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Cosmopoéticas Do Refúgio (2020), Dénètem Touam Bona

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COSMOPOÉTICAS DO REFOGIO

OENETEM TO UAM BONA


COSMOPO{TICAS DO REFÜGIO
OENETEM TOUAM BONA

t RAOUÇAO WlltHA P OUCHIAOt.

~ 1rur.l C B
Lu
1

- .HDl ~lt'

o~rerro . 2020
(IJ$:!.,pœtf<as rio~ Oért€tan foœm Booa. 2020

§Cl!!rura e ~ ~JO

11A.'t'l :il ~ ,e Niur!Î:S lo- Cà: 6Er.:rto iJ€ Seaai 15 b Moct Sl1I la pœge d-e fÀiml, Bénin, 2012-
~ ~i::cœs- Crèl:l ç N:oo to eato-Ci.--«ttS'J" oi Oomï.,iqœ Rat
A arte é a força de Jaur a realidade dizn O q;.u tw r...ir,
terùz conseguido diur por sew Jmiprio-s mn..t>S ,r.L. (7"':,
~- .::i:..~ èa CL'îtr ~ c, pr,ie rl-1 sm.. 83 raz p,:rte do l:t«mn - "a bumnha do todfJ o caso, o que eh1 perigava deixar n:>l1.m t.zn...71;c,;~
~ : - i:c:..: ~\-.f.: ;.. aB ~~ era Umm flnl oo séœlo XYill pelos desœndemn
mi silêncio (. .. ) exijo um outro centro do mr.u;dQ. , :.._'T.;_:
.:c; cr:si'ër:5 ~ 1'E::.- 6: Eêtia :êê rn::.4a oo c6è da .~,ra, E I1iœ.11 cnamados aquœs. Em
,~iG?.. S2:k i.Kü.6 ::;: ~"E, .::s i::~ oo b!oora.1RZ::111 R'tt.-er arelaçào de pod~ entR desculpas para nomear, outras manàras de r'5}'!T.:7 ..
S=:CU:Së~L'.:S ~ 'i8""'2Œ- œ:'.n ŒS ~-ts f:;:e!as ~ œsc-cf1Ôà115 œem'ltlS e porque ser poeta, hoje em dia, é querrr, t"o m ~ .i; ~-;..;;:;
je _,,.-, ➔ r-x œ. ~-tG, ~ra ra~ e ~ SO'ii. fi fma de fratiia erilR Sè!lhoœs forças, corn tot!L1 sua alma e t(}a.; )'11..J (.:nu
=:S:.?1~ :µ .::a:::,:: .: s.ü :d:dè tr::_si_è n x GCT'œ œ fu. Ba perdma até ~ oo intenor
face aosfuzis, face ao dinheiro que wmbem se tQnu :.."!:
Z :;:oiie; Cl:n:Fs ~ :;Œ GŒ Ei O."ta.<ë s:.B ~ ê l0l 0053 transgredHa, Ôolte œ
q::E x :DT2? !Ci:, 2;).-:"I~ ~ E srœ!. t5S3 m:x,ïfia f:mr flca \isfrel 00 bourim: fuzil e sobretudo face à verdade rrcebid.i, sub" .J cr,1,.;.,;
llil= ::. 2 ; l'i"R.. 2; 0=..~ :5 •.jY. ~ os sa-.\T. cS ~ ~ rnkM'affiffite pelas nos, poetas. temos auw n·u çM d< rr..:.•.._~
~-..:6 :5: :s:2!'3 ~ i.::~ d: pêi:êrs.mtiaooa œtK:'ÎIDS carM~ que nenhum rosro du rralitluu J,,..a•-:_;-:.:
!ooila lo Calzo seja empurrado para bé.,·o do silinâo di Hl.! :i r_:__

Son\- lJhN: T.1:.;


Les .crpr so/inuk de Lor}.J Lüpr.:. ! -J ~.;,

Cllltma e Bartarie Editora


::JR't"\~~t :1"7)-1,!c. t,hrina h1.-0IDS, Fernando Scheibe
~ , ::i:·1-1,1_Mer~:ire lfoda.ri, Râ,iaCera, Fernando Scheibe, Leonardo D'Avila e Marina Moros
1,ww.m~tEn.~,imriè.com.br !mntato~œJturaebarharie.com.br
Rw-i::'.1'5pr,fis 'SC
PRELUDIO

Penso que nosso trabalho é


fazer corn que o Antropoceno
seja o mais curto!fino possivel, e
cultivar, uns corn os outros e em
todos os sentidos imagindveis,
épocas por vir, capazes de
reconstituir refogios.
Donna Haraway1

De setembro de 2018 a março de 2019, "greves


escolares pelo climà' se sucederam pelo mundo,
especialmente no hemisfério norte. De que adianta ir
para a escola se a agua, o ar, a fauna e a flora, elementos
fundamentais da vida, estao destinados a desaparecer num
fururo pr6ximo? "Ninguém tem vontade de estudar ou de
se esforçar por um futuro que nao vai existir", declarava a
esrudantada. Grito de alerta, essas greves inéditas tambén1
eram o sintoma de uma esterilizaçao do futuro, de u1na
perda global de sencido.

Desde sua expansâo para fora da China, a Covid-19,


mais do que q ualqucr outra pandemia , nos fez rele1nbrar o~
deitos patogênicos da plantation. Por plantation cntendo
1
~<pri O\ ~i~) 1e ir1a s industri:tis dt.· monoculn lr.l c dt· n i tç:w
<k animais tp ic, por fragili'f.;tl\' lll, t·1np,)brcn·11do-os ~,o
6 DtNÈTEM TOUAM BONA

extremo, os ambientes de vida, estimulam inevitavelmenre - uma imersâo ainda maior em c .... , sei,>,
·- -- - -- propoe, fm ~u ~
-"-U

a e_roliferaçâo de agences infecciosos tante para as plantas rnauiz cibernética: nossa salvaça.o esta.ria num n.mr;r,
(fungos, parasitas, etc.) quanto para os animais ("gripe · d o, 1· sto e', contactle..i·s. "Os human~ Qf)
irnuillza - i:~r;;-;
a~i~ii', '\ac~ louca", ~te.) _ e para os humanos (Sars- biol6gicos , as mâqu.i nas nâo('', dedarava uiunfalme-r.·;::.
CoV, Mers-Cov, Ebola, etc.). Impondo aos ecossistemas ern fevereiro deste ano, Anuja Sonalker, CEO de u:;,;;_.
uma simplificaçâo r; di~ - um verdadeiro processo de empreg escadunidense que desenvolve cecnologia.s ~ '>ë'"':"'
depuraçâo biolôgica - a exploraçâo capitalista produz contato". Para além do paradoxo de precender apro--è.:-;<;.;;
,,
necessariamente ~ oddios.' Corno nota Anna Tsing, a : ~ humanos por meio de tecnologias de dis(.inci.ir..n;:o
plantation é concebida "para eliminar todos os seres que esse future smart prometido para nés,
nâo possam ser idenrificados corne possiveis ativos", isto
é um futuro que alega se r e:x:e-cutJdo po,
é, corne recursos potencialmente lucratives. E, assim, as
"inteligência arcifi cial", mas n.1 ve rd.:1:d~ ,
ecologias simplificadas da plantation se tornam o "suporte mantido em fun cionamenco por dacnJ.;:i
de novas ecologias de proliferaçâo, que geram a propagaçâo de milhôes de crabalhadorcs Jnonimo.;;.
irrefreavel de doenças e poluentes".2 A emergência do escondidos em armazéns, ct·n cros .le
Sars-CoV-2 em Wuhan demonstra claramente que a dados e moderaçao de conreudo-s, fubn .. ~~
escravizantes de eletrônico s, min.is de 1.i~h-'
fronteira entre florestas , plantations e metrôpoles estâ
fazendas induscriais, fri gorificos c pri-«">,
prestes a desaparecer; o que sô faz favorecer as zoonoses, onde sâo deixados despro rcgidos de: doc n"!..1.:.
bem como sua disseminaçâo acelerada em escala global e hiperexploraçao. 4
por meio das redes de transporte cada vez mais râpidas - '? Em suma, o "e-fu tu ro", acrâs da tcb Jç h.tm.1-i.1 J0
e interconeccadas. E a extinçâo dessa fronceira significa clean, do soft, do smart, do "desma tcüal i.L-1.do· . tc-n nu..:i- Jo
simplesmente a excinçâo do "fora" (o latim foris estâ na que nunca como combustivel a "·e-scravid..îo". l'"'>c m.1.n .:- 1rJ
raiz de "floresca"). Encâo, corne escapar, onde encomrar que as fronreiras de gê nero, de rli..~e, de· -r .l\_J ~. t'1-.'. (c r-l\.'1
refügio?
refo rçadas e, sobrerudo . bem nuis in ,i1.ltt"-b.
Face a essa pandemia inédita e à asfixia por ela Querendo ou n5.o. j:1 c-,.;cJnh),, c' n~.t p J'-\S n.1 ~b...1uHu
provocada, o Capitalisme Mundial Inregrado 3 nos do vivo" , co mo proclanu unu d.t~ puhl i\."..l~·ô<S J'-1 Œkri\'O
8 DÉNÈTEM TOUAM BONA 9

de secundaristas Contrafilé, que cive a oportunidade de de vocês é ridicula demais. 0 barco esta fazendo
encontrar durante uma estadia em Sao Paulo. 5 É bem igua. Vocês ainda podem fazer ouvidos moucos
possfvel que, em nossas futuras lutas - lutas por um mundo diante do cataclisma ecol6gico, ainda podem
esconder a gangrena econ6mica e di.ssi muiar a
nao mais governado pelo medo do outro, pela predaçao
dimensâo do desarranjo social , mas a morte do
e mercantilizaçao generalizadas - tenhamos de aprender pensamento espreita vocés, o fim do son.ho bare
alguns subterfugios corn aqueles que, até bem pouco à porta, pois seu desenvolvirnenw é mo ralmenre
tempo, eram qualifi.cados de "selvagens" ... É assim que toda insustentivel, suas econorn ias do desperdicio
sâo injustifi.civeis do sim ples po:1co de ;;isra
a obra de Sony_L~bo~ '!'~si, esse grande poeta kongo que
da razâo. No triplo piano moral, ecolo~ico e
sempre colocou sua escrita a serviço da vida, nos convida a
l6gico, o Norte meteu nosso planeta na direçao
um trabalho de ana.lise e de imaginaçao: contra a necrose de um suiddio coletivo. (... ] Ch~ -nos a esse
das ditaduras e conformismos, contra o desmatamento, momento crucial em que é precis; aprender a
contra o esfumaçamento generalizado de Gaia. reinventar tudo: os conceitos, as ahordagens, os
hibitos, os mécodos, as ferramem as. as ~naçoe$-.
Senhores, gentes do Norte, seu os espaços ... tudo , hoje, deve ser reinvemado. t.
desenvolvimento nos custa caro a {mica possibilidade que nos resra p:1ra evitar
demais. Chegou a hora de mudar esse o ~ moddio' de nosso planera. Po~que rncè-.s
desenvolvimento. Vocês nao têm mais nâo dao nenhum tempo ao te mpo. nenhum
ouvidos para escutar isso. Nao têm mais espaço ao espaço e nenhu ma chance à sob revid:1
olhos para ver isso. Nao têm mais sonho do fututo , vocês matararn o neces-sario em prol
para encarar isso. Mas nosso dever é dizer, do bom andamento dos su pértiuos. Em um:1
corn toda a força que nos resta, que ji palavra, o progresso de ,·octs st· resume em
basta terem nos roubado cinco séculos (... ). termos de assassinato da necessid.11.1e p.1n os bo ns
Corno estivemos esperando pela queda do oficios do supérfluo. A qu:.rnr in1..'1\--.ÎO dè rndo os
Muro de Berlim, esperamos a queda do tornou surdose cegos l vid.1 . .-\ mon t' $ è rornou
desenvolvimento. 0 consumo nao tem seu ùnico deus. lr dpido n.'io impo n.1 ao nde.
porque ser Deus. É babaca demais para viver nâo importa coma . n.io irn poru par ..i què. é
duzentos anos. Moralmente, esteticamente, esse todo o sem ido profundo d.1 civili zaçâo que
nos enfiaram god:i :ih~üxo , fo r.1 de coda form a
racionalmente e humanamente, a babaquice
10 OÉNITEM TOUAM BONA

de razao, de inteligência, de conhecimento _ 0 vegetal, o min eral , a igua,. o ar, a.sondas magnét _ se
e de cultura: chegamos ao século do "jeter-
correspondem, se entrelaçam e for mam um !!nteo / mesmo
aller"6. Vocês esqueceram que o tmico sonho
que nos ~est~p~ra sonhar é o da sobrevida de cosmos. A cosmopoética é a forma primeira 4' ecofogia.:
um futuro gotavel". uma ecologia dos sen tidos e da imagine-a_çao pela qual
Car/; feJ;;da às gentes do Norte e Companhia pajés, ngangas, mâes de sant~, bruxa.s neopagas- e _ourros
(exuatos), Sony Labou Tansi, 1992.
mestres do invisivel estabelecem um di.ilû'io obscuro
- ù •

Corno falar do futuro a seus filhos? Corno na.a lhes œcido de metiforas, corn o conjunro de rudo que ,ibra.
causar angustia, paralisia, asfixia, sem ter de mentir ou Para evitar qualquer mal-enrendido, ~~o qut'
esconder a cara... Se devemos encarar o estado alarmante cosmopoética nâo é nem um fetiche ne:m uma .:n.irca
de nosso planeta e de nossas sociedades, na.a é para ceder registrada, apenas um rermo, ~m rt:od? enm: outros dt
ao fatalismo, mas, pelo contrario, para reabrir o horizonte. a_p~ ntar para uma outra relaçâo corn o mundo <;ul! ?rivi!egïe
A poesia é celebraçao da terra, celebraçâo do céu, a escuta - o sentido das resso nàncias e das corn..":'i:'\. --:J~- .. --1.~
~ ,

celebraçâo do cosmos. Um grande Sim à vida. Mas é - mais do que a visâo. E o privilégio exces:sn-o .:on..:-."th,fo

justamente esse Sim que nos obriga a dizer Nâo. A dar pel;-O'cidente à theoria, levado ao seu paro~iimo n..1 en JJ.s

testemunho do intoleravel, do imundo, da destruiçâo do imagens de sfntese e da ''visao aumcncacLh . qltt' nos . . onduz
a perceber nosso "ambiente'' como um simp'. t'"$ ~:::n-.l!tù.
mundo: quer se trate da 6a extinçâo em massa das espécies
que pode ser modificado à vonc1dc comû 1-> i..'t'no,g_rJ..tus
vivas ou da sinistra agonia do direito de asilo.
dos jogos vircuais.
Para além de sua dimensâo cdtica, os ensaios reunidos
"" 0 devir-s.imulacro de nosso mund..-i k".1 l '-' )-.:u
nessa coletânea buscam reabilitar as potências do sonho e
parox_ismo o logocentrismo LKîd<-nul. p.1r.1 o qu~,!
da poesia: essa inteligência do sensivel que retesa o arco fris
so mence o H omem esra apco .10 lo~\_);:;.. i>to i. J p.ih, r., c ~
do possfvel. Na origem de roda espiritualidade e de coda
inreligência. Em A Qttc:d.1 di.1 ù'fl, lî.n i f,.,. o~nJ~ c~ptic.1
especulaçao teorica, esta a experiência poética: a apreensâo
co m grande proprièd,11.lt : - [O, hr::1fü.1.~l ixns~un qu.:
do mundo como totalidade viva, a intuiçâo de que codos os a Aoresra estâ moru è \ ".HÎ.1. qut· .1 ~.1 ttlfè"ZJ c~d. Ji sem
· m
elementos que nos cercam, nos atravessam e nos compoe
morin) e: 4ue ~ muda. Enc\o diiem para si mes mos que J inhnira plur.uidade dos pomos de \.l~CJ n...Îf: -ufü 1- '!';. J
podem s,: ~,podern r deb para saquear as casas~ os caminhos cosinopoéticc1 nos imerge num plurivcr~J or.du 1 - ...
e o ~1limenro dos .wtpiri como bem quiserem! u.~ Mas como cosmologias amcrindi as, alxingrne, <)U b.m,u-.. - __ ,..
alguc:tm pùdt' crer que a narureia rüo cem voi e nao rem n:io se opôe: :i realidade ; a.nce~. c0n"mu1 ,'1.t d1~ ç,....
o que dize:r. qu:rndo a primdr:.1 môsica t a da rerra! É em proni nJ:1: os concornos e c.ucgonds ~- c,, , ..<
hm,-:1o da ~tps6dia dos Yenros e <las ,iguas, dos mov imenros d :H lugar ;10 curso Jas mer.1morfo,('- . \. ), ,<1n :. . ..
do solo, dos acidenres de rdevo. da umidade e da seca, diurnos ou norurn os, J evanci0 .. 1ntimüs ot: ~ tt
qut> sào modubdo s os assobios. os esralidos. os griros, os colerivas. ofe recem .1 pos-.ihilîJ.1Jc 1._k· ctpç.·r i1' c ~- ~~
~runhidos. llS bz:u.1. da "grnnd t' orqut'srra dos ï.tnimais" ''porno de vida'' lll de um p.-i,-..u,). urn.t ,H\\)r.: ou . ~- •
(Herni e 1'.rausd. E o co njunro dcssa biofo nia fo rma uma nos despcrram ass im p,ir.1 o qw: ~t.t .w mnml 1 ·,.- r''!"•) ~: •
paisagt>tn sunor;1. unu paisagcm l'll'\ fu ga, uma paisagem e denrro de n6s. f: prim ciru pdo, '(' nho"' que f"': r
jau.. Aqui. nenhu1na parrirura escrira de :11irt·miio, anres que s6 poJ emos vivcr crn rd .t\J\> 1.orn ourr 1, 1 •r ·
um itn prov iso. um a v:u·ia~·âo con d nua, a do prôprio vivo. te rrestres.
/\ vida é artisra. d1.: modo que as vercbdes so fozem semido '-' Ao cla m:u por um.1 Clhlllüf')(,,. :t1 .. . 1 J,, n.·r~ ' ~_.
se resti tu{<las a cssr moviml'n tO perpérno de criaçfo. Eis pretc ndo in vc nur 11.1d .1 . ' ll fJ\'-' rt:ft' m.i r 1 r: ,i.:u

prn:yu r f:dlluard G liss:1111 , cssl' grandl' hardo d:1 Manini<:a ! aprlo de Sony 1~tbn u ï :111\1 le Je rnu1t1..•, ouuu.-. ~m.:•~-...:
yuc (,11\lou as pa is:tg.l.' 111- do arquipél:t go. declar;1que "~a<la <lm; 111ov imcn1Cl, d cl ll lP nlJI\ c n.tlttm1n 1i-L.J.., .i: -r

r: Vc-rJ adcirn, tud(l é vivo''.(.'' l udo: lh cnn u ·i1 0, ..t, JhorJ u:{·n,. iq tub1 · ~ .,.
'
,1 ) lei r .llll t.6 111 ,1\ ••1, n ,l\l¼.' , . l h t ,pJ, l h . l t· • ~ .,
'foJ :1 µ;1i sagc:111 é rosw. Us tr:t\·o s lk um tl'1-ri1 ô ri o
0 l l} \IJ\ll U J i () .
rrn1 c1r m :Hi lnt\':tdo de um a pani111ra qu e snts li:1hi1 an1 e~ .
l111111 :111os c nau h11111 :t1H)s 1 1oc;1111 l' 1\· toc:1111 ro 11sta11te nK11t ~·.
r ngr11d r:1111..ln :1ss i11111111 ~1csfc: r:1dc cx is1 (\11da rnj as pulsa\·ôn
c- 111 L'(1111 ra pn n1 0 :1 t1111 a 1111d1id~o de: oul'r:1s csfr ,.,,.,
l'o111rîh11 e1 n p:,ra u n,ovi111 c1110 pcrpl· t11u de i1111 pirn~·.111 r
1
de' rx.plr:11,:10 d:1l,inslt· r., d1.1111.1d., '1 t•rr;1. l'u r lcv,,r c111 C1ll 11 ·
COSMOPOÉTICAS DO REFÜGIO 15

