Saúde Homem
Saúde Homem
Saúde Homem
ISSN: 1413-7372
revpsi@uem.br
Universidade Estadual de Maringá
Brasil
Naiara Windmöller
2
Valeska Zanello
Universidade de Brasília, Brasil.
RESUMO. O presente trabalho teve como objetivo fazer um levantamento bibliográfico e uma revisão
sistemática da literatura brasileira publicada acerca do tema "depressão masculina" entre os anos de 2003
e 2013, nas principais plataformas brasileiras LILACS e SciEL O Brasil. Buscou-se não apenas mapear
esses estudos, mas analisar se e como os estudos das masculinidades têm contribuído para esse campo.
Para tanto, foram utilizados oito descritores de gênero e nove de saúde mental/depressão. Foram
encontrados na plataforma LILACS 1.378 artigos e, na base SciELO, 386. Os trabalhos científicos que não
trataram a depressão como foco principal foram descartados, assim como aqueles que estudavam a
depressão como decorrente de doenças físicas. Apenas 17 artigos enquadraram -se nos critérios de
inclusão. Dentre eles, 15 utilizaram a metodologia quantitativa, usando testes psicométricos, e 14 destes
tiveram como objetivo fazer um levantamento epidemiológico comparativo com as mulheres. Entre os
principais fatores associados à depressão, apontados para todas as faixas etárias analisadas (jovens,
adultos e velhos), estão baixa escolaridade, classe social, desemprego e estado civil (não ter uma
companheira). De forma predominante, o fenômeno da depressão não foi analisado, levando -se em
consideração os estudos das masculinidades e de raça/etnia. Além disso, apenas duas pesquisas
realizaram entrevistas com os homens, o que aponta a invisibilidade de pesquisas qualitativas e um
incipiente número de pesquisas que os escutem. A contribuição do presente estudo é apontar justamente
essa lacuna.
Palavras-chave: Masculinidade; depressão; saúde mental.
ABSTRACT. The aim of this study was to search for and make a systematic review of the literature
published on the issue "male depression" in the Brazilian scientific databases LILACS and SciELO Brazil,
from 2003 to 2013. It investigates whether and how the study of masculinities has contributed to this field.
We used eight gender descriptors and nine mental health/depression descriptors. LILACS returned 1378
articles and SciELO 386. The articles that have not dealt with depression as the main focus were
discarded, as well as those that studied depression as a result of physical illnesses. Only 17 articles have
fulfilled the inclusion criteria. Fifteen of those used quantitative methodology including psychometric tests;
and 14 of them aimed at comparing male and female epidemiological data. Among the main factors
associated with depression reported at all age groups analyzed (youth, adults and older populations) are
low level of education, social class, unemployment and marital status (not having a partner). Predominan tly
depression has not been analyzed taking into account the studies on masculinities and race/ethnicity.
Besides, only two of the surveys conducted interviews with men pointing, therefore, the invisibility of
qualitative research and pauper number of research that listen to men. This study contributes with pointing
out this gap.
Keywords: Masculinities; depression; mental health.
1
Apoio e financiamento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
2
E-mail: valeskazanello@uol.com.br
RESUMEN. El presente estudio tuvo como objetivo hacer una investigación y una revisión sistemática de la literatura
publicada acerca del tema “depresión masculina” en las plataformas científicas LILACS y SciELO Brasil, de 2003 a
2013. Se buscó no sólo para mapear estos estudios, analizar si y como el estudio de las masculinidades han
contribuido a este campo. Para tanto, se utilizó ocho descriptores de género y nueve de salud mental/depresión. Se
encontró en la plataforma LILACS 1378 y en la base SciELO 386. Los estudios científicos no han tratado la depresión
como el foco principal se descartaron, así como los que estudiaron la depresión como resultado de enfermedades
físicas. Sólo 17 artículos se encuadran en los criterios de inclusión. Entre ellos, 15 utilizaron la metodología cuantitativa,
incluyendo pruebas psicométricas y 14 de ellos tuvieron como objetivo hacer un levantamiento epidemiológico
comparativo con las mujeres. Entre los principales factores asociados a la depresión señalados para todos los rangos
etarios analizados (jóvenes, adultos y viejos) están la baja escolaridad, clase social, desempleo y estado civil (no tener
pareja). De forma predominante, el fenómeno de la depresión no fue analizado llevando en consideración los estudios
de las masculinidades y de la raza/etnia. Además de eso, sólo en dos investigaciones se realizaron entrevistas con
hombres, lo que apunta a invisibilidad de investigaciones cualitativas y un incipiente número de investigaciones que los
escuchen. La contribución de este estudio es precisamente apuntar esta omisión.
Palabras-clave: Masculinidad; depresión; salud mental.
