entrevistado

DADOS DA ADVOGACIA – PESQUISA PRÉVIA


Este bloco de dados é preenchido antes da entrevista, com base numa pes-
quisa bibliográfica breve que contempla outras entrevistas concedidas pelo
entrevistado, livros e sites próprios sobre a atuação na ditadura civil e mi-
litar. Alguns dados dessa pesquisa são confirmados com o entrevistado em
conversa antes da entrevista.
Curso de direito (escola e período): nome da escola e período de formação
Período de atuação na defesa presos políticos: ano ou período em que
atuou
Escritórios que atuou: escritórios onde teve atuação como estagiário e
como profissional formado advogando para presos e perseguidos políticos.
Principais casos que atuou: casos destacados na bibliografia pesquisada.
Atuação em organizações sociais ou políticas: atuação destacadas na bi-
bliografia pesquisada.
Sofreu algum tipo de repressão/perseguição: preencher sim ou não, de
acordo com resposta do entrevistado.
Prisão (ano/local): ano e local de prisão
Atentado/invasão ao escritório (ano/local): ano e local do atentado

ATUAÇÃO HOJE: dados colhidos na bibliografia pesquisada e confirma-


dos previamente com o entrevistado.

FONTES DE PESQUISA
Lista de fontes de pesquisa mais acessadas, privilegiadas no geral. Listagem
de fontes relacionadas.

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2. Ficha de decupagem − advogados

Entrevistado: NOME COMPLETO DO


ENTREVISTADO Fotografia
Coleção: nome da coleção de entrevistas de um determi- 3x4, tirada
nado projeto no dia da
Código do entrevistado: Código Alfanumérico entrevista
Código da entrevista: Código Alfanumérico

Categorias do entrevistado: perfil da atuação (advogado, ex-preso políti-


co); local de residência e atuação (cidade/Estado); período de atuação na
Justiça Militar (período total de atuação).
Temas da entrevista: temas amplos e específicos abordados em todas as
entrevistas e temas trazidos com ênfase pelo entrevistado.

BIOGRAFIA: breve descrição da biografia do entrevistado.

RESUMO DA ENTREVISTA: breve descrição do testemunho dado pelo


entrevistado, levantando os principais temas abordados, as lembranças
marcantes e o caminho de reflexão traçado.

DADOS EXTRAÍDOS DA ENTREVISTA

1 − ADVOGACIA DE PRESOS E PERSEGUIDOS POLÍTICOS


Listagem dos dados (nomes de advogados, presos políticos, entidades so-
ciais e organizações políticas, clientes/casos/processos, agentes da repres-
são) que o entrevistado citou durante a entrevista. O intuito é que o lei-
tor/pesquisador tenha uma aproximação com o universo de relações que
emergem desse testemunho. Esse levantamento também poderá servir
para a formação de um banco de dados. Neste bloco os dados extraídos da
entrevista são:

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150 Núcleo memória

Advogados de presos políticos citados; presos e perseguidos políticos ci-


tados; entidades sociais e organizações políticas citadas; casos/clientes
destacados que acompanhou e agentes da repressão citados.

2 − AUDITORIA MILITAR DE SÃO PAULO/SP


Levantamento de dados citados na entrevista referente à Auditoria Militar
de São Paulo. Esse bloco contempla tanto os dados da atuação como advo-
gado neste espaço da justiça militar (período de atuação, número de casos
que acompanhou, casos emblemáticos), quanto também mapeia as refe-
rências às autoridades judiciais e militares que atuaram ali e nas instâncias
superiores (STM e STF). Os dados levantados são:
Período de atuação*; número de processos que acompanhou*; casos
emblemáticos na Auditoria de São Paulo que destacou; autoridades ju-
diciais, militares e funcionários; autoridades judiciais e militares das
instâncias superiores (STM, STF);
*Informações dadas/confirmadas pelo entrevistado na prévia da entrevis-
ta.

3− MEMORIAL DA LUTA PELA JUSTIÇA


Listagem dos temas, casos e/ou processos que o advogado considera im-
portante estarem expostos no futuro Memorial da Luta pela Justiça.

FONTES RELACIONADAS
Pequena bibliografia de fontes diretamente relacionadas ao entrevistado,
em geral, outras entrevistas concedidas, livros próprios e sites ligados ao
tema desse projeto.

COMO CITAR:
ÚLTIMO NOME, Primeiro Nome. Entrevista sobre a luta pela justiça
durante a ditadura civil militar no Brasil (1964-1985). Coleção Exposi-
ção de Longa Duração. Entrevista concedida a Fulana e Fulana. Núcleo de
Preservação da Memória Política/Memorial da Luta pela Justiça, Cidade,
dia/mês/ano.