COSMOPOÉTICA DO REFUGl0 11

Somos Semente da Terra


A vida que se percebe
EmMudança.
Octavia E. Butler, A Pardbola do semeador

"Em Sâo Tomé, os escravos se revoltam, se refugiam


nos morros, de onde partem em verdadeiras incursôes para
atacar as plantations alguns anos depois da instauraçâo
desse regime de cultivo". 12 Estamos em 15 5 5, ao largo
da costa africana, num dos numerosos arquipélagos do
Oceano Atlântico invadidos pelos portugueses, durante
uma das primeiras insurreiçôes marrons importantes. ·
A partir dai, a marronagem se tornara indissociavel do
sistema protoindustrial da plantation, do qual a Ilha de
Sao Tomé constituiu o principal laborat6rio africano, antes
de sua rransferência e aperfeiçoamento no Brasil. Assim
como a escravidâo colonial, a marronagem rem ink io em
terra5 africanas: desde o começo, craca-se de fenô meno
tran \a dâotico. Mas é evide ncemenre nas Américas -
1 ra11•>i'< >ro1ada~ no nùcleo do sisce n1a escravoc rara - q ue
C\')~ fonn a dt· vi da e de resi~tência val. cnn hcccr su:\ tna ior
puj an~a ) att'- i) t · , ornar a 1n ;~ui1. de vcnbddras socit·d:u.lcs
Jt) J f'f()l l /-J.
DÉNÈTE.M T ,.M ;A COSMOPOCTICAS DO REFÜGJO

~ marro~g r~- o fenômen o geral da fuga de escravos


Situadas nas zonas tropicais , as plantations costu m am
_ pode~ ocasional ou definitiva , individu al ou coletiva,
estar cercadas por florestas densas e impeneu aveis, po r
discreta ou violenta; pode alimenta r formas de banditism o pântanos e manguez ais labirintic os, po r morros îngremes
(caub6is negros do Faroeste, cangacei ros do Brasil, piratas cobertos de espessa vegetaçâo, por caatingas a.ridas e
negros do Caribe, etc.) ou acelerar uma revoluçâ o (Haiti, agressivas; e rodas essas extensôes hostis - à penet:raçâo
Cuba); pode lançar mâo do anonima to das cidades da ci-vi-li-z a-çâo - constitue m também espaços de
ou da sombra das florestas. lnûtil entâo procurar uma desapare cimento. ~ é.florestl j -~ C_2.!lj unto ~ linhas e
definiçao precisa pois, profunda rnente polifônic a, a e) ementos gue recobrem o hom~ c_2m ~ a malh2 vegeul
noçâo de marronag em remete a uma multiplic idade de - oferece assim aos marrons um rf fügio, um1- cida2 ela~ um
experiências sociais e politicas, que se espraiam por cerca !uga! de vida privilegia do.
de quatro séculos, em territ6rio s tao vastos e variados A raiz latina de Aoresta, derivada do advérbîo
como os das América s ou dos arquipél agos do oceano foris - "de forà' - nos indica que os espaços silvesrres
fndico. 0 essencial é compree nder que, no conjunto desses sempre constitui ram um "fora" para a "civiliz.açao- : o
territ6rios, a mem6ria dos neg mawons (Antilha s francesas), fora da "selv3 gerià' -:. da "zona de nâo-dir~ t_s>,. . d iriamos
dos quilombo las (Brasil) , dos palenque ros 13 (América hoje. Se quisermo s responde r à ofensiva globaliud .1
hispânica) continua a irrigar as lutas concemp orâneas por dos conquist adores sem rosto (as m ulcin::icionJ.is d o
meio das praticas culturais (maloya, 14 capoeira , cultos afro- extrativis mo, da mercanti lizaçâo dos seres vivos . et-:.).
diasp6ricos, etc.) que, por reativare m a visâo das vencidas e precisamos, seguindo os pajés, os rt'ganga. 1" os f .1-,uù
dos vencidos - sua versâo da historia, logo, da "realidade" madjini 16 e outros mestres do invisivel , redescobrir no Sèio
- , subvertem a ordem dominan te. Se, em meu trabalho, da Aoresta nossa _p r~ ria potência: a do que J.!i \·i,~ è se
privilegio a "secessâo marron" - e por secessâo entendo 0 manifest a, mas também a das comu nid1des e pù"t"~ qu~ Sé
encrinch eirament o silvestre de subaltern as e subaltern os, erguem em seus recantos silvestres (marrons c· J.rn.c:r1ndi 0s.
quaisquer que sejam, sob a forma de comunid ades furtivas zapatistas, ZA 0, 17 Selva de C abis, etc.).
- é porque a marrona gem aparece plenarne nte ai como
matriz de formas de vida inauditas .
18 DÉNÈTEM TOUAM BONA

. R evolucio , d ois terços da pop0-hç..io dd i:n.a _;.jo


"Babylon system is the vampire" exp Io d tr a ,. . ,
" . ros boca.is,... percebido.; odr,<; -ir:.·ï ::s de
composcos p o r n eg , • _. _
A expressao "pais de fora", pela qual « · u1 "' al . n ascidos) como ~sel-,-a.zff,~ ,._sr, :,1,,0'> -
mundo rural do Haïti costuma ser cor" (os cn o os , - .
0
designado, expressa uma exclusao secular.
.
Eanovae11re cno · ul a , qu e coma as réde--
.ù d), p<",ocr ce-:_-....-..
• _ ' w
Todo o campesinato, a maioria da populaçao m . cia , ce m com o princi pal asp ira.;jo J ,-.=?ç-...;:.1.,..ç.; -,
• d epen d en
haitiana, organizou-se sob a forma de um da "c1v
· w· za.çao
- ", d o m odo d e vid.:t. e do dese..--· -, -,-1:--::c · -
enclave de resistência face a um Estado
ocidentais.
vampiro; organizou-se, portanto, corn sua
religiao, sua cultura, seu modo de vida Um dos aspectos inte ress.ances des...">2 rct"rii'n-i..~:.é.1~
proprio. [... ] A sociedade é marron pois, paradoxal do "pais d e fo ra~ é que eb n o:- !embr:; tï...,._. . '
desde sua constituiçao, o Estado haitiano marronagem é um tipo d e rt>s istê nci.1 que poJe ,ër .;..... o -:..;;,..!.;.
encarna a nova figura do senhor. 18
e pensada .rara a lé m d o p roprio cûntt:·'<: to es..:r:1·.:.. ;;t,-.;.. ~.
Seria muito demorado detalhar aqui os desafios da secessao marron é a pri m ei ra form.i Je ..1 n.1rqui.s:-:- ) .::·-
Revoluçao Haitiana, que faz surgir em 1804 a primeira diasp6rico - ela esca pa rant o d..LS pr1;.:s..i.s Jo u?it:1i <~~ - .. -
Republica Negra. Por certo, trata-se de movimento das presas do E scad o .
antiescravagista em seu prindpio; mas a realidade é hem
0 gra nd e m a n (c hcfd nJ o Jct..:r-1 qL~~...:
mais complexa pois, desde o inicio, os Hderes oficiais
nenhum pod er ccmpor-11 l ... l. :",.,,.) ~uc <
dessa insurreiçao apresentam, por uma série de razôes, refere à v id a m ateri ,:d , V-lJJ urn tcrn t" ~-~- · ...
a tendência a reproduzir o modelo que supostamente ab so luro. se po<leria. J.té mn.rn o <.Lz1: r o .!c'-::-
deveriam combater. A Revoluçao Haitiana s6 derruba o d e ag ir co m o lhc ;ip<tcu.: . n..1. ~" ..-J.J~ ~ ·
q u e n ao pr,c:judici n inguém ;\...:-"~
sistema escravagista para inaugurar uma republica negra
co m é rcio <:r::t prat Îl...lJo. {.~~ ..:.:.,, JJ.-~:
que vai se comportar, em relaçao a sua pr6pria populaçao, es ran d o clM~ mcncc h~..1J..i f"'J.~ -~ .:, -.. _. .~.; -
como um Estado colonial: os "grandons" (grandes de explora\.ao de uutrc-.tt.
proprietarios de terra) e o exérciro vao constituir, para a Co n10 nora Jc..tn Hu r.1u!t , '-" !-,, ''-- -l'i.'. ..!'-""' 1,.~,.·,v\
massa de camponeses "boçais" (nascidos na Africa), forças bushinn1gu/., da CuiJ. n ..d c,Ltl-..-t.,~nm t. t'.J. .....::tn: .......·
de ocupaçao e de exploraçao. É preciso d estacar que, ao mec :ini:-mo~ par .l in11").c-.. hr _, .J.-.. umd...t~._h.'• J.: r,...J..-c C ~('
20 DÉNÈTEM TOUAM BONA

riqueza. Trara-se para a comun id~de marro ? _d_~ afastar 0 escravagista é um sistema de caça ao humano. E O senhor
risco da formaçâo em seu seio de um poder separa do dela _ isto é, segund o Marx, o capital , cujo primeiro servido r e
pr6pria: a domin açâo de um aparelho estatal0 ·- 0 Estado, aparenta-se ao vampiro que sé se anima ao su22.r

A experiência da marro nagem moldo u o conjun to da o trabalho vivo.


22
1/ .,
cultura bushinenguê, o que explica as proibiçôes envolv endo
Aorganizaçâo ritmica do coumbite1 se opôe a todas as
3

tradici onalm ente o comér cio ou o ato de empre gar outras


hierarquias
pessoas (a situaçâo mudou hoje) e o carater sagrado, como
Nos morros do Haïti, é pelo ritmo que se cransm ice e
entre os rastafaris, da autono mia doser human o.
se reinventa a tradiçâo das sociedades de trabalh o africanas.._
Quand o, em 1940, no alto de um morro cobert o
à medid a que os antigos escravos romam posse de parcd 15
de mata, Leona rd Percival Howel l funda na Jamaic a a
2 de terra para garant ir uma liberdade conqui scada ap6s um.1
primei ra comun idade Rastafari, batiza da the Pinnacle, ]
luta ferrenha contra as tropas napoleô nicas, mas tam ~m.
o que ele faz é retoma r o gesto dos marron s. Corn a
depois da Revoluçâo, contra as renracivas das nor<L.S dir-t"S
propos ta de autossuficiência alimen tar e de uso coletivo
crioulas de restabelecer o regime disciplinar das grandè'S
da terra e dos meios de produç âo, Howel l refaz a busca
plantations (instauraçao do rrabalho forçado por meio d-c: !c-ii
marro n de um "fora" da sociedade coloni alh'Babylon
que criminalizam, coma no Ocidenre, :i "vagabunddg-e m~ .
system is the vampi re", nos lembra Bob Marley. Na leitura Ao retoma r por sua pr6pria conta as pracicas de ali.1,, 'l-:-J
marxista, liberta ria e pan-af ricanis ta da Biblia operad a desenvolvidas no interior das comun idades nur.uns...
pelo rastafarianismo, Baby/on repres enta qualqu er sistema esses grupos de camponeses se baseiarn em pri n.:ipi0~ d-c
de predaç âo, de exploraçâo, de alienaçâo. 0 escravismo reciprocidade e de igualdade: cultiva-se a rtrr.1 do pl\.h.i m""'·
coloni al consti tuindo apenas uma das modal idades do o qual, por sua vez, ajudara a cultivar a stu. 0 rr.1~.tlho n.iü
capita lismo e do Estado. Baby/on se perpet ua sob novas é pago, mas sim trocado. No caso do tsquJ,i r.io h.ùll..lfü.),
formas, como as multin aciona is, o consum ismo, o cuita oito lavradores trabalham jun ros o :ino coJo. 11.1s car.t.s de
às celebr idades , etc. Por que essa referência ao vampiro? cada um de seus memb ros; cada comp,ui,'t' b<"nd1ci .rnd0 do
Porqu e o que o vampi ro ca~a é o huma!Jo. Ora, o sistema trabalho de rodos os demais um di.\ por ~c' nun.L T r.H .t ·S è Je"
7ï J1'lltrflA HJIJMA f~llll! { OSIAOVOCTICAS 00 REFUGIO 23

,im 1> i1>1cm;i cr.ircmamcntt igualitârio: aqudc <JUC comanda ~ .o garan tir a sincronia dos gestos, a cadência regular
u c<,qwu.lrâo (:. 0 Jnno do campo. A roraçâo doll campos leva dos csforços, o alinhamen to coreografico dos corpos,
en tâ<> ~ m Laçâo do comando.
0
ricmo p roduz a comunidade fraternal dos ~ Essa
Em fi la! - gri wvam os chcfcs de grupo. cradiçâo d o crabaJho dançado e cantado assumTu; no sui
dos Escados Unidos, a fo rma das work songs, matriz do
() acompanhador An roin e passava a tiracolo
a bandolcira do ra mbo r, Bienaimé ocupava blues. Trabalhar junto é parcilhar uma pulsaçâo coleciva,
bCU posro de: comando à frcnre d a linha dos vibrar cm unissono, comungar num s6 canto. 1 /
scus homens. Antoine prcludiava corn um as
Essa sociedade recusa as estruturas sociais
curcas pancadas; dcpois o ritmo crcpi tava
que podem desembocar cm estruturas
sob ,;eut, dedos. Num impulsa un ânimc, d es
d e poder [...l . Ela enconcrou no ritmo a
crguiam as cnxad as. Um relâmpago feria o
ferram enra ideal para fazer surgir modos
fc.: rm ; po r um scgundo, os homens brandiam
espontâneos e imediatos de organizaçâo,
um arco- fris.
que tornam possivel o controle tanto da
A voz do acompanh ador subia rouca e forte: produçâo material quanro do sagrado. 25

- a té ... No mundo rural haitiano, o ricmo representa um


De: um s6 golpe, as enxadas cafam num ruido prindpio de organizaçâo social incegral que, por intermédio
surdo, aracand.o o pelame malsâo da terra. [... ] de praticas como a do coumbite, se op6e a toda e qualquer
Os homc:ns avançavam cm fila. Sentiam cm hierarquia.
sc:us braços o canto de Antoine, as pulsaçôes
prc:cipi tadas do tambor, como um sangue 0 vodu, uma ecologia politica
mais ardente. [... ] Uma circulaçâo ritmica
se cstabcleda encre o coraçao palpitante Hoje, o som potence do lambi26 - ancigo sinal de
do ta mbor e o m ovim enco dos homens: o alerta dos marrons - ainda ressoa às vezes, de um vale a
ritm o c:ra como uma corrente poderosa que
outro, sobre as encostas ingremes dos morros do Haïti.
<>1> pcnetrava até o mais profundo de suas
artérias e nu tria seus m usculos de renovado Junto corn a rapsôdia dos cantos de crabalho, o palpitar dos
vigor. ïA tambores, o manelar das foices, transforma o mundo do
~t NtTEM TOUAM BONA
COSMOPOCTICAS DO RHÛGIO 25
24

. musical e misrica. Ao cair d a noire Essa visao ecoa a cos mologia amerf nclia:
c.u npo num a paisagem '
. d d "d m ad rugada" (sociedades de trabalho)
a.s soc1e a es a Omama re m sido, clcsdc o primeiro tempo , o
cormam em confrarias vodus; o transe
po r vezes se rran Sn . . ' cenrro das palavras que os brancos chamam
ellc âo ao Jabor diurno. Dos coumbttes as de eco logia. É verdade! Muito a ntes de essas
no ru rn o suced e
. . n1as
cenmo • m,'sc,·cas , uma mesma ritmica se propaga, e palavras exisrirem e ntre eles e d e com eça re m
a repeti-las cantas vezes, jâ es tava m em n 6s,
corn e la um a m esma cosmovisao afro-diasp6rica: uma
e mbora nao as chamâssemos do m es mo
c.on cepça-0 do mundo que se conrrap6e, ponto por ponto ' je ito. Eram, clesde sempre, p ara os xamâs ,
aos valores d o sisrema capitalista (propriedade privada, p a lavras vindas dos esp fritos , para defende r
busca do Ju cro, erc.). A dispersâo a1eat6ria do habitat, a a Aores ta. [ ... ] Na floresra, a ecolog ia somos
extrem a mobilidade dos lavradores, a relaçâo c6smica com nos, os bumanos. Mas sao também, canto
quanto nos, os Xapiri, os a nim a is, as :i rvores ,
a rerra . 10do um co njunco de elementos toma a culcura
os rios, os peixes, o céu, a c huva , o ve n ro e o
dos cam po neses hairianos um a resposta formidavel ao sol! É tudo que veio à ex is tê nc ia na Aores ta,
~isterna de p&ntation. Longe d e se resumir a praticas de longe dos brancos; tudo o qu e ainda n i o ccm
m agia negra'' o u a supersriç6es, o vodu envolve uma cerca. 28

e\pi rirualidade (nâo emprego a palavra religiâo por nao Corno nos mostram as palavras do pajé c lidcr inJ1gen ~1
:.cr ;i mais adcg uada, devido à ausência de dogmas, à da Amazônia, Davi Kopenawa, para os p o vos n a tivos c p ara
piJ..>11<-idadc dos ri 1uaü, etc. ) e um a relaçao singular corn o a m aioria d as co munidadcs tradic ionais d o Sul, a c..:co logi:1
mundo, a rn ;11riL de u rn a agri culcura c6smi ca: h e rdar um nao representa um sabe r teé rico, um <liscurrn M.:par:1<.lo do.,
um po c na ,·a <lade h erd;1r os /wm.:"' que o habicam, os dcma.is asp ec ros d :i. vid a . "As pa l.av ra~ (d a cco lo g i.1) l.. .J
t.'.111Ù,( \c:-rc.Lidc-i ro:-. prop riedrios d :i terra . 0 vod u consrirui ja es tavam e rn n 6s" : a c..: co lug ia nt·sst Lipo de..: -'tKÎ t·t.Lttk t
urr1.1 cr,,lor u f)(_)l iriu, pui) im-1:.iu ra um::i reb çao de aJ iança irn a nc nre , <: indi\\Oc i:ivd do~ ~c..:.s to, tna is corriqut·i ru., . O-'

cnu~ ·1' ,omtJJ1id.1do t1uc- bvr.1m a le rra e o arnbieme de: <l.t j.trd inage m . d a pe:-.t.J, d a ( a\'a : t·x p n:,._.1-.,v no pr1)pri1,
vidJ ~le- ' /U r I(• 111 '> J c.· vc:-r J c: ( tl Î(br, pdo dd Jogo com JS modo d e '>é" d n ln<.: a r 11 :1 tl orl:, ta, u1 1d1: r.11n .1r p.11 .1 .1.... 11l.rnu,
pLnt.i ~c u,11, u ~ r·l c· n ie n f ch . OU jl.l r.l O\ t:", ririw, -,1ni 1n ,1Î\ .
COSMOPO(TICAS DO REFÜGIO 27
26 DMTEM TOUAM BONA

