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Ricardo Reis

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Ricardo Reis

Ricardo Reis nasceu no Porto em 1887. Ou teria sido em 1914? Ou teria sido
em Lisboa? O próprio Pessoa se contradiz.

Era médico, discípulo de Caeiro, e viveu no Brasil a partir de 1919.


Monárquico, foi expatriado. Segundo a pesquisadora Manuela Parreira da
Silva, é um heterônimo que impõe a Pessoa um maior distanciamento.

A poesia de Reis é uma reação ao romantismo e aos excessos do


modernismo. Influenciado pela poesia clássica, escreve odes. Pessoa o
define como um “Horácio grego que escreve em português”.

Os dois poemas representam aspectos fundamentais da poesia de Reis. A


primeira ode transpira carpe diem, de influência clássica. Carpe diem  é uma
expressão latina cuja aparição na literatura se deve a Horácio (65 a. C. - 8 a.
C.), um dos maiores poetas da Roma Antiga. Faz referência à passagem do
tempo, à brevidade da vida. Pode ser traduzida por "aproveite o
momento".

Já a segunda ode de Ricardo Reis exprime o fardo da vida, o fatalismo da


condição humana.

7 – Poema sem título que compõe as Odes de Ricardo Reis

Uns, com os olhos postos no passado,


Veem o que não veem; outros, fitos
Os mesmos olhos no futuro, veem
O que não pode ver-se.

Porque tão longe ir pôr o que está perto —


A segurança nossa? Este é o dia,
Esta é a hora, este o momento, isto
É quem somos, e é tudo.

Perene flui a interminável hora


Que nos confessa nulos. No mesmo hausto
Em que vivemos, morreremos. Colhe
O dia, porque és ele.

Uns, com os olhos postos no passado - Ricardo Reis

Ricardo Reis
Uns, com os olhos postos no passado,
Vêem o que não vêem: outros, fitos
Os mesmos olhos no futuro, vêem
O que não pode ver-se.
Porque tão longe ir pôr o que está perto -
A segurança nossa?  Este é o dia,
Esta é a hora, este o momento, isto
É quem somos, e é tudo.
Perene flui a interminável hora
Que nos confessa nulos.  No mesmo hausto
Em que vivemos, morreremos.  Colhe
o dia, porque és ele.
Ricardo Reis

O sujeito poético neste poemas diz que “uns” e “outros” são os que
não são capazes de viver o presente. Assim, “uns” vivenciam o
tempo, olhando para o passado, o que significa não ver a realidade,
pois já não existe. “Outros” olham para o futuro e, por isso, também
não vêem a realidade, uma vez que apenas existe na imaginação.
Neste poema o sujeito poético usa vários paradoxos para traduzir a
impossibilidade e o engano a que são conduzidos aqueles que vivem
da recordação ou da imaginação.
A relação que o sujeito poético estabelece com os "uns" e os "outros" é de perfeito
distanciamento. Enquanto os "uns" só olham o passado - "os olhos só postos no
passado" - os "outros" apenas se interessam pelo futuro - "...Fitos / Os mesmos
olhos no futuro" -, atitudes que o sujeito poético condena, porque distorcem e
falseiam a realidade. Assim, os primeiros "Vêem o que não vêem", enquanto os
segundos "vêem / O que não pode ver-se", pondo em risco a segurança e a
vivência do momento defendidas pelo "sujeito poético" - "Porque tão longe ir pôr
(...) / A segurança nossa?".

O sujeito poético defende a vivência do momento numa perspectiva claramente


epicurista, recusando a memória e o antecipar do futuro - "Este é o dia, / Esta é a
hora, este o momento, isto / É quem somos, e é tudo". O sujeito lírico afirma,
ainda, que o presente é a sua única certeza - "Porque tão longe ir pôr o que está
perto - /A segurança nossa?" -, sublinhando a marcha inexorável do tempo -

Ricardo Reis
"Perene flui a interminável hora" - e referindo que o nosso destino é a morte (visão
fatalista da vida) - No mesmo hausto / Em que vivemos, morremos." O estoicismo,
tão característico da poética de Reis, não aparece aqui de uma forma explícita, mas
o carácter triste e melancólico do poema é consequência da atitude cerebral e
contida do sujeito poético.