Se a masculinidade se ensina e se constrói não há dúvida de que ela pode mudar. No século XVIII,
um homem digno deste nome podia chorar em público e ter vertigens; no final do século XIX, não o
pode mais, sob pena de comprometer sua dignidade masculina. O que constitui pode, portanto, ser
demolido para ser novamente construído (Badinter, 1993, p. 23).
Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) apontam que, em média, uma em cada 20
pessoas relatou ter um episódio de depressão no ano anterior, bem como esta afeta aproximadamente
350 milhões de pessoas; sendo que há perda de quase 1 milhão de vidas, decorrente do suicídio, o
que se traduz em 3.000 mortes todos os dias (Who, 2012).
Na maioria dos países, a depressão varia de 8% a 12%. As diferentes culturas e os diferentes
fatores de risco parecem afetar a expressão da depressão, porém alguns deles são comuns. Aspectos
como pobreza, baixa escolaridade, familiares com depressão, exposição à violência, estar separado ou
divorciado, especialmente no caso dos homens, e outras doenças crônicas estão altamente
correlacionados com a depressão. Além disso, destaca-se uma diferença epidemiológica importante: a
depressão ocorre, em média, duas a três vezes mais em mulheres do que em homens (WHO, 2012).
Segundo Zanello (2014), faz-se necessário que os dados epidemiológicos sejam tomados como
dados construídos, e não como fatos. Para tanto, deve-se levar em consideração, antes do
levantamento estatístico, a descrição sindrômica do que se denomina atualmente de "Depressão".
Autores, tais como Shear, Halmi, Widiger e Boyce (2007), Phillips e First (2008), Widiger e First
(2008) e Zanello (2014), têm apontado o gendramento da descrição desse quadro clínico. Para Lutz
(1985), o estado emocional de tristeza é visto como uma das características definidoras do estado
patológico de depressão, se não o mais central. Zanello (2014) sublinha, nesse sentido, a presença de
"choro", dado como exemplo do sintoma de tristeza em um dos principais manuais de classificação dos
transtornos mentais (DSM- Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais). Porém sua
expressão é mediada pelos valores de gênero. Na cultura ocidental, os homens são subjetivados em
um ideal hegemônico de virilidade, no qual se deve suprimir a expressão afetiva de fragilidade, o que
os leva a raramente chorar em público ou na frente de outra pessoa (Zanello, 2014).
A ausência desse sintoma poderia levar à não percepção da tristeza em muitos homens e,
consequentemente, ao não diagnóstico de depressão dentre eles. Zanello (2014) aponta, assim, a
falibilidade de se fiar em dados epidemiológicos na área de saúde mental, sem criticar sua base
epistemológica, sobretudo pelo viés de gênero. Nesse sentido, a falta de questionamento poderia levar
a um hiperdiagnóstico de depressão entre mulheres e a um subdiagnóstico no caso dos homens.
Levando em consideração essa perspectiva, autores tais como Phillips e First (2008) e Widiger e
First (2008) propõem soluções para a manutenção dos grandes manuais de classificação diagnóstica a
partir de levantamento feito da literatura sobre esse debate. De um lado, há quem sugira que haja
descrição de sinais e sintomas de certas síndromes, de forma diferenciada para homens e mulheres;
por outro lado, há quem discorde da necessidade dessa descrição diferenciada e aponte que a
diferença deveria ocorrer no número de sintomas necessários para perfazer a síndrome, caso fosse
um homem ou uma mulher. Apesar da existência dessas críticas, realizadas, sobretudo, ao DSM IV,
não houve mudanças significativas nesses quesitos no DSM V.
A construção cultural da(s) masculinidade(s) parece, portanto, afetar a expressão do sofrimento
por parte dos homens. De acordo com Welzer-Lang (2001), as masculinidades são configurações de
práticas sociais e culturais que passam por aprendizados, atos, códigos, performances e ritos. O
aprendizado de ser homem começa na infância, espaços sociais, clube, escola e principalmente entre
os seus pares. Segundo o autor, os códigos viram rito e, depois, operadores hierárquicos. Em nossa
cultura, essa aprendizagem se faz no sofrimento, na dor de ter que competir, ser melhor, endurecer o
corpo, não expressar fragilidade. O mimetismo dos homens seria um mimetismo de violências: (1)
violência inicialmente contra si mesmo; (2) violência - guerra contra os outros. Em suma: são
construções que passam por ideais de uma virilidade fabricada, sempre no imperativo - dever de ser
homem - e no negativo - de não se assemelhar às mulheres (Badinter, 1993; Welzer-Lang, 2001).