No Haïti, a insrituiçâ.o do !akou ou deman bré constitui pelo esforç o que lhe sera dema ndado . [...]
uma das expressôes mais poderosas da ecolog ia marron. O lenha dor preste s a derru bar uma arvore
bace prime iro no rronco corn o dorso de seu
Trara-se de uma porçâ.o de terra famili ar que nâ.o pode
mach ado para avisar a alma que o habita e
ser vendid a, dividida, desme mbrad a nem transformada Ihe dar tempo de sair. [... ] Ao lado da "gran de
em propri edade individual, porqu e esta ligada aos fwa alma da terra" (gâ nâm tè), cada camp o é
.A
heritaj - os ancestrais e divind ades tutela res da familia------- anima do por um espiri to que, agind o sobre
-v,,,..____,, as planta s, garan te sua fertili dade. A alma
vinculaçâ.o da familia campo nesa a uma territorialidade da terra nâ.o é imate rial, o lavrad or que, em
ancestral consti tui, no Haïti, a mais poder osa ferramenra pleno meio- dia, trabal ha seu camp o pode
de aurodefes© :ontra os processos de cercam ento, de sentir sua presen ça como uma brisa em seu
privatizaçâ.o, de apropriaçâ.o capita lista das terras. A rosro e perce ber sua somb ra se per.filar atras
dele. 32
ecologia integr ada do vodu se manif esta també m nas lutas
30
conremporâneas de alguns coletivos haitia nos que buscam No livro Gouverneurs de la rosée, public ado em 1944,
o escritor comu nista haitia no Jacqu es Roum ain destac a o
criar ou reativar florestas sagradas: rearm ar a nature za pelo
1 alcance ur6pic o das sociedades de rrabal ho do Haïti, cujo
seu re-enc antam enro. 3
modelo politic o e social ele sonho u, por algum tempo ,
A nanm [alma , força cosmi caJ das planta s
generalizar para rodo o seu pais:
é conce bida de modo mais pesso al do que
a dos demai s objecos. Os "dout ores-f olhas" Entâ.o, que é que somos nés, os colon os,
[rezadores ou curan deiros J aprov eitam a negro s descal ços, despre zados e maltra tados?
hora em que pensa m que as planta s escâ.o [... ] Se é uma pergu nta, vou dar a respos ta;
adorm ecidas para delas se aprox imare m e pois somos este pafs e ele é n ada sem nés,
colh ê-las bem devagar, para nâ.o assust arem nada de nada. Quem planta , quem rega,
sua nanm, Ao arranc a-Ias, murm uram : quem colhe? [... ] Mas sabes por que, irmao?
"levan te-se, levante-se, venha curar um Por causa d a nossa ignorâ ncia: nao sa bemos
docnc c, sei qu e você es ra dorm indo, mas ainda que somos uma força, uma força
preciso de você. " Tèm o cuida do de deixar ùnica : rodos os camp oneses, todos os neg ros
ao pé do arbu sto algum as moed as que d as pl an fc ies e d os morro s j unros . Algum
rcprcsen1 ::i m o pagam cn ro oferec ido à alm a
COSMOPOÉTICAS DO REFÜGIO
28 OÉNÈTEM TOUAM BONA

dia, quando a gente meter na cabeça essa escravagisra que se esforça em converrer os humanos em
verdade, nos nos levantaremos de um canto gado para as plantations. ~e ~ to, 5)/ doc~m_::1t~s_d~ época
a ourro do pais e faremos a assembleia geral nao descr~':'<:m c_<?rp9s nus, masso.c;pos:Hier6glifos,, corpos
dos donos do orvalho, o grande murirâo dos
coberros por motivas ind~l,éveis. Uma descriçâo, entre
rrabalhadores da terra, para acabar corn a
miséria e plantar a vida nova. 33
--- ---'- -- -
outras: " ~~ s!..n tan_d9 m~rc~s _c;l2..p~ s .9.~~rmam
"!.~ ~ ?.9f<:-qdaJ ado q_o_ peito." E~ ~scarifica_çôes
0 "dono do orvalho" ("mèt lawouze") é o responsa.vel
sa~ {micos tr_aços visiveis que~os dep9~ca1.9s subsaa~rianos
pela rega, o que esta encarregado de distribuir a a.gua e
conser~~ ... d f sua,..ter:ra natal: uma carrografia e~istencial
de repartir entre lavradoras e lavradores os trabalhos de
gravada na propria pele. 0 ~ ~ o- e~cé!,rifjf~do ~ corpo-
irrigaçâo na comunidade. Esse personagem encarna um
me~or~a: superficie onde se de.:'dobra a escrica de um
ideal de justiça, de equidade, de solidariedade e de vida
povo, o relato singular de uma vida, a genealogia de um clâ.
em harmonia corn a narureza. Corno pressupôe uma
Nos sulc~ nas f<:_I]-das, no relevo acidencado_de s~a carne,
organizaçâ.o autônoma e igualitaria, oposta ao regime
o nègre_ enconrra_ra s_~mp~e a certeza de sua humanidade: de
disciplinar da plantation, a ritmica mistica do coumbite terâ
onde vem e quai é sua historia.
contribuido para a gênese de um Haïti marron: o efll..3n .,., -
Mas a essa escrita em carne viva se juscapôe uma
~ o pa is de fora.
marcaçâo invisivel, mais intima, que opera na junçao
A libertaçâo do escravo exige um verdadeiro desenca- encre o espirico e a carne: a tatuagem rfcmica dos corpos
deamento afro-diasporicos. A memoria do corpo nâo é escacica, é
mocora, di'2âmica, so ~ atualiza em g~sr; s, em p ~sturas ,
O s nègrer3 1 sao "migrantes nus", nos recorda o
numa série de praticas corporais tais como a cbnça o u a
pen sado r da Ma rrinica É<louard Glissant: mulheres,
cri anças c hom<.: ns nus c rcduz·d mùsica. Os riunos do Aclâncico negro s.e confundcm
1 os a, " v1.d a nua,, -
muicas vezes
- com a _prnpna
' · rep cttçao
· - d· o n\lto:
· sua
esrri ramenre biul6gica - do vcn· Ire d o nav10
· negreiro.
· No
enra nt o, 1,an.:cc lJUC , <.I<.: ~ cl e.
a rualizaçao ricual. As ce rimônias do cando mbl ~. do vodu
o cm l)arqu e , a Igo m . scnro
. nos
corpos cenh a rè~Î~ti do ou da santerja resre ml1nh~m i:-so: '\.:;1<.b divind~u.k cem
. · •
,H l CJJc., 11t1 d ~1m<:: nto, ao apagamenro
d1' mem6· rr·a, a' '.lum 1, 111caç;'jo,
·r ~e u~ m o rivos tamborilados, lnf-init.11rn.·m1.: rl: pl;'. tid'-)s, qut:
;1 ioda l'.S~a feiri ça ri,1
z

COSMOPOÊTICAS DO REFÛGID 31
30 oMTEM TOUAM BONA

,
.
consnruem
uma espécie de leitmotivs waK!J.erifmos dessa
-~ _ ·-·. __ --- - negre passa da escravidao à epifania dos deuses e deusas: "o
--:-. - _c. ··can
_ a
_" 35 Roger Bastide enxerga no ritmo a fonte rosto se transforma: o corpo inteiro se torna um simulacro
m1suca a.ir1 ·
de um verdadeiro "misticismo africano". A essa m1st1ca da divindade." 36 E o que uma divindade poderia temer?
"afro" enraizada nas ressonâncias do corpo, opôe a mistica -4o transe é uma técnica de intensificaçao dos fluxos:
cristâ que supôe, inversamente, a extinçao do corpo. Por corpo nao se reduz mais a uma coleçao de 6rgaos, se
0
meio da ratuagem rfrmica de seus corpos, é, portanto, toda transforma em onda vibrat6ria. A metarnorfose surge
uma cosmovisâo que foi trazida por esses migrantes nus das pulsaçôes dtmicas de um erotismo sagrado. 0 corpo
no porâo do navio negreiro. E as resistências negras vâo comado pelo transe é corpo carnavalesco, ut6pico, onde
se desencadear precisamente a partir da reativaçao criadora se opera a subversao da identidade, do estado civil, da
dessa mem6ria, a partir do ritmo, pensarnento encarnado. maquina binaria dos gêneros. Das metamorfoses do transe
A liberraçâo do es'=3:vo exig~ a reapropriaça~ de seu ~orpo: às transformaçôes carnavalescas, encontramos os mesmos
um verdadeiro desencadeamento . fenômenos de inversao dos papéis, de derrubada das
hierarquias, de parodia dos conformis~ e dos poderes.
As metamorfoses do transe 0 ......_______
transe implica uma ..transsexualidade ; pois os Iwas sa.o
Na origem, todo ritmo é um ritmo de corrida: o incorporados pelos hounsi37 sem levar em conta seu sexo. 38 //

marcelar dos pés sobre o chao, o martelar do coraçao dentro Tomada por Ogum, a divindade ioruba da guerra, a
do peito, o marcelar das ma.os sobre o couro estendido. É menina mais franzina brandirâ um facao à guisa de espada,
anres de rudo por m eio do ritmo que o nègre traça uma usara uma linguagero chula, gritara ao pedir cach aça e
lin ha de fuga. Propulso r de sonhos, o fraseado ritmico opera carrera atras das saias da assistência. Dominado por Erzulie
di5 ro rç6es nos proprios co rpos e no espaço-tempo. Durance F~ , o equivalente vodu d e Vênus, o rapaz m ais atlético
0
transe ri rual, o possufd o é o cavalo d as divindades. Em vai carrega r na maquiagem , trocar as calças po r uma saia c-.
rerras sub meri das à cscravid âo , esse teatro do invisfvel niio balança ndo os quadris c jogando o lhares l:1 n g uido s, encar:u
pode dcixa r de ser subversivo: no d ecorrer d a cerimôni a, os machos em busca d e um beij o ou de uma carfc i~t. Co mo
a condi ._ · · tem ct·1a n.a m c n rc a o rde n,
rra t,sgrtl . ht' tcro no rmattva
.
. çâo de cscra · vo ,~ica su sp ensa, é n cgad a, d crru ba(1a, social
abolida. Ao atravc.:ss· . 0 . ·I d . scs mis11c,Js,
. . ',
· a, cic o :1 !> m ctam orfo
32 DÉNITEM TOUAM BONA COSMOPOHICAS DO REFÛGIO 33

"consagrada" pela Igreja ( uma das matrizes da ordem a inscituiçao de zonas autônomas urbanas que
areas: d esd e
colonial), pois seu modo de vida ja pressupôe uma espécie . permaculrura e cenrro de formaçao musical
conJugam
de metamorfose, travestis e homossexuais ocupam um Casa de Cultura Taina em Sao Paulo) até o
(como a
lugar privilegiado no vodu. 39
estab eleCl·mento de uma rede solidaria de quilombos e
Mas o questionamento do dualisme dos gêneras e das comunidades subalternas, tal como o projeco Rota dos
normas sexuais nao se restringe ao tempo da cerimônia. Baobas. 4 1
Seja no Haïti, no Brasil ou em Cuba, os espaços de culto
"afros" represenram verdadeiros refügios para LGBTQ+ A sociedade secreta, a aliança noturna entre a marrona-
confrontados ao machismo de suas sociedades, bem como gem e o vodu
ao crescimento da intolerância religiosa - em especial por A comissao, informada de que enconrros
pane das igrejas evangélicas neopentecostais. Foi assim que, perigosos, conhecidos sob o nome de Vodu ,
em 2016, Erica Malhunguinho, uma artista e ativista crans continuam a acontecer, apesar das proibiçôes
que haviam sido feitas pelas autoridades
afro-brasileira, inaugurou em Sao Paulo um Quilombo
constituidas ( ... ); considerando que essa
urbano dedicado às Arces e às culruras negras, batizado de dança parece ter como objetivo lembrar as
Aparelha Luzia. 0 faco de afro-brasileiras e afro-brasileiros ideias perigosas a respeito d e um governo
conceberem espaços de criaçao e de resistência como republicano ( ... ). A comissâo delibe ro u
e decreta o seguinte: Arrigo l: as re uni 6es
qudombos atesta a arualidad e da secessao marron.
conhecidas sob o nome d e Dança d o Vodu
Ou seja, as rearivaçôes de quilombos e mocambos ficam severamente proibidas.
nâo ~e limitam às Juras em defesa dos direitos e territ6rios Trecho do BoLethn OficiaLde Sâo Domingos ( 179 7)·1 ~
da.<. wcomun idades reman escen res", 40 reconhecidas como
11
É do apclo às d eusas e aos deuses J a C uin t
herdeiras de: co rnunidades marrons ou d e comunidades
m o bilizaçâo de uma m ernôria africana mùlciph - qut' :,s
cainpon c~:l.'> cm lu ta pda a u conomia; rcdcsenham, para
n:s i~rènc ias populares afro-a m e rira n:is cir:ull sn1 1: m usi.,smo
alé-m d ::is comunidades afrodescendences, as fo rmas de
t'. sua força. Ex p criê nc ia i.:sp irirn,1I l' lll que: o l'ürpn s~
lut a, de criac,::io t d e org.a nizaçfio po pubr 11:1 s mai s v:iriad:ts
corna 1,.·-;pac,'t) ck illkia,;:t0 ~· <.k k or1 c-sa 11s (çonht<.:i m t 1no) ,
..... \.. "\'.
35
COSMOPOHICAS DO REFÙGIO
34 DE.NETEM TOUAM BONA

dos orixas - que se formam durant e essas


o transe fornece o moddo geraJ do desencadear do filhos e filh as . .
.~ turnas constim em microc osm~_Lcl_a1.1d~stmos.
escravo. A~ e_los~_ d ~ e~ olcas_2..e ~re corresp onde ao reun10es no d
. d d aralelas oue, sub-rep ticiame nte, nao cessam e
desenca d_e~ nt<! dos _eoderes cosmico s. Prova disso é 0 soc1e a es p -i_: - •

- aJ-h de se infiltra r, de subver ter a ordem escrava g1sta.


evento fundad or da Revolu çâo Haitian a, "Bois-Caïman", a rra 6 ar, -
Nao import a quai seja a forma de dissidê ncia consid erada,
cerimô nia vodu em que foi selada em sangue a c_2Qj~çao
entre escravo s e marron s em revolta. 0 abolicionismo segredo sempre desemp enha um papel criado r e
0
dinâmic o: pratica do segredo (senhas , c6digo s, itiner:i rios
dos Jacobin os negros foi ao mesmo tempo movimento
44
revoluc ionario e reaJizaç âo da Revolu çâo Francesa em canrado s, etc.), experiê ncia do segredo (corn frequên cia,
uma experiê ncia do sagrado , o segred o represe n rando
sua radicaJi dade plena; e isso muito antes do decrero de
aboliçâo de Vicror Schoelc her ( J 848), cuja celebraç âo rende um conhec imento proibid o), comun idade do segred o
(a dos conjura dos, ligados pelo segredo ). No conrex ro
a exd uir os afrodes cen denres de sua pr6pria libertaçâo.
escravagista, culros e socieda des secrera s config uram
;/o que disring ue radicaJ menre a Revolu çao haitiana
formas privileg iadas de resistên cia popula r; e sc rve m como
das Revoluç oes fran cesa e a mcrica na é o fàro de ela ser
ciment o unifica dor entre escravo s e marron s. "As societla des
p rof u ndarnen I e a I ravcssa da por uma espirirualidade
secretas constitu fram, no curso dr1 hist6rù1 do H aiâ. a expressi io
polirÎC.'1 afro-dia spôrica/ / Em fins do século XVIJI, é
da resistência popula r face à timnia e à desorde m du Estatlo.
dura nt <; as f'CU nioes /101 urn a.s J as "calend as'' e ''vodus"
Surgit/as dumnte o p erlodo colonia l. ressurg intlo no inkio
que :x..· di fundc: ;1 su bwrsâo . que ~:.'io o rga nizadas as redes
do século XJX ( .. ). prolong avam o esplrito da marrorw_e,em
de di ~·.id,:nrn . yuc ~c n11rd:1 çJm :is so lidaricd ~1dèS e os 4' ( p <1r n1 c:i<.1 d.1
" fi' inscrrui am no imagiru irio do vodu. "
<-'-m1 p ro rni ~'><J~ '>l'.L r c r o~. A marro11 Jg em alim enr;i o )(.-grcdo 1
.,,><:ic<la<lc -,~·<..:r· lh
.... c: t ·,l c.1uc se pc:rc c llc m<: . or, no 1. Lliti, :1 .1 i:rn~·.1
L
c !>c ;1lrrncn1.1 d,, '>cgrl·Jo L·onw ~!><:Cre\··io", coma forn1J
fHHurn.. t e ncri: a marro n agcm e o vodu .
d e viJ.1, c.om ,J 111orl,n oprr,ouJ,·. C omeç .1 J ù c.lir J.1 noicc',
( jU.llld u , ,JJ •rfJ\, 11.111do d.t C ').( u r 1dJ, J, o~ c:~c r.n•o ~ r~JpJO I

d.r-, ~t' III JI.I; l'·"·' 1 ( )lf l(Jfl!',-H Il l \ {bll\J~, fll) l 1.·.11110\ , f i()>

111r.1111c n1,, , ()<. i,J r(I \, A. ~ t ,JIJI JJ1.h l


Il l \(!l,H IH
·
J JlH I Jl /I l)
do.\ . _ 1,I" ,,~ ·1f·, , ;., l,.,..._ <•1, c1r 111 r\ •.. ru l •,n , idc-,..i du, l 1111 11 1
36 DMTEM TDUAM BONA COSMOPOÉTICAS DO REFÛGIO 37