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3. Ficha técnica – ex-presos políticos

Entrevistado: NOME COMPLETO DO


ENTREVISTADO Fotografia
Coleção: nome da coleção de entrevistas de um determi- 3x4, tirada
nado projeto no dia da
Código do entrevistado: Código Alfanumérico entrevista
Código da entrevista: Código Alfanumérico

DADOS DA ENTREVISTA
Instituição Responsável: nome da instituição responsável pela realização
da entrevista
Projetos e parcerias: nome do projeto/pesquisa e da instituição financia-
dora (se for o caso)
Tipo da entrevista: individual ou coletiva
Tema: tema amplo da entrevista
Data: dia/mês/ano
Local de gravação: nome do local da gravação (estúdio, residência etc.).
Cidade/Estado
Duração total da entrevista: XXhXXmin (duração total do vídeo editado
e finalizado)
Testemunho com restrições: preencher com Sim ou Não. A restrição é
quando o entrevistado pede para editar determinado trecho da entrevista,
cortando alguma fala especificada por ele.
Identificação do arquivo de vídeo: preencher com nome do vídeo finali-
zado, seguindo padrão pré-estabelecido.
Entrevistador(es): nome de todos os entrevistadores, mesmo aqueles que
não conduziram diretamente a entrevista.
Operador de câmera: nome do operador e/ou nome da empresa/entidade
em que trabalha.

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152 Núcleo memória

Registro fotográfico: nome do fotógrafo e/ou nome da empresa/entidade


em que trabalha.

DADOS PESSOAIS DO ENTREVISTADO


Nome completo: NOME COMPLETO DO ENTREVISTADO
Sexo: feminino/masculino
Data de nascimento: dia/mês/ano
Local de nascimento: cidade/Estado
Estado civil: perguntar na prévia da entrevista
Profissão/atividade atual: perguntar/confirmar na prévia da entrevista
Grau de instrução: perguntar/confirmar na prévia da entrevista
Endereço da residência atual: endereço completo da residência e/ou escri-
tório de trabalho atualizado.
Telefone: contatos do entrevistado
E-mail: contatos do entrevistado

DADOS DA PESQUISA PRÉVIA


Esse bloco de dados é preenchido antes da entrevista, com base numa pes-
quisa bibliográfica breve que contempla outras entrevistas concedidas pelo
entrevistado, livros e sites próprios sobre a atuação na ditadura civil e mi-
litar, além de informações do processo judicial e prisão política. Os dados
não encontrados nessa pesquisa prévia são completados em conversa pré-
via antes da entrevista.

1 − MILITÂNCIA
Organização(ões) / Movimento(s) (nome/período): nome da (s) organiza-
ção (ões)/movimento (s) que o entrevistado participou. Se possível, delimi-
tar o período de atuação.

2 − PRISÃO POLÍTICA
Prisão (ano/local): ano e local de prisão.

Locais de cárcere: nome dos locais onde ficou detido e cumpriu pena. Tra-
jetória carcerária.
Tempo total de prisão: desde a prisão até a saída em liberdade total ou
condicional.
Data de saída da prisão: data ou ano.

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Memorial da luta pela justiça 153

3 − PROCESSO(S) NA JUSTIÇA MILITAR


Esse bloco de dados é preenchido com base no Projeto Brasil: Nunca Mais
Digital, mais especificamente nos Sumários deste projeto. Apesar disso,
também procuramos comparar estes dados com as informações de outras
fontes, e no caso de incongruências anotamos as duas ou mais informações
obtidas e sempre indicamos a fonte da informação.
Advogado (s): nome do(s) advogado(s) que atuou (aram) em seu(s)
processo(s) (fonte)
N. BNM: Código do processo.
N. ação penal/ N. apelação: N. da ação penal e n. da apelação em segunda
instância (BNM)
Acusação: Acusação (BNM)
Data do julgamento: data do julgamento (BNM)
Em que Auditoria foi julgado: nome da Auditoria em que foi julgado
(BNM)
Recurso STM/STF: informação sobre recurso STM/STF (BNM)
Liberdade Condicional: preencher sim ou não e data quando houver in-
formação (FONTE)
Resultado do julgamento: informação do resultado do julgamento (BNM)
ATUAÇÃO HOJE: dados colhidos na bibliografia pesquisada e confirma-
dos com o entrevistado na prévia da entrevista

FONTES DE PESQUISA
Lista de fontes de pesquisa mais acessadas, privilegiadas no geral. Listagem
de fontes relacionadas.

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4. Ficha de decupagem – ex-presos
políticos

Entrevistado: NOME COMPLETO DO


ENTREVISTADO Fotografia
Coleção: nome da coleção de entrevistas de um determi- 3x4, tirada
nado projeto no dia da
Código do entrevistado: Código Alfanumérico entrevista
Código da entrevista: Código Alfanumérico

Categorias do entrevistado: perfil da atuação (advogado, ex-preso políti-


co); local de residência e atuação (cidade/Estado); período de prisão políti-
ca (dias, meses, anos).
Temas da entrevista: temas amplos e específicos abordados em todas as
entrevistas e temas trazidos com ênfase pelo entrevistado.