Por consequência desses marcadores, dá-se uma aprendizagem viril que se constrói no paradigma
homofóbico. Ou seja, a discriminação contra as pessoas que mostram, ou apresentam, algumas
características atribuídas ao outro gênero. Isso garante aos “grandes homens’’ privilégios à custa das
mulheres (como todos os homens), mas também à custa dos próprios homens - “próprios pares”.
Nesse duplo poder estruturam-se as hierarquias masculinas (Welzer-Lang, 2001).
A ideia de uma hierarquia das masculinidades cresceu diretamente a partir da violência sofrida por
homens homossexuais e do preconceito dos homens heterossexuais. Apenas, talvez, uma minoria dos
homens adote a masculinidade hegemônica. Porém ela não deixa de ser normativa. Há um
descompasso entre a essencialização do conceito e a tremenda multiplicidade das construções sociais
que etnógrafos/as e historiadores/as têm documentado com o auxílio desse conceito. A característica
fundamental dessa categoria continua a ser a combinação da pluralidade e a hierarquia entre as
masculinidades, sendo a ideal/hegemônica a branca e heterossexual (Connell & Messerschmidt, 2013;
Pereira, 2014).
Diante do exposto, questiona-se como a configuração cultural das masculinidades, na cultura
ocidental, comparece e contribui para a configuração e expressão dos transtornos mentais,
especificamente da depressão em homens. Trata-se de uma questão relevante.
A saúde dos homens começou a ser estudada nos fins da década de 1970 e o processo saúde e
doença masculina, nos anos 1990 (Medrado, Lyra, & Azevedo, 2011). Apesar dos avanços na área da
saúde (geral) do homem, os estudos sobre sua saúde mental são ainda bastante incipientes.
Levando em consideração a contribuição que os estudos das masculinidades podem aportar para
o campo de saúde mental, especificamente para a compreensão da depressão em homens, o presente
estudo buscou realizar um levantamento bibliográfico e uma revisão sistemática da literatura brasileira
publicada entre os anos de 2003 e 2013 sobre o tema "depressão masculina", nas principais
plataformas brasileiras LILACS e SciELO Brasil.
Metodologia
Quinta Etapa: Dos 95 artigos foi Sexta etapa: Foi realizada uma
realizada uma categorização análise dos 17 artigos com
(foco, fundo, primário e depressão foco primário (10 da
secundário). base LILACS e 7 da base
SciELO Brasil).
Esses artigos foram minuciosamente analisados no que diz respeito aos seguintes fatores: como
surgiu o tema (pesquisa por demanda institucional e/ou motivações de pesquisa); ano de publicação;
campo teórico-metodológico do/a pesquisador/a; sexo do/a pesquisador/a; faixa etária do público
masculino estudado; sexo dos sujeitos de pesquisa (se apenas homens ou homens e mulheres);
presença ou não de teoria explícita e implícita de depressão; presença/ausência de teorias de gênero
e masculinidades; e, por fim, raça/etnia.
Resultados e discussão
Dos 17 artigos, 163 tinham como foco uma comparação entre homens e mulheres, apenas um teve
como foco exclusivamente os homens (Botti et al., 2010). Houve predominância de estudos sobre a
prevalência de depressão.
Dos 17 artigos analisados, 15 tratavam da incidência de sintomas ou da própria depressão como
síndrome/transtorno. Para o diagnóstico foram utilizados diversos instrumentos. Entre eles, as
seguintes escalas, questionários, testes e manuais diagnósticos: Escala de Depressão de Yesavage -
dois artigos (Gonçalves & Andrade, 2010; Siqueira et al., 2009); Escala de Depressão do Centro de
Estudos Epidemiológicos - Center for Epidemiologic Studies Depression Scale - um artigo (Coelho et
al., 2013); Escala de Depressão Geriátrica Breve - um artigo (Oliveira et al., 2012); Escala de
Depressão Pós-Natal de Edimburgo - um artigo (Cunha et al., 2012); Escala Patient Healht
Questionnaire - dois artigos (Zinn-Souza et al., 2008; César et al., 2013); Geriatric Depression Scale -
um artigo (Lima et al., 2009); Escala de Cornell - um artigo (César et al., 2013); Inventário de Beck -
dois artigos (Botti et al., 2010; Rocha et al., 2006); Escala Center for Epidemiological Studies -
3
(Avanci, Assis, & Oliveira, 2008; Batistoni, Neri, & Cupertino, 2010; Borges, Benedetti, Xavier, & D'Orsi (2013); César
et al., 2013; Coelho et al., 2013; Cunha, Bastos, & Duca, 2012; Damião, Coutinho, Carolino, & Ribeiro, 2011; Ferreira &
Tavares, 2013; Gonçalves & Andrade, 2010; Justo & Calil, 2006; Leite, Carvalho, Barreto, & Falcão, 2006; Lima, Silva, &
Ramos, 2009; Oliveira et al., 2012; Rocha, Ribeiro, Pereira, Aveiro, & Silva, 2006; Siqueira et al., 2009; Zinn-Souza et
al., 2008).