O carácter exortativo do poema está ligado à transmissão de uma moral, ou seja,


de uma arte de viver que o sujeito poético apresenta a um "tu", que devê-la-á
adoptar. Assim, a exortação é conseguida através do emprego do imperativo -
"Colhe" -, e da primeira pessoa do plural - "nossa", "somos", "nos", "vivemos",
"morremos" - que implica a existência de um "tu" que segue os ensinamentos do
"eu".

As repetições da segunda estrofe são constituídas pelo uso reiterado dos


demonstrativos "este" e "isto" e pela forma verbal no presente do indicativo "é". O
conjunto destas repetições evidencia a máxima que domina o poema: o carpe
diem. Nada mais interessa, nada mais tem valor senão a vivência calma e contida
do "dia, porque és ele.".

RICARDO REIS – UNS, COM OS OLHOS POSTOS NO PASSADO


 
Correcção do guião de leitura (manual, página 92)
 
 
Uns, com os olhos postos no passado,
Vêem o que não vêem; outros, fitos
Os mesmos olhos no futuro, vêem
O que não pode ver-se. […]
 
1. O sujeito reconhece que há quem olhe para o passado, mas esse apenas vê um
simulacro da realidade, porque esta não existe no presente (“Uns, com os olhos postos no
passado,/ Vêem o que não vêem...”). Há ainda “outros” que olham o futuro, mas “vêem/
O que não pode ver-se”, ou seja, imaginam o que ainda não existe e, como tal, retêm da
realidade uma imagem enganosa.
 
2. Para o sujeito, a única realidade concreta é o presente, por isso faz a apologia da
vivência do momento (carpe diem), influenciado pela sabedoria horaciana, considerando
um engano a construção da existência a partir de um passado morto (“Vêem o que não
vêem...”) ou de um futuro incerto (“...vêem/ O que não pode ver-se.”). Sabendo que a
morte é certa e que nada pode contrariar o Destino, o sujeito adopta a filosofia estóica,
reconhecendo assim a inutilidade de qualquer esforço humano para modificar o que já
está determinado (“O Fado nos dispõe, e ali ficamos;/ Que a Sorte nos fez postos/ Onde
houvemos de sê-lo.”).
 

Ricardo Reis
3. O sujeito poético defende o epicurismo, pois sabe que é em cada instante vivido que o
homem se realiza (“Colhe/ O dia, porque és ele.”) e conquista uma felicidade possível
(“A segurança nossa...”), superando a angústia causada pela consciência da brevidade da
vida (“Este é o dia, / Esta é a hora, este o momento, isto / É quem somos…”), face à
ameaça do tempo destruidor (“Perene flui a interminável hora/ Que nos confessa
nulos.”).
 
4. O sujeito poético denuncia a sua angústia perante a efemeridade da vida e a passagem
inexorável do tempo que o conduzirá fatalmente à morte (“Perene flui a interminável
hora/ Que nos confessa nulos.”). O desespero perante a inevitabilidade do Destino e da
morte (“O Fado nos dispõe....”; “...morreremos...”) obriga o sujeito a procurar uma
filosofia de vida que lhe permita superar o sofrimento e atingir uma felicidade ainda que
relativa (a defesa do presente como tempo de realização do homem, a única
temporalidade ao seu alcance: “Colhe/ O dia, porque és ele.”).
 
5. A afirmação “Colhe/ O dia, porque és ele.” traduz o ideal epicurista do gozo
moderado, disciplinado, do momento presente.
 
6. Entre os recursos expressivos que se destacam neste poema, saliente-se a presença da
adjectivação e do hipérbato que põem em evidência a efemeridade da vida face ao fluir
inexorável do tempo que conduz o sujeito poético à morte (“Perene flui a interminável
hora/ Que nos confessa nulos.”). Além disso, a metáfora põe em destaque o poder
inelutável do Destino a que a vida humana é sujeita, anulando qualquer tentativa de fuga
- o homem torna-se joguete de uma entidade sobrenatural, contra a qual é inútil a sua
vontade ou esforço (“No mesmo hausto / Em que vivemos, morreremos.”).

Ricardo Reis, ao lado de Álvaro de Campos, Alberto Caeiro e


Bernardo Soares, é um dos heterônimos do escritor
português Fernando Pessoa. Entre todas as personagens
literárias criadas pelo excêntrico e misterioso poeta (o
fenômeno da heteronímia justifica o epíteto), Ricardo Reis
foi o responsável por dar voz aos poemas de índole pagã.

