Antero de Quenta Sonetos Programa 11

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Sonho Oriental O Inconsciente imortal, só me responde

Um bramido, um queixume, e nada mais...


Sonho-me ás vezes rei, n'alguma ilha,
Ideal
Muito longe, nos mares do Oriente,
Onde a noite é balsamica e fulgente
Aquela que eu adoro não é feita
E a lua cheia sobre as aguas brilha...
de lírios nem de rosas purpurinas,
não tem as formas lânguidas, divinas,
O aroma da magnolia e da baunilha
da antiga Vênus de cintura estreita.
Paira no ar diaphano e dormente...
Lambe a orla dos bosques, vagamente,
Não é a Circe, cuja mão suspeita
O mar com finas ondas de escumilha...
compõe filtros mortais entre ruínas,
nem a Amazona, que se agarra às crinas
E emquanto eu na varanda de marfim
dum corcel e combate satisfeita.
Me encosto, absorto n'um scismar sem
fim,
A mim mesmo pergunto, e não atino
Tu, meu amor, divagas ao luar,
com o nome que dê a essa visão
que ora amostra ora esconde o meu
Do profundo jardim pelas clareiras,
destino.
Ou descanças debaixo das palmeiras,
Tendo aos pés um leão familiar.
É como uma miragem que entrevejo
Ideal, que nasceu na solidão,
Nuvem, sonho impalpável do Desejo...
Oceano Nox

Junto do mar, que erguia gravemente


O Palácio da Ventura
A trágica voz rouca, enquanto o vento
Passava como o vôo do pensamento
Sonho que sou um cavaleiro andante.
Que busca e hesita, inquieto e
Por desertos, por sóis, por noite escura,
intermitente,
Paladino do amor, busco anelante
O palácio encantado da Ventura!
Junto do mar sentei-me tristemente,
Olhando o céu pesado e nevoento,
Mas já desmaio, exausto e vacilante,
E interroguei, cismando, esse lamento
Quebrada a espada já, rota a armadura...
Que saía das coisas, vagamente...
E eis que súbito o avisto, fulgurante
Na sua pompa e aérea formosura!
Que inquieto desejo vos tortura,
Seres elementares, força obscura?
Com grandes golpes bato à porta e
Em volta de que idéia gravitais?
brado:
Eu sou o Vagabundo, o Deserdado...
Mas na imensa extensão, onde se
Abri-vos, portas de ouro, ante meus ais!
esconde
Abrem-se as portas d'ouro com fragor...
Mas dentro encontro só, cheio de dor,
Silêncio e escuridão - e nada mais!
Na Mão de Deus

Na mão de Deus, na sua mão direita,


Descansou afinal meu coração. Ad Amicos
Do palácio encantado da Ilusão
Desci a passo e passo a escada estreita. Em vão
lutamos. Como névoa baça
A incerteza das coisas nos envolve.
Como as flores mortais, com que se
Nossa alma em quanto cria, em quanto
enfeita
volve,
A ignorância infantil, despojo vão, Nas suas próprias redes se embaraça.
Depois do Ideal e da Paixão
A forma transitória e imperfeita. O pensamento, que mil planos traça,
É vapor que se esvai e se dissolve;
Como criança, em lôbrega jornada, E a vontade ambiciosa, que  resolve,
Que a mãe leva ao colo agasalhada Como onda entre rochedos se espedaça.
E atravessa, sorrindo vagamente,
Filhos do amor, nossa alma é como um
Selvas, mares, areias do deserto... hino
Dorme o teu sono, coração liberto, À luz, à liberdade, ao bem fecundo,
Prece e clamor d`um pressentir divino;
Dorme na mão de Deus eternamente!

Mas num deserto só, árido e fundo,


Ecoam nossas vozes, que o Destino
A um poeta
Paira mudo e impassível sobre o mundo.
Tu, que dormes, espírito sereno,
Posto à sombra dos cedros seculares,
Tormento do ideal
Como um levita à sombra dos altares,
Longe da luta e do fragor terreno,
Conheci a Beleza que não morre
E fiquei triste. Como quem da serra
Acorda! é tempo! O sol, já alto e pleno,
Mais alta que haja, olhando aos pés a
Afuguentou as larvas tumulares...
terra
Para surgir do seio desses mares,
E o mar, vê tudo, a maior nau ou torre,
Um mundo novo espera só um aceno...

Minguar, fundir-se, sob a luz que jorre;


Escuta! é a grande voz das multidões!
Assim eu vi o mundo e o que ele encerra
São teus irmãos, que se erguem! são
Perder a cor, bem como a nuvem que erra
canções...
Ao pôr-do-sol e sobre o mar discorre.
Mas de guerra... e são vozes de rebate!

Pedindo à forma, em vão, a ideia pura,


Ergue-te pois, soldado do Futuro,
Tropeço, em sombras, na matéria dura,
E dos raios de luz do sonho puro,
E encontro a imperfeição de quanto
Sonhador, faze espada de combate!
existe.

Recebi o batismo dos poetas,


E assentado entre as formas incompletas
Para sempre fiquei pálido e triste.

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