Cosmopoéticas Do Refúgio (2020), Dénètem Touam Bona
Cosmopoéticas Do Refúgio (2020), Dénètem Touam Bona
Cosmopoéticas Do Refúgio (2020), Dénètem Touam Bona
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o~rerro . 2020
(IJ$:!.,pœtf<as rio~ Oért€tan foœm Booa. 2020
§Cl!!rura e ~ ~JO
11A.'t'l :il ~ ,e Niur!Î:S lo- Cà: 6Er.:rto iJ€ Seaai 15 b Moct Sl1I la pœge d-e fÀiml, Bénin, 2012-
~ ~i::cœs- Crèl:l ç N:oo to eato-Ci.--«ttS'J" oi Oomï.,iqœ Rat
A arte é a força de Jaur a realidade dizn O q;.u tw r...ir,
terùz conseguido diur por sew Jmiprio-s mn..t>S ,r.L. (7"':,
~- .::i:..~ èa CL'îtr ~ c, pr,ie rl-1 sm.. 83 raz p,:rte do l:t«mn - "a bumnha do todfJ o caso, o que eh1 perigava deixar n:>l1.m t.zn...71;c,;~
~ : - i:c:..: ~\-.f.: ;.. aB ~~ era Umm flnl oo séœlo XYill pelos desœndemn
mi silêncio (. .. ) exijo um outro centro do mr.u;dQ. , :.._'T.;_:
.:c; cr:si'ër:5 ~ 1'E::.- 6: Eêtia :êê rn::.4a oo c6è da .~,ra, E I1iœ.11 cnamados aquœs. Em
,~iG?.. S2:k i.Kü.6 ::;: ~"E, .::s i::~ oo b!oora.1RZ::111 R'tt.-er arelaçào de pod~ entR desculpas para nomear, outras manàras de r'5}'!T.:7 ..
S=:CU:Së~L'.:S ~ 'i8""'2Œ- œ:'.n ŒS ~-ts f:;:e!as ~ œsc-cf1Ôà115 œem'ltlS e porque ser poeta, hoje em dia, é querrr, t"o m ~ .i; ~-;..;;:;
je _,,.-, ➔ r-x œ. ~-tG, ~ra ra~ e ~ SO'ii. fi fma de fratiia erilR Sè!lhoœs forças, corn tot!L1 sua alma e t(}a.; )'11..J (.:nu
=:S:.?1~ :µ .::a:::,:: .: s.ü :d:dè tr::_si_è n x GCT'œ œ fu. Ba perdma até ~ oo intenor
face aosfuzis, face ao dinheiro que wmbem se tQnu :.."!:
Z :;:oiie; Cl:n:Fs ~ :;Œ GŒ Ei O."ta.<ë s:.B ~ ê l0l 0053 transgredHa, Ôolte œ
q::E x :DT2? !Ci:, 2;).-:"I~ ~ E srœ!. t5S3 m:x,ïfia f:mr flca \isfrel 00 bourim: fuzil e sobretudo face à verdade rrcebid.i, sub" .J cr,1,.;.,;
llil= ::. 2 ; l'i"R.. 2; 0=..~ :5 •.jY. ~ os sa-.\T. cS ~ ~ rnkM'affiffite pelas nos, poetas. temos auw n·u çM d< rr..:.•.._~
~-..:6 :5: :s:2!'3 ~ i.::~ d: pêi:êrs.mtiaooa œtK:'ÎIDS carM~ que nenhum rosro du rralitluu J,,..a•-:_;-:.:
!ooila lo Calzo seja empurrado para bé.,·o do silinâo di Hl.! :i r_:__
extremo, os ambientes de vida, estimulam inevitavelmenre - uma imersâo ainda maior em c .... , sei,>,
·- -- - -- propoe, fm ~u ~
-"-U
a e_roliferaçâo de agences infecciosos tante para as plantas rnauiz cibernética: nossa salvaça.o esta.ria num n.mr;r,
(fungos, parasitas, etc.) quanto para os animais ("gripe · d o, 1· sto e', contactle..i·s. "Os human~ Qf)
irnuillza - i:~r;;-;
a~i~ii', '\ac~ louca", ~te.) _ e para os humanos (Sars- biol6gicos , as mâqu.i nas nâo('', dedarava uiunfalme-r.·;::.
CoV, Mers-Cov, Ebola, etc.). Impondo aos ecossistemas ern fevereiro deste ano, Anuja Sonalker, CEO de u:;,;;_.
uma simplificaçâo r; di~ - um verdadeiro processo de empreg escadunidense que desenvolve cecnologia.s ~ '>ë'"':"'
depuraçâo biolôgica - a exploraçâo capitalista produz contato". Para além do paradoxo de precender apro--è.:-;<;.;;
,,
necessariamente ~ oddios.' Corno nota Anna Tsing, a : ~ humanos por meio de tecnologias de dis(.inci.ir..n;:o
plantation é concebida "para eliminar todos os seres que esse future smart prometido para nés,
nâo possam ser idenrificados corne possiveis ativos", isto
é um futuro que alega se r e:x:e-cutJdo po,
é, corne recursos potencialmente lucratives. E, assim, as
"inteligência arcifi cial", mas n.1 ve rd.:1:d~ ,
ecologias simplificadas da plantation se tornam o "suporte mantido em fun cionamenco por dacnJ.;:i
de novas ecologias de proliferaçâo, que geram a propagaçâo de milhôes de crabalhadorcs Jnonimo.;;.
irrefreavel de doenças e poluentes".2 A emergência do escondidos em armazéns, ct·n cros .le
Sars-CoV-2 em Wuhan demonstra claramente que a dados e moderaçao de conreudo-s, fubn .. ~~
escravizantes de eletrônico s, min.is de 1.i~h-'
fronteira entre florestas , plantations e metrôpoles estâ
fazendas induscriais, fri gorificos c pri-«">,
prestes a desaparecer; o que sô faz favorecer as zoonoses, onde sâo deixados despro rcgidos de: doc n"!..1.:.
bem como sua disseminaçâo acelerada em escala global e hiperexploraçao. 4
por meio das redes de transporte cada vez mais râpidas - '? Em suma, o "e-fu tu ro", acrâs da tcb Jç h.tm.1-i.1 J0
e interconeccadas. E a extinçâo dessa fronceira significa clean, do soft, do smart, do "desma tcüal i.L-1.do· . tc-n nu..:i- Jo
simplesmente a excinçâo do "fora" (o latim foris estâ na que nunca como combustivel a "·e-scravid..îo". l'"'>c m.1.n .:- 1rJ
raiz de "floresca"). Encâo, corne escapar, onde encomrar que as fronreiras de gê nero, de rli..~e, de· -r .l\_J ~. t'1-.'. (c r-l\.'1
refügio?
refo rçadas e, sobrerudo . bem nuis in ,i1.ltt"-b.
Face a essa pandemia inédita e à asfixia por ela Querendo ou n5.o. j:1 c-,.;cJnh),, c' n~.t p J'-\S n.1 ~b...1uHu
provocada, o Capitalisme Mundial Inregrado 3 nos do vivo" , co mo proclanu unu d.t~ puhl i\."..l~·ô<S J'-1 Œkri\'O
8 DÉNÈTEM TOUAM BONA 9
de secundaristas Contrafilé, que cive a oportunidade de de vocês é ridicula demais. 0 barco esta fazendo
encontrar durante uma estadia em Sao Paulo. 5 É bem igua. Vocês ainda podem fazer ouvidos moucos
possfvel que, em nossas futuras lutas - lutas por um mundo diante do cataclisma ecol6gico, ainda podem
esconder a gangrena econ6mica e di.ssi muiar a
nao mais governado pelo medo do outro, pela predaçao
dimensâo do desarranjo social , mas a morte do
e mercantilizaçao generalizadas - tenhamos de aprender pensamento espreita vocés, o fim do son.ho bare
alguns subterfugios corn aqueles que, até bem pouco à porta, pois seu desenvolvirnenw é mo ralmenre
tempo, eram qualifi.cados de "selvagens" ... É assim que toda insustentivel, suas econorn ias do desperdicio
sâo injustifi.civeis do sim ples po:1co de ;;isra
a obra de Sony_L~bo~ '!'~si, esse grande poeta kongo que
da razâo. No triplo piano moral, ecolo~ico e
sempre colocou sua escrita a serviço da vida, nos convida a
l6gico, o Norte meteu nosso planeta na direçao
um trabalho de ana.lise e de imaginaçao: contra a necrose de um suiddio coletivo. (... ] Ch~ -nos a esse
das ditaduras e conformismos, contra o desmatamento, momento crucial em que é precis; aprender a
contra o esfumaçamento generalizado de Gaia. reinventar tudo: os conceitos, as ahordagens, os
hibitos, os mécodos, as ferramem as. as ~naçoe$-.