Influenciado pelos ideais filosóficos greco-latinos,


sobretudo pelo epicurismo e pelo estoicismo, Ricardo
Reis criou uma poesia em que a harmonia, a clareza, as
boas formas de viver, o prazer, a serenidade e o equilíbrio
são os principais temas. Recebeu também forte influência
do poeta Alberto Caeiro, heterônimo de
Pessoa considerado um mestre para os demais. Sua poesia
defende o ideal do “carpe diem”, frase do poeta Horácio
popularmente traduzida como “aproveite o momento”. Por
meio de seus versos, Ricardo Reis procurou atingir a paz e o

Ricardo Reis
equilíbrio sem sofrer, considerando a vida como uma
viagem cujo fluir e fim são inevitáveis.

Uns, com os olhos postos no passado,


Vêem o que não vêem; outros, fitos
Os mesmos olhos no futuro, vêem
O que não pode ver-se.
.
Porque tão longe ir pôr o que está perto –
A segurança nossa? Este é o dia,
Esta é a hora, este o momento, isto
É quem somos, e é tudo.
.
Perene flui a interminável hora
Que nos confessa nulos. No mesmo hausto
Em que vivemos, morreremos.
Colhe O dia, porque és ele.
............................................... Ricardo Reis
.
Após a leitura atenta do poema Uns, com os olhos postos no passado, responda às seguintes questões de forma clara
e correcta:
.
1. Divida o poema em partes lógicas, apontando o assunto de cada uma delas.
2. Refira o tempo que o sujeito poético valoriza, comprovando a sua resposta com elementos textuais.
3. Indique a filosofia de vida proposta pelo sujeito poético. Justifique a sua resposta com expressões do texto.
4. A perfeição do estilo clássico pode justificar-se pela utilização de recursos estilísticos.
4.1. Identifique dois recursos estilísticos, apontando a seu valor expressivo.
5. Destaque do poema duas características deste heterónimo de F. Pessoa.

Poesias de Ricardo Reis


Ricardo Reis – Resumo
Ricardo Reis é cultor dos clássicos gregos e latinos. Seu paganismo deriva
da lição dos escritores da antiguidade, mas mostra uma grande influência
de Alberto Caieiro no que diz respeito ao apego à natureza e a vida rústica.
A sua poesia difere, e muito, da poesia de Caieiro, pois tem uma sintaxe
latinizante (grandes inversões, enorme liberdade na ordem das palavras,
regências desusadas) e um vocabulário menos usual e raro, e quase
sempre rebuscado ao latim.

A sua poesia trata dos assuntos que dizem respeito à brevidade da vida, da
importância e necessidade de aproveitar o presente, já que é a única
realidade que temos perante a morte. Essa é uma característica Hedonista
(ou seja, voltada ao prazer da vida humana) ou Epicurista (decorrente da
filosofia de Epicuro), é associada a uma postura estoica, que propoe a
austeridade da fruição dos prazeres, pois seremos tanto mais felizes
quanto menores forem as nossas necessidades.

Notavelmente, Ricardo Reis tem o seu estilo literário baseado em Horácio


(um poeta latino do século I a.C), e os seus poemas possuem um grande
rigor na construção, sem rimas e de métricas perfeitas.

Ricardo Reis
Odes de Ricardo Reis: Uns, com os olhos
postos no passado...
Odes de Ricardo Reis (heterônimo de Fernando Pessoa: 1888 – 1935)
Literatura

06/11/18 16:49 - Atualizado em 06/11/18 16:51

Sob o nome de Ricardo Reis nasceu um dos quatro mais conhecidos heterônimos do


poeta portugues Fernando Pessoa. Esta palavra – heterônimo – sintetizou a idéia de
outros “eus poéticos”, aos quais o talentoso astrólogo que era Pessoa conferia datas de
nascimento e morte, personalidades e estilos distintos e até mesmo debates entre estes
“eus alternativos”, se podemos assim dizer. Leia-se, a própósito, o comentário que, entre a
ironia e a louvação, o heterônimo Álvaro de Campos fez às poesias de Ricardo Reis. Na
suposta biografia deste último consta o nascimento no Porto em 1887, portanto um ano
antes do próprio Pessoa, uma formação clássica, sob a luz dos poetas latinos e gregos, e
o exílio no Brasil, a partir de 1919, pois Reis seria um monarquista, avesso à vitória
republicana em Portugal. Seu estilo é antigo, erudito, influenciado pelos versos do
latino Horácio, e não à toa os poemas são conhecidos como “as Odes de Ricardo Reis”.
Em tom arcaico, a exortação à virtude é uma constante, em prol de uma visão estoica da
vida, fatalista mas serena, como no poema a seguir, que começa com as palavras... Uns,
com os olhos postos no passado...