A dissidência sempre procede de uma ruptura do , nsproletdrios resolvem romper o Ilcirculo que coloca
183 0, atgu
continuum temporal 47
•anarador entre os dias do saldrio. " J\
o sono r.,r
Das confrarias vodus aos bandos furtivos de marrons , A historia das revolras amedndias guarda semelhanças
rrata-se sempre do mesmo modo menor de existência, uma revolras afro-americanas. Nas sociedades
corn a d as
mesma cadência poética, uma mesma potência opaca que indfgenas, a conquista espanhola provoca um trauma
se desdobra: à noire, acontecem os complôs, as danças, colerivo incomensuravel: a morte dos deuses, a queda e
os sonhos, as rezas, os escritos, os debates, os sacrificios. rompimento do Sol (um "desabamento" que prefigura o do
De modo semelhante aos afrodescendentes , artesâos e mundo globalizado contemporâneo) . É assim que as grandes
proletarios europeus também recorriam à opacidade da revoltas amedndias iniciavam sempre corn a ressureiçao das
noire e aos codigos sussurrados: divindades e o repudio à fé crista. De faro, em 1541; uma
Assim, a sociedade dos Fundidores de Ferro, das mais terriveis rebeliôes indigenas testemunhadas pelo
criada em 1810, teria se reunido em noires Império espanhol estoura no norte do México, nas terras
escuras, nos picos, charnecas e regiôes ermas dos nômades chichimecas: a "Guerra de Mixt6n". Tinha
das terras altas dos Condados das Midlands como lideres "bruxos selvagens" que "anunciavam a vinda
(... ). Provavelmente, eram muito difundidos
de 'Tlalol: acompanhado de todos os ancestrais ressuscitados" .48
juramentos imponentes e cerimônias de
iniciaçâo. 46 Do mesmo modo, ao ressuscitar Ogum, Xangô, Legba e
compor novas divindades, os afrodescendente s conferiran1
A dissidência sempre decorre de uma ruptura do
um espirito aos seus combates. A linha de fuga do marron
continuum temporal. Ruprura da narrativa dos vencedores
se conjuga corn a linha "do além" do pajé: um pa.ra além
- essa fabula que rorna os subalternos horrendos aos
do visivel, que também é um além da realidade colonial, a
seus proprios olhos - mas cambém ruprura da sucessâo
projeçao de um mundo ao mesmo tempo passado e ainda
alienanre do rrabalho e do repouso, como explica Jacques
por vir, aquilo que ,~ d- G.li~sant chama de "visâo
Rancière em se u ensaio dedicado à gênese do movimenro
,mos profética do passado": "No interior dessa contestaçâo
opera.rio: "Tudo começa ao cair da noite qurmdo, nos
global represe nrada peb marro1ugem. o curandeiro se
rorna d e algum modo o ideô logo, o sacerdoce. o inspirado.
COSMOPOETICAS DOREFÛGIO
38 OlNtTEM TOUAM BONA

q ue reria m sido "her oico s". A men os que se


Em princ ipio, é o depo sitar io de u e ideia, a da marr ons, . ,. . " • ,, • d I
grande
aos r exem plo, as res1scenc1as suns prat1ca .as ~pe as
man uren çâo da Africa, e, em cons eq ~ - • e uma exdu a, po
49 egra s· a riqu eza dos mod.os de transm1ssao .da
esperança, a do retor no à Africa". mulh eres n ·
, •
0
dom fnio da farm acop e1a e das cosm olog 1as
mern ona, da
. d s 5 1 pode r de influ ênci a e de man ipula çao
0 continuum das resistências associa a , 0
de amo r
"favorica" sobr e o senh or, o infa ncid dio com o gesto
A ideal izaçâ o do escra vo rebe lde, e mesm o para doxa l (recr acad o de mod o mag nffic o no inca
ndes cenc e
revo lucio nario , tend ia a priv ilegi ar o com bare pree nder
Beloved, de Ton i Mor rison ). Para que se poss a com
dos hom ens em detr imen to do com bate das do pr6p rio
mulh eres e a sube stim ar as form as de lura com o da craça uma linh a de fuga a part ir
en1 deve
e de resis tênci a men os evid ente s por meio "incerior" do sisre ma escra vagi sta, a marr onag
das quai s a imen sa maio ria das escra vas e dos ser pens ada com o um proc esso cont inuo de
liber taça o.
escravos havi a sobr eviv ido e uma mino ria, com o as
De fato, é pelo viés de pra.cicas cultu rais tais
inclu sive varias mulh eres , havi a se liber tado . os torn eios
(... ). A resis tênc ia disc reta ou "suti l" era com unhô es misr icas e fesri vas das mac umb as,
as varia çôes
mais eficaz a long o praz o do que a rebe liâo verbais nas noir es em que se cont am histo rias,
viole nta, a qual , salvo algu mas pouc as criad oras das falas crio ulas e negro speeches que
as escra vas
exceçôes, cond uzia a ~ a repr essâ o maci ça, , acé mes mo
e os escra vos conq uista m espa ços de liber dade
sang renra e exem plarV
repre senr a
I ;,. - . s - a no seio das plan tatio ns. A com unid ade marr on
,(1'1.SSim, para supe rar a sind rom e de Spar tacu etiva çao,
ulino a reali zaça o supr ema dess es proc esso s de subj
mania de cons idera r o escravo rebe lde do sexo masc ovis o, pela
vida o - é dessas artes de si por meio das quai s - pelo impr
com o o mod elo supr emo da Jura cont ra a escra oral e vocal
• ·as afjrod esce nden res com o um
· renc1 variaçao cont inua dos ritm os, do frase ado corp
precïso conceber as res1s
I conti nuum que vai da Ient1"d ao ~ no rrabal.ho aré a secessao - 0 escr aviz ado esca pa da a nula
çâo pr6 pria à cond iç:îo d e
re. para s i
m arron , passa ndo pel as revo Itas d esar mad as e pelos escravo e advé n1 ao ser, ou seja, rorn a-se nova111en
. , .
sUJc1,d10s nos navios n egren J.rk1~ e para os oucr os, suje iro d e açôes e de c riaçôt:.s.
os. 1 ,ao cabe , port anro , opor
J •
' I
1 . , '
os negres que tcria m ficad 0 cc m ane1ra docil nas plan taç6 es
40 DMTEM TOUAM BONA COSMOPOITICAS 00 REFÛGIO 41

Os neg
. mawons, a arte da metamorfose e da dissoluçà 0 , fi te constitui apenas uma das modalidades
frenre-a- ren
de SI 0
'fi d resistência. A guerrilha - a tatica privilegiada
espec1 cas a . .
Ao breakbeatdos ritmos afro-diasp6ricos, na ruptura do dos noma• d dos marrons, de todos os grupos e m1nonas
es,
"d
continuum temporal, corresponde uma difraçao do espaço ban1 os - apresenta-se entao como uma nao-batalha, em
em multiplas e inéditas espacialidades: espaça-tempo do que a astu, ci·a , as artimanhas enganosas, os disfarces, a
culto, do conta, da dança marcial, etc. No entanto, corn a carnufl age m , as fugas e os ataques surpresa
. zombam da
secessao marron, o combate contra o sistema escravagista moral dos poderosos.
ingressa numa fase estratégica, 52 que desloca e toma perene Em fins do século XIX, no sertao brasileiro, uma
o teatro de operaçôes. Forma coletiva da fuga, a secessa.o é insurreiçao milenarista culmina na criaçao de Canudos, a
resistência territorial: faz parte de um territ6rio labirintico "T!:.Qia_dE, farraP..2[ . Essa experiência espiritual e politica se
cujos meandros e acidentes constituem aliados naturais inscreve na continuidad e dos quilombolas , cujas taticas de
para os rebelados. 0 marron nao foge, ele se esquiva, guerrilha sao retomadas.
escapa, desaparece; e pela sua retirada, se metamorfoseia e
A natureza toda protege o sertanejo. Talha-o
cria um fora: o quilombo, o palenque, o mocambo, o péyi
como Anteu, indomavel. ( ... ) . ( ... as caatingas
an déyo ... sao um aliado incorruptive l do sertanejo em
Mas como é possivel que aquilo que inicialmente nâo revolta. Entram também de certo modo na
luta. Armam-se para o combate; agridem.
passava de uma fuga (mesmo sendo coletiva) - um recuo
Trançam-se , impenetrave is, ante o forasteiro ,
face à adversidade - se transforme numa notavel forma mas abrem-se em trilhas multivias, para o
de luta? A fuga dos escravos nao surge como covardia, matuto que ali nasceu e cresceu. ( ... ). [Os
~ -- ~-- soldados) espalham-se , correm à toa, num
como um fenômeno passivo, a menos que se adore
labirinto de galhos. Caem, presos pelos
uma concepçao redutora da resistência, que confunda
laços corredios dos quipas reptantes , ou
resistência e enfrentamen to, e esteja rest1.:_ita a um~ visao estacam, pernas imobilizada s par forcîssimos
viril e heroica do combate., Do mesmo modo que a bacalha tentaculos. 53
nao passa de uma das modalidade s particulares da guerra,
COSMOPOÉTICAS DO REFÙGIO 43
42 DMTEM TOUAM BONA

Em Os Sertoes, Eucl ides da Cun ha pinta com m . . ente fronr eiras . Mas essas s6 pode. m
aestna duz nece ssan arn , . paga nien to. A fron reira
essa "rarica espa nrosa da fuga" que mold ou form pro ao seu prop rio a . , .
as de ante r graça s
vida furriv as, bem com o paisa gens agrestes e confusas se .en . ente marc ar, co dific ar o rern tono da
nas deve efen vam , . rmit ir sua
quais essas vidas se enrra nhav am. Desa parec er na natur rnarr on d . ar craço s vis1v e1s, sem pe
eza, corn unid ade sem eDC de capt ura colo nial. Eis porq
uma das raric as basic as da Arte da Guerra, de Sun ~ elo apar ato ue o
Tzu, é local izaça o p
dobr ar-se ao ciclo das muta çôes . Os neg mawons sa.o . dade s marr ons se apre sent a
negros defen sivo das com uni
e negr as ninja s que dom inam perfe iram ente essa
sisterna . siste ma de cani uflag em. A
arte da indp 10 com o um
desd e o pr
mera morf ose e da disso luçâo de si. Arrav és de seus n é parad oxal pois, . ao invé s de inau gura r o
gescos secessâo marr o E tado ratif ica o ingre sso
e mov imen ros habe is, de sua desa rticu laçâo rfrmica, Oficl·al de um novo s ,
seus naseimen to •dade de seres ind'oce1s
· .
corp os se purif icam , se apag am, se virru aliza m na suspe .
na dan d esnn 1·dad e de uma com uni
nsao
de uma blue note ind6 cil. Assi m com o os marro ~ de com bare r o Esra do escra vag1. sta, mas
ns, os Trata -se nao apen as
rebel des de Canu dos se fund em corn o rerrir6rio onde de repu diar o seu pr6p no . . , . Que o senh or nunc a
se pnnc 1p10 .
rerira m. possa reror nar ao seio da socie dade marr on.

"Esse refüg io era muit o forte : era cerca do de rodos


os
lados por um gran de pânt ano, form ando uma ilha. S6 0 fora esta em processo de abol içâo
podia
ser alcan çado por picad as cobe rtas de agua , conhe MEM ENT O
cidas
some nte pelos seus habi tanre s." Que r ador e a reridâ
54
o de Contemplar imagens da Terra ilum inad a à noite
uma linha geom étric a ou o serp ente ar de um rio, quer
seja Observar as sinapses fosforescentes que se agita m em sua
fixa ou m6ve1, quer poss ua a mate rialid ade de uma mura
lha superficie
ou a espir irual idade de uma mani festa çâo de força s invisf
veis E nos envolvem a nossa revelia
(espf ritos e ance srrai s prore rores abrig ados nas pedra
s, nos Compreender que vivemos sob uma aboboda invis ivel
anim ais, nos rios) , uma front eira oper a a inscr içâo
espacial Fazer o luto da transgressii.o enqu anto gesto t'tltirno e
de uma coler îvida de hum ana num dado rerrir6rio. heroico
Por de resistência
insra urar e delim irar um rerri r6rio , uma hece rorop
ia que Fazer o luto da plen a luz viril do enfre ntam ento
curto -circ uita a orde m escra vagis ta, a seces sâo
marron

C
.L..

45
COSMOPOtTICAS DO REFÜGIO
44 DfNÈTEM TOUAM BONA

. d e cornar suspeito qualquer elemento


A visibilidtzde é uma armadilha (Foucault) nva o, d ·
publico ou P fl o. Para separar o joio o tngo,
Cultivar a sombra dtzs jlorestas ue in cegre um ux: s
hurnano q . nto dos humanos processo
.
Prolongar a bruma dos pântanos or escender ao conJU
acabou-se p bipedes clandestinos: o reg1stro
Escorrer ao longo dtzs linhas de fa/ha dos lagos e montes . anceriormente aos -
escarpados rescnros - d " . . a inquisiçao biométrica, a deœcçao
das irnpressoes 1g1ta1s,
0 fora estd em processo de aboliçdo. de pessoas perigosas.
I ,1. b der57 se transformou em elemento central
Ali, você rem a cerca e o arame farpado, / / n. smart or. ..
eu corto, corto e entro. 0 responsavel pelo . d d ao capitalista e da nova governab1hdade
.
do s1scema e pre aç
scanner se levanta para conferir o caminhao. , • . ela desempenha um papel essenc1al na
algontm1ca. . . .
Eu olho para ver se rem policia. Abro 0 - or meio de uma série de d1spos1nvos (um
caminhao e pulo. Se ninguém me ver e se pro d uçao, P . .
aparato juridico, instituiçôes internac1ona1s como a
nao houver caes, OK. 0 ultimo controle é
ele, o cao. Se el~ ao sentir meu cheiro, vou Frontex, ss campos e centras de detençao, etc.), de uma
para a Inglaterrâ2.31 humanidade exposta ora à sujeiçao, ora à expulsa.a, na figura
Édesse modo que um jovem refugiado etiope descreve do migrante, hoje objeto de uma perpétua caça ao humano,
suas tentativas para embarcar em uma balsa, saindo de que o mantém fora do Direito, numa condiçao de apatrida
Calais. 0 negro marron e o cao feroz formam uma dupla e de paria pr6xima da condiçao de escravo. As reportagens
indissocia.vel, canto no imagina.rio como na realidade das dedicadas aos mercados de escravos na Libia recobrem sob
sociedades escravagistas. Na era da cibernética, o faro e os o véu do sensacionalismo aquilo que, longe de constituir
dentes dos mastins compôem os traços de uma fronteira uma exceçao, tornou-se a norma: a desumanizaçao dos
m6vel e reticular 56 que nao mais se confunde corn os infiltrados 59 por meio de procedimentos de triagem. Em
limites rerricoriais do Estado-naçao. As fronreiras se dezembro de 2013, a desinfecçao de migrantes nus corn
tornaram smart, verdadeiros microprocessado res que nâo
0
uso de equipamento de limpeza de alta pressao na ilha
cessam de ulcrapassar os limites das naçôes, de proliferar ao italiana de Lampedusa desencadeou reaçôes indignadas na
mesmo tempo no incerior de cada uma delas, a ponto de tnfdia internacional: o ato nao podia deixar de remeter a
transformar em checkpoint a men or via de acesso a um local cenas comuns e m ca1npos de concentraçao nazistas. Que o
COSMOPOfTICAS DO REFùGIO 47
46 DMTEM WUAM BONA

os
stan te , um esti mul o, uma ban deir a para
o sagrada a nudez "um ape1o con
mun do tenh a deixado de considerar com " 61
, eis o escândalo escravos negros .
de um ser hum ano (Ha nna h Are ndt) preexiste
co de orgaos , 0 · insi stir ness e pon to: o refügio nao
},,i<, prec1so
na origem de todos os outros: o trafi l7C
l que o pro duz , o secr eta e o codifica. A
arte
rete nçao (muitas
encarceramenco de crianças em cencros de à c.1 uga; e, e a
a da mar ron age m
vezes separadas de seus pais), a expulsao
de refugiados para da fuga, de que a exp eriê ncia hist 6ric
part ir
o risco de sofrer nas um a das mod alid ade s, é subversâo a
paises sob regimes ditatoriais, ond e corr em represen ta ape
noss a soci edad e de
rorr ura e de serem executados, etc# de den tro, seja esse den tro a colô nia ou
ça com plet ame nte
role controle - e por mai s que ele nos pare
0 pod er espacial da soci eda de de com sgre ssâo ilus 6ria em
nao se caracteriza mai s pela opo siça o
entr e fechado e sem said a. A fuga nâo é tran
secreçâo de uma
um den tro e um fora, mas por uma
gescao direçao a um fora tran scen den te, mas
res. A tica - da realidade.
diferencial da perm eab ïlid ade dos luga versa.a sub terr âne a - clan des tina e heré
part ir dai, o gest o de tran sgre ssao nao
possui pos to para correr.
hd Pois con stru ir um a fug a nâo sign ifica ser
mais nen hum sem ido politico. (... ) Nao rar nele vari açôe s
mais um fora para onde se mir ar'/!_a/ r de
uma Pelo con trar io, é faze r o real esca par, ope
ativ a de cap tura .' ,
ho/ha significa penetrar em outr~ sem fim para con torn ar qua lqu er tent
de ente rrar reje itos
Corn a aholiçâo em escala planera.ria do
direito de Um text o de 201 6 con tra o pro jeto
d , . men to francês de
nucleares Cigéo, em Bur e, no dep arta
62
asilo e a acelera r5 0 da se .· - sa as espec1es
r-, xca exrm çao em mas
cam alea o, con fun dir
Yiva.s · é a prop na . poss ,'b"J'd d do reru
11 a e
c.~
gio que se perde. Meuse, pro p6e just ame nte ban car o
. ,a
c d.a soc1.edad e escravag1sca regi stra :
Busca <: produr5o.,.,...
de um rora os pro ced ime ntos de iden tific açâ o e de
marron::wem s6 pcd<.:, para ser rcm .
. "b
ven rada , pois enc arna a Um a estr ateg 1a de resi scên cia
geral e
urop ,.a ern aro do refi'ug,o · arm os
, num mun do regi do pela caça ao cole tiva pod e con sisc ir em nos corn
éis que
hum# o e pc-lo ~a.que d0 . nre, do quai nâo safm os aré
v1ve indi scer n{v eis. ( ... ) As r~üica s e os pap
. _ · sfor mar
ho1e scccss.ao mar ror , • repr ese nra mo s dev em ( ... ) se cran
1
rt: m <:l<:: <.:nra o a um a cosm opo éric a: rela çôe s
.
d a é produçao de um mun . d . ao sab or das c in.:u nsri \nc ias c das
o , <. n as.fo d e um fora com po um
· d e forç a ( ... ). Agi tado r num cam
va/o r de rtf-ugio e dt Ut ._ nc. rna para wdo !> yu t: ainda raçâ o
op, a co dia, c idad üo legalisca que exige a pres
perm ane cem c..1 ri vo~ /o 6 'J
f/ qu, om ho.\ r<.:prc:~t:1H:.u 11 dt fo ru
48 OtNtlfM TOUAM SONA COSMOPOÉ1\CA5 00 REfÙGIO 49

de contas no seguinre, dançari no louco no • A ·as de dominaçao quanto à sua reverberaçâo no


's 1nstanc1
oucro. 6 .l a .- f ndo de n6s. Qual seria o sentido de uma vida
rna.1s prou
o subcerfugios, o construt or de fugas se produ
Usan d z 01 arron
h- ,· e em dia? 0 de uma vida gazeteira sempre
°
como simulacro, se faz trânsfuga. • do fugas do amor ao poder e do devir-fa scista que
construm
Nesses cempos sombrios em que prolifer am os . 64
ele imp 1ica.
dispositivos de controle, as resistências devem ser furtivas,
mais do que frontais. Atacar em terreno aberto é se oferecer
como carne de canhao aos mwtiplo s poderes que tendem
a nos suj eicar, expor-se a ser captura do, desacre ditado,
criminalizado. Trata-se entao de resistir em modo menor
pois colocar-se como maior, maduro , respons avel, significa'
obrigacoriamente ter de se render quando a policia, os
sen·iços secretos, as agências de seguran ça nos convoc am
par3 prestar contas de nossas vidas furtivas .

