Ordenações Afonsinas Iluminismo

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5.

Direito romano e direito nacional

● conjugação do direito nacional com o direito romano decorre diretamente da sua

influência na criação do primeiro

● rei determina que se deve obedecer ao direito romano, visto que este “guarda a boa

razão”

○ ⇒ sempre que existissem motivos para o afastamento da aplicação do direito

romano, o rei podia assim fazê-lo; o critério para a aceitação do direito

imperial era o critério da boa razão e do bem comum

● rei não deve obediência ao imperador, daí não ser obrigado a aplicar o direito

romano → margem de liberdade para a sua aplicação

6. Articulação geral

● neste período, reis podiam afastar a possibilidade de aplicação de normas de origem

alheia

○ no entanto: disso não seguia a superioridade hierárquica da norma régia

relativamente a todas as demais, ou a força vinculante

○ ⇒ leis canónicas, imperiais, normas consuetudinárias e as restantes

vigoravam enquanto factos autónomas a título específico

● direito romano, quanto a este aspeto, assumia valor importante: era aceite devido à

sua importância histórica, sem prejuízo do monarca poder afastar a aplicação de

certas normas

DIREITO SUBSIDIÁRIO NA HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS (BRAGA DA CRUZ)

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1. Direito romano-canónico como direito subsidiário desta época

● no séc XIII, as grandes fontes de direito subsidiário em Portugal começaram por ser

o direito romano e canónico; continuariam a sê-lo até ao séc XVIII, com a vitória das

ideias iluministas e jusnaturalistas

● as compilações romano-canónicas tornaram-se a fonte inspiradora da atividade

legislativa dos monarcas, e passaram também a constituir a fonte de soluções

concretas dos problemas jurídicos a que tribunais podiam recorrer para suprir

lacunas da legislação régia

○ ⇒ tinham portanto um domínio de aplicação mais amplo do que as próprias


fontes jurídicas nacionais

● no entanto, e nesta primeira fase da sua vigência subsidiária, as compilações

romano-canónicas eram apenas acessíveis a um escasso número de eruditos

○ a sua aplicação direta pouco ultrapassava os limites do tribunal da Corte e de

alguns tribunais canónicos;

○ alguns juízes começavam a tentar aplicar as normas destas compilações, no

entanto, não tinham as aptidões para navegar na imensidão de disposições

existentes e não compreendiam a língua latina em que se encontravam

redigidos

● começaram a ser utilizadas em Portugal, a partir do séc XIII, certas obras doutrinais

de origem castelhana → “Flores de Derecho”, Fuero Real e as Siete Partidas

○ traduções do Código de Justinianeu ou das Decretais de Gregório IX, que

continham sínteses doutrinais ou normativas dos preceitos de direito romano

e canónico

● as obras castelhanas foram traduzidas para português, para poderem ser utilizadas

mais facilmente pelos tribunais municipais

2. Primeira regulação completa do problema do direito subsidiário - Ordenações

Afonsinas (1146)

● aproveitou-se a elaboração da primeira grande codificação nacional, ou seja, as

Ordenações Afonsinas em 1446, para estabelecer pela primeira vez uma

regulamentação cuidada do problema do direito subsidiário

○ a regulamentação é aqui apresentada como um problema de conflito de

jurisdições entre o poder temporal e o poder religioso

○ o mesmo torna-se evidente devido à epígrafe onde o problema é tratado:

“Quando a lei contradiz a Decretal, qual delas se deve guardar”

○ e também a sua colocação no esquema formas das Ordenações: no Livro II,

que trata as relações entre a Igreja e o Estado

● exalta-se o valor da justiça e fala-se do monarca justo, que também se submete às

leis

● fontes principais de direito:

○ leis
○ estilos da Corte → jurisprudência uniforme e constante dos tribunais

superiores

○ costumes do Reino

○ ⇒ têm prioridade absoluta; se há lei do Reino, não se aplicam outros

direitos

■ ↳ ataque direto à aplicação do direito romano

● direito subsidiário:

○ leis imperiais (direito romano)

○ direito canónico

■ menciona que se deve obediência ao Papa

● na insuficiência deste:

○ glosas de Acúrsio

■ glosador, estudou direito romano

■ há quem defenda que antes de se recorrer ao direito canónico, se

deveria primeiro recorrer ao direito que ainda regula matérias

estritamente temporais (direito romano nas glosas de Acúrsio)

○ opinião de Bártolo

■ comentador → estudou também direito canónico

■ ⇒ monarca reconhece que há opiniões que não consegue apagar,

reconhece o que já era a prática dos tribunais

○ resolução régia

■ se nenhuma das fontes principais ou subsidiárias conseguirem

resolver o caso concreto

● qual dos direitos subsidiários se deve aplicar?

○ direito romano

■ aplica-se a matérias temporais → matéria que não irá envolver

nenhuma solução pecaminosa

■ ⇒ monarcas aproveitam direito romano, mas não devem obediência

ou dependência aos imperadores romanos

○ direito canónico

■ aplica-se a matérias espirituais → matérias diretamente


relacionadas com o pecado e com a religião;

■ aplica-se a matérias temporais de pecado → se perante uma

matéria temporal, ao aplicarmos o direito romano, criamos uma

solução pecaminosa, deve-se aplicar o direito canónico; colisão de

soluções de direito romano com as do direito canónico → não se

podem incentivar soluções pecaminosas

■ e onde há uma lacuna no direito romano

■ ⇒ deve-se obediência ao Santo Padre

3. O direito subsidiário nas Ordenações Manuelinas (1521)

● problemática do direito subsidiário é de novo enquadrada no Livro II, relativo às

relações entre o Estado e a Igreja, mas a epígrafe é diferente: “Como se julgam os

casos que não forem determinados pelas nossas Ordenações”

○ assinala que o legislador tem consciência que a questão transcende o âmbito

de um conflito entre lei e decretal ou entre direito civil e eclesiástico

● fontes principais de direito:

○ leis nacionais

○ estilos da Corte

○ costume do Reino

■ quanto ao costume, diz que pode ser geral ou local, mas tem que ser

um “bom costume, que por Direito se deva guardar”

○ ⇒ afirmação do poder régio e do predomínio da lei do monarca

● direito subsidiário:

○ leis imperiais

○ direito canónico

■ no entanto, já não se menciona que se deve obediência ao Papa; há

uma omissão

■ a questão de qual direito se deve aplicar deve ser respondida de

acordo com o critério do pecado

● na insuficiência deste:

○ glosas de Acúrsio

○ opinião de Bártolo
■ ⇒ mas há um maior controlo da opinião: estas só valem se não forem

contrárias à opinião comum dos doutores

■ quanto a Bártolo, só valem as opiniões contrárias se posteriores ao

autor

● compromisso com a corrente do humanismo jurídico

○ arbítrio do monarca

● diferenças relativamente às Ordenações Afonsinas:

1. epígrafe já não reconduz a um problema entre aplicação do direito canónico

e civil

2. há uma omissão quanto ao dever de obediência ao Papa

a. em seu lugar, há uma razão de ordem positiva do acatamento do

direito romano: direito romano está fundado na boa razão

3. quanto à aplicação do direito subsidiário, já não distingue entre problemas de

ordem temporal ou espiritual

a. reconduz-se tudo a um problema único, em que só conta o critério do

pecado, qualquer que seja a natureza do caso a resolver

b. tal implica um alargamento do campo de aplicação do direito romano

face ao canónico

4. exigência da glosa de Acúrsio e da opinião de Bártolo não serem contrárias à

opinião comum dos doutores

4. O direito subsidiário nas Ordenações Filipinas (1603)

● redação das Ordenações Manuelinas foi adotada com apenas alguns retoques nas

Ordenações Filipinas

● título relativo ao direito subsidiário passou de figurar no Livro II para passar para o

Livro III, que trata do direito processual

○ rompe-se por completo com a ideia de que a questão do direito subsidiário

era uma questão de conflito entre poder temporal e poder espiritual

● a maior diferença consagrada nas Ordenações Filipinas são os limites da aplicação

do direito romano e o critério de fixação da opinio communis

● fontes primárias:

○ leis pátrias
○ estilos da Corte

○ costume do Reino

● fontes subsidiárias:

○ leis imperiais

■ apenas se deve guardar aquelas que são fundamentadas pela boa

razão

● ⇒ devido a esta valorização da razão, GOMES DA SILVA

considera-a como fonte de direito subsidiária

■ critério da fixação da opinio communis

● é um critério quantitativo e qualitativo: a opinio communis é a

opinião de uma maioria qualificada dos autores, ou seja, da

maioria que mais se tivesse debatido sobre o tema

5. A interpretação da lei

● problema da interpretação da lei com sentido universalmente vinculativo é tratado

também nas Ordenações Manuelinas e Filipinas

● soluções para casos de dúvida na interpretação eram determinadas pelos regedores

dos tribunais e depois fixada em assentos, que surgem então como jurisprudência

obrigatória

HUMANISMO JURÍDICO, JUSRACIONALISMO E HUMANITARISMO

kakaka

1. Humanismo jurídico renascentista

● aparecimento desta nova corrente prende-se a dois factos essenciais:

1. progresso do Renascimento, que trouxe transformações gerais ao campo das

artes, ciências e culturas, tal como uma restauração dos textos da

antiguidade clássica

2. decadência da obra dos comentadores, a partir do séc XV

● causa do seu aparecimento:

○ contestação ao direito prudencial ⇒ crítica da tradição jurídica

■ trabalho dos comentadores e glosadores leva a uma incerteza quanto

à distinção entre o texto original e os comentários

■ impreparação e menosprezo dos Comentadores quanto aos aspetos


históricos que rodearam a criação da norma romana ⇒ levou à

aplicação de conceitos incorrentes e a falsas interpretações

● características

○ humanismo quinhentista surge, e começa-se a encarar o direito romano

como uma das várias manifestações da cultura clássica

○ juristas humanistas iniciam estudo crítico das fontes romanas

○ humanismo contrapõe-se às escolas prudenciais, nomeadamente ao

bartolismo

○ razão como única fonte de direito

○ oposição à communis opinio doctorum → afasta-se a autoridade, é a razão

aparada ao método que alcançará a verdade

2. Iluminismo

● na segunda metade do século XVIII, a linha de pensamento do iluminismo foi das

que mais influenciou as reformas pombalinas

○ iluminismo português corresponde à segunda metade do século XVII

● Iluminismo foi um período voltado para construções de sentido antropológico e

experimentalista

○ no centro da compreensão do mundo e da vida situa-se o Homem

● é a época por excelência da Razão e do racionalismo

● há uma conceção individualista-liberal:

○ na base do Direito e do Estado colocam-se os direitos originários e naturais

do indivíduo

● ⇒ Iluminismo leva ao aparecimento da corrente do jusracionalismo

2.1 Jusracionalismo

● há uma hiper-valorização da razão, assumindo esta um papel próximo de fonte de

direito

○ trata-se de uma razão fundada no direito natural, mas de base

antropocêntrica; razão já não tem base divina, como na Idade Média

● hipertrofia da razão e do racionalismo:

○ por excelência, o Iluminismo é a época da razão e do racionalismo ⇒ é uma

razão essencialmente subjetiva e crítica, e um racionalismo essencialmente


humanista e antropocêntrico (CABRAL DE MONCADA)

○ a razão, vinda das ciências naturais, assume o seu lugar no terreno jurídico,

onde ataca as velhas estruturas medievais; a validade é aferida pela razão

○ é uma razão crítica que tem uma dimensão humana e que procede a um

julgamento universal

● racionalismo mecanicista:

○ racionalismo inspirado nas ciências naturais

○ “sociedade é uma máquina complicada, que trabalha com tantas peças

quantos são os indivíduos de que se compõe”

○ ⇒ racionalismo mecanicista vê o homem como uma das peças da sociedade;

para que os indivíduos possam encontrar os seus precisos lugares

● valor da opinião:

○ tal como no direito prudencial, havia uma valorização da opinião dos

doutores, mas havia a exigência de ser uma opinião conforme à razão

○ crítica de seguimento de opiniões que não sejam conforme à razão vem de

Descartes ⇒ critério mais importante para aderir a uma opinião é a

demonstração da razão

2.2. Humanitarismo

● no âmbito do do direito penal, há que mencionar as correntes humanitaristas,

derivadas do jusracionalismo e do iluminismo

● evolução do direito penal

○ Idade Média

■ não há monopólio de punição, havia sistemas de vingança privada

■ sendo que a figura do monarca estava distanciada das estruturas

locais, era necessário que esta última desenvolve-se os seus próprios

mecanismos de aplicação de direito e justiça

■ justiça pela própria mão

○ a partir do século XV

■ monarca começa a institucionalizar o direito penal e a impôr regras

■ justiça e punições não eram objetivas iguais para todos: havia a

retroatividade das penas, tal como penas diferentes consoante o


estatuto social

■ penas eram inumanas, recorrendo várias vezes à tortura

■ penas eram desproporcionais

○ ⇒ princípios do direito penal começam a mudar com a corrente humanitarista

● Cesare Beccaria é considerado o pai do humanitarismo no direito penal, após ter

escrito o seu livro “Dos Delitos e das Penas”