Odes de Ricardo Reis (heterônimo de Fernando Pessoa)


Uns, com os olhos postos no passado...

Uns, com os olhos postos no passado,


Veem o que não veem: outros, fitos
Os mesmos olhos no futuro, veem
O que não pode ver-se.

Por que tão longe ir pôr o que está perto —


A segurança nossa? Este é o dia,
Esta é a hora, este o momento, isto
É quem somos, e é tudo.

Perene flui a interminável hora


Que nos confessa nulos. No mesmo hausto
Em que vivemos, morreremos. Colhe
O dia, porque és ele.

Ricardo Reis: caracterisiticas poeticas/ analise de dois poemas


caracterisiticas poeticas:
 

Ricardo Reis
· Epicurismo · Estoicismo: considera ser possível encont
felicidade desde que se viva em conformidade
Busca da felicidade relativa
as leis do destino que regem o m
Moderação nos prazeres permanecendo indiferente aos males e às pa
que são perturbações da razão
Fuga à dor
- Aceitação das leis do destino (“... a vida/ pa
Ataraxia (tranquilidade capaz de evitar a perturbação) não fica, nada deixa e nunca regressa.”)
- Prazer do momento - Indiferença face às paixões e à dor
- Carpe Diem (caminho da felicidade, alcançada pela - Abdicação de lutar
indiferença à perturbação)
- Autodisciplina
- Não cede aos impulsos dos instintos
- Calma, ou pelo menos, a sua ilusão
- Ideal ético de apatia que permite a ausência da paixão e a
liberdade

· Horacianismo · Paganismo
- Carpe diem: vive o momento - Crença nos deuses
- aurea mediocritas: a felicidade possível no sossego do - Crença na civilização da Grécia
campo (proximidade de Caeiro)
- Sente-se um “estrangeiro” fora da sua pát
Grécia

· Culto do Belo, como forma de superar a efemeridade · Neoclassicismo


dos bens e a miséria da vida
- Poesia construída com base em ideias elevada
· Intelectualização das emoções
- Odes (forma métrica por excelência)
· Medo da morte
· Quase ausência de erotismo, em contraste com o seu
mestre Horácio

Ricardo Reis
O MOMENTO PRESENTE:

“Saber cultuar o momento presente é uma das bases fundamentais para conviver
equilibradamente. É no momento presente que estão todos os nossos desejos e
potenciais, sonhos e verdades. É no aqui-agora que brilha a luz da existência, onde a vida é
em si mesma. Viver o presente é a única maneira autêntica de existir.

Pois o que é o passado ? O passado nada mais é que recordações. Sim, o passado é
somente isso e nada mais. O passado é o significado presente que damos às nossas
recordações. Logo, viver o passado é pura ilusão. Não vivemos o passado. Simplesmente
damos significado, aqui e agora, às nossas recordações.

Vejamos um exemplo prático que, provavelmente, acontece com muitos de nós. Na


adolescência, somos mestres em criticar, julgar e condenar nossos pais. Dizemos que
foram conservadores, malvados, incompreensivos, ditadores, chatos. Contamos aos
nossos amigos casos tristes de momentos dolorosos, revelamos uma série de fatos
negativos em relação aos nossos pais. Dizemos o quanto foram distantes, fechados e
repressores, de quantas formas contribuíram para muitos de nossos fracassos.

Mas, sejamos honestos: exceto onde o relacionamento familiar é doentio, nós, agora
adultos, mudamos de opinião. Passamos a entender que não existem pais perfeitos.
Interpretamos os acontecimentos e personagens daquela época num enfoque diferente.
Podemos até nos surpreender dizendo que aquela foi a melhor fase de nossas vidas -
período quando estávamos bem próximos dos nossos pais.

E o futuro ? O que sabemos a respeito do futuro ? Não sabemos absolutamente nada. Não
sabemos nada porque o futuro, da mesma maneira que o passado, também não existe.

Pessoas que se preparam constantemente para o futuro estão deixando de viver a


realidade presente. Elas cessam o contato com a experiência do agora, não percebem as
oportunidades atuais. Fixam-se em estratégias e restringem sentimentos - deixam de viver.

Deixam de viver porque a vida está no presente. A vida está aqui e agora e não em outro
lugar. O futuro é o significado presente que damos às nossas expectativas. Acreditar na
existência do futuro é ilusão, pois o futuro é uma expectativa presente.

