Chanchada

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Cinema Brasileiro - Atlântida

Curso de RTVI – professora Daiany Dantas


Chanchada


Exposta no
Espaço Unibanco
da Avenida
Augusta, SP.
Imagem da “dupla
do barulho”,
Grande Otelo e Fotograma do
filme A dupla
do barulho
Oscarito, é símbolo (Carlos Manga,
1953)
da chanchada.
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Chanchada

● Gênero cinematográfico de grande popularidade, a chanchada é um


desdobramento do “filmusical”, criado pela Cinédia na década de 1930. A partir
de fins da década de 1940, são delineadas as principais características, chega ao
apogeu na década de 1950.
● A empresa cinematográfica Atlântida é o maior ícone do gênero, tendo atingido
notoriedade por meio das chanchadas (Augusto, 1989).
● Considerada imoral, mal feita, cópia “canhestra” do cinema de Hollywood.
● Estereótipos – personagens malandros, biscateiros, alpinistas sociais.
● a precariedade dos cenários, a improvisação das fi lmagens e as atuações
julgadas vulgares agrediam os olhos dos nossos críticos,
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Vozes da crítica

● Cavalcanti de Paiva, articulista da revista “A


Cena Muda”: “O que pode parecer lá fora senão
que somos uma raça de malandros, de cabras
da peste, que vivemos de capoeiras e rabos
d’arraia, que nossa religião é baixo espiritismo
e os mitos afro-americanos...” (apud Carvalho,
op. cit.).

Salvyano Cavalcanti
de Paiva (1923-2000)
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Atlântida X Vera Cruz

● No mesmo período, precisamente nos anos 1950, em São


Paulo, um grupo de industriais e artistas que compartilhava
de tais críticas resolveu tentar realizar filmes de alto
padrão, com temáticas épicas e folclóricas bem diferentes
das chanchadas. É construída da noite para o dia a maior
indústria cinematográfica do país: a Vera Cruz.
Tamanho era o empreendimento, que o galã da chanchada,
Anselmo Duarte, é contratado pelo novo estúdio, com carro
e tudo.
A Vera Cruz não obteve retorno comercial, assim como as
Anselmo Duarte, 1920-2009. primeiras iniciativas da Atlântida também não.
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Fracasso comercial de início voltou Atlântida para investimentos lucrativos.

Os musicais carnavalescos da Atlântida, além de fazer sucesso, entraram em pleno
desenvolvimento, especialmente pelas mãos de Watson Macedo, que criou uma linguagem
própria em seus musicais, transformando-os naquilo que seria denominado de chanchada.

Ao lado do sucesso, os incentivos ao cinema brasileiro foram ampliados pelo governo Dutra
(1945-1951), que instituiu a obrigatoriedade de exibição de um longa-metragem nacional a
cada quatro meses. Esses fatores contribuíram para que Luiz Severiano Ribeiro, detentor
da maior cadeia de salas de exibição no Brasil, comprasse grande parte das ações da
Atlântida com intuito de lucrar com a produção de filmes, que pareciam dar frutos com o
sucesso da chanchada e com as leis de incentivos ao cinema.

Para mais: https://www.youtube.com/watch?v=Mb0jaECSj_s

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Atlântida


Com a chegada de Severiano Ribeiro no corpo executivo, a chanchada
ganha hegemonia.

Moacyr Fenelon, que desde o início da fundação da empresa apostava
nos gêneros sérios, sai e retorna à Cinédia. José Carlos Burle e Alinor de
Azevedo, no entanto, continuam como vozes dissonantes na empresa.
Ambos, mesmo com a centralização de Severiano Ribeiro, ainda vêem a
possibilidade de fazer musicais carnavalescos com tonalidades sociais.

Entre esses musicais, o mais emblemático é “Carnaval Atlântida”
(Burle, 1952), por retratar com perspicácia o contexto cinematográfico
da época, fazendo uma sátira da polêmica entre uma produção erudita
e o gosto popular.

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Carnaval Atlântida (1953)

● O filme “Carnaval Atlântida” retrata bem a polêmica do período, narrando o


descompasso entre o dono da Acrópole Filmes, Cecílio B. De Milho (Renato Restier),
que almeja realizar uma película solene e grandiosa sobre Helena de Tróia,
enquanto o resto do estúdio prefere um musical carnavalesco.

● Logo nas primeiras imagens do filme, vemos a sua rejeição à proposta de Pico
(Colé) e Nico (Grande Otelo), que ao invés de escreverem um roteiro sobre a
heroína grega, fi zeram uma chanchada sobre Helena, não a de Tróia, mas a porta-
estandarte do Morro da Formiga. Indignado, De Milho rebaixa os dois para o serviço
de limpeza e pede que Augusto (Cyll Farney), consultor técnico do filme, procure o
professor Xenofontes (Oscarito), especialista em filosofia grega, para ajudá-los.
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Carnaval Atlântida

● Penso que esse fi lme não só ilustra


a polêmica do período, como
“carnavaliza” a própria discussão,
ao satirizar a incapacidade da
produção nacional de se igualar ao
gênero épico hollywoodiano.
“Carnaval Atlântida”, assim, inverte
os valores: o modelo desejado pelos
críticos é debochado, enquanto a
“imoral” a chanchada é valorizada.
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Carnavalizando o cinema

● Tal inversão também promove, nas entrelinhas, a reflexão sobre


uma certa brasilidade do cinema nacional, buscando determinados
elementos da cultura negra como o samba, o frevo e o balançado
“caliente” dos trópicos como símbolos diferenciados e originais para
a construção de uma identidade nacional em nosso cinema.
● Entretanto, tal carnavalização ocorre de forma ambígua. Ora
satiriza, ora afirma o modelo hegemônico.