Senhores, gentes do Norte, seu os espaços ... tudo , hoje, deve ser reinvemado. t.
desenvolvimento nos custa caro a {mica possibilidade que nos resra p:1ra evitar
demais. Chegou a hora de mudar esse o ~ moddio' de nosso planera. Po~que rncè-.s
desenvolvimento. Vocês nao têm mais nâo dao nenhum tempo ao te mpo. nenhum
ouvidos para escutar isso. Nao têm mais espaço ao espaço e nenhu ma chance à sob revid:1
olhos para ver isso. Nao têm mais sonho do fututo , vocês matararn o neces-sario em prol
para encarar isso. Mas nosso dever é dizer, do bom andamento dos su pértiuos. Em um:1
corn toda a força que nos resta, que ji palavra, o progresso de ,·octs st· resume em
basta terem nos roubado cinco séculos (... ). termos de assassinato da necessid.11.1e p.1n os bo ns
Corno estivemos esperando pela queda do oficios do supérfluo. A qu:.rnr in1..'1\--.ÎO dè rndo os
Muro de Berlim, esperamos a queda do tornou surdose cegos l vid.1 . .-\ mon t' $ è rornou
desenvolvimento. 0 consumo nao tem seu ùnico deus. lr dpido n.'io impo n.1 ao nde.
porque ser Deus. É babaca demais para viver nâo importa coma . n.io irn poru par ..i què. é
duzentos anos. Moralmente, esteticamente, esse todo o sem ido profundo d.1 civili zaçâo que
nos enfiaram god:i :ih~üxo , fo r.1 de coda form a
racionalmente e humanamente, a babaquice
10 OÉNITEM TOUAM BONA
de razao, de inteligência, de conhecimento _ 0 vegetal, o min eral , a igua,. o ar, a.sondas magnét _ se
e de cultura: chegamos ao século do "jeter-
correspondem, se entrelaçam e for mam um !!nteo / mesmo
aller"6. Vocês esqueceram que o tmico sonho
que nos ~est~p~ra sonhar é o da sobrevida de cosmos. A cosmopoética é a forma primeira 4' ecofogia.:
um futuro gotavel". uma ecologia dos sen tidos e da imagine-a_çao pela qual
Car/; feJ;;da às gentes do Norte e Companhia pajés, ngangas, mâes de sant~, bruxa.s neopagas- e _ourros
(exuatos), Sony Labou Tansi, 1992.
mestres do invisivel estabelecem um di.ilû'io obscuro
- ù •
Corno falar do futuro a seus filhos? Corno na.a lhes œcido de metiforas, corn o conjunro de rudo que ,ibra.
causar angustia, paralisia, asfixia, sem ter de mentir ou Para evitar qualquer mal-enrendido, ~~o qut'
esconder a cara... Se devemos encarar o estado alarmante cosmopoética nâo é nem um fetiche ne:m uma .:n.irca
de nosso planeta e de nossas sociedades, na.a é para ceder registrada, apenas um rermo, ~m rt:od? enm: outros dt
ao fatalismo, mas, pelo contrario, para reabrir o horizonte. a_p~ ntar para uma outra relaçâo corn o mundo <;ul! ?rivi!egïe
A poesia é celebraçao da terra, celebraçâo do céu, a escuta - o sentido das resso nàncias e das corn..":'i:'\. --:J~- .. --1.~
~ ,
celebraçâo do cosmos. Um grande Sim à vida. Mas é - mais do que a visâo. E o privilégio exces:sn-o .:on..:-."th,fo
justamente esse Sim que nos obriga a dizer Nâo. A dar pel;-O'cidente à theoria, levado ao seu paro~iimo n..1 en JJ.s
testemunho do intoleravel, do imundo, da destruiçâo do imagens de sfntese e da ''visao aumcncacLh . qltt' nos . . onduz
a perceber nosso "ambiente'' como um simp'. t'"$ ~:::n-.l!tù.
mundo: quer se trate da 6a extinçâo em massa das espécies
que pode ser modificado à vonc1dc comû 1-> i..'t'no,g_rJ..tus
vivas ou da sinistra agonia do direito de asilo.
dos jogos vircuais.
Para além de sua dimensâo cdtica, os ensaios reunidos
"" 0 devir-s.imulacro de nosso mund..-i k".1 l '-' )-.:u
nessa coletânea buscam reabilitar as potências do sonho e
parox_ismo o logocentrismo LKîd<-nul. p.1r.1 o qu~,!
da poesia: essa inteligência do sensivel que retesa o arco fris
so mence o H omem esra apco .10 lo~\_);:;.. i>to i. J p.ih, r., c ~
do possfvel. Na origem de roda espiritualidade e de coda
inreligência. Em A Qttc:d.1 di.1 ù'fl, lî.n i f,.,. o~nJ~ c~ptic.1
especulaçao teorica, esta a experiência poética: a apreensâo
co m grande proprièd,11.lt : - [O, hr::1fü.1.~l ixns~un qu.:
do mundo como totalidade viva, a intuiçâo de que codos os a Aoresra estâ moru è \ ".HÎ.1. qut· .1 ~.1 ttlfè"ZJ c~d. Ji sem
· m
elementos que nos cercam, nos atravessam e nos compoe
morin) e: 4ue ~ muda. Enc\o diiem para si mes mos que J inhnira plur.uidade dos pomos de \.l~CJ n...Îf: -ufü 1- '!';. J
podem s,: ~,podern r deb para saquear as casas~ os caminhos cosinopoéticc1 nos imerge num plurivcr~J or.du 1 - ...
e o ~1limenro dos .wtpiri como bem quiserem! u.~ Mas como cosmologias amcrindi as, alxingrne, <)U b.m,u-.. - __ ,..
alguc:tm pùdt' crer que a narureia rüo cem voi e nao rem n:io se opôe: :i realidade ; a.nce~. c0n"mu1 ,'1.t d1~ ç,....
o que dize:r. qu:rndo a primdr:.1 môsica t a da rerra! É em proni nJ:1: os concornos e c.ucgonds ~- c,, , ..<
hm,-:1o da ~tps6dia dos Yenros e <las ,iguas, dos mov imenros d :H lugar ;10 curso Jas mer.1morfo,('- . \. ), ,<1n :. . ..
do solo, dos acidenres de rdevo. da umidade e da seca, diurnos ou norurn os, J evanci0 .. 1ntimüs ot: ~ tt
qut> sào modubdo s os assobios. os esralidos. os griros, os colerivas. ofe recem .1 pos-.ihilîJ.1Jc 1._k· ctpç.·r i1' c ~- ~~
~runhidos. llS bz:u.1. da "grnnd t' orqut'srra dos ï.tnimais" ''porno de vida'' lll de um p.-i,-..u,). urn.t ,H\\)r.: ou . ~- •
(Herni e 1'.rausd. E o co njunro dcssa biofo nia fo rma uma nos despcrram ass im p,ir.1 o qw: ~t.t .w mnml 1 ·,.- r''!"•) ~: •
paisagt>tn sunor;1. unu paisagcm l'll'\ fu ga, uma paisagem e denrro de n6s. f: prim ciru pdo, '(' nho"' que f"': r
jau.. Aqui. nenhu1na parrirura escrira de :11irt·miio, anres que s6 poJ emos vivcr crn rd .t\J\> 1.orn ourr 1, 1 •r ·
um itn prov iso. um a v:u·ia~·âo con d nua, a do prôprio vivo. te rrestres.
/\ vida é artisra. d1.: modo que as vercbdes so fozem semido '-' Ao cla m:u por um.1 Clhlllüf')(,,. :t1 .. . 1 J,, n.·r~ ' ~_.
se resti tu{<las a cssr moviml'n tO perpérno de criaçfo. Eis pretc ndo in vc nur 11.1d .1 . ' ll fJ\'-' rt:ft' m.i r 1 r: ,i.:u
prn:yu r f:dlluard G liss:1111 , cssl' grandl' hardo d:1 Manini<:a ! aprlo de Sony 1~tbn u ï :111\1 le Je rnu1t1..•, ouuu.-. ~m.:•~-...:
yuc (,11\lou as pa is:tg.l.' 111- do arquipél:t go. declar;1que "~a<la <lm; 111ov imcn1Cl, d cl ll lP nlJI\ c n.tlttm1n 1i-L.J.., .i: -r
r: Vc-rJ adcirn, tud(l é vivo''.(.'' l udo: lh cnn u ·i1 0, ..t, JhorJ u:{·n,. iq tub1 · ~ .,.
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de' rx.plr:11,:10 d:1l,inslt· r., d1.1111.1d., '1 t•rr;1. l'u r lcv,,r c111 C1ll 11 ·
COSMOPOÉTICAS DO REFÜGIO 15
COSMOPOÉTICA DO REFUGl0 11
riqueza. Trara-se para a comun id~de marro ? _d_~ afastar 0 escravagista é um sistema de caça ao humano. E O senhor
risco da formaçâo em seu seio de um poder separa do dela _ isto é, segund o Marx, o capital , cujo primeiro servido r e
pr6pria: a domin açâo de um aparelho estatal0 ·- 0 Estado, aparenta-se ao vampiro que sé se anima ao su22.r
,im 1> i1>1cm;i cr.ircmamcntt igualitârio: aqudc <JUC comanda ~ .o garan tir a sincronia dos gestos, a cadência regular
u c<,qwu.lrâo (:. 0 Jnno do campo. A roraçâo doll campos leva dos csforços, o alinhamen to coreografico dos corpos,
en tâ<> ~ m Laçâo do comando.
0
ricmo p roduz a comunidade fraternal dos ~ Essa
Em fi la! - gri wvam os chcfcs de grupo. cradiçâo d o crabaJho dançado e cantado assumTu; no sui
dos Escados Unidos, a fo rma das work songs, matriz do
() acompanhador An roin e passava a tiracolo
a bandolcira do ra mbo r, Bienaimé ocupava blues. Trabalhar junto é parcilhar uma pulsaçâo coleciva,
bCU posro de: comando à frcnre d a linha dos vibrar cm unissono, comungar num s6 canto. 1 /
scus homens. Antoine prcludiava corn um as
Essa sociedade recusa as estruturas sociais
curcas pancadas; dcpois o ritmo crcpi tava
que podem desembocar cm estruturas
sob ,;eut, dedos. Num impulsa un ânimc, d es
d e poder [...l . Ela enconcrou no ritmo a
crguiam as cnxad as. Um relâmpago feria o
ferram enra ideal para fazer surgir modos
fc.: rm ; po r um scgundo, os homens brandiam
espontâneos e imediatos de organizaçâo,
um arco- fris.