○ no seu livro, Beccaria faz várias reivindicações que resumem a corrente

humanitarista

● reivindicações e princípios humanitaristas

○ absoluta necessidade das penas e legitimidade:

■ Estado apenas deve intervir e restringir a liberdade quando é

absolutamente necessário, visto que o contrário implicaria tirania

■ não é legítimo retirar a liberdade a alguém, a não ser que essa

pessoa tenha feito o mesmo a um terceiro

■ rompe-se com a ideia medieval de penas arbitrárias

○ princípio da legalidade das penas:

■ apenas as leis podem fixar as penas, não podendo as mesmas ser

fixadas arbitrariamente

■ poder de fixar as leis compete apenas ao legislador, devido ao

contrato social

○ contrato social:

■ é indispensável que o governante honre os princípios da delegação

de poderes inerente ao contrato social, e que ele não abuse desse

mesmo poder

○ interpretação das leis penais:

■ o legítimo intérprete da lei é o soberano ou o juiz

■ visto que a interpretação pode ser vista como o livre arbítrio do

intérprete, a função do juiz encontrava-se muito delimitada → apenas

devia decidir se pessoa era, ou não, culpada

○ princípio da proporcionalidade das penas

■ deve haver uma proporcionalidade entre os delitos e as penas, algo


que não existia antes → penas eram usadas como exemplos

■ pena de morte é apenas um espetáculo para as massas, sendo

exagerada para qualquer tipo de delito

3. Lei da Boa Razão (1769)

● lei de 18 de Agosto de 1769 fica conhecida como Lei da Boa Razão, devido à

afirmação da mesma como parâmetro de validade das diferentes fontes normativas

não produzidas pelo monarca

● enquadra-se no quadro de atividade legislativa de Marquês de Pombal; verifica-se

na mesma uma viragem ideológica na história do direito português

● objetivos da lei:

○ impedir irregularidades em matéria de assentos

○ regular a utilização do direito subsidiário

○ fixar normas precisas sobre a validade do costume

○ elementos a que o intérprete pode recorrer para o preenchimento de lacunas

● imposição de novos critérios de interpretação e integração de lacunas

○ reforma dos critérios de interpretação e integração de lacunas; a reforma da

mentalidade dos juristas é feita 3 anos depois, com os Novos Estatutos

○ afirmação da falta de aplicação da lei régia, sendo em vez aplicados o direito

canónico, romano e o costume

○ para além de uma falta de aplicação do direito régio, o monarca afirma que

há uma má-interpretação das mesmas por parte dos juristas, que leva a uma

falta de segurança jurídica

■ variabilidade de opiniões abusivas prejudicam a justiça

■ monarca assume função de proteger o povo de abusos por parte das

interpretações dos juristas

○ ⇒ apenas é aceitável o significado da interpretação autêntica das leis

■ para tal, o Tribunal deve proferir assentos normativos

3.1 Direito subsidiário na Lei da Boa Razão

● questão do direito subsidiário na Lei da Boa Razão reduz-se essencialmente a uma

questão de observância no disposto nas Ordenações:

○ Ordenações estabelecem como fonte de direito subsidiário as “leis imperiais”,


no entanto, apenas admite aquelas que sejam conformes à boa razão

● ⇒ de facto, os aplicadores não cumpriam tal limitação consagrada nas Ordenações,

cometendo dois abusos:

○ aplicação das leis romanas antes das leis pátrias

○ aplicação indiscriminada das leis romana, sem averiguar se são fundadas na

boa razão

● solução consagrada:

1. proibição da utilização de quaisquer outros textos ou autoridade, enquanto

houver Ordenações, leis pátrias ou usos do reino ⇒ fontes primárias

2. estabelecimento da boa razão como supremo critério de integração das

lacunas do direito nacional

a. visto que as Ordenações não especificam o que era a boa razão, os

legisladores pombalinos aproveitam para defini-la de acordo com o

pensamento racionalista e iluminista

i. ⇒ boa razão como recta ratio dos jusnaturalistas; boa razão

não corresponde à autoridade geral dos textos romanos,

devendo-se definir com 3 pontos:

1. consiste nos princípios primitivos da ética dos

romanos, formalizada pelos direitos divino e natural

para servir a moral e o cristianismo ⇒ direito romano

como fonte subsidiária

2. funda-se em outras regras que formam o direito das

gentes, por unânime consentimento ⇒ direito das

gentes como fonte subsidiária

3. deve recorrer às leis das nações iluminadas e polidas

em matérias políticas, económicas e marítimas ⇒

impedimento à aplicação do direito romano nestas

matérias

b. proibição da aplicação subsidiária do direito canónico nos tribunais

civis, relegando a sua aplicação para os tribunais eclesiásticos

c. bane autoridade da Glosa de Acúrsio e das Opiniões de Bártolo


● apesar do sistema consagrado ser aparentemente simples (boa razão como único

critério de integração de lacunas), o grande problema residia na mentalidade e na

formação dos juristas, moldados pela Universidade

○ ⇒ para complementar a Lei da Boa Razão e para pôr em marcha tal reforma,

tornou-se necessário criar novos Estatutos da Universidade

3.2 Esquema simplificado das fontes subsidiárias na Lei da Boa Razão

● problema:

○ não cumprimento do limite, consistente na boa razão, à aplicação de fontes

subsidiárias impostos pelas Ordenações

○ aplicação de leis romanas antes das régias

○ aplicação das leis romanas indiscriminadamente

● fontes primárias:

1. Ordenações

2. lei pátria

3. usos do reino

a. requisitos do costume aceite como fonte:

i. conforme à boa razão

ii. proibição do costume contra legem

iii. antiguidade de mais de 100 anos

iv. ⇒ grande controlo sobre a validade do costume

4. estilos da Corte apenas valerão se revestirem a forma de assento, tendo

força normativa

● fontes subsidiárias

1. boa razão como principal critério de integração de lacunas

a. direito romano

i. princípios éticos e morais, com assistência do direito divino e

natural

b. direito das gentes

c. leis das nações polidas e iluminadas

i. em matérias políticas, económicas e marítimas, há uma

proibição de aplicação do direito romano


2. proibição de aplicação do direito canónico em tribunais civis → apenas tem

autoridade nos tribunais eclesiásticos

3. negação da autoridade das Glosas de Acúrsio e da opinião de Bártolo →

deixam de valer enquanto fonte subsidiária

4. Estatutos Velhos da Universidade de Coimbra

● organização dos estudos jurídicos segundo os “Estatutos Velhos”:

○ até à reforma pombalina e à criação dos Estatutos Novos, a legislação

universitária foi regulada pelos Estatutos Velhos → compreendiam os

Estatutos Filipinos, depois confirmados por D. João IV em 1653

○ existência de duas faculdades jurídicas:

■ Faculdade de Cânones → estudava-se o Corpus Iuris Canonici

● compreendia 7 cadeiras:

○ 2 de Decretais, 1 de Decreto, 1 de Sexto, 1 de

Clementinas, 2 de Decretais

■ Faculdade de Leis → estudava-se o Corpus Iuris Civilis

● compreendia 8 cadeiras:

○ Digesto Esforçado, Digesto Novo, Digesto Velho, Três

Livros do Código, 2 cadeiras de Código e 2 cadeiras de

Instituições

● sistema de ensino:

○ sistema de ensino tem raiz escolástica, sendo fundamentalmente o mesmo

nas duas faculdades

○ professor lia os passos do Corpus Iuris Canonici ou Civilis

■ comentava-os de seguida, expondo as opiniões e argumentos

considerados falsos e os considerados verdadeiros, refutando sempre

os falsos

■ concluía com a opinião tida como a mais razoável, vivendo-se sob o

império absoluto dos autores consagrados, que definiam a opinio

communis

5. Novos Estatutos da Universidade - Contexto e Compêndio

● reforma pombalina dos estudos universitários reflete especialmente a influência das


correntes doutrinárias europeias dos séculos XVII e XVIII

● comissão nomeada em 1770 → objetivos:

○ análise das causas de decadência do ensino universitário em Portugal

○ emissão de pareceres sobre os critérios adequados à sua reforma

● em 1771, a comissão apresentou o Compêndio Histórico da Universidade de

Coimbra

○ critica-se, neste relatório, a organização e o sistema de ensino existente

● de modo a colmatar as falhas apontadas, a comissão é encarregue também da

subsequente elaboração dos Estatutos da Universidade de Coimbra, aprovados em

1772

● críticas do Compêndio:

○ preferência absoluta dada ao ensino do direito romano e direito canónica,

sem se ensinar direito pátrio

○ abuso do método bartolista

○ respeito cego pela opinio communis

○ desprezo pelo direito natural e pela história do direito

5.1 Soluções consagradas pelos Novos Estatutos

● instrução prévia e habilitações dos estudantes:

○ como requisitos de admissão para os cursos, os alunos deveriam ter

conhecimento prévio de:

■ latim, retórica, lógica, metafísica e ética

○ requisitos são fruto das exigências das correntes humanistas, que criticavam

a prévia falta de conhecimento dos prudentes

● reestruturação dos cursos jurídicos:

○ no Curso de Leis, ensina-se direito civil

■ tem como base o direito comum, ou seja, direito romano e direito

pátrio, por ser o adotado nas nações polidas e iluminadas ⇒

importância da razão

■ direito romano só tem força em suplemento da lei pátria, só se deve

aplicar em caso de lacuna

■ no caso de lacuna da lei, no caso do direito romano rivalizar com o


direito canónico, é o direito romano que tem preferência aplicativa

■ ⇒ critério de aplicação é a boa razão

● novas disciplinas:

○ direito natural, direito das gentes

○ história do direito

○ instituições de direito pátrio → medida mais importante para combater a falta

de aplicação do direito régio

■ ⇒ criação de novas cadeiras é reflexo da corrente humanista

● método de ensino:

○ professores não devem seguir as escolas prudenciais e o método

analítico-problemático, ou seja, a ars inveniendi ⇒ todos os professores

devem seguir a escola humanista

○ deve-se seguir o método sintético-demonstrativo-compendiário

■ método sintético:

● segue-se uma linha de progressiva complexidade

● fornece-se aos alunos, em primeiro lugar, uma orientação

geral de cada disciplina, através de definições e da

sistematização

● passa-se depois de umas conclusões às outras, mais

complexas

■ método demonstrativo:

● professores devem utilizar um método científico nas suas

lições, tal como Descartes defendia

■ método compendiário:

● professores devem compilar manuais de apoio à cadeira,

englobando a matéria lecionada

● manuais deviam ser claros e concisos, tal como bem

sistematizados

6. Literatura jurídica

● breve análise da literatura jurídica da época do jusracionalismo

● o mais destacado executor das novas orientações foi Pascoal de Mello Freire dos
Reis

○ os manuais de Mello Freire foram os únicos que vieram a ser oficialmente

aprovados

○ os seus manuais formam um tríptico respeitante à:

■ história do direito pátrio

■ instituições do direito público

● direito das pessoas → inclui direito da família

● direito das coisas → abrange direito sucessório

● direito das obrigações e ações

■ instituições de direito criminal

○ ⇒ expõe, pela primeira vez, o sistema jurídico de forma sistemática

● da sua restante exposição científica, destaca-se a sua participação na tentativa de

reforma das Ordenações nos fins do século XVIII

○ é percusor do direito penal moderno, ecoando as ideias iluministas e

humanitaristas

● fins do século XVIII e começos do século XIX ⇒ são de mencionar outros

jurisconsultos, como:

○ Francisco de Sousa e Sampaio, António Ribeiro dos Santos, etc

7. O chamado “Novo Código”. Tentativa de reforma das Ordenações

● encerra-se a época jusracionalista com a alusão ao projeto de reforma das

Ordenações Filipinas, que ficou conhecido por “Novo Código” → situa-se no reinado

de D. Maria I

○ necessidade de rever Ordenações começava a manifestar-se já no tempo de

D. João VI, mas, no entanto, as tentativas nunca foram por diante

● é no tempo de D. Maria I que, através de Decreto de 1778, se cria uma Junta de

Ministros com a obrigação de se juntarem pelo menos uma vez por semana, com o

objetivo de proceder à reforma geral do direito vigente

○ dever-se-ia averiguar quais as normas contidas nas Ordenações e nas leis

extravagantes que se deveriam suprimir, quais as que se encontravam

revogadas, as que levantavam dúvidas de interpretação e aquelas que a

prática aconselhava mudar


○ ⇒ objetivo era criar trabalhos preparatórios de um novo corpo legislativo

● recomendava-se que se seguisse a sistematização básica das Ordenações

○ isto, porque se admitia que outro método podia criar dificuldades aos

julgadores familiarizados com a tradição

● na Junta de Ministros são fixados critério uniformes:

○ há uma preocupação sistemática sem paralelo nas compilações anteriores ⇒

visava-se uma abordagem compreensiva das soluções adotadas

● no entanto, havia um grande respeito pelas Ordenações, não só visível no Decreto

de 1778, como também nos próprios membros da Junta

○ impunha-se-lhes que conservassem os termos e estilo das Ordenações, tal

como a sua estruturação

● ⇒ essencialmente, procurava-se uma simples atualização das Ordenações, mesmo

que parte dos membros defende-se uma grande inovação

○ daí a iniciativa de D. Maria ser diferentes das codificações modernas, que

são profundamente reformadoras e que no estrangeiro iam surgindo da

confluência do pensamento iluminista e jusracionalista

■ no entanto, a comissão não chega a propostas de vulto

● em 1783, Mello Freire é encarregado da revisão do Livro II e do Livro V das

Ordenações, que respeitavam ao direito público político-administrativo e ao direito

criminal

○ do seu esforço resultam os projetos de Código de Direito Público e de Código

Criminal

○ ⇒ para apreciá-los, nomeia-se em 1789 uma Junta de Censura e de

Revisão, onde se integrava António Ribeiro dos Santos

● ao rever o Código de Direito Público, revela-se uma forte polémica entre Ribeiro dos

Santos e Mello Freire

○ enquanto o primeiro era partidário de ideais mais liberais, o segundo militava

no campo das ideias absolutistas

○ ⇒ projeto de Código de Direito Público acaba por não vingar, tal como o

Código Criminal, que nunca chegou a ser discutido

■ este último era realmente marca de um progresso, embora o seu


autor ainda se mostrasse prisioneiro do quadro punitivo das

Ordenações

● ⇒ assim fracassou outra tentativa de reforma das antiquadas Ordenações Filipinas

○ as circunstâncias não foram favoráveis: vivia-se num período de transição,

entre as ideias do despotismo esclarecido e dos inícios da Revolução

Francesa

LIBERALISMO E MOVIMENTO DE CODIFICAÇÃO

JJJJ

1. Características gerais do período de influência liberal - Revolução de 1820

● iluminismo aceitava que programa de Razão fosse cumprido pelo déspota

esclarecido → reformas do século das luzes seriam atuadas pelos monarcas, pelos

reis-filósofos

● no entanto, 1789 põe ponto final na euforia racionalista → Revolução Francesa e

subsequente anarquismo provocam recuo no reformismo

○ monarcas receiam consequências do programa da Razão, recuando então às

formas de governo absoluto, pré-iluminista

○ há, nestes primeiros tempos, um quebrar de aliança entre rei e reformismo

● filosofia liberal → filosofia de desconfiança relativamente ao poder político, poder

que, no plano histórico, se identificava com a monarquia absoluta

○ esta necessidade de defesa do Homem em relação à sociedade política leva

à afirmação de vários princípios, como:

■ direito individuais, vindos do estado de natureza

■ liberdade e igualdade de todos os homens perante a lei

■ soberania popular e nacional

■ governo representativo e separação de poderes

■ monarquia constitucional e parlamentar

■ afirmação de necessidade de constituições escritas

○ ⇒ construções destinadas a realçar a posição do indivíduo e a diminuir a

força do Estado

● é a Revolução de 1820 que marca o começo do domínio do pensamento liberal em

Portugal
○ um dos primeiros marcos de tal domínio é a promulgação da Constituição de

1822

○ lei deixa de ser a “vontade do rei declarada” para se tornar “a vontade dos

cidadãos declarada por unanimidade”

2. Movimento de codificação em Portugal

● o liberalismo e o individualismo são responsáveis pela tarefa de promulgação de

Códigos, enquanto diplomas legislativos cientificamente organizados e

sistematizados

● ideia de codificação geral de todos os ramos do direito tivera como última expressão

a tentativa do Novo Código

○ entendia-se que a pluralidade de fontes de direito e a abundância de normas

extravagantes tornava o direito confuso e, em parte, arbitrário

○ havia, portanto, uma necessidade de unificar, sistematizar e simplificar ⇒

devia-se considerar a lei como única fonte de direito

● o combate contra a pluralidade de fontes fora já encetado pela Lei da Boa Razão

○ no entanto, o problema da multiplicidade e desordem das fontes não ficou

resolvido

○ ⇒ com tal finalidade, surgem os Códigos, que deverão conter todo o direito

vigente

● espírito das modernas codificações é diferente do que presidia à compilação das

anteriores Ordenações

○ não se trata de recolher leis passadas, sendo então a lei o alicerce do futuro

● apelava-se ao espírito de invenção, abrindo concurso aos projetos de Código Civil e

Penal que viessem a ser escolhidos

○ no entanto, tal não levou imediatamente à aprovação de um Código Civil

● em vez disso, no campo do direito privado:

○ surge primeiro a codificação do direito comercial

■ é em 1833 que o Código Comercial é publicado por Ferreira Borges

○ em 1845, uma comissão é encarregada de redigir os Códigos Civil e Penal

■ o Código Penal é elaborado em 1852, mas não consegue elaborar um

Código Civil
○ é então que António Luís de Seabra é chamado, em 1850, a redigir um

projeto de Código Civil

■ é nomeada também uma comissão com o fim de discutir o plano

geral, em conjunto com o autor

■ o Visconde de Seabra apresenta o seu projeto em 1858, sendo este

aprovado em definitivo em 1867

● no campo do direito processual:

○ em 1876: sai o Código de Processo Civil, que havia sido precedido das

anteriores Reformas Judiciárias

○ em 1895: é promulgado o Código de Processo Comercial

● no âmbito do direito público:

○ sucedem-se vários Códigos Administrativos, sendo o primeiro promulgado

em 1836 por Passos Manuel

3. Sistema de fontes entre a Lei de 18 de Agosto de 1769 e o Código Civil de 1867

● Lei da Boa Razão marcou princípio de, na ausência de direito pátrio, só poder o

direito romano ser havido como subsidiário quando conforme à boa razão

○ nos Estatutos da Universidade, de 1772, legislador concede que a boa razão

possa ser procurada no uso moderno das leis romanas, nas nações

civilizadas e polidas da Europa

○ nas matérias políticas, económicas, mercantis, e marítimas funcionavam

subsidiariamente as leis das nações cristãs europeias

○ ⇒ no entanto, tais disposições introduzem confusão e arbitrariedade na

jurisprudência nacional, visto que o uso moderno e as leis polidas não são

unívocas ou de fácil apreensão

● discutiu-se também se a Lei da Boa Razão se aplicava também em matéria criminal,

ou apenas em matéria civil

● é, por isto, que o movimento liberal não professa o anti-romanismo da Lei de 18 de