Depression - um artigo (Batistoni et al., 2010); Miniexame do Estado Mental - MEEM - um artigo
(Ferreira & Tavares, 2013); Self-Reported - SRQ-20 - um artigo (Avanci et al., 2008); Questionário
“Brasil Old Age Schedule” - BOAS - um artigo (Leite et al., 2006); Questionário BOMFAQ -
rastreamento da depressão - um artigo (Borges et al., 2013). Esses foram os principais instrumentos
utilizados na própria detecção da depressão, ou seja, na seleção do público estudado, ainda que
houvesse, em algumas pesquisas, outros instrumentos de avaliação mais qualitativos.
Três estudos (Zinn-Souza et al., 2008; Avanci et al., 2008; Rocha et al., 2006) tiveram como foco
levantar a prevalência da depressão entre adolescentes e encontraram as seguintes incidências: 7,5%,
10% e 45,7%. A maior foi entre as meninas em todos os estudos. Nas pesquisas cujo foco foi os/as
idosos/as (em 9 artigos4), a incidência foi maior entre as mulheres (em 8 artigos, variando entre 14,2%,
chegando até 58%). E na única pesquisa que tratou do público adulto (Botti et al., 2010) a prevalência
foi de 56,3%. E, por fim, nos estudos realizados com todas as faixas etárias - em três artigos (Botti et
al., 2010; Coelho et al., 2013; Cunha et al., 2012), exceto adolescentes, ou seja, com adultos/as e
idosos/as, a prevalência foi de 16,1%, 28,7% e 56,3% e foi maior nos dois estudos que compararam
homens e mulheres.
Das 15 pesquisas de prevalência, somente em duas houve a realização de entrevistas (Batistoni et
al., 2010; Coelho et al., 2013). No entanto estas foram utilizadas nas entrevistas-questionários e
escalas diagnósticas. Ou seja, a fala do sujeito não apareceu como importante, sendo o objetivo das
entrevistas apenas a confirmação da presença ou não de sintomas depressivos já previamente
estabelecidos nos manuais, caracterizando-se por uma lógica binária, típica do fazer psiquiátrico
(Zanello, Macedo, & Romero, 2012). Nesse sentido, a pesquisa de Batistoni et al. (2010) menciona
que foram realizadas entrevistas com os/as idosos/as, mas não aponta o que eles/as disseram,
somente destaca em suas falas a manifestação de sintomas depressivos.
Na pesquisa de Coelho et al. (2013), do mesmo modo que na de Batistoni et al. (2010), embora
3.007 pessoas tenham sido entrevistadas, é apenas reportado o tempo de duração da entrevista, mas
não há referência aos relatos dessas pessoas e quais foram de fato as suas contribuições para o
estudo, o que leva a concluir que não houve análise qualitativa desse material. A ênfase recaiu sobre o
material estatístico e descritivo de sintomas depressivos, confirmados por testes e escalas
diagnósticas.
Destacam-se a quase inexistência de pesquisas qualitativas, bem como a preponderância de
estudos comparativos de ocorrência da depressão entre homens e mulheres, por meio de uso de
testes psicológicos e da classificação pelos manuais diagnósticos (DSM- Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais - e o CID- Classificação Internacional de Doenças). Para se
compreender o sofrimento psíquico, que é mediado pela cultura, é necessário escutar o que essas
pessoas têm a dizer (Maluf & Tornquist, 2010; Zanello, 2014).
Apenas dois artigos não realizaram estudo de prevalência. O estudo de Justo e Calil (2006) teve
por objetivo apontar diferenças na depressão entre homens e mulheres com base na revisão de
literatura. A prevalência predominante no sexo feminino foi justificada, de um lado, por especificidades
genéticas e hormonais e, por outro, por aspectos psicossociais, tais como maior vulnerabilidade em
função da sobrecarga nas tarefas domésticas; abuso sexual na infância, dentre outros fatores. Não
houve questionamento sobre os critérios que poderiam subdiagnosticar casos de depressão em
homens, por exemplo.
Na outra pesquisa, segundo Damião et al. (2011), os objetivos foram identificar os fatores
psicossociais que interferem na etiologia da depressão e apreender as representações sociais acerca
da depressão dentre adolescentes. Tratou-se de um estudo descritivo exploratório, de caráter
qualitativo e quantitativo. Participaram do estudo 505 sujeitos, entre os quais, 269 eram da cidade de
Teresina e 236, de Natal. De forma geral, os adolescentes apresentaram traços depressivos mais
relacionados a problemas de conduta e obediência, enquanto as adolescentes desenvolveram traços
mais subjetivos, que foram lidos pelos/as autores/as como sentimentos de tristeza.