que tornam possivel o controle tanto da
A voz do acompanh ador subia rouca e forte: produçâo material quanro do sagrado. 25
. musical e misrica. Ao cair d a noire Essa visao ecoa a cos mologia amerf nclia:
c.u npo num a paisagem '
. d d "d m ad rugada" (sociedades de trabalho)
a.s soc1e a es a Omama re m sido, clcsdc o primeiro tempo , o
cormam em confrarias vodus; o transe
po r vezes se rran Sn . . ' cenrro das palavras que os brancos chamam
ellc âo ao Jabor diurno. Dos coumbttes as de eco logia. É verdade! Muito a ntes de essas
no ru rn o suced e
. . n1as
cenmo • m,'sc,·cas , uma mesma ritmica se propaga, e palavras exisrirem e ntre eles e d e com eça re m
a repeti-las cantas vezes, jâ es tava m em n 6s,
corn e la um a m esma cosmovisao afro-diasp6rica: uma
e mbora nao as chamâssemos do m es mo
c.on cepça-0 do mundo que se conrrap6e, ponto por ponto ' je ito. Eram, clesde sempre, p ara os xamâs ,
aos valores d o sisrema capitalista (propriedade privada, p a lavras vindas dos esp fritos , para defende r
busca do Ju cro, erc.). A dispersâo a1eat6ria do habitat, a a Aores ta. [ ... ] Na floresra, a ecolog ia somos
extrem a mobilidade dos lavradores, a relaçâo c6smica com nos, os bumanos. Mas sao também, canto
quanto nos, os Xapiri, os a nim a is, as :i rvores ,
a rerra . 10do um co njunco de elementos toma a culcura
os rios, os peixes, o céu, a c huva , o ve n ro e o
dos cam po neses hairianos um a resposta formidavel ao sol! É tudo que veio à ex is tê nc ia na Aores ta,
~isterna de p&ntation. Longe d e se resumir a praticas de longe dos brancos; tudo o qu e ainda n i o ccm
m agia negra'' o u a supersriç6es, o vodu envolve uma cerca. 28
e\pi rirualidade (nâo emprego a palavra religiâo por nao Corno nos mostram as palavras do pajé c lidcr inJ1gen ~1
:.cr ;i mais adcg uada, devido à ausência de dogmas, à da Amazônia, Davi Kopenawa, para os p o vos n a tivos c p ara
piJ..>11<-idadc dos ri 1uaü, etc. ) e um a relaçao singular corn o a m aioria d as co munidadcs tradic ionais d o Sul, a c..:co logi:1
mundo, a rn ;11riL de u rn a agri culcura c6smi ca: h e rdar um nao representa um sabe r teé rico, um <liscurrn M.:par:1<.lo do.,
um po c na ,·a <lade h erd;1r os /wm.:"' que o habicam, os dcma.is asp ec ros d :i. vid a . "As pa l.av ra~ (d a cco lo g i.1) l.. .J
t.'.111Ù,( \c:-rc.Lidc-i ro:-. prop riedrios d :i terra . 0 vod u consrirui ja es tavam e rn n 6s" : a c..: co lug ia nt·sst Lipo de..: -'tKÎ t·t.Lttk t
urr1.1 cr,,lor u f)(_)l iriu, pui) im-1:.iu ra um::i reb çao de aJ iança irn a nc nre , <: indi\\Oc i:ivd do~ ~c..:.s to, tna is corriqut·i ru., . O-'
cnu~ ·1' ,omtJJ1id.1do t1uc- bvr.1m a le rra e o arnbieme de: <l.t j.trd inage m . d a pe:-.t.J, d a ( a\'a : t·x p n:,._.1-.,v no pr1)pri1,
vidJ ~le- ' /U r I(• 111 '> J c.· vc:-r J c: ( tl Î(br, pdo dd Jogo com JS modo d e '>é" d n ln<.: a r 11 :1 tl orl:, ta, u1 1d1: r.11n .1r p.11 .1 .1.... 11l.rnu,
pLnt.i ~c u,11, u ~ r·l c· n ie n f ch . OU jl.l r.l O\ t:", ririw, -,1ni 1n ,1Î\ .
COSMOPO(TICAS DO REFÜGIO 27
26 DMTEM TOUAM BONA
No Haïti, a insrituiçâ.o do !akou ou deman bré constitui pelo esforç o que lhe sera dema ndado . [...]
uma das expressôes mais poderosas da ecolog ia marron. O lenha dor preste s a derru bar uma arvore
bace prime iro no rronco corn o dorso de seu
Trara-se de uma porçâ.o de terra famili ar que nâ.o pode
mach ado para avisar a alma que o habita e
ser vendid a, dividida, desme mbrad a nem transformada Ihe dar tempo de sair. [... ] Ao lado da "gran de
em propri edade individual, porqu e esta ligada aos fwa alma da terra" (gâ nâm tè), cada camp o é
.A
heritaj - os ancestrais e divind ades tutela res da familia------- anima do por um espiri to que, agind o sobre
-v,,,..____,, as planta s, garan te sua fertili dade. A alma
vinculaçâ.o da familia campo nesa a uma territorialidade da terra nâ.o é imate rial, o lavrad or que, em
ancestral consti tui, no Haïti, a mais poder osa ferramenra pleno meio- dia, trabal ha seu camp o pode
de aurodefes© :ontra os processos de cercam ento, de sentir sua presen ça como uma brisa em seu
privatizaçâ.o, de apropriaçâ.o capita lista das terras. A rosro e perce ber sua somb ra se per.filar atras
dele. 32
ecologia integr ada do vodu se manif esta també m nas lutas
30
conremporâneas de alguns coletivos haitia nos que buscam No livro Gouverneurs de la rosée, public ado em 1944,
o escritor comu nista haitia no Jacqu es Roum ain destac a o
criar ou reativar florestas sagradas: rearm ar a nature za pelo
1 alcance ur6pic o das sociedades de rrabal ho do Haïti, cujo
seu re-enc antam enro. 3
modelo politic o e social ele sonho u, por algum tempo ,
A nanm [alma , força cosmi caJ das planta s
generalizar para rodo o seu pais:
é conce bida de modo mais pesso al do que
a dos demai s objecos. Os "dout ores-f olhas" Entâ.o, que é que somos nés, os colon os,
[rezadores ou curan deiros J aprov eitam a negro s descal ços, despre zados e maltra tados?
hora em que pensa m que as planta s escâ.o [... ] Se é uma pergu nta, vou dar a respos ta;
adorm ecidas para delas se aprox imare m e pois somos este pafs e ele é n ada sem nés,
colh ê-las bem devagar, para nâ.o assust arem nada de nada. Quem planta , quem rega,
sua nanm, Ao arranc a-Ias, murm uram : quem colhe? [... ] Mas sabes por que, irmao?
"levan te-se, levante-se, venha curar um Por causa d a nossa ignorâ ncia: nao sa bemos
docnc c, sei qu e você es ra dorm indo, mas ainda que somos uma força, uma força
preciso de você. " Tèm o cuida do de deixar ùnica : rodos os camp oneses, todos os neg ros
ao pé do arbu sto algum as moed as que d as pl an fc ies e d os morro s j unros . Algum
rcprcsen1 ::i m o pagam cn ro oferec ido à alm a
COSMOPOÉTICAS DO REFÜGIO
28 OÉNÈTEM TOUAM BONA
dia, quando a gente meter na cabeça essa escravagisra que se esforça em converrer os humanos em
verdade, nos nos levantaremos de um canto gado para as plantations. ~e ~ to, 5)/ doc~m_::1t~s_d~ época
a ourro do pais e faremos a assembleia geral nao descr~':'<:m c_<?rp9s nus, masso.c;pos:Hier6glifos,, corpos
dos donos do orvalho, o grande murirâo dos
coberros por motivas ind~l,éveis. Uma descriçâo, entre
rrabalhadores da terra, para acabar corn a
miséria e plantar a vida nova. 33
--- ---'- -- -
outras: " ~~ s!..n tan_d9 m~rc~s _c;l2..p~ s .9.~~rmam
"!.~ ~ ?.9f<:-qdaJ ado q_o_ peito." E~ ~scarifica_çôes
0 "dono do orvalho" ("mèt lawouze") é o responsa.vel
sa~ {micos tr_aços visiveis que~os dep9~ca1.9s subsaa~rianos
pela rega, o que esta encarregado de distribuir a a.gua e
conser~~ ... d f sua,..ter:ra natal: uma carrografia e~istencial
de repartir entre lavradoras e lavradores os trabalhos de
gravada na propria pele. 0 ~ ~ o- e~cé!,rifjf~do ~ corpo-
irrigaçâo na comunidade. Esse personagem encarna um
me~or~a: superficie onde se de.:'dobra a escrica de um
ideal de justiça, de equidade, de solidariedade e de vida
povo, o relato singular de uma vida, a genealogia de um clâ.
em harmonia corn a narureza. Corno pressupôe uma
Nos sulc~ nas f<:_I]-das, no relevo acidencado_de s~a carne,
organizaçâ.o autônoma e igualitaria, oposta ao regime
o nègre_ enconrra_ra s_~mp~e a certeza de sua humanidade: de
disciplinar da plantation, a ritmica mistica do coumbite terâ
onde vem e quai é sua historia.
contribuido para a gênese de um Haïti marron: o efll..3n .,., -
Mas a essa escrita em carne viva se juscapôe uma
~ o pa is de fora.
marcaçâo invisivel, mais intima, que opera na junçao
A libertaçâo do escravo exige um verdadeiro desenca- encre o espirico e a carne: a tatuagem rfcmica dos corpos
deamento afro-diasporicos. A memoria do corpo nâo é escacica, é
mocora, di'2âmica, so ~ atualiza em g~sr; s, em p ~sturas ,
O s nègrer3 1 sao "migrantes nus", nos recorda o
numa série de praticas corporais tais como a cbnça o u a
pen sado r da Ma rrinica É<louard Glissant: mulheres,
cri anças c hom<.: ns nus c rcduz·d mùsica. Os riunos do Aclâncico negro s.e confundcm
1 os a, " v1.d a nua,, -
muicas vezes
- com a _prnpna
' · rep cttçao
· - d· o n\lto:
· sua
esrri ramenre biul6gica - do vcn· Ire d o nav10
· negreiro.
· No
enra nt o, 1,an.:cc lJUC , <.I<.: ~ cl e.
a rualizaçao ricual. As ce rimônias do cando mbl ~. do vodu
o cm l)arqu e , a Igo m . scnro
. nos
corpos cenh a rè~Î~ti do ou da santerja resre ml1nh~m i:-so: '\.:;1<.b divind~u.k cem
. · •
,H l CJJc., 11t1 d ~1m<:: nto, ao apagamenro
d1' mem6· rr·a, a' '.lum 1, 111caç;'jo,
·r ~e u~ m o rivos tamborilados, lnf-init.11rn.·m1.: rl: pl;'. tid'-)s, qut:
;1 ioda l'.S~a feiri ça ri,1
z
COSMOPOÊTICAS DO REFÛGID 31
30 oMTEM TOUAM BONA
,
.
consnruem
uma espécie de leitmotivs waK!J.erifmos dessa
-~ _ ·-·. __ --- - negre passa da escravidao à epifania dos deuses e deusas: "o
--:-. - _c. ··can
_ a
_" 35 Roger Bastide enxerga no ritmo a fonte rosto se transforma: o corpo inteiro se torna um simulacro
m1suca a.ir1 ·
de um verdadeiro "misticismo africano". A essa m1st1ca da divindade." 36 E o que uma divindade poderia temer?