A ansiedade surge quando existe um modelo de perfeição futura. Cria-se uma expectativa,
uma preocupação constante. O indivíduo não consegue mais curtir o momento presente -
torna-se demasiadamente atento ao controle dos ganhos concretos.

A tendência em acreditar no futuro deixa o ser humano dividido. É o caso do sujeito que
não consegue se esquecer do trabalho enquanto namora, mas também não desliga da
lembrança da namorada enquanto trabalha. Ele está dividido, não consegue “pular de
cabeça” na substância das coisas. Cria uma interferência, traz à tona no presente uma
lembrança ou uma expectativa.

Por esperar pelo depois, o indivíduo esquece-se do agora. Ao fantasiar uma felicidade
futura, ele pára de investir no presente. Cria-se uma bola de neve: esperando um futuro
melhor, o homem se esquece do presente; quando o futuro chega, ele não é mais futuro e
sim o presente; então, o homem continua a esperar. Ele irá esperar, até que descubra que o

Ricardo Reis
futuro nunca irá chegar, pois ele não existe. E não podemos ser felizes com coisas que não
existem. Somente o presente é que sempre existiu.

Nas palavras de Ken Wilber, em seu livro O Espectro da Consciência (São Paulo, Ed. Cultrix,
pág. 82.): “Como disse Santo Agostinho, o passado, literalmente, nada mais é do que uma
lembrança e o futuro nada mais é do que uma expectativa, sendo ambas, a lembrança e a
expectativa, um fato presente ! Pensar no passado - é um ato presente; antecipar o futuro -
também é um fato presente. Qualquer evidência do passado só existe no presente, e
qualquer razão para acreditar no futuro também só existe no presente. Quando o
verdadeiro passado aconteceu, não era passado senão presente, e quando o verdadeiro
futuro chegar, não será futuro, será presente. Dessarte, o único momento do qual temos
consciência é o momento presente, um presente que inclui o passado de lembranças e o
futuro de expectativas.”

Uns, com os olhos postos no passado,

Veem o que não veem; outros, fitos

Os mesmos olhos no futuro, veem

O que não pode ver-se.

Porque tão longe ir pôr o que está perto —

A segurança nossa? Este é o dia,

Esta é a hora, este o momento, isto

É quem somos, e é tudo.

Perene flui a interminável hora

Que nos confessa nulos. No mesmo hausto

Em que vivemos, morreremos. Colhe

O dia, porque és ele.

28-8-1933

Ricardo Reis
Odes de Ricardo Reis. Fernando Pessoa. (Notas de João Gaspar Simões e Luiz de
Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (imp.1994).  - 154.

Disponível em: http://arquivopessoa.net/textos/2695

__________ 

hausto: sorvo, aspiração (neste contexto, metáfora de valor temporal).

 Elabore um comentário do poema que integre o tratamento dos seguintes


tópicos:

· relação do sujeito poético com "uns" e "outros";

· importância do tema do tempo;

· proposta de uma filosofia de vida;

· recursos estilísticos relevantes;

· traços da poética de Ricardo Reis e sua integração no contexto da


heteronímia pessoana. 

Explicitação de cenários de resposta:

· Relação do sujeito poético com "uns" e "outros"

O sujeito poético marca a sua singularidade e a sua diferença perante o


mundo ("Uns" e "outros"). Assim, do seu ponto de vista, quem olha para o
passado vê o simulacro da realidade vivida, porquanto esta não existe no
presente ("Uns, com os olhos postos no passado. / Veem o que não veem" - vv.1-
2), apesar de atualizada pela memória. A limitações semelhantes estão sujeitos
os "outros" que fitam o futuro, pois eles "veem / O que não pode ver-se" (vv. 3-
4) e imaginam apenas o que ainda não existe.

A existência radicada em perceções ilusórias é alvo de apreciação crítica do


sujeito poético, recusando este o que está "longe" do "momento" atual (o
passado e o futuro).

· Importância do tema do tempo

Ricardo Reis
Ao demonstrar a não fiabilidade da visão orientada para o passado ou para o
futuro, o sujeito poético defende o presente como tempo de realização do
Homem: "Porque tão longe ir pôr o que está perto - / A segurança nossa? Este é
o dia" (vv. 5-6).

Através da apresentação antitética do tempo - "longe"/"perto" - o Eu procede


à valorização do presente ("Este é o dia") como temporalidade segura, porque se
encontra ao alcance do Homem.