4
(Batistoni et al., 2010; Borges et al., 2013; César et al., 2013; Ferreira & Tavares, 2013; Gonçalves & Andrade, 2010;
Leite et al., 2006; Lima et al., 2009; Oliveira et al., 2012; Siqueira et al., 2009).
Com base no CDI (Children´s Depression Inventory), que constitui uma adaptação do BDI
(Inventário de Depressão de Beck), na cidade de Natal, dos 236 sujeitos (misto: escola pública e
privada), 5% apresentaram indicativo de sintomatologia depressiva; e em Teresina o índice foi de
11,1%. Entre todos os fatores pesquisados no CDI, foram os sujeitos do sexo feminino que obtiveram
as maiores médias. Entre esses fatores, podem-se citar sentimentos de tristeza, ideação suicida e
choro. Essa prevalência foi explicada à luz do funcionamento neuro-hormonal feminino. Isto é, mesmo
quando os sujeitos são ouvidos, a explicação continua a recair sobre causas biologizantes, sem se
analisar aspectos sociais de gênero e raça. Além disso, os/as pesquisadores/as utilizaram de forma
acrítica os sistemas diagnósticos.
Grande parte das 17 pesquisas foi publicada na região Sudeste (10), seguida pela região Nordeste
(5) e, por último, pela região Sul (2). Treze das 17 pesquisas foram publicadas entre 2008 e 2013. Isso
pode ter acontecido pela implementação da Política Nacional de Saúde Integral do Homem em 2008
(Ministério da Saúde, 2008).
No que diz respeito ao sexo dos sujeitos pesquisados, destaca-se que somente uma pesquisa
(Botti et al., 2010) tratou especificamente dos homens, as demais foram mistas, comparando homens e
mulheres. A prevalência de depressão foi de 56,3% em homens que vivem em situação de rua na
cidade de Belo Horizonte. A maior frequência da depressão grave se deu com jovens adultos e de
depressão leve, moderada e grave entre os homens que se encontram entre um e seis meses
morando na rua.
Quanto ao sexo dos/as pesquisadores/as, todas as pesquisas foram de coautoria, variando de dois
a sete-oito coautores/as, mistos (homens e mulheres). O campo teórico/metodológico dos/as
pesquisadores/as foi variado: educação física, enfermagem, fisioterapia, medicina, psiquiatria, saúde
coletiva, saúde pública, terapia ocupacional. Ressalta-se que somente uma pesquisa foi realizada por
pesquisadores/as psicólogos/as (Rocha et al., 2006), apesar de a psicologia ter papel importante
dentro da reforma psiquiátrica e das discussões em saúde mental no Brasil.
A grande maioria dos artigos científicos não explicita como se chegou ao tema de pesquisa
“depressão masculina”. Supõe-se que a maior parte tenha surgido de pesquisa universitária. As
demandas governamentais que apareceram foram as seguintes: Projeto EPIDOSO da Unifesp (Lima et
al., 2009); Projeto tecnologias assistidas para idosos atendidos em Unidades de Saúde da Família
(Oliveira et al., 2012); Inquérito EpiFloripa Idoso (Borges et al., 2013); Demanda da Secretaria Nacional
Antidrogas - SENAD (Coelho et al., 2013).
De modo prevalente, nove pesquisas tratavam somente da velhice; quatro, de adolescentes; três,
de todas as faixas etárias (exceto crianças); e uma, apenas de adultos homens. E, por fim, não foi
encontrada nenhuma pesquisa com crianças (dentro do recorte metodológico que abarca somente
depressão primária). Destaca-se que somente a pesquisa de Botti et al. (2010) tratou do público
masculino adulto, mesmo com a implantação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do
Homem em 2008, cujo foco principal é a população de homens adultos, na faixa de 20 a 59 anos.
Conforme apontado anteriormente, a maioria das demandas públicas que originaram os estudos
referia-se à velhice e, não coincidentemente, essa foi a fase da vida mais enfocada nos estudos
encontrados. Esse pode ser um possível sintoma, gendrado em nossa cultura, no qual ser velho e
estar fora do “mercado” laboral e sexual (ideais hegemônicos de masculinidade) podem criar quebra
psíquica e rupturas (Zanello, Silva, & Henderson, 2015).