"afro" enraizada nas ressonâncias do corpo, opôe a mistica -4o transe é uma técnica de intensificaçao dos fluxos:
cristâ que supôe, inversamente, a extinçao do corpo. Por corpo nao se reduz mais a uma coleçao de 6rgaos, se
0
meio da ratuagem rfrmica de seus corpos, é, portanto, toda transforma em onda vibrat6ria. A metarnorfose surge
uma cosmovisâo que foi trazida por esses migrantes nus das pulsaçôes dtmicas de um erotismo sagrado. 0 corpo
no porâo do navio negreiro. E as resistências negras vâo comado pelo transe é corpo carnavalesco, ut6pico, onde
se desencadear precisamente a partir da reativaçao criadora se opera a subversao da identidade, do estado civil, da
dessa mem6ria, a partir do ritmo, pensarnento encarnado. maquina binaria dos gêneros. Das metamorfoses do transe
A liberraçâo do es'=3:vo exig~ a reapropriaça~ de seu ~orpo: às transformaçôes carnavalescas, encontramos os mesmos
um verdadeiro desencadeamento . fenômenos de inversao dos papéis, de derrubada das
hierarquias, de parodia dos conformis~ e dos poderes.
As metamorfoses do transe 0 ......_______
transe implica uma ..transsexualidade ; pois os Iwas sa.o
Na origem, todo ritmo é um ritmo de corrida: o incorporados pelos hounsi37 sem levar em conta seu sexo. 38 //
marcelar dos pés sobre o chao, o martelar do coraçao dentro Tomada por Ogum, a divindade ioruba da guerra, a
do peito, o marcelar das ma.os sobre o couro estendido. É menina mais franzina brandirâ um facao à guisa de espada,
anres de rudo por m eio do ritmo que o nègre traça uma usara uma linguagero chula, gritara ao pedir cach aça e
lin ha de fuga. Propulso r de sonhos, o fraseado ritmico opera carrera atras das saias da assistência. Dominado por Erzulie
di5 ro rç6es nos proprios co rpos e no espaço-tempo. Durance F~ , o equivalente vodu d e Vênus, o rapaz m ais atlético
0
transe ri rual, o possufd o é o cavalo d as divindades. Em vai carrega r na maquiagem , trocar as calças po r uma saia c-.
rerras sub meri das à cscravid âo , esse teatro do invisfvel niio balança ndo os quadris c jogando o lhares l:1 n g uido s, encar:u
pode dcixa r de ser subversivo: no d ecorrer d a cerimôni a, os machos em busca d e um beij o ou de uma carfc i~t. Co mo
a condi ._ · · tem ct·1a n.a m c n rc a o rde n,
rra t,sgrtl . ht' tcro no rmattva
.
. çâo de cscra · vo ,~ica su sp ensa, é n cgad a, d crru ba(1a, social
abolida. Ao atravc.:ss· . 0 . ·I d . scs mis11c,Js,
. . ',
· a, cic o :1 !> m ctam orfo
32 DÉNITEM TOUAM BONA COSMOPOHICAS DO REFÛGIO 33
"consagrada" pela Igreja ( uma das matrizes da ordem a inscituiçao de zonas autônomas urbanas que
areas: d esd e
colonial), pois seu modo de vida ja pressupôe uma espécie . permaculrura e cenrro de formaçao musical
conJugam
de metamorfose, travestis e homossexuais ocupam um Casa de Cultura Taina em Sao Paulo) até o
(como a
lugar privilegiado no vodu. 39
estab eleCl·mento de uma rede solidaria de quilombos e
Mas o questionamento do dualisme dos gêneras e das comunidades subalternas, tal como o projeco Rota dos
normas sexuais nao se restringe ao tempo da cerimônia. Baobas. 4 1
Seja no Haïti, no Brasil ou em Cuba, os espaços de culto
"afros" represenram verdadeiros refügios para LGBTQ+ A sociedade secreta, a aliança noturna entre a marrona-
confrontados ao machismo de suas sociedades, bem como gem e o vodu
ao crescimento da intolerância religiosa - em especial por A comissao, informada de que enconrros
pane das igrejas evangélicas neopentecostais. Foi assim que, perigosos, conhecidos sob o nome de Vodu ,
em 2016, Erica Malhunguinho, uma artista e ativista crans continuam a acontecer, apesar das proibiçôes
que haviam sido feitas pelas autoridades
afro-brasileira, inaugurou em Sao Paulo um Quilombo
constituidas ( ... ); considerando que essa
urbano dedicado às Arces e às culruras negras, batizado de dança parece ter como objetivo lembrar as
Aparelha Luzia. 0 faco de afro-brasileiras e afro-brasileiros ideias perigosas a respeito d e um governo
conceberem espaços de criaçao e de resistência como republicano ( ... ). A comissâo delibe ro u
e decreta o seguinte: Arrigo l: as re uni 6es
qudombos atesta a arualidad e da secessao marron.
conhecidas sob o nome d e Dança d o Vodu
Ou seja, as rearivaçôes de quilombos e mocambos ficam severamente proibidas.
nâo ~e limitam às Juras em defesa dos direitos e territ6rios Trecho do BoLethn OficiaLde Sâo Domingos ( 179 7)·1 ~
da.<. wcomun idades reman escen res", 40 reconhecidas como
11
É do apclo às d eusas e aos deuses J a C uin t
herdeiras de: co rnunidades marrons ou d e comunidades
m o bilizaçâo de uma m ernôria africana mùlciph - qut' :,s
cainpon c~:l.'> cm lu ta pda a u conomia; rcdcsenham, para
n:s i~rènc ias populares afro-a m e rira n:is cir:ull sn1 1: m usi.,smo
alé-m d ::is comunidades afrodescendences, as fo rmas de
t'. sua força. Ex p criê nc ia i.:sp irirn,1I l' lll que: o l'ürpn s~
lut a, de criac,::io t d e org.a nizaçfio po pubr 11:1 s mai s v:iriad:ts
corna 1,.·-;pac,'t) ck illkia,;:t0 ~· <.k k or1 c-sa 11s (çonht<.:i m t 1no) ,
..... \.. "\'.
35
COSMOPOHICAS DO REFÙGIO
34 DE.NETEM TOUAM BONA
d.r-, ~t' III JI.I; l'·"·' 1 ( )lf l(Jfl!',-H Il l \ {bll\J~, fll) l 1.·.11110\ , f i()>
A dissidência sempre procede de uma ruptura do , nsproletdrios resolvem romper o Ilcirculo que coloca
183 0, atgu
continuum temporal 47
•anarador entre os dias do saldrio. " J\
o sono r.,r
Das confrarias vodus aos bandos furtivos de marrons , A historia das revolras amedndias guarda semelhanças
rrata-se sempre do mesmo modo menor de existência, uma revolras afro-americanas. Nas sociedades
corn a d as
mesma cadência poética, uma mesma potência opaca que indfgenas, a conquista espanhola provoca um trauma
se desdobra: à noire, acontecem os complôs, as danças, colerivo incomensuravel: a morte dos deuses, a queda e
os sonhos, as rezas, os escritos, os debates, os sacrificios. rompimento do Sol (um "desabamento" que prefigura o do
De modo semelhante aos afrodescendentes , artesâos e mundo globalizado contemporâneo) . É assim que as grandes
proletarios europeus também recorriam à opacidade da revoltas amedndias iniciavam sempre corn a ressureiçao das
noire e aos codigos sussurrados: divindades e o repudio à fé crista. De faro, em 1541; uma
Assim, a sociedade dos Fundidores de Ferro, das mais terriveis rebeliôes indigenas testemunhadas pelo
criada em 1810, teria se reunido em noires Império espanhol estoura no norte do México, nas terras
escuras, nos picos, charnecas e regiôes ermas dos nômades chichimecas: a "Guerra de Mixt6n". Tinha
das terras altas dos Condados das Midlands como lideres "bruxos selvagens" que "anunciavam a vinda
(... ). Provavelmente, eram muito difundidos
de 'Tlalol: acompanhado de todos os ancestrais ressuscitados" .48
juramentos imponentes e cerimônias de
iniciaçâo. 46 Do mesmo modo, ao ressuscitar Ogum, Xangô, Legba e
compor novas divindades, os afrodescendente s conferiran1
A dissidência sempre decorre de uma ruptura do
um espirito aos seus combates. A linha de fuga do marron
continuum temporal. Ruprura da narrativa dos vencedores
se conjuga corn a linha "do além" do pajé: um pa.ra além
- essa fabula que rorna os subalternos horrendos aos
do visivel, que também é um além da realidade colonial, a
seus proprios olhos - mas cambém ruprura da sucessâo
projeçao de um mundo ao mesmo tempo passado e ainda
alienanre do rrabalho e do repouso, como explica Jacques
por vir, aquilo que ,~ d- G.li~sant chama de "visâo
Rancière em se u ensaio dedicado à gênese do movimenro
,mos profética do passado": "No interior dessa contestaçâo
opera.rio: "Tudo começa ao cair da noite qurmdo, nos
global represe nrada peb marro1ugem. o curandeiro se
rorna d e algum modo o ideô logo, o sacerdoce. o inspirado.
COSMOPOETICAS DOREFÛGIO
38 OlNtTEM TOUAM BONA
Os neg
. mawons, a arte da metamorfose e da dissoluçà 0 , fi te constitui apenas uma das modalidades
frenre-a- ren
de SI 0
'fi d resistência. A guerrilha - a tatica privilegiada
espec1 cas a . .