BIOGRAFIA: breve descrição da biografia do entrevistado.

RESUMO DA ENTREVISTA: breve descrição do testemunho dado pelo


entrevistado, levantando os principais temas abordados, as lembranças
marcantes e o caminho de reflexão traçado.

DADOS EXTRAÍDOS DA ENTREVISTA

1 − PROCESSO NA AUDITORIA MILITAR DE SÃO PAULO/SP


Levantamento de dados referente ao(s) processo(s) de crime político
sofrido(s) pelo entrevistado na Justiça Militar de São Paulo/SP. Esse bloco é
uma mescla de pesquisa prévia com as informações obtidas no testemunho
do entrevistado, sendo que havendo conflito de dados das duas fontes, aqui
privilegiaremos a fala do entrevistado. Os dados levantados são:

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156 Núcleo memória

Período de prisão; trajetória carcerária; ano do julgamento; n. dos pro-


cessos; advogados; sentença.

2 − MILITÂNCIA E REPRESSÃO POLÍTICA


Listagem dos dados (nomes de presos políticos, entidades e organizações
políticas agentes da repressão e autoridades judiciais) que o entrevistado
citou durante a entrevista, a fim de que o pesquisador/leitor possa ter uma
aproximação com o universo de relações sociais e políticas que emergem
desse testemunho. Esse levantamento também poderá servir para a forma-
ção de um banco de dados. Nesse bloco, os dados extraídos da entrevista
são:
Presos políticos citados; entidades sociais e organizações políticas ci-
tadas; agentes da repressão citados; autoridades judiciais, militares e
funcionários citados.

3 − MEMORIAL DA LUTA PELA JUSTIÇA


Listagem dos temas, casos e/ou processos que o ex-preso político considera
importante estarem expostos no futuro Memorial da Luta pela Justiça.

FONTES RELACIONADAS
Pequena bibliografia de fontes diretamente relacionadas ao entrevistado,
em geral outras entrevistas concedidas, livros próprios e sites ligados ao
tema desse projeto. Além de consulta nos processos judiciais do Projeto
Brasil: Nunca Mais e fichas e prontuários do Deops-SP (Arquivo Público
do Estado de São Paulo).

COMO CITAR:
ÚLTIMO NOME, Primeiro Nome. Entrevista sobre a luta pela justiça
durante a ditadura civil militar no Brasil (1964-1985). Coleção Exposi-
ção de Longa Duração. Entrevista concedida a Fulana e Fulana. Núcleo de
Preservação da Memória Política/Memorial da Luta pela Justiça, Cidade,
dia/mês/ano.

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5. Modelo de termo de licença
para uso de entrevista

LICENCIANTE:

NOME COMPLETO DO ENTREVISTADO, nacionalidade, estado civil,


profissão, domiciliado no (endereço completo), CPF, adiante designada
simplesmente LICENCIANTE,

LICENCIADO:

1º: NOME DA INSTITUIÇÃO, dados da instituição, endereço completo,


cujos representantes legais são: nome, qualificação institucional, endereço.

LICENCIANTE e LICENCIADO, acima nomeados e qualificados, o LI-


CENCIADO por seus representantes legais ao final assinado, tem entre si
justo e acordado o seguinte:

O LICENCIADO pretende utilizar a entrevista concedida no (dia/mês/


ano) pela LICENCIANTE para (nome do entrevistador principal), para (fi-
nalidade específica do uso que será dado ao material produzido), sem que
isto implique em ônus para o mesmo.

Para tanto, a LICENCIANTE autoriza o LICENCIADO a utilizar seu


nome, imagem física, dados biográficos e quaisquer outras características
pessoais e profissionais, para os fins supracitados, que não poderão ser co-
mercializados.

Essa entrevista não poderá ser veiculada na íntegra na Internet.

A presente autorização de imagem ressalva a honra, boa fama e a respei-


tabilidade da LICENCIANTE, que o LICENCIADO se compromete a res-

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158 Núcleo memória

peitar e preservar, devendo (nomes dos representantes da instituição que


firmam o termo) responder por eventuais danos que vier a causar.
A presente autorização de uso da imagem e voz da LICENCIANTE é con-
cedida por prazo indeterminado, contado a partir da data da assinatura do
presente termo de cessão.
Sobre restrição de algum conteúdo desta entrevista, o Licenciante informa
que não/sim possui (em nenhum tema que foi abordado/especificar tema em
caso positivo).
Elegem o foro central da cidade de (nome da cidade) para dirimir qualquer
questão decorrente do presente termo que não possa ser resolvida amiga-
velmente.
Assim, obrigando-se por si, herdeiros e sucessores, firmam este instru-
mento em quatro vias iguais, juntamente com as testemunhas abaixo.