Nenhum dos artigos levou em consideração os estudos de gênero em geral e, muito menos,
remeteu-se aos estudos das masculinidades. Mesmo os/as autores/as que compararam os sexos ou
aspectos sociais relacionados aos sexos não se utilizaram desses estudos, embora esse campo
epistemológico tenha se expandido e fortalecido desde as décadas de 1960/1970. Além disso,
somente duas pesquisas (Gonçalves & Andrade, 2010; Borges et al., 2013) levaram em consideração
os aspectos raciais/étnicos, apesar de que existam estudos que apontam ser a identidade racial e o
racismo fatores de sofrimento e risco para a saúde mental (Fanon, 2008; Amantino & Freire, 2013;
Pinho, 2014; Zanello & Gouveia, no prelo).
Tabela 1. Classificação dos artigos sobre depressão (17) analisados por fase da vida, método e campo teórico
em periódicos indexados no LILACS e SciELO Brasil.
5
Esta identificação de raça/etnia foi feita pelos/as pesquisadores/as em tela.
Considerações finais
O objetivo deste artigo foi fazer um levantamento da produção bibliográfica brasileira, publicada
entre os anos de 2003 a 2013 nas duas principais plataformas científicas brasileiras, LILACS e SciELO
Brasil, sobre o tema da depressão masculina, levando em consideração a contribuição que os estudos
das masculinidades pode apontar para o campo da saúde mental.
Quatorze dos 17 artigos encontrados tiveram como foco a comparação epidemiológica da
ocorrência de depressão entre homens e mulheres por meio de testagem e somente em dois estudos
as pessoas foram escutadas por intermédio de entrevistas. A maioria dos artigos tratou da população
idosa: 11 dos 17 artigos abordaram os/as velhos/as, em que nove deles focaram somente nessa
população e dois deles incluíram todas as faixas etárias, exceto crianças. Por fim, nenhum se utilizou
das teorias de gênero e das masculinidades para a análise teórica e metodológica.
Como apontado, os sintomas descritos nos manuais de classificação diagnóstica têm sido
questionados por seu enviesamento de gênero. O exemplo mais claro, nesse caso, seria a detecção
da tristeza pelo choro, a qual ocorre com mais frequência em mulheres. Isso coloca em evidência a
necessidade de se questionar a variabilidade de suas expressões, mediadas em nossa cultura, pelos
valores e ideais de gênero. Como foi visto, pela imposição de uma masculinidade hegemônica,
garantida pela violência entre os pares, a maior parte dos homens desaprende cedo a chorar na frente
de outras pessoas, ou a demonstrar qualquer fragilidade. Isso já levantaria a questão sobre quais
seriam as formações sintomáticas privilegiadas nos casos de depressão masculina e se elas são
contempladas nas listas dos manuais de classificação diagnóstica.
Os fatores correlacionados nos artigos com os casos de depressão masculina sugerem a
participação dos valores e ideais de masculinidade, tais como: estar solteiro, separado, divorciado ou
viúvo; classe social e idade. Possivelmente há razões gendradas que levam a maioria dos homens que
estão solteiros, separados, viúvos ou divorciados, bem como com a idade avançada na velhice (em
que há maior perda laboral e sexual) e de classe social mais baixa, a apresentarem sintomas
depressivos.
Antes de finalizar, faz-se necessário apontar dois limites da presente pesquisa: o primeiro deles
trata-se da existência de artigos sobre o tema que podem não ter aparecido nessas plataformas por
terem sido publicados em revistas a elas não indexadas; e o segundo limite se deve à possibilidade do
uso de outros descritores que não foram considerados neste estudo. Assim, apesar de o levantamento
ter utilizado 72 combinações possíveis de descritores, pode ocorrer que algum artigo tenha escapado,
pelo fato de o/a autor/a ter escolhido outros descritores.
Sugere-se, a partir dos artigos encontrados, que, para se compreender o sentido das correlações
da depressão com fatores associados, faz-se necessário que se realizem mais pesquisas qualitativas,
com a criação de um espaço de escuta clínica, na qual sejam considerados os aspectos subjetivos das
masculinidades e suas diferentes interpelações nas diferentes fases da vida dos homens.
Referências
Amantino, M. & Freire, J. (2013). História dos homens no município do Rio de Janeiro, Brasil. Cadernos de
Brasil. In M. D. Priore & M. Amantino (Orgs.), Ser Saúde Pública, 24(10), 2334-2346.
homem... Ser escravo (pp.15-48). São Paulo: Unesp. Badinter, E (1993). XY. Sobre a identidade masculina. (.
Avanci, J. Q., Assis, S. G., & Oliveira, R. V. C. (2008). M. I. D. Estrada, Trad.). Rio de Janeiro: Nova
Sintomas depressivos na adolescência: estudo sobre Fronteira (Original publicado em 1992).
fatores psicossociais em amostra de escolares de um Batistoni, S. S. T., Neri, A. L., & Cupertino, A. P. F. B.