Ao breakbeatdos ritmos afro-diasp6ricos, na ruptura do dos noma• d dos marrons, de todos os grupos e m1nonas
es,
"d
continuum temporal, corresponde uma difraçao do espaço ban1 os - apresenta-se entao como uma nao-batalha, em
em multiplas e inéditas espacialidades: espaça-tempo do que a astu, ci·a , as artimanhas enganosas, os disfarces, a
culto, do conta, da dança marcial, etc. No entanto, corn a carnufl age m , as fugas e os ataques surpresa
. zombam da
secessao marron, o combate contra o sistema escravagista moral dos poderosos.
ingressa numa fase estratégica, 52 que desloca e toma perene Em fins do século XIX, no sertao brasileiro, uma
o teatro de operaçôes. Forma coletiva da fuga, a secessa.o é insurreiçao milenarista culmina na criaçao de Canudos, a
resistência territorial: faz parte de um territ6rio labirintico "T!:.Qia_dE, farraP..2[ . Essa experiência espiritual e politica se
cujos meandros e acidentes constituem aliados naturais inscreve na continuidad e dos quilombolas , cujas taticas de
para os rebelados. 0 marron nao foge, ele se esquiva, guerrilha sao retomadas.
escapa, desaparece; e pela sua retirada, se metamorfoseia e
A natureza toda protege o sertanejo. Talha-o
cria um fora: o quilombo, o palenque, o mocambo, o péyi
como Anteu, indomavel. ( ... ) . ( ... as caatingas
an déyo ... sao um aliado incorruptive l do sertanejo em
Mas como é possivel que aquilo que inicialmente nâo revolta. Entram também de certo modo na
luta. Armam-se para o combate; agridem.
passava de uma fuga (mesmo sendo coletiva) - um recuo
Trançam-se , impenetrave is, ante o forasteiro ,
face à adversidade - se transforme numa notavel forma mas abrem-se em trilhas multivias, para o
de luta? A fuga dos escravos nao surge como covardia, matuto que ali nasceu e cresceu. ( ... ). [Os
~ -- ~-- soldados) espalham-se , correm à toa, num
como um fenômeno passivo, a menos que se adore
labirinto de galhos. Caem, presos pelos
uma concepçao redutora da resistência, que confunda
laços corredios dos quipas reptantes , ou
resistência e enfrentamen to, e esteja rest1.:_ita a um~ visao estacam, pernas imobilizada s par forcîssimos
viril e heroica do combate., Do mesmo modo que a bacalha tentaculos. 53
nao passa de uma das modalidade s particulares da guerra,
COSMOPOÉTICAS DO REFÙGIO 43
42 DMTEM TOUAM BONA
Em Os Sertoes, Eucl ides da Cun ha pinta com m . . ente fronr eiras . Mas essas s6 pode. m
aestna duz nece ssan arn , . paga nien to. A fron reira
essa "rarica espa nrosa da fuga" que mold ou form pro ao seu prop rio a . , .
as de ante r graça s
vida furriv as, bem com o paisa gens agrestes e confusas se .en . ente marc ar, co dific ar o rern tono da
nas deve efen vam , . rmit ir sua
quais essas vidas se enrra nhav am. Desa parec er na natur rnarr on d . ar craço s vis1v e1s, sem pe
eza, corn unid ade sem eDC de capt ura colo nial. Eis porq
uma das raric as basic as da Arte da Guerra, de Sun ~ elo apar ato ue o
Tzu, é local izaça o p
dobr ar-se ao ciclo das muta çôes . Os neg mawons sa.o . dade s marr ons se apre sent a
negros defen sivo das com uni
e negr as ninja s que dom inam perfe iram ente essa
sisterna . siste ma de cani uflag em. A
arte da indp 10 com o um
desd e o pr
mera morf ose e da disso luçâo de si. Arrav és de seus n é parad oxal pois, . ao invé s de inau gura r o
gescos secessâo marr o E tado ratif ica o ingre sso
e mov imen ros habe is, de sua desa rticu laçâo rfrmica, Oficl·al de um novo s ,
seus naseimen to •dade de seres ind'oce1s
· .
corp os se purif icam , se apag am, se virru aliza m na suspe .
na dan d esnn 1·dad e de uma com uni
nsao
de uma blue note ind6 cil. Assi m com o os marro ~ de com bare r o Esra do escra vag1. sta, mas
ns, os Trata -se nao apen as
rebel des de Canu dos se fund em corn o rerrir6rio onde de repu diar o seu pr6p no . . , . Que o senh or nunc a
se pnnc 1p10 .
rerira m. possa reror nar ao seio da socie dade marr on.
C
.L..
45
COSMOPOtTICAS DO REFÜGIO
44 DfNÈTEM TOUAM BONA
os
stan te , um esti mul o, uma ban deir a para
o sagrada a nudez "um ape1o con
mun do tenh a deixado de considerar com " 61
, eis o escândalo escravos negros .
de um ser hum ano (Ha nna h Are ndt) preexiste
co de orgaos , 0 · insi stir ness e pon to: o refügio nao
},,i<, prec1so
na origem de todos os outros: o trafi l7C
l que o pro duz , o secr eta e o codifica. A
arte
rete nçao (muitas
encarceramenco de crianças em cencros de à c.1 uga; e, e a
a da mar ron age m
vezes separadas de seus pais), a expulsao
de refugiados para da fuga, de que a exp eriê ncia hist 6ric
part ir
o risco de sofrer nas um a das mod alid ade s, é subversâo a
paises sob regimes ditatoriais, ond e corr em represen ta ape
noss a soci edad e de
rorr ura e de serem executados, etc# de den tro, seja esse den tro a colô nia ou
ça com plet ame nte
role controle - e por mai s que ele nos pare
0 pod er espacial da soci eda de de com sgre ssâo ilus 6ria em
nao se caracteriza mai s pela opo siça o
entr e fechado e sem said a. A fuga nâo é tran
secreçâo de uma
um den tro e um fora, mas por uma
gescao direçao a um fora tran scen den te, mas
res. A tica - da realidade.
diferencial da perm eab ïlid ade dos luga versa.a sub terr âne a - clan des tina e heré
part ir dai, o gest o de tran sgre ssao nao
possui pos to para correr.
hd Pois con stru ir um a fug a nâo sign ifica ser
mais nen hum sem ido politico. (... ) Nao rar nele vari açôe s
mais um fora para onde se mir ar'/!_a/ r de
uma Pelo con trar io, é faze r o real esca par, ope
ativ a de cap tura .' ,
ho/ha significa penetrar em outr~ sem fim para con torn ar qua lqu er tent
de ente rrar reje itos
Corn a aholiçâo em escala planera.ria do
direito de Um text o de 201 6 con tra o pro jeto
d , . men to francês de
nucleares Cigéo, em Bur e, no dep arta
62
asilo e a acelera r5 0 da se .· - sa as espec1es
r-, xca exrm çao em mas
cam alea o, con fun dir
Yiva.s · é a prop na . poss ,'b"J'd d do reru
11 a e
c.~
gio que se perde. Meuse, pro p6e just ame nte ban car o
. ,a
c d.a soc1.edad e escravag1sca regi stra :
Busca <: produr5o.,.,...
de um rora os pro ced ime ntos de iden tific açâ o e de
marron::wem s6 pcd<.:, para ser rcm .
. "b
ven rada , pois enc arna a Um a estr ateg 1a de resi scên cia
geral e
urop ,.a ern aro do refi'ug,o · arm os
, num mun do regi do pela caça ao cole tiva pod e con sisc ir em nos corn
éis que
hum# o e pc-lo ~a.que d0 . nre, do quai nâo safm os aré
v1ve indi scer n{v eis. ( ... ) As r~üica s e os pap
. _ · sfor mar
ho1e scccss.ao mar ror , • repr ese nra mo s dev em ( ... ) se cran
1
rt: m <:l<:: <.:nra o a um a cosm opo éric a: rela çôe s
.
d a é produçao de um mun . d . ao sab or das c in.:u nsri \nc ias c das
o , <. n as.fo d e um fora com po um
· d e forç a ( ... ). Agi tado r num cam
va/o r de rtf-ugio e dt Ut ._ nc. rna para wdo !> yu t: ainda raçâ o
op, a co dia, c idad üo legalisca que exige a pres
perm ane cem c..1 ri vo~ /o 6 'J
f/ qu, om ho.\ r<.:prc:~t:1H:.u 11 dt fo ru
48 OtNtlfM TOUAM SONA COSMOPOÉ1\CA5 00 REfÙGIO 49
HEROIC LAND 65
Espectrografia da fronteira
r- l 2
54 DÉNITEMTOUAM BONA COSMOPOCitC>.S 00 ?fRJG() 55
junto a uma fogueira, o olhar perdido em algum l . . •nha vida passada, queimei até meus dedos,
ugar que1me1 m1 , .
entre as duas margens do Canal da Mancha. O p . . ais deixar pegadas, so quero me Jogar a
nme1r0
dia do ano de 2025 chega ao fim.
nao quero m
.d E se devo me fazer ouv ir, sera de b-oca
corpo perd I o.
A respiraçiio ainda ofegante, depois de menear feve= ois uma sombra nao rem voz.
,,,ente coscurad a, P
a cabeça, o corredor se agacha lentamente e estende as m - 0 homem sentado: E quem iria querer te escurar~
aos
sobre as chamas. Sem dizer uma palavra, o homem sentado , que as anguscias de um clandesti no inreressam
Ace parece ~ - - - -
lhe oferece um cigarro. Um fosforo esta/a ao abrigo da palma alguém! Quanto ao coraçao, você n âo sab e q ue ele sempre
da miio, ligeiro crepitar através de um halo de vapor efamaça. nos ; ai? Coloque os pés de novo no c h ao, nâo se preocupe,
0 solo continua bem firme . Fale m os p o u co, mas falemos
0 homem sentado: Pra que correr? Se você olhar as
bem: engenheiros aperfeiçoaram d ececores d e batimenros
imagens da Terra iluminada à noire, se observar as sinapses
cardiacos, e também do fôl ego, sem falar nos caprnres de
fosforescentes que se agicam em sua superficie e nos
infravermelhos. Para cruzar a fro nteira, o mais seguro é
envolvem à nossa revelia, vai compreender que vivemos sob
entrar em coma ... o que, a m e u ver, é bem m ais repandor
um domo invisivel. Nao adianca treinar, nao vai conseguir
do que um sono p ovoado d e desejos e d e pavores i ~nso.tos.
escapar deles ...