Agosto de 1769

○ ⇒ há um regresso ao direito romano no séc XIX

○ liberalismo queria uma revolução política, e não uma revolução social → fazia

sentido que o direito romano, enquanto essencial de direito privado, se


mantivesse

● principalmente no século XIX, o panorama jurídico do continente europeu é

modificado pela promulgação de Códigos Civis → vai também afetar o esquema de

fontes em Portugal

○ no tempo dos Estatutos, eram as obras da tendência do usus modernus

pandectarum que constituíam direito subsidiário

○ com a nova mudança, são os Códigos europeus que tomam essa função

○ ⇒ são, então, considerados como disposições subsidiárias os preceitos

tirados do Código Francês, da Áustria, Prússia, etc

● ⇒ assim sendo, o direito privado português nas vésperas do código de 1867 era a

resultante de 3 diferentes e sucessivas camadas:

1. fundo tradicional ou escolástico, formado pelas Ordenações, legislação

extravagante ou anterior a meados do séc XVIII, e pela massa dos tratados

dos velhos praxistas

2. contributo da época jusnaturalista, formado pela legislação da segunda

metade do séc XVIII e pelas inovações doutrinárias dos juristas

3. legislação liberal de inspiração individualista, e os preceitos importados dos

Códigos estrangeiros

INSTITUIÇÕES JURÍDICO-FAMILIARES

1. Institutos familiares

● reconhecimento jurídico de uma célula fundamental da sociedade civil, que é um

dado adequado à caracterização de qualquer período histórico

○ institutos familiares projetam-se por vezes em normas ou complexos

normativos

○ deles resultam laços civis de parentesco, que produzem importantes

consequências na esfera patrimonial e social dos sujeitos

● quanto ao direito da família, o direito limita-se a reconhecer o que as conceções

vigentes impõem

1.1 A família

● difícil definir juridicamente o que é uma família, de modo a que tal conceito

corresponda a todas as suas facetas históricas e sociais


○ ideia de família varia de acordo com as circunstâncias

● em períodos de forte instabilidade política e social, ou em épocas recuadas, quando

a vida em sociedade se institucionaliza de formas elementares ⇒ família adquire

relevância política como fator fundamental da organização social

● clan

○ agrupa comunidade de pessoas provenientes do mesmo antepassado

○ a sua identidade própria resulta de vínculos religiosos (divindades comuns),

propriedade comum e trabalho coletivo

○ esta forma de organização parece ter sido universal

■ todas as sociedades terão conhecido este estádio ou terão derivado

de outras comunidades assentes nestes princípios de comunhão

doméstica

○ totem ⇒ é o denominador comum, sendo o sinal particular determinante de

parentesco

■ o clan distingue-se de outras sociedades que se formam por serem

precedentes da mesma origem, visto que o parentesco se funda

unicamente na comunidade do totem e não em relações de

consanguinidade

■ membros do clan são parentes, não por serem pais ou irmãos, mas

sim porque usam todos o mesmo nome

■ esse símbolo é entendido como antepassado comum, pelo que os

laços de consanguinidade se diluem perante tal crença coletiva

■ todos os deveres coletivos, caracterizados como deveres familiares,

derivam de tal crença comum

● família patriarcal

○ manifestação histórica mais relevante e típica encontra-se na Roma antiga

○ família não é fundada em crenças ou traduções, mas sim na autoridade do

paterfamilias

■ este agrega à sua volta e sob a sua autoridade um grupo de pessoas

e de meios patrimoniais

○ o que releva não é tanto a existência de vínculos sanguíneos, visto que o


parentesco uterino está excluído, mas sim a submissão ao poder do

paterfamilias, que define a situação familiar

○ romanos exprimem tal ideia de comunidade familiar através da contraposição

de dois parentescos:

■ agnaticio → parentesco determinado sobretudo através da existência

de laços de submissão familiar

● relações estão necessariamente circunscritas às decorrentes

da linha paterna, visto que só através desta se irá perpetuar o

poder familiar

● poder familiar é o manus, conceção jurídica que se traduz em

relações de domínio e dependência → fatores como

nascimento ou afeição ficam em segundo plano

■ cognaticio → caracteriza-se pela existência de vínculos sanguíneos

que formam diferentes tipos de parentesco

● parentesco é definido pela descendência ou ascendência de

gerações, ou então pela existência de um descendente

comum

● neste caso, a distinção do sexo não influi de forma alguma

● família conjugal

○ é assente na institucionalização da relação dos cônjuges

○ ato constitutivo da união conjugal é associado pela ordem jurídica a outro ato

ou circunstância relevante na mesma

○ família conjugal também se apresenta através de variadas formas, com um

grau de coesão e disciplina interna diverso e flutuante

■ este fator resulta da articulação da família com as outras instituições

políticas e sociais que estruturam a comunidade

● períodos de instabilidade política → grupo parental tem maior

coesão interna, sendo que a relevância do parentesco se

entende a graus mais afastados

● períodos individualistas → realização individual é facultada

pelas circunstâncias sociais e pelas conceções filosóficas,


pelo que a família perde coesão interna e a relevância dos

laços de parentesco diminui

○ para além desta generalização de ideias, a multiplicidade de formas e de

ordenamento familiar pode ser caracterizadas nas suas particularidades,

visto que refletem conceções vigentes na época

1.2 Os esponsais

● esponsais → recíproca promessa de casamento a celebrar entre os futuros

cônjuges, ou entre quem os represente legalmente

○ a autonomização deste instituto é difícil, visto que, por vezes, a fronteira entre

matrimónio e esponsais não está bem definida

● no período da jurisprudência clássica de Roma, qualquer cláusula penal que se

aplicasse à promessa de casamento era nula, por ser contrária aos bons costumes

○ no entanto, no período pós-clássico começa a equiparar-se legalmente o

regime dos esponsais e do matrimónio

● também no direito germânico constituem os esponsais uma primeira fase do

casamento, que apenas se tornará perfeito através da traditio

○ traditio → série de atos materiais e solenidades, que tem na base a ideia de

transmissão da mulher da sua família de origem para o domínio familiar do

marido

● no direito visigótico, enquanto ramo do direito germânico:

○ para assegurar publicidade do ato, esse dever-se-ia celebrar por escrito ou

perante testemunhas

○ idade para se obrigarem os promitentes era de 15, sem a qual deveria, ser

representados pelos pais ou irmãos

■ acordo obrigava à celebração do casamento dentro dos 2 anos

seguintes, não se podendo alargar o prazo

○ como penhor do cumprimento da promessa era entregue o anel esponsalício

e redigida a escritura

■ Código Visigótico previa penas aplicáveis aos noivos que não

cumprissem o prometido

● nos Estados cristãos da Reconquista, tal tradição mantém-se com poucas


alterações

● ideia relevante nos esponsais é a segurança e garantia no cumprimento da

promessa

○ tal garantia já dominava o contrato no período pós-clássico de Roma, através

do regime jurídico da “arrha sponsalicia”