(2010). Medidas prospectivas de sintomas
depressivos entre idosos residentes na comunidade. Lutz, C. (1985). Depression and the translation of
Revista de Saúde Pública, 44(6), 1137-1143. emotional worlds. In A. Kleinman, B. Good (Orgs.),
Borges, L. J., Benedetti, T. R. B., Xavier, A. J., & D’Orsi, Culture and Depression Studies in the Antropology
E. (2013). Fatores associados aos sintomas and Cross-cultural Psychiatry of Affect and Disorder
depressivos em idosos: estudo EpiFloripa. Revista de (pp. 63-100). Berkeley Los Angeles London:
Saúde Pública, 47(4), 701-710. University of California Press.
Botti, N. C. L., Castro, C. G., Silva, M. F., Silva, A. K., Maluf, S. W. & Tornquist, C. S (2010). Gênero, saúde e
Oliveira, L. C., Castro, A. C. H. O. A. D. et al. (2010). aflição: abordagens antropológicas. Florianópolis:
Prevalência de depressão entre homens adultos em Letras Contemporâneas.
situação de rua em Belo Horizonte. Jornal Brasileiro Medrado, B., Lyra, J., & Azevedo, M. (2011). Saúde do
de Psiquiatria, 59(1), 10-16. homem em debate. In R. Gomes (Org.), ‘Eu Não Sou
César, K. G., Takada, L. T., Brucki, S. M. D., Nitrini, R., Só Próstata, Eu Sou um Homem!’ Por uma política
Nascimento, L. F. C., Oliveira, M. O, et al. (2013). pública de saúde transformadora da ordem de gênero
Prevalence of depressive symptoms among elderly in (pp.39-75). Rio de Janeiro: Fiocruz.
the city of Tremembé, Brazil: preliminary findings of Ministério da Saúde (2008). Política nacional de atenção
an epidemiological study. Neuropsychol, 7(3). integral à saúde do homem. Princípios e Diretrizes.
Coelho, C. L. S., Crippa, J. A. S., Santos, J. L. F, Pinsky, Brasília: Ministério da Saúde. Recuperado em 01 de
I., Zaleski, M., Caetano, R. et al. (2013). Higher abril, 2015, de
prevalence of major depressive symptoms in http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_na
Brazilians aged 14 and older. Revista Brasileira de cional_atencao_saude_homem.pdf
Psiquiatria, 35(2), 142-149. Oliveira, M. F. D., Bezerra, V. P., Silva, A. O., Alves, M.
Connell, R. W., & Messerschmidt, J. W. (2013). D. S. C. F., Moreira, M. A. S. P., & Caldas, C. P.
Masculinidade hegemônica: repensando o conceito. (2012). Sintomatologia de depressão autorreferida por
Estudos Feministas, Florianópolis, 21 (1), 241-282. idosos que vivem em comunidade. Ciência & Saúde
Coletiva, 17(8), 2191-2198.
Costa, A. B. & Zoltowski, A. P. C. (2014). Como escrever
um artigo de revisão sistemática. In S. H. Koller, M. C. Pereira, F. P. (2014). “Seja Homem”: Produção de
P. de Paula, & J. V. C. Hohendorff (Orgs.), Manual de masculinidades em contexto patriarcal. Curitiba, PR:
Produção Científica (pp.55-70). Porto Alegre: Penso. CRV.
Cunha, R. V. D, Bastos, G. A. N., & Duca, G. F. D. Petticrew, M. & Roberts, H. (2006). Systematic review in
(2012). Prevalência de depressão e fatores the social science: A pratical guide. Malden, MA:
associados em comunidade de baixa renda de Porto Blackwell Publishing.
Alegre. Revista Brasileira de Epidemiologia, 15(2), Phillips, K. A. & First, M. B. (2008). Gênero e Idade –
346-354. considerações no diagnóstico psiquiátrico: agenda de
Damião, N. F. Coutinho, M. P. L, Carolino, Z. C. G. & pesquisa para DSM-V. In W. E. Narrow. et al (Org.),
Ribeiro, K. C. S. (2011). Representações sociais da Capítulo 1 Introdução (pp. 3-5). São Paulo: Roca.
depressão no ensino médio: um estudo sobre duas Pinho, O. (2014). Um enigma masculino: Interrogando a
capitais. Psicologia & Sociedade; 23 (1): 114-124. masculinidade da desigualdade racial no Brasil.
Fanon, F. (2008). Pele negra, máscaras brancas. Universitas. Humanística. 77, 227-250.