Nada de mui.to complicad o, você inge re o prod uco i b.1-.~
0 homem que corre: Você nao entende, meu co- de cerrodocoxina e d espetta d o o ut ra lado. 0 trx que eu
raçao esta agui , debaixo dessa pele engelhada de areia vendo é de prim eira q ual id ad e , o rgàn ico , n:1J..i d'"" (oi.s..1
branca. E a cada vez que martelo o solo quebradiço sincécica, exrraido unicamem e do b aiacu, o peixc-b..:1Lio.
corn meus passos fugïdios, reavivo seu pulso. E sïnco 0 homem que corre! T u tâ d e sac:rn:igc:m p r.1 c inu de
rn im! Yira r cadaver e m pé. essa é a tua sol u ç:io?! Por n.1J.1
o fogo em meu rosto, o roçar incandescen te do venco
nesse mundo, nem m es m o unn p a..,,.;igt·m p.ua o FJJondo.
q ue varre as peles mortas. Harrag. 7 1 Sou um queima-
eu rc n unc1·ari· a ao bau.m enco dc:-..,.1 hols.1 u.1 t: :..ing,uc:. :i
•
c-s.:,a
dor de fro nteiras: queimei m e us d o cu1ne ntos, queimei
queirnadura q u e m e ::ininu c- m e consome. Um vdho
meus din ares, meus CFAs, m eus xelins, minh as naira.s, t ozin h c ir· 0 c h 1n • m e C( lt1l ("ll u1n "l .u que- .1 ocrt· u n .b-ccu J as
" c~
o(NfTEM TOUAM BONA COSMOPOÊTICA5 DO REFÜGIO 57
56
pegadas semeadas na terra por um pardal. Um _mandarirn ,., pretendo ser um anjo, s6 desempenhar o
m ourro. N a0
que passava Por ali as recolheu, e de sua combinaçâo , fiez u foi designado, e quero retirar minha parte na
apel que me . , . ~
. o pn•meiro alfabeto. Muitas vezes me pergunto que
surgir tn
P ~ Nada de intrinsecame nte d1abohco, nao vou te
cransaçao. . .
sabera 1er minha corrida ... . inar um pergammho corn teu sangue - 1sso
edir para ass
0 homem sentado: "Wake up brother, Jungle finished! p filmes - um aperto de mao bastara. Melhor me
fica para os , ,
Depois de ter passado por tudo isso, você nao pode morrer encarar como um pioneiro, so faço obedecer a palavra de
na praia. Eu tava te esperando, ja faz um tempo que tô , oca·. "expandir os limites", inclusive os da vida
ordem da ep
de olho em ti. Eu te passo a substância e você embarca e da morte.
na nave dos mortos: lugares reservados aos migrantes nus
o homem que corre: Acha que nao te reconheci ?!
nas câmaras frias de containers de segurança. Graças à
Nunca devia ter aceito aquela agua de procedência duvidosa
aplicaçao de um gel criogênico, a interrupçao da respiraçao
que você me ofereceu no deserto. E olha que ja tinham
e do ritmo cardiaco, e rodas aquelas carcaças de boi que
me avisado: você salva apenas para melhor perder teus
servem de proteçao, os zumbis - é assim, meu irmao, que a
devedores. Você tem mil nomes: atravessador, chairman,
genre chama os que tentam a travessia - os zumbis passam
aliciador, locador, falsario. A verdade é que você é o Mestre
sem problema pelos detectores de humanos. 0 unico
das Encruzilhadas. E um grande picareta! Tua agência de
efeiro colateral, uma leve alteraçao da mem6ria. Detalhe
viagens nao passa de um conto do vigario, você trabalha
desprezivel - vivemos aqui uma vida de morte, emao,
para os negreiros sem rosto.
melhor ir até o fim.
0 homem sentado: Promo, ja conheço de cor tua
0 corredor tem um leve sobressalto, como se despertasse fâbula sobre o trafico de seres humanos! Me da ânsia de
de um sonho ruim, e joga nervosamente alguns gravetos na vômito todos esses nègres que passam a vida gemendo sobre
foguâra, enquanto olha fixamente para seu interlocutor. a pr6pria sorte, E se acham diferentes, inocentes, porque
vîtimas. Mas tudo o que querem, no fundo, é fazer neg6cios
Por que esses olhos arregalados? Sou apenas um
em cima dos mortos, convertê-los em dinheiro vivo, é 0
arravessador, estou apenas te oferecendo um favor, um
favor pago , é vcrdade, mas urn favor: se nao fosse eu, seria
DfNÈTEM TOUAM BONA
COSMOPOtllCflS DO REFÛGIO 59
do de voces. as o q .
alguma s braçada s de distânc ia de uma lancha d ond~, a fun , f:' ·1 de seu lado sombri o ... Sim, eu se1,
venez1a. na. r·ive que assistir à cen , • e passage1ro rase libertar cao ac1
pa _ .
a vanas vezes até con .s '-ore vocês se conten taram em tratar
segu1r vocês nao d1sseram neo. ,
enten d er o que estava acontec endo "Af. ,, orno um nèore, um rebotal ho human o, uma
. ricana! , "deixa ele Pateh SaballYC
morrer.,,, , ((vota
0
1 pra casa! " · . ,
... Sob as ri d · vida indigna de se viver. Vocês nao o dissera m, pois negre
sa as e msultos dos
que estavam no barco, um jovem de pele escura se afogava. - e, u ma palavra mas sim um latido que desuma niza
nao ,
Soube depois que era um refugiad o da Gâmbia, que se tanto O senhor quanto o escravo! Mas, ali onde vocês veem
chamav a Pateh Sabally e tinha s6 22 anos. Jovem demais um nègre, eu vejo um jovem, vejo a promes sa, o desejo, o
para ver Napole s, ou melhor , Veneza, e depois morrer. alento, o sonho, a coragem , a human idade que se apagar am
N aquele dia, percebi dentro do estojo do sonho veneziano dentro de vocês - e que, secreta mente, vocês invejam .
a atrocid ade indizive l de um pesadel o acordado. Hoje em É preciso lembrar , nègre nao é uma palavra , é o ancestr al
dia, isso se tornou tao banal, que nem chegamos mais a comum de todos os clandes tinos. Nègre nao é uma palavra ,
n os irritar quando esbarra mos em codos esses tiras, esses é um maleficio: feitiçari a do capital que transfo rma seres
guarda -costeir os, essa "genre de hem" que se caga de rir ao humanos em peças avulsas. Saibam que foi nas entran has
ver arab es e n egros d esaparecerem debaixo d 'agua. do navio neg ·
reiro que se con fi gurou essa estra nha biologia
0 homem que corre se cal.a de repente, e' tomado por politica que se d d"
d e lca a esco lh
. er, a se\ecio na r, a ge rir vidas
esnudas. Foi .
convulsoes. Os olhos esbugal hados, a 11oz rouca, Par(cr effllf ~ nesse po n to que n asce u nossa hum.an idad e
t5 coca<la: uny h .
dirigind o a uma m uftidii1J. a umamd ad e ge renci:ld a e m siscenu s Just-
COSMOPOfllCAS DO HEFÙGIO 61
60 DtNÈTEM TOUAM BONA
Mas depois que vi o mundo pelos olhos dos sob a pele das crianças tao amadas, como a iris que abre
condenados, o futuro que cinham traçado par~ im me num piscar de olhos o portao de nossa residência procegida.
causa nauseas: nao quero mais viver num bunker dourado, De que serve atravessar as fronteiras, se permaneceremos
sempre na l . .,
< so e1ra, Ja que esses m.uros, essas cercas, essas
a investigaçao biométrica, a detecçao dos "elemencos de escanear as espirais de seus dedos ou a geometria fractal
n.sco " de sua iris? Ser autenticado é ser admitido entre os eleitos,
0 homem sentado: Você rem razao pelo menos pelo menos até a pr6xima passada pelo scanner. Preocupar-
num aspecro, s6 o que interessa agora sao nossos mil e se corn a sorte do rejeitado, aquele que nao nasceu no
um p erfi s, a sombra digital que replica cada um de nossos bairro certo ou na margem certa, ou aquele que ousa entrar
passos e de nossos acos, o ghost, como dizem os japoneses. em dissidência, ja é ser considerado culpado antes mesmo
Essa hem o rragia de dados que escorrem de nossas vidas e de ser julgado. A anestesia, esse é o preço da imunidade!
sao ca p cu rados c reconfigurados permanenremenre pelas
A silhueta do corredor congela bruscamente na penumbra.
nu vcns de algo ri cmos; c isso, para a maior lucrarividadedos
Com alguns gestos rdpidos e eficazes. enterra as brasas da
COSMOPOITICAS DO REFÜGIO
67
alvo e a matéria
fagueira e veste um traje biomimético que s6 deixa l s emergeAncias e, claro, o , ·
os o hos seus médicos na de captura: o grande negoc10
descobertos. ova guerra
pn·rna dessa n A gran d e caçada s6 visa nos manter
O homem sentado: Você esta corn os semidos bern do encarceramenco.o limiar . d ·d e da lei numa vida
a v1 a ,
afiados, eu mal percebo o zumbido dos cibermasc' além sempre n d' . numa morte
tns. no ' 'd d direito de ter ire1tos,
Parece, meu irmâo, que tua pele perde valor a cada segundo. nua e desprov1 a o
O homem que corre: Fica tranquilo, ainda tenho fi 01·d mente adiada.
inde a · você vai me d' , O estalido
alguns truques na manga. Por que sera que, corn tantos nuem ama, casnga, . izer.
'--<: . do policial , a mord 1d a d o câo feroz,
migrantes perseguidos, capturados, internados, s6 uma do chl.cote ' os nros ~ d o arame
a que1ma. d ura do gas lacrimogêneo, a laceraçao
pequena parcela acaba sendo realmente expulsa?
c
1arpado, coda essa velha pedagogia da crueldade que sempre , .