■ corresponde a bens mutuamente doados, que reverteriam para um

dos prometidos caso o outro não cumprisse a promessa

● direito canónico também considerava os esponsais uma primeira fase do

casamento, em que a expressão do consenso nupcial já era patente

○ de acordo com a doutrina da Igreja constante nas Decretais de Gregório IX,

se depois da troca mútua de promessas de casamento fosse consumada a

relação sexual, estaria verificada a existência de matrimónio com todos os

seus efeitos

○ ⇒ é o chamado “casamento presumido”

1.3 O casamento

● ordem jurídica tem dificuldade em apresentar uma noção de casamento que

satisfaça plenamente a adequação de tal conceito à realidade

● casamento pode também ser entendido de duas maneiras:

○ casamento enquanto estado existente entre duas pessoas, que se traduz

numa comunhão de vida e que se refere normativamente a um conjunto de

deveres e de direitos de ordem pessoal e patrimonial

○ casamento enquanto ato inicial, expressão de consentimento, contrato que

dá origem à situação de direitos e deveres recíprocos

● questão do papel do consenso na perfeição do ato:

○ direito visigótico

■ ao lado do casamento tradicional consubstanciado nas duas fases de

Verlobung e Trauung (desponsatio e traditio), em que o

consentimento da mulher estava praticamente excluído, surge outro

tipo de união conjugal:

■ ⇒ “casamento por rapto”, que tem lugar quando um homem livre

recebe por esposa uma mulher também livre, sem ter oferecido nada
em troca ao pai dela

● tal ato só comportava efeitos jurídicos quando efetuado com o

consentimento da raptada

○ direito canónico

■ moldado pelo humanismo cristão, dá grande importância ao papel do

consenso e da livre expressão da vontade na contração do

matrimónio

■ o momento decisivo da consumação do casamento passa a ser o

elemento do consenso livremente expresso, em vez do elemento da

cópula carnal

● outra questão é a da liberdade matrimonial → em que circunstâncias podem os

noivos decidir por si que vão casar

○ avaliando pelos preconceitos e limitações sociais que condicionavam a opção

matrimonial, não se presume, à partida, grande liberdade de escolha

■ para além disso, o poder paternal exercia-se até que os filhos

contraíssem matrimónio

○ no entanto, tal aspeto preocupa os nossos monarcas:

■ Cúria de Coimbra de 1211 → matrimónio deve ser livre; estabelece

que nenhum rei poderão obrigar alguém a contrair matrimónio

■ ⇒ mesmo assim, a expressão da lei não conseguiu mudar de

imediato os costumes e as barreiras sociais do tempo

1.3.1 Formas de casamento

● ao elaborar o Código de Seabra, publicado em 1867, questionou-se sobre a

possibilidade de haver um casamento puramente civil

○ começaram a surgir, então, vários estudos sobre as formas de casamento,

especialmente aquelas da Idade Média

● Alexandre Herculano defendeu a existência de uma forma de casamento, realizada

à margem e sem as formalidades prescritas pela Igreja, de valor social inferior e com

diversos efeitos jurídicos

○ ⇒ era o casamento civil que não gozava da natureza da sacramentalidade

○ defende que se encontram nos forais e costumes municipais vestígios da


existência simultânea dos casamentos de benção e dos de pública forma

● na Idade Média, entre os séculos V a XV, existiam 4 formas de casamento:

○ casamento por benção

■ realizado, à luz do direito canónico, num templo e presidido por uma

sacerdote, que ministrava o sagrado sacramento do matrimónio

■ consentimento dos noivos era necessário, não podendo haver

impedimentos legais (ex.: relação de parentesco entre noivos)

■ semelhante ao atual casamento religioso

○ casamento de juras

■ não recebia qualquer sacramento, podendo ser celebrado em

qualquer local

■ não podia ser celebrado num templo ou ser presidido por um

sacerdote, mas este podia testemunhar o ato como qualquer outro

cidadão

■ celebrado através de jura recíproca dos noivos

■ semelhante ao atual casamento civil

○ casamento de pública forma

■ reconhecido em 1311 por D. Dinis, sendo que já existia antes na

clandestinidade

■ clandestino, visto que a união de facto não era aceite por não ter sido

abençoada, estando desse modo à margem da lei civil e canónica

■ é enquadrado juridicamente em 1311, estabelecendo uma presunção

inilidível de casamento no caso de homem e mulher viverem na

mesma casa há 7 anos como marido e mulher, etc

○ casamento por rapto

■ casamento de origem visigoda, em que o casamento era celebrado

sem o pretium puelae, sendo que o casamento apenas produzia

efeitos com o consentimento da raptada

1.3.2 Relações patrimoniais dos cônjuges

● sociedade conjugal → estabelece-se pela comunhão de vida que resulta da união

matrimonial
○ tais relações exprimem-se em complexos de direitos e obrigações de

natureza pessoal e patrimonial

● quanto aos direitos e deveres de natureza patrimonial, avultam o regime de bens, as

incapacidade daí resultantes e a responsabilidade pelas dívidas

● do nosso direito foraleiro conclui-se que os cônjuges mantinham a propriedade

exclusiva dos bens que levavam para o casament

○ regra de não comunhão dos bens próprios aplica-se igualmente ao

património do marido e ao da mulher

● ainda que os propriedade dos bens se mantesse diferenciada, a administração dos

bens era atribuída ao marido, que a exercia com amplos poderes, podendo inclusive

alienar bens móveis da mulher, sem o seu consentimento

○ a mulher via também a sua capacidade de exercício de direitos bastante

limitada, não podendo exercer certos direitos sem o consentimento do

cônjuge, a não ser que ela própria fosse comerciante

● de acordo com o regime geral, os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do

matrimónio passariam a ser comuns

○ de modo geral, só se excluíam da comunhão o património adquirido por

sucessão ou doação

● ao regime das arras, combinado com a comunhão de adquiridos, começa a fazer

concorrência, a partir do séc XII, o regime da comunhão geral de bens

○ em certas áreas era aplicado como regime supletivo, enquanto noutras era

aplicado em detrimento do costume tradicional do concelho

1.4 O poder paternal

● poder paternal → outra das formas típicas que assumem as relações

jurídico-familiares, sendo também um ponto importante da revelação da estrutura e

constituição da família

● no direito romano

○ existência de um princípio autónomo ordenador das relações jurídicas

familiares

○ esse princípio manifesta-se através da suprema autoridade do pater, que

compreende o poder de vida e morte sobre os membros do seu grupo


familiar

○ o paterfamilias assume também a titularidade de todos os bens e relações

patrimoniais do grupo com o exterior

○ ordenamento familiar é definido como a esfera de soberania do paterfamilias

que não se extinguia com o casamento dos filhos

● direitos germânicos

○ dinâmica do poder paternal é muito diferente → o poder pátrio não encontra

fundamento na politicidade do grupo, mas sim na necessidade de uma ordem

doméstica e de uma disciplina familiar

○ direito visigótico

■ estão afastadas algumas das formas mais típicas da omnipotência

paterna

■ o poder paternal é um poder-dever, em que o direito de correção é

contrapartida da obrigação paternal de educação e proteção dos

filhos

■ patria potestas cabia ao pai, ainda que fossem reconhecidos à mulher

alguns direitos no domínio da autorização matrimonial

● como consequência, a mãe viúva não exerce poder pátrio,

mas uma mera tutela sobre os filhos menores

■ todos os bens adquiridos pelos filhos eram propriedade paterna

● independência patrimonial dos filhos limita-se aos bens

herdados da mãe, em relação aos quais o pai tinha o mero

direito de usufruto

■ na época da fundação da nacionalidade, os poderes da mãe

configuravam-se como uma verdadeira patria potestas → a

supremacia do poder paternal do homem resultava apenas da sua

qualidade enquanto chefe de família

● poder paternal extingue-se com a morte de qualquer dos

cônjuges, exercendo o outro mera tutela sobre os filhos

menores, exercendo-a sob fiscalização dos parentes mais

próximos
■ situação de sujeição ao poder paternal cessa com o casamento do

filho

1.5 A adoção

● tem larga tradição na histórica jurídica romana, em que revestia duas formas:

○ adrogatio → sujeição formal de um paterfamilias a outro, perante os comícios

curiais

○ adoptio → adoção simples de um filius familiae

● no período pós-clássico, devido à influência cristã, aproxima-se do entendimento e

finalidade prática que hoje é dado ao instituto

● no direito hispânico → Breviário de Alarico dá pela primeira vez conta deste

instituto

● no período da reconquista → pretende-se colocar o adotado na situação que teria

se tivesse nascido no seio da família, deixando de existir forma política de adoção

DIREITO DA FAMÍLIA - MIRIAM BRIGAS

ahhaha

1. Importância de uma análise do Direito da Família na História do Direito Português

● relevância da família como estrutura base da sociedade

● pertinência da matéria a nível dos estudos jurídicos, visto que a investigação se tem

centrado nos vários domínios das ciências sociais

● existência de um certo amadorismo no tratamento das matérias de conteúdo familiar,

o que tem contribuído para uma reduzida tecnicidade de alguns conceitos, algo que

se deve superar

● reivindicação da História do Direito da Família como domínio autónomo de

conhecimento → até agora, tem havido uma associação frequente de matérias

familiares com matérias sucessórias; deve-se identificar os diferentes domínios de

investigação, sem prejuízo das ligações evidentes

2. Os antecedentes da História do Direito da Família

● direito romano

○ primórdios da construção do direito romano auxiliaram a formação do

conceito de família

○ uma das principais qualidades da família romana é a diversidade de


conceitos existentes, havendo diversos entendimentos para o próprio

conceito de família

○ família como conjunto de pessoa que integram a casa e se encontram

sujeitas ao poder de um paterfamilias

○ poder como elemento estruturante das relações de conteúdo familiar ⇒

patria potestas

■ família assenta no conceito de poder do paterfamilias, sendo este o

único que não se encontrava submetido à autoridade de ninguém

○ casamento como convivência entre homem e mulher com affectio maritalis,

sendo que o casamento cessava quando esta deixava de existir ⇒ divórcio

sem a necessidade de invocação de justa causa

■ tal vem a mudar no direito justinianeu → necessário invocar justa

causa

● direito visigótico:

○ natureza contratual e monogâmica no direito alemão antigo

■ casamento correspondia a contrato entre duas famílias a que os

noivos pertenciam

■ era necessário efetuar uma promessa de casamento

■ após o casamento, o marido tornava-se representante da mulher,

dispondo de autoridade sobre esta

○ se não havia consentimento por parte das famílias, verifica-se a existência do

casamento por rapto, com consentimento da mulher

● direito canónico:

○ casamento visto como dom de Deus

○ consentimento como elemento essencial do matrimónio

○ tentativa de afastamento dos casamentos clandestinos, através da

publicitação da intenção de casar

2. Realidade jurídico-familiar em 1750 - Ordenações Filipinas e legislação privada

especial

● há uma articulação das Ordenações Filipinas com a legislação régia dos séculos

XVII e XVIII
○ no entanto, as Ordenações não adotam uma organização específica em

matéria de família, ao invés do que acontece no Código Civil de 1867

● são nos Livros III, IV e V que encontramos maior número de referências a matérias

familiares

● matérias de especial atenção para o legislador filipino

○ casamento e poder paternal

■ várias referências aos requisitos do casamento, bem como os efeitos

decorrentes do mesmo

■ há um dever de fidelidade e respeito pelo poder patriarcal

■ mulher colocada em posição de dependência face à família em que

está inserida

■ atenção conferida à liberdade matrimonial

■ assimetria nos papéis atribuídos aos cônjuges com reflexo no regime

jurídico, nomeadamente em matéria de administração de bens e

exercício do poder paternal

● Livro I

○ casamento como gerador de convivência que justifica determinados cuidados

○ honorabilidade associada ao estado de casado

● Livro II

○ viuvez, juntamente com comportamento adequado, legitima concessão de

certos benefícios à viúva

○ poder paternal → legitimação enquanto instituição para aproximar filhos

naturais aos filhos legítimos

● Livro III

○ pertença a família como gerador de direitos e deveres

● Livro IV:

○ aspetos patrimoniais do casamento ganham relevância

○ administração de bens do casal ⇒ marido assume posição principal

● Livro V:

○ punição por adultério e bigamia ⇒ diferenciação da punição dependendo se

quem comete os crimes é homem ou mulher


3. Legislação a partir do séc XVIII

● século XVII traz importantes alterações relativamente às matérias de instituições

familiares

● casamento e a sua proteção como matérias de interesse público

○ casamento entre diferentes credos é condenado

○ potencialidade reprodutiva justifica relevância da matéria do casamento

○ obrigatoriedade de escritura pública na celebração dos esponsais

○ instituição promotora de dignidade social

● poder paternal

○ autoridade masculina define destinos matrimoniais dos filhos

○ poder dos pais de família como elemento essencial mas desequilibrador

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