Salvador: EDUFBA. Rocha, T. H. R., Ribeiro, J. E. C., Pereira, G. D. A.,
Ferreira, P. C. S. & Tavares, D. M.S. (2013). Prevalência Aveiro, C. C., & Silva, L. C. D. A.-M. (2006). Sintomas
e fatores associados ao indicativo de depressão entre depressivos em adolescentes de um colégio
idosos residentes na zona rural. Revista Da Escola de particular. Psico-USF, 11(1), 95-102.
Enfermagem da USP, 47(2), 401-407. Shear, K., Halmi, K. A., Widiger, T. A., & Boyce, C.
Gonçalves, V. C. & Andrade, K. L. (2010). Prevalência de (2007). Age and gender considerations in psychiatric
depressão em idosos atendidos em ambulatório de diagnosis: A research agenda for DSM-V. In W.E.
geriatria da região nordeste do Brasil (São Luís-MA). Narrow. et al (Org.), Sociocultural factors and gender
Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, 13(2), (pp. 65-79). Washington: American Psychiatric
289-300. Association.
Justo, L. P. & Calil, H. M. (2006). Depressão: o mesmo Siqueira, G. R. D., Vasconcelos, D. T. D, Duarte, G. C.,
acometimento para homens e mulheres? Revista de Arruda, I. C. D., Costa, J. A. S. D., & Cardoso, R. D.
Psiquiatria Clínica, 33(2), 74-79. O. (2009). Análise da sintomatologia depressiva nos
moradores do Abrigo Cristo Redentor através da
Leite, V. M. M., Carvalho, E. M. F. D, Barreto, K. M. L., & Escala de Depressão Geriátrica (EDG). Ciência &
Falcão, I. V. (2006). Depressão e envelhecimento: Saúde Coletiva, 14(1), 253-259.
estudo nos participantes do Programa Universidade
Aberta à Terceira Idade. Revista Brasileira de Saúde Welzer-Lang, D (2001). A construção do masculino:
Materno Infantil, 6(1), 31-38. dominação das mulheres e homofobia. Revista
Estudos Feministas, 9 (2), 460-482.
Lima, M. T. R., Silva, R. S., & Ramos, L. R. (2009).
Fatores associados à sintomatologia depressiva Widiger, T. A. & First, M. B. (2008). Gênero e Idade –
numa coorte urbana de idosos. Jornal Brasileiro de considerações no diagnóstico psiquiátrico: agenda de
Psiquiatria, 58(1), 1-7. pesquisa para DSM-V. In W. E. Narrow. et al (Org.),
Gênero e Critérios Diagnósticos (pp. 124-134). São Zanello, V. & Gouveia, M. (2016). Psicopatologia e
Paulo: Roca. racismo. In: LEMOS, F.C.S; GALINDO, D.;
World Health Organization [WHO] (2012). Depression: A BICALHO, P.P.G.; FERREIRA, E.T.A.; CRUZ, B.A.;
Global Crisis World Mental. Health Day. Occoquan: NOGUEIRA, T.S.; NETA, F.T.B.; AQUIME, R.H.S.
USA. Recuperado em 20 de outubro, 2014, de (Orgs.), Práticas de judicialização e medicalização
http://www.who.int/mental_health/management/depre dos corpos no contemporâneo (pp.63-71). Brasília:
ssion/wfmh_paper_depression_wmhd_2012.pdf CRV.
Zanello, V., Macedo, G., & Romero, A. C. (2012). Zinn-Souza, L.C., Nagai, R., Teixeira, L. R., Latorre,
Entrevistas de evolução psiquiátricas: entre a doença M.R.D.O., Roberts, R., Cooper, S. P. et al. (2008).
mental e a medicalização. Mental, 17, 621-640, 2012. Factors associated with depression symptoms in high
school students in São Paulo, Revista de Saúde
Zanello, V. (2014). A saúde mental sob o viés de gênero: Pública, Brazil, 42(1), 34–40.
uma releitura gendrada da epidemiologia, da
semiologia e da interpretação diagnóstica In V.
Zanello & A. P. M. D. Andrade (Orgs.), Saúde Mental
e Gênero. Diálogos, Práticas e Interdisciplinaridade Recebido em 12/05/2016
(pp. 41-58). Curitiba: Editora Appris. Aceito em 13/08/2016
Zanello, V., Silva, L. C., & Henderson, G. (2015) Saúde
Mental, Gênero e Velhice na Instituição Geriátrica.
Psicologia, Teoria e Pesquisa, 31 (4).
Naiara Windmöller: psicóloga, mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica e Cultura da
Universidade de Brasília.
Valeska Zanello: professora adjunta do Departamento de Psicologia Clínica, na Universidade de Brasília. Orientadora
do Programa de Pós-graduação em Psicologia Clínica e Cultura/UnB.