Do porto de Calais até o Cabo da Boa Esperança, é eta salvar os condenados de sua propna
~00~ m ,
a derrocada das Naçôes, entâo acalmam o cidadâo como
indignidade. "~ primeira coisa 9.1!,e 9 indigÇ,!}L '!l?Le!!.de e
podem: para esconjurar o feitiço, exibem muros como se
fossem calismâs, divindades protetoras, vade retro, Satanas, --··-- . --- - ·-- -
a ficar no seu lugar, nâo ultrapassar ~ s li~ite{, dizia um
-- .....
fil6sofo cujo nome esqueci.
mas sua açâo repulsiva sobre os bipedes migratôrios nao
O homem sentado: Você admite que os limites sao
passa de uma distraçao.
feitos para ser violados. 0 que ta esperando entao para
A fronteîra é mais um filtro do que um muro, ela capta
correr amis da tua sorte? Você pertence à galeria dos her6is
e geren cia recursos h umanos, e, uma m aquina de criagem:
do grande Reality Show, sobreviveu à tortura dos campos
uma ma rriz que co dJ•fi ca os fiugmvos
•• em clandesrinos,
do Saara, aos mares revoltos, aos equipamentos de limpeza
. doc1
so mbras , m ao de obra tanco mais , ·1 po r ser especcral.
,, ou seja, os
de aira pressao de Lampedusa, às dissecçôes dos traficantes
É prcciso lembrar qu e empregar os « v1vos
•
,
de 6rgaos de Tripoli. Corn tua garra, pode se tornar o que
''a u r6cron es", com o u-se caro demais.
quiser do oucro lado. Nao consigo entender o que te segura
Voϥ .sa be d1s1.o
. . 1)em, Ba bYJon Precisa de n6s:
rnuno
por aqui. A Selva era s6 um acampamcnco, uma mega-
somos seus cnad•
o.s, scus ope,.1.ijJ.,os,
• • •
scus •
craq ues de furebol, oc ll -
paçau encre tancas outras.
I rirrnos.
scus rrabalhado rcs do scxo, 1,cu!> invenrores de a go
COSMOPOHICAS DO REFÛGIO 69
68 DEflITEMTOUAMBOflA
AGENS
ASOMBRA ESTRIADA DAS FOLH
fi .
ser lin ba de en fre nta me nto , a ro nte ua é zo na
da s6 . . de contaro ENDOSSAR
.
.
dis t1n gu e pa ra co ne cra r.
fr on ret ras sao esp aço s de "d
An t d
es e ser em
v1 a on de os h na no s sernp
nd lli
1inhas '
' as
Sou um selvagem, mas nd o
sou escravo.
72
Alfred Pa no'u- -
se rem ve nta ram ali me nta o-s e da est ran h re
, . eza de seU s
os. Co mo os rec ife s d fi a,
pro xim e co ral , as ron rei ras s6 ais ba na l: vo cê se ac alm
. da m
res ptr am e viv em pe los seu
s po ros , su as Ter um bran co , na
asperezas, suas da em oç ao ou do
, .
es va zad as on de se d ·' vai vo lca r' qu e é cu lpa
sup erf ici pr o uz a fec un da çao - dizendo qu e Ja po nta da
d en su ra' . reciproca le no me qu e esq ue ce u e ta ali, na
e mu nd os inc om ve1s. cansaço. Aqu e
te de saf iar, va i ac ab ar
vin do ... Ma s ac om ec e
te to co e - Hngua, com o a
Es sa pe le, pe la qu al eu vid a no s esc ap ar, se ror
na r
ha afi al . qu e na o ces sa de se às vezes de a no ssa pr ép ria
r, na o ra
tro ca
n na da ma is pr of un do
do .
ha, co mo um a ca de la qu e ac red ita va mo s fid pa
. qu e iss o. estran
nto s no de ,
En tao , ce leb rem os 1·u do de um dia de tem pe sta
ssa s c1 nz as ... sempre e que, se ap rov eit an
ssa
os - pa rti sse em bu sca de
fugisse para se jun tar ao s lob ter
es tra me nto mi len ar de via
vida selvagem qu e um ad
rod o
ne sse s mo me nr os qu e, a
apagado de sua lin ha ge m. É
idâ o
fnio, op om os o va zio , a de fec çâ o , a qu ed a, a ins erv
dom
nre s
plo dir em esr ilh aço s co rra
de uma risada qu e no s faz ex
- inassimilaveis.
isso co me ço u, es.sa rec usa
Você nâ o sab e ma is qu an do
e ao
de co rre sp on de r ao lug ar
mais ou me no s co ns cie nte
e tin ha m lhe de sig na do . Tu a rev olr a era sil en cio sa
papel qu f
d
e im6vel , m ais · pro, x1. ma d a esq uiv a qu e o en ren tar ne nto .
" '., Q ua nc as vezes vo ce A
l
Essa criança e, real me nte se vagen1.
do a
de ....ge nce g ra nd e dis cu t.in
ouviu essas palavras na bo ca .
d f'
seu respeiro · ~oce~ na- o go sra va e ab.r, nâ o qu en a se de ixa
r
COSMOPOITICAS DO REFÙGIO 73
72 DÉNtffM TOUAM 801/A
nao passava e
rpreend ente ' entao, que, depo1s de um armgo
compar rilhava conrigo uma mesma desconfi ança d'iante Nad a d e su
c I d la a indocil idade dos nègres marron s tenha
da Jinguagem. Era possivel enrâo ser "homem -m acaco,, e te ia.iar e ,
obseda ndo. À mais leve brisa, você parecia
heroi! Era você o senhor da selva, que se lançava de cipo aca b ad o te
em cipo, para além da rda, e que desfruta va de uma vida sentir a respiraç ao bravia daquel es homen s e daquel as
tâo selvagem quanro livre, sem calças compridas, sem mulhere s que, em sua corrida enlouq uecida, arranca vam
saparos, sem sinal vermelh o nem conrram âo, sem rodas suas vestes de empreg ados para endoss ar a sombra estriad a
esses prédios que rasuram o horizon re de Paris - uma vida das folhage ns . Desde entao, você ja nao sabe bem para
que so podia se express ar plenam ente além das palavras, onde vai, sabe apenas que precisa correr para nao perder
nesse urro cidônic o que você sonhav a solrar no meio da o equilfb rio sobre o fio estendi do: correr e, sob a fricçao
rua ou nos corredo res do merrô. Mas um dia depois de incande scente do vento, te despir das peles mortas - ~
Tarz.an rer p assado na relevisao, algo esrranh o acomeceu pele de escravo .
"V"'- .,,.. ~
lj
bas tan re na Historia". 76 Assim, antes de ser um discurso ideol6gico - que
Se as floresras tropicais aparecem como terras virgens, é nega a destruiçao dos judeus da Europa, o genocidio das
porque, aos olhos dos europeus, nao comporram qualquer populaçôes amerindias ou a escravidao e o trafico negreiro
inscriçao, qualquer vestigio de historia, de monumento, de - o negacionismo é a pr6pria operaçâo da co\onizaçao:
escrada, de cidade cligna desse nome. À nudez dos corpos a negaçao da inscriçao do colonizado em seu territ6rio,
sdvagens - caracreristîca recorr.ente nos relatas co~ iais sal~ C_?mo figurante, fauna pitoresca, elemento acess6rio
- corresponde a nudez dos rerrirorios siJvescre✓/rerra e supérfluo. Compreende-se entâo por que nos filmes
imaculada, a Amazônia é rrarada pelos conquistadores de Tarzan os nègres geralmente s6 aparecem e m segundo
como uma pagina em branco, que apenas espera p:ira piano, quase fora do quadro: c riaturas talhadas na n oite da
receber su.a marca: cada plantation arrancada à selva, cada selvageria, que podem muito bem cair de mn penhas('.O ou
posro avançado ou cida<lc erigida, cada esrrada rraçadJ ser devoradas por crocodilos sem despt·rtar m ~üs compaixao
encena a grandt narr::u iva da "ci vilizaçfw"f/ do que a morte de um animal \k carp,,\. "Exterminai todas
76 01:NITEM TOUAM BONA
'-
- 7ï
cerrit6rios.
considera os amerind ios como incapazes de valorizar suas .... l iir--""
polirica da terra queimad a é uma polfrica da memôria enfiar no humus de uma terra indômit a: fazer corpo acé se
incendiada: a produça o acelerad a de uma superHcie fundir corn ela. Apesar de serem os grandes esqueci dos dos
virgem e homogê nea proma para ser estripada , marcada, projetos carrogra ficos na Guiana, os BJ:!!.!!j!iengês - negros
espremid a até a ulc-ima gora pdos conquist adores sem rosto marrons da Guia.na e do Surinam e - nunca se apresen tarâo
do capiralis mo globaliz ado. como vftimas de uma invisibil izaçao. De fato, h éi neles uma
desconfi ança s; cular fac; ,10s c rité rios de conhec imento e
dl' n:conhe cime nco insricu(d os. Para eles, viver no branco
81
COSMOPO~CAS 00 RHÛGIO
80 llfNtTEM IOUAM BONA
m _ confundir-se com
, · A camu Aage
@ar de prop6siro do
d_o_s_1_11_a...p_a_s_é_ e___sc"'"a..,R,._ . d oluncana. 1 ' até
- - mapa os brancos forçada ou v . b. ce de vida no qual evo wmos,
Permanecer fi eJ a um modo de vida e de ., . · , ê . '• e10 am ,en . .
. . ' , cs1st nc,a furriv o encorno, m - ecologia dos senudos: senur
que perm1nu a sobrevivência de seus ant . .. d o, r - supoe uma
_ ep.1ssa os e a ali desaparece elementos nos penecrarem por
edosao de uma cultura amante das somb D c sol a chuva, os b
. d . . ras. e rato, as o ventO , o ' . l de suas mutaçôes. Perce er
fironte1ras os ternt6nos marrons s6 podiam se codos os poros e abraçar o c1c o
manter em
seu pr6prio apagamento, despisrando conrim,a•·111 ente os . impercepdvel.
até d evir
radares dos senhores.
empre teve horror ao "natural"
Com a secessâo marron, a resistência ao ose 1vag em S
sistema escravagîsta (sabotagens, suiddios, revoltas, Em meus escritos, foi a partir da privaçao radi~
e corpos constituida pela escravidâo (cuJa
envenenamentos, etc.) muda de teatro de operaçôes. Toma- de mun d o e d
se uma resistência territorial: passa a fazer corpo com um contra-antropologi' é representada pelo imagina.rio vudu
territ6rio labirintico cujos meandros e relevos constituem da "zumbificaçao•~ Jque fui levado a pensar os corpos em
aliados naturais para os rebeldes. 0 marron nâo foge, se mo~ nto e a meditar sobre suas potências utop1cas: a
esquiva, se esgueira, desaparece; e por meio de sua retirada, capacidade, por exemplo, de produzir um fora, nascido do
desdobra espaços-tempos inéditos: o quilombo (Brasil), escapar de um canto ou de uma dança, no proprio seio
o pafenque (América hispânica), o mocambo (Sâo Tomé de um dentro asfixiante (a plantation escravagista). Em
e Brasil), o camp de marron (colônias francesas), etc. Nas sua origem, nas ilhas espanholas voltadas à produçao de
Américas, a relaçao de cuidado corn a terra se encontra açucar, cimarron designa o animal doméstico que fugiu
in timamente ligada, no caso dos afrodescendences, à herança para retornar à vida no mato. Por extensao, os espanh6is
da marronagem (fugas e resistências criadoras dos escravos), qualificavan1 os escravos fugitivos de "negros cimarrones".
ao uso libercador da floresca como refügio, como espaço de É preciso entâo ver na marronagem um processo de des-
camuflagem e de reconstruçâo de si. Aqui, a floresra deve d~ mesticaçâo: um "de~ ir ~el~age1~' libertad~~~"Ser marr~n
ser entendida menos como um "meio ambienre" e rnais é abraça?o ~1~ v i ~ o de~~ cip6: deixar-se a~;;;-ss~p~la
como o impuiso indociI do vivo que, sempre, opôe-sc cm selva, enquan~o se a ~travessa. O movimento de libertaçao
nos ao movimenro curvado da humilhaçâo, da servid(to .
ope rad 0 pe \·.1 marronage1n deve ser tomado em sentido
82 O(NITEM TOUAM BONA
COSMOPOtTICAS 00 REFÛGIO 83
Para concluir, recordemos que O "selv ,, Sigamos entao o ensinamento desse nobre aborigene,
agem sempre
t eve h orror ao "natural" , sempre foi "estiloso" c e invoquemos os espiritos da selva, os espfritos "selva.gens",
· omocorpos
tatuados, escarificados, lancetados ' pinta.dos , bes untados, a fim de conjurar os espectros de Colombo e do Eldorado,
perfurados, paramentados de plumas, poderiam estar nus? que nâo cessam de retornar, por meio da recrudescência
Para além da incorporaçao da lei do grupo, da produçao de de projetos de mineraçao ou agroindustriais que devastam
um co rpo-memona, ~
' · 84 a marcaçao d os corpos e' um ato de terras e modos de vida em roda Terra.
estilizaçao de si. Para os dicos "selva.gens", um corpo é, em Bora endossar a sombra estriada das folhagens.
si mesmo, uma superficie de escrita, s6 se tornad. humano
a partir do momento em que for trabalhado: um corn.a
que nao foi esculpido ( um__C,QFRO_yazio~ e~ i~o. Desse
ponto de vista, é o colono que parece informe e insensato:
sob suas vestes pudicas sua pele rem a nudez de uma pagina
em branco.
PÔSLUDIO
das Comores, situado n a cos1a sudcs1e da f..frica, :i le5 re de 26. L1mbi: Lobatw ,,· .. d . .
como 1 . grgas, g 1.1n e caramu,o mannho , conhecido
Moçambiquc, no o ceano fnd ic..:o. conc la-rarnha. IN .T l.
,, 04
(#( wwws
91
90 D(NHEM TOUAM BONA
en taries.c omfen/
27. 111111s: r:11nbém chamad os de "M·ISté110s" . hr ·/lwww -queerd ocum .
. cp. h JDJ]les-er-de.s-dieux.
nome dado aos espfrito s interrne l<1rtos entre oou "lnvis/Vc1s"•
d'.{ .
]vfaglore. cariesld ocumen carylde s-.:de quiloro bola brasile ira, a
..
111b,1111mm1.._,.e os huma.n os no vodu ha1t1ano. grande cr· d ' 1· da Por Caio
. [N ÎJ •a or docurnen so b re a maior cornUIU . de Goias ' pub i ca
éria Il . .
28. Dav, Kopena wa e Bruce Albert A .J _ • · •
40. Mat 0 inteno r
, ·Ls 261071 2019: hccps: ww,v.
?9 l' . ,uém-• ,
d os corpos . rn queua ddo céu· P.· 479-480 ·dade I(alunga, n d-
- . ar.1 subalce · comuni Autres Brest ,
• . os, po emos
estendcr as de freicas Paes em c ·re-fac e-aux- menac es-le-p lus-gra n .
11ir1cas de aucode fesa analisa das por Els D 1. •J neclPou r-1:u
a or 10 , lem S .J1r. esse-la- carre-d e
n 1 ,, , •
v nc pouoso pme de la violence· Ed · La Découvenes-Zo eue;endre• autres bres1 s.
uiJombo-du-pays-dr . b / http://r adio.ta ina.nec .br/ ou
aos rerriror ios de resistên da insticu{dos pel as t<1t1cas1 • nes, 201 7] q 11 apa taJlla.n et. r ,
po 1 .bos.ne c/camb or/pc/b aobaxia . , .
etc. pu arcs de 41. Ver: https: m
cnc mtame nto: cul cos, ri tuais agrarios, cam Marron s de la liberté. Pono Pnnc1p e:
1 / htrp:/IWWW•mo
30. htrp:/ /loopha ici.com /concen c/les-vo douisan t~~um~ Jean Foucha rd. Les
. 42
conscru1re-des-forecs-sacrees-en-haici/. H;nri Deschamps, 1988, P· 360. . Afri n uanco terra
· [Cul tnx. dos cermos genéric os que des1gn a a ~e q .
3 1. Ver Max Weber. Ciência e Polltica, Duas voc.,•r u,oes 43· Uro ·
d o IIDagin · 'ano a uma ongem
1970], onde o autor define a modern idade coma sendo~' dos ancescrais, relacion ado de mo
"desencan cament o do mundo" , ou seja, uma ,, "Co ,, .
processo de perdida, como "Angola ou ngo ·
44. Ver: Jean-Pierre Le Glaune c. L'Anné e indigèn e. La défaite de
racionaJizaçao técnico -ciencff ica da nacureza.
Napoléon en Haïti. Moncre al: Lux, 2014. .. _
J2. Alfred Métrau x. Le Vaudou Haïtien . Paris : Ed. Gallimard, et politiq ue en HartJ.
1977, p. 137. 45. André Conen . Misère, religion
DiaboliJation et mal politiqu e. Paris: Kartha la, 2001 , p. 62 .
.-33. Os donos do orvalho. Capfru lo 5.
34. Em francês , a palavra nègre, quase sempre pejorativa, é 46. Edward P. Thomp son. A Formaç âo da Classe Operdr ia lngl.esa
-A força dos trabalhadores. [Trad. Denise Bottm ann]. Sao Paulo:
pratica menre insepar avel da ideia de escravidao. [N.T].
PazeTerra, 1987, p.74-75 .
35. Roger Bastide . lmagen s do Nordeste mlstico em branco epreto.
Rio de Janeiro : Empres a Grafica . 0 Cruzeir o, 1945, p. 48.
47. Jacques Rancière. A Nuite dos Proletdrios. Arquiv os da sonho
operdrio. [Trad. Marild a Pedreir a]. Sao Paulo: Comp anhia das
36. Roger Bastide. 0 candomblé da Bahia (Rito Nagô). [Trad. Maria
Letras, 1988].
lsaura Pereira de QueirozJ. Sâo Paulo: Cia Edicora Nacional, 1961, 48. Nathan Watche l. La Vision des vaincus. Les indiens du Pérou
p. 248.
3ï . Ounsi: ou hou.mi (mulhe res) e Hounga n (homens), termos devant la conquête espagnole (1530-1570). Paris: Ed. Gallim ard
1999,p. 279. '
equivalenres às Filhas e Filhos de Santo do Candom blé, no vodu
haiciano . ;~9fdouarcl Glissan t. Le discours antillai s. Paris: Ed. Gallim ard,
, p.181.
38. 0 quescio namem o da nacural izaçao do dualismo de gêneros 50. Aline Helg Pl . .
,. . d . • nia Essas
révolte, le 'tln · , . us ,1am~ts esc~ves ! De l'insou mission à la
.
e dos papers sexua1s nao se limita ao tempo a cerimo de· uma
'· •. . , gr. d rectt dune emanczr,,ation (1 492-18 281 p · . La
prancas espmrua1s nao estao esrrucu radas em corno 0 ecouver ce, 20IG .:., '/• ar1s.
ordem moral. 51 M 'p. 23 ·
· aryse Condé E -r·
39 · Ver: Des hommes et d.es dieux, de Annie Lescot e Laurence . u, i ttuba, Bruxa neOTa
o..
de Salem . Ed · . Rosa
92
DCIIËTEM TOIJAM BONA
COSMOPOHICAS DO REFÜGIO 93
73. Umgawa: palavra de multiplos sentidos, usada nos filmes de 82. Ver: "Chasse à l'homme". ln: Dénètem Touam Bona. rugttl ,
où cours-tu ? Paris: PU F, 2016.
T ~ para se dirigir aos animais; Cheeta (ou Chita): chimpanzé
83. Corno observa Elsa Dorlin a respeito de <lanças marciais como
am1ga de Tarzan; bamboula termo pejorativo usado para se referir
aos negros como fanfarrôes que s6 querem dançac ao som da o moring,u da Ilha de Reuniâo - morengy em Madagascar, ou
bambula. [N.T.]. mreng,,é nos Comores - ou a capoeira do Brasil. In: Se défendre,
74. Xavier Amelot. "Démystifier la forêt". In: Atlas critique de Une philosophie de la violence. Paris: La Découverte, 201 7 .
Guyane. Paris : Éd. CNRS, no prelo (setembro 2020). 84. Ver as anilises de Pierre Clastres em La Société contre L'État.
Paris: Ed. de Minuit, 1974.
75. Frantz Fanon. Os Condenados da Terra. Traduçao de José
Laurênio de Melo. Rio de Janeiro: Civilizaçâo Brasileira, 1968, 85. https://www.mond e-diplomatique.fr /2017/01 /
p. 38. LANCIEN/56970
Cultura e Barbarie