~ A ma rronagem, portanto , é ~enos uma forma de


rnnq ui,ta do que de subtraçao ao poder. As taticas furtivas
·.ao t.nius de des-capt ura: a qualque r tentativ a de capt~ra ,
'_'?' '1.-rn ° va.iio. É es~a potência corrosiva da m ~ ron~
". ,.r Ir dri, ··1pucl ho•~· d,,"c.,prura
, .. , e dos s1mu
. lacros pro d uz1·dos
·..:i LI12 rnrt dt· hJi•· 1: al -d ---
ti't - · por essa p· avra, enren o urna
(, . • ~ 'j
· • r r I Ir ·1 r: J • .~rcn
• c1a
· que , 1onge do rrenre-a
· • c re:-.1 C '
-
r.,. ,, , -. >!, , i j 1
·· - ' ,.t J,.i r < J rn ·o 13 heroica, ope ra na sombra uma
,,-, ' ; ,J,J ''1 A d1 · \olu, :io · ' d , c ,
, ,, , . · r L01H1n u~t <: si. A ruga e ascese:
. l . ,•. , .,ld..iJ11r,)• dt·
,.J, um es J1..e r que se ap lica cant0
COSMOPOÊTICAS DO REF ÛGIO 51

HEROIC LAND 65

Espectrografia da fronteira

Na Âfri ca do Sul, a fobi a aos estrangeiros -


em especial aos procedentes de outros paises
africanos - cristalizou-se num a fort e anti pati a
voltada contra os "imigrantes clandestinos':
que sao encarados como pertencentes a uma
espécie de naçao subterrânea e fant asm a ( . .)
J& J. Com arof f, Zom bies et frontières à l'ère
néolibérale 66

0 negro mar ron e o cao feroz67 form am uma dup la


indissociavel, tant o no imagina.rio com o na realidade das
sociedades escravagistas. Na era da cibernética, o faro e as
garras dos mas tins com pôe m os traços de uma fron teira
m6vel e reticular que nao mais se con fund e corn os limites
territoriais do Esta do-n açao . Pelo con trar io, se derr ama por
toda parte, para fora e para den tro, este nde ndo a 16gica da
triagem e da desc onfi ança - aplicada, de inicio, som ente
aos indesejaveis, mig rant es, deli nqu ente s - para o con junt o
das populaçôes, redu zida s a fluxos de dad os, sejam elas
((

esrrangeiras,, ou "aut 6cto nes" . A fron teira se torn ou hoje


um processo imu nita rio, refo rçad o pelo estado globalizado
o(N[TIM TOUAM BONA
COSMOPOtllCAS DO REFÙGIO 53
52

de en1erg e·ncia sanicaria


_ que se estabeleceu por conta da. de uina l6gica imunitaria (amplificada pela Covid-19) ,
pande~a~ sada pela Sars- CoV-2. ainda cocar e ser cocados? Enquanto o espectro de
po dern Os
70
No rexro experimenca1 a seguir - algo entre um uma Sociedade contactless se toma cada vez mais palpâvel,
conro de anrecipaçao e um dialogo filos6fico - esbocei a fro nreira que contesto aqui nao é tanto a que separa um
uma anaJise espectra168 das fronteiras que difratam nossas pais do outro, mas a que distingue o humano do inumano.
vidas: uma volta no tempo a partir dos possiveis de um Uma praia deserta. Ao longe, o vaivém incessante
enclave pos-colonial, a Selva de Calais,69 até as primeiras dos ferries , dos porta-containers e dos superpetroleiros.
"sombras" (Africano(a)s deportado(a)s para as Américas) Acirna da charneca e da zona portuaria, a trajet6ria
gue cruzaram o Acl ânrico a partir das margens subsaarianas. furtiva e aleat6ria de drones ovoïdes indiferentes ao vento.
Corno Moisés seria acolhido hoje? Corno seria um Filtrado pela dupla cerca de um branco imaculado, o ruido
mundo em que nâo houvesse mais refügio nem para os surdo das carreras a caminho da Inglaterra confere uma
hu ma.nos obrigados a deixar seus paises, nem para o ronalidade sepulcral à ressaca do mar do norte. Ao fundo,
conj umo dos vivos ameaçados pela exploraçao desenfreada além da estrada, uma das duas grandes fâbricas de produtos
dos "recu rsos narurais" e dos cataclismas gerados por ela? quimicos de Calais. E ainda mais distante, para dentro das
A qu~tao do asilo nao se coloca somente para os assim terras, a torre cristalina de Heroic Land - um novo parque
cbmados migrant es. 1odos n6s estamos agora descinados de diversôes que brotou pouco tempo depois da destruiçâo
;i nrtS torna r n:( ugiados em nossas pr6prias terras; codos da Selva - cujos "Novos Mundos", erigidos à gloria dos
c:imrJ~ l-rn busca de um solo, um ar, uma agua que nao personagens de mangas, videogames e filmes de ficçâo
irnh.1m 'ido c..o rro mpidos; esramos rodos em busca de um cientîfica encancam os visitantes que chegam de todo o
(,,r, - Uln rcfu . d
,;io - qu<: escape ao cerco cibernécico os planera. Sob os raios obliquos do sol poente, uma silhueta
<".p .Jç,,~-ll"llrno\ (0 o
r
I d 'd
L nt ro i: <:m tempo real dos in ivt uos, fulgura no drapeado umido da praia. 0 corredor, rosto
pnr tnc-1() di~ IH,va~ tt;:-<..110l01,i~) . cobeno por um capuz, se aproxima a largas passadas dos
('
'.,4.IVJ.r 11 <>~•a pd<.:? Corno cvir:u que ela sej3
ritn ii blockhaus encravados nas dunas cobercas de arbusros, onde
rcdu , idJ a um · -
" incr:r1.tu· dl" to ncro le? Di:1nre do :idvenro seu trajeco acaba se cruzando co m o de ourro exilado: um
horn ein sem idade se ntado no ch;"\o, de pernas cruzadas,

r- l 2
54 DÉNITEMTOUAM BONA COSMOPOCitC>.S 00 ?fRJG() 55

junto a uma fogueira, o olhar perdido em algum l . . •nha vida passada, queimei até meus dedos,
ugar que1me1 m1 , .
entre as duas margens do Canal da Mancha. O p . . ais deixar pegadas, so quero me Jogar a
nme1r0
dia do ano de 2025 chega ao fim.
nao quero m
.d E se devo me fazer ouv ir, sera de b-oca
corpo perd I o.
A respiraçiio ainda ofegante, depois de menear feve= ois uma sombra nao rem voz.
,,,ente coscurad a, P
a cabeça, o corredor se agacha lentamente e estende as m - 0 homem sentado: E quem iria querer te escurar~
aos
sobre as chamas. Sem dizer uma palavra, o homem sentado , que as anguscias de um clandesti no inreressam
Ace parece ~ - - - -
lhe oferece um cigarro. Um fosforo esta/a ao abrigo da palma alguém! Quanto ao coraçao, você n âo sab e q ue ele sempre
da miio, ligeiro crepitar através de um halo de vapor efamaça. nos ; ai? Coloque os pés de novo no c h ao, nâo se preocupe,
0 solo continua bem firme . Fale m os p o u co, mas falemos
0 homem sentado: Pra que correr? Se você olhar as
bem: engenheiros aperfeiçoaram d ececores d e batimenros
imagens da Terra iluminada à noire, se observar as sinapses
cardiacos, e também do fôl ego, sem falar nos caprnres de
fosforescentes que se agicam em sua superficie e nos
infravermelhos. Para cruzar a fro nteira, o mais seguro é
envolvem à nossa revelia, vai compreender que vivemos sob
entrar em coma ... o que, a m e u ver, é bem m ais repandor
um domo invisivel. Nao adianca treinar, nao vai conseguir
do que um sono p ovoado d e desejos e d e pavores i ~nso.tos.
escapar deles ...
Nada de mui.to complicad o, você inge re o prod uco i b.1-.~
0 homem que corre: Você nao entende, meu co- de cerrodocoxina e d espetta d o o ut ra lado. 0 trx que eu
raçao esta agui , debaixo dessa pele engelhada de areia vendo é de prim eira q ual id ad e , o rgàn ico , n:1J..i d'"" (oi.s..1
branca. E a cada vez que martelo o solo quebradiço sincécica, exrraido unicamem e do b aiacu, o peixc-b..:1Lio.

corn meus passos fugïdios, reavivo seu pulso. E sïnco 0 homem que corre! T u tâ d e sac:rn:igc:m p r.1 c inu de
rn im! Yira r cadaver e m pé. essa é a tua sol u ç:io?! Por n.1J.1
o fogo em meu rosto, o roçar incandescen te do venco
nesse mundo, nem m es m o unn p a..,,.;igt·m p.ua o FJJondo.
q ue varre as peles mortas. Harrag. 7 1 Sou um queima-
eu rc n unc1·ari· a ao bau.m enco dc:-..,.1 hols.1 u.1 t: :..ing,uc:. :i

c-s.:,a
dor de fro nteiras: queimei m e us d o cu1ne ntos, queimei
queirnadura q u e m e ::ininu c- m e consome. Um vdho
meus din ares, meus CFAs, m eus xelins, minh as naira.s, t ozin h c ir· 0 c h 1n • m e C( lt1l ("ll u1n "l .u que- .1 ocrt· u n .b-ccu J as
" c~
o(NfTEM TOUAM BONA COSMOPOÊTICA5 DO REFÜGIO 57
56

pegadas semeadas na terra por um pardal. Um _mandarirn ,., pretendo ser um anjo, s6 desempenhar o
m ourro. N a0
que passava Por ali as recolheu, e de sua combinaçâo , fiez u foi designado, e quero retirar minha parte na
apel que me . , . ~
. o pn•meiro alfabeto. Muitas vezes me pergunto que
surgir tn
P ~ Nada de intrinsecame nte d1abohco, nao vou te
cransaçao. . .
sabera 1er minha corrida ... . inar um pergammho corn teu sangue - 1sso
edir para ass
0 homem sentado: "Wake up brother, Jungle finished! p filmes - um aperto de mao bastara. Melhor me
fica para os , ,
Depois de ter passado por tudo isso, você nao pode morrer encarar como um pioneiro, so faço obedecer a palavra de
na praia. Eu tava te esperando, ja faz um tempo que tô , oca·. "expandir os limites", inclusive os da vida
ordem da ep
de olho em ti. Eu te passo a substância e você embarca e da morte.
na nave dos mortos: lugares reservados aos migrantes nus
o homem que corre: Acha que nao te reconheci ?!
nas câmaras frias de containers de segurança. Graças à
Nunca devia ter aceito aquela agua de procedência duvidosa
aplicaçao de um gel criogênico, a interrupçao da respiraçao
que você me ofereceu no deserto. E olha que ja tinham
e do ritmo cardiaco, e rodas aquelas carcaças de boi que
me avisado: você salva apenas para melhor perder teus
servem de proteçao, os zumbis - é assim, meu irmao, que a
devedores. Você tem mil nomes: atravessador, chairman,
genre chama os que tentam a travessia - os zumbis passam
aliciador, locador, falsario. A verdade é que você é o Mestre
sem problema pelos detectores de humanos. 0 unico
das Encruzilhadas. E um grande picareta! Tua agência de
efeiro colateral, uma leve alteraçao da mem6ria. Detalhe
viagens nao passa de um conto do vigario, você trabalha
desprezivel - vivemos aqui uma vida de morte, emao,
para os negreiros sem rosto.
melhor ir até o fim.
0 homem sentado: Promo, ja conheço de cor tua
0 corredor tem um leve sobressalto, como se despertasse fâbula sobre o trafico de seres humanos! Me da ânsia de
de um sonho ruim, e joga nervosamente alguns gravetos na vômito todos esses nègres que passam a vida gemendo sobre
foguâra, enquanto olha fixamente para seu interlocutor. a pr6pria sorte, E se acham diferentes, inocentes, porque
vîtimas. Mas tudo o que querem, no fundo, é fazer neg6cios
Por que esses olhos arregalados? Sou apenas um
em cima dos mortos, convertê-los em dinheiro vivo, é 0
arravessador, estou apenas te oferecendo um favor, um
favor pago , é vcrdade, mas urn favor: se nao fosse eu, seria
DfNÈTEM TOUAM BONA
COSMOPOtllCflS DO REFÛGIO 59

que vocês chamam de reparaçâo. Vi ' b m os olhos para o mundo


h. , . oces tran . adiante , a ra d
1stona num tribuna l, e a justi s Ortnan Nao s1garn . Para codos que zomba m a
ça numa revanche a ue nos espre1ta.
0 homem que corre: Nem d" ·rnlu1 do q d d. '.ore que
. ,
c gostaria e 1zer: o ne,y
ul b·t·d d ue se aroga,
c pa 1 1 ade nâo me interess a Yi a ' ianta c_1
te an·
lin r, tu hurnanida e q ue vocês insulta m, esse nègre que
. al . oce rèl..J.a dos nègr: a , sua frente e q
se 1sso re mente existisse. Um nèure é um h agoniza a . "b ,,
es colllo cido da decomp osiçao do ranco ,
o·· omern. ' f: ncas1am, nas
Alguns anos atras, acho que foi em 20 invisivel! voces a _ . Simple smente porque e1e so, vive .
no
'd d 1 7' topei c0 , e nao existe.1 d,
VI eo on e se via um ponto es esse ne?f M ue é que vocês pensam ?! Nao a
euro emergir das tn um
A

do de voces. as o q .
alguma s braçada s de distânc ia de uma lancha d ond~, a fun , f:' ·1 de seu lado sombri o ... Sim, eu se1,
venez1a. na. r·ive que assistir à cen , • e passage1ro rase libertar cao ac1
pa _ .
a vanas vezes até con .s '-ore vocês se conten taram em tratar
segu1r vocês nao d1sseram neo. ,
enten d er o que estava acontec endo "Af. ,, orno um nèore, um rebotal ho human o, uma
. ricana! , "deixa ele Pateh SaballYC
morrer.,,, , ((vota
0
1 pra casa! " · . ,
... Sob as ri d · vida indigna de se viver. Vocês nao o dissera m, pois negre
sa as e msultos dos
que estavam no barco, um jovem de pele escura se afogava. - e, u ma palavra mas sim um latido que desuma niza
nao ,
Soube depois que era um refugiad o da Gâmbia, que se tanto O senhor quanto o escravo! Mas, ali onde vocês veem
chamav a Pateh Sabally e tinha s6 22 anos. Jovem demais um nègre, eu vejo um jovem, vejo a promes sa, o desejo, o
para ver Napole s, ou melhor , Veneza, e depois morrer. alento, o sonho, a coragem , a human idade que se apagar am
N aquele dia, percebi dentro do estojo do sonho veneziano dentro de vocês - e que, secreta mente, vocês invejam .
a atrocid ade indizive l de um pesadel o acordado. Hoje em É preciso lembrar , nègre nao é uma palavra , é o ancestr al
dia, isso se tornou tao banal, que nem chegamos mais a comum de todos os clandes tinos. Nègre nao é uma palavra ,
n os irritar quando esbarra mos em codos esses tiras, esses é um maleficio: feitiçari a do capital que transfo rma seres
guarda -costeir os, essa "genre de hem" que se caga de rir ao humanos em peças avulsas. Saibam que foi nas entran has
ver arab es e n egros d esaparecerem debaixo d 'agua. do navio neg ·
reiro que se con fi gurou essa estra nha biologia
0 homem que corre se cal.a de repente, e' tomado por politica que se d d"
d e lca a esco lh
. er, a se\ecio na r, a ge rir vidas
esnudas. Foi .
convulsoes. Os olhos esbugal hados, a 11oz rouca, Par(cr effllf ~ nesse po n to que n asce u nossa hum.an idad e
t5 coca<la: uny h .
dirigind o a uma m uftidii1J. a umamd ad e ge renci:ld a e m siscenu s Just-
COSMOPOfllCAS DO HEFÙGIO 61
60 DtNÈTEM TOUAM BONA

• ..-remacon t ec1'do muito nos


in-time, conversivel em açucar, algodao, em tinta an·i ue cOrre · 1
O bonteOl q .
. 1, eni d' faço coisas que logo esqueço, ass1m
açôe.s, em algornmos. 'ltirnos cernpos, igo,
u .
O nègre, garanto, é o nec plus ultra do trabaJha que vo
lco a rn1rn.
,. .
Aexivel, o pro 1etano mtegr , mtegr almente escan d dor
al .
do o rosto e a cabeça.
ea o pel 0 l
Apa'Pan
capital: seu preço é avaliado segundo seu ciclo d 'd , -~ Podemos dizer eu quando nada nos
e v1 a, 0 Quern esta aqu1. . ,
custo de sua reproduçao é calculado incluindo ente de n6s? Corno d1zer nos
0s gastos ce que se trata re al m
corn a criaçao, e apesar de assegurado o copvriuht sob garan
re esta J o· d eu é um outro?
ulcima, seus donos geralmente preferem gastar as peças da quan o . l d
. d pois de uma dessas crises, me v1 na te a o
fndia até o osso e importar novos lotes-de fato , é bem mw. Urn d ia, e .
· amigo: estava dançando, pulava, romp1a o
lucrati vo do que esperar que cresçam e deixa-los envelhec celular de um .
er. da ficdcia dando voltas em torno de m1m
Ah sim , vocês podem fazer pose, mas a verdade é que nao ar corn uma espa
vixe inebriado pelo sopro das dunas.
valem mui ro m ais do que urn nègre! Pouco imporcam seus mesmo, der
0 homem sentado: Hahaha! Sopro das dunas ou
nomes e suas linh agen s: diante do rnercado universal, na.a
sopro dos djinns? Todo ritmo é ritmo de uma corrida:
pas~am de "recursos humanos", quer dizer, bem menas do
martelar dos pés sobre o chao , martelar do coraçao dentro
que corpos; corpos liquidados e liquefeitos, um Auxo que
do peico, martelar das maos sobre a pele esticada. Nao
~e bombeia. ainda m ais quando a intençâo é refrea-lo.
se desenham linhas dtmicas impune mente, m eu amigo:
Astro sombrio quf' sucumbe a sua propria densidade, 6s invisiveis estao à escuta .. . Mas fique tranquilo, você
o fugitn•o desaba 111.1111 mo11imen10 de espiral sobre a areia desfruta dos favores deles , eu sei, estou bem informado. 0
um,do t>.fria. que acontece corn você é uma b en çao . Es pecialme nte para
Apu1 rrrnbri-las r/.(' ri11:w s, o homem sentado coloca 11s alguém que vem de o ncle você veio .. .
mtiû~:olm· t1.1 thnporru jtbris de sm rompanhriro. Passam ""'· 0 homcm que corre: D e o nde e u vim ?!
dm •, tri: m111 uto.1 r1tr t/Ut' r.1rr volu ,, si 1111111 sobreSJalw, como 0 homcm scntado: Sim , d e o nde· vocè vç 10 , n;\o
t],{/ ! rJr r dt 1,/ fll mrr,rulho r m rl/Jltt'ill. banq ue o ingê nuo. Você L'Studou , ni"w <.· m ts m o? De
COSMOPOÉTICAS 00 REFÛGIO

62 DÉNITEM TOUAM BONA

. has as celas de concrole, os guarda-


mais as sen ,
Islamabad a Paris, encontrei muitos como você , pessoas de , suporto · d as afropo1·1canas.
nao d cesso nas no1ca

boa aparência, que sabem "falar", que nunca prec1sarain o striptease o su
costas, . h .
. h uavessia do conunente, con ec1 a
trabalhar a terra, que nunca tiveram que vender bug·1gangas Durance min a . . . . .
a miséria que av1lta, d1v1d1 mmha
na rua, que nunca desentupiram latrinas; cidadâos "bem- , incessante e . c
extorsa0 m celas nauseab un d as e 1nrectas, e servi.
nascidos", produzidos e certificados em clfnicas onde tud0 ·1ra corn racos e
este , · d e uma E uropa
·Htares do Saara a serv1ço
é branco e assepsiado. Vocês sempre foram servido s por de trofeu para m1 . . ,
mulheres ou por descendentes de escravos ' mas , nom e10 • anto hip6crita. Mas expenmente1 tambem,
tao arrogante qu . .
dos "brancos", nao sei porque feitiço de magia negra, vocês • · vez , uma fraternidade sem limites.
pela pnmeira
se tornam de repente "oprimidos", até mesmo porta-vozes 0 homem sentado: Pare logo corn essa ladainha,
da "comunidade". Mas o que significa ser etfope, quando se você me cansa, as coisas sio simples: ha uma fronteira, um
é oromo, ser mauritano quando se é baratine, ser birmanês atravessador e um candidato que deseja passar. Entio, se
quan d o se e, ro hi ngya .....
;>I
nao quer tentar a travessia, me explique que diachos esta
0 homem que corre: Você esconde bem seu jogo, fazendo aqui?
meu irmao, bela raiva essa tua, e confesso que prefiro te 0 homem que corre: Você realmente vai achar que
ver afiar palavras em vez de lâminas ... Sim, eu sei, sou um sou louco, eu s6 quero salvar a minha pele ... We didn't cross
burguesinho de merda, e nunca deveria ter acabado nesse
the border, the border crossed us!
perrengue! Tinha o futuro pela frente, era um herdeiro, um
"pele negra, mdscaras négres", que louvava o dia inteiro os Para que atravessar as fronteiras, se elas ja nos
f:Caos ne~; ;; ~s ~p6scÔlos-da negritude, enquanto cuspia atravessam, nos perseguem, estao gravadas em nossa pele.
na negada que transborda nas favelas africanas. Corno as tornozeleiras eletrônicas, como os chips inseridos