(Cidade, dia/mês/ano)

LICENCIANTE
________________________________________
NOME COMPLETO DO ENTREVISTADO
RG:

LICENCIADOS
________________________________________
NOME DO REPRESENTANTE DA INSTITUIÇÃO
RG:
Qualificação institucional
Nome da instituição

TESTEMUNHAS
1) ________________________________________
Nome completo
RG:

2) ________________________________________
Nome completo
RG:

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6. Processos consultados no Projeto
BNM Digital e no Arquivo da Justiça
Militar da União
ACERVO DO PROJETO BRASIL NUNCA MAIS
BNM Processo BNM Processo BNM Processo BNM Processo
7 189/69 8 245/64 9 207/69-A 10 231/70
11 34/70 13 343/65 19 211/63 20 39/72
21 87/72 26 60/75 37 148/69 38 82/74
40 764/72 42 162/70 43 1235/76 55 580/72
58 303/70 63 72/74 65 198/69 67 86/70
68 100/72 70 112/71 72 703/72 79 135/71-1
84 632/71 87 104/74 88 19/73-1 95 366/70
97 16/70 98 43/71 100 207/69 102 85/70
104 39/68 105 6/70 106 146/70 128 41/70
130 592/71 142 285/64 144 269/64 159 258/64
162 446/71 165 65/68 171 110/72 173 76/67
174 64/72 180 132/71 189 38/74 197 11/73
202 205/69 203 858/73 204 29/73 207 362/65
209 23/73 214 871/73 221 57/68 224 793/72
229 101/69 232 526/71 244 140/70 252 35/71
254 780/72 255 271/64 259 360/65 261 394/65
262 357/65 283 367/65 286 366/65 294 72/71
299 32/70 304 445/70 305 467/70 324 63/70
331 67/68 332 111/71 333 379/65 341 117/71
344 100/71 353 773/72 365 121/70 373 659/71
383 857/73 392 6/71 399 759/72 409 1/73
410 59/72 415 13/73 419 35/75 422 1069
424 7/73 427 138/75 430 52/68 436 12/73
440 48/68 446 292/70 448 829/73 454 551/71
458 45/73 459 48/70 467 11/74 469 1002
474 418/66 476 487/71 480 423/70 484 132/69
486 51/68-C 488 468/66 489 118/69 502 267/64
510 236 516 168/69 525 61/72 528 1003
530 150/70 531 2/76 536 573/71 538 9/73
541 77/72 550 995/74 553 950/74 554 291/70
565 4/70 568 03/76 574 79/67 584 257/70
586 208/69 592 271/64 596 703/72 602 125/71
604 11/67 605 763-A 610 36/68 613 22/67
618 535/71 624 582/71 626 5/70 630 56/68
634 972/74 636 196/69 637 83/69 643 41/75
648 256/70 661 68/72 663 763/72 668 111/72
670 42/73 678 45/74 681 59/71 683 189/75
684 934/74 686 342/70 693 866/73 697 94/69
324 506 703 22/70 294 209/69 294 215/69
698 335/77 704 74/74 706 79/73
Total - 159 processos
pesquisados.

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160 Núcleo memória

ACERVO DA JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO


BNM Processo BNM Processo BNM Processo BNM Processo
709 25/75 710 203/69 711 39/74 712 88/72
716 784/72 719 77/67 720 82/67 721 61/68
722 64/68 725 680/71 726 327/65 NL01* 775
NL02 852 NL03 643/71 NL04 633/71 NL05 173/69
NL06 1269/77 NL07 351/70 NL08 331/70 NL09 768/68
NL10 228/69 NL11 139/69 C NL12 149/69 NL13 163/69
NL14 187/69 NL15 154/70 NL16 52/71 NL17 8/72
NL18 1/74 NL19 12/75 NL20 275/65 NL21 113/69
NL22 42/68 NL23 49/70 NL24 87/70 NL25 67/68
NL26 373/65 NL27 466/66 NL28 57/67 NL30 281/64
NL31 282/64 NL34 361/65 NL35 368/65 NL36 391/65
NL37 722/66 NL38 746/66 NL39 43/68 NL40 38/68
NL41 72/68 NL42 50/68 NL43 54/68 NL44 64/68
NL45 89/69 NL46 82/69 NL47 206/69 NL48 50/77
NL51 62/74
Total - 57 processos
pesquisados.
* NL (Não localiza-
dos), numeração
adotada por esta
pesquisa.

No total foram consultadas informações de 216 processos de crimes


políticos que foram julgados nas três auditorias militares da 2ª Circunscri-
ção da Justiça Militar em São Paulo.

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