Ricardo Reis
Ricardo Reis
Ricardo Reis
Ricardo Reis nasceu no Porto em 1887. Ou teria sido em 1914? Ou teria sido
em Lisboa? O próprio Pessoa se contradiz.
Ricardo Reis
Uns, com os olhos postos no passado,
Vêem o que não vêem: outros, fitos
Os mesmos olhos no futuro, vêem
O que não pode ver-se.
Porque tão longe ir pôr o que está perto -
A segurança nossa? Este é o dia,
Esta é a hora, este o momento, isto
É quem somos, e é tudo.
Perene flui a interminável hora
Que nos confessa nulos. No mesmo hausto
Em que vivemos, morreremos. Colhe
o dia, porque és ele.
Ricardo Reis
O sujeito poético neste poemas diz que “uns” e “outros” são os que
não são capazes de viver o presente. Assim, “uns” vivenciam o
tempo, olhando para o passado, o que significa não ver a realidade,
pois já não existe. “Outros” olham para o futuro e, por isso, também
não vêem a realidade, uma vez que apenas existe na imaginação.
Neste poema o sujeito poético usa vários paradoxos para traduzir a
impossibilidade e o engano a que são conduzidos aqueles que vivem
da recordação ou da imaginação.
A relação que o sujeito poético estabelece com os "uns" e os "outros" é de perfeito
distanciamento. Enquanto os "uns" só olham o passado - "os olhos só postos no
passado" - os "outros" apenas se interessam pelo futuro - "...Fitos / Os mesmos
olhos no futuro" -, atitudes que o sujeito poético condena, porque distorcem e
falseiam a realidade. Assim, os primeiros "Vêem o que não vêem", enquanto os
segundos "vêem / O que não pode ver-se", pondo em risco a segurança e a
vivência do momento defendidas pelo "sujeito poético" - "Porque tão longe ir pôr
(...) / A segurança nossa?".
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"Perene flui a interminável hora" - e referindo que o nosso destino é a morte (visão
fatalista da vida) - No mesmo hausto / Em que vivemos, morremos." O estoicismo,
tão característico da poética de Reis, não aparece aqui de uma forma explícita, mas
o carácter triste e melancólico do poema é consequência da atitude cerebral e
contida do sujeito poético.
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3. O sujeito poético defende o epicurismo, pois sabe que é em cada instante vivido que o
homem se realiza (“Colhe/ O dia, porque és ele.”) e conquista uma felicidade possível
(“A segurança nossa...”), superando a angústia causada pela consciência da brevidade da
vida (“Este é o dia, / Esta é a hora, este o momento, isto / É quem somos…”), face à
ameaça do tempo destruidor (“Perene flui a interminável hora/ Que nos confessa
nulos.”).
4. O sujeito poético denuncia a sua angústia perante a efemeridade da vida e a passagem
inexorável do tempo que o conduzirá fatalmente à morte (“Perene flui a interminável
hora/ Que nos confessa nulos.”). O desespero perante a inevitabilidade do Destino e da
morte (“O Fado nos dispõe....”; “...morreremos...”) obriga o sujeito a procurar uma
filosofia de vida que lhe permita superar o sofrimento e atingir uma felicidade ainda que
relativa (a defesa do presente como tempo de realização do homem, a única
temporalidade ao seu alcance: “Colhe/ O dia, porque és ele.”).
5. A afirmação “Colhe/ O dia, porque és ele.” traduz o ideal epicurista do gozo
moderado, disciplinado, do momento presente.
6. Entre os recursos expressivos que se destacam neste poema, saliente-se a presença da
adjectivação e do hipérbato que põem em evidência a efemeridade da vida face ao fluir
inexorável do tempo que conduz o sujeito poético à morte (“Perene flui a interminável
hora/ Que nos confessa nulos.”). Além disso, a metáfora põe em destaque o poder
inelutável do Destino a que a vida humana é sujeita, anulando qualquer tentativa de fuga
- o homem torna-se joguete de uma entidade sobrenatural, contra a qual é inútil a sua
vontade ou esforço (“No mesmo hausto / Em que vivemos, morreremos.”).
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equilíbrio sem sofrer, considerando a vida como uma
viagem cujo fluir e fim são inevitáveis.
A sua poesia trata dos assuntos que dizem respeito à brevidade da vida, da
importância e necessidade de aproveitar o presente, já que é a única
realidade que temos perante a morte. Essa é uma característica Hedonista
(ou seja, voltada ao prazer da vida humana) ou Epicurista (decorrente da
filosofia de Epicuro), é associada a uma postura estoica, que propoe a
austeridade da fruição dos prazeres, pois seremos tanto mais felizes
quanto menores forem as nossas necessidades.
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Odes de Ricardo Reis: Uns, com os olhos
postos no passado...
Odes de Ricardo Reis (heterônimo de Fernando Pessoa: 1888 – 1935)
Literatura
Ricardo Reis
· Epicurismo · Estoicismo: considera ser possível encont
felicidade desde que se viva em conformidade
Busca da felicidade relativa
as leis do destino que regem o m
Moderação nos prazeres permanecendo indiferente aos males e às pa
que são perturbações da razão
Fuga à dor
- Aceitação das leis do destino (“... a vida/ pa
Ataraxia (tranquilidade capaz de evitar a perturbação) não fica, nada deixa e nunca regressa.”)