Mas depois que vi o mundo pelos olhos dos sob a pele das crianças tao amadas, como a iris que abre

condenados, o futuro que cinham traçado par~ im me num piscar de olhos o portao de nossa residência procegida.

causa nauseas: nao quero mais viver num bunker dourado, De que serve atravessar as fronteiras, se permaneceremos
sempre na l . .,
< so e1ra, Ja que esses m.uros, essas cercas, essas

barreiras bl"111 d a d as que você prop6e que eu atravesse sao


••
-
COSMOPO~TICAS DO REFÛGIO
65)

. al dos quais os governos e agências


somente sua forma mais grosseira. As fro • lcos do cap1t ' . -
nte1ras se tor oderes ocu , . que correias de cransm1ssao.
smarts, verdadeiros microprocessadores _ narain P
que nao par urança nao sao mais . •
transbordar as bordas das Naçôes de t·fi arn de de seg • Louvemos a transparênc1a, voce
, pro 1 erar ern 01 que corre.
proprio interior, a pomo de transform seu 0 home rança de codos! Nesses tempos
al d ar em checkpoint b ue é para a segu
qu quer ponto e acesso a um espaça pubt· . bem sa e q . d' ·ma obrigaçao de ser claros como
ico ou pnvad0 . os c1da aos ce
e de converter num suspeito qualquer elem h ' sombnos, p . ma guerra sem fim esta sendo travada
. ento urnano , ua da fonce. ois u
mtegrante de um fluxo. ag . . . canto interna quanto externo, um
m1m1go
contra um ul ' .
De que adianta atravessar as fronteiras ' se elas passarn . - . ernicioso porque se oc ta nos mm1mos
inim1go cao mais p
por dentro de n6s e separam corn o bisturi o aut6ctone do .clades dos campos, dos corpos; sempre prestes
cantos das c1 ,
estrangeiro, o homem da mulher, o branco do preto, 0 leigo a ali se replicar.
do muçulmano, o hétero do homo, o sadio do patol6gico, Apesar de O medo do alien - o migrante viral - ter
e nos entregam assim às metastases da esquizofrenia. Para se cransformado quase numa segunda natureza, nem
separar o joio do trigo, acabaram por estender ao conjunto conseguimos mais fi.car arrepiados. Nossa pele - a antiga
de seres humanos procedimentos que antes ficavam
restritos aos "bipedes migrat6rios", o registra das digitais,
---
fronteira sensivel - nao passa
_____...... . de uma superficie
.,,,..- ......--.~..-......

Quem nunca senciu esses pequenos terrores, na hora de


............. . --
de controle.

a investigaçao biométrica, a detecçao dos "elemencos de escanear as espirais de seus dedos ou a geometria fractal
n.sco " de sua iris? Ser autenticado é ser admitido entre os eleitos,
0 homem sentado: Você rem razao pelo menos pelo menos até a pr6xima passada pelo scanner. Preocupar-
num aspecro, s6 o que interessa agora sao nossos mil e se corn a sorte do rejeitado, aquele que nao nasceu no
um p erfi s, a sombra digital que replica cada um de nossos bairro certo ou na margem certa, ou aquele que ousa entrar
passos e de nossos acos, o ghost, como dizem os japoneses. em dissidência, ja é ser considerado culpado antes mesmo
Essa hem o rragia de dados que escorrem de nossas vidas e de ser julgado. A anestesia, esse é o preço da imunidade!
sao ca p cu rados c reconfigurados permanenremenre pelas
A silhueta do corredor congela bruscamente na penumbra.
nu vcns de algo ri cmos; c isso, para a maior lucrarividadedos
Com alguns gestos rdpidos e eficazes. enterra as brasas da
COSMOPOITICAS DO REFÜGIO
67

alvo e a matéria
fagueira e veste um traje biomimético que s6 deixa l s emergeAncias e, claro, o , ·
os o hos seus médicos na de captura: o grande negoc10
descobertos. ova guerra
pn·rna dessa n A gran d e caçada s6 visa nos manter
O homem sentado: Você esta corn os semidos bern do encarceramenco.o limiar . d ·d e da lei numa vida
a v1 a ,
afiados, eu mal percebo o zumbido dos cibermasc' além sempre n d' . numa morte
tns. no ' 'd d direito de ter ire1tos,
Parece, meu irmâo, que tua pele perde valor a cada segundo. nua e desprov1 a o
O homem que corre: Fica tranquilo, ainda tenho fi 01·d mente adiada.
inde a · você vai me d' , O estalido
alguns truques na manga. Por que sera que, corn tantos nuem ama, casnga, . izer.
'--<: . do policial , a mord 1d a d o câo feroz,
migrantes perseguidos, capturados, internados, s6 uma do chl.cote ' os nros ~ d o arame
a que1ma. d ura do gas lacrimogêneo, a laceraçao
pequena parcela acaba sendo realmente expulsa?
c
1arpado, coda essa velha pedagogia da crueldade que sempre , .
Do porto de Calais até o Cabo da Boa Esperança, é eta salvar os condenados de sua propna
~00~ m ,
a derrocada das Naçôes, entâo acalmam o cidadâo como
indignidade. "~ primeira coisa 9.1!,e 9 indigÇ,!}L '!l?Le!!.de e
podem: para esconjurar o feitiço, exibem muros como se
fossem calismâs, divindades protetoras, vade retro, Satanas, --··-- . --- - ·-- -
a ficar no seu lugar, nâo ultrapassar ~ s li~ite{, dizia um
-- .....
fil6sofo cujo nome esqueci.
mas sua açâo repulsiva sobre os bipedes migratôrios nao
O homem sentado: Você admite que os limites sao
passa de uma distraçao.
feitos para ser violados. 0 que ta esperando entao para
A fronteîra é mais um filtro do que um muro, ela capta
correr amis da tua sorte? Você pertence à galeria dos her6is
e geren cia recursos h umanos, e, uma m aquina de criagem:
do grande Reality Show, sobreviveu à tortura dos campos
uma ma rriz que co dJ•fi ca os fiugmvos
•• em clandesrinos,
do Saara, aos mares revoltos, aos equipamentos de limpeza
. doc1
so mbras , m ao de obra tanco mais , ·1 po r ser especcral.
,, ou seja, os
de aira pressao de Lampedusa, às dissecçôes dos traficantes
É prcciso lembrar qu e empregar os « v1vos

,
de 6rgaos de Tripoli. Corn tua garra, pode se tornar o que
''a u r6cron es", com o u-se caro demais.
quiser do oucro lado. Nao consigo entender o que te segura
Voϥ .sa be d1s1.o
. . 1)em, Ba bYJon Precisa de n6s:
rnuno
por aqui. A Selva era s6 um acampamcnco, uma mega-
somos seus cnad•
o.s, scus ope,.1.ijJ.,os,
• • •
scus •
craq ues de furebol, oc ll -
paçau encre tancas outras.
I rirrnos.
scus rrabalhado rcs do scxo, 1,cu!> invenrores de a go
COSMOPOHICAS DO REFÛGIO 69
68 DEflITEMTOUAMBOflA

0 homem que corre: Escolas, restaurant


"d da lama, pela sua liberdade
. , olis surgi a
es-c1nem Cosrnop pava ao imagina.rio do dejeto que
banhos turcos, uma igreja etfope, mesquitas as,
. • . ' urn teatro, insolente,
a Selva esca l
mpamentos e fave as. ao
N-
padanas, horcas ... Voce chama 1sso de uma "ocu - a.111 colar nos aca
paçao entre sernpre cent . d" desprovido de leis, povoado de
outras";>f . . Tiencaram em vao- crans10rma-la
C
num . aço m igno,
a usina de era esse esp d" dos ao vivo pelas rep6rteres dos
reciclagem humana, numa antecâmara de desuman· - h humanos isseca
tzaçao.A rebotal os
fronteira sempre podera ser subvertida. É essa possibilidade duvida mas com certeza, nao
. . Uma floresta sem ' '
celeJornats.
de cransgressao que a Selva realizava. Lembra das palavras . a dos negros marrons.' ,veJa
r . • o
voce,
,,,... a de Tarzan, e s1m antes .
de Zimako, 3 criador da escola leiga das Dunas? "Isso aqui . fl al de nascer canto no coraçao das c1dades
refüg10 orest po .
nao é uma selva, é um forum!", ele exclamava volta e meia. . as de crânsito: nasce de nossos desv lOS,
quanto nas mterzon
E assim nos recordava que o primeiro forum - a praça clandestinas de nossos contrabandos, de
de nossas caçadas '
publica onde se deliberava a respeito dos neg6cios comuns nossos passas perdidos e ind6ceis.
de Roma - foi conscruido fora da Cidade, às suas portas, Sinto ainda as fogueiras da Selva sob as dunas. 0
nas suas fronteiras. combate nao sera travado do outro lado, pois nao ha mais
Em suma, o que é periférico pode um dia se tornar dentro nem fora, vai acontecer no vôrtice caôtico dos
cencraJ. A Selva, que deveria ser um espaça relegado, entremundos. 0 refugio nao esta nem fora nem dentro
distance da cidade, tornou-se finalmente, em muiro pouco de n6s, esta na dobradura do mundo e de si, de si e do
tempo, um de seus coraçôes: um lugar onde pessoas que, de outra, numa relaçao suspensa que sô se atualiza no proprio
inicio, nao tinham nada a ver umas corn as outras (afegâs, movimemo da fuga - essa força de fugir que faz de nossos
sudanesas, urbanistas, artisras, juristas, voluntarias de roda corpos ondas graficas e utôpicas./J. verdadeira questao
.
a Europa) passavam a se re lac1onar, · ncavam outras
expenme hoje nao é como cruzar a fronteira, m as como h abita-la,
c
rormas de organizaçao,
. - permmam · laçao de saberes,
• • a c1rcu como transformâ-la novam ente numa linha geolôgica
.
rec1am .
novas al1anças, ela 6oravam uma nova linguagem de falha de onde possa jorrar o magma d a humanidade
comum . AJgo capaz de d h maniraria e
sabotar a or em u por vir/fei que na palavra fronteira ouvin"los sempre o
policial da assistência controlada. choque das · d
arma uras, o corpo a corpo d os combatentes,
o clamor do , .
s exerc1tos q ue se enfren tam. M as antes de
71
70 COSMOPOÉTICAS DO REFÜGIO
DÉNITEM TOUAM BONA

AGENS
ASOMBRA ESTRIADA DAS FOLH
fi .
ser lin ba de en fre nta me nto , a ro nte ua é zo na
da s6 . . de contaro ENDOSSAR

.
.
dis t1n gu e pa ra co ne cra r.
fr on ret ras sao esp aço s de "d
An t d
es e ser em
v1 a on de os h na no s sernp
nd lli
1inhas '
' as
Sou um selvagem, mas nd o
sou escravo.
72
Alfred Pa no'u- -
se rem ve nta ram ali me nta o-s e da est ran h re
, . eza de seU s
os. Co mo os rec ife s d fi a,
pro xim e co ral , as ron rei ras s6 ais ba na l: vo cê se ac alm
. da m
res ptr am e viv em pe los seu
s po ros , su as Ter um bran co , na
asperezas, suas da em oç ao ou do
, .
es va zad as on de se d ·' vai vo lca r' qu e é cu lpa
sup erf ici pr o uz a fec un da çao - dizendo qu e Ja po nta da
d en su ra' . reciproca le no me qu e esq ue ce u e ta ali, na
e mu nd os inc om ve1s. cansaço. Aqu e
te de saf iar, va i ac ab ar
vin do ... Ma s ac om ec e
te to co e - Hngua, com o a
Es sa pe le, pe la qu al eu vid a no s esc ap ar, se ror
na r
ha afi al . qu e na o ces sa de se às vezes de a no ssa pr ép ria
r, na o ra
tro ca
n na da ma is pr of un do
do .
ha, co mo um a ca de la qu e ac red ita va mo s fid pa
. qu e iss o. estran
nto s no de ,
En tao , ce leb rem os 1·u do de um dia de tem pe sta
ssa s c1 nz as ... sempre e que, se ap rov eit an
ssa
os - pa rti sse em bu sca de
fugisse para se jun tar ao s lob ter
es tra me nto mi len ar de via
vida selvagem qu e um ad
rod o
ne sse s mo me nr os qu e, a
apagado de sua lin ha ge m. É
idâ o
fnio, op om os o va zio , a de fec çâ o , a qu ed a, a ins erv
dom
nre s
plo dir em esr ilh aço s co rra
de uma risada qu e no s faz ex
- inassimilaveis.
isso co me ço u, es.sa rec usa
Você nâ o sab e ma is qu an do
e ao
de co rre sp on de r ao lug ar
mais ou me no s co ns cie nte
e tin ha m lhe de sig na do . Tu a rev olr a era sil en cio sa
papel qu f
d
e im6vel , m ais · pro, x1. ma d a esq uiv a qu e o en ren tar ne nto .
" '., Q ua nc as vezes vo ce A

l
Essa criança e, real me nte se vagen1.
do a
de ....ge nce g ra nd e dis cu t.in
ouviu essas palavras na bo ca .
d f'
seu respeiro · ~oce~ na- o go sra va e ab.r, nâ o qu en a se de ixa
r
COSMOPOITICAS DO REFÙGIO 73
72 DÉNtffM TOUAM 801/A

dela roda obscuri dade, até se


. ., oli-la ate, retirar
caprura r pelas rermos dos outras, essas malh 1nv1s1veis ser sua, P
as
que nos enrravan1, que enquad ram nossos m ovunenr. cornar transpa rence. al
ose
d
.
ass1m a deter · . d da uma parte da vida alvejad a pela c ,
nossos pensan1entos, e ren em mmar quem Depo1s e co
~ _ obedec endo, sem sequer se dar conta, a
somos. da integraç ao A

~ anente a se esquece r, a se apagar - ,voce


.
A primeir a coisa de que você gosrou no Ta injunça o perm .
.
. h rzan, d um zumbi: uma cnatura errante e apauca
fc01· d o seu munsm o: voce rm a a impressâo de que ele . .
A •

nao passava e
rpreend ente ' entao, que, depo1s de um armgo
compar rilhava conrigo uma mesma desconfi ança d'iante Nad a d e su
c I d la a indocil idade dos nègres marron s tenha
da Jinguagem. Era possivel enrâo ser "homem -m acaco,, e te ia.iar e ,
obseda ndo. À mais leve brisa, você parecia
heroi! Era você o senhor da selva, que se lançava de cipo aca b ad o te
em cipo, para além da rda, e que desfruta va de uma vida sentir a respiraç ao bravia daquel es homen s e daquel as

tâo selvagem quanro livre, sem calças compridas, sem mulhere s que, em sua corrida enlouq uecida, arranca vam

saparos, sem sinal vermelh o nem conrram âo, sem rodas suas vestes de empreg ados para endoss ar a sombra estriad a

esses prédios que rasuram o horizon re de Paris - uma vida das folhage ns . Desde entao, você ja nao sabe bem para

que so podia se express ar plenam ente além das palavras, onde vai, sabe apenas que precisa correr para nao perder
nesse urro cidônic o que você sonhav a solrar no meio da o equilfb rio sobre o fio estendi do: correr e, sob a fricçao
rua ou nos corredo res do merrô. Mas um dia depois de incande scente do vento, te despir das peles mortas - ~
Tarz.an rer p assado na relevisao, algo esrranh o acomeceu pele de escravo .
"V"'- .,,.. ~

em tua pequen a escola do 15° arrondissement, era como


se o fi lme prosscguisse ou a ntes re p erseguisse: griros de Para acabar com a floresta virgem
macaco , " umg11w1l', "Ch cera", "bambo ula" 73, jorrand o de Amazô nia, bacia do Congo , arquipé lagos da
rudo q uanro é lado. Fo i provav elmenr e nessa hora que você Melanésia ... para um ociden tal, seguir a lin ha do Equado r
c:n rc:ndcu que n5o pcnc:n cia ao campo dos vencedores, corn a ponta do dedo signific a aciona r roclo um imagin i rio
do!> Colûmb o.., <: dos Livings rones. Você gosraria de sumir da Aoresra virgem , onde se enco ncram lado a bdo o caniba l
dc-h:iixu da terra, de: <.:\fn.:ga r, csfn:gar, e esfrega r ainda mais, · · , o bom sclvagc m e a :11nxLo tu feroz, o
c a rno çoi·1a tamana
corn ~a b10 <::\p<J tJJ·a , agI
.1 l - d'
1::i :-.:u11r:1 f1:1 e~sa pc e que n:JO po LI
• , •
• •
74 DlNITEM TOUAM BONA

/ d bar com essa fabula da 6,QEesta virgem,


Eldorado e o inferno verde. Por mis dessa figura d "
1 ,, a natureza 1/
// ,
E rem
po e aca ~ 7 '\
vite ao estuprh.77 A expressao
'
se vagem ' que continua a se sobrepor à noça . , a como um con ~
"fl o c1ent1fica d que resso . " ue surge durante a conquista das
oresta prima.ria", ha "uma ne~ · 0 d h . e v1rgem , q , ,
. a uman1dade d "floresra , . magem biblica do jardim do Eden, a
soc1edades Borestais aut6ctones" 4 ssa neg - _ as .Arnéricas, remete a 1 A • •