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Carnavalização

● Robert Stam, João Vieira Júnior - Esses autores buscam esse


conceito na obra “A Cultura Popular na Idade Média e Renascimento:
O Contexto de François Rabelais”, de Mikhail Bakhtin (1999).
● Na literatura e no cinema, a carnavalização opera uma valorização
dos símbolos marginalizados, com o objetivo de crítica social. As
formas gramaticais da língua, ou do cinema, por vezes, são
invertidas e subvertidas para provocar questionamentos sobre a
própria arte e a sociedade.

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Carnaval Atlântida

● Vieira: aspecto crítico da chanchada reside em sua vulgarização


carnavalizada. Nesse sentido, as paródias, recorrentes nesse gênero
cinematográfico, não são meras imitações alienadas, mas se tornam
críticas ao incorporar os elementos carnavalescos à narrativa.
● Ênfase na carnavalização, porém, perde de vista outros sentidos da
obra e a incorporação da gramática hollywoodiana.
● Mais que inversões entre alto e baixo, o filme mostra o carnaval
como um ritual que simultaneamente inverte e reafirma hierarquias.

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Carnavalizando o cinema

● Cecílio B. De Milho é uma clara paródia do cineasta americano Cecil B.


De Mille, diretor de vários épicos, entre eles “Samson & Delilah” (1949).
● Cecílio é um personagem estereotipado, típico burguês, que usa robe e
fuma charutos. Mas, no fim das contas, é enganado por Pico e Nico.
Regina e Lolita o procuram sempre quando precisam de dinheiro e até a
sua pretensa cultura erudita é obtusa.
● Quando relata suas ideias de realizar uma grandiosa Helena de Tróia,
com jacarés e leões, temperadas com cenas de faroeste, o professor
Xenofontes estranha: “Mas tudo isso na Grécia?”.
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● Em todas essas sátiras, vemos que os papéis se invertem: o
conceituado cineasta americano ganha características tolas e o
professor de filosofi a é transformado em atriz na encenação da
epopéia grega. Como nas fanfarras carnavalescas, no filme homens
se vestem de mulheres, o popular se sobrepõe ao culto e o
esculacho, ao solene (Augusto, op. cit.).
● No filme, assim como no carnaval, as fantasias das personagens
fazem uma “síntese entre o fantasiado, os papéis que representa e
os que gostaria de representar” (Da Matta, op. cit. p.61).
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Cultura negra e apagamento


É a partir, porém, justamente, das comédias carnavalescas, que o
negro ganhará uma representação de maior peso, notadamente com
Grande Otelo e nas filmagens das escolas de samba.
● As danças de grande Otelo ocupam o centro do filme, ao final.

Há uma identificação-projeção com os personagens de Otelo e Colé.

Limite da sátira: É a partir, porém, justamente, das comédias
carnavalescas, que o negro ganhará uma representação de maior
peso, notadamente com Grande Otelo e nas filmagens das escolas de
samba.
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Paródias e modelo

“É necessário que o modelo continue o modelo. Num jogo


contraditório, ela ao mesmo tempo confirma o modelo enquanto tal
e o degrada. A paródia é inclusive a confissão de que, no momento,
não se consegue substituir um modelo por outro. [...] Paródia
apresenta então uma imagem do subdesenvolvimento conveniente
para o modelo opressor, pois para este, é satisfatório que o
subdesenvolvimento se veja como ridículo, grotesco, covarde”
(1978, p.81).

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Hierarquias

● Modelo narrativo hollywoodiano.


● Se Pico e Nico ganham proeminência na narrativa, o filme termina
com um close nos casais brancos: de um lado, Oscarito e Lolita, do
outro, Augusto e Regina. Tal como no carnaval, no fi m, a dupla do
morro deixa o centro da avenida.

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Ambivalências

● No caso da chanchada, parafraseando Bakhtin, o desafio talvez seja


pensar como a comicidade ambivalente da paródia “expressa uma
opinião sobre um mundo em plena evolução no qual estão incluídos
os que riem”.
● Destreza de manipular símbolos.

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Ambivalências

● Como explicou Roberto Schwarz, pensar em termos de competência e


incompetência, que “opõe o nacional ao estrangeiro e o original ao imitado”,
é irreal:
“não permitem ver a parte do estrangeiro no próprio, a parte do imitado no
original, e também a parte original no imitado” (2002, p. 48). Nesse sentido,
parafraseando Lilia Schwarcz, “o desafio é pensar na originalidade da cópia e
na elasticidade” do modelo cinematográfico americano, “aplicado em
contextos díspares” (op. cit. p. 243).

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Obrigada!

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