O relevo conferido ao momento presente é bem visível no poema. Assim,


veja-se:

- a predominância dos verbos no presente do indicativo em todas as estrofes


("veem", "pode", "está", "é", "somos", "flui", "confessa", "vivemos", "és");

- a delimitação de unidades temporais, cada vez mais restritas, relativas ao


tempo que passa ("o dia", "a hora", "o momento");

- a utilização insistente de demonstrativos sublinhando a importância de


viver o instante presente ("Este é o dia / esta é a hora, este o momento" - vv.
6-7)

- a homologia estabelecida entre o tempo presente e o Ser; ou seja, o Homem


é o próprio tempo que se escoa ("este o momento, isto / É quem somos, e é
tudo" - vv. 7-8; "Colhe/o dia, porque és ele." - vv. 11-12).

· Proposta de uma filosofia de vida

O sujeito poético faz a apologia do presente considerando um logro a


construção da existência a partir de um passado morto ou de um futuro incerto
("Veem o que não veem", " veem / O que não pode ver-se" vv. 2, 3-4).

Apesar da brevidade do presente ("dia", "hora", "momento"), o Eu defende


que é nele, em cada instante vivido, que o Homem se realiza ("Colhe / o dia,
porque és ele." - v. 11-12) e conquista a felicidade possível ("A segurança nossa").
Desta forma procura superar a angústia causada pela consciência da nulidade
do Ser, ameaçado pelo tempo destruidor ("Perene flui a interminável hora / Que
nos confessa nulos" - vv. 9-10).

Consciente da efemeridade da vida e da inevitabilidade da morte ("No mesmo


hausto / Em que vivemos, morreremos." - vv. 10-11), o sujeito postula uma
filosofia de vida estoico-epicurista que, influenciado pela sabedoria horaciana,
aponta com regra de vida a função do dia, do instante que passa "Colhe / O dia"
(vv. 11-12).

· Recursos estilísticos evidentes

Ricardo Reis
O poema é marcado por recursos estilísticos característicos da poética de
Reis, tais como:

- o paradoxo ("Veem o que não veem", "veem / O que não pode ver-se") que
realça o engano em que assenta a inconsistência desses modos de visão;

- o hipérbato que, na 2.a estrofe (vv. 5-6), destaca o movimento interrogativo


("Porque") e a expressão que sintetiza a procura de estabilidade existencial
("A Segurança nossa") e que, na 3.a estrofe ("Perene flui a interminável hora /
Que nos confessa nulos" - vv. 9-10), sublinha o contraste entre a perenidade
do movimento do tempo e a efemeridade da vida humana;

- as antíteses evidentes na 2.a estrofe ("longe"/"perto" - v. 5) e na 3. a estrofe


("vivemos, morreremos" - v. 11) a primeira salienta a relação entre uma
temporalidade distante, enganadora, e aquela que se pode alcançar; a
segunda destaca a problemática central do poema, a da existência condenada
a perecer;

- gradação descendente ("o dia", "a hora", "o momento"), acentuando o


carácter breve, fugaz, instantâneo do tempo em que se vive;

- a imagem " Colhe / O dia, porque és ele." (vv. 11-12) evidencia


metaforicamente uma lição de vida - o Homem é um ser de tempo e existe na
precariedade do instante;

- vocabulário erudito, latinizante ("Perene", "hausto"), confirmador da


formação clássica de Reis;

- ...

· Traços da poética de Ricardo Reis e sua posição no contexto da


heteronímia pessoana

O poema evidência alguns dos traços representativos da poética de Ricardo


Reis.

Exemplificando:

- a preferência pelo presente precário e a afirmação de uma arte de viver,


assente na fruição do instante;

- o gozo do presente e a aceitação da morte, indiciando uma filosofia de vida


que concilia o Epicurismo com o Estoicismo;

- a influência de Horácio através do tema do carpe diem;

- uma arte poética assente no rigor, revelando um estilo neoclássico elevado,


o que decorre da sua formação latinista e helenista;

Ricardo Reis
- ...

No contexto da heteronímia pessoana - criação máxima do


Modernismo português - salienta-se, a respeito de Ricardo Reis, que:

- se integra na heteronímia como discípulo do Alberto Caeiro;

- é o heterónimo que representa a tradição literária clássica e as regras


formais por oposição ao modernista Álvaro de Campos;

Ricardo Reis

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