. . açao nao pode za inocente, pura, autennca, pois nunca


ser d1ssoc1ada de uma negaçao de hïstoricidad , . ·d . de uma nature
e propna da 1 eia d pelo "Homem". A metafora de uma
mecânica colonial: "O colono faz a historia s .
· ua vida é endo sido penetra a . , . . , .
. t . - é an6dina, ela ecoa o prmc1p10 Jund1co
uma epope1a, uma odisseia. Ele é o começo absol uto,, nos floresta virgem nao .
rra nullius, o qual, ao defimr uma terra
recorda Franrz Fanon. 75 Enquanto o "barbaro" - surg1do . romano d a t e , .
« d nos" cornava antecipadament e leg1nma sua
das esrepes ou dos deserros - s6 se define pela relaçao com como sem o ,
• • A doutrina crista da "Descobertà', formulada
uma civilizaçao (que ele busca destruir ou de que renra se colon1zaçao.
apropriar), o "selvagem" - o habitante da selva - é sempre em 1455 por uma bula papal, estipula que "todo monarca
percebido sobre o fundo de uma mae narureza da quai, cristao que descobrir terras nao cristas tem o direito de
. ,
como uma criança, ele mal se destaca: ele "nao ingressou 0 proclama-las suas pois nao pertencem a mnguem ·
))

lj
bas tan re na Historia". 76 Assim, antes de ser um discurso ideol6gico - que
Se as floresras tropicais aparecem como terras virgens, é nega a destruiçao dos judeus da Europa, o genocidio das
porque, aos olhos dos europeus, nao comporram qualquer populaçôes amerindias ou a escravidao e o trafico negreiro
inscriçao, qualquer vestigio de historia, de monumento, de - o negacionismo é a pr6pria operaçâo da co\onizaçao:
escrada, de cidade cligna desse nome. À nudez dos corpos a negaçao da inscriçao do colonizado em seu territ6rio,
sdvagens - caracreristîca recorr.ente nos relatas co~ iais sal~ C_?mo figurante, fauna pitoresca, elemento acess6rio
- corresponde a nudez dos rerrirorios siJvescre✓/rerra e supérfluo. Compreende-se entâo por que nos filmes
imaculada, a Amazônia é rrarada pelos conquistadores de Tarzan os nègres geralmente s6 aparecem e m segundo
como uma pagina em branco, que apenas espera p:ira piano, quase fora do quadro: c riaturas talhadas na n oite da
receber su.a marca: cada plantation arrancada à selva, cada selvageria, que podem muito bem cair de mn penhas('.O ou
posro avançado ou cida<lc erigida, cada esrrada rraçadJ ser devoradas por crocodilos sem despt·rtar m ~üs compaixao

encena a grandt narr::u iva da "ci vilizaçfw"f/ do que a morte de um animal \k carp,,\. "Exterminai todas
76 01:NITEM TOUAM BONA
'-
- 7ï

as bestas.I", e' ass1m


·
Lo ao IonQO de milènio.,. pd1S
que termina' em O coraçao_ das , . or e."Xetnp , ;:, . .
r, amenndJOS, p. . râcicas horticolas, sens nru11s
0 relat6rio sobre a missâo civilizat6ria d h revas,7s
o omem bran . . erânc1as, suas p -
suas ,on . d d de seus habicars., .frz.er.un d:1
negaçâo da humanidade leva ao genocid"
io, como atesco. A ., .....
.
~ n·lântCOS, '1
. va.rie a e
. _..J •
vasro ,·~uutn'l. 1nas un1 ,._,u,.,.
,-.,,..-nl""S:
X ...,._
tanros exemplos na historia recenre Em ._ ~ .. nâo apenas un1 •
. . reg1oes corntarn ,\ .,,azon 1a
Papua Oc1dental, ou a Amazônia, 0 ecocidi , . di
O
a
IV' d d ancesua.is, d e esp1nros,· · - u-
311101~ · s... de
ovoa o e
- , . A . o e in ssociavel ~m~ do P .
d a ren taçao de genoc1d10'1'A cavalaria bras1·1 · c . ho de forças elemenra.res que, cononu10'l~œ.
e1ra roi m .
·
mcompetenre. Competente, sim, foi a caval ·
Utta seres de son '·d a rernronos . , . . t·t Cl',,-1.0
de v1"da . .,,'. m ul op --
. ana norre- nferenl seno o . -
amencana, que dizimou seus indios no passad co ·aI dos incêndios na A.m:uonia nâo pode.na e.nc-.to
o e h OJe
. em e.xponenc1 . -
dia nâo rem esse problema em seu pais( î // d como mera descru1çio de un1a .-. .:J noresr:1.
ser en ren di a . , .
. , . ». la constirui um verdade1ro cosm ood.io.
pnmana. e
Uma politica da memoria incendiada
A colonizaçao é geografia em sentido litera!: marcaçao 0 incêndio, em 2 de setembro de 2018, do 1' {useu
e modelagem de uma terra "pagâ", percebida como oca Nacional do Rio de Janeiro se inscreve na tr.1jer-é ri~1
de sentido, como um nada. "O mapa é o instrumemo desse cosmocidio sem fin1 que teve inicio con1 a chè'-
de uma domesticaçao do territ~
da conquista, o ambiente do habita.Q.te dos lugares ainda -
do Outro (... ). Ames gada dos primeiros conquistadore s. 0 ~tbandono
qual foi rdegado esse prédio e cenr-ro de pe.squis:1s, ~10
~,o

era amorfç . Cabe ao colonizador, figura quase divina,


longo de muitos anos, nada tinha de passiYo: nàû fi.1i
dar ~ma forma ao espaço'® J -map;~ olonial g; ~re a
fruto de negligência, n1as de un1a politicl Jelibc'r.i...L1
legibilidade das terras selvagens e esboça seu futuro descino
ao destacar os elementos (estradas, portos, forres, rios (aplicada igualmente a tudo que ten1 reb~io \.'Off\ ~\ ~s-
navegaveis, plantations, etc. .. ) que permitirao, a médio fera publica, em osmose corn ~\ 111t'Ctnic-:.t nc'Olib...T .\l).
prazo, domestica-las, dando-lhes forma humana. Mas, 0 abandono constitui W11a das 1nodalidadc'S dû p(H.·k r
nesse mesmo movîmento, o mapa empurra para o ângulo do soberano: un1 direito de morte è..-XC-('C.ido :i pr.uo. ()
morto - para o vazio de um espaço branco - a conexao abandono é o banime nro do co mum: cxpôe :l:- ilHc'tn -
:.Ias memorias indfgenas e vegcrais: a maneira como os
79
COSMOPOÊTICAS DO REFÜGIO
78 orntrtM mU,IM 8(1N;\

tro do branco dos mapas


pcries. às doençts . ;) desarcic ulaçâo, ao definh amento Viver den . constiru i uma
co" como esquec1 mento
"
:1 morre. aquilo que foi abandon ado ou ban 'do,. seJa. ' Se o bran ~c , b' porque
. • • • • l
·aI d fiibrica carrogra uca, e ram em , ·
um md1v{du o., um ed1flc10 h1sr6ric o ' docum entos e ecapa
essenct a ,. . a do deseJ· 0 , de uma eronca
. . a de uma mecan1c b éu
objeros suporre s de mem6ri as, populaç ôes, etc. Com e
le parttctp
~ . terra indigen a é reco erra por um v
· - da predaçao. uma h' , .
esse incêndio . fora.m as provas mareriai s da inscnçao . . d d - a inocênc ia daquilo que é sem isrona
de v1rgm a e
rerrirori al das comuni dades a.merind ias (mas também ue possa ser melhor estuprad a. Corno aponta
_ para q ·b ,
afrodesc endenre s) que se rornara m cïnzas, fragilizan- . N h "os acores da coloniza çâo contn u1ram
Matthieu ouc er,
do ajnda mais as garanria s de seus direiros civis, cultu- desse modo para o branque amento dos mapas, apagand o
raù e rerrirori :ûs. referências para inventar do zero um espaço vazio, que se
81
rornava enrâo um espaço a ser conquis tado". 0 bran_c o dos
Hoje, sob o codinom e "desenvolvimento", é ainda
mapas é portanto o p roch!,!_2 d~ ~}!1~ op~ r.a çao _esU?,t~égica
a mesma "miss:io civilizaroria" que devasta a Amazônia.
Seguind o a maü pura rradiçao colonial, Bolsonaro
d; branqu--;am; nto da historia , de lavagem da mem6ri a dos
-- . --- .._ ._....... --- - .., - __,...._.,.._ -r--- · -

cerrit6rios.
considera os amerind ios como incapazes de valorizar suas .... l iir--""

Mas se o mapa é o instrum ento de uma domesti caçâo


rerras. Ao se apropria rem destas, os grandes latifundiarios
do territ6rio , entâo viver na sombra - dentro do branco dos
e as mulcinacionais esrariam colabora ndo para o bem
comum, fazendo recuar as fronteira s da "sdvageria". Essa mapas - nao é nem estar margina lizado nem fugir, mas se

polirica da terra queimad a é uma polfrica da memôria enfiar no humus de uma terra indômit a: fazer corpo acé se
incendiada: a produça o acelerad a de uma superHcie fundir corn ela. Apesar de serem os grandes esqueci dos dos
virgem e homogê nea proma para ser estripada , marcada, projetos carrogra ficos na Guiana, os BJ:!!.!!j!iengês - negros
espremid a até a ulc-ima gora pdos conquist adores sem rosto marrons da Guia.na e do Surinam e - nunca se apresen tarâo
do capiralis mo globaliz ado. como vftimas de uma invisibil izaçao. De fato, h éi neles uma
desconfi ança s; cular fac; ,10s c rité rios de conhec imento e
dl' n:conhe cime nco insricu(d os. Para eles, viver no branco
81
COSMOPO~CAS 00 RHÛGIO
80 llfNtTEM IOUAM BONA

m _ confundir-se com
, · A camu Aage
@ar de prop6siro do
d_o_s_1_11_a...p_a_s_é_ e___sc"'"a..,R,._ . d oluncana. 1 ' até
- - mapa os brancos forçada ou v . b. ce de vida no qual evo wmos,
Permanecer fi eJ a um modo de vida e de ., . · , ê . '• e10 am ,en . .
. . ' , cs1st nc,a furriv o encorno, m - ecologia dos senudos: senur
que perm1nu a sobrevivência de seus ant . .. d o, r - supoe uma
_ ep.1ssa os e a ali desaparece elementos nos penecrarem por
edosao de uma cultura amante das somb D c sol a chuva, os b
. d . . ras. e rato, as o ventO , o ' . l de suas mutaçôes. Perce er
fironte1ras os ternt6nos marrons s6 podiam se codos os poros e abraçar o c1c o
manter em
seu pr6prio apagamento, despisrando conrim,a•·111 ente os . impercepdvel.
até d evir
radares dos senhores.
empre teve horror ao "natural"
Com a secessâo marron, a resistência ao ose 1vag em S
sistema escravagîsta (sabotagens, suiddios, revoltas, Em meus escritos, foi a partir da privaçao radi~
e corpos constituida pela escravidâo (cuJa
envenenamentos, etc.) muda de teatro de operaçôes. Toma- de mun d o e d
se uma resistência territorial: passa a fazer corpo com um contra-antropologi' é representada pelo imagina.rio vudu
territ6rio labirintico cujos meandros e relevos constituem da "zumbificaçao•~ Jque fui levado a pensar os corpos em
aliados naturais para os rebeldes. 0 marron nâo foge, se mo~ nto e a meditar sobre suas potências utop1cas: a
esquiva, se esgueira, desaparece; e por meio de sua retirada, capacidade, por exemplo, de produzir um fora, nascido do
desdobra espaços-tempos inéditos: o quilombo (Brasil), escapar de um canto ou de uma dança, no proprio seio
o pafenque (América hispânica), o mocambo (Sâo Tomé de um dentro asfixiante (a plantation escravagista). Em
e Brasil), o camp de marron (colônias francesas), etc. Nas sua origem, nas ilhas espanholas voltadas à produçao de
Américas, a relaçao de cuidado corn a terra se encontra açucar, cimarron designa o animal doméstico que fugiu
in timamente ligada, no caso dos afrodescendences, à herança para retornar à vida no mato. Por extensao, os espanh6is
da marronagem (fugas e resistências criadoras dos escravos), qualificavan1 os escravos fugitivos de "negros cimarrones".
ao uso libercador da floresca como refügio, como espaço de É preciso entâo ver na marronagem um processo de des-
camuflagem e de reconstruçâo de si. Aqui, a floresra deve d~ mesticaçâo: um "de~ ir ~el~age1~' libertad~~~"Ser marr~n
ser entendida menos como um "meio ambienre" e rnais é abraça?o ~1~ v i ~ o de~~ cip6: deixar-se a~;;;-ss~p~la
como o impuiso indociI do vivo que, sempre, opôe-sc cm selva, enquan~o se a ~travessa. O movimento de libertaçao
nos ao movimenro curvado da humilhaçâo, da servid(to .
ope rad 0 pe \·.1 marronage1n deve ser tomado em sentido
82 O(NITEM TOUAM BONA
COSMOPOtTICAS 00 REFÛGIO 83

proprio: é antes de tudo uma t·b


d. d - -- - - - - i eraçao do m . d vo aborigene ( ... ) . Viemos lhes trazer os
1sparc1 o por um corpo dan ov,lllent 0
po d refinamento e a possibilidade
Çante - todo passa d d o bons mo os, O
po d en d o ser o esboço de um gol 83 U e ança de um Koompartoo, uro recomeço. Para os
, pe . ma naturez .
e uma natureza desarmada Ti a Vtrgelll • ·nceligentes dentre vocês, trazemos a
. rata-se entao de re mais 1 . . . •
os corpos e os territ6rios nos . atlllar Hngua complexa dos PztJantJatJara; vam~s
quais e1es se inscreve lhes ensinar como estabelecer uma relaçao
reencantando-os pelos sortilégios d Ill,
espiricual corn a terra e como encontrar
c_ , • e uma cosmopoética do
rerug10. ~~
alimencos no bush.
85
~

Para concluir, recordemos que O "selv ,, Sigamos entao o ensinamento desse nobre aborigene,
agem sempre
t eve h orror ao "natural" , sempre foi "estiloso" c e invoquemos os espiritos da selva, os espfritos "selva.gens",
· omocorpos
tatuados, escarificados, lancetados ' pinta.dos , bes untados, a fim de conjurar os espectros de Colombo e do Eldorado,
perfurados, paramentados de plumas, poderiam estar nus? que nâo cessam de retornar, por meio da recrudescência
Para além da incorporaçao da lei do grupo, da produçao de de projetos de mineraçao ou agroindustriais que devastam
um co rpo-memona, ~
' · 84 a marcaçao d os corpos e' um ato de terras e modos de vida em roda Terra.
estilizaçao de si. Para os dicos "selva.gens", um corpo é, em Bora endossar a sombra estriada das folhagens.
si mesmo, uma superficie de escrita, s6 se tornad. humano
a partir do momento em que for trabalhado: um corn.a
que nao foi esculpido ( um__C,QFRO_yazio~ e~ i~o. Desse
ponto de vista, é o colono que parece informe e insensato:
sob suas vestes pudicas sua pele rem a nudez de uma pagina
em branco.

Em 1988, um militante abori'.gene desembarca em


Dover, finca ali a bandeira abori'.gene e declara:

Eu, Burnum Burnum, nobre da anciga


Australia, tomo posse da Inglaterra em nome
COSMOPOfTICAS 00 REFÜGIO 85

PÔSLUDIO

No (re)começo ... entre terra e céu, um casulo suspenso


que um corpo, ainda confuso, rasga para desenrolar sua
linha de vida: uma Criança (re)nasce das feridas e das
cinzas de um mundo devastado.

A sombra da Criança esta v1va: tao grande q uao


pequena ela é, tao colossal quanto franzina.
A Sombra e a Criança: dois corpos que se constroem
ern fricçôes, contrapontos e acordes sutis.

A Sombra e a Criança: dois polos magnéticos que,


arravés de um jogo de cordas, (re)lançam um campo de
forças criador.
Nesse corpo a corpo corn a Sombra, a Criança percebe
os n1orcos, dialoga corn eles, extrai sabedoria e potência de
rodas essas vidas que a antecederam, e que se inscreven1 -
linhas especrrais - em sua pr6pria carne. Fios invisiveis de
unu historia rasurada que ela recoma: a das conclenadas e
Jos condcnados cujos sonhos aborrados precisa realizar sob
forma~ inaudiras.
\o breviver nurn un1vcrso em rufna.s t: .se drixar
Jlf:tVt~\a f , dti .xa r-,..,t' babitar pelo :1nrsdru o de vid;t
prod igJd ,, pdo.., ;11 H. n, 1ra t1.i, pl·los .u, i 1i1.1dos (.u 1i 1nab,
pbnr:1~ l' povo.\ do i,dinit.11\lrllil' prquvno) e pdrn;
-- 87
86 DtNITEM TOUAM BONA C05MOPO!TICAS DO REFIJGIO

ele me nro s: abr aça r a propn.a mo rte a •


er. , por enc ia da sombra NOTAS
e do hu mu s, pa ra renasc , Capicalocène, Pla nca tion ocè ne,
Ch chu luc ène .
s
. co s6 cl 1. ''.Anchropocen~; [Ti ad . Fré
dér ic Ne yra t]. Revisca Mu ltit ude
A Cr ian ça é c om o o JUn r
' po e can rar e aJnar Pelo Faire des par ent s . , . ,,
alb do . fi . ch
en r e qu e a abr e par a o sop ro
m niro. 065 ' 201 6 · h 1 , iqu e con tre pla nta tio n an rop oce mq8ue •
n n n°7 2, 201 •
gence o oce Qu ess ada ] . Rev ista Mu ltit ude s fi "d
2· "Résur . •
[Trad · Do m1 mq ue de nt o com o
•1ta1·1sm0 con cem por âne o pod e ser
3 · ."O
cap de a que ·dnen hu ma
a1· mu ndi al inte gra do, poi s ten d r que
capte tsmho ma na do pla ner a lhe esc ape. Po e se cons1 era·a1 d
. •d d enc 1 e
auv1 a e u do pla ner a e que o ess
ele ja col oni zou codas as areas ten de
as ativ ida des que pre
expressiio con cer ne, ago ra, às nov " L e cap 1t. a1·1sm e
sua ix Gu atta ri.
sobrecodificac e con tco lar" . Fel
mo léc ula ire ". Jou rné es du
mondial inté gré et la rév olu tion de
n sur les No uve aux Esp ace s
CJNEL - Ce ntr e d'in for ma tio
Liberté, 198 1. uês
dea l". Dis pon ive l em por rug
4. Naomi Klein. "Scceen new 0/0 5/ I 3/
//rh ein ter cep t.co m/ 202
[Trad. Ma uri cio Bru m] : htt ps:
rk- bili ona rio s-v igil anc ia/.
cor ona vir us- gov em ado r-n ova -yo
sra , pes qui sad or e mi lita nte
5. Aproveito par a agr ade cer aqu i o arti Sao
do Co nsu lad o da Fra nça em
Amilcar Pac ker (co rn a aju da rio
par da exp eriê nci a "La bor ac6
Paulo) pel o con vite par a par tici o
sco rre u de 23 a 28 de ouc ubr
para Escrucuras Flexfveis" que tran
de 201 7 na Cas a do Pov o. Ver
A batalha do vivo: hcc ps: //iss uu.
alh a_d o_vivo. hcc ps: / /iss uu.
com /gru poc onc ra.f ile/ doc s/a_ bac
alh a do viv o
com /gr upo con traf ile/ doc s/a- bac - - ,
6 ". 1 gar (fo ra) -ir" ''de sca rtar -ir"
· ;eter-auer : iter alm enc e, "jo
Il "
r
rrocadilho cor n a exp res sao "lai
sser aller" ("d eix ar esr nr'' , "de ixa
rolar"), lem a do libe rali sm o [N.
T.].
", que enr nrn a a mu lhe r
?· A respelro da figu ra da "br uxa
d b .
rer apé unc os, e per per ua um
a
1nsubm _ issa• , d ere nto ra e sa eres 1 · •
..<. • srê nc1as, ver
rclaçao es1)ir1·cL1·1l ·
• com a terr a e as me mo nas c e res1
d.
c-rki: G tlibtî t' ri bm xa, tra
rrahalho nocavd de Silv ia Fcd
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88 89
DfNtTEM TOUAM BONA COSMOPO~TJCAS 00 RffÙGIO