- Prazer do momento - Indiferença face às paixões e à dor
- Carpe Diem (caminho da felicidade, alcançada pela - Abdicação de lutar
indiferença à perturbação)
- Autodisciplina
- Não cede aos impulsos dos instintos
- Calma, ou pelo menos, a sua ilusão
- Ideal ético de apatia que permite a ausência da paixão e a
liberdade
· Horacianismo · Paganismo
- Carpe diem: vive o momento - Crença nos deuses
- aurea mediocritas: a felicidade possível no sossego do - Crença na civilização da Grécia
campo (proximidade de Caeiro)
- Sente-se um “estrangeiro” fora da sua pát
Grécia
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O MOMENTO PRESENTE:
“Saber cultuar o momento presente é uma das bases fundamentais para conviver
equilibradamente. É no momento presente que estão todos os nossos desejos e
potenciais, sonhos e verdades. É no aqui-agora que brilha a luz da existência, onde a vida é
em si mesma. Viver o presente é a única maneira autêntica de existir.
Pois o que é o passado ? O passado nada mais é que recordações. Sim, o passado é
somente isso e nada mais. O passado é o significado presente que damos às nossas
recordações. Logo, viver o passado é pura ilusão. Não vivemos o passado. Simplesmente
damos significado, aqui e agora, às nossas recordações.
Mas, sejamos honestos: exceto onde o relacionamento familiar é doentio, nós, agora
adultos, mudamos de opinião. Passamos a entender que não existem pais perfeitos.
Interpretamos os acontecimentos e personagens daquela época num enfoque diferente.
Podemos até nos surpreender dizendo que aquela foi a melhor fase de nossas vidas -
período quando estávamos bem próximos dos nossos pais.
E o futuro ? O que sabemos a respeito do futuro ? Não sabemos absolutamente nada. Não
sabemos nada porque o futuro, da mesma maneira que o passado, também não existe.
Deixam de viver porque a vida está no presente. A vida está aqui e agora e não em outro
lugar. O futuro é o significado presente que damos às nossas expectativas. Acreditar na
existência do futuro é ilusão, pois o futuro é uma expectativa presente.
A ansiedade surge quando existe um modelo de perfeição futura. Cria-se uma expectativa,
uma preocupação constante. O indivíduo não consegue mais curtir o momento presente -
torna-se demasiadamente atento ao controle dos ganhos concretos.
A tendência em acreditar no futuro deixa o ser humano dividido. É o caso do sujeito que
não consegue se esquecer do trabalho enquanto namora, mas também não desliga da
lembrança da namorada enquanto trabalha. Ele está dividido, não consegue “pular de
cabeça” na substância das coisas. Cria uma interferência, traz à tona no presente uma
lembrança ou uma expectativa.
Por esperar pelo depois, o indivíduo esquece-se do agora. Ao fantasiar uma felicidade
futura, ele pára de investir no presente. Cria-se uma bola de neve: esperando um futuro
melhor, o homem se esquece do presente; quando o futuro chega, ele não é mais futuro e
sim o presente; então, o homem continua a esperar. Ele irá esperar, até que descubra que o
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futuro nunca irá chegar, pois ele não existe. E não podemos ser felizes com coisas que não
existem. Somente o presente é que sempre existiu.
Nas palavras de Ken Wilber, em seu livro O Espectro da Consciência (São Paulo, Ed. Cultrix,
pág. 82.): “Como disse Santo Agostinho, o passado, literalmente, nada mais é do que uma
lembrança e o futuro nada mais é do que uma expectativa, sendo ambas, a lembrança e a
expectativa, um fato presente ! Pensar no passado - é um ato presente; antecipar o futuro -
também é um fato presente. Qualquer evidência do passado só existe no presente, e
qualquer razão para acreditar no futuro também só existe no presente. Quando o
verdadeiro passado aconteceu, não era passado senão presente, e quando o verdadeiro
futuro chegar, não será futuro, será presente. Dessarte, o único momento do qual temos
consciência é o momento presente, um presente que inclui o passado de lembranças e o
futuro de expectativas.”
28-8-1933
Ricardo Reis
Odes de Ricardo Reis. Fernando Pessoa. (Notas de João Gaspar Simões e Luiz de
Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (imp.1994). - 154.
Disponível em: http://arquivopessoa.net/textos/2695
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hausto: sorvo, aspiração (neste contexto, metáfora de valor temporal).
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Ao demonstrar a não fiabilidade da visão orientada para o passado ou para o
futuro, o sujeito poético defende o presente como tempo de realização do
Homem: "Porque tão longe ir pôr o que está perto - / A segurança nossa? Este é
o dia" (vv. 5-6).
Ricardo Reis
O poema é marcado por recursos estilísticos característicos da poética de
Reis, tais como:
- o paradoxo ("Veem o que não veem", "veem / O que não pode ver-se") que
realça o engano em que assenta a inconsistência desses modos de visão;
- ...
Exemplificando:
Ricardo Reis
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