Colecivo Sycorax, Ed. Elefante 2018 Vc a ser defendida, neologismo


the Dark: Magic, Sex and Politi;s de Sr. her tkambém: Drea1nin Al): zone à défendre: zo~ acampamento ou ocupaça~,
ard aw . Na J·iterarura d'Z 1J. Z • dica um npo , • os e reunir
C an"be, h a' amda · o magnffico ro' jJjrance que •~ ode erdurar por vanos an .
r· b b mance e Ma C o rn al ao ar livre, que p al p um proresto contra proJetos
1 ztu a, ruxa negra de Salem [Ti d N . ryse ondé: E
. ·
d e JaneJCo: Rosa dos tempos, 2019. ra • atal1a Borges p l u, em ger as em ger como
de pesso , TJ
o esso]. Rio cencenas ~ do solo [N. · ·
8. Davi Kopenawa e Bruce Albert A J_ do , de urbanizaçao ou~s~ary Victor, enrrevistado pelo autor, em
- . queaa ceu P. la
J 8. Depoimento . " I . Alfricultures, 2410512004.
um xama yanomami. [Trad. Beatriz Perrone-Moisés . ~ vrllI de , H .. . Gary Victor . n. 1970
Companhia das Lecras, 2010, p . 4 76 _ ]. Sao Paulo: . . de Guiyane. Paris : Ed. Mouron.
'"Écrire .un... 11;.;catns , P·
19. Jean Hu.rault. A~,.
9 . "Rien n'est vrai, tout est vivant" Confc , · d ·
GJ" . . · erenc1a e &loua d 20-22. l La Société contre l'État. Paris : Ed. de Minuit
issant. Pans : Maison de l'Amérique latine 20lO 0 . ,r
• · 1spon1vel 20. Pierre C astres.
h Il
em: ttp: www.edouardglissant.fr1vraivivant.html.
1O. Expressao do fil6so~o Emanuele Coccia, cf. A vida das plantas. ~i~télène Lee. Le Pinnacle, le paradis perdu des Rastas. Paris: Ed.
[Trad. Fernando Sche1beJ. Florian6polis: Cultura e Barb' · Afromundi,2018. . /. '. L"
2018]. ane, Karl Marx. O Capital, Critica da Economia Po itzca - 1vro
22
11. Publicado inicia.lmente no numero 12 da Revista z e na Pri~eiro. Ediçôes Avance! 1867. ["O capital é trabalho morto
Revista Terrestres del 5 de janeiro de 2019. Trara-se aqui de uma que apenas se anima, à maneira de um v~piro, pela ~~cçao de
versao ligeiramente modificada pelo autor para a publicaçao em crabalho vivo, e vive canto mais quanto mais dele sugar ] .
português. 23. A origem do "coumbite" vem de longfnquas tradiçôes
12. Yann Moulier Bourang. De l'esclavage au salariat- économie africanas, presentes em varias regiôes. como o "dokpwê', do
historique du salariat bridé. Paris : PUF, 1998, p. I 33. Daomé, hoje Benin, onde designa um trabalho agrfcola colecivo,
I 3. Palenqueros: moradores de palenques, enclaves afastados que ou o "shungu", no arquipélago das Comores, no oceano fndico.
serviam de refügio para escravos e escravas rebeldes, em especîal Deriva de uma adaptaçao da palavra "convire", do espanhol, que
na América Central, Colômbia e Cuba [N.T.]. se cransformou em " konbic" ou " koumbit" em lfngua crioula.,
14. Mafoya: tipo tradicional de musica, canros e danças em lingua até se tornar "coumbite" em crioulo do Haïti, para indicar uma
crio ula dos habirantes da Ilha da Reuniao, departamento de além- reuniâo e uma festa. Mantém semelhanças corn o crabalho e m
mar francés siruado no oœano fndioo. Foi proibido pelas aucoridades mucirao. [N.T.].
franœsas no final dos a.nos J 950, s6 recornando à cena pubUca em 24
· !acques Roumain. Gouverneurs de û1 rosée. Ed. Le lèmps des
1976. (N.T.]. Clcrises, 1944, p. 17- J 9 [ Os do nos do orvalho, Coleçao Roma n o:s
J 5. Nganga: tcrrno banru para curandeiro o u herbalisca, usado <o P d. J ,
ovo, Ir. orge Amado, Editora Yit6ria, p .7-8, 1954 1.
em va rias sociedadcs africanas e afro-brasileiras. /N.T.). 25 · Gérard Barchélc
lb' 1) '
c , 1 B 1 •
m y. ,reoies - ossaies. Conflit en Hafri . Ed.
16. Fundi madjini: mestre dos cspfriros no arquipélago IS '-Ouge, 2000, p. 156.

das Comores, situado n a cos1a sudcs1e da f..frica, :i le5 re de 26. L1mbi: Lobatw ,,· .. d . .
como 1 . grgas, g 1.1n e caramu,o mannho , conhecido
Moçambiquc, no o ceano fnd ic..:o. conc la-rarnha. IN .T l.

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90 D(NHEM TOUAM BONA

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27. 111111s: r:11nbém chamad os de "M·ISté110s" . hr ·/lwww -queerd ocum .
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nome dado aos espfrito s interrne l<1rtos entre oou "lnvis/Vc1s"•
d'.{ .
]vfaglore. cariesld ocumen carylde s-.:de quiloro bola brasile ira, a
..
111b,1111mm1.._,.e os huma.n os no vodu ha1t1ano. grande cr· d ' 1· da Por Caio
. [N ÎJ •a or docurnen so b re a maior cornUIU . de Goias ' pub i ca
éria Il . .
28. Dav, Kopena wa e Bruce Albert A .J _ • · •
40. Mat 0 inteno r
, ·Ls 261071 2019: hccps: ww,v.
?9 l' . ,uém-• ,
d os corpos . rn queua ddo céu· P.· 479-480 ·dade I(alunga, n d-
- . ar.1 subalce · comuni Autres Brest ,
• . os, po emos
estendcr as de freicas Paes em c ·re-fac e-aux- menac es-le-p lus-gra n .
11ir1cas de aucode fesa analisa das por Els D 1. •J neclPou r-1:u
a or 10 , lem S .J1r. esse-la- carre-d e
n 1 ,, , •
v nc pouoso pme de la violence· Ed · La Découvenes-Zo eue;endre• autres bres1 s.
uiJombo-du-pays-dr . b / http://r adio.ta ina.nec .br/ ou
aos rerriror ios de resistên da insticu{dos pel as t<1t1cas1 • nes, 201 7] q 11 apa taJlla.n et. r ,
po 1 .bos.ne c/camb or/pc/b aobaxia . , .
etc. pu arcs de 41. Ver: https: m
cnc mtame nto: cul cos, ri tuais agrarios, cam Marron s de la liberté. Pono Pnnc1p e:
1 / htrp:/IWWW•mo
30. htrp:/ /loopha ici.com /concen c/les-vo douisan t~~um~ Jean Foucha rd. Les
. 42
conscru1re-des-forecs-sacrees-en-haici/. H;nri Deschamps, 1988, P· 360. . Afri n uanco terra
· [Cul tnx. dos cermos genéric os que des1gn a a ~e q .
3 1. Ver Max Weber. Ciência e Polltica, Duas voc.,•r u,oes 43· Uro ·
d o IIDagin · 'ano a uma ongem
1970], onde o autor define a modern idade coma sendo~' dos ancescrais, relacion ado de mo
"desencan cament o do mundo" , ou seja, uma ,, "Co ,, .
processo de perdida, como "Angola ou ngo ·
44. Ver: Jean-Pierre Le Glaune c. L'Anné e indigèn e. La défaite de
racionaJizaçao técnico -ciencff ica da nacureza.
Napoléon en Haïti. Moncre al: Lux, 2014. .. _
J2. Alfred Métrau x. Le Vaudou Haïtien . Paris : Ed. Gallimard, et politiq ue en HartJ.
1977, p. 137. 45. André Conen . Misère, religion
DiaboliJation et mal politiqu e. Paris: Kartha la, 2001 , p. 62 .
.-33. Os donos do orvalho. Capfru lo 5.
34. Em francês , a palavra nègre, quase sempre pejorativa, é 46. Edward P. Thomp son. A Formaç âo da Classe Operdr ia lngl.esa
-A força dos trabalhadores. [Trad. Denise Bottm ann]. Sao Paulo:
pratica menre insepar avel da ideia de escravidao. [N.T].
PazeTerra, 1987, p.74-75 .
35. Roger Bastide . lmagen s do Nordeste mlstico em branco epreto.
Rio de Janeiro : Empres a Grafica . 0 Cruzeir o, 1945, p. 48.
47. Jacques Rancière. A Nuite dos Proletdrios. Arquiv os da sonho
operdrio. [Trad. Marild a Pedreir a]. Sao Paulo: Comp anhia das
36. Roger Bastide. 0 candomblé da Bahia (Rito Nagô). [Trad. Maria
Letras, 1988].
lsaura Pereira de QueirozJ. Sâo Paulo: Cia Edicora Nacional, 1961, 48. Nathan Watche l. La Vision des vaincus. Les indiens du Pérou
p. 248.
3ï . Ounsi: ou hou.mi (mulhe res) e Hounga n (homens), termos devant la conquête espagnole (1530-1570). Paris: Ed. Gallim ard
1999,p. 279. '
equivalenres às Filhas e Filhos de Santo do Candom blé, no vodu
haiciano . ;~9fdouarcl Glissan t. Le discours antillai s. Paris: Ed. Gallim ard,
, p.181.
38. 0 quescio namem o da nacural izaçao do dualismo de gêneros 50. Aline Helg Pl . .
,. . d . • nia Essas
révolte, le 'tln · , . us ,1am~ts esc~ves ! De l'insou mission à la
.
e dos papers sexua1s nao se limita ao tempo a cerimo de· uma
'· •. . , gr. d rectt dune emanczr,,ation (1 492-18 281 p · . La
prancas espmrua1s nao estao esrrucu radas em corno 0 ecouver ce, 20IG .:., '/• ar1s.
ordem moral. 51 M 'p. 23 ·
· aryse Condé E -r·
39 · Ver: Des hommes et d.es dieux, de Annie Lescot e Laurence . u, i ttuba, Bruxa neOTa
o..
de Salem . Ed · . Rosa
92
DCIIËTEM TOIJAM BONA
COSMOPOHICAS DO REFÜGIO 93

dos 1èm pos, 2019 ou Év


D a pper, 2003 n L·
elyne Trouillot i,osa . p, La Commune de Pa/mares. Ed. Syllepse,
. . ze l'inft B j~m ~t al
52. Rcromo aqui ad' . _ arne. Paris• 61. en_ . al bl' do em 1956). O poeta surre ista compara
isnnçao est b 1 . . 1999 (ongm dpuPalmica no Nordeste brasileiro - que resistiu
encre a estracégia , que pressup- a e ecida por M·1chel d c il O mbo e ares,
e eneau 0 Qu d 70 anos às investidas milirares holandesas e
de onde as açôes s erao - oe um local proprio (
conduz·d um ter. , . lh ' d C
açôcs, usos e arcimanha s ue idas, e _as taticas, que rernntono)
duranre cerca _ , eexperiências libertarias seme antes a a omuna
etern a porruguesas as
aigu m - q po em nao esrar . , . .
, a nao ser no corpo em SJ.. ', apo1adas ern 1ugar de Paris, em 1870-71.
., . -'· ver· M d C . , Centre industriel de stockage geologtque, proJeto do d
Ed 'r . , e erteau. A invençao. 62 Ctgeo -
ao cottazano.
~ . Petr6polis·· . vozes 1994 · francês para descarte de rejeitos de usinas nucleares e
•.
53. .E,ud,des da Cunh O " : Sao· p I governo . d
a. 'S 0ertoes média e alta radioacividade, que senam enterra os em contemere s
190112002, p. 352-356. · au o: Nova Aguilar,
a grandes profundida des.
54. John Gabriel Scedman ' Sylv1·e M essinger . 63. La Meuse: ses vaches, ses éoliennes, ses flics, s/a, em Plus Bure
c . G · •
J Urtname. Une cam a e d. . · apztazne au
J 7991 J 989 62 !/J '-gn e cmq ans contre les nègres révoltés. sera leur chuce... 08/08/201 6.
'p. . 64. Ver o prefacio de Foucault à ediçao estadunide nse de Anti-
55.. ~'Héroïque Lande. La .frontière brûle. Filme de Nicolas Klotz Édipo, '1ncroduçao à vida nao-fascisr a".
e E lisabeth Perceval, 2018 (3h40'). Documentario poético e 65. Projeto de construçao de um parque de diversao em Calais,
polf rico dedicado à Selva de Calais. cujo custo seria de cerca de 300 milhôes de Euros. Comunica do
56. Um arquipélag o de checkpoints cada vez mais conectados, por da Prefeitura de Calais: '.lto acoplar o nome da cidade ao de uma
m eio inclusive da troca de dados compartilha dos e fornecidos atividade com forte imagem positiva, [o empreendi mento} tornard
pelos Estados, por agências de segurança, rransportadoras, ecc. passive! destacar a notoriedade da cidade na França e paises europeus
vizinhos".
57. Trata-se de ancecipar o aconcecime nto. No campo das
policicas migrat6ria s: parar o migrante em seu proprio pais 66. Jean Comaroff, John Comaroff. Zombies et frontières à l'ère
néolibérale. Paris : Les Prairies ordinaires, 201 O.
( visros, tratamenco de dados das transporcadoras, excernalizaçao 67. En~arnaçao por excelência do aparelho de capttua
das fronreiras da Uniao Europeia, etc.). escravagista Ver- Os fa.iu 't. d AleJo. Carpentie r ou
l' la .: · o 1 wos, conro e
58. Frontex: European border and Coast Guard Agency, agência
esc ve vzetl ~omme et le molosse, de Patrick Chamoisea u.
curo peia respon.savel por cuidar d.as fronteiras rerre rres e
5
68 · As fronre1ras recob 1
m aririmas da Uniao Europeia e do Espaço Schengen. Dispôe de d' d rem um argo especrro em nosso dh-·i-
1a, os acessos filtrad 'd· • ..
, d 1 10.000 passand l os aos pre ios aré os posros da alfândeo-a,
um corpo de J .500 agences, numero que eve c 1egar a O
em p_e O conrrole de identidade ; projeram sombras Huid·1s
au: 2027. (N.TJ. nossos 1maginar· d •-
.
- dcs1.gn ados os p alcstmos · d • c.,icanos que
c refi·ug1a os a11 69 S I d . rose mo e 1am nossas percepçôes .
59. C orno sao . e va e Calais: acampa d . .
renravam . menro . e migrantes e refuoiados que
t:: ha/h am cm hrad. ·1, 10 hit
60. ) Olivier .R ai.ac. " Utopies banales", blog Une pin 1'cP1,c.
Il hilop
° pess~as a Ir p~rada Grâ-Breran ha. Chegou a retUlir qua:e <lez mil
· ' parnr os •anos ?QOO f' · J 1
, 'Y 2016. - • ·01 uesmame ado pda poHcia cm
ptébélt:nne, 29/08/2()1 ,3. Di ~punivd ern : hr.rp www. P
la111 rc. nc r.
94
DMHM muAM BONA
DO REF ÛGIO
95
COSMOPO'll(AS
t

70. Proliferaçâo das te I .


" cno og1as dita " ' . de extermfni.. o
contato que se propôern . s sein necessid d XX· urna po lm ca
n a col6 nia
· · Namas
71 0 h a nos apro>umar a e de . genocfd J.0 do século H reros e os
: . s . arraga (plural de harrag) sao ·ov. . do prirneiro I zo Reich sobre os e .
ong1nanos da regiao do Ma reb ( , J ens em1gra.ntes ile .
M
M d.
arrocos,
'
M g
auritânia Tunis· Lib' )
, ta, ta que bus
. Argél•
paises do none d a Acrrica: gais,
ia, alerna
da pe o
perp~c;o "Sudocste africano - :J
,, (N

ciada pdo entao ep


fb,a) encre
.
1904 e l 908 .
ucado federa l Ja.ir Bolso naro
l 5 d e a bril d e
e tterraneo e chegar aos pa(s d E cam atravessar o 79. Frase pronun Câmara dos Deputados, be/rnl a/201 8/ l 2 /06 /
. . . . . es a uropa Ücid cm discurso na // . j folha.uol.com. r up
temete a rttu:us m1ciaticos ern que J·o " . entaJ. 0 terrno
d , vens que1m ,, - 9 8 Ver: https: p1au . .
ocumentos, mas suas amarras corn d am nao s6 seus 19 · . valana/. p · ·
o passa o. Esses Jovens
· . ificamos-bolsonaro-ca /. ·bfe Espace, Lieu, carte. a rts .
se veem como fugitivos da rnise'r1·a nao ~~ B. Westphal. Le Nfonde p attst .
de aventura. , mas como her6 •s· em busca
~ ions de Mjouic, ZO l l. •f d 'aventure, désir de
72. Musica do disco de Alfred Panou & Ar " bl des cartes: entre soi d
t ensemble bof 81. Le anc , . d n uête". In: A tlas critique e
·
ClHcago, Je suis• un sauvage, de 1969 Ver· https·//-www connaissance et appettt e co q )
com / watch?v=yGHlO y0wDH8 · · · .youtu e·
Guyane. Pans. . . E'd • C N RS ' no prelo (secembro 2020 . c:: . if,

73. Umgawa: palavra de multiplos sentidos, usada nos filmes de 82. Ver: "Chasse à l'homme". ln: Dénètem Touam Bona. rugttl ,
où cours-tu ? Paris: PU F, 2016.
T ~ para se dirigir aos animais; Cheeta (ou Chita): chimpanzé
83. Corno observa Elsa Dorlin a respeito de <lanças marciais como
am1ga de Tarzan; bamboula termo pejorativo usado para se referir
aos negros como fanfarrôes que s6 querem dançac ao som da o moring,u da Ilha de Reuniâo - morengy em Madagascar, ou
bambula. [N.T.]. mreng,,é nos Comores - ou a capoeira do Brasil. In: Se défendre,
74. Xavier Amelot. "Démystifier la forêt". In: Atlas critique de Une philosophie de la violence. Paris: La Découverte, 201 7 .
Guyane. Paris : Éd. CNRS, no prelo (setembro 2020). 84. Ver as anilises de Pierre Clastres em La Société contre L'État.
Paris: Ed. de Minuit, 1974.
75. Frantz Fanon. Os Condenados da Terra. Traduçao de José
Laurênio de Melo. Rio de Janeiro: Civilizaçâo Brasileira, 1968, 85. https://www.mond e-diplomatique.fr /2017/01 /
p. 38. LANCIEN/56970

76. "O homem africano nâo ingressou o bastante na historia".


Prase do discurso do ex-presidente francês Nicolas Sarkozy na
capital do Senegal, Dakar, em 26 de julho de 2007. Disponivel
em: https://www.Iemonde.fr /afrique/artide/20 07/ 11 /09/le-
discours-de-daka r 976786 3212.html
77. "O interdito e;a la para-ser violado", ressalta Georges Bataille
em O Erotismo. Traduçâo de Fernando Scheibe. Belo Horizon~e:
Autêntica, 2013. A sacralizaçâo da "Natureza" nâo se opôe encao
à sua exploraçâo.
78. Obra de Joseph Conrad, escma . em 1899 , al guns anos ances
Oados lotemacionats de (atalogaçao 0q PubAcdÇ:ào (!Pl
{eOO( iffl:ASjL 8eto ~zoo:e~

8697c BoN , Oénètem îowm, 1970-

Cosmopoeticas do rerugio / Dénétem foU<Jm Bona; tradutora Milena Pfruchi.ide. -


Florianopohs, SC: (ulrura eBarbJrie, 2020.
80 p. ; 14 X